Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Março

O homenzinho ainda vive

O Sr. Émile Deschanel, cujo nome não nos era conhecido, quis consagrar-nos vinte e quatro colunas do Journal des Debats, nos números de 15 e 29 de novembro último. Nós lhe agradecemos o fato, senão a intenção. Com efeito, depois dos artigos da Bibliographie catholique e da Gazette de Lyon, que lançavam o anátema e a injúria escancarados, de maneira a fazer crer num retorno ao século XV, nada conhecemos de mais malévolo, de menos científico e sobretudo de mais longo que o do Sr. Deschanel. Uma tão vigorosa sortida deve ter-lhe feito pensar que o Espiritismo, por ele ferido a lança e espada, ficaria para sempre morto e bem enterrado. Como não lhe respondemos; porque não lhe fizemos nenhuma intimação e porque não iniciamos com ele nenhuma polêmica extrema, pode ter-se equivocado quanto à causa do nosso silêncio, cujos motivos devemos expor. O primeiro é que, em nossa opinião, nada havia de urgente e estávamos muito à vontade para esperar, a fim de julgar o efeito desse assalto, e por ele regular a nossa resposta. Hoje, que estamos completamente informados a respeito, diremos algumas palavras.

O segundo motivo é consequência do primeiro. Para refutar o artigo em detalhes, teria sido necessário reproduzi-lo por inteiro, a fim de pôr à vista o ataque e a defesa, o que teria absorvido um número da nossa Revista. A refutação absorveria pelo menos dois números. Teríamos, assim, três números empregados em refutar o quê? Razões? Não, apenas pilhérias do Sr. Deschanel. Francamente não valia a pena, e nossos leitores preferem outra coisa. Os que desejarem conhecer a sua lógica poderão contentar-se lendo os números citados. E depois, nossa resposta teria sido, em definitivo, senão a repetição do que escrevemos, do que respondemos ao Univers, ao Sr. Oscar Comettant, à Gazette de Lyon, ao Sr. Louis Figuier e à Bibliographie Catholique[1], porque todos esses ataques não passam de variantes do mesmo tema. Teria sido preciso, então, repetir a mesma coisa em outros termos, para não ser monótono, e não teríamos tempo. O que poderíamos dizer seria inútil para os adeptos e não seria bastante completo para convencer os incrédulos; seria, pois, trabalho perdido. Preferimos remeter às nossas obras os que queiram realmente esclarecer-se. Eles poderão fazer um paralelo dos argumentos pró e contra. Sua própria razão fará o resto.

Aliás, por que responder ao Sr. Deschanel? Para convencê-lo? Mas isto não nos interessa absolutamente. Dir-se-á que seria um adepto a mais. Mas, que importância tem, a mais ou a menos, a pessoa do Sr. Deschanel? Que peso pode ter na balança, quando as adesões chegam aos milhares, desde o alto da escala social? ─ Mas é um jornalista e se, em lugar de uma diatribe, tivesse feito um elogio, não teria sido muito melhor para a doutrina? Este é um problema mais sério. Examinemo-lo.

Para começar, é certo que o Sr. Deschanel, novo converso, teria publicado vinte e quatro colunas em favor do Espiritismo, como as publicou contra? Não o cremos, por duas razões: a primeira, porque teria temido ser levado a ridículo por seus confrades; a segunda, porque o diretor do jornal provavelmente não as teria aceito, com medo de afugentar certos leitores menos apavorados com o diabo do que com os Espíritos. Conhecemos bom número de literatos e jornalistas que estão nessas condições e que nem por isso deixam de ser menos bons e sinceros espíritas. Sabe-se que a Sra. Émile de Girardin, que geralmente passa por ter tido alguma inteligência em vida, não só era muito crente, mas ainda muito boa médium e obteve inúmeras comunicações, mas as reservava para o círculo íntimo de seus amigos, que partilhavam suas convicções. Aos outros ela não falava disto. Um jornalista que ousa falar contra, mas que não ousaria falar pró, se estivesse convencido, seria para nós um simples indivíduo. Quando vemos uma mãe desolada com a perda do filho querido encontrar inefáveis consolações na doutrina, sua adesão aos nossos princípios tem para nós cem vezes o preço da conversão de um ilustre qualquer, se esse ilustre nada ousa dizer. Ademais, homens de boa vontade não faltam. São tão abundantes e tantos vêm a nós, que mal conseguimos atendê-los. Assim, não vemos por que perder tempo com os indiferentes e correr atrás dos que não nos procuram.

Uma só palavra revelará se o Sr. Deschanel é sério. Eis o começo de seu segundo artigo, de 29 de novembro:

“A Doutrina Espírita refuta-se por si mesma. Basta expô-la. Depois de tudo, ela não está errada por se chamar simplesmente espírita, porque nem é espiritual nem espiritualista. Ao contrário, baseia-se no mais grosseiro materialismo e só não é divertida porque é ridícula.”

Dizer que o Espiritismo é baseado num materialismo grosseiro, quando ele o combate sem tréguas; quando ele nada seria sem a alma, sua imortalidade, as penas e recompensas futuras, das quais é demonstração patente, é o cúmulo da ignorância daquilo de que se trata. Se não é ignorância, é má-fé e calúnia. Vendo esta acusação e vendo-o citar os textos bíblicos, os profetas, a lei de Moisés, que proíbe interrogar os mortos, ─ prova de que podem ser interrogados, pois não se proíbe uma coisa impossível ─ poderíamos acreditá-lo de uma ortodoxia furibunda, mas lendo os faceciosos trechos seguintes de seu artigo, os leitores ficarão muito embaraçados para se pronunciarem a respeito da sua opinião:

“Como os Espíritos podem cair sobre os vossos sentidos? Como podem ser vistos, ouvidos, apalpados? E como podem escrever eles próprios e nos deixar autógrafos do outro mundo?

─ “Oh! Mas é que esses Espíritos não são Espíritos como podeis crer: Espíritos puramente Espíritos. “O Espírito ─ escutem bem ─ não é um ser abstrato, indefinido, que só o pensamento concebe; é um ser real, circunscrito, que, em certos casos, é apreciável pelos sentidos da visão, da audição e do tato.” ─ “Mas, então, esses Espíritos têm corpos?

─ “Não precisamente.

─ “Mas, então?...

─ “Há no homem três coisas:

“1.º ─ O corpo, ou ser material, análogo aos animais, movido pelo mesmo princípio vital;

“2.º ─ A alma, ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo;

“3.º ─ O laço que une a alma e o corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito.”

─ “Intermediário? Que diabo quereis dizer? Ou se é matéria ou não se é.

─ “Isto depende.

─ “Como! isto depende!

─ “Eis a coisa: “O laço ou perispírito, que une o corpo e o Espírito é uma espécie de envoltório semimaterial...” ─ “Semi!... semi!

─ “A morte é a destruição do envoltório mais grosseiro; o Espírito conserva o segundo, que constitui para ele um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, mas que acidentalmente pode torná-lo visível e mesmo tangível, como acontece no fenômeno das aparições.”

“Etéreo tanto quanto queirais, um corpo é um corpo. Isto quer dizer dois. E a matéria é a matéria. Sutilizai-a tanto quanto o queirais, lá dentro não há semi algum. A própria eletricidade não passa de matéria, e não semimatéria. E quanto ao vosso...

Como chamais isto?

─ “O perispírito?

─ “Sim, vosso perispírito... eu acho que ele nada explica e que ele mesmo necessita muito de explicação.

─ “O perispírito serve de primeiro envoltório ao Espírito e une a alma ao corpo. Tais são, num fruto, o germe, o perisperma e a casca ... O perispírito é tirado do meio-ambiente, do fluido universal; ele participa, ao mesmo tempo, da eletricidade, do fluido magnético e, até certo ponto, da matéria inerte... Compreendeis?

─ “Não muito.

─ “Poder-se-ia dizer que é a quintessência da matéria.”

─ “Por mais que quintessencieis, daí não tirareis espírito, nem semiespírito.

Vosso perispírito é pura matéria.

─ “É o princípio da vida orgânica, mas não da vida intelectual.”

─ “Enfim, é o que quiserdes. Vosso perispírito é tantas coisas, que não sei bem o que ele é; bem poderá ser nada.”

O vocábulo perispírito vos ofusca, ao que parece. Se tivésseis vivido ao tempo em que foi inventado o vocábulo perisperma, provavelmente também o tivésseis achado ridículo. Por que não criticar os que diariamente são inventados para exprimir ideias novas? Não é o vocábulo que critico, direis vós, é a coisa. Seja, porque jamais vistes o perispírito, mas negais a alma, que também nunca vistes? Negais Deus pelo mesmo motivo? Então! Se não se pode ver a alma ou o Espírito, o que é a mesma coisa, pode-se ver o seu envoltório fluídico ou perispírito, quando livre, como se vê seu envoltório carnal quando ela está encarnada.

O Sr. Deschanel esforça-se por provar que o perispírito deve ser matéria. Mas é o que dizemos com todas as letras. Porventura seria isto o que o faz dizer que o Espiritismo é uma doutrina materialista? Mas a própria citação que ele faz o condena, pois o dizemos nos próprios termos, menos as espirituosas facécias, que este não passa de um envoltório independente do Espírito. Onde nos ouviu dizer que é o perispírito que pensa? Vá que ele não queira o perispírito. Mas que nos diga como explica a ação dos Espíritos sobre a matéria sem intermediário. Não falaremos das aparições contemporâneas, nas quais por certo não acredita. Mas, desde que é tão aferrado à Bíblia, da qual faz uma defesa tão acalorada, é porque acredita na Bíblia e no que ela diz. Então que nos explique as aparições de anjos, dos quais há menção a cada passo. Segundo a doutrina teológica, os anjos são puros Espíritos; mas quando se tornam visíveis, ele dirá que é o Espírito que se mostra? Isto seria, então, por esta vez, materializar o próprio Espírito, pois só a matéria pode afetar os nossos sentidos. Nós dizemos que o Espírito reveste um envoltório, que pode tornálo visível e mesmo tangível, à vontade. Só o envoltório é material, embora muito etéreo, o que nada tira às qualidades próprias do Espírito. Assim explicamos um fato até então sem explicação, e certamente somos menos materialistas que os que pretendem que é o próprio Espírito que se transforma em matéria para ser visto e para agir. Os que não acreditavam na aparição dos anjos da Bíblia podem agora acreditar, se acreditam na existência dos anjos, sem que isso repugne à razão. Por isso mesmo, podem compreender a possibilidade das manifestações atuais, visíveis, tangíveis e outras, desde que a alma ou Espírito possui um envoltório fluídico, supondo-se que acreditam na existência da alma.

Ademais, o Sr. Deschanel esqueceu uma coisa: de expor a sua teoria da alma ou do Espírito. Como homem judicioso, deveria ter dito: Estais errado por esta ou aquela razão; as coisas não são tais quais dizeis; eis o que são. Só então teríamos algo sobre que discutir. Mas é de notar que isto é o que ainda não fez nenhum dos contraditores do Espiritismo. Negam, zombam ou injuriam. Não lhes conhecemos outra lógica, o que é muito pouco inquietante. Assim, absolutamente não nos inquietamos, porque se eles nada propõem, parece que nada de melhor têm a propor. Só os francamente materialistas têm um sistema determinado: o nada após a morte. Desejamo-lhes muita diversão, se isto os satisfaz. Infelizmente os que admitem a alma estão na impossibilidade de resolver as mais vitais questões, apenas conforme sua teoria e por isso não têm outro recurso senão a fé cega, razão pouco concludente para os que gostam de razões, e o seu número é grande neste tempo de luzes. Ora, como os espiritualistas nada explicam de modo satisfatório para os pensadores, estes concluem que não há nada, e que os materialistas talvez tenham razão. É isto que conduz tanta gente à incredulidade, ao passo que essas mesmas dificuldades encontram uma solução simples e natural pela teoria espírita. O materialismo diz: Nada há fora da matéria. O espiritualismo diz: Há alguma coisa, mas não o prova. O Espiritismo diz: Há alguma coisa, e o prova, e auxiliado por sua alavanca, explica o que até agora era inexplicável. É o que faz que o Espiritismo reconduza tantos incrédulos ao espiritualismo. Só uma coisa pedimos ao Sr. Deschanel: que dê claramente a sua teoria e que responda, não menos claramente, às diversas perguntas por nós dirigidas ao Sr. Figuier.

Em suma, as objeções do Sr. Deschanel são pueris. Se tivesse sido ele um homem sério; se tivesse feito crítica com conhecimento de causa; se não se tivesse exposto ao pesado erro de taxar o Espiritismo de doutrina materialista, teria procurado aprofundar-se; teria vindo nos encontrar, como tantos outros, para pedir esclarecimentos que com prazer lhe daríamos. Mas ele preferiu falar conforme suas próprias ideias, que sem dúvida olha como o supremo regulador, como a unidade métrica da razão humana. Ora, como sua opinião pessoal nos é indiferente, não nos preocupamos em o fazer mudá-la. Não demos um único passo para tanto, não o convidamos a nenhuma reunião, a nenhuma demonstração. Se ele quisesse saber, teria vindo. Como não veio, é porque não o queria e não nos interessamos mais do que ele.

Outro ponto a examinar é este: Uma crítica tão virulenta e tão longa, fundamentada ou não, num jornal tão importante quanto o Débats, pode prejudicar a propagação das ideias novas? Vejamos.

De início é necessário observar que não se trata uma doutrina filosófica como uma mercadoria. Se um jornal afirmasse, apoiado em provas, que tal comerciante vende mercadorias avariadas ou falsificadas, ninguém seria tentado a experimentar se aquilo era verdade. Mas toda teoria metafísica é uma opinião que, fosse ela do próprio Deus, encontraria contraditores. Não vimos as melhores coisas, as mais incontestáveis verdades de hoje serem postas em ridículo, no seu aparecimento, pelos homens mais capazes? Isso as impediu de ser verdadeiras e se propagarem? Todo mundo o sabe. Eis por que a opinião de um jornalista sobre questões desse gênero é apenas e sempre uma opinião pessoal. E a gente imagina que se tantos sábios se equivocaram sobre coisas positivas, o Sr. Deschanel pode bem enganar-se sobre uma coisa abstrata. Por menos que ele tenha uma ideia, mesmo vaga, do

Espiritismo, sua acusação de materialismo é a sua própria condenação. Disso resulta que as pessoas preferem ver e julgar por si próprias, e é tudo quanto pedimos. A tal respeito, sem o querer, o Sr. Deschanel prestou um verdadeiro serviço à nossa causa; e nós lhe agradecemos, porque ele nos poupa despesas de publicidade, pois não somos bastante ricos para pagar um folhetim de 24 colunas. Por mais espalhado que esteja, o Espiritismo ainda não penetrou em toda parte. Há muita gente que dele ainda não ouviu falar. Um artigo de tal importância atrai a atenção. Penetra mesmo no campo inimigo, onde causa deserções, porque se diz naturalmente que não se ataca assim uma coisa sem valor. Com efeito, a gente não se desgasta dirigindo baterias formidáveis contra uma praça que se pode tomar a fuzil. Julga-se a resistência pelo aparato das forças de ataque, e é isto que desperta a atenção sobre coisas que talvez pudessem passar despercebidas.

Isto é apenas raciocínio. Vejamos se os fatos vêm contradizê-lo. Julga-se do crédito de um jornal pelas simpatias que encontra na opinião pública, pelo número de seus leitores. O mesmo deve se dar com o Espiritismo, representado por algumas obras especiais; só falaremos das nossas, porque lhes conhecemos o número exato. Então! O Livro dos Espíritos, que passa por ser a mais completa exposição da doutrina, foi publicado em 1857; a 2.º edição em abril de 1860; a 3.º em agosto de 1860, isto é, quatro meses mais tarde, e em fevereiro de 1861, a 4.º estava à venda. Assim, três edições em menos de um ano provam que nem todo mundo é da opinião do Sr. Deschanel. Nossa nova obra, o Livro dos Médiuns, apareceu a 15 de janeiro de 1861, e já é preciso pensar na preparação de uma nova edição. Foi pedido da Rússia, da Alemanha, da Itália, da Inglaterra, da Espanha, dos Estados Unidos, do México, do Brasil, etc.

Os artigos do Journal des Débats apareceram em novembro último. Se eles tivessem exercido a menor influência sobre a opinião pública, teria sido sobre a Revista Espírita, que publicamos, que tal influência ter-se-ia feito sentir. Ora, a 1.º de janeiro de 1861, data da renovação das assinaturas anuais, havia um terço a mais de assinantes em relação à mesma época do ano anterior, e diariamente ela recebe novos assinantes que, coisa digna de registro, pedem todas as coleções dos anos anteriores, tanto que foi necessário reimprimi-las. Isto prova que ela não lhes parece assim tão ridícula. De todos os lados, em Paris, no interior, no estrangeiro, formamse reuniões espíritas. Conhecemos mais de cem delas nos Departamentos e estamos longe de conhecê-las todas, sem contar todas as pessoas que disto se ocupam isoladamente ou no seio da família. Que dirão a isto os Srs. Deschanel, Figuier e outros da mesma espécie? Que o número de loucos aumenta. Sim, aumenta de tal modo que em pouco tempo os loucos serão mais numerosos que a gente sensata. Mas o que tais senhores, tão cheios de solicitude pelo bom-senso humano devem deplorar, é ver que tudo quanto fizeram para parar o movimento produz resultado completamente contrário. Querem eles saber a causa? É muito simples. Eles pretendem falar em nome da razão, e nada oferecem de melhor: uns dão como perspectiva o nada; outros, as chamas eternas, duas alternativas que agradam a muito pouca gente. Entre as duas escolhe-se aquilo que é mais tranquilizador. Depois disto, é de admirar que os homens se lancem nos braços do Espiritismo! Aqueles senhores acreditavam tê-lo matado, e nós tivemos que lhes provar que o homenzinho vive ainda[2], e viverá por muito tempo.

Tendo demonstrado a experiência que os artigos do Sr. Deschanel, longe de prejudicar a causa do Espiritismo, a serviram, excitando nos que dele ainda não haviam ouvido falar, o desejo de conhecê-lo, julgamos supérfluo discutir uma por uma de suas asserções. Todas as armas têm sido empregadas contra esta doutrina: atacaram-na em nome da religião, a que ela serve ao invés de prejudicar; em nome da Ciência, em nome do materialismo. Prodigalizaram-lhe, seguidamente, a injúria, a ameaça, a calúnia e ela resistiu a tudo, mesmo ao ridículo. Sob a nuvem de dardos que lhe atiram, ela faz pacificamente a volta ao mundo e se implanta por toda parte, às barbas de seus inimigos mais encarniçados. Não há nisto matéria para reflexão séria e não é a prova de que ela encontra eco no coração do homem, ao mesmo tempo que está sob a salvaguarda de uma força contra a qual vêm quebrar-se os esforços humanos?

É notável que no momento em que apareceram os artigos do Journal des Débats, comunicações espontâneas ocorreram em vários lugares, em Paris como nos Departamentos. Todas exprimem o mesmo pensamento. A seguinte foi dada na Sociedade, a 30 de novembro último:

“Não vos inquieteis com o que o mundo pode escrever contra o Espiritismo. Não é a vós que atacam os incrédulos, é ao próprio Deus. Mas Deus é mais poderoso do que eles. É uma era nova, entendei bem, que se abre ante vós, e os que buscam opor-se aos desígnios da Providência em breve serão derrubados. Como foi dito perfeitamente, longe de prejudicar o Espiritismo, o ceticismo fere as próprias mãos e ele mesmo se matará. Desde que o mundo quer tornar a morte onipotente pelo nada, deixai-o falar; oponde apenas a indiferença ao seu amargo pedantismo. Para vós a morte não será mais essa deusa atroz que os poetas sonharam. A morte se vos apresentará como a aurora dos dedos de rosa de Homero.[3]

ANDRÉ CHÉNIER

Sobre o mesmo assunto, São Luís havia dito antes:

“Semelhantes artigos não fazem mal senão aos que os escrevem; não fazem mal nenhum ao Espiritismo, que ajudam a espalhar, até mesmo entre os seus inimigos.”

Um outro Espírito respondeu a um médico de Nimes, que lhe perguntou o que pensava dos artigos:

“Deveis ficar satisfeitos com isto. Se vossos inimigos se ocupam tanto convosco, é porque vos reconhecem algum valor e vos temem. Deixai, então, que digam e façam o que quiserem. Quanto mais eles falarem, mais vos tornarão conhecidos. Não está longe o tempo em que serão forçados a calar-se. Sua cólera prova a sua fraqueza. Só a verdadeira força sabe dominar-se, pois tem a calma da confiança. A fraqueza procura atordoar-se fazendo muito barulho.”

Quereis agora uma amostra do emprego que certos sábios fazem da Ciência em proveito da Sociedade? Citemos um exemplo.

Um dos nossos colegas da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, o Sr. Indermuhle, de Berna, escreve-nos o seguinte:

“O Sr. Schiff, professor de Anatomia (não sei se é o mesmo que tão engenhosamente descobriu o músculo que range, do qual o Sr. Jobert de Lamballe se tornou o editor responsável)[4], há algumas semanas deu aqui um curso público sobre digestão. Certamente o curso não deixava de ser interessante. Mas, depois de haver falado muito sobre a cozinha e a Química, a propósito dos alimentos, provou que nenhuma matéria se aniquila; que pode dividir-se e transformar-se, mas que é encontrada na composição do ar, da água e dos tecidos orgânicos, e chegou à seguinte conclusão: “Assim, pois, diz ele, a alma, tal como o vulgo a entende, é exatamente nesse sentido que aquilo que chamamos alma, após a morte do corpo, se dissolve como o corpo material; ela se decompõe para se juntar às matérias contidas, seja no ar, seja nos outros corpos. É somente neste sentido que o vocábulo imortalidade se justifica. Do contrário, não.”

“É assim que em 1861 os sábios encarregados de instruir e esclarecer os homens lhes oferecem pedra ao invés de pão. É preciso dizer, em louvor da Humanidade, que os ouvintes estavam, na maioria, muito pouco edificados e satisfeitos com esta conclusão tirada tão bruscamente, e que muitos se escandalizaram. Eu, de minha parte, tive piedade desse homem. Se ele tivesse atacado o governo, tê-lo-iam interrompido e mesmo punido. Como se pode tolerar o ensino público do materialismo, esse dissolvente da Sociedade?” A essas judiciosas reflexões do nosso colega, ajuntaremos que uma Sociedade materialista, tal qual certos homens se esforçam em transformar a Sociedade atual, não tendo qualquer freio moral, é a mais perigosa para qualquer espécie de governo. Talvez o materialismo jamais tenha sido professado com tanto cinismo, e aqueles que são retidos por um pouco de pudor se compensam arrastando na lama o que pode destruí-lo.

Mas, por mais que façam, estas são as convulsões de sua agonia. Diga o que disser o Sr. Deschanel, é o Espiritismo que lhe dará o golpe de misericórdia.

Limitamo-nos a enviar a seguinte carta ao Sr. Deschanel:

“Senhor,

“Publicastes dois artigos no Journal des Débats de 15 e 29 de novembro último, nos quais apreciais o Espiritismo, do vosso ponto de vista. O ridículo que lançais sobre essa doutrina, sobre mim de contragolpe, e sobre todos os que a professam, me autorizava a dirigir uma refutação, que eu pediria fosse inserta. Não o fiz porque, pela maior extensão que lhe desse, sempre teria sido insuficiente para as pessoas estranhas a essa ciência e teria sido inútil aos que a conhecem. A convicção só é adquirida por estudos sérios, feitos sem prevenção, sem ideias preconcebidas e por numerosas observações, feitas com a paciência e a perseverança de quem realmente quer saber e compreender. Eu teria tido necessidade de fazer aos vossos leitores um verdadeiro curso que ultrapassaria os limites de um artigo. Mas como vos creio um homem de honra para atacar sem admitir defesa, limitar-me-ei a lhes dizer nesta simples carta que vos rogo publiqueis no mesmo jornal, que eles encontrarão tanto no Livro dos Espíritos como no Livro dos Médiuns, que acabo de publicar pelos Srs. Didier & Cia., uma resposta suficiente, em minha opinião. Deixo a critério deles o cuidado de fazer um paralelo entre os vossos argumentos e os meus. Os que quiserem previamente formar uma ideia sucinta e com pouca despesa, poderão ler a pequena brochura intitulada O que é o Espiritismo? que custa apenas 60 centavos, bem como a Carta de um católico sobre o Espiritismo, do Sr. Dr. Grand, antigo vice-cônsul da França. Encontrarão ainda algumas reflexões sobre o vosso artigo no número de março da Revista Espírita, que publico.

Contudo, há um ponto que eu não poderia deixar passar em silêncio: é a passagem do vosso artigo onde dizeis que o Espiritismo é fundado sobre o mais grosseiro materialismo. Ponho de lado as expressões ofensivas e pouco parlamentares, às quais, por hábito, não presto atenção, e me limito a dizer que essa passagem contém erro, não direi grosseiro, pois o termo seria incivil, mas capital, e que me importa destacar, para esclarecimento dos vossos leitores. Com efeito, o Espiritismo tem por base essencial, e sem a qual não teria qualquer razão de ser, a existência de Deus, a da alma, sua imortalidade, as penas e as recompensas futuras. Ora, esses pontos são a mais absoluta negação do materialismo, que não admite nenhum deles. A Doutrina Espírita não se limita a afirmá-los; não os admite a priori, mas é a sua demonstração patente. Eis por que já reconduziu um tão grande número de incrédulos que haviam abjurado qualquer sentimento religioso.

Ela pode não ser espiritual[5], mas não há dúvida que é essencialmente espiritualista, isto é, contrária ao materialismo, pois não se compreenderia uma doutrina da alma imortal fundada na inexistência da alma. O que conduz tanta gente à absoluta incredulidade é a maneira por que são apresentadas a alma e o seu futuro. Vejo diariamente gente que me diz: “Se desde a infância me tivessem ensinado essas coisas como o fazeis, eu jamais teria sido incrédulo, porque agora compreendo o que antes não compreendia.” Assim, todos os dias tenho a prova de que basta expor esta doutrina para lhe conquistar numerosos partidários.

Aceitai, etc.”



[1] Ao Univers, maio e julho de 1859; ao Sr. O. Comettant, dez. de 1859; à Gaz. de Lyon, out. de 1860; ao Sr. L. Figuier, set. e dez. de 1860; à Bibliographie cathol., jan. de 1861.


[2] Petit Bonhomme vit encore, em francês, remete a uma brincadeira difundida em toda a Ásia e Europa, desde o Séc. VIII. Os participantes, em círculo, passam de mão em mão um pedaço de madeira aceso numa das pontas. Cada participante assopra a brasa e passa adiante dizendo Petit Bonhomme vit encore. Aquele em cujas mãos a brasa se apagar, paga uma prenda. (N. Eq. Revisora)


[3] Referência ao texto da Odisséia, l’Aurore aux doigts de rose é traduzida palavra por palavra para a língua francesa. Fénelon não hesitou em usá-la: “Amanhã, quando a aurora, com seus dedos rosados, entreabrir as portas douradas do Oriente...”

Aristóteles, querendo provar que todas as metáforas são tomadas a partir dos objetos mais bonitos e mais agradáveis aos nossos sentidos, cita essa como modelo, mas acrescenta: “Muito melhor se alguém tivesse dito: A aurora de dedos púrpura.”


[4] Vide a Revista Espírita de junho de 1859.


[5] Espiritual, em francês, significa também espirituoso, mas parece que Kardec não o aplicou nesse sentido. Ele diz que a doutrina pode não ser espiritual no sentido místico da palavra, mas é espiritualista no sentido filosófico. (N. Eq. Rev.).



A cabeça de Garibaldi

O Siècle de 4 de fevereiro estampa uma carta do Dr. Riboli, que foi a Caprera examinar a cabeça de Garibaldi, do ponto de vista frenológico. Não é nosso propósito apreciar a opinião do doutor, e menos ainda o personagem político. Mas a leitura da carta nos forneceu algumas reflexões que aqui se naturalmente enquadram.

O Dr. Riboli acha que a organização cerebral de Garibaldi corresponde perfeitamente a todas as eminentes faculdades morais e intelectuais que o distinguem e aduz:

“Podeis sorrir de meu fanatismo, mas posso assegurar-vos que os momentos que passei examinando essa cabeça notável foram os mais felizes de minha vida. Eu vi, meu caro amigo, eu vi esse grande homem dar como uma criança a tudo quanto eu lhe pedia. Essa cabeça, que contém um mundo, eu segurei em minhas mãos durante mais de vinte minutos, sentindo a cada instante ressaltar sob os meus dedos as desigualdades e os contrastes de seu gênio...

“Garibaldi tem 1 metro e 64 centímetros de altura. Medi todas as proporções: a largura das espáduas, o comprimento dos braços e das pernas, a grossura do tronco. Numa palavra, é um homem bem proporcionado, forte e de temperamento nervoso sanguíneo.

“O volume da cabeça é notável. A principal fenomenalidade é a altura do crânio, medida da orelha ao alto da cabeça, que é de 20 centímetros. Esta predominância particular de toda a parte superior da cabeça denota, à primeira vista, e sem exame prévio, uma organização excepcional. O desenvolvimento do crânio na parte superior, sede dos sentimentos, indica a preponderância de todas as faculdades nobres sobre os instintos. A craniologia da cabeça de Garibaldi logo apresenta, após o exame, uma fenomenalidade original das mais raras, pode-se dizer sem precedentes. A harmonia de todos os órgãos é perfeita e a resultante matemática de seu conjunto apresenta, antes de mais nada: a abnegação antes de tudo e em tudo; a prudência e o sangue frio; a natural austeridade dos costumes; a meditação quase contínua; a eloquência grave e exata; a lealdade dominante; sua deferência incrível com os amigos, a ponto de sofrer com isto; sua perceptibilidade a respeito dos homens que o cercam é, sobretudo, dominante.

“Numa palavra, meu caro, sem vos aborrecer com todas as comparações, com todos os contrastes da causalidade, da habitatividade, da construtividade, da destrutividade[1], é uma cabeça maravilhosa, orgânica, sem desfalecimentos, que a Ciência estudará e tomará por modelo, etc.”

Toda a carta é escrita com um entusiasmo que denota a mais profunda e a mais sincera admiração pelo herói italiano. Contudo, queremos crer que as observações do autor não tenham sido influenciadas por nenhuma ideia preconcebida. Mas não é disto que se trata. Aceitamos seus dados frenológicos como exatos e, se não o fossem, Garibaldi não seria nem mais nem menos do que é. Sabe-se que os discípulos de Gall formam duas escolas: a dos materialistas e a dos espiritualistas. Os primeiros atribuem as faculdades aos órgãos. Para eles os órgãos são a causa; as faculdades, o produto, de onde se segue que fora dos órgãos não há faculdade, ou, por outras palavras, quando o homem morre, tudo está morto. Os segundos admitem a independência das faculdades. As faculdades são a causa; o desenvolvimento dos órgãos é o efeito, de onde se segue que a destruição dos órgãos não determina o aniquilamento das faculdades. Não sabemos a qual das duas escolas pertence o autor da carta, pois sua opinião não se revela por nenhuma palavra. Mas, por um momento, suponhamos que as observações acima tenham sido feitas por um frenologista materialista. Então perguntamos que impressão deveria ele sentir à ideia de que essa cabeça, que leva todo um mundo, só deve o seu gênio ao acaso, ou ao capricho da Natureza, que lhe teria dado maior massa cerebral num ponto que em outro. Ora, como o acaso é cego e não tem desígnio premeditado, poderia também ter aumentado o volume de uma outra circunvolução do cérebro e dar, assim, sem querer, todo um outro curso às suas inclinações. Tal raciocínio aplica-se, necessariamente, a todos os homens transcendentes, seja a que título for. Onde estaria o seu mérito se o devesse apenas ao deslocamento de um pedacinho de substância cerebral? Se um simples capricho da Natureza pode, ao invés de um grande homem, produzir um homem vulgar? Ao invés de um homem de bem, um celerado?

Isto não é tudo. Considerando hoje essa cabeça poderosa, não existe algo de terrível ao pensar que talvez amanhã, desse gênio nada mais reste, absolutamente nada além de matéria inerte, que será pasto dos vermes? Sem falar das funestas consequências de semelhante sistema, caso fosse acreditado, diríamos que formiga de contradições inexplicáveis, e que os fatos o demonstram a cada passo. Ao contrário, tudo se explica pelo sistema espiritualista: as faculdades não são produto dos órgãos, mas atributos da alma, cujos órgãos não passam de instrumentos ao serviço de sua manifestação. Sendo a faculdade independente, sua atividade estimula o desenvolvimento do órgão, como o exercício de um músculo lhe aumenta o volume. O ser pensante é o ser principal, cujo corpo não passa de acessório destrutível. Assim, o talento éum mérito real, porque é fruto do trabalho e não o resultado de uma matéria mais ou menos abundante. Com o sistema materialista, o trabalho, com o auxílio do qual se adquire o talento, é inteiramente perdido na morte, que muitas vezes não concede o tempo necessário para usufruir. Com a alma, o trabalho tem sua razão de ser, porque tudo o que a alma adquire serve ao seu desenvolvimento; trabalha-se para um ser mortal, e não para um corpo que tem apenas algumas horas de vida.

Dir-se-á, porém, que o gênio não se adquire, que é inato. É verdade. Mas, assim, porque dois homens nascidos nas mesmas condições são tão diferentes do ponto de vista intelectual? Por que teria Deus favorecido a um mais que ao outro? Por que a um teria dado os meios de progredir, recusando-os ao outro? Qual o sistema filosófico que resolveu este problema? Só a doutrina da preexistência da alma pode explicá-lo: o homem de gênio já viveu, tem aquisição, experiência e, por isso, mais direito ao nosso respeito do que se sua superioridade fosse um favor não justificado da Providência, ou um capricho da Natureza. Queremos acreditar que o Dr. Riboli tenha visto na cabeça daquele em que, por assim dizer, não tocava senão com um medo respeitoso, algo mais digno de sua veneração do que uma massa de carne e que não a tenha rebaixado ao papel de um mecanismo organizado. A gente se lembra daquele trapeiro filósofo que olhando um cão morto num canto de rua dizia para si mesmo: Eis o que será de nós! Então! Vós todos que negais a existência futura, eis a que reduzis os maiores gênios!

Para mais detalhes sobre a frenologia e a fisiognomia, recomendamos o artigo da Revista Espírita de julho de 1860.



[1] Lá se vão os neologismos, que entretanto não são mais barbarismos do que Espiritismo e perispírito.



Assassinato do Sr. Poinsot

O mistério que ainda cerca esse deplorável acontecimento fez muita gente pensar que evocando o Espírito da vítima poder-se-ia conhecer a verdade. Numerosas cartas nos foram mandadas a respeito, e como a questão é sobre um princípio de certa gravidade, julgamos útil dar a conhecer a resposta a todos os nossos leitores.

Jamais fazendo do Espiritismo objeto de curiosidade, não tínhamos pensado em evocar o Sr. Poinsot. Não obstante, a pedido insistente de um dos nossos correspondentes que havia tido uma comunicação supostamente dele, e que desejava saber por nós se a mesma era autêntica, tentamos fazê-lo há poucos dias. Conforme nosso hábito, perguntamos ao nosso guia espiritual se tal evocação era possível e se tinha sido ele mesmo que se havia manifestado ao nosso correspondente. Eis as respostas obtidas:─ “O Sr. Poinsot não pode responder ao vosso apelo. Ele ainda não se comunicou com ninguém. Deus o proíbe no momento.”

1. ─ Pode-se saber o motivo? ─ Sim. Porque revelações desse gênero influenciariam a consciência dos juízes, que devem agir com toda a liberdade.

2. ─ Contudo, essas revelações, esclarecendo os juízes, talvez pudessem evitar erros lamentáveis e até irreparáveis. ─ Não é por esse meio que eles devem ser esclarecidos. Deus lhes quer deixar a inteira responsabilidade de suas sentenças, como se deixa a cada um a responsabilidade de seus atos; também não lhes quer poupar o trabalho das pesquisas nem o mérito de havê-las feito.

3. ─ Mas, na falta de informações suficientes, pode um culpado escapar à justiça? ─ Credes que escape à justiça de Deus? Se deve ser ferido pela justiça dos homens, Deus saberá fazê-lo cair nas mãos deles.

4. ─ Seja, quanto ao culpado; mas se um inocente fosse condenado, não seria um grande mal? ─ Deus julga em última instância, e o inocente condenado injustamente pelos homens terá a sua reabilitação. Aliás, essa condenação pode ser para ele uma prova útil ao seu adiantamento. Mas, por vezes, também pode ser a justa punição de um crime da qual terá escapado em outra existência.

“Lembrai-vos de que os Espíritos têm por missão vos instruir na via do bem, e não aplainar o caminho terreno, deixado a cargo de vossa inteligência. Afastando-vos do fim providencial do Espiritismo, exponde-vos a serdes enganados pela turba de Espíritos mentirosos que se agitam incessantemente em torno de vós.”

Depois da primeira resposta, os assistentes discutiam sobre os motivos da interdição e, como que para justificar o princípio, um Espírito fez o médium escrever: Eu vou trazê-lo... ei-lo! Pouco depois: “Como sois amáveis em querer conversar comigo! Isto me é muito agradável, pois tenho muitas coisas a vos dizer.” Esta linguagem pareceu suspeita, da parte de um homem como o Sr. Poinsot, e sobretudo à vista da resposta que havíamos recebido, por isso pediram-lhe que atestasse sua identidade em nome de Deus. Então o Espírito escreveu: “Meu Deus, não posso mentir. Contudo, gostaria muito conversar com tão amável sociedade, mas não me quereis. Adeus.” Foi então que o nosso guia espiritual acrescentou: “Eu vos disse que aquele Espírito não pode responder esta noite. Deus o proíbe de manifestar-se. Se insistirdes, sereis enganados.”

OBSERVAÇÃO: É evidente que se os Espíritos pudessem poupar pesquisas aos homens, estes não mais se dariam ao trabalho de descobrir a verdade, pois ela lhes chegaria por si mesma. Assim, o mais preguiçoso poderia sabê-la tanto quanto o mais laborioso, o que não seria justo. Isto é um princípio geral. Aplicado ao Sr. Poinsot, não é menos evidente que se o Espírito declarasse um indivíduo inocente ou culpado e os juízes não achassem provas suficientes de uma ou da outra afirmação, sua consciência ficaria perturbada, e que a opinião pública poderia desviar-se por prevenções injustas. Não sendo perfeito o homem, devemos concluir que Deus sabe melhor do que ele o que lhe deve ser revelado ou oculto. Se uma revelação deve ser feita por meios extra-humanos, Deus lhe sabe dar um cunho de autenticidade capaz de levantar todas as dúvidas, como testemunha o fato seguinte:

Na vizinhança das minas, no México, uma fazenda tinha sido incendiada. Numa reunião onde cuidavam de manifestações espíritas (há diversas naquele país, onde provavelmente ainda não chegaram os artigos do Sr. Deschanel, por isso lá eles se acham tão atrasados); numa reunião, dizíamos, um Espírito se comunicava por batidas. Ele diz que o culpado está entre os assistentes. A princípio duvidam, crendo numa mistificação. O Espírito insiste e designa um dos indivíduos presentes. Eles se espantam. Este se dissimula, mas o Espírito parece insistir, e o faz tão bem que prendem o homem que, premido por perguntas, acaba confessando o crime. Como se vê, os culpados não devem confiar na discrição dos Espíritos que, às vezes, são os instrumentos de Deus para os castigar. Como o Sr. Figuier explicaria tal fato? É intuição, hipnotismo, biologia, superexcitação do cérebro, concentração do pensamento, alucinação, que ele admite sem crer na independência do Espírito e da matéria? Conciliai tudo isto, se puderdes. Sua própria solução é um problema e deveria ele dar a solução da sua solução. Mas, por que um Espírito não daria a conhecer o assassino do Sr. Poinsot, como fez com aquele incendiário? Pedi, então, contas a Deus de suas ações. Perguntai ao Sr. Figuier, que julga saber mais do que Ele.



Palestras familiares de além-túmulo

Sra. Bertrand (Alto Saona)

FALECIDA A 7 DE FEVEREIRO DE 1881

EVOCADA NA SOCIEDADE A 15 DO MESMO MÊS

NOTA: A Sra. Bertrand havia feito um estudo sério do Espiritismo, cuja doutrina professava, compreendendo todo o seu alcance filosófico.

1. (Evocação).

─ Aqui estou.

2. ─ Tendo vossa correspondência nos levado a apreciar-vos, e conhecendo vossa simpatia pela Sociedade, pensamos que não vos seria desagradável chamar-vos tão cedo.

─ Vedes que estou aqui.

3. ─ Um outro motivo me determina pessoalmente a fazê-lo. Pretendo escrever à senhorita sua filha, a propósito do acontecimento que acaba de feri-la, e estou certo de que ela se sentiria feliz ao saber do resultado de nossa conversa.

─ Certamente, ela o espera, pois eu lhe havia prometido me revelar logo que me evocassem.

4. ─ Esclarecida como éreis sobre o Espiritismo e penetrada dos princípios desta doutrina, vossas respostas serão para nós duplamente instrutivas. Para começar, quereis dizer-nos se demorastes muito a vos reconhecer e se já recobrastes a plenitude de vossas faculdades?

─ A plenitude de minhas antigas faculdades, sim; a plenitude de minhas novas faculdades, não.

5. ─ É costume perguntar aos vivos como passam. Mas aos Espíritos perguntamos se são felizes. É com profundo sentimento de simpatia que fazemos esta última pergunta.

─ Obrigada, meus amigos. Ainda não sou feliz, no sentido espiritualista do vocábulo. Mas sou feliz pela renovação do meu ser deslumbrado em êxtase; pela visão das coisas que nos são reveladas, mas que ainda compreendemos imperfeitamente, por melhor médium ou espírita que sejamos.

6. ─ Em vida tínheis feito uma ideia do mundo espírita pelo estudo da doutrina. Podeis dizer-nos se encontrastes as coisas tais quais as tínheis imaginado?

─ Mais ou menos, assim como vemos os objetos na incerteza do lusco-fusco. Mas como são diferentes quando a luz brilhante o revela!

7. ─ Assim, o quadro que nos é feito da vida espírita nada tem de exagerado, nada de ilusório!

─ Ele é apequenado pelo vosso espírito, que não pode compreender as coisas divinas senão suavizadas e veladas. Agimos convosco como agis com as crianças, a quem apenas mostrais uma parte das coisas dispostas para o seu entendimento.

8. ─ Testemunhastes o instante da morte do vosso corpo?

─ Esgotado por longos sofrimentos, meu corpo não teve que passar por uma grande luta. Minh’alma destacou-se dele como o fruto maduro que cai da árvore. O aniquilamento completo de meu ser impediu-me de sentir a última angústia da agonia.

9. ─ Poderíeis descrever vossas sensações nos instantes do despertamento?

─ Não há despertamento, ou antes, pareceu-me que havia continuação. Como após curta ausência se volta para casa, pareceu-me que apenas alguns minutos me separavam do que eu acabava de deixar. Errante em volta do meu leito, via-me aumentada, transfigurada e não podia afastar-me, retida que era, ou pelo menos ao que me parecia, por um último laço àquele envoltório corporal que tanto me havia feito sofrer.

10. ─ Vistes imediatamente outros Espíritos vos cercar?

─ Logo vieram receber-me. Então desviei o pensamento do meu eu terreno, e o eu espiritual transportado abismou-se no delicioso prazer das coisas novas e conhecidas que eu reencontrava.

11. ─ Estáveis entre os membros da família durante a cerimônia fúnebre?

─ Vi levarem o meu corpo, mas logo afastei-me. O Espiritismo desmaterializa por antecipação e torna mais súbita a passagem do mundo terrestre para o mundo espiritual. Eu não havia trazido de minha migração na Terra nem vãos pesares nem curiosidade pueril.

12. ─ Tendes algo de particular a dizer à senhorita vossa filha, que partilhava de vossas crenças, e que me escreveu várias vezes em vosso nome?

─ Eu lhe recomendo que dê aos seus estudos um caráter mais sério; eu lhe recomendo que transforme a dor estéril em lembrança piedosa e fecunda; que ela não se esqueça de que a vida continua ininterrupta e que os frívolos interesses do mundo empalidecem ante a grande palavra Eternidade! Aliás, minha lembrança pessoal, terna e íntima, em breve lhe será transmitida.

13. ─ Em janeiro vos remeti um cartão-retrato. Como jamais me vistes, podeis dizer se me reconheceis?

─ Mas eu não vos reconheço. Eu vos vejo.

─ Não recebestes aquele cartão?

─ Não me lembro.

14. ─ Eu teria várias perguntas importantes a vos fazer sobre os fatos extraordinários que se passaram em vossa casa e de que nos informastes. Penso que a respeito poderíeis dar-nos interessantes explicações. Mas a hora avançada e a fadiga do médium me aconselham a adiar. Limito-me a algumas perguntas para terminar.

─ Embora vossa morte seja recente, já deixastes a Terra? Percorrestes os espaços e visitastes outros mundos?

─ O vocábulo visitar não corresponde ao movimento tão rápido quanto o é a palavra que nos faz, tão rapidamente quanto o pensamento, descobrir sítios novos. A distância é apenas uma palavra, como o tempo não é para nós senão um momento.

15. ─ Preparando as perguntas que devem ser dirigidas a um Espírito, temos geralmente uma evocação antecipada. Podeis dizer se, assim sendo, estáveis prevenida de nossa intenção, e se estáveis perto de mim ontem, quando preparava as perguntas?

─ Sim. Sabia tudo o que me diríeis hoje e responderei com desenvolvimento às perguntas que reservastes.

16. ─ Em vossa vida teríamos sido muito felizes se vos tivéssemos entre nós, mas desde que tal não foi possível, somos igualmente felizes por vos ter em Espírito, e vos agradecemos a atenção em responder ao nosso apelo.

─ Meus amigos, eu acompanhava os vossos estudos com interesse, e agora, que posso habitar entre vós como Espírito, eu vos dou o conselho de vos ligardes mais ao espírito do que à letra. Adeus.

A carta que segue nos foi enviada a propósito desta evocação:

“Senhor,

É com um vivo sentimento de profunda gratidão que venho agradecer-vos, em nome de meu pai e no meu, vos terdes antecipado ao nosso desejo de receber, por vosso intermédio, as notícias daquela que choramos.

As numerosas provações morais e físicas que minha querida e boa mãe teve que sofrer durante sua existência, sua paciência em suportá-las, seu devotamento, sua completa abnegação de si mesma, me faziam esperar que estivesse feliz. Mas a certeza que nos acabais de dar, senhor, é um grande consolo para nós que a amávamos tanto e queremos a sua felicidade mais do que da nossa.

Minha mãe era a alma da casa, senhor. Não preciso dizer-vos o vazio que sua ausência deixou; sofremos por não mais vê-la, mais do que poderia exprimir e, contudo, experimentamos uma certa quietude por não vê-la mais nas dores atrozes que sofria. Minha pobre mãe era uma mártir. Deve ter uma bela recompensa pela paciência e doçura com que suportou todas as suas angústias. Sua vida não passou de uma longa tortura de espírito e de corpo. Seus sentimentos elevados e sua fé numa outra existência a sustentaram. Tinha como que um pressentimento e uma lembrança velada do mundo dos Espíritos; muitas vezes eu a via olhando com piedade as coisas do nosso planeta e dizer-me: Nada aqui embaixo pode bastar-me; tenho a NOSTALGIA de um outro mundo.

Nas respostas que vos deu minha cara e adorada mãe, senhor, reconhecemos perfeitamente sua maneira de pensar e de se exprimir. Ela gostava de se servir de imagens. Somente estou admirada de que ela não se tenha lembrado do vosso cartão-retrato, que lhe havia dado tão grande e vivo prazer. Eu deveria ter-vos agradecido de sua parte. Minhas numerosas ocupações durante os últimos tempos da moléstia de minha venerada mãe não me permitiram fazê-lo. Creio que mais tarde ela se lembrará melhor. No momento, está embriagada nos esplendores da nova vida. A existência que acaba de completar não lhe aparece senão como um sonho penoso, já bem longe dela. Também esperamos, meu pai e eu, que ela venha dizer-nos algumas palavras de afeição, de que temos muita necessidade. Seria indiscrição, senhor, vos pedir que, quando minha mãe vos falar de nós, nos comunicásseis? Fizestes tanto bem, vindo falar dela, vindo dizer de sua parte que não sofre mais! Ah! Obrigada uma vez mais, senhor! Rogo a Deus, de alma e coração, que vos recompense por isto. Deixando-me, minha mãe querida me priva da melhor das mães, da mais terna das amigas. Preciso da certeza de sabê-la feliz e de minha crença no Espiritismo para ter um pouco de força. Deus a sustentou. Minha coragem foi maior do que eu esperava.

Recebei, etc.

OBSERVAÇÃO: Que os incrédulos riam quanto quiserem do Espiritismo. Que seus adversários mais ou menos interessados o ponham em ridículo. Que o anatematizem até, o que não lhe tirará essa força consoladora que faz a alegria do infeliz, e que o faz triunfar da má vontade dos indiferentes, a despeito de seus esforços para abatê-lo. Os homens têm sede de felicidade; quando não a encontram na Terra, não é um grande alívio ter a certeza de encontrá-la na outra vida, se se fez o que é preciso para o merecer? O que lhes oferece mais suavização aos males da Terra? É o materialismo, com a horrível expectativa do nada? É a perspectiva das chamas eternas, às quais não escapa um só em milhões? Não vos enganeis. Esta perspectiva é ainda mais horrível que a do nada, e é por isto que aqueles cuja razão se recusa a admiti-la são levados ao materialismo. Quando for apresentado aos homens o futuro de maneira racional, não haverá mais materialistas. Que não se admirem de ver as ideias espíritas acolhidas com tanto entusiasmo pelas massas, porque essas ideias aumentam a coragem, ao invés de abatê-la. O exemplo da felicidade é contagiante. Quando todos os homens virem em torno de si gente feliz por causa do Espiritismo, lançar-se-ão nos seus braços como numa tábua de salvação, porque preferirão sempre uma doutrina que sorri e fala à razão às que apavoram. O exemplo que acabamos de citar não é único no gênero; eles se nos oferecem aos milhares e a maior alegria que Deus nos reservou aqui na Terra é a de testemunhar os benefícios e os progressos de uma crença que nossos esforços tendem a espalhar. As pessoas de boa vontade que nela vêm beber consolação são tão numerosas que não poderíamos roubar-lhes nosso tempo ocupando-nos dos indiferentes que não têm o menor desejo de se convencer. Os que vêm a nós bastam para absorvê-lo, por isso não saímos em busca de ninguém. Eis por que também não o perdemos a respigar em campo estéril. A vez dos outros virá quando a Deus aprouver levantar o véu que os cega, e esse tempo virá mais cedo do que pensam, para a glória de uns e vergonha de outros.



Srta. Pauline M... (Enviado pelo Sr. Pichon, médium de sens)

1. (Evocação).

─ Aqui estou, meus bons amigos.

2. ─ Vossos pais nos pediram vos perguntássemos se sois mais feliz do que na existência terrena. Teríeis a bondade de no-lo dizer?

─ Oh! Sim. Sou mais feliz do que eles.

3. ─ Assistis frequentemente à vossa mãe?

─ Eu quase não a deixo, mas ela não pode compreender todo o encorajamento que lhe dou. Não fosse assim, ela não estaria tão mal. Ela chora por mim e eu sou feliz! Deus me chamou a si. É um favor. Se todas as mães estivessem compenetradas das luzes do Espiritismo, que consolação para elas! Dizei à minha pobre mãe que se resigne, pois sem isto afastar-se-á de sua filha querida. Quem não for dócil às provas que lhe envia o seu Criador falha ao objetivo de suas provas. Que ela compreenda isto bem, senão não me verá tão cedo. Ela me perdeu materialmente, mas encontrar-me-á espiritualmente. Que trate de se restabelecer para assistir às vossas sessões. Então poderei consolá-la melhor, e eu mesma serei mais feliz.

4. ─ Poderíeis manifestar-vos a ela de modo mais particular? Poderia ela servir-vos de médium? Assim receberia mais consolação do que por nosso intermédio.

─ Que ela tome um lápis, como o fazeis, e eu tentarei dizer-lhe alguma coisa. Isto nos é muito difícil quando não encontramos as disposições para tanto necessárias.

5. ─ Poderíeis dizer-nos por que Deus vos retirou tão jovem do seio da família, onde éreis a alegria e o conforto?

─ Relede[1].

6. ─ Poderíeis dizer o que sentistes no instante da morte?

─ Uma perturbação. Eu não acreditava estar morta. Isso me deu tanta pena de deixar minha boa mãe! Eu não me reconhecia. Mas quando compreendi, não foi a mesma coisa.

7. ─ Agora estais completamente desmaterializada?

─ Sim.

8. ─ Poderíeis dizer quanto tempo ficastes perturbada?

─ Fiquei seis de vossas semanas.

9. ─ Em que lugar estáveis quando vos reconhecestes?

─ Junto ao meu corpo. Vi o cemitério e compreendi.

─ Mãe! Estou sempre ao teu lado. Eu te vejo e te compreendo muito melhor do que quando tinha o meu corpo. Cessa, então, de te entristeceres, pois só perdeste o pobre corpo que me tinhas dado. Tua filha está sempre aí. Não chores mais. Ao contrário, alegra-te, pois essa é a única atitude que te fará bem, e a mim também. Nós nos compreenderemos melhor; eu te direi muitas coisas agradáveis; Deus mo permitirá; nós oraremos juntas. Estarás entre estes homens que trabalham para o bem da Humanidade; tomarás parte em seus trabalhos, e eu te ajudarei. Isto servirá para o adiantamento de nós ambas.

Tua filha, que te ama,

PAULINE.

P. S. Dareis isto a minha mãe. Ser-vos-ei grata.

10. ─ Pensais que a convalescença de vossa mãe será ainda longa?

─ Isto dependerá da consolação que receber e de sua resignação.

11. ─ Lembrai-vos de todas as vossas reencarnações?

─ Não; não de todas.

12. ─ A penúltima ocorreu na Terra?

─ Sim. Eu estava numa grande casa de comércio.

13. ─ Em que época foi?

─ No reinado de Luís XIV; no começo.

14. ─ Lembrai-vos de algumas personagens desse tempo?

─ Conheci o Sr. Duque de Orléans, que comprava mantimentos em nossa casa. Também conheci Mazarino e parte de sua família.

15. ─ Vossa última existência serviu muito ao vosso adiantamento como Espírito?

─ Não me pôde servir muito porque não sofri nenhuma prova. Foi para meus pais, antes que para mim, um motivo de prova.

16. ─ E vossa penúltima existência foi mais proveitosa?

─ Sim, porque nela fui muito provada. Reveses de fortuna; a morte de todos que me eram caros; fiquei só. Mas, confiante em meu Criador, suportei tudo com resignação. Dizei a minha mãe que faça como fiz. Que aquele que lhe levar minha consolação, por mim aperte a mão de todos os meus bons parentes. Adeus.




[1] Para reler os pontos doutrinários a respeito. (N. da Eq. Rev.)



Henri Murger

NOTA: Numa sessão espírita íntima, em casa de um colega da Sociedade, a 6 de fevereiro de 1861, o médium escreveu espontaneamente o seguinte:

“Maior é o espaço dos céus, maior a atmosfera, mais belas as flores, mais doces os frutos e as aspirações são satisfeitas além mesmo da ilusão. Salve, nova pátria! Salve, nova morada! Salve, felicidade, amor! Como nossa curta estação na Terra é pálida, e como aquele que soltou o suspiro de alívio deve sentir-se feliz por haver deixado o Tártaro pelo Céu! Salve, verdadeira boemia! Salve, verdadeira despreocupação! Salve, sonhos realizados! Adormeci alegre, porque sabia que ia despertar feliz. Ah! Obrigado aos meus amigos, por sua suave lembrança!

H. MURGER

As perguntas e respostas seguintes foram feitas na Sociedade a 8 de fevereiro.

1. ─ Viestes espontaneamente, quarta-feira, comunicar-vos em casa de um de nossos colegas e ali ditastes uma página encantadora. Entretanto, lá não havia ninguém que vos conhecesse particularmente. Por favor, podeis dizer o que nos proporcionou a honra de vossa visita?

─ Vim demonstrar que estou vivo, para ser evocado hoje.

2. ─ Fostes levado às ideias espíritas?

─ Duas coisas. Primeiro eu suspeitava, depois me deixava levar facilmente por minhas inspirações.

3. ─ Parece que vossa perturbação durou pouco, pois vos exprimis tão prontamente, com tanta facilidade e clareza!

─ Morri com perfeito conhecimento de mim mesmo, consequentemente só tive que abrir os olhos do Espírito, assim que se fecharam os olhos da carne.

4. ─ Esse ditado pode ser considerado como um relato de vossas primeiras impressões do mundo onde estais agora. Poderíeis descrever-nos com mais precisão o que aconteceu convosco desde o instante em que a alma deixou o corpo?

─ Inundou-me a alegria; revi rostos queridos, que supunha perdidos para sempre. Há bem pouco tempo desmaterializado, ainda não tive senão sensações quase terrenas.

5. ─ Poderíeis dar-nos uma apreciação, do vosso ponto de vista atual, de vossa principal obra: La vie de Bohème?

─ Como queríeis que, deslumbrado como estou pelos esplendores desconhecidos da ressurreição, eu faça uma volta a essa pobre obra, pálido reflexo de uma juventude sofredora?

6. ─ Um de vossos amigos, o Sr. Théodore Pelloquet, publicou no Le Siècle de 6 deste mês, um artigo bibliográfico sobre vós. Poderíeis dirigir-lhe algumas palavras, bem como a vossos outros amigos e confrades em literatura, entre os quais devem encontrar-se alguns poucos crentes na vida futura?

─ Eu lhes direi que o sucesso presente é semelhante ao ouro transformado em folhas secas. O que nós cremos, o que nós esperamos, nós outros respigadores esfaimados do campo parisiense, é o sucesso, sempre o sucesso, e jamais nossos olhos se erguem para o Céu, para pensar naquele que julga as nossas obras em última instância. Minhas palavras os mudarão? Não. Arrastados pela vida causticante, que consome crença e mocidade, eles ouvirão distraídos e passarão esquecidos.

7. ─ Vedes aqui Gérard de Nerval, que acaba de falar de vós?

─ Eu o vejo, e Musset, e a amável, a grande Delphine. Eu os vejo todos. Eles ajudam-me; encorajam-me; ensinam-me a falar.

OBSERVAÇÃO: Esta pergunta foi motivada pela seguinte comunicação, que um médium da Sociedade tinha escrito espontaneamente, no começo da sessão:

“Um irmão chegou ao nosso meio, feliz e disposto. Ele agradece ao Céu, como o ouvistes dizer há pouco, por sua libertação um pouco tardia. Adeus à tristeza, às lágrimas e ao riso amargo, pois agora percebemos muito bem que entre vós o riso jamais é franco. O que há de lamentável e realmente penoso na Terra, é que é preciso rir; rir forçadamente e de um nada, sobretudo de um nada na França, quando se estaria disposto a sonhar solitariamente. O que há de horrível para o coração que esperou muito, é a desilusão, esse esqueleto medonho cujos contornos em vão querem apalpar. A mão inquieta e trêmula só ossos encontra. Que horror! para aquele que creu no amor, na religião, na família, na amizade; aqueles que podem impunemente olhar de frente essa máscara horrível que petrifica. Ah! esses vivem, embora petrificados, mas os que cantam como boêmios, ah! esses morrem bem depressa. Eles viram a cabeça de Medusa[2]. Meu irmão Murger era destes últimos.

Vós vedes, amigos, que de agora em diante não vivemos mais apenas em nossas obras, e que ao vosso chamado logo estaremos ao vosso lado. Longe de nos orgulharmos por esse ar de felicidade que nos envolve, viremos a vós como se ainda estivéssemos na Terra, e Murger cantará ainda.

GÉRARD DE NERVAL.




[2] O olhar de Medusa transformava as criaturas em pedras. (N. da Eq. Rev.).
O espírito e as rosas (Enviado pela Sra. B... de Nova Orléans)

Emma D..., linda menina, falecida aos 7 anos, após 6 meses de sofrimentos, que não comia quase nada durante seis semanas antes de falecer.

1. (Evocação).

─ Estou aqui, senhora, que quereis?

2. ─ Saber onde estais; se sois feliz e por que Deus infligiu à vossa encantadora mãe e às vossas irmãs tão grande mágoa, qual a de vos perder.

─ Estou no meio de bons Espíritos que me amam e instruem; sou feliz, muito feliz. Minha passagem entre vós era um resto de provação física. Sofri, mas esse sofrimento nada era; ele depurava minha alma, ao mesmo tempo que destruía meu pobre corpo. Agora aprendo sobre a vida da alma. Estou reencarnada, mas como Espírito conservador. Estou num mundo onde nenhum de nós permanece mais tempo do que o necessário aos ensinamentos que nos são dados pelos Grandes Espíritos. Fora disto, viajo, prevenindo desgraças, afastando tentações. Estou muitas vezes por aqui. Há tantos pobres negros! Sempre os lamentei, mas agora os amo. Sim, eu os amo, pobres almas! Entre eles há muitos bons, melhores que seus amos, e mesmo os que são preguiçosos devem ser lamentados.

Vou muitas vezes até minha mãe querida. Quando ela sente o coração reanimado, fui eu quem lhe derramou o bálsamo divino. Mas é preciso que ela sofra. Ah! Mais tarde, entretanto, tudo será esquecido. E Lúcia, minha bem-amada Lúcia, estará comigo antes de mais nada. Mas os outros virão. Basta morrer para ficar assim; nada mais: a gente muda de corpo, apenas isto. Eu já não tenho aquele mal que me fazia um objeto de horror para todos os outros. Sou mais feliz e, à noite, me debruço sobre minha mãe e a beijo. Ela nada sente, mas sonha comigo e me vê como eu era antes de minha moléstia horrorosa. Compreendei, senhora, que eu sou feliz.

Eu gostaria de pôr rosas no canto do jardim onde outrora eu ia dormir. Poderíeis sugerir à Lúcia a ideia de colocar algumas lá. Eu gostava muito de rosas e vou lá tantas vezes! Eu tenho rosas, mas Lúcia dorme todos os dias no meu antigo cantinho e eu todos os dias vou também para junto dela. Amo-a tanto!

3. ─ Minha cara menina, será que eu não poderia vê-la?

─ Não. Ainda não podeis ver-me, mas olhai o raio de sol sobre a vossa mesa. Eu vou atravessá-lo. Obrigado por me haverdes evocado. Sede indulgente para com minhas irmãs. Adeus.

O Espírito desapareceu, fazendo sombra um instante sobre o raio de sol que continuava. Tendo sido postas as rosas no querido cantinho, três dias depois, escrevendo uma carta, veio à pena da médium a palavra obrigada, bem como a assinatura da criança, que a fez escrever: “Recomeça tua carta; isso pouco importa! Estou tão feliz por ter uma médium! Eu voltarei. Obrigada pelas rosas. Adeus!






Ensinos e dissertações espíritas

A lei de Moisés e a lei de Cristo (Comunicação pelo Sr. R..., de Mulhouse)

Um dos nossos assinantes de Mulhouse nos envia a carta e a comunicação que se segue:

...“Aproveito a ocasião que se apresenta de vos escrever, para mandar uma comunicação que recebi, como médium, de meu Espírito protetor, e que me parece interessante e instrutiva sob todos os pontos de vista. Se assim a julgardes, eu vos autorizo a fazer dela o uso que acrediteis mais útil. Eis qual foi o princípio. Inicialmente devo dizer-vos que professo o culto israelita e, naturalmente, sou levado às ideias religiosas em que fui educado. Eu tinha notado que, em todas as comunicações dos Espíritos, jamais se tratava senão da moral cristã, pregada pelo Cristo e que jamais se falava da lei de Moisés. Contudo, eu me dizia que os mandamentos de Deus, revelados por Moisés, me pareciam ser o fundamento da moral cristã; que o Cristo poderia ter ampliado o quadro e desenvolvido as consequências, mas que o germe estava na lei ditada no Sinai. Então me perguntei se a menção, tantas vezes repetida, da moral do Cristo, posto que a de Moisés não lhe fosse estranha, não provinha do fato de que a maior parte das comunicações recebidas emanavam de Espíritos que tinham pertencido à religião dominante, e se não seriam uma lembrança das ideias terrenas. Sob o império de tais pensamentos, evoquei meu Espírito protetor, que foi um dos meus parentes próximos e se chamava Mardoqueu R... Eis as perguntas que lhe dirigi e as respostas dadas por ele, etc....

1. ─ Em todas as comunicações feitas à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cita-se Jesus como sendo o que ensinou a mais bela moral. Que devo pensar disto?

─ Sim. O Cristo foi o iniciador da moral mais pura, a mais sublime: a moral evangélica cristã, que deve renovar o mundo, reaproximar os homens e os tornar a todos irmãos; a moral que deve fazer jorrar de todos os corações humanos a caridade, o amor ao próximo; que deve criar entre todos os homens uma solidariedade comum; a moral, enfim, que deve transfigurar a Terra e dela fazer uma morada para Espíritos superiores aos que hoje a habitam. É a lei do progresso, à qual está submetida a Natureza, que se realiza; e o Espiritismo é uma das forças vivas de que Deus se serve para propiciar o adiantamento da Humanidade na via do progresso moral. São chegados os tempos em que as ideias morais devem desenvolver-se para realizar o progresso que está nos desígnios de Deus. Elas devem seguir a mesma rota que as ideias de liberdade percorreram e das quais eram precursoras. Mas não se deve crer que esse desenvolvimento se faça sem lutas. Não. Para chegar à maturidade, elas necessitam de abalos e discussões, a fim de que atraiam a atenção das massas; mas, uma vez fixada a atenção, a beleza e a santidade da moral sensibilizarão os Espíritos, e eles aplicar-se-ão a uma ciência que lhes dá a chave da vida futura e lhes abre as portas da felicidade eterna.

Deus é único, e Moisés é o Espírito que Deus enviou em missão para se fazer conhecer, não só aos hebreus, mas também aos povos pagãos. O povo hebreu foi o instrumento de que Deus se serviu para fazer sua revelação, através de Moisés e dos profetas, e as vicissitudes desse povo tão admirável eram feitas para ferir os olhos e fazer cair o véu que aos homens ocultava a Divindade.

2. ─ Em que, pois, a moral de Moisés é inferior à do Cristo?

─ A moral de Moisés era apropriada ao estado de adiantamento em que se achavam os povos que ela estava destinada a regenerar. Esses povos, meio selvagens quanto ao aperfeiçoamento de sua alma, não teriam compreendido que se pudesse adorar Deus de outra maneira senão pelos holocaustos, nem que era preciso perdoar a um inimigo. Sua inteligência, notável do ponto de vista da matéria, e mesmo das artes e das ciências, estava muito atrasada em moralidade e não se teria convertido sob o império de uma religião inteiramente espiritual. Era-lhes necessária uma representação semimaterial, tal qual oferecia, então, a religião hebraica. É assim que os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito.

Os mandamentos de Deus recebidos por Moisés trazem o germe da moral cristã mais ampla, mas os comentários da Bíblia estreitavam o sentido, porque, se fosse posta em prática em toda a sua pureza, não teria sido então compreendida. Mas os dez mandamentos de Deus nem por isso deixaram de estabelecer-se como o brilhante frontispício, como o farol que deveria iluminar a Humanidade na rota que ela tinha a percorrer. Foi Moisés que abriu o caminho; Jesus continuou a obra; o Espiritismo a acabará.

3. ─ O sábado é um dia consagrado?

─ Sim. O sábado é um dia consagrado ao repouso, à prece. É o emblema da felicidade eterna, a que aspiram todos os Espíritos e à qual eles só chegarão depois de se haverem aperfeiçoado pelo trabalho e se despojado, pelas encarnações, de todas as impurezas do coração humano.

4. ─ Que motivo, então, levou cada seita a consagrar um dia diferente?

─ Cada seita, é verdade, consagrou um dia diferente, mas isto não é um motivo de inconformação. Deus aceita as preces e as formas de cada religião, desde que os atos correspondam aos ensinos. Seja qual for a forma sob a qual Deus é invocado, a prece lhe é agradável, se a intenção for pura.

5. ─ Pode-se esperar o estabelecimento de uma religião universal?

─ Não. Não em nosso planeta, ou, pelo menos, não antes que ele tenha feito progressos que muitos milhares de gerações nem mesmo verão.

MARDOQUEU R...


Lições familiares de moral (Enviada pela médium Sra. Condessa F..., de Varsóvia. Traduzido do polonês)
I

Meus caros filhos, vossa maneira de compreender a vontade de Deus está errada, porque tomais tudo o que acontece como expressão dessa vontade. Certamente Deus conhece tudo o que é, tudo o que foi e tudo o que será; sendo sempre a sua santa vontade a expressão de seu amor divino, traz, ao realizar-se, a graça e a bênção, enquanto que, afastando-se dessa via única, o homem atrai a si sofrimentos que são apenas advertências. Infelizmente, o homem de hoje, enceguecido pelo orgulho de seu espírito, ou afogado no lamaçal de suas paixões, não as quer compreender. Ora, meus filhos, sabei que se aproxima o tempo no qual começará o reinado da vontade de Deus na Terra. Então, infeliz daquele que ainda ousar opor-se, pois será quebrado como o caniço, ao passo que aqueles que se tiverem emendado verão para si abrir-se os tesouros da misericórdia infinita. Vedes por aí que se a vontade de Deus é a expressão de seu amor e, por isso mesmo, imutável e eterna, todo ato de rebeldia contra essa vontade, embora suportado pela incompreensível sabedoria, é apenas temporário e passageiro, como prova da paciente misericórdia de Deus, e não como expressão de sua vontade.

II

Vejo com prazer, meus filhos, que vossa fé não enfraquece, malgrado os ataques dos incrédulos. Se todos os homens tivessem acolhido com o mesmo zelo, a mesma perseverança, e sobretudo com a mesma pureza de intenção essa manifestação extraordinária da bondade divina, nova porta aberta ao vosso adiantamento, teria sido uma prova evidente de que o mundo não é tão mau nem tão endurecido quanto parece e que, o que é inadmissível, a mão de Deus se tenha injustamente vergado sobre os seres humanos. Não fiqueis, pois, admirados da oposição que o Espiritismo encontra no mundo. Destinado a combater vitoriosamente o egoísmo e trazer a vitória da caridade, está naturalmente exposto às perseguições do egoísmo e do fanatismo dele sempre derivado. Lembrai-vos do que foi dito há muitos séculos: “Muitos serão os chamados, poucos os escolhidos.” Entretanto, o bem que vem de Deus sempre acabará por triunfar do mal que vem dos homens.

III

Deus fez a fé e a caridade descerem à Terra para ajudar os homens a sacudirem a dupla tirania do pecado e da arbitrariedade, e não há dúvida de que, com esses dois divinos motores, há muito tempo teriam eles atingido uma felicidade tão perfeita quanto comportam a natureza humana e o estado físico do vosso globo, se os homens não tivessem deixado a fé enlanguescer e os corações secarem. Por um momento, eles chegaram a acreditar que poderiam dispensá-la e salvar-se apenas pela caridade. Foi então que se viu nascer essa porção de sistemas sociais, bons na intenção que os ditava, mas defeituosos e impraticáveis na forma. Perguntareis: Por que são impraticáveis? Não se baseiam no desinteresse de cada um? Sim, sem dúvida, mas para se basear no desinteresse é necessário, de saída, que exista o desinteresse. Ora, não basta decretá-lo; é necessário inspirá-lo. Sem a fé que dá a certeza das compensações da vida futura, o desinteresse é um engano aos olhos do egoísta. Por isso os sistemas que repousam somente sobre os interesses materiais são instáveis, tanto é certo que o homem nada poderia construir de harmonioso e durável sem a fé que não só o dota de uma força moral superior a todas as forças físicas, mas lhe abre a assistência do mundo espiritual e lhe permite beber na fonte da onipotência divina.

IV

“Mesmo quando houverdes cumprido tudo quanto vos foi ordenado, considerai-vos como servos inúteis.” Estas palavras do Cristo vos ensinam a humildade como a primeira base da fé e uma das primeiras condições da caridade. Aquele que tem fé não esquece que Deus conhece todas as imperfeições; por consequência, jamais se lembra de querer parecer melhor do que é, aos olhos do próximo. Aquele que tem humildade sempre acolhe com suavidade as censuras que lhe fazem, por mais injustas que sejam, porque, sabei-o bem, a injustiça jamais irrita o justo, mas é pondo o dedo sobre alguma chaga envenenada de vossa alma que se faz subir ao vosso rosto o calor da vergonha, indício seguro de um orgulho mal disfarçado. O orgulho, meus filhos, é o maior obstáculo ao vosso aperfeiçoamento, porque não vos deixa aproveitar as lições que vos dão. É, pois, combatendo-o sem tréguas e sem quartel que melhor trabalhareis o vosso adiantamento.

V

Se lançardes o olhar sobre o mundo que vos cerca, vereis que tudo aí é harmonia. A harmonia do mundo material é o belo. Contudo, é ainda a parte menos nobre da Criação. A harmonia do mundo espiritual é o amor, emanação divina que enche os espaços e conduz a criatura ao seu Criador. Procurai, meus filhos, com ele encher os vossos corações. Tudo quanto pudésseis fazer de grande, fora desta lei, não vos seria levado em conta. Só o amor, quando tiverdes assegurado o seu triunfo na Terra, fará vir a vós o reino de Deus prometido pelos apóstolos.


Os missionários (Enviadas pelo Sr. Sabò, de Bordéus)

Vou dizer-vos algumas palavras para vos dar a compreender o objetivo a que se propõem os Missionários, deixando pátria e família para ir evangelizar tribos ignorantes e ferozes, entretanto irmãos, mas inclinados ao mal e desconhecedores do bem; ou para ir pregar a mortificação, a confiança em Deus, a prece, a fé, a resignação na dor, a caridade, a esperança de uma vida melhor depois do arrependimento. Perguntareis: Isto não é Espiritismo? Sim, almas de escol, que sempre servistes a Deus e fielmente observais as suas leis; que amais e socorreis o vosso próximo, vós sois espíritas. Mas não conheceis esta palavra de criação nova e nela vedes um perigo. Ora! Já que a palavra nos apavora, não a pronunciaremos mais diante de vós, até que vós mesmos venhais perguntar esse nome, que resume a existência dos Espíritos e suas manifestações: o Espiritismo.

Amados irmãos, o que são os Missionários junto a nações na infância? Espíritos em missão, enviados por Deus, nosso Pai, para esclarecer pobres Espíritos mais ignorantes; para lhes ensinar a esperar nele, a conhecê-lo, a amá-lo, a ser bons esposos, bons pais, bons para com os semelhantes; para lhes dar, tanto quanto comporta sua natureza inculta, a ideia do bem e do belo. Ora, vós que sois tão orgulhosos de vossa inteligência, sabei que partistes tão de baixo quanto eles, e que ainda tendes muito a fazer para chegardes ao mais alto grau. Eu vos pergunto, amigos: Sem as missões e os Missionários, em que se tornaria essa pobre gente abandonada às suas paixões e à sua natureza selvagem? Mas dizei: Sois vós que, a exemplo desses homens devotados, ides pregar o Evangelho a esses irmãos broncos? Não, não sereis vós. Vós tendes família, amigos, uma posição que não podeis abandonar. Não, não sereis vós, que gostais das doçuras do lar. Não, não sereis vós, que tendes fortuna, honras, todas as felicidades que satisfazem à vossa vaidade e ao vosso egoísmo. Não, não sereis vós. São necessários homens que deixem o teto paterno e a pátria com alegria; homens que façam pouco caso da vida, porque às vezes ela é cortada a ferro e fogo; são necessários homens bem convencidos de que, se vão trabalhar na vinha do Senhor e regá-la com o próprio sangue, encontrarão no Alto a recompensa a tantos sacrifícios. Dizei se os materialistas seriam capazes de tal devotamento, eles que nada mais esperam depois desta vida? Crede-me, são Espíritos enviados por Deus. Não riais mais daquilo a que chamais de tolice, porque eles são instruídos, e expondo a vida para esclarecer seus irmãos ignorantes, têm direito ao vosso respeito e à vossa simpatia. Sim, são Espíritos encarnados que têm a missão perigosa de desbravar essas inteligências incultas, como outros Espíritos, mais adiantados, têm por missão fazer que vós mesmos progridais.

O que vimos de fazer, meus amigos, é Espiritismo. Não vos arreceeis desta palavra. Sobretudo, não riais, porque ela é o símbolo da lei universal que rege os seres vivos da Criação.

ADOLPHE, bispo de Alger


A França (Enviada pelo Sr. Sabò, de Bordéus)

Tu também, terra dos francos, estavas mergulhada na barbárie e tuas coortes selvagens levavam o espanto e a desolação até o seio das nações civilizadas. Oferecias montanhas de sacrifícios humanos a Teutatés e tremias à voz dos druidas, que escolhiam as suas vítimas. Os dolmens que te serviam de altares jazem em meio às charnecas estéreis! E o pastor que para ali conduz os seus magros rebanhos olha com admiração esses blocos de granito e se pergunta para que serviram essas lembranças de outros tempos!

Contudo, teus filhos, cheios de bravura, dominavam as nações e voltavam ao solo pátrio com o rosto triunfante, tendo nas mãos os troféus das vitórias e arrastando os vencidos em vergonhosa escravidão! Mas Deus queria que tomasses o teu lugar entre elas, e te enviou bons Espíritos, apóstolos de uma religião nova, que vinha pregar a teus filhos selvagens o amor, o perdão, a caridade. E quando Clóvis, à frente de seus exércitos, chamava em seu socorro esse Deus poderoso, ele acorreu à sua voz, deu-lhe a vitória e, como filho reconhecido, o vencedor abraçou o Cristianismo! O apóstolo do Cristo, derramando-lhe a santa unção, inspirado pelo Espírito de Deus, lhe ordenou que adorasse aquilo que havia queimado, e queimar o que havia adorado.

Então começou para ti uma longa luta entre os teus filhos, que não podiam enfrentar a cólera de seus deuses e de seus sacerdotes, e não foi senão depois que o sangue dos mártires regou o teu solo, para aí fazer germinarem suas pregações, que pouco a pouco desembaraçaste o coração do culto de teus pais, para seguir o de teus reis. Eles eram bravos e valentes e por sua vez iam combater as hordas selvagens dos bárbaros do Norte. Voltando calmos aos seus palácios, aplicavam-se ao progresso e à civilização de seus povos. Durante vários séculos são vistos realizando esse progresso, lentamente, é verdade, mas, enfim, te puseram no primeiro lugar.

Entretanto, foste tantas vezes culpada que o braço de Deus levantou-se e estava prestes a te exterminar. Mas, se o solo francês é um foco de incredulidade e de ateísmo, é também foco de lances generosos, da caridade e dos sublimes devotamentos. Ao lado da impiedade florescem as virtudes pregadas pelo Evangelho. Elas desarmaram o seu braço prestes a ferir-te tantas vezes e, lançando sobre esse povo a quem ama um olhar de clemência, ele o escolheu para ser o mensageiro de sua vontade; e é de seu seio que devem sair os germes da Doutrina Espírita, que ele transmite através dos bons Espíritos, a fim de que seus raios benéficos pouco a pouco penetrem o coração de todas as nações, e que os povos, consolados pelos preceitos de amor, de caridade, de perdão e de justiça marchem a passos de gigantes para a grande reforma moral que deve regenerar a Humanidade. França! Tens a tua sorte em tuas mãos. Se desconhecesses a voz celeste que te chama a esses gloriosos destinos; se tua indiferença te fizesse repelir a luz que deves espalhar, Deus te repudiaria, como outrora repudiou o povo hebreu, porque seria com ele que realizaria os seus desígnios. Apressa-te, pois, já que é chegado o momento! Que os povos aprendam contigo o caminho da verdadeira felicidade. Que o teu exemplo lhes mostre os frutos consoladores que dele devem retirar, e eles repetirão com o coro dos bons Espíritos: “Deus protege e abençoa a França!”

CARLOS MAGNO


A ingratidão (Enviada pelo Sr. Pichon, médium de sens)

É preciso sempre ajudar os fracos e os que desejam fazer o bem, embora sabendo de antemão que não seremos recompensados por aqueles a quem o fazemos, porque aquele que se recusa a vos ser grato pela assistência que lhe destes, nem sempre é tão ingrato quanto o imaginais. Muitas vezes ele age segundo os desígnios de Deus, mas os seus desígnios não são, e muitas vezes não podem ser apreciados por vós. Baste-vos saber que é necessário fazer o bem por dever e por amor de Deus, pois disse Jesus: “Aquele que faz o bem por interesse já recebeu sua recompensa.” Sabei que se aquele a quem prestais serviço esquece o benefício, Deus vo-lo terá mais em conta do que se já tivésseis sido recompensados pela gratidão do vosso favorecido.


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