Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1864

Allan Kardec

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Crônica de Paris (de 23 de setembro de 1863)

A propósito dos espectros dos teatros, assim conclui o correspondente, depois de haver feito o seu histórico:

“Assim, no próximo inverno, cada uma poderá regalar seus amigos do espetáculo, tornado popular, com alguns fantasmas e outras curiosidades sobrenaturais. À sobremesa, apagarão as velas e ver-se-ão aparecer, envoltos em seus sudários, os espectros modernos, assim substituindo as quadrinhas que outrora cantavam os nossos avós. Nos bailes, em vez de refrescos, desfilarão fantasmas. Que distração encantadora! Só em pensar a gente sente um arrepio.”

O autor passa ao Espiritismo:

“Considerando-se que falamos de coisas sobrenaturais, não passaremos em silêncio o Livro dos Espíritos. Que título atraente! Quantos mistérios ele não oculta! E se voltarmos ao ponto de partida, que caminho não percorreram essas ideias de alguns anos para cá!

“No começo, esses fenômenos, ainda não explicados, consistiam numa simples mesa posta em movimento pela imposição das mãos. Hoje as mesas não se contentam mais em girar, pular, erguer-se num pé, fazer mil cabriolas. Elas vão mais longe: Elas falam! Quando digo que falam, é que elas têm um alfabeto próprio, e mesmo vários. Basta dirigir-lhes uma pergunta e logo é dada a resposta por pequenas batidas seguidas, com o pé, ou mesmo por meio de um lápis que, seguro pela mão, põe-se a traçar sobre o papel, sinais, palavras, frases inteiras ditadas por uma vontade estranha e desconhecida. Então a mão se torna simples instrumento, um porta-lápis, e o espírito da pessoa fica completamente estranho a tudo o que se passa.

“O Espiritismo ─ é assim que chamam a ciência desses fenômenos ─ em poucos anos fez grandes progressos nos fatos e na prática, mas a teoria, em minha opinião, não fez o mesmo caminho, pois ficou estacionária, e direi por quê.

“É incontestável, a menos que as pessoas que se ocupam dessa matéria não tenham interesse em se enganar e nos enganar, é incontestável que os fatos existem. Eles não se revelam apenas por meio das mesas. Eles se nos apresentam todos os dias e a todas as horas. Eles excitam a admiração de todos, mas cada um fica nisto. Exemplifiquemos:

“Duas pessoas concebem a mesma ideia ou se encontram simultaneamente na mesma palavra; alguém que não encontramos com frequência e em quem acabamos de pensar apresenta-se inopinadamente; batem à nossa porta e, posto que de fora nada indique a pessoa, adivinhamos quem é; uma carta com dinheiro nos chega num momento de urgência; e tantos outros casos tão frequentes, tão numerosos e conhecidos de todo o mundo. Tudo isto pode ser atribuído ao acaso? Não, não pode ser o acaso de modo algum. E por que não seria uma comunicação fluídica inapreciável por nossa organização material, um sexto sentido, enfim, de natureza mais elevada?

“Ninguém sabe onde reside a alma, porquanto ela não é visível nem ponderável nem tangível, contudo, cheios de convicção como estamos, afirmamos a sua existência.

“Qual é a natureza do agente elétrico? O que é o ímã?... Contudo os efeitos da eletricidade e do magnetismo estão continuamente patentes aos nossos olhos.

“Estou persuadido de que um dia acontecerá o mesmo com o Espiritismo, ou seja qual for o nome que em definitivo a Ciência haja por bem lhe dar.

“Há algum tempo vi numerosos casos de catalepsia, de magnetismo, de Espiritismo, e não posso conservar a menor dúvida a seu respeito, mas o que me parece mais difícil é poder explicá-los e atribuí-los a esta ou àquela causa. Portanto, é preciso proceder com prudência e reserva, abstendo-se de cair num dos dois extremos: o de negar todos os fatos, ou o de submetê-los todos a uma teoria prematura.

“A existência dos fenômenos é incontestável; sua teoria ainda está por descobrir, eis hoje o estado da questão. Não se pode negar que haja algo de singular e digno de ser examinado nesta ideia que agitou o mundo inteiro e que reaparece com mais intensidade do que nunca, nessa ideia que tem os seus órgãos periódicos, seus anais de observação; nessa ideia que emocionou os espíritos na Áustria, na Itália, na América, que faz nascerem reuniões na França, país onde elas raramente se formam, e onde o governo dificilmente as tolera.

“Esta invasão geral, além de produzir uma viva impressão, tem altíssima importância. É necessário, pois, sem precipitação nem ideias preconcebida, verificar os fenômenos com boa-fé, até que venham a ser explicados, o que será feito um dia, se a Deus aprouver revelar-nos a natureza desse agente misterioso.”

Como se vê, o autor não é muito adiantado, mas, ao menos, não julga pelo que não sabe. Ele reconhece a existência dos fatos e sua causa primeira, mas não conhece seu modo de produção. Ele ignora os progressos da parte teórica da ciência e, a respeito, dá um conselho muito sábio, o de não fazer teorias aventurosas, à maneira que cada um se esforçava por fazer, pois foi assim que a maioria desses sistemas prematuros caíram ante experiências ulteriores que vieram contradizê-los.

Hoje temos uma teoria racional, na qual nenhum ponto foi admitido a título de hipótese, pois tudo é deduzido da experiência e da atenta observação dos fatos. Pode-se dizer que, a tal respeito, o Espiritismo tem sido estudado à maneira das ciências exatas.

Negada ontem, esta ciência não disse tudo, e ainda nos resta muito a aprender, mas disse o bastante para ser estabelecida em bases fundamentais e para se saber que esses fenômenos não saem da ordem dos fatos naturais. Eles foram qualificados como sobrenaturais e maravilhosos por falta de conhecimento da lei que os rege, assim como aconteceu com a maioria dos fenômenos da Natureza. Dando a conhecer essa lei, o Espiritismo restringe o círculo do maravilhoso em vez de ampliá-lo. Dizemos mais: Ele lhe desfere o último golpe. Os que falam de outro modo provam que não o estudaram.

Constatamos com satisfação que a ideia espírita faz sensíveis progressos no Rio de Janeiro, onde conta com numerosos representantes fervorosos e devotados. A pequena brochura O Espiritismo em sua expressão mais simples, publicada em português, não contribuiu pouco para ali espalhar os verdadeiros princípios da doutrina.

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