Instruções práticas sobre as manifestações espíritas

Allan Kardec

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CAPÍTULO II

DAS MANIFESTAÇÕES ESPÍRITAS

AÇÃO OCULTA


Muitas vezes os Espíritos agem sobre a nossa mente, mau grado nosso: solicitam-nos a fazer isto ou aquilo; julgamos agir por impulso próprio quando apenas obedecemos a uma sugestão estranha.

Não devemos daí inferir que não tenhamos iniciativa; longe disso: o Espírito encarnado tem sempre o livre-arbítrio; em definitivo, não faz senão aquilo que quer e, muitas vezes, segue seus próprios impulsos. Para se dar conta da maneira por que as coisas se passam, necessitamos figurar a nossa alma desprendida dos laços, pela emancipação, o que sempre ocorre durante o sono, haja ou não sonho; toda vez que há entorpecimento dos sentidos e, até, em estado de vigília. Então ela entra em comunicação com os outros Espíritos, como alguém que saísse de casa para ir aos vizinhos - se se admite essa comparação familiar. Assim se estabelece entre eles uma espécie de conversação ou, mais exatamente, uma troca de ideias. A influência do Espírito estranho não é um domínio, mas uma espécie de conselho dado à nossa alma, o qual pode ser mais ou menos prudente, conforme a natureza do Espírito, sendo a alma livre de aceitá-lo ou não, mas que pode melhor apreciar quando não mais se acha sob o império das ideias suscitadas pela vida de relação. Por isso diz-se que a noite traz o seu conselho.

Nem sempre é fácil distinguir a ideia sugerida da ideia própria, porque muitas vezes elas se confundem. Entretanto há presunção de que venha de uma fonte estranha quando é espontânea e surge em nós como uma inspiração e quando se opõe à nossa própria maneira de ver. Nosso julgamento e nossa consciência nos dão a conhecer se ela é boa ou má.

As manifestações patentes diferem das manifestações ocultas por isso que são apreciáveis pelos nossos sentidos. Constituem, a bem dizer, todos os fenômenos espíritas que se nos apresentam sob formas variadas.


MANIFESTAÇÕES FÍSICAS


Assim são chamadas as manifestações que se limitam a fenômenos materiais, tais como os ruídos, o movimento e o deslocamento de objetos. Geralmente não comportam nenhum sentido direto: seu objetivo é chamar nossa atenção para alguma coisa e convencer-nos da presença de uma força superior ao homem. Para muita gente tais manifestações são mero objeto de curiosidade; Para o observador é, pelo menos, a revelação de uma força desconhecida, digna, em todo caso, de estudo sério.

Os mais simples efeitos desse gênero são os golpes vibrados sem causa ostensiva conhecida e o movimento circular de uma mesa ou de um objeto qualquer, com ou sem imposição de mãos. Mas podem assumir proporções muito estranhas: os golpes por vezes são ouvidos de todos os lados e com uma intensidade que degenera em verdadeiro barulho; os móveis são deslocados, derrubados, levantados do chão; os objetos transportados de um lugar para outro, à vista de todos, as cortinas puxadas, arrancadas as cobertas das camas, tocadas as campainhas. Compreende-se que quando tais fenômenos se produzem certas pessoas os tenham atribuído a uma origem diabólica. Um estudo atento explicou essa crença supersticiosa. Voltaremos ao assunto.



MANIFESTAÇÕES INTELIGENTES

Se os fenômenos de que acabamos de falar se limitassem a efeitos materiais, não haveria a menor dúvida que poderiam ser atribuídos a uma causa puramente física, à ação de algum fluido cujas propriedades fossem ainda desconhecidas. Já o mesmo não aconteceu quando deram incontestáveis sinais de inteligência. Ora, se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Fácil é reconhecer num objeto que se agita um simples movimento mecânico e um movimento intencional. Se, pelo ruído ou pelo movimento, esse objeto dá um sinal, é evidente que há a intervenção de uma inteligência. Diz-nos a razão que não é o objeto material que é inteligente, de onde concluímos que ele é movido por uma causa inteligente estranha. Tal é o caso dos fenômenos de que nos ocupamos.

Se as manifestações puramente físicas, de que acabamos de falar, são de natureza a cativar nosso interesse, com mais forte razão quando nos revelam a presença de uma inteligência oculta, porque então não é mais um simples corpo inerte que defrontamos, mas um ser capaz de nos compreender, e com o qual podemos trocar idéias. Compreende-se, desde logo, que o modo de experimentação deve ser absolutamente outro do que seria se se tratasse de um fenômeno essencialmente material e que os nossos processos de laboratório são insuficientes para nos dar conta dos fatos pertinentes à ordem intelectual. Já não se pode mais aqui fazer questão de análises ou de cálculos matemáticos das forças. Ora, é precisamente este o erro em que caíram a maioria dos cientistas: julgaramse em presença de um desses fenômenos que a ciência reproduz à vontade, e sobre o qual é possível operar como sobre um sal ou um gás. Isto nada lhes tira de seu saber. Apenas dizemos que eles se enganaram julgando que poderiam meter os Espíritos numa retorta, como o espírito de vinho, e que os fenômenos espíritas não pertençam mais ao domínio das ciências exatas do que às questões de teologia ou de metafísica.



MANIFESTAÇÕES APARENTES

As manifestações aparentes mais ordinárias dão-se no sono, pelos sonhos: são as visões. Jamais foram os sonhos explicados pela ciência. Julga ela tudo haver dito, atribuindo-os a um efeito da imaginação. Mas não diz o que é a imaginação, nem como produz ela essas imagens tão claras e tão límpidas que, por vezes, nos aparecem. É explicar uma causa desconhecida por outra que não o é menos. A questão permanece, assim, por inteiro. Dizem que é uma lembrança das preocupações da vigília, mas, mesmo admitindo tal solução, que não é única, restaria saber qual é esse espelho mágico que assim conserva a impressão das coisas; como explicar sobretudo essas visões de coisas reais, que jamais foram vistas no estado de vigília e nas quais jamais se pensou? Só o Espiritismo nos poderia dar a chave desse fenômeno bizarro, que passa inapercebido por força de sua mesma vulgaridade, como todas as maravilhas da natureza que calcamos aos nossos pés[1]. Não cabe no nosso plano examinar todas as particularidades que podem os sonhos apresentar; cingimo-nos a dizer o que podem eles ser; uma visão atual das coisas presentes ou ausentes; uma visão retrospectiva do passado e, nalguns casos excepcionais, um pressentimento do futuro. Por vezes são quadros alegóricos, que os Espíritos fazem passar aos nossos olhos, a fim de nos darem avisos úteis e conselhos salutares, quando se trata de bons Espíritos, ou para induzir-nos em erro e lisonjear as nossas paixões se, se trata de Espíritos imperfeitos.

As pessoas que vemos em sonho são verdadeiras visões. Se sonhamos mais freqüentemente com as que preocupam a nossa mente, é que o pensamento é um modo de evocação e por ele nós chamamos a nós o Espírito dessas pessoas, sejam elas vivas ou mortas.

Seria uma injúria ao bom senso de nossos leitores refutar tudo quanto existe de absurdo e de ridículo naquilo que vulgarmente é apresentado como interpretação dos sonhos.

As aparições propriamente ditas dão-se em estado de vigília, quando gozamos da plenitude e da inteira liberdade de nossas faculdades. É incontestavelmente o gênero de manifestações mais adequado a excitar a curiosidade, mas é, também, o menos fácil de obter-se. Podem os Espíritos manifestar-se ostensivamente de vários modos: por vezes é sob forma de flamas ligeiras e de luares mais ou menos brilhantes, sem qualquer analogia, tanto pelo aspecto quanto pelas circunstâncias nas quais se produzem, com os fogos fátuos e outros fenômenos físicos cuja causa está perfeitamente demonstrada. Outras vezes tomam os traços de uma pessoa conhecida ou desconhecida, sobre cuja individualidade podemos iludir-nos, conforme as idéias de que estejamos imbuídos. É então uma imagem vaporosa, etérea, que não encontra qualquer obstáculo nos corpos sólidos. Os fatos desse gênero são numerosos. Mas antes de os atribuir à imaginação ou à charlatanice, devem levar-se em conta as circunstâncias em que os mesmos se produzem, a posição e, principalmente, o caráter do narrador.

Em certos casos a aparição se torna tangível, isto é, adquire momentaneamente e sob o império de certas circunstâncias, as propriedades da matéria sólida. Então não é mais pelos olhos que constatamos a realidade, mas pelo tacto. Se se pudesse atribuir à ilusão ou a uma espécie de fascinação a aparição apenas visual, a dúvida já não seria permissível quando se pode tocar, pegar e apalpar, quando ela mesma nos agarra e nos abraça[2].



MANIFESTAÇÕES ESPONTÂNEAS


A maior parte dos fenômenos de que acabamos de falar, principalmente dos pertinentes ao gênero das manifestações físicas e aparentes, podem produzir-se espontaneamente, isto é, sem que a vontade neles tenha qualquer participação. Nas outras circunstâncias podem ser provocados pela vontade de pessoas ditas médiuns, para isso dotadas de um poder especial.

As manifestações espontâneas nem são raras nem novas. Rara é a crônica local que não encerre algum relato desse gênero. Sem dúvida o medo exagerou os fatos, que tomaram, assim, proporções gigantescamente ridículas, ao passar de boca em boca. Devido ao trabalho da superstição, as casas onde eles se passaram foram consideradas assombradas pelo diabo. Daí todos os contos maravilhosos ou terríveis dos fantasmas. Por outro lado o embuste não perdeu tão bela ocasião para explorar a credulidade, muitas vezes em proveito pessoal. Aliás, é compreensível, mesmo quando reduzido à realidade, a impressão causada por fatos desse gênero sobre os caracteres fracos e predispostos pela educação a idéias supersticiosas. O mais seguro meio de prevenir os inconvenientes que poderiam ter os mesmos - já que se não poderia impedi-los - é dar a conhecer a verdade. As mais simples coisas tornam-se apavorantes quando se lhes desconhecem as causas. Uma vez familiarizados com os Espíritos e desde que aqueles a quem eles se manifestam não creiam ter às costas uma legião de demônios, aqueles não mais os temerão.

As manifestações espontâneas se produzem muito raramente em lugares isolados. É quase sempre em casas habitadas que elas ocorrem, isto pelo fato da presença de certas pessoas que, mau grado seu, exercem uma certa influência. Tais pessoas são verdadeiros médiuns que ignoram suas próprias faculdades e que, por isso, os chamamos médiuns naturais. Eles são para os outros médiuns aquilo que os sonâmbulos naturais são para os sonâmbulos magnéticos e igualmente dignos de serem observados. É por isso que aconselhamos àqueles que se ocupam com os fenômenos espíritas a colher todos os fatos desse gênero que chegarem ao seu conhecimento, mas sobretudo a constatar a sua realidade cuidadosamente, a fim de evitar se-jam vítimas de ilusões e de fraudes, o que conseguirão por meio de uma observação atenta.

Devemos manter-nos em guarda não só contra as histórias que podem ser marcadas de exageros, mas contra as nossas próprias impressões e não atribuir uma origem oculta a tudo quanto não se compreenda. Uma infinidade de causas muito simples e muito naturais podem produzir efeitos estranhos à primeira vista; e seria verdadeira superstição ver em toda parte Espíritos ocupados em derrubar móveis, quebrar louça e, enfim, suscitar mil e uma complicações domésticas que seria mais racional levar à conta de descuidos.

O que é preciso fazer em casos semelhantes é procurar a causa; e há cem probabilidades contra uma de encontrarmos uma explicação muito simples onde parecia tratar-se de um Espírito perturbador. Quando ocorre um fenômeno inexplicável, o primeiro pensamento que se deve ter é que o mesmo seja devido a uma causa material, por ser a mais provável, e não admitir a intervenção dos Espíritos senão com conhecimento de causa. Por exemplo, aquele que, sem se aproximar de ninguém, recebesse um sopro ou uma bengalada nas costas, como tem acontecido, não poderia duvidar da presença de um ser invisível.

De todas as manifestações espíritas as mais simples e as mais freqüentes são os ruídos e os golpes vibrados. Aqui, sobretudo, é que se deve temer a ilusão, pois uma porção de causas naturais os podem produzir: o vento que sopra, ou agita um objeto, um objeto que movemos sem nos apercebermos, um efeito acústico, um animal escondido, um inseto, etc., por vezes, mesmo, uma traquinada de mau gosto. Aliás os ruídos espíritas têm um caráter particular, e afetam um timbre e uma intensidade muito variados, que os tornam facilmente reconhecíveis e não permitem sejam confundidos com o estalo da madeira que se dilata, o crepitar do fogo ou o tic-tac monótono de um relógio. São golpes ora surdos, distintos, por vezes barulhentos, que mudam de lugar e se repetem sem aquela regularidade mecânica. De todos os meios de controle o mais eficaz, o que não deixa dúvidas quanto à sua origem, é a obediência à vontade. Se os golpes se fazem ouvir num lugar determinado, se respondem ao pensamento pelo número e pela intensidade, não é possível negar a existência de uma causa inteligente; mas a falta de obediência nem sempre é prova em contrário.

Admitamos agora que, por uma constatação minuciosa, se adquira a certeza de que os ruídos ou quaisquer outros efeitos sejam manifestações reais. Será razoável ficar apavorado? Certo que não. Porque, em qualquer caso, não poderia haver o menor perigo. Só as pessoas persuadidas de que é o diabo e que podem ser afetadas prejudicialmente, como as crianças a quem metem medo com o Lobo-mau ou com o Tutu-marambá. Em certas circunstâncias essas manifestações adquirem proporções e uma persistência desagradáveis - é bom reconhecer e despertam o natural desejo de nos desembaraçarmos delas. Torna-se necessária uma explicação a respeito.

Temos dito que as manifestações físicas têm por fim chamar a nossa atenção para alguma coisa e convencer-nos da presença de uma força superior ao homem. Temos dito também, que os Espíritos elevados não se ocupam dessas espécies de manifestações: eles se servem dos Espíritos inferiores para as produzir, assim como nós nos servimos dos criados para as tarefas grosseiras, e com o objetivo que acabamos de indicar. Atingido o objetivo, cessa a manifestação material, por não mais ser necessária. Um dos dois exemplos darão bem a compreender. No começo de meus estudos sobre o Espiritismo, estando uma noite ocupado com um trabalho do gênero, golpes foram ouvidos em torno de mim, durante quatro horas consecutivas. Era a primeira vez que tal me acontecia. Constatei que eles não eram devidos a nenhuma causa acidental, mas no momento não foi possível saber mais do que isto. Nessa época eu tinha oportunidade de ver com freqüência um excelente médium psicógrafo. No dia seguinte interroguei o Espírito que se comunicava por seu intermédio sobre a causa daqueles golpes.

  • “Foi teu Espírito familiar”, respondeu-me ele, "que deseja falar-te”.
  • E o que desejava dizer-me?
  • "Podes perguntar tu mesmo, pois que aqui se acha”.
Tendo interrogado esse Espírito, ele se deu a conhecer sob um nome alegórico. (Vim a saber posteriormente, através de outros Espíritos, que é o de um ilustre filósofo antigo). Assinalou erros em meu trabalho, indicando-me as linhas onde os mesmos se acharam; deu-me úteis e sábios conselhos e acrescentou que estaria sempre comigo e viria ao meu apelo sempre que eu quisesse interrogá-lo. Com efeito, desde então esse Espírito jamais me deixou. Deu-me inúmeras provas de grande superioridade e sua intervenção benévola e eficaz me foi manifesta tanto nos negócios da vida material quanto no que se refere às coisas metafísicas. Mas desde a nossa primeira conversa cessaram os golpes. Que queria ele realmente? Entrar em comunicação regular comigo. Para tanto era preciso advertir-me. Sem dúvida não foi ele em pessoa quem veio bater em minha casa; possivelmente mandou um emissário às suas ordens. Dada a advertência, depois explicada, estabeleceram-se relações regulares, os golpes tornaram-se inúteis e, por isso, cessaram.

Não se rufam os tambores para acordar os soldados, desde que eles já estejam de pé.

Um fato mais ou menos semelhante aconteceu a um de nossos amigos. Desde algum tempo em seu quarto soavam ruídos diversos, que se tornaram incômodos. Apresentando-se uma oportunidade de interrogar o Espírito de seu pai por um médium psicógrafo, ficou sabendo o que queriam, fez o que lhe era recomendado e desde então nada mais foi ouvido. É de notar-se que as pessoas que têm um meio regular de fácil comunicação com os Espíritos têm muito mais raramente manifestações desse gênero, o que é fácil de compreender-se.

Os Espíritos que se manifestam assim podem igualmente agir por conta própria. Por vezes são Espíritos sofredores que pedem assistência moral[3]. Quando podem traduzir seu pensamento de maneira mais inteligível, pedem essa assistência segundo a forma que lhes era familiar em vida; ou que está nas idéias e nos hábitos daqueles a quem se dirigem, pois pouco importa essa forma, de vez que a intenção vem do coração.

Em resumo, o meio de fazer cessar essas manifestações importunas é procurar entrar em comunicação inteligente com o Espírito que vem perturbar-nos, a fim de saber quem seja ele e o que quer de nós. Satisfeito o seu desejo, ele rios deixa em paz. É como alguém que bate a uma porta até que lha abram.

- Mas, que fazer quando não se dispõe de um médium?
-
Que faz o doente que não tem médico? Passa sem ele.


Aqui temos um outro recurso. O doente não pode fazer-se médico, mas em dez pessoas nove podem ser médiuns psicógrafos. Então é procurar tornar-se médium, desde que não encontre um na família. Em falta de um médium escrevente, pode interrogar-se o Espírito diretamente e ele responderá ainda por pancadas, isto é, pelo número de golpes convencionados. Voltaremos ao assunto nos capítulos seguintes.

[1] Vide o verbete Sonho no vocabulário.


[2] Vide na REVISTA ESPIRITA, meses de março, abril e maio de 1858, a descrição e a explicação das manifestações desse gênero. Vide, também, trabalhos mais recentes de escritores espíritas e sua abundante documentação. N. do editor francês.


[3] Vide no vocabulário o verbete Prece.

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