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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861 > Junho
Junho
Channing - Discurso sobre a vida futura - Pregado por Channing, no domingo da páscoa de 1834, após a morte de um amigoTemos reproduzido várias vezes, nesta Revista, ditados espontâneos do Espírito Channing, que não desmentem a sua superioridade de caráter e de inteligência. Nossos leitores serão gratos por lhes darmos uma ideia das opiniões que ele professava em vida, pelo fragmento seguinte de um de seus discursos, cuja tradução devemos à gentileza de um dos nossos assinantes. Sendo seu nome pouco conhecido na França, precedemo-lo de curta notícia biográfica.
William Ellery Channing nasceu em 1780 em Newport, Rhode-Island, Estado de Nova York. Seu avô, William Ellery, assinou a famosa declaração da independência. Channing foi educado no Harward College, destinado à profissão de médico, mas seus gostos e aptidões levaram-no à carreira religiosa, e em 1803 tornou-se ministro da capela unitária de Boston. Desde então ficou sempre nessa cidade, professando a doutrina dos Unitários, seita protestante que conta numerosos adeptos na Inglaterra e na América, nas camadas mais altas. Tornou-se notável por seus pontos de vista amplos e liberais. Por sua eloquência admirável, por suas obras numerosas e pela profundidade filosófica, é contado entre os homens mais destacados nos Estados Unidos. Partidário declarado da paz e do progresso, pregou sem tréguas contra a escravidão e fez a essa instituição uma guerra tão encarniçada, que para muitos liberais tal excesso de zelo, prejudicial à sua popularidade, por vezes parecia inoportuno. Seu nome ganhou autoridade entre os antiescravagistas. Morreu em Boston em 1842, aos 62 anos de idade. Gannet o sucedeu como chefe dos Unitários.
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“Para a massa dos homens, o Céu é quase sempre um mundo de fantasia. Faltalhe substância. A ideia de um mundo no qual existam seres sem corpos grosseiros, Espíritos puros ou revestidos de corpos espirituais ou etéreos lhes parece pura ficção. Aquilo que não se pode ver nem tocar não lhes parece real. Isto é triste, mas não espanta, porque, como é que homens mergulhados na matéria e em seus interesses, não cultivando o conhecimento da alma e de suas capacidades espirituais, podem compreender uma vida espiritual mais elevada? A multidão considera como sonhador visionário aquele que fala claramente e com alegria de sua vida futura e da vitória do Espírito sobre a decomposição corpórea. Esse ceticismo sobre as coisas espirituais e celestes é tão irracional e pouco filosófico quanto aviltante. ..............................................................................................................
“E quanto é irracional imaginar que não haja outros mundos senão este; outro modo de existência mais elevado que o nosso! Quem é que percorrendo com os olhos esta Criação imensa, pode duvidar de que haja seres superiores a nós, ou ver alguma coisa de antirracional em conceber o Espírito num estado menos circunscrito, menos entravado do que na Terra, por outras palavras, que haja um mundo espiritual?
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“Aqueles que nos deixaram por um outro mundo devem ter por este um interesse ainda mais profundo. Seus laços com os que aqui deixaram se depuram, mas não se dissolvem. Se o estado futuro é um melhoramento do estado presente; se a inteligência deve ser fortalecida e o amor expandido, a memória, poder fundamental da inteligência deve agir sobre o passado com uma energia maior, e todas as afeições benévolas que aqui mantivemos devem receber uma atividade nova. Supor a vida terrena apagada da memória do Espírito seria destruir a sua utilidade; seria romper a relação dos dois mundos e subverter a responsabilidade, pois como a recompensa ou o castigo atingiriam uma existência esquecida? Não. É preciso que conosco levemos o presente, seja qual for o nosso futuro, feliz ou desditoso. É verdade que os bons elaborarão laços novos mais santos e mais fortes; mas, sob a influência expansiva desse mundo melhor, o coração terá uma capacidade bastante grande para reter os laços antigos, enquanto constrói laços novos. Lembrarse-á com ternura do seu lugar de nascimento, enquanto goza de uma existência mais madura e mais feliz. Se eu pudesse imaginar que aqueles que partiram morrem para os que ficam, eu os honraria e amaria menos. O homem que, deixando-os, esquece os seus, parece desprovido dos melhores sentimentos de nossa natureza; e se, em sua nova pátria, os justos devessem esquecer os seus pais na Terra; se, ao se aproximarem de Deus, devessem cessar de interceder por eles, poderíamos achar que a mudança lhes foi proveitosa?
“Poder-se-ia perguntar se os que são levados ao Céu não só se lembram com interesse dos que deixaram na Terra, mas ainda se têm um conhecimento presente e imediato. Não tenho qualquer razão para crer que tal conhecimento não exista. Estamos habituados a considerar o Céu como afastado de nós, mas nada o prova. O Céu é a união, a sociedade dos seres espirituais superiores. Não podem esses seres encher o Universo, assim levando o Céu a toda parte? É provável que tais seres sejam circunscritos, como nós, por limites materiais? Disse Milton:
“Millions of spiritual beings walk the earth
Both when we wake and when we sleep.”
(“Milhões de seres espirituais percorrem a Terra
Tão bem quando velamos, como quando dormimos.” )
“Um sentido novo, um novo olhar poderia mostrar-nos que o mundo espiritual nos envolve por todos os lados. Mas suponde mesmo que o Céu esteja afastado; nem por isso seus habitantes deixam de estar presentes e nós visíveis para eles. Mas, o que entendemos por presença? Não estou presente para aqueles dentre vós que meu braço não alcança, mas que vejo distintamente? Não está plenamente de acordo com o nosso conhecimento da Natureza supor que os que estão no Céu, seja qual for o lugar de sua residência, possam ter sentidos e órgãos espirituais, por meio dos quais possam ver o que está distante, tão facilmente quanto nós distinguimos o que está perto? Nossos olhos percebem sem esforço planetas a milhões de léguas de distância, e com a ajuda da Ciência podemos mesmo reconhecer as irregularidades de sua superfície. Podemos mesmo imaginar um órgão visual bastante sensível ou um instrumento suficientemente potente para permitir, do nosso globo, distinguir os habitantes desses mundos afastados. Por que, então, os que entraram na sua fase de existência mais elevada, que estão revestidos de corpos espirituais, não poderiam contemplar nossa Terra tão facilmente quanto no tempo em que era a sua morada?
“Isto pode ser verdadeiro, mas se o aceitamos assim, não abusamos. Poder-se-ia abusar. Não pensamos nos mortos como se nos contemplassem com um amor parcial terreno. Eles nos amam mais do que nunca, mas com uma afeição espiritual depurada. Têm por nós apenas um desejo, o de que nos tornemos dignos de nos reunirmos em sua morada de beneficência e de piedade. Sua visão espiritual penetra as nossas almas. Se pudéssemos ouvir a sua voz, não seria uma declaração de apego pessoal, mas um apelo vivificante a maiores esforços, a uma abnegação mais firme, a uma caridade mais ampla, a uma paciência mais humilde, a uma obediência mais filial à vontade de Deus. Eles respiram a atmosfera da benevolência divina e sua missão é agora mais elevada do que o era aqui.
“Perguntar-me-eis: se os mortos conhecem os males que nos afligem, deve existir sofrimento nessa vida bendita? Respondo que não posso considerar o céu senão como um mundo de simpatias. Parece-me que nada pode melhor atrair o olhar de seus habitantes benfeitores do que a visão da miséria de seus irmãos. Mas esta simpatia, se faz brotar a tristeza, está longe de tornar infelizes os que a sentem. Neste mundo inferior, a compaixão desinteressada, unida ao poder de abrandar o sofrimento, é um penhor de paz, muitas vezes proporcionando os mais puros prazeres. Livres de nossas enfermidades presentes e esclarecidos pela visão mais ampla da perfeição da governança divina, esta simpatia dará mais encanto às virtudes dos seres abençoados e, como qualquer outra fonte de perfeição, não fará senão aumentar sua felicidade.
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“Nossos amigos que nos deixam por esse outro mundo não se encontram no meio de desconhecidos; não têm esse sentimento desolado de haver trocado sua pátria por uma terra estranha. As mais suaves palavras da amizade humana não se aproximam dos tons de felicitações que os esperam à chegada àquela morada. Lá o Espírito tem meios mais seguros de se revelar do que aqui. O recém chegado sentese e se vê cercado de virtudes e de bondade e por essa visão íntima dos Espíritos simpáticos que o rodeiam, e num momento podem criar-se laços mais fortes que os que são cimentados pelos anos na Terra. As mais íntimas afeições da Terra são frias, quando comparadas às dos Espíritos. De que maneira se comunicam? Em que língua e por meio de que órgãos? Nós o ignoramos, mas sabemos que progredindo, deve o Espírito adquirir maior facilidade de transmitir seu pensamento.
“Seria erro crer que os habitantes do Céu se limitem à comunicação recíproca de suas ideias. Os que atingem esse mundo, ao contrário, entram em novo estado de atividade, de vida e de esforços. Somos levados a considerar o estado futuro de tal modo feliz que ninguém ali precise de ajuda, que o esforço cesse e os bons nada tenham a fazer senão gozar. A verdade, porém, é que toda ação na Terra, mesmo a mais intensa, não passa de jogo infantil, comparada à atividade e à energia desenvolvidas nessa vida mais elevada. E deve ser assim, porque não há princípio mais ativo que a inteligência, a beneficência, o amor da verdade, a sede de perfeição, a simpatia pelos sofrimentos e o devotamento à obra divina, que são os princípios expansivos da vida de além-túmulo. É então que a alma tem consciência de suas capacidades; que a verdade infinita se desdobra diante de nós; que se sente que o Universo é uma esfera sem limites para a descoberta, para a Ciência, para a benevolência e para a adoração. Esses novos objetivos da vida, que reduzem a nada os interesses atuais, se desdobram constantemente. Então não se deve imaginar que o Céu seja composto de uma comunidade estacionária. Eu o imagino como um mundo de planos e de esforços prodigiosos para seu próprio melhoramento. Considero-o como uma sociedade a atravessar fases sucessivas de desenvolvimento, de virtudes, de conhecimentos, de poder, pela energia de seus próprios membros.
“O gênio celeste está sempre ativo a explorar as grandes leis da Criação e os princípios eternos do espírito; a desvelar o belo na ordem do Universo e a descobrir os meios de avanço para cada alma. Lá, como aqui, há inteligências de diversos graus, e os mais evoluídos Espíritos encontram a felicidade e o progresso, educando os mais atrasados. Lá o trabalho de educação iniciado aqui progride sempre, e uma filosofia mais divina que a ensinada entre nós revela ao Espírito sua própria essência; estimula-o a esforços alegres para seu próprio aperfeiçoamento.
“O Céu está em relação com outros mundos. Seus habitantes são os mensageiros de Deus em toda a Criação. Eles têm grandes missões a cumprir, e pelo progresso de sua existência sem fim, pode ser a eles confiado o cuidado de outros mundos.”
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Este discurso foi pronunciado em 1834. Nessa época não se cogitava de manifestações de Espíritos na América. Assim, Channing não as conhecia. Do contrário teria afirmado o que em certos pontos apenas formulou como hipóteses. Mas não é admirável esse homem pressentir com tanta justeza aquilo que deveria ser revelado alguns anos mais tarde, pois salvo poucas exceções, sua descrição da vida futura está em perfeita concordância com essa revelação. Só falta a reencarnação, e se bem examinado, vê-se que dela se aproxima, como o faz com as manifestações, sobre as quais se cala, por não conhecê-las. Com efeito, admite o mundo invisível ao redor de nós, em meio a nós, cheio de solicitudes por nós, ajudando-nos a progredir. Daí às comunicações diretas há apenas um passo. No mundo celeste admite, não a contemplação perpétua, mas a atividade e o progresso; admite a pluralidade dos mundos corpóreos, porém, mais ou menos adiantados; se tivesse dito que os Espíritos podiam realizar seu progresso passando por esses diferentes mundos, aí teríamos a reencarnação. Sem isto, a ideia desses mundos progressivos é mesmo inconciliável com a da criação das almas no momento do nascimento dos corpos, a menos que se admitissem almas criadas mais ou menos perfeitas e, então, fora necessário justificar essa preferência. Não há mais lógica em dizer que se as almas de um mundo são mais adiantadas que as de outro, é que já viveram em mundos inferiores? O mesmo se pode dizer dos habitantes da Terra, comparados entre si, desde o selvagem ao homem civilizado. Seja como for, perguntamos se tal descrição da vida de além-túmulo, por suas deduções lógicas, acessíveis às mais vulgares inteligências e aceitáveis pela mais severa razão, não é cem vezes mais própria para produzir a convicção e a confiança no futuro do que o horrível e inadmissível quadro das torturas sem fim emprestadas do Tártaro do paganismo. Os que pregam essas crenças não imaginam o número de incrédulos que fazem e dos recrutas que mandam para a falange dos materialistas.
Notemos que Milton, citado nesse discurso, emite sobre o mundo invisível ambiente uma opinião conforme à de Channing, que é também a dos espíritas modernos. É que Milton, como Channing, como tantos outros homens eminentes, eram espíritas por intuição. Por isso não cessamos de dizer que o Espiritismo não é uma invenção moderna. Ele é de todos os tempos, porque houve almas em todos os tempos, e em todos os tempos a massa de homens acreditou na alma. Assim, encontram-se traços dessas ideias numa porção de escritores antigos e modernos, sagrados e profanos. Essa intuição das ideias espíritas é de tal modo geral, que todos os dias vemos uma porção de gente que ouvindo delas falar pela primeira vez, não se admira absolutamente. Faltava apenas uma fórmula para a sua crença.
William Ellery Channing nasceu em 1780 em Newport, Rhode-Island, Estado de Nova York. Seu avô, William Ellery, assinou a famosa declaração da independência. Channing foi educado no Harward College, destinado à profissão de médico, mas seus gostos e aptidões levaram-no à carreira religiosa, e em 1803 tornou-se ministro da capela unitária de Boston. Desde então ficou sempre nessa cidade, professando a doutrina dos Unitários, seita protestante que conta numerosos adeptos na Inglaterra e na América, nas camadas mais altas. Tornou-se notável por seus pontos de vista amplos e liberais. Por sua eloquência admirável, por suas obras numerosas e pela profundidade filosófica, é contado entre os homens mais destacados nos Estados Unidos. Partidário declarado da paz e do progresso, pregou sem tréguas contra a escravidão e fez a essa instituição uma guerra tão encarniçada, que para muitos liberais tal excesso de zelo, prejudicial à sua popularidade, por vezes parecia inoportuno. Seu nome ganhou autoridade entre os antiescravagistas. Morreu em Boston em 1842, aos 62 anos de idade. Gannet o sucedeu como chefe dos Unitários.
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“Para a massa dos homens, o Céu é quase sempre um mundo de fantasia. Faltalhe substância. A ideia de um mundo no qual existam seres sem corpos grosseiros, Espíritos puros ou revestidos de corpos espirituais ou etéreos lhes parece pura ficção. Aquilo que não se pode ver nem tocar não lhes parece real. Isto é triste, mas não espanta, porque, como é que homens mergulhados na matéria e em seus interesses, não cultivando o conhecimento da alma e de suas capacidades espirituais, podem compreender uma vida espiritual mais elevada? A multidão considera como sonhador visionário aquele que fala claramente e com alegria de sua vida futura e da vitória do Espírito sobre a decomposição corpórea. Esse ceticismo sobre as coisas espirituais e celestes é tão irracional e pouco filosófico quanto aviltante. ..............................................................................................................
“E quanto é irracional imaginar que não haja outros mundos senão este; outro modo de existência mais elevado que o nosso! Quem é que percorrendo com os olhos esta Criação imensa, pode duvidar de que haja seres superiores a nós, ou ver alguma coisa de antirracional em conceber o Espírito num estado menos circunscrito, menos entravado do que na Terra, por outras palavras, que haja um mundo espiritual?
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“Aqueles que nos deixaram por um outro mundo devem ter por este um interesse ainda mais profundo. Seus laços com os que aqui deixaram se depuram, mas não se dissolvem. Se o estado futuro é um melhoramento do estado presente; se a inteligência deve ser fortalecida e o amor expandido, a memória, poder fundamental da inteligência deve agir sobre o passado com uma energia maior, e todas as afeições benévolas que aqui mantivemos devem receber uma atividade nova. Supor a vida terrena apagada da memória do Espírito seria destruir a sua utilidade; seria romper a relação dos dois mundos e subverter a responsabilidade, pois como a recompensa ou o castigo atingiriam uma existência esquecida? Não. É preciso que conosco levemos o presente, seja qual for o nosso futuro, feliz ou desditoso. É verdade que os bons elaborarão laços novos mais santos e mais fortes; mas, sob a influência expansiva desse mundo melhor, o coração terá uma capacidade bastante grande para reter os laços antigos, enquanto constrói laços novos. Lembrarse-á com ternura do seu lugar de nascimento, enquanto goza de uma existência mais madura e mais feliz. Se eu pudesse imaginar que aqueles que partiram morrem para os que ficam, eu os honraria e amaria menos. O homem que, deixando-os, esquece os seus, parece desprovido dos melhores sentimentos de nossa natureza; e se, em sua nova pátria, os justos devessem esquecer os seus pais na Terra; se, ao se aproximarem de Deus, devessem cessar de interceder por eles, poderíamos achar que a mudança lhes foi proveitosa?
“Poder-se-ia perguntar se os que são levados ao Céu não só se lembram com interesse dos que deixaram na Terra, mas ainda se têm um conhecimento presente e imediato. Não tenho qualquer razão para crer que tal conhecimento não exista. Estamos habituados a considerar o Céu como afastado de nós, mas nada o prova. O Céu é a união, a sociedade dos seres espirituais superiores. Não podem esses seres encher o Universo, assim levando o Céu a toda parte? É provável que tais seres sejam circunscritos, como nós, por limites materiais? Disse Milton:
“Millions of spiritual beings walk the earth
Both when we wake and when we sleep.”
(“Milhões de seres espirituais percorrem a Terra
Tão bem quando velamos, como quando dormimos.” )
“Um sentido novo, um novo olhar poderia mostrar-nos que o mundo espiritual nos envolve por todos os lados. Mas suponde mesmo que o Céu esteja afastado; nem por isso seus habitantes deixam de estar presentes e nós visíveis para eles. Mas, o que entendemos por presença? Não estou presente para aqueles dentre vós que meu braço não alcança, mas que vejo distintamente? Não está plenamente de acordo com o nosso conhecimento da Natureza supor que os que estão no Céu, seja qual for o lugar de sua residência, possam ter sentidos e órgãos espirituais, por meio dos quais possam ver o que está distante, tão facilmente quanto nós distinguimos o que está perto? Nossos olhos percebem sem esforço planetas a milhões de léguas de distância, e com a ajuda da Ciência podemos mesmo reconhecer as irregularidades de sua superfície. Podemos mesmo imaginar um órgão visual bastante sensível ou um instrumento suficientemente potente para permitir, do nosso globo, distinguir os habitantes desses mundos afastados. Por que, então, os que entraram na sua fase de existência mais elevada, que estão revestidos de corpos espirituais, não poderiam contemplar nossa Terra tão facilmente quanto no tempo em que era a sua morada?
“Isto pode ser verdadeiro, mas se o aceitamos assim, não abusamos. Poder-se-ia abusar. Não pensamos nos mortos como se nos contemplassem com um amor parcial terreno. Eles nos amam mais do que nunca, mas com uma afeição espiritual depurada. Têm por nós apenas um desejo, o de que nos tornemos dignos de nos reunirmos em sua morada de beneficência e de piedade. Sua visão espiritual penetra as nossas almas. Se pudéssemos ouvir a sua voz, não seria uma declaração de apego pessoal, mas um apelo vivificante a maiores esforços, a uma abnegação mais firme, a uma caridade mais ampla, a uma paciência mais humilde, a uma obediência mais filial à vontade de Deus. Eles respiram a atmosfera da benevolência divina e sua missão é agora mais elevada do que o era aqui.
“Perguntar-me-eis: se os mortos conhecem os males que nos afligem, deve existir sofrimento nessa vida bendita? Respondo que não posso considerar o céu senão como um mundo de simpatias. Parece-me que nada pode melhor atrair o olhar de seus habitantes benfeitores do que a visão da miséria de seus irmãos. Mas esta simpatia, se faz brotar a tristeza, está longe de tornar infelizes os que a sentem. Neste mundo inferior, a compaixão desinteressada, unida ao poder de abrandar o sofrimento, é um penhor de paz, muitas vezes proporcionando os mais puros prazeres. Livres de nossas enfermidades presentes e esclarecidos pela visão mais ampla da perfeição da governança divina, esta simpatia dará mais encanto às virtudes dos seres abençoados e, como qualquer outra fonte de perfeição, não fará senão aumentar sua felicidade.
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“Nossos amigos que nos deixam por esse outro mundo não se encontram no meio de desconhecidos; não têm esse sentimento desolado de haver trocado sua pátria por uma terra estranha. As mais suaves palavras da amizade humana não se aproximam dos tons de felicitações que os esperam à chegada àquela morada. Lá o Espírito tem meios mais seguros de se revelar do que aqui. O recém chegado sentese e se vê cercado de virtudes e de bondade e por essa visão íntima dos Espíritos simpáticos que o rodeiam, e num momento podem criar-se laços mais fortes que os que são cimentados pelos anos na Terra. As mais íntimas afeições da Terra são frias, quando comparadas às dos Espíritos. De que maneira se comunicam? Em que língua e por meio de que órgãos? Nós o ignoramos, mas sabemos que progredindo, deve o Espírito adquirir maior facilidade de transmitir seu pensamento.
“Seria erro crer que os habitantes do Céu se limitem à comunicação recíproca de suas ideias. Os que atingem esse mundo, ao contrário, entram em novo estado de atividade, de vida e de esforços. Somos levados a considerar o estado futuro de tal modo feliz que ninguém ali precise de ajuda, que o esforço cesse e os bons nada tenham a fazer senão gozar. A verdade, porém, é que toda ação na Terra, mesmo a mais intensa, não passa de jogo infantil, comparada à atividade e à energia desenvolvidas nessa vida mais elevada. E deve ser assim, porque não há princípio mais ativo que a inteligência, a beneficência, o amor da verdade, a sede de perfeição, a simpatia pelos sofrimentos e o devotamento à obra divina, que são os princípios expansivos da vida de além-túmulo. É então que a alma tem consciência de suas capacidades; que a verdade infinita se desdobra diante de nós; que se sente que o Universo é uma esfera sem limites para a descoberta, para a Ciência, para a benevolência e para a adoração. Esses novos objetivos da vida, que reduzem a nada os interesses atuais, se desdobram constantemente. Então não se deve imaginar que o Céu seja composto de uma comunidade estacionária. Eu o imagino como um mundo de planos e de esforços prodigiosos para seu próprio melhoramento. Considero-o como uma sociedade a atravessar fases sucessivas de desenvolvimento, de virtudes, de conhecimentos, de poder, pela energia de seus próprios membros.
“O gênio celeste está sempre ativo a explorar as grandes leis da Criação e os princípios eternos do espírito; a desvelar o belo na ordem do Universo e a descobrir os meios de avanço para cada alma. Lá, como aqui, há inteligências de diversos graus, e os mais evoluídos Espíritos encontram a felicidade e o progresso, educando os mais atrasados. Lá o trabalho de educação iniciado aqui progride sempre, e uma filosofia mais divina que a ensinada entre nós revela ao Espírito sua própria essência; estimula-o a esforços alegres para seu próprio aperfeiçoamento.
“O Céu está em relação com outros mundos. Seus habitantes são os mensageiros de Deus em toda a Criação. Eles têm grandes missões a cumprir, e pelo progresso de sua existência sem fim, pode ser a eles confiado o cuidado de outros mundos.”
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Este discurso foi pronunciado em 1834. Nessa época não se cogitava de manifestações de Espíritos na América. Assim, Channing não as conhecia. Do contrário teria afirmado o que em certos pontos apenas formulou como hipóteses. Mas não é admirável esse homem pressentir com tanta justeza aquilo que deveria ser revelado alguns anos mais tarde, pois salvo poucas exceções, sua descrição da vida futura está em perfeita concordância com essa revelação. Só falta a reencarnação, e se bem examinado, vê-se que dela se aproxima, como o faz com as manifestações, sobre as quais se cala, por não conhecê-las. Com efeito, admite o mundo invisível ao redor de nós, em meio a nós, cheio de solicitudes por nós, ajudando-nos a progredir. Daí às comunicações diretas há apenas um passo. No mundo celeste admite, não a contemplação perpétua, mas a atividade e o progresso; admite a pluralidade dos mundos corpóreos, porém, mais ou menos adiantados; se tivesse dito que os Espíritos podiam realizar seu progresso passando por esses diferentes mundos, aí teríamos a reencarnação. Sem isto, a ideia desses mundos progressivos é mesmo inconciliável com a da criação das almas no momento do nascimento dos corpos, a menos que se admitissem almas criadas mais ou menos perfeitas e, então, fora necessário justificar essa preferência. Não há mais lógica em dizer que se as almas de um mundo são mais adiantadas que as de outro, é que já viveram em mundos inferiores? O mesmo se pode dizer dos habitantes da Terra, comparados entre si, desde o selvagem ao homem civilizado. Seja como for, perguntamos se tal descrição da vida de além-túmulo, por suas deduções lógicas, acessíveis às mais vulgares inteligências e aceitáveis pela mais severa razão, não é cem vezes mais própria para produzir a convicção e a confiança no futuro do que o horrível e inadmissível quadro das torturas sem fim emprestadas do Tártaro do paganismo. Os que pregam essas crenças não imaginam o número de incrédulos que fazem e dos recrutas que mandam para a falange dos materialistas.
Notemos que Milton, citado nesse discurso, emite sobre o mundo invisível ambiente uma opinião conforme à de Channing, que é também a dos espíritas modernos. É que Milton, como Channing, como tantos outros homens eminentes, eram espíritas por intuição. Por isso não cessamos de dizer que o Espiritismo não é uma invenção moderna. Ele é de todos os tempos, porque houve almas em todos os tempos, e em todos os tempos a massa de homens acreditou na alma. Assim, encontram-se traços dessas ideias numa porção de escritores antigos e modernos, sagrados e profanos. Essa intuição das ideias espíritas é de tal modo geral, que todos os dias vemos uma porção de gente que ouvindo delas falar pela primeira vez, não se admira absolutamente. Faltava apenas uma fórmula para a sua crença.
Correspondência
A carta seguinte nos foi enviada pelo Sr. Roustaing, advogado no Tribunal Imperial de Bordéus e antigo presidente da Ordem dos Advogados. Os princípios que aí são claramente expressos por um homem de sua posição, posto entre os mais esclarecidos, talvez levem a refletir aqueles que, julgando-se com o privilégio exclusivo da razão, colocam sem cerimônia todos os adeptos do Espiritismo entre os imbecis.
“Meu caro senhor e muito honrado chefe espírita,
“Recebi a suave influência e colhi o benefício destas palavras do Cristo a Tomé: “Felizes os que não viram e creram”, profundas, verdadeiras e divinas palavras que mostram o mais seguro caminho, o mais racional, que conduz à fé, segundo a máxima de São Paulo, que o Espiritismo cumpriu e realiza: Rationabile sit obsequium vestrum.
“Quando vos escrevi em março último, pela primeira vez, dizia: “Nada vi, mas li e compreendi, e creio.” Deus me recompensou bem por ter crido sem ter visto; depois vi e vi bem; vi em condições proveitosas, e a parte experimental veio animar, se assim me posso exprimir, a fé que a parte doutrinária me havia dado e, fortalecendo-a, imprimir-lhe a vida.
“Depois de ter estudado e compreendido, eu conhecia o mundo invisível como conhece Paris quem a estudou sobre o mapa. Pela experiência, trabalho e observação continuada, conheci o mundo invisível e seus habitantes como conhece Paris quem a percorreu, mas sem ter ainda penetrado em todos os recantos dessa vasta capital. Não obstante, desde o começo do mês de abril, graças ao conhecimento que me proporcionastes, do excelente Sr. Sabo de sua família patriarcal, todos bons e verdadeiros espíritas, pude trabalhar e trabalhei constantemente todos os dias com eles ou em minha casa, em presença e com o concurso dos adeptos de nossa cidade, que estão convictos da verdade do Espiritismo, embora nem todos sejam ainda, de fato e praticamente, espíritas.
“O Sr. Sabo remeteu exatamente o resultado de nossos trabalhos, obtidos a título de ensinamento por evocações ou por manifestações espontâneas dos Espíritos superiores. Experimentamos tanta alegria e surpresa quanta confusão e humildade, quando recebemos esses ensinamentos tão preciosos e verdadeiramente sublimes de tantos Espíritos elevados que vieram visitar-nos ou nos enviaram mensageiros para falar em seu nome.
“Oh! caro senhor, como sou feliz por não mais pertencer, pelo culto material, à Terra que agora sei não ser para os nossos Espíritos senão um lugar de exílio, a título de provas ou de expiação! Como sou feliz por conhecer e ter compreendido a reencarnação, com todo o seu alcance e todas as suas consequências, como realidade e não como alegoria. A reencarnação, essa sublime e equitativa justiça de
Deus, como ainda ontem dizia o meu guia protetor, tão bela, tão consoladora, desde que deixa a possibilidade de fazer no dia seguinte o que não pudemos fazer na véspera; que faz a criatura progredir para o Criador; “esta justa e equitativa lei”, segundo a expressão de Joseph de Maistre, na evocação de seu Espírito, que fizemos e que recebestes; a reencarnação que é, segundo a divina palavra do Cristo, “o longo e difícil caminho a percorrer para chegar à morada de Deus.”
“Agora compreendo o sentido destas palavras do Cristo a Nicodemos: “Sois doutor da lei e ignorais isto?” Hoje, que Deus me permitiu compreender de maneira completa toda a verdade da lei evangélica, eu me pergunto como a ignorância dos homens, doutores da lei, pôde resistir a este ponto à interpretação dos textos; produzir assim o erro e a mentira que engendraram e alimentaram o materialismo, a incredulidade, o fanatismo ou a poltronaria? Eu me pergunto como esta ignorância, este erro puderam produzir-se quando o Cristo tivera o cuidado de proclamar a necessidade de reviver, dizendo: “É PRECISO NASCER DE NOVO”, e por aí a reencarnação como único meio de ver o reino de Deus, o que já era conhecido e ensinado na Terra e que Nicodemos devia saber: “Sois doutor da lei e ignorais isto!” É verdade que o Cristo acrescenta a cada passo: “Que os que têm ouvidos, ouçam”; e também: “Têm olhos e não veem; têm ouvidos e não ouvem e não compreendem”, o que pode aplicar-se aos que vieram depois dele, bem como aos de seu tempo.
“Eu disse que Deus, na sua bondade, me recompensou por nossos trabalhos até este dia e os ensinos que permitiu nos fossem dados por seus divinos mensageiros, “missionários devotados e inteligentes junto aos seus irmãos, ─ segundo a expressão do Espírito de Fénelon ─ para lhes inspirar o amor e a caridade para com o próximo, o esquecimento das injúrias e o culto da adoração devido a Deus.” Compreendo agora o alcance admirável destas palavras do Espírito de Fénelon, quando fala desses divinos mensageiros: “Viveram tantas vezes que se tornaram nossos mestres.”
“Agradeço com alegria e humildade a esses divinos mensageiros por terem vindo nos ensinar que o Cristo está em missão na Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo, essa terceira explosão da bondade divina, para cumprir aquela palavra final do Evangelho: “Unum ovile et unus pastor”; por nos ter vindo dizer: “Não temais nada! O Cristo (por eles chamado Espírito de Verdade), a Verdade é o primeiro e o mais santo missionário das ideias espíritas.” Estas palavras me tinham tocado vivamente e eu me perguntava: “Mas onde então está o Cristo em missão na Terra?” “A Verdade comanda, conforme a expressão do Espírito de Marius, bispo dos primeiros tempos da Igreja, essa falange de Espíritos enviados por Deus em missão na Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo.”
“Que suaves e puras satisfações dão esses trabalhos espíritas pela caridade feita, com o auxílio da evocação, aos Espíritos sofredores! Que consolação se acha em uma comunicação com os que, na Terra, foram nossos parentes ou nossos amigos; em saber que são felizes ou aliviar-lhes o sofrimento! Que viva e brilhante luz lançam em nossas almas esses ensinos espíritas que, ensinando-nos a verdade completa da lei do Cristo, dão-nos a fé por intermédio de nossa própria razão e nos fazem compreender a onipotência do Criador, sua grandeza, sua justiça, sua bondade e sua misericórdia infinita, colocando-nos assim na deliciosa necessidade de praticar esta lei divina do amor e da caridade! Que sublime revelação nos dão, ensinando que esses divinos mensageiros, fazendo-nos progredir, progridem eles também, a fim de irem engrossar a falange sagrada dos Espíritos perfeitos! Admirável e divina harmonia que nos mostra, ao mesmo tempo, a unidade em Deus e a solidariedade entre todas as criaturas; que nos mostra estas sob a influência e o impulso dessa solidariedade, dessa simpatia, dessa reciprocidade, chamadas a subir e subindo, mas não sem passos falsos e sem quedas, nos seus primeiros ensaios, essa longa e alta escada espírita para, após haver percorrido todos os degraus, chegar ao estado de simplicidade e de ignorância originais, à perfeição intelectual e moral e, por essa perfeição, a Deus. Admirável e divina harmonia que nos mostra esta grande divisão da inferioridade e da superioridade, pela distinção dos mundos que são lugares de exílio, onde tudo são provas ou expiações, e dos mundos superiores, morada dos bons Espíritos, onde estes não têm mais senão que progredir para o bem.
“Bem compreendida, a reencarnação ensina aos homens que aqui se acham num lugar de passagem, onde são livres de não mais voltar, se para tanto fizerem o que é necessário; que o poder, as riquezas, as dignidades, a Ciência não lhes são dados senão a título de provas e como meio de progredir para o bem; que eles não estão em suas mãos senão como um depósito e um instrumento para a prática da lei do amor e da caridade; que o mendigo que passa ao lado de um grão-senhor é seu irmão perante Deus, e talvez o tenha sido perante os homens; que talvez ele tenha sido rico e poderoso. Se agora ele se acha numa condição obscura e miserável, é por ter falido às suas terríveis provas, lembrando assim aquela palavra célebre, do ponto de vista das condições sociais: “Há apenas um passo, do Capitólio à rocha Tarpeia”, mas com a diferença de que, pela reencarnação, o Espírito se ergue de sua queda e pode, depois de haver remontado ao Capitólio, lançar-se de seu pico às regiões celestes, morada esplêndida dos bons Espíritos.
“A reencarnação, ao ensinar aos homens, segundo a admirável expressão de Platão, que não há rei que não descenda de um pastor nem pastor que não descenda de um rei, apaga todas as vaidades terrenas; liberta do culto material e nivela moralmente todas as condições sociais. Ela constitui a igualdade, a fraternidade entre os homens, como para os Espíritos, em Deus e diante de Deus, e a liberdade que sem a lei do amor e da caridade não passa de mentira e de utopia, como no-lo dizia ultimamente o Espírito de Washington. Em seu conjunto, o Espiritismo vem dar aos homens a unidade e a verdade em todo progresso intelectual e moral, grande e sublime empreendimento do qual não passamos de apóstolos muito humildes.
“Adeus, meu caro senhor. Após três meses de silêncio, eu vos fatigo com uma carta muito longa. Respondei quando puderdes e quiserdes. Eu me proporia a fazer uma viagem a Paris para ter o prazer de vos conhecer pessoalmente, de fraternalmente vos apertar a mão. Minha saúde a isto se opõe no momento.
Podeis fazer desta carta o uso que achardes conveniente. Eu me honro de ser declaradamente e publicamente espírita.
Vosso mui devotado,
ROUSTAING, Advogado.
Como nós, todos apreciarão a justeza dos pensamentos expressos nesta carta. Vê-se que, embora iniciado recentemente, o Sr. Roustaing passou a mestre em assunto de apreciação. É que estudou séria e profundamente, o que lhe permitiu apanhar com rapidez todas as consequências dessa grave questão do Espiritismo e, ao contrário de muita gente, não parou na superfície. Nada tinha visto ainda, diz ele, e estava convencido, porque havia lido e compreendido. Tem ele isto de comum com muita gente e sempre frisamos que estes, longe de serem superficiais, são, ao contrário, os que mais refletem. Ligando-se mais ao fundo do que à forma, para eles a parte filosófica é o principal e os fenômenos propriamente ditos são acessórios e eles dizem que ainda mesmo que os fenômenos não existissem, nem por isso deixaria de haver uma filosofia, a única que resolve os problemas até hoje insolúveis; a única que dá do passado e do futuro do homem a teoria mais racional. Ora, eles preferem uma doutrina que explica a uma que não explica, ou que explica mal. Quem quer que reflita compreende muito bem que se poderia fazer abstração das manifestações e nem por isso deixaria de subsistir a doutrina. As manifestações vêm corroborá-la, confirmá-la, mas não são a sua base essencial. O discurso de Channing, que acabamos de citar, é prova disso, porque, cerca de vinte anos antes desse grande desdobramento das manifestações na América, somente o raciocínio o havia conduzido às mesmas consequências.
Há um outro ponto, pelo qual também se reconhece o espírita sério. Pelas citações que o autor desta carta faz dos pensamentos contidos nas comunicações que recebeu, ele prova que não se limitou a admirá-las como belos trechos literários, bons para conservar num álbum, mas ele as estuda, medita sobre elas e delas tira proveito. Infelizmente há muitos para quem esse alto ensinamento constitui letra morta; que colecionam essas belas comunicações, como certas pessoas colecionam belos livros, sem os ler.
Há outra coisa pela qual devemos felicitar o Sr. Roustaing. É a declaração com a qual termina a sua carta. Infelizmente nem todos têm, como ele, a coragem de sua opinião, o que estimula os adversários. Entretanto, é preciso reconhecer que de algum tempo para cá as coisas mudaram muito neste particular. Há dois anos apenas, muitas pessoas só falavam do Espiritismo entre quatro paredes; só compravam livros às escondidas e tinham cuidado em não deixá-los à vista. Hoje é bem diferente. Já se familiarizaram com os epítetos grosseiros dos trocistas e deles se riem, ao invés de se admirarem. Não mais temem confessar-se espíritas alto e bom som, como não temem dizer-se partidários de tal ou qual filosofia, do magnetismo, do sonambulismo, etc. Discutem livremente o assunto com qualquer um que surge, como discutiriam os clássicos e os românticos, sem se sentirem humilhados por serem favoráveis a estes ou àqueles. É um progresso imenso, que prova duas coisas: o progresso das ideias espíritas em geral e a pouca consistência dos argumentos dos adversários. Terá como consequência impor silêncio a estes últimos, que se julgavam fortes, pois se supunham mais numerosos; mas quando, de todos os lados encontram com quem falar, não diremos que serão convertidos, mas guardarão reserva. Conhecemos uma cidadezinha provinciana, na qual, há um ano, o Espiritismo não contava senão com um único adepto, que era apontado a dedo, como um animal raro e tido como tal; quem sabe talvez até deserdado pela família ou demitido de seu cargo. Hoje os adeptos ali são numerosos. Reúnem-se abertamente, sem ligar para o que digam, e quando viram entre eles autoridades municipais, funcionários, oficiais, engenheiros, advogados, escrivãos, etc., que não ocultam suas simpatias pela causa, os trocistas pararam as chacotas e o jornal local, dirigido por um espírito forte, que já havia lançado suas setas e preparava-se para pulverizar a nova doutrina, temendo ter pelas costas gente mais forte, guardou um prudente silêncio. Esta é a história de muitas outras localidades, que se generalizará à medida que os partidários do Espiritismo, cujo número aumenta dia a dia, levantarem a cabeça e a voz. Bem podem desejar abater uma cabeça que se mostra, mas quando há vinte, quarenta, cem, que não receiam falar alto e firme, olham duas vezes, o que dá coragem a quem não a tem.
“Meu caro senhor e muito honrado chefe espírita,
“Recebi a suave influência e colhi o benefício destas palavras do Cristo a Tomé: “Felizes os que não viram e creram”, profundas, verdadeiras e divinas palavras que mostram o mais seguro caminho, o mais racional, que conduz à fé, segundo a máxima de São Paulo, que o Espiritismo cumpriu e realiza: Rationabile sit obsequium vestrum.
“Quando vos escrevi em março último, pela primeira vez, dizia: “Nada vi, mas li e compreendi, e creio.” Deus me recompensou bem por ter crido sem ter visto; depois vi e vi bem; vi em condições proveitosas, e a parte experimental veio animar, se assim me posso exprimir, a fé que a parte doutrinária me havia dado e, fortalecendo-a, imprimir-lhe a vida.
“Depois de ter estudado e compreendido, eu conhecia o mundo invisível como conhece Paris quem a estudou sobre o mapa. Pela experiência, trabalho e observação continuada, conheci o mundo invisível e seus habitantes como conhece Paris quem a percorreu, mas sem ter ainda penetrado em todos os recantos dessa vasta capital. Não obstante, desde o começo do mês de abril, graças ao conhecimento que me proporcionastes, do excelente Sr. Sabo de sua família patriarcal, todos bons e verdadeiros espíritas, pude trabalhar e trabalhei constantemente todos os dias com eles ou em minha casa, em presença e com o concurso dos adeptos de nossa cidade, que estão convictos da verdade do Espiritismo, embora nem todos sejam ainda, de fato e praticamente, espíritas.
“O Sr. Sabo remeteu exatamente o resultado de nossos trabalhos, obtidos a título de ensinamento por evocações ou por manifestações espontâneas dos Espíritos superiores. Experimentamos tanta alegria e surpresa quanta confusão e humildade, quando recebemos esses ensinamentos tão preciosos e verdadeiramente sublimes de tantos Espíritos elevados que vieram visitar-nos ou nos enviaram mensageiros para falar em seu nome.
“Oh! caro senhor, como sou feliz por não mais pertencer, pelo culto material, à Terra que agora sei não ser para os nossos Espíritos senão um lugar de exílio, a título de provas ou de expiação! Como sou feliz por conhecer e ter compreendido a reencarnação, com todo o seu alcance e todas as suas consequências, como realidade e não como alegoria. A reencarnação, essa sublime e equitativa justiça de
Deus, como ainda ontem dizia o meu guia protetor, tão bela, tão consoladora, desde que deixa a possibilidade de fazer no dia seguinte o que não pudemos fazer na véspera; que faz a criatura progredir para o Criador; “esta justa e equitativa lei”, segundo a expressão de Joseph de Maistre, na evocação de seu Espírito, que fizemos e que recebestes; a reencarnação que é, segundo a divina palavra do Cristo, “o longo e difícil caminho a percorrer para chegar à morada de Deus.”
“Agora compreendo o sentido destas palavras do Cristo a Nicodemos: “Sois doutor da lei e ignorais isto?” Hoje, que Deus me permitiu compreender de maneira completa toda a verdade da lei evangélica, eu me pergunto como a ignorância dos homens, doutores da lei, pôde resistir a este ponto à interpretação dos textos; produzir assim o erro e a mentira que engendraram e alimentaram o materialismo, a incredulidade, o fanatismo ou a poltronaria? Eu me pergunto como esta ignorância, este erro puderam produzir-se quando o Cristo tivera o cuidado de proclamar a necessidade de reviver, dizendo: “É PRECISO NASCER DE NOVO”, e por aí a reencarnação como único meio de ver o reino de Deus, o que já era conhecido e ensinado na Terra e que Nicodemos devia saber: “Sois doutor da lei e ignorais isto!” É verdade que o Cristo acrescenta a cada passo: “Que os que têm ouvidos, ouçam”; e também: “Têm olhos e não veem; têm ouvidos e não ouvem e não compreendem”, o que pode aplicar-se aos que vieram depois dele, bem como aos de seu tempo.
“Eu disse que Deus, na sua bondade, me recompensou por nossos trabalhos até este dia e os ensinos que permitiu nos fossem dados por seus divinos mensageiros, “missionários devotados e inteligentes junto aos seus irmãos, ─ segundo a expressão do Espírito de Fénelon ─ para lhes inspirar o amor e a caridade para com o próximo, o esquecimento das injúrias e o culto da adoração devido a Deus.” Compreendo agora o alcance admirável destas palavras do Espírito de Fénelon, quando fala desses divinos mensageiros: “Viveram tantas vezes que se tornaram nossos mestres.”
“Agradeço com alegria e humildade a esses divinos mensageiros por terem vindo nos ensinar que o Cristo está em missão na Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo, essa terceira explosão da bondade divina, para cumprir aquela palavra final do Evangelho: “Unum ovile et unus pastor”; por nos ter vindo dizer: “Não temais nada! O Cristo (por eles chamado Espírito de Verdade), a Verdade é o primeiro e o mais santo missionário das ideias espíritas.” Estas palavras me tinham tocado vivamente e eu me perguntava: “Mas onde então está o Cristo em missão na Terra?” “A Verdade comanda, conforme a expressão do Espírito de Marius, bispo dos primeiros tempos da Igreja, essa falange de Espíritos enviados por Deus em missão na Terra, para a propagação e o sucesso do Espiritismo.”
“Que suaves e puras satisfações dão esses trabalhos espíritas pela caridade feita, com o auxílio da evocação, aos Espíritos sofredores! Que consolação se acha em uma comunicação com os que, na Terra, foram nossos parentes ou nossos amigos; em saber que são felizes ou aliviar-lhes o sofrimento! Que viva e brilhante luz lançam em nossas almas esses ensinos espíritas que, ensinando-nos a verdade completa da lei do Cristo, dão-nos a fé por intermédio de nossa própria razão e nos fazem compreender a onipotência do Criador, sua grandeza, sua justiça, sua bondade e sua misericórdia infinita, colocando-nos assim na deliciosa necessidade de praticar esta lei divina do amor e da caridade! Que sublime revelação nos dão, ensinando que esses divinos mensageiros, fazendo-nos progredir, progridem eles também, a fim de irem engrossar a falange sagrada dos Espíritos perfeitos! Admirável e divina harmonia que nos mostra, ao mesmo tempo, a unidade em Deus e a solidariedade entre todas as criaturas; que nos mostra estas sob a influência e o impulso dessa solidariedade, dessa simpatia, dessa reciprocidade, chamadas a subir e subindo, mas não sem passos falsos e sem quedas, nos seus primeiros ensaios, essa longa e alta escada espírita para, após haver percorrido todos os degraus, chegar ao estado de simplicidade e de ignorância originais, à perfeição intelectual e moral e, por essa perfeição, a Deus. Admirável e divina harmonia que nos mostra esta grande divisão da inferioridade e da superioridade, pela distinção dos mundos que são lugares de exílio, onde tudo são provas ou expiações, e dos mundos superiores, morada dos bons Espíritos, onde estes não têm mais senão que progredir para o bem.
“Bem compreendida, a reencarnação ensina aos homens que aqui se acham num lugar de passagem, onde são livres de não mais voltar, se para tanto fizerem o que é necessário; que o poder, as riquezas, as dignidades, a Ciência não lhes são dados senão a título de provas e como meio de progredir para o bem; que eles não estão em suas mãos senão como um depósito e um instrumento para a prática da lei do amor e da caridade; que o mendigo que passa ao lado de um grão-senhor é seu irmão perante Deus, e talvez o tenha sido perante os homens; que talvez ele tenha sido rico e poderoso. Se agora ele se acha numa condição obscura e miserável, é por ter falido às suas terríveis provas, lembrando assim aquela palavra célebre, do ponto de vista das condições sociais: “Há apenas um passo, do Capitólio à rocha Tarpeia”, mas com a diferença de que, pela reencarnação, o Espírito se ergue de sua queda e pode, depois de haver remontado ao Capitólio, lançar-se de seu pico às regiões celestes, morada esplêndida dos bons Espíritos.
“A reencarnação, ao ensinar aos homens, segundo a admirável expressão de Platão, que não há rei que não descenda de um pastor nem pastor que não descenda de um rei, apaga todas as vaidades terrenas; liberta do culto material e nivela moralmente todas as condições sociais. Ela constitui a igualdade, a fraternidade entre os homens, como para os Espíritos, em Deus e diante de Deus, e a liberdade que sem a lei do amor e da caridade não passa de mentira e de utopia, como no-lo dizia ultimamente o Espírito de Washington. Em seu conjunto, o Espiritismo vem dar aos homens a unidade e a verdade em todo progresso intelectual e moral, grande e sublime empreendimento do qual não passamos de apóstolos muito humildes.
“Adeus, meu caro senhor. Após três meses de silêncio, eu vos fatigo com uma carta muito longa. Respondei quando puderdes e quiserdes. Eu me proporia a fazer uma viagem a Paris para ter o prazer de vos conhecer pessoalmente, de fraternalmente vos apertar a mão. Minha saúde a isto se opõe no momento.
Podeis fazer desta carta o uso que achardes conveniente. Eu me honro de ser declaradamente e publicamente espírita.
Vosso mui devotado,
ROUSTAING, Advogado.
Como nós, todos apreciarão a justeza dos pensamentos expressos nesta carta. Vê-se que, embora iniciado recentemente, o Sr. Roustaing passou a mestre em assunto de apreciação. É que estudou séria e profundamente, o que lhe permitiu apanhar com rapidez todas as consequências dessa grave questão do Espiritismo e, ao contrário de muita gente, não parou na superfície. Nada tinha visto ainda, diz ele, e estava convencido, porque havia lido e compreendido. Tem ele isto de comum com muita gente e sempre frisamos que estes, longe de serem superficiais, são, ao contrário, os que mais refletem. Ligando-se mais ao fundo do que à forma, para eles a parte filosófica é o principal e os fenômenos propriamente ditos são acessórios e eles dizem que ainda mesmo que os fenômenos não existissem, nem por isso deixaria de haver uma filosofia, a única que resolve os problemas até hoje insolúveis; a única que dá do passado e do futuro do homem a teoria mais racional. Ora, eles preferem uma doutrina que explica a uma que não explica, ou que explica mal. Quem quer que reflita compreende muito bem que se poderia fazer abstração das manifestações e nem por isso deixaria de subsistir a doutrina. As manifestações vêm corroborá-la, confirmá-la, mas não são a sua base essencial. O discurso de Channing, que acabamos de citar, é prova disso, porque, cerca de vinte anos antes desse grande desdobramento das manifestações na América, somente o raciocínio o havia conduzido às mesmas consequências.
Há um outro ponto, pelo qual também se reconhece o espírita sério. Pelas citações que o autor desta carta faz dos pensamentos contidos nas comunicações que recebeu, ele prova que não se limitou a admirá-las como belos trechos literários, bons para conservar num álbum, mas ele as estuda, medita sobre elas e delas tira proveito. Infelizmente há muitos para quem esse alto ensinamento constitui letra morta; que colecionam essas belas comunicações, como certas pessoas colecionam belos livros, sem os ler.
Há outra coisa pela qual devemos felicitar o Sr. Roustaing. É a declaração com a qual termina a sua carta. Infelizmente nem todos têm, como ele, a coragem de sua opinião, o que estimula os adversários. Entretanto, é preciso reconhecer que de algum tempo para cá as coisas mudaram muito neste particular. Há dois anos apenas, muitas pessoas só falavam do Espiritismo entre quatro paredes; só compravam livros às escondidas e tinham cuidado em não deixá-los à vista. Hoje é bem diferente. Já se familiarizaram com os epítetos grosseiros dos trocistas e deles se riem, ao invés de se admirarem. Não mais temem confessar-se espíritas alto e bom som, como não temem dizer-se partidários de tal ou qual filosofia, do magnetismo, do sonambulismo, etc. Discutem livremente o assunto com qualquer um que surge, como discutiriam os clássicos e os românticos, sem se sentirem humilhados por serem favoráveis a estes ou àqueles. É um progresso imenso, que prova duas coisas: o progresso das ideias espíritas em geral e a pouca consistência dos argumentos dos adversários. Terá como consequência impor silêncio a estes últimos, que se julgavam fortes, pois se supunham mais numerosos; mas quando, de todos os lados encontram com quem falar, não diremos que serão convertidos, mas guardarão reserva. Conhecemos uma cidadezinha provinciana, na qual, há um ano, o Espiritismo não contava senão com um único adepto, que era apontado a dedo, como um animal raro e tido como tal; quem sabe talvez até deserdado pela família ou demitido de seu cargo. Hoje os adeptos ali são numerosos. Reúnem-se abertamente, sem ligar para o que digam, e quando viram entre eles autoridades municipais, funcionários, oficiais, engenheiros, advogados, escrivãos, etc., que não ocultam suas simpatias pela causa, os trocistas pararam as chacotas e o jornal local, dirigido por um espírito forte, que já havia lançado suas setas e preparava-se para pulverizar a nova doutrina, temendo ter pelas costas gente mais forte, guardou um prudente silêncio. Esta é a história de muitas outras localidades, que se generalizará à medida que os partidários do Espiritismo, cujo número aumenta dia a dia, levantarem a cabeça e a voz. Bem podem desejar abater uma cabeça que se mostra, mas quando há vinte, quarenta, cem, que não receiam falar alto e firme, olham duas vezes, o que dá coragem a quem não a tem.
A prece
Um dos nossos correspondentes de Lyon nos dirige o seguinte trecho de poesia. Ele entra muito no espírito da Doutrina Espírita para que nos furtemos ao prazer de lhe abrir espaço em nossa Revista.
Que eu não posso, mortais, com meus fracos acentos
Dar-vos ao coração o mais sublime incenso!
Ensinar-vos aqui, no colher desta messe
O que é a prece em si mesma e o que é fazer a prece.
É um impulso de amor, de fluídico ardor
Que se escapa da alma e se eleva ao Senhor.
Sublimada expansão da humilde criatura
Que retorna à sua fonte e eleva a sua natura!
Orar não muda em nada a lei do Pai Eterno
Sempre imutável, mas o coração paterno
Derrama o seu influxo no que o implora
E assim redobra o ardor do fogo que o devora.
É então que ele se sente crescer e elevar
E pelo amor do próximo o peito pulsar.
Mais se expande no amor, mais o sublime Ser
Enche-lhe o coração com os dons do saber.
Desde então, santo anseio de orar pelos mortos,
Sob o peso da dor e pungentes remorsos,
Nos mostra as exigências do seu novo estado,
De a eles dirigir seu fluido suavizado,
Cuja eficácia, bálsamo consolador,
Penetra-lhes no ser como um libertador.
Tudo neles se anima; um raio de esperança
Ajuda-lhes o esforço, à liberdade os lança.
Assim como aos mortais vencidos pelo mal
Que um bálsamo supremo devolve ao normal,
Eles se regeneram pelo impulso oculto
De augusta prece, ardente, e seu divino culto.
Redobremos o ardor; nada se perde enfim;
Preces, preces por eles, preces até o fim;
A prece, sempre a prece, essa estrela divina
Faz-se foco de amor e no final domina.
Oremos pelos mortos, sim, e logo por
Sua vez nos lançarão doce raio de amor.
JOLY
Nestes versos, evidentemente inspirados por um Espírito elevado, o objetivo e os efeitos da prece são definidos com perfeita exatidão. Certamente Deus não derroga suas leis a pedido nosso, pois seria a negação de um de seus atributos, que é a imutabilidade; mas a prece age, principalmente sobre aquele que é seu objeto; é, a princípio, um testemunho de simpatia e de comiseração que se lhe dá e que, por isso mesmo, lhe faz sentir sua pena menos pesada. Em segundo lugar, tem por efeito ativo excitar o Espírito ao arrependimento de suas faltas e inspirar-lhe o desejo de repará-las pela prática do bem. Deus disse: “A cada um segundo as suas obras”. Esta lei, eminentemente justa, põe a sorte em nossas próprias mãos e tem como consequência subordinar a duração da pena à duração da impenitência. Daí se segue que a pena seria eterna, se eterna fosse a impenitência. Assim, se, pela ação moral da prece, provocarmos o arrependimento e a reparação voluntária, por ela mesma abreviaremos o tempo de expiação. Tudo isto está perfeitamente claro nos versos acima. Esta doutrina pode não ser muito ortodoxa aos olhos dos que creem num Deus impiedoso, surdo à voz que implora, e que condena a torturas sem fim suas próprias criaturas por faltas numa vida passageira; mas convir-se-á que ela é a mais lógica e mais conforme à verdadeira justiça e à bondade de Deus. Tudo nos diz, a religião como a razão, que Deus é infinitamente bom. Com o dogma do fogo eterno, é preciso ajuntar que ele é, ao mesmo tempo, infinitamente impiedoso, dois atributos que se destroem reciprocamente, pois um é a negação do outro. Aliás, o número dos partidários da eternidade das penas diminui dia a dia, o que é um fato positivo e incontestável. Em breve estará tão restrito que poderão ser contados, e mesmo que desde hoje a Igreja taxasse de heresia e, consequentemente, rejeitasse de seu seio todos quantos não creem nas penas eternas, entre os católicos haveria mais heréticos do que verdadeiros crentes e seria necessário condenar, ao mesmo tempo, todos os eclesiásticos e teólogos que, como nós, interpretam essas palavras num sentido relativo e não absoluto.[1]
[1] As atuais modificações na Igreja e na Teologia confirmam o acerto desta previsão de Allan Kardec. (N. da Eq. Rev.).
[1] As atuais modificações na Igreja e na Teologia confirmam o acerto desta previsão de Allan Kardec. (N. da Eq. Rev.).
Palestras familiares de além-túmulo
É um erro supor que não há nada a ganhar nas conversas com os Espíritos de homens vulgares e que homens ilustres são os únicos que podem oferecer ensinos proveitosos. Entre eles certamente há muitos insignificantes, mas por vezes também, daqueles de que menos se espera, saem revelações de grande importância para o observador sério. Há, aliás, um ponto que nos interessa muitíssimo, porque nos toca mais de perto: a passagem, a transição da vida atual à vida futura, passagem tão temida que só o Espiritismo pode fazer-nos encarar sem pavor e que só podemos conhecer estudando os casos atuais, ou seja, sobre aqueles que acabam de transpô-la, quer sejam ilustres ou não.
MARQUÊS DE SAINT-PAUL
FALECIDO EM 1860, EVOCADO A PEDIDO DE SUA IRMÃ, MEMBRO DA SOCIEDADE, A 16 DE MAIO DE 1861
1. (Evocação)
─ Eis me aqui.
2. ─ A senhora vossa irmã me pediu para vos evocar, embora ela seja médium, pois ainda não se acha bem desenvolvida para sentir-se segura.
─ Tentarei responder do melhor modo possível.
3. ─ Inicialmente ela deseja saber se sois feliz.
─ Ainda estou errante e este estado transitório nunca traz felicidade nem castigo absolutos.
4. ─ Levastes muito tempo para vos reconhecerdes?
─ Fiquei muito tempo em perturbação, da qual só saí para abençoar a piedade dos que não me esqueciam e oravam por mim.
5. ─ Podeis avaliar o tempo dessa perturbação?
─ Não.
6. ─ Quais de vossos parentes os que logo reconhecestes?
─ Reconheci minha mãe e meu pai, que me receberam ao despertar. Foram eles que me iniciaram na nova vida.
7. ─ Como foi que no fim de vossa doença parecíeis conversar com aqueles que havíeis amado na Terra?
─ Porque, antes de morrer, tive a revelação do mundo que ia habitar. Eu era vidente antes de morrer e meus olhos se velaram na passagem da separação definitiva do corpo, porque os laços carnais ainda eram muito fortes.
OBSERVAÇÃO: O fenômeno do antecipado desprendimento da alma é muito frequente. Antes de morrer, muitas pessoas entreveem o mundo dos Espíritos. Isto acontece, sem dúvida, a fim de suavizar pela esperança o pesar de deixar a vida. Mas o Espírito acrescenta que seus olhos se velaram na passagem da separação. É um efeito que ocorre sempre. Nesse momento, o Espírito perde a consciência de si mesmo. Jamais testemunha o último suspiro do corpo, e a separação se opera sem que a suspeite. As próprias convulsões da agonia são um efeito puramente físico, cuja sensação o Espírito quase nunca experimenta. Dizemos quase, porque pode acontece que essas últimas dores lhe sejam infligidas como castigo.
8. ─ Como é que as lembranças da infância pareciam vir de preferência?
─ Porque o começo é mais aproximado do fim que do meio da vida.
9. ─ Como o compreendeis?
─ Quer dizer que os agonizantes se lembram e veem, como consoladora miragem, os anos jovens e puros.
OBSERVAÇÃO: É provavelmente por um motivo providencial semelhante que os velhos, à medida que se aproxima o termo da vida, têm por vezes lembranças tão precisas dos menores detalhes de seus primeiros anos.
10. ─ Por que, falando do vosso corpo, faláveis sempre na terceira pessoa?
─ Porque eu era vidente, como disse, e sentia nitidamente as diferenças que existem entre o físico e o moral. Essas diferenças, ligadas entre si pelo fluido da vida, tornam-se bem distintas aos olhos dos agonizantes videntes.
OBSERVAÇÃO: Eis uma particularidade singular apresentada pela morte desse senhor. Nos seus últimos momentos dizia sempre: Ele tem sede, é preciso dar-lhe de beber, ele tem frio, é preciso aquecê-lo; ele sofre em tal parte, etc. E quando lhe diziam: Mas sois vós que tendes sede?, ele respondia: Não, é ele. Aqui se desenham perfeitamente as duas existências: o eu pensante está no Espírito e não no corpo; já em parte desprendido, o Espírito considerava seu corpo como outra individualidade, que, a bem dizer, não era ele. Era, pois, ao seu corpo que deviam dar de beber, e não a ele Espírito.
11. ─ Aquilo que dissestes do vosso estado errante e da duração de vossa perturbação levaria a crer que não estais feliz. Contudo, vossas qualidades deveriam fazer supor o contrário. Aliás, há Espíritos errantes que são muito felizes, como os há muito infelizes.
─ Eu estou num estado transitório. As virtudes humanas aqui adquirem seu verdadeiro valor. Sem dúvida, meu estado é mil vezes preferível ao da encarnação terrena, mas sempre levei comigo as aspirações do verdadeiro bem e do verdadeiro belo, e minh’alma só será saciada quando voar aos pés de seu Criador.
MARQUÊS DE SAINT-PAUL
FALECIDO EM 1860, EVOCADO A PEDIDO DE SUA IRMÃ, MEMBRO DA SOCIEDADE, A 16 DE MAIO DE 1861
1. (Evocação)
─ Eis me aqui.
2. ─ A senhora vossa irmã me pediu para vos evocar, embora ela seja médium, pois ainda não se acha bem desenvolvida para sentir-se segura.
─ Tentarei responder do melhor modo possível.
3. ─ Inicialmente ela deseja saber se sois feliz.
─ Ainda estou errante e este estado transitório nunca traz felicidade nem castigo absolutos.
4. ─ Levastes muito tempo para vos reconhecerdes?
─ Fiquei muito tempo em perturbação, da qual só saí para abençoar a piedade dos que não me esqueciam e oravam por mim.
5. ─ Podeis avaliar o tempo dessa perturbação?
─ Não.
6. ─ Quais de vossos parentes os que logo reconhecestes?
─ Reconheci minha mãe e meu pai, que me receberam ao despertar. Foram eles que me iniciaram na nova vida.
7. ─ Como foi que no fim de vossa doença parecíeis conversar com aqueles que havíeis amado na Terra?
─ Porque, antes de morrer, tive a revelação do mundo que ia habitar. Eu era vidente antes de morrer e meus olhos se velaram na passagem da separação definitiva do corpo, porque os laços carnais ainda eram muito fortes.
OBSERVAÇÃO: O fenômeno do antecipado desprendimento da alma é muito frequente. Antes de morrer, muitas pessoas entreveem o mundo dos Espíritos. Isto acontece, sem dúvida, a fim de suavizar pela esperança o pesar de deixar a vida. Mas o Espírito acrescenta que seus olhos se velaram na passagem da separação. É um efeito que ocorre sempre. Nesse momento, o Espírito perde a consciência de si mesmo. Jamais testemunha o último suspiro do corpo, e a separação se opera sem que a suspeite. As próprias convulsões da agonia são um efeito puramente físico, cuja sensação o Espírito quase nunca experimenta. Dizemos quase, porque pode acontece que essas últimas dores lhe sejam infligidas como castigo.
8. ─ Como é que as lembranças da infância pareciam vir de preferência?
─ Porque o começo é mais aproximado do fim que do meio da vida.
9. ─ Como o compreendeis?
─ Quer dizer que os agonizantes se lembram e veem, como consoladora miragem, os anos jovens e puros.
OBSERVAÇÃO: É provavelmente por um motivo providencial semelhante que os velhos, à medida que se aproxima o termo da vida, têm por vezes lembranças tão precisas dos menores detalhes de seus primeiros anos.
10. ─ Por que, falando do vosso corpo, faláveis sempre na terceira pessoa?
─ Porque eu era vidente, como disse, e sentia nitidamente as diferenças que existem entre o físico e o moral. Essas diferenças, ligadas entre si pelo fluido da vida, tornam-se bem distintas aos olhos dos agonizantes videntes.
OBSERVAÇÃO: Eis uma particularidade singular apresentada pela morte desse senhor. Nos seus últimos momentos dizia sempre: Ele tem sede, é preciso dar-lhe de beber, ele tem frio, é preciso aquecê-lo; ele sofre em tal parte, etc. E quando lhe diziam: Mas sois vós que tendes sede?, ele respondia: Não, é ele. Aqui se desenham perfeitamente as duas existências: o eu pensante está no Espírito e não no corpo; já em parte desprendido, o Espírito considerava seu corpo como outra individualidade, que, a bem dizer, não era ele. Era, pois, ao seu corpo que deviam dar de beber, e não a ele Espírito.
11. ─ Aquilo que dissestes do vosso estado errante e da duração de vossa perturbação levaria a crer que não estais feliz. Contudo, vossas qualidades deveriam fazer supor o contrário. Aliás, há Espíritos errantes que são muito felizes, como os há muito infelizes.
─ Eu estou num estado transitório. As virtudes humanas aqui adquirem seu verdadeiro valor. Sem dúvida, meu estado é mil vezes preferível ao da encarnação terrena, mas sempre levei comigo as aspirações do verdadeiro bem e do verdadeiro belo, e minh’alma só será saciada quando voar aos pés de seu Criador.
Henri Mondeux (Sociedade espírita parisiense; 26 de abril de 1861)
Em fevereiro último, os jornais anunciaram a morte súbita do pastor Henri Mondeux, o célebre calculador que sucumbiu, nos primeiros dias de fevereiro de 1861, a um ataque de apoplexia, na diligência de Condom (Gers), com cerca de 34 anos. Tinha nascido em Touraine e desde os dez anos se fez notar pela prodigiosa facilidade com que resolvia de cabeça as mais complicadas questões de aritmética, embora completamente iletrado e sem qualquer estudo especial. Logo chamou a atenção, e muitas pessoas iam vê-lo, quando pastoreava seus rebanhos. Os visitantes divertiam-se em apresentar-lhe problemas, o que lhe proporcionava pequeno lucro. Lembravam ainda o pastor napolitano Vito Mangiamele, que poucos anos antes tinha apresentado um fenômeno semelhante. Um professor de matemáticas do colégio de Tours pensou que um dom natural tão admirável deveria dar resultados surpreendentes se fosse ajudado. Em consequência, dedicou-se à tarefa de educá-lo, mas não tardou a perceber que tratava com uma das mais refratárias naturezas. Com efeito, aos dezesseis anos apenas sabia ler e escrever correntemente e ─ coisa extraordinária! ─ jamais o professor conseguira que ele retivesse o nome das figuras geométricas elementares, de sorte que sua faculdade era inteiramente circunscrita às combinações numéricas. Era, pois, um calculador, mas não um matemático.
Uma outra singularidade é que ele jamais pôde dobrar-se às nossas fórmulas de cálculo. Ele nem mesmo as compreendia. Tinha sua maneira própria, da qual jamais conseguiu dar-se conta com clareza; que não tinha explicação nem para si mesmo, e que se restringia sobretudo a uma memória prodigiosa dos números. Dizemos dos números e não dos algarismos, porque a visão dos algarismos o atrapalhava mais do que ajudava. Ele preferia que os problemas lhe fossem apresentados oralmente, ao invés de por escrito.
Tal é, em resumo, o resultado das observações que nós próprios fizemos do jovem Mondeux, e que na ocasião nos deu assunto para uma Memória lida na Sociedade Frenológica de Paris.
Uma faculdade tão especial, embora levada ao extremo limite, não podia abrir-lhe nenhuma carreira, porque não poderia ser nem contador numa casa comercial, e seu professor se apavorava com isto, e com razão. Ele se lamentava por havê-lo afastado de suas vacas e se perguntava o que seria dele quando privado do interesse a ele ligado, sobretudo em razão da sua idade. Nós o perdemos de vista há dezoito anos. Parece que ele encontrou meios de subsistência dando sessões de cidade em cidade.
1. (Evocação)
─ 4 e 3 são 7, nos outros mundos, como aqui.
2. ─ Desejávamos evocar-vos pouco depois de vossa morte, mas nos disseram que ainda não estáveis em condições de responder. Parece que estais agora.
─ Eu vos esperava.
3. ─ Talvez não vos lembreis de mim, embora eu tenha tido ocasião de vos conhecer muito particularmente na Prússia e mesmo de assistir a vossas sessões. Quanto a mim, ainda me parece ver-vos, como ao professor de Matemática que vos acompanhava e que me deu preciosas informações sobre vós e vossas faculdades.
─ Tudo isto é para que eu diga que me lembro de vós, mas somente hoje, quando minhas ideias são lúcidas.
4. ─ De onde vinha a estranha faculdade de que éreis dotado?
─ Ah! Eis a pergunta que eu sabia que iríeis fazer-me. Começa-se dizendo: eu vos conhecia, eu vos tinha visto, éreis notável e, enfim, explicai-me o negócio. Então! Eu tinha a faculdade de poder ler em meu espírito os cálculos imediatos de um problema. Dir-se-ia que um Espírito desdobrava a solução aos meus olhos, e eu tinha apenas que ler. Eu era médium vidente e calculador, e com tudo isto, é bom dizer, um livrinho de cálculo, de antemão preparado.
5. ─ Tanto quanto me lembro, em vida não tínheis esse espírito trocista e cáustico. Éreis até um pouco sisudo!
─ Ora! Porque a faculdade foi sempre empregada nisto, nada restava para outras coisas.
6. ─ Como é que essa faculdade, tão desenvolvida para o cálculo, era tão incompleta para as outras partes mais elementares das Matemáticas?
─ Enfim, eu era uma besta, não é? Dizei a palavra, eu compreendo. Mas aqui, compreendeis, não mais tenho que desenvolver a minha faculdade para os números e ela se desenvolve mais depressa para outra coisa.
7. ─ Não tendes mais de desenvolvê-la para os números... (O Espírito escreve sem esperar o fim da pergunta)
─ Isto quer dizer que Deus nos deu a todos uma missão. Tu, disse-me ele, vais espantar os sábios matemáticos. Eu te farei parecer sem inteligência para que fiquem mais chocados; derrota todos os seus cálculos e faze que eles se digam: Mas que tem ele acima de nós? Que tem ele de mais forte que o estudo? Deus queria levá-los a procurar além do corpo, porque o que é que existe de mais material que um algarismo?
8. ─ Que fostes em outras existências?
─ Era mandado para mostrar outras coisas.
9. ─ Eram sempre relativas às Matemáticas?
─ Sem dúvida, pois é minha especialidade.
10. ─ Eu tinha formulado alguns problemas para saber se tínheis ainda a mesma faculdade, mas de acordo com o que dizeis, parece desnecessário.
─ Mas não tenho mais soluções a dar. Não posso mais. O instrumento é mau, pois não é matemático.
11. ─ Não podeis vencer essa dificuldade?
─ Ah! Nada é invencível. Sebastopol mesmo foi tomada. Mas que diferença!
12. ─ Em que vos ocupais agora?
─ Quereis saber a que me dedico? Passeio e espero um pouco antes de recomeçar minha carreira como médium, que deve continuar.
13. ─ Em que gênero pensais exercer esta faculdade mediúnica?
─ Sempre a mesma, porém mais desenvolvida e admirável.
14. ─ (Um membro faz a seguinte reflexão): Resulta das respostas do Espírito, que ele agiu como médium na Terra, o que leva a supor tivesse sido ajudado por outro Espírito, o que explicaria por que hoje não goza dessa faculdade.
─ É que meu Espírito foi construído com o propósito de ver esses números, que outros Espíritos me forneciam. Ele os captava melhor do que o faríeis; ele tinha a bossa do cálculo, desde que é nesse gênero que eu me exercitava. Busca-se todos os meios de convencer. Todos são bons, pequenos ou grandes, e os Espíritos captam todos.
15. ─ Fizestes fortuna com a vossa faculdade, correndo o mundo a dar sessões?
─ Oh! Perguntar se um médium faz fortuna! Errais o rumo. Claro que não!
16. ─ Mas não vos consideráveis como médium! Nem mesmo sabíeis o que era isto.
─ Não. Também me admirava de que me rendesse tão pouco pecuniariamente. Isto me serviu moralmente e prefiro o meu ativo escriturado no grande livro de Deus às rendas que teria obtido do Estado.
17. ─ Nós vos agradecemos a bondade de ter respondido ao nosso chamado.
─ Mudastes de opinião a meu respeito.
18. ─ Não mudei porque sempre vos estimei.
─ Felizmente eu resolvia as questões, sem o que não me teríeis olhado.
OBSERVAÇÃO: A identidade dos Espíritos é, como se sabe, o que há de mais difícil de constatar. Geralmente revela-se por circunstâncias e detalhes imprevistos; por nuanças delicadas, que só uma observação atenta pode fazer captar e que provam, muitas vezes, mais que os sinais materiais, sempre fáceis de imitar pelos Espíritos enganadores, ao passo que não podem simular a capacidade intelectual ou as qualidades morais que lhes faltam. Poder-se-ia, pois, duvidar da identidade nessa circunstância sem explicação muito lógica que o Espírito dá da diferença existente entre seu caráter atual e o que mostrava em vida, porque a resposta numérica que ele dá à evocação não pode ser considerada como uma prova autêntica. Seja qual for a opinião que se possa formar a propósito da evocação acima, há que convir que ao lado de pensamentos faceciosos, ela encerra alguns muito profundos. As respostas às perguntas 7 e 16 são sobremaneira notáveis neste aspecto. Delas ressalta igualmente, assim como das respostas dadas por outros Espíritos, que o Espírito de Mondeux tem uma predisposição para as matemáticas; que exerceu essa faculdade em outras existências, o que é provável, mas que não foi nenhuma das celebridades da Ciência. Dificilmente compreender-se-ia que um verdadeiro sábio fosse reduzido a fazer esforços de cálculos para divertir o público, sem alcance e sem utilidade científica. Haveria muito mais motivo para duvidar de sua identidade se tivesse pretendido passar por Newton ou Laplace.
Uma outra singularidade é que ele jamais pôde dobrar-se às nossas fórmulas de cálculo. Ele nem mesmo as compreendia. Tinha sua maneira própria, da qual jamais conseguiu dar-se conta com clareza; que não tinha explicação nem para si mesmo, e que se restringia sobretudo a uma memória prodigiosa dos números. Dizemos dos números e não dos algarismos, porque a visão dos algarismos o atrapalhava mais do que ajudava. Ele preferia que os problemas lhe fossem apresentados oralmente, ao invés de por escrito.
Tal é, em resumo, o resultado das observações que nós próprios fizemos do jovem Mondeux, e que na ocasião nos deu assunto para uma Memória lida na Sociedade Frenológica de Paris.
Uma faculdade tão especial, embora levada ao extremo limite, não podia abrir-lhe nenhuma carreira, porque não poderia ser nem contador numa casa comercial, e seu professor se apavorava com isto, e com razão. Ele se lamentava por havê-lo afastado de suas vacas e se perguntava o que seria dele quando privado do interesse a ele ligado, sobretudo em razão da sua idade. Nós o perdemos de vista há dezoito anos. Parece que ele encontrou meios de subsistência dando sessões de cidade em cidade.
1. (Evocação)
─ 4 e 3 são 7, nos outros mundos, como aqui.
2. ─ Desejávamos evocar-vos pouco depois de vossa morte, mas nos disseram que ainda não estáveis em condições de responder. Parece que estais agora.
─ Eu vos esperava.
3. ─ Talvez não vos lembreis de mim, embora eu tenha tido ocasião de vos conhecer muito particularmente na Prússia e mesmo de assistir a vossas sessões. Quanto a mim, ainda me parece ver-vos, como ao professor de Matemática que vos acompanhava e que me deu preciosas informações sobre vós e vossas faculdades.
─ Tudo isto é para que eu diga que me lembro de vós, mas somente hoje, quando minhas ideias são lúcidas.
4. ─ De onde vinha a estranha faculdade de que éreis dotado?
─ Ah! Eis a pergunta que eu sabia que iríeis fazer-me. Começa-se dizendo: eu vos conhecia, eu vos tinha visto, éreis notável e, enfim, explicai-me o negócio. Então! Eu tinha a faculdade de poder ler em meu espírito os cálculos imediatos de um problema. Dir-se-ia que um Espírito desdobrava a solução aos meus olhos, e eu tinha apenas que ler. Eu era médium vidente e calculador, e com tudo isto, é bom dizer, um livrinho de cálculo, de antemão preparado.
5. ─ Tanto quanto me lembro, em vida não tínheis esse espírito trocista e cáustico. Éreis até um pouco sisudo!
─ Ora! Porque a faculdade foi sempre empregada nisto, nada restava para outras coisas.
6. ─ Como é que essa faculdade, tão desenvolvida para o cálculo, era tão incompleta para as outras partes mais elementares das Matemáticas?
─ Enfim, eu era uma besta, não é? Dizei a palavra, eu compreendo. Mas aqui, compreendeis, não mais tenho que desenvolver a minha faculdade para os números e ela se desenvolve mais depressa para outra coisa.
7. ─ Não tendes mais de desenvolvê-la para os números... (O Espírito escreve sem esperar o fim da pergunta)
─ Isto quer dizer que Deus nos deu a todos uma missão. Tu, disse-me ele, vais espantar os sábios matemáticos. Eu te farei parecer sem inteligência para que fiquem mais chocados; derrota todos os seus cálculos e faze que eles se digam: Mas que tem ele acima de nós? Que tem ele de mais forte que o estudo? Deus queria levá-los a procurar além do corpo, porque o que é que existe de mais material que um algarismo?
8. ─ Que fostes em outras existências?
─ Era mandado para mostrar outras coisas.
9. ─ Eram sempre relativas às Matemáticas?
─ Sem dúvida, pois é minha especialidade.
10. ─ Eu tinha formulado alguns problemas para saber se tínheis ainda a mesma faculdade, mas de acordo com o que dizeis, parece desnecessário.
─ Mas não tenho mais soluções a dar. Não posso mais. O instrumento é mau, pois não é matemático.
11. ─ Não podeis vencer essa dificuldade?
─ Ah! Nada é invencível. Sebastopol mesmo foi tomada. Mas que diferença!
12. ─ Em que vos ocupais agora?
─ Quereis saber a que me dedico? Passeio e espero um pouco antes de recomeçar minha carreira como médium, que deve continuar.
13. ─ Em que gênero pensais exercer esta faculdade mediúnica?
─ Sempre a mesma, porém mais desenvolvida e admirável.
14. ─ (Um membro faz a seguinte reflexão): Resulta das respostas do Espírito, que ele agiu como médium na Terra, o que leva a supor tivesse sido ajudado por outro Espírito, o que explicaria por que hoje não goza dessa faculdade.
─ É que meu Espírito foi construído com o propósito de ver esses números, que outros Espíritos me forneciam. Ele os captava melhor do que o faríeis; ele tinha a bossa do cálculo, desde que é nesse gênero que eu me exercitava. Busca-se todos os meios de convencer. Todos são bons, pequenos ou grandes, e os Espíritos captam todos.
15. ─ Fizestes fortuna com a vossa faculdade, correndo o mundo a dar sessões?
─ Oh! Perguntar se um médium faz fortuna! Errais o rumo. Claro que não!
16. ─ Mas não vos consideráveis como médium! Nem mesmo sabíeis o que era isto.
─ Não. Também me admirava de que me rendesse tão pouco pecuniariamente. Isto me serviu moralmente e prefiro o meu ativo escriturado no grande livro de Deus às rendas que teria obtido do Estado.
17. ─ Nós vos agradecemos a bondade de ter respondido ao nosso chamado.
─ Mudastes de opinião a meu respeito.
18. ─ Não mudei porque sempre vos estimei.
─ Felizmente eu resolvia as questões, sem o que não me teríeis olhado.
OBSERVAÇÃO: A identidade dos Espíritos é, como se sabe, o que há de mais difícil de constatar. Geralmente revela-se por circunstâncias e detalhes imprevistos; por nuanças delicadas, que só uma observação atenta pode fazer captar e que provam, muitas vezes, mais que os sinais materiais, sempre fáceis de imitar pelos Espíritos enganadores, ao passo que não podem simular a capacidade intelectual ou as qualidades morais que lhes faltam. Poder-se-ia, pois, duvidar da identidade nessa circunstância sem explicação muito lógica que o Espírito dá da diferença existente entre seu caráter atual e o que mostrava em vida, porque a resposta numérica que ele dá à evocação não pode ser considerada como uma prova autêntica. Seja qual for a opinião que se possa formar a propósito da evocação acima, há que convir que ao lado de pensamentos faceciosos, ela encerra alguns muito profundos. As respostas às perguntas 7 e 16 são sobremaneira notáveis neste aspecto. Delas ressalta igualmente, assim como das respostas dadas por outros Espíritos, que o Espírito de Mondeux tem uma predisposição para as matemáticas; que exerceu essa faculdade em outras existências, o que é provável, mas que não foi nenhuma das celebridades da Ciência. Dificilmente compreender-se-ia que um verdadeiro sábio fosse reduzido a fazer esforços de cálculos para divertir o público, sem alcance e sem utilidade científica. Haveria muito mais motivo para duvidar de sua identidade se tivesse pretendido passar por Newton ou Laplace.
Sra. Ananys Gourdon
Jovem senhora, notável pela doçura de caráter e pelas qualidades morais mais eminentes, falecida em novembro de 1860. Evocada a pedido de seu pai e de seu marido. Pertencia a uma família de trabalhadores nas minas de carvão nas proximidades de Saint-Étienne, circunstância importante para apreciar a sua evocação.
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui.
2. ─ Vosso pai e vosso marido me pediram que vos chamasse e sentir-se-ão felizes por ter a vossa comunicação.
─ Também estou muito feliz em comunicar-me com eles.
3. ─ Por que fostes levada tão cedo da afeição de vossa família?
─ Porque eu terminava minhas provas terrenas.
4. ─ Ides vê-los algumas vezes?
─ Oh! Estou incessantemente junto a eles.
5. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sou feliz, espero, atendo, amo. O Céu não me causa terror e espero confiante e com amor que as asas brancas me cresçam.
6. ─ Que entendeis por estas asas?
─ Entendo tornar-me puro Espírito e brilhar como os mensageiros celestes que me deslumbram.
OBSERVAÇÃO: As asas dos anjos, arcanjos e serafins, que são puros Espíritos, evidentemente não passam de atributo imaginado pelos homens para pintar a rapidez com que se transportam, pois a sua natureza etérea os dispensa de qualquer sustentáculo para percorrerem os espaços. Contudo, podem aparecer aos homens com esse acessório, para responder ao seu pensamento, como outros Espíritos tomam a aparência que tinham na Terra, para se tornarem conhecidos.
7. ─ Vedes vosso cunhado, falecido há algum tempo e que evocamos no ano passado?
─ Eu o vi quando cheguei entre os Espíritos. Agora não o vejo mais.
8. ─ Por que não o vedes mais?
─ Nada sei a respeito.
9. ─ Vossos parentes podem fazer algo que vos seja agradável?
─ Podem, esses entes queridos, não mais me entristecer, à vista de seus pesares, pois sabem que não estou perdida para eles. Que minha lembrança lhes seja suave, leve e perfumada em sua memória. Passei como uma flor e nada de triste deve subsistir de minha rápida passagem.
10. ─ De onde vem vossa linguagem tão poética e tão pouco condizente com a posição que tínheis na Terra?
─ É porque minh’alma é que fala. Sim, eu tinha conhecimentos adquiridos e muitas vezes Deus permite que Espíritos delicados se encarnem entre os mais rudes homens, para lhes fazer pressentir as delicadezas que conquistarão e compreenderão mais tarde.
OBSERVAÇÃO: Sem esta explicação tão lógica e tão conforme à solicitude de Deus por suas criaturas, dificilmente nos daríamos conta do que, à primeira vista, poderia parecer uma anomalia. Com efeito, que de mais gracioso e mais poético que a linguagem do Espírito dessa jovem senhora, educada em meio aos mais rudes trabalhos? A contrapartida se vê muitas vezes; são Espíritos inferiores, encarnados entre homens mais adiantados, mas com objetivo oposto; é em favor de seu próprio adiantamento que Deus os põe em contato com um mundo esclarecido, e algumas vezes, também, para servirem de prova a esse mesmo mundo. Que outra filosofia pode resolver tais problemas?
11. (Evocação do Sr. Gourdon, filho mais velho, já evocado em 1860).
─ Eis-me aqui.
12. ─ Lembrai-vos de que já fostes chamado por mim?
─ Sim, perfeitamente.
13. ─ Como é que vossa cunhada não vos vê mais?
─ Ela elevou-se.
OBSERVAÇÃO: A esta pergunta ela tinha respondido: “Nada sei a respeito”; sem dúvida por modéstia. Agora a coisa se explica: de uma natureza superior, ela pertence a uma ordem mais elevada, enquanto ele ainda está retido na Terra. Seguem caminhos diferentes.
14. ─ Quais foram as vossas ocupações desde aquela época?
─ Eu progredi na via dos conhecimentos, ouvindo as instruções de nossos guias.
15. ─ Por favor, peço-vos uma comunicação para vosso pai, que ficará feliz por isso.
─ Caro pai, não julgues perdidos os teus filhos e não sofras vendo vazios os seus lugares. Eu também espero e não tenho a menor impaciência, pois sei que os dias que se escoam são outros tantos degraus vencidos, que nos aproximam um do outro. Sê grave e recolhido, mas não triste, porque a tristeza é uma censura muda dirigida a Deus, que deseja ser louvado em suas obras. Aliás, por que sofrer nesta vida triste, onde tudo se apaga, salvo o bem ou o mal que realizamos? Caro pai, coragem e confiança!
OBSERVAÇÃO: A primeira evocação deste rapaz era marcada pelos mesmos sentimentos de piedade filial e de elevação. Tinha sido imensa consolação para os pais, que não podiam suportar a sua perda. Compreende-se que assim deveria ter sido com a da jovem senhora.
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui.
2. ─ Vosso pai e vosso marido me pediram que vos chamasse e sentir-se-ão felizes por ter a vossa comunicação.
─ Também estou muito feliz em comunicar-me com eles.
3. ─ Por que fostes levada tão cedo da afeição de vossa família?
─ Porque eu terminava minhas provas terrenas.
4. ─ Ides vê-los algumas vezes?
─ Oh! Estou incessantemente junto a eles.
5. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sou feliz, espero, atendo, amo. O Céu não me causa terror e espero confiante e com amor que as asas brancas me cresçam.
6. ─ Que entendeis por estas asas?
─ Entendo tornar-me puro Espírito e brilhar como os mensageiros celestes que me deslumbram.
OBSERVAÇÃO: As asas dos anjos, arcanjos e serafins, que são puros Espíritos, evidentemente não passam de atributo imaginado pelos homens para pintar a rapidez com que se transportam, pois a sua natureza etérea os dispensa de qualquer sustentáculo para percorrerem os espaços. Contudo, podem aparecer aos homens com esse acessório, para responder ao seu pensamento, como outros Espíritos tomam a aparência que tinham na Terra, para se tornarem conhecidos.
7. ─ Vedes vosso cunhado, falecido há algum tempo e que evocamos no ano passado?
─ Eu o vi quando cheguei entre os Espíritos. Agora não o vejo mais.
8. ─ Por que não o vedes mais?
─ Nada sei a respeito.
9. ─ Vossos parentes podem fazer algo que vos seja agradável?
─ Podem, esses entes queridos, não mais me entristecer, à vista de seus pesares, pois sabem que não estou perdida para eles. Que minha lembrança lhes seja suave, leve e perfumada em sua memória. Passei como uma flor e nada de triste deve subsistir de minha rápida passagem.
10. ─ De onde vem vossa linguagem tão poética e tão pouco condizente com a posição que tínheis na Terra?
─ É porque minh’alma é que fala. Sim, eu tinha conhecimentos adquiridos e muitas vezes Deus permite que Espíritos delicados se encarnem entre os mais rudes homens, para lhes fazer pressentir as delicadezas que conquistarão e compreenderão mais tarde.
OBSERVAÇÃO: Sem esta explicação tão lógica e tão conforme à solicitude de Deus por suas criaturas, dificilmente nos daríamos conta do que, à primeira vista, poderia parecer uma anomalia. Com efeito, que de mais gracioso e mais poético que a linguagem do Espírito dessa jovem senhora, educada em meio aos mais rudes trabalhos? A contrapartida se vê muitas vezes; são Espíritos inferiores, encarnados entre homens mais adiantados, mas com objetivo oposto; é em favor de seu próprio adiantamento que Deus os põe em contato com um mundo esclarecido, e algumas vezes, também, para servirem de prova a esse mesmo mundo. Que outra filosofia pode resolver tais problemas?
11. (Evocação do Sr. Gourdon, filho mais velho, já evocado em 1860).
─ Eis-me aqui.
12. ─ Lembrai-vos de que já fostes chamado por mim?
─ Sim, perfeitamente.
13. ─ Como é que vossa cunhada não vos vê mais?
─ Ela elevou-se.
OBSERVAÇÃO: A esta pergunta ela tinha respondido: “Nada sei a respeito”; sem dúvida por modéstia. Agora a coisa se explica: de uma natureza superior, ela pertence a uma ordem mais elevada, enquanto ele ainda está retido na Terra. Seguem caminhos diferentes.
14. ─ Quais foram as vossas ocupações desde aquela época?
─ Eu progredi na via dos conhecimentos, ouvindo as instruções de nossos guias.
15. ─ Por favor, peço-vos uma comunicação para vosso pai, que ficará feliz por isso.
─ Caro pai, não julgues perdidos os teus filhos e não sofras vendo vazios os seus lugares. Eu também espero e não tenho a menor impaciência, pois sei que os dias que se escoam são outros tantos degraus vencidos, que nos aproximam um do outro. Sê grave e recolhido, mas não triste, porque a tristeza é uma censura muda dirigida a Deus, que deseja ser louvado em suas obras. Aliás, por que sofrer nesta vida triste, onde tudo se apaga, salvo o bem ou o mal que realizamos? Caro pai, coragem e confiança!
OBSERVAÇÃO: A primeira evocação deste rapaz era marcada pelos mesmos sentimentos de piedade filial e de elevação. Tinha sido imensa consolação para os pais, que não podiam suportar a sua perda. Compreende-se que assim deveria ter sido com a da jovem senhora.
Efeitos do desespero
Morte do Sr. Laferriêre, membro do instituto. - suícidio do Sr. Lêon L... - A viúva e o médico
Seriam necessários volumes para registrar todos os funestos acidentes causados pelo desespero, se tomássemos apenas aqueles que chegam ao conhecimento do público. Quantos suicídios, doenças, mortes involuntárias, casos de loucura, atos de vingança e até crimes não produz ele todos os dias! Uma estatística muito instrutiva seria a das causas primeiras que levaram aos desarranjos do cérebro. Ver-se-ia que nela entra o desespero, pelo menos com quatro quintos. Mas não é disto que queremos nos ocupar hoje.
Eis dois fatos relatados nos jornais, não a título de novidade, mas como assunto de observação.
Lê-se no Le Siècle de 17 de fevereiro último, reportagem sobre as exéquias do Sr. Laferrière:
“Terça-feira conduzíamos à sua morada final, com alguns amigos contristados, uma jovem de vinte anos, arrebatada por uma doença de alguns dias. O pai dessa filha única era o Sr. Laferrière, membro do Instituto, inspetor geral das Faculdades de Direito. O excesso da dor fulminou esse pai infeliz e a resignação da fé cristã foi impotente para o consolar.
“Num intervalo de trinta e seis horas, a morte vibrou um segundo golpe, e a mesma semana que havia separado pai e filha, os reuniu. Multidão numerosa e consternada hoje seguia o féretro do Sr. Laferrière.”
Diz o jornal que o Sr. Laferrière tinha sentimentos religiosos e com prazer o admitimos, pois não se deve crer que todos os sábios sejam materialistas. Contudo, esses sentimentos não o impediram de sucumbir ao desespero. Estamos convictos de que se tivesse ideias menos vagas sobre o futuro, ideias mais positivas, tais como as que dá o Espiritismo; se tivesse acreditado na presença da filha ao seu lado; se tivesse tido a consolação de comunicar-se com ela, teria compreendido só estarem separados materialmente e por determinado tempo, e teria tido paciência, submetendo-se à vontade de Deus quanto ao momento de sua reunião; ter-se-ia acalmado ante a ideia de que o seu próprio desespero era uma causa de perturbação para a felicidade do objeto de sua afeição.
Estas reflexões se aplicam ainda com mais razão ao seguinte fato, que se lê no Le Siècle de 1.º de março último:
“O Sr. Léon L..., de 25 anos, empresário que explora as linhas de ônibus de Villemonble a Paris, havia se casado, há dois anos, com uma jovem que ele amava apaixonadamente. O nascimento de um filho, hoje com um ano de idade, viera aumentar a afeição dos esposos. Como seus negócios prosperavam, tudo lhes parecia pressagiar um longo futuro de felicidades.
“Há alguns meses a Sra. L... foi subitamente atingida por uma febre tifoide e, apesar dos mais assíduos cuidados e de todos os recursos da Ciência, faleceu em pouco tempo. A partir desse momento, o Sr. L... foi tomado de tal melancolia que nada o distraía. Muitas vezes ouviam-no dizer que a vida lhe era odiosa e que iria unir-se àquela que tinha levado toda a sua felicidade.
“Ontem, voltando de Paris com o seu carro, pelas sete horas da noite, o Sr. L... entregou o cabriolé ao palafreneiro e, sem dar uma palavra a ninguém, entrou num cômodo no rés-do-chão contíguo à sala de jantar. Uma hora mais tarde uma criada veio avisar que o jantar estava à mesa. Ele respondeu que não precisava de mais nada. Estava debruçado sobre a mesa, a cabeça apoiada nas mãos e parecia tomado de uma prostração completa.
“A criada avisou os pais, que vieram para junto do filho. Ele tinha perdido a consciência. Correram a chamar o Dr. Dubois. Ao chegar, o médico constatou que Léon estava morto. Tinha-se envenenado com forte dose de láudano, que havia comprado para seus cavalos.
“A morte do jovem causou viva impressão na região, onde gozava de geral estima”.
Sem dúvida o Sr. Léon L... acreditava na vida futura, pois se matou para ir unirse à esposa. Se tivesse conhecido, pelo Espiritismo, a sorte dos suicidas, teria sabido que, longe de apressar o momento de seu encontro, este seria um meio infalível de afastá-lo.
A estes dois fatos opomos o seguinte, que mostra o domínio que podem ter as crenças espíritas sobre as resoluções dos que as possuem. Um dos nossos correspondentes nos transmite o que segue:
“Uma senhora do meu conhecimento perdeu o marido cuja morte foi atribuída à imperícia do médico. A viúva tomou-se de tal ressentimento contra ele, que o perseguia incessantemente com invectivas e ameaças, dizendo-lhe, por toda parte onde o encontrava: “Carrasco, não morrerás senão por minha mão!” Essa senhora era muito piedosa e boa católica. Mas foi em vão que, para acalmá-la, empregaram os socorros da religião. O caso chegou-se ao ponto em que o médico julgou dever dirigir-se à autoridade, para sua própria segurança.
“O Espiritismo conta numerosos adeptos na cidade onde ela mora. Um de seus amigos, bom espírita, disse-lhe um dia:
“─ Que pensaríeis se pudésseis ainda conversar com o vosso marido?
“─ Oh! disse ela, se soubesse que tal era possível! Se tivesse a certeza de não o haver perdido para sempre, consolar-me-ia e esperaria.
“Em breve lhe deram a prova. Seu próprio marido lhe veio dar conselhos e consolo e por sua linguagem ela não teve nenhuma dúvida quanto à presença dele ao seu lado. Desde então, uma revolução completa operou-se em seu espírito. A calma sucedeu ao desespero e suas ideias de vingança deram lugar à resignação. Oito dias depois ela foi à casa do médico, o qual estava temeroso quanto a essa visita; mas em vez de ameaçá-lo, estendeu-lhe a mão, dizendo: “Nada temais, senhor. Venho pedir perdão pelo o mal que vos tenho feito, como eu vos perdoo pelo que me fizestes involuntariamente. Foi meu próprio marido que me aconselhou a atitude que tomo no momento. Ele me disse que absolutamente não fostes a causa de sua morte. Aliás, agora tenho certeza de que ele está junto de mim, que me vê e vela por mim e que um dia estaremos unidos. Assim, senhor, não me queirais mal, como não vos quero mal, de minha parte.”
Inútil dizer que o médico aceitou logo a reconciliação e apressou-se em saber a causa misteriosa a que daí em diante devia a sua tranquilidade. Assim, sem o Espiritismo, essa senhora provavelmente teria cometido um crime, apesar de tão religiosa. Isto prova a inutilidade da religião? De modo algum. Mostra apenas a insuficiência das ideias que ela dá do futuro, apresentando-o tão vago que em muitos deixa uma espécie de incerteza, ao passo que o Espiritismo, fazendo, por assim dizer, tocá-lo com o dedo, faz nascer na alma uma confiança e uma segurança mais completas.
Ao pai que perdeu um filho; ao filho que perdeu seu pai; ao marido que perdeu a esposa adorada, que consolação dá o materialismo? Diz ele: Tudo acabou. Do ser que vos era tão caro nada resta, absolutamente nada além desse corpo que em pouco estará dissolvido. Mas de sua inteligência, de suas qualidades morais, da instrução adquirida, nada; tudo isto é o nada; vós o perdestes para sempre. Diz o espírita: De tudo isto nada é perdido; tudo subsiste; só há de menos o envoltório perecível; mas o Espírito, desprendido de sua prisão é radiante, está aí, junto de vós, vendo-vos, escutando e esperando. Oh! Quanto mal fazem os materialistas, inoculando por seus sofismas o veneno da incredulidade! Eles jamais amaram. Do contrário, poderiam ver com sangue frio os objetos de suas afeições reduzidos a um monte de pó? Assim, parece que para eles é que Deus reservou seus maiores rigores, pois nós os vemos todos reduzidos à mais deplorável posição no mundo dos Espíritos, e Deus é tanto menos indulgente para com eles quanto mais perto estiveram de se esclarecer.
Eis dois fatos relatados nos jornais, não a título de novidade, mas como assunto de observação.
Lê-se no Le Siècle de 17 de fevereiro último, reportagem sobre as exéquias do Sr. Laferrière:
“Terça-feira conduzíamos à sua morada final, com alguns amigos contristados, uma jovem de vinte anos, arrebatada por uma doença de alguns dias. O pai dessa filha única era o Sr. Laferrière, membro do Instituto, inspetor geral das Faculdades de Direito. O excesso da dor fulminou esse pai infeliz e a resignação da fé cristã foi impotente para o consolar.
“Num intervalo de trinta e seis horas, a morte vibrou um segundo golpe, e a mesma semana que havia separado pai e filha, os reuniu. Multidão numerosa e consternada hoje seguia o féretro do Sr. Laferrière.”
Diz o jornal que o Sr. Laferrière tinha sentimentos religiosos e com prazer o admitimos, pois não se deve crer que todos os sábios sejam materialistas. Contudo, esses sentimentos não o impediram de sucumbir ao desespero. Estamos convictos de que se tivesse ideias menos vagas sobre o futuro, ideias mais positivas, tais como as que dá o Espiritismo; se tivesse acreditado na presença da filha ao seu lado; se tivesse tido a consolação de comunicar-se com ela, teria compreendido só estarem separados materialmente e por determinado tempo, e teria tido paciência, submetendo-se à vontade de Deus quanto ao momento de sua reunião; ter-se-ia acalmado ante a ideia de que o seu próprio desespero era uma causa de perturbação para a felicidade do objeto de sua afeição.
Estas reflexões se aplicam ainda com mais razão ao seguinte fato, que se lê no Le Siècle de 1.º de março último:
“O Sr. Léon L..., de 25 anos, empresário que explora as linhas de ônibus de Villemonble a Paris, havia se casado, há dois anos, com uma jovem que ele amava apaixonadamente. O nascimento de um filho, hoje com um ano de idade, viera aumentar a afeição dos esposos. Como seus negócios prosperavam, tudo lhes parecia pressagiar um longo futuro de felicidades.
“Há alguns meses a Sra. L... foi subitamente atingida por uma febre tifoide e, apesar dos mais assíduos cuidados e de todos os recursos da Ciência, faleceu em pouco tempo. A partir desse momento, o Sr. L... foi tomado de tal melancolia que nada o distraía. Muitas vezes ouviam-no dizer que a vida lhe era odiosa e que iria unir-se àquela que tinha levado toda a sua felicidade.
“Ontem, voltando de Paris com o seu carro, pelas sete horas da noite, o Sr. L... entregou o cabriolé ao palafreneiro e, sem dar uma palavra a ninguém, entrou num cômodo no rés-do-chão contíguo à sala de jantar. Uma hora mais tarde uma criada veio avisar que o jantar estava à mesa. Ele respondeu que não precisava de mais nada. Estava debruçado sobre a mesa, a cabeça apoiada nas mãos e parecia tomado de uma prostração completa.
“A criada avisou os pais, que vieram para junto do filho. Ele tinha perdido a consciência. Correram a chamar o Dr. Dubois. Ao chegar, o médico constatou que Léon estava morto. Tinha-se envenenado com forte dose de láudano, que havia comprado para seus cavalos.
“A morte do jovem causou viva impressão na região, onde gozava de geral estima”.
Sem dúvida o Sr. Léon L... acreditava na vida futura, pois se matou para ir unirse à esposa. Se tivesse conhecido, pelo Espiritismo, a sorte dos suicidas, teria sabido que, longe de apressar o momento de seu encontro, este seria um meio infalível de afastá-lo.
A estes dois fatos opomos o seguinte, que mostra o domínio que podem ter as crenças espíritas sobre as resoluções dos que as possuem. Um dos nossos correspondentes nos transmite o que segue:
“Uma senhora do meu conhecimento perdeu o marido cuja morte foi atribuída à imperícia do médico. A viúva tomou-se de tal ressentimento contra ele, que o perseguia incessantemente com invectivas e ameaças, dizendo-lhe, por toda parte onde o encontrava: “Carrasco, não morrerás senão por minha mão!” Essa senhora era muito piedosa e boa católica. Mas foi em vão que, para acalmá-la, empregaram os socorros da religião. O caso chegou-se ao ponto em que o médico julgou dever dirigir-se à autoridade, para sua própria segurança.
“O Espiritismo conta numerosos adeptos na cidade onde ela mora. Um de seus amigos, bom espírita, disse-lhe um dia:
“─ Que pensaríeis se pudésseis ainda conversar com o vosso marido?
“─ Oh! disse ela, se soubesse que tal era possível! Se tivesse a certeza de não o haver perdido para sempre, consolar-me-ia e esperaria.
“Em breve lhe deram a prova. Seu próprio marido lhe veio dar conselhos e consolo e por sua linguagem ela não teve nenhuma dúvida quanto à presença dele ao seu lado. Desde então, uma revolução completa operou-se em seu espírito. A calma sucedeu ao desespero e suas ideias de vingança deram lugar à resignação. Oito dias depois ela foi à casa do médico, o qual estava temeroso quanto a essa visita; mas em vez de ameaçá-lo, estendeu-lhe a mão, dizendo: “Nada temais, senhor. Venho pedir perdão pelo o mal que vos tenho feito, como eu vos perdoo pelo que me fizestes involuntariamente. Foi meu próprio marido que me aconselhou a atitude que tomo no momento. Ele me disse que absolutamente não fostes a causa de sua morte. Aliás, agora tenho certeza de que ele está junto de mim, que me vê e vela por mim e que um dia estaremos unidos. Assim, senhor, não me queirais mal, como não vos quero mal, de minha parte.”
Inútil dizer que o médico aceitou logo a reconciliação e apressou-se em saber a causa misteriosa a que daí em diante devia a sua tranquilidade. Assim, sem o Espiritismo, essa senhora provavelmente teria cometido um crime, apesar de tão religiosa. Isto prova a inutilidade da religião? De modo algum. Mostra apenas a insuficiência das ideias que ela dá do futuro, apresentando-o tão vago que em muitos deixa uma espécie de incerteza, ao passo que o Espiritismo, fazendo, por assim dizer, tocá-lo com o dedo, faz nascer na alma uma confiança e uma segurança mais completas.
Ao pai que perdeu um filho; ao filho que perdeu seu pai; ao marido que perdeu a esposa adorada, que consolação dá o materialismo? Diz ele: Tudo acabou. Do ser que vos era tão caro nada resta, absolutamente nada além desse corpo que em pouco estará dissolvido. Mas de sua inteligência, de suas qualidades morais, da instrução adquirida, nada; tudo isto é o nada; vós o perdestes para sempre. Diz o espírita: De tudo isto nada é perdido; tudo subsiste; só há de menos o envoltório perecível; mas o Espírito, desprendido de sua prisão é radiante, está aí, junto de vós, vendo-vos, escutando e esperando. Oh! Quanto mal fazem os materialistas, inoculando por seus sofismas o veneno da incredulidade! Eles jamais amaram. Do contrário, poderiam ver com sangue frio os objetos de suas afeições reduzidos a um monte de pó? Assim, parece que para eles é que Deus reservou seus maiores rigores, pois nós os vemos todos reduzidos à mais deplorável posição no mundo dos Espíritos, e Deus é tanto menos indulgente para com eles quanto mais perto estiveram de se esclarecer.
Dissertações e ensinos espíritas - Por ditados espontâneos
Muitos chamados, poucos os escolhidos (Recebido pelo Sr. D'Ambel, médium da sociedade)Esta máxima evangélica deve aplicar-se com muito mais razão aos dias atuais do que aos primeiros tempos do Cristianismo.
Com efeito, já não ouvistes a agitação da tempestade, que deve arrastar o mundo velho e engolir no nada a soma das iniquidades terrenas? Ah! Bendizei o Senhor, vós que pusestes a vossa fé em sua soberana justiça, e como novos apóstolos da crença revelada pelas vozes proféticas superiores, ides pregar o dogma novo da reencarnação e da elevação dos Espíritos, conforme tenham bem ou mal cumprido suas missões e suportado suas provas terrestres.
Não tremais! As línguas de fogo estão sobre vossas cabeças. Ó adeptos do Espiritismo, sois os eleitos de Deus! Ide e pregai a palavra divina. É chegada a hora em que deveis sacrificar à sua propagação os vossos hábitos, os vossos trabalhos, as vossas ocupações fúteis. Ide e pregai! Os Espíritos do Alto estão convosco. Certamente falareis a pessoas que não quererão ouvir a voz de Deus, porque essa voz incessantemente as chama à abnegação. Pregareis o desinteresse aos avarentos; a abstinência aos libertinos; a mansuetude aos tiramos domésticos como aos déspotas. Palavras perdidas, bem o sei. Mas, que importa! É preciso regar com o vosso suor o terreno onde deveis semear, pois ele não frutificará e não produzirá senão com os esforços reiterados da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!
Sim, vós todos, homens de boa-fé, que acreditais em vossa inferioridade ao olhar os mundos espalhados no infinito, parti em cruzada contra a injustiça e a iniquidade. Ide e derrubai esse culto do bezerro de ouro, cada dia mais invasor. Ide, Deus vos conduz! Homens simples e ignorantes, vossas línguas serão desatadas e falareis como nenhum orador fala. Ide e pregai, e as populações atentas recolherão com felicidade vossas palavras de consolação, de fraternidade, de esperança e de paz.
Que importam as ciladas armadas em vosso caminho! Só os lobos caem nas armadilhas para lobos, porque o pastor saberá defender suas ovelhas contra os magarefes sacrificadores.
Ide, homens grandes aos olhos de Deus, que mais felizes que São Tomé, credes sem ter visto e aceitais os fatos da mediunidade, ainda mesmo quando vós próprios não tenhais conseguido obtê-los. Ide, o Espírito de Deus vos conduz.
Avante, pois, falange imponente por tua fé e por teu pequeno número! Marcha! e os grandes batalhões dos incrédulos desmanchar-se-ão à tua frente como os nevoeiros matinais aos primeiros raios do sol nascente.
A fé é a virtude que soerguerá montanhas, disse Jesus. Contudo, mais pesadas que as mais pesadas montanhas, jazem no coração dos homens a impureza e todos os vícios da impureza. Parti, pois, com coragem para soerguer essa montanha de iniquidades que as gerações futuras só devem conhecer como relatos lendários, assim como vós mesmos só muito imperfeitamente conheceis o período dos tempos anteriores à civilização pagã.
Sim, as agitações morais e filosóficas vão explodir em todos os pontos do globo. Aproxima-se a hora em que a luz divina aparecerá nos dois mundos.
Ide, pois, e levai a palavra divina aos grandes, que a desdenharão; aos sábios, que lhe pedirão as provas; aos pequenos e simples, que a aceitarão, porque é sobretudo entre os mártires do trabalho, esta expiação terrena, que encontrareis o fervor e a fé. Ide! Estes receberão com cânticos de ação de graças e entoando louvores a Deus a consolação santa que lhes levais, e inclinar-se-ão agradecendo o quinhão de suas misérias terrenas.
Que vossa falange se arme, pois, de resolução e de coragem! À obra! A charrua está pronta. A terra espera. É preciso lavrar.
Ide e agradecei a Deus a tarefa gloriosa que vos confiou. Mas pensai que entre os chamados ao Espiritismo muitos se desviaram. Olhai, pois, o vosso caminho e segui a via da verdade.
P. ─ Se muitos dos chamados ao Espiritismo se desviaram, por que sinal conhecer os que estão no bom caminho?
─ Reconhecê-los-eis pelos princípios da verdadeira caridade que professarem e praticarem; reconhecê-los-eis pelo número dos aflitos aos quais levarem consolo; reconhecê-los-eis pelo amor ao próximo, pela abnegação, pelo desinteresse pessoal; reconhecê-los-eis, enfim, pelo triunfo de seus princípios, pois Deus quer a vitória de sua lei. Os que seguem a sua lei são os seus eleitos e ele lhes dará a vitória, mas esmagará os que falseiam o espírito dessa lei e dela fazem um pedestal para satisfazer a sua vaidade e a sua ambição.
ERASTO
Anjo da guarda do médium.
Com efeito, já não ouvistes a agitação da tempestade, que deve arrastar o mundo velho e engolir no nada a soma das iniquidades terrenas? Ah! Bendizei o Senhor, vós que pusestes a vossa fé em sua soberana justiça, e como novos apóstolos da crença revelada pelas vozes proféticas superiores, ides pregar o dogma novo da reencarnação e da elevação dos Espíritos, conforme tenham bem ou mal cumprido suas missões e suportado suas provas terrestres.
Não tremais! As línguas de fogo estão sobre vossas cabeças. Ó adeptos do Espiritismo, sois os eleitos de Deus! Ide e pregai a palavra divina. É chegada a hora em que deveis sacrificar à sua propagação os vossos hábitos, os vossos trabalhos, as vossas ocupações fúteis. Ide e pregai! Os Espíritos do Alto estão convosco. Certamente falareis a pessoas que não quererão ouvir a voz de Deus, porque essa voz incessantemente as chama à abnegação. Pregareis o desinteresse aos avarentos; a abstinência aos libertinos; a mansuetude aos tiramos domésticos como aos déspotas. Palavras perdidas, bem o sei. Mas, que importa! É preciso regar com o vosso suor o terreno onde deveis semear, pois ele não frutificará e não produzirá senão com os esforços reiterados da enxada e da charrua evangélicas. Ide e pregai!
Sim, vós todos, homens de boa-fé, que acreditais em vossa inferioridade ao olhar os mundos espalhados no infinito, parti em cruzada contra a injustiça e a iniquidade. Ide e derrubai esse culto do bezerro de ouro, cada dia mais invasor. Ide, Deus vos conduz! Homens simples e ignorantes, vossas línguas serão desatadas e falareis como nenhum orador fala. Ide e pregai, e as populações atentas recolherão com felicidade vossas palavras de consolação, de fraternidade, de esperança e de paz.
Que importam as ciladas armadas em vosso caminho! Só os lobos caem nas armadilhas para lobos, porque o pastor saberá defender suas ovelhas contra os magarefes sacrificadores.
Ide, homens grandes aos olhos de Deus, que mais felizes que São Tomé, credes sem ter visto e aceitais os fatos da mediunidade, ainda mesmo quando vós próprios não tenhais conseguido obtê-los. Ide, o Espírito de Deus vos conduz.
Avante, pois, falange imponente por tua fé e por teu pequeno número! Marcha! e os grandes batalhões dos incrédulos desmanchar-se-ão à tua frente como os nevoeiros matinais aos primeiros raios do sol nascente.
A fé é a virtude que soerguerá montanhas, disse Jesus. Contudo, mais pesadas que as mais pesadas montanhas, jazem no coração dos homens a impureza e todos os vícios da impureza. Parti, pois, com coragem para soerguer essa montanha de iniquidades que as gerações futuras só devem conhecer como relatos lendários, assim como vós mesmos só muito imperfeitamente conheceis o período dos tempos anteriores à civilização pagã.
Sim, as agitações morais e filosóficas vão explodir em todos os pontos do globo. Aproxima-se a hora em que a luz divina aparecerá nos dois mundos.
Ide, pois, e levai a palavra divina aos grandes, que a desdenharão; aos sábios, que lhe pedirão as provas; aos pequenos e simples, que a aceitarão, porque é sobretudo entre os mártires do trabalho, esta expiação terrena, que encontrareis o fervor e a fé. Ide! Estes receberão com cânticos de ação de graças e entoando louvores a Deus a consolação santa que lhes levais, e inclinar-se-ão agradecendo o quinhão de suas misérias terrenas.
Que vossa falange se arme, pois, de resolução e de coragem! À obra! A charrua está pronta. A terra espera. É preciso lavrar.
Ide e agradecei a Deus a tarefa gloriosa que vos confiou. Mas pensai que entre os chamados ao Espiritismo muitos se desviaram. Olhai, pois, o vosso caminho e segui a via da verdade.
P. ─ Se muitos dos chamados ao Espiritismo se desviaram, por que sinal conhecer os que estão no bom caminho?
─ Reconhecê-los-eis pelos princípios da verdadeira caridade que professarem e praticarem; reconhecê-los-eis pelo número dos aflitos aos quais levarem consolo; reconhecê-los-eis pelo amor ao próximo, pela abnegação, pelo desinteresse pessoal; reconhecê-los-eis, enfim, pelo triunfo de seus princípios, pois Deus quer a vitória de sua lei. Os que seguem a sua lei são os seus eleitos e ele lhes dará a vitória, mas esmagará os que falseiam o espírito dessa lei e dela fazem um pedestal para satisfazer a sua vaidade e a sua ambição.
ERASTO
Anjo da guarda do médium.
Ocupações dos espíritos (Médium: Sra. Costel)
A ocupação dos Espíritos de segunda ordem consiste em se prepararem para as provas que terão de passar; por meditações sobre suas vidas passadas e por observações sobre os destinos humanos, seus vícios, suas virtudes, e o que pode aperfeiçoá-los ou levá-los a falir. Os que, como eu, têm a felicidade de ter uma missão, dela se ocupam com tanto zelo e amor, que o progresso das almas que lhes são confiadas lhes é contado como mérito. Assim, esforçam-se por lhes sugerir bons pensamentos, ajudar os seus bons impulsos, afastar os Espíritos maus, opondo sua suave influência às influências nocivas. Essa ocupação interessante, sobretudo quando se é bastante feliz para dirigir um médium e ter comunicações diretas, não dispensa o cuidado e o dever de aperfeiçoar-se.
Não creias que o tédio possa atingir um ser que não vive senão pelo espírito e cujas faculdades todas tendem para um objetivo, que sabe afastado, mas certo. O tédio não resulta senão do vazio da alma e da esterilidade do pensamento. O tempo, tão pesado para vós que o medis por vossos temores pueris ou por vossas frívolas esperanças, não submete ao seu talante os que não estão sujeitos nem às agitações da alma nem às necessidades do corpo. Ele passa ainda mais depressa para os Espíritos puros e superiores, que Deus encarrega da execução de suas ordens e que percorrem as esferas num voo rápido.
Quanto aos Espíritos inferiores, sobretudo os que têm pesadas faltas a expiar, o tempo se mede por seus pesares, seus remorsos e seus sofrimentos. Os mais perversos dentre eles procuram subtrair-se fazendo o mal, isto é, sugerindo-o. Então experimentam essa áspera e fugidia satisfação do doente que coça a sua ferida e que não faz senão aumentar a sua dor. Assim, seus sofrimentos aumentam de tal modo que acabam fatalmente por lhes ministrar o remédio, que não é senão a volta ao bem.
Os pobres Espíritos que não são culpados senão pela fraqueza ou pela ignorância, sofrem a sua inanidade, o seu isolamento. Lamentam o seu envoltório terreno, seja qual for a dor que lhes tenha causado. Revoltam-se e se desesperam até o momento em que percebem que só a resignação e uma vontade firme de voltar ao bem podem aliviá-los. Acalmam-se e compreendem que Deus não abandona nenhuma de suas criaturas.
MARCILLAC
Espírito familiar.
Não creias que o tédio possa atingir um ser que não vive senão pelo espírito e cujas faculdades todas tendem para um objetivo, que sabe afastado, mas certo. O tédio não resulta senão do vazio da alma e da esterilidade do pensamento. O tempo, tão pesado para vós que o medis por vossos temores pueris ou por vossas frívolas esperanças, não submete ao seu talante os que não estão sujeitos nem às agitações da alma nem às necessidades do corpo. Ele passa ainda mais depressa para os Espíritos puros e superiores, que Deus encarrega da execução de suas ordens e que percorrem as esferas num voo rápido.
Quanto aos Espíritos inferiores, sobretudo os que têm pesadas faltas a expiar, o tempo se mede por seus pesares, seus remorsos e seus sofrimentos. Os mais perversos dentre eles procuram subtrair-se fazendo o mal, isto é, sugerindo-o. Então experimentam essa áspera e fugidia satisfação do doente que coça a sua ferida e que não faz senão aumentar a sua dor. Assim, seus sofrimentos aumentam de tal modo que acabam fatalmente por lhes ministrar o remédio, que não é senão a volta ao bem.
Os pobres Espíritos que não são culpados senão pela fraqueza ou pela ignorância, sofrem a sua inanidade, o seu isolamento. Lamentam o seu envoltório terreno, seja qual for a dor que lhes tenha causado. Revoltam-se e se desesperam até o momento em que percebem que só a resignação e uma vontade firme de voltar ao bem podem aliviá-los. Acalmam-se e compreendem que Deus não abandona nenhuma de suas criaturas.
MARCILLAC
Espírito familiar.
O deboche (Enviado pelo Sr. Sabò, de Bordéus)
A escolha dos bons autores é muito útil. Os que exercem autoridade sobre vós, excitando-vos a imaginação por loucas paixões humanas, apenas corrompem o coração e o espírito. Com efeito, não é entre os apologistas da orgia, do deboche, da volúpia, entre os que preconizam os prazeres materiais, que se podem aproveitar lições de melhoramento moral. Pensai, pois, meus amigos, que se Deus vos deu paixões, foi com o fito de vos fazer concorrer para os seus desígnios, e não para satisfazê-las como um animal. Sabei que se gastardes a vossa vida em loucos prazeres que não deixam senão remorsos e o vazio no coração, não agis segundo os desígnios de Deus. Se vos é dado reproduzir a espécie humana, é que milhares de Espíritos errantes esperam no espaço a formação dos corpos de que necessitam para recomeçar suas provas e que usando as vossas forças em ignóbeis volúpias, ides contra a vontade de Deus, e vosso castigo será grande. Assim, bani essas leituras das quais não tirais nenhum fruto, nem para a inteligência, nem para o aperfeiçoamento moral. Que os escritores sérios de todos os tempos e de todos os países vos façam conhecer o belo e o bem; que elevem a vossa alma para o encanto da poesia e vos ensinem o útil emprego das faculdades com que vos dotou o Criador.
FELÍCIA
Filha do médium
OBSERVAÇÃO: Não existe algo de profundo e de sublime nessa ideia que dá à reprodução do corpo um objetivo tão elevado? Os Espíritos errantes esperam esses corpos, de que necessitam para o seu próprio adiantamento, e que os Espíritos encarnados estão encarregados de reproduzir, como o homem espera o produto da reprodução de certos animais para vestir-se e alimentar-se.
Daí ressalta outro ensinamento de alta significação. Se não se admite que a alma já tenha vivido, é absolutamente necessário que seja criada no momento da formação e para o uso de cada corpo, de onde se segue que a criação da alma por Deus estaria subordinada ao capricho do homem, e na maioria das vezes é o resultado do deboche. Como! Todas as leis religiosas e morais condenam a depravação dos costumes, e Deus se aproveitaria disto para criar almas! Perguntamos a todo homem de bom senso se é possível que Deus se contradiga a tal ponto. Não seria glorificar o vício, desde que serviria à realização dos mais elevados desígnios do Todo-Poderoso: a criação das almas? Que nos digam se tal não seria a consequência da formação simultânea das almas e dos corpos; e seria pior ainda se se admitisse a opinião dos que pretendem que o homem procria a alma ao mesmo tempo que o corpo. Admitam, ao contrário, a preexistência da alma, e toda contradição cessa, pois o homem não procria senão a matéria do corpo, e a obra de Deus, a criação da alma imortal que um dia dele se deve aproximar, não mais estará submetida ao capricho do homem. É assim que, fora da reencarnação, surgem a cada passo dificuldades insolúveis e que se cai na contradição e no absurdo quando se quer explicá-las. Também o princípio da unicidade da existência corpórea para decidir sem retorno os destinos futuros do homem, diariamente perde terreno e partidários. Então podemos dizer com segurança que dentro de pouco tempo, o princípio contrário será universalmente admitido como o único lógico, o único conforme à justiça de Deus, e proclamado pelo próprio Cristo quando disse: “Eu vos digo que é necessário nascer muitas vezes antes de entrar no Reino dos Céus.”
FELÍCIA
Filha do médium
OBSERVAÇÃO: Não existe algo de profundo e de sublime nessa ideia que dá à reprodução do corpo um objetivo tão elevado? Os Espíritos errantes esperam esses corpos, de que necessitam para o seu próprio adiantamento, e que os Espíritos encarnados estão encarregados de reproduzir, como o homem espera o produto da reprodução de certos animais para vestir-se e alimentar-se.
Daí ressalta outro ensinamento de alta significação. Se não se admite que a alma já tenha vivido, é absolutamente necessário que seja criada no momento da formação e para o uso de cada corpo, de onde se segue que a criação da alma por Deus estaria subordinada ao capricho do homem, e na maioria das vezes é o resultado do deboche. Como! Todas as leis religiosas e morais condenam a depravação dos costumes, e Deus se aproveitaria disto para criar almas! Perguntamos a todo homem de bom senso se é possível que Deus se contradiga a tal ponto. Não seria glorificar o vício, desde que serviria à realização dos mais elevados desígnios do Todo-Poderoso: a criação das almas? Que nos digam se tal não seria a consequência da formação simultânea das almas e dos corpos; e seria pior ainda se se admitisse a opinião dos que pretendem que o homem procria a alma ao mesmo tempo que o corpo. Admitam, ao contrário, a preexistência da alma, e toda contradição cessa, pois o homem não procria senão a matéria do corpo, e a obra de Deus, a criação da alma imortal que um dia dele se deve aproximar, não mais estará submetida ao capricho do homem. É assim que, fora da reencarnação, surgem a cada passo dificuldades insolúveis e que se cai na contradição e no absurdo quando se quer explicá-las. Também o princípio da unicidade da existência corpórea para decidir sem retorno os destinos futuros do homem, diariamente perde terreno e partidários. Então podemos dizer com segurança que dentro de pouco tempo, o princípio contrário será universalmente admitido como o único lógico, o único conforme à justiça de Deus, e proclamado pelo próprio Cristo quando disse: “Eu vos digo que é necessário nascer muitas vezes antes de entrar no Reino dos Céus.”
Sobre o Perispírito
DITADO ESPONTÂNEO
A PROPÓSITO DE UMA DISCUSSÃO QUE ACABARA DE HAVER NA SOCIEDADE
SOBRE A NATUREZA DO ESPÍRITO E DO PERISPÍRITO
MÉDIUM, SR. A. DIDIER
Acompanhei com interesse a discussão havida agora mesmo, e que vos pôs em tão grande embaraço. Sim, faltam às palavras cor e forma para exprimir o perispírito e sua verdadeira natureza. Mas há uma coisa certa. O que uns chamam perispírito não é senão o que outros chamam envoltório fluídico, material. Quando se discutem semelhantes questões, não são as frases que se deve buscar, são as palavras. Para me fazer compreender de maneira mais lógica, direi que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos e a extensão da visão e das ideias. Falo aqui dos Espíritos elevados. Quanto aos inferiores, os fluidos terrestres são ainda completamente inerentes a eles, portanto são matéria, como vedes. Daí os sofrimentos da fome, do frio etc., sofrimentos que não atingem os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos são depurados em torno do pensamento, isto é, da alma. Para seu progresso, a alma sempre tem necessidade de um agente. A alma sem agente nada é para vós, ou, melhor dizendo, não pode ser concebida por vós. Para nós outros, Espíritos errantes, o perispírito é o agente pelo qual nos comunicamos convosco, quer indiretamente, por vosso corpo ou por vosso perispírito, quer diretamente por vossa alma. Daí as infinitas nuanças de médiuns e de comunicações. Agora resta o ponto de vista científico, isto é, a essência mesma do perispírito. Isto é outro assunto. Compreendei primeiro moralmente. Não resta mais senão uma discussão sobre a natureza dos fluidos, o que é inexplicável no momento. A Ciência não conhece bastante, mas lá se chegará, se a Ciência quiser marchar com o Espiritismo.
LAMENNAIS
A PROPÓSITO DE UMA DISCUSSÃO QUE ACABARA DE HAVER NA SOCIEDADE
SOBRE A NATUREZA DO ESPÍRITO E DO PERISPÍRITO
MÉDIUM, SR. A. DIDIER
Acompanhei com interesse a discussão havida agora mesmo, e que vos pôs em tão grande embaraço. Sim, faltam às palavras cor e forma para exprimir o perispírito e sua verdadeira natureza. Mas há uma coisa certa. O que uns chamam perispírito não é senão o que outros chamam envoltório fluídico, material. Quando se discutem semelhantes questões, não são as frases que se deve buscar, são as palavras. Para me fazer compreender de maneira mais lógica, direi que esse fluido é a perfectibilidade dos sentidos e a extensão da visão e das ideias. Falo aqui dos Espíritos elevados. Quanto aos inferiores, os fluidos terrestres são ainda completamente inerentes a eles, portanto são matéria, como vedes. Daí os sofrimentos da fome, do frio etc., sofrimentos que não atingem os Espíritos superiores, visto que os fluidos terrenos são depurados em torno do pensamento, isto é, da alma. Para seu progresso, a alma sempre tem necessidade de um agente. A alma sem agente nada é para vós, ou, melhor dizendo, não pode ser concebida por vós. Para nós outros, Espíritos errantes, o perispírito é o agente pelo qual nos comunicamos convosco, quer indiretamente, por vosso corpo ou por vosso perispírito, quer diretamente por vossa alma. Daí as infinitas nuanças de médiuns e de comunicações. Agora resta o ponto de vista científico, isto é, a essência mesma do perispírito. Isto é outro assunto. Compreendei primeiro moralmente. Não resta mais senão uma discussão sobre a natureza dos fluidos, o que é inexplicável no momento. A Ciência não conhece bastante, mas lá se chegará, se a Ciência quiser marchar com o Espiritismo.
LAMENNAIS
O anjo Gabriel (Evocação de um bom Espírito, em Soultz, alto-reno, pela Sra. X.)
Sou Gabriel, o anjo do Senhor, que me encarrega de vos abençoar, não por vossos méritos, mas pelos esforços que fazeis para adquiri-los.
A vida deve ser um combate. Não se deve jamais parar, jamais vacilar entre o bem e o mal. A hesitação já vem de Satã, isto é, dos maus Espíritos. Coragem, pois! Quanto mais espinhos em vosso caminho, mais esforços necessitais para segui-lo. Se ele fosse semeado de rosas, que mérito teríeis diante de Deus? Cada um tem o seu calvário na Terra, mas nem todos o percorrem com a suave resignação de que Jesus vos deu o exemplo. Ela foi tão grande que os anjos se comoveram! E os homens, quando muito, vertem uma lágrima diante de tantas dores! Ó dureza do coração humano! Mereceríeis semelhante sacrifício? Lançai o rosto no pó e implorai misericórdia ao Deus mil vezes bom, mil vezes meigo, mil vezes misericordioso! Um olhar, ó meu Deus, sobre a vossa obra, sem o que ela perecerá! Seu coração não está à altura do vosso. Ele não pode compreender este excesso de amor de vossa parte. Tende piedade! Tende mil vezes piedade de sua fraqueza. Levantai sua coragem por pensamentos que não podem vir senão de vós. Abençoai-os, sobretudo, para que deem frutos dignos de vossa imensa grandeza!
Hosana no mais alto dos Céus, e paz aos homens de boa vontade!
É assim que terminarei as palavras que Deus me ordenou vos transmitisse.
Sede abençoados no Senhor, a fim de despertardes um dia em seu seio.
A vida deve ser um combate. Não se deve jamais parar, jamais vacilar entre o bem e o mal. A hesitação já vem de Satã, isto é, dos maus Espíritos. Coragem, pois! Quanto mais espinhos em vosso caminho, mais esforços necessitais para segui-lo. Se ele fosse semeado de rosas, que mérito teríeis diante de Deus? Cada um tem o seu calvário na Terra, mas nem todos o percorrem com a suave resignação de que Jesus vos deu o exemplo. Ela foi tão grande que os anjos se comoveram! E os homens, quando muito, vertem uma lágrima diante de tantas dores! Ó dureza do coração humano! Mereceríeis semelhante sacrifício? Lançai o rosto no pó e implorai misericórdia ao Deus mil vezes bom, mil vezes meigo, mil vezes misericordioso! Um olhar, ó meu Deus, sobre a vossa obra, sem o que ela perecerá! Seu coração não está à altura do vosso. Ele não pode compreender este excesso de amor de vossa parte. Tende piedade! Tende mil vezes piedade de sua fraqueza. Levantai sua coragem por pensamentos que não podem vir senão de vós. Abençoai-os, sobretudo, para que deem frutos dignos de vossa imensa grandeza!
Hosana no mais alto dos Céus, e paz aos homens de boa vontade!
É assim que terminarei as palavras que Deus me ordenou vos transmitisse.
Sede abençoados no Senhor, a fim de despertardes um dia em seu seio.
Despertai! (Sociedade Espírita de paris. Médium: Sra. Costel)
Eu te falarei dos sintomas e predições que, por toda parte, anunciam a vinda de grandes acontecimentos que o nosso século encerra. Em sua tocante bondade, os Espíritos, mensageiros de Deus, advertem o Espírito do homem, como as dores advertem a mãe do seu próximo parto. Esses sinais, muitas vezes desprezados e contudo sempre justificados, neste momento se multiplicam ao infinito. Por que todos sentis o Espírito profético agitar-vos o coração e abalar-vos a consciência? Por que as incertezas? Por que os desfalecimentos que turvam os corações? Por que o despertar do espírito público que por toda parte arvora sua altiva bandeira? Por quê? É que os tempos são chegados; é que o reino do materialismo estala e vai desabar; é que os prazeres do corpo, que dentro em breve serão desprezados, vão dar lugar ao reino das ideias; é que o edifício social está carcomido e vai dar lugar à jovem e triunfante legião das ideias espíritas que fecundarão as consciências estéreis e os corações mudos. Que estas palavras incessantemente repetidas não vos encontrem distraídos e indiferentes. Depois que o lavrador houver semeado, recolhei as preciosas espigas que nascerem. Não digais: a vida segue o seu curso e uma marcha normal; nossos pais nada viram do que hoje nos anunciam; não veremos mais do que eles. Adoremos o que eles adoraram, ou melhor, substituamos a adoração por fórmulas vãs, e tudo estará bem. Falando assim, dormis. Despertai, porque não é a trombeta do juízo final que vibrará aos vossos ouvidos, mas a voz da verdade. Não se trata da morte vencida e humilhada. Trata-se da vida presente, ou antes, da vida eterna. Não a esqueçais e despertai.
HELVÉTIUS
HELVÉTIUS
O gênio e a miséria (Sociedade Espírita de Paris. Médium: Sr. Alfred Didier.)
Há uma prova muito grande na Terra, sobre a qual deve apoiar-se a moral do Espiritismo: é a provação terrível do homem de gênio, sobretudo do que é dotado de faculdades superiores, presa das exigências da miséria. Ah! Sim. Esta prova moral, esta miséria da inteligência, muito mais que a do corpo, será o mérito maior para o homem que tiver cumprido a sua missão. Compenetrai-vos dessa luta incessante do talento contra a miséria, esta harpia que se atira sobre vós durante o festim da vida, semelhante ao monstro de Virgílio, e que diz a todas as suas vítimas: Sois poderosos, mas sou eu quem vos mata; sou eu que envio ao nada os dons de vossa inteligência, porque eu sou a morte do gênio. Eu sei que só uns são vencidos, mas os outros, quantos são eles? Há um pintor da escola moderna que assim concebeu o assunto: Um ser, o gênio, cujas asas se abrem e cujo olhar está voltado para o sol quase que se ergue, mas cai sobre um rochedo, onde estão fixadas cadeias de ferro que o prenderão talvez para sempre. O homem que teve este sonho talvez tenha sido acorrentado, também ele, e talvez após a sua libertação lembrou-se dos que deixara para sempre sobre o rochedo.
GÉRARD DE NERVAL
GÉRARD DE NERVAL
Transformação (Sociedade Espírita de paris. Médium: Sra. Costel)
Venho falar-te daquilo que mais importa, nesta época de crise e de transformação. No momento em que as nações revestem roupagem viril; no momento em que o Céu desvelado vos mostra, vagando nos espaços infinitos, os Espíritos daqueles que pensáveis dispersos como moléculas ou servindo de pasto aos vermes; neste momento solene, é preciso que, armado de fé, o homem não marche tateante nas trevas do personalismo e do materialismo. Como outrora os pastores, guiados por uma estrela, vinham adorar o Menino-Deus, é preciso que o homem, guiado pela brilhante aurora do Espiritismo, marche, enfim, para a Terra Prometida da liberdade e do amor. É preciso que, compreendendo o grande mistério, ele saiba que a finalidade harmoniosa da Natureza, seu ritmo admirável, são os modelos da Humanidade. Nesta espantosa diversidade que confunde os Espíritos, distingui a perfeita similitude das relações entre as coisas criadas e os seres criados, e que essa poderosa harmonia vos leve a todos, homens de ação, poetas, artistas, operários, à união na qual devem fundir-se os esforços comuns durante a peregrinação da vida. Caravanas assaltadas pelas tempestades e pelas adversidades, estendei-vos as mãos amigas e marchai com os olhos voltados para o Deus justo, que recompensa ao cêntuplo aquele que tiver aliviado o fraco e o oprimido.
GÉORGES
GÉORGES
A separação do Espírito (Enviado pelo Sr. Sabò, de Bordéus)
Corpo de lama, foco de corrupção onde fermenta o lêvedo das paixões impuras. São seus órgãos que muitas vezes arrastam o Espírito a tomar parte nas sensações brutais que pertencem ao campo da matéria. Quando o princípio da vida orgânica se extingue por um dos mil acidentes aos quais está sujeito o corpo, o Espírito se desprende dos laços que o retinham em sua prisão fétida, e ei-lo livre no espaço.
Entretanto acontece que, quando ele é ignorante, e sobretudo quando é muito culpado, um véu espesso lhe oculta as belezas da morada onde vivem os bons Espíritos, e ele se vê só ou na companhia de Espíritos malvados e inferiores, num círculo que nem lhe permite ver onde está nem se lembrar de onde vem. Então sente-se inquieto, sofredor, em mal-estar, até que, num tempo mais ou menos longo, seus irmãos, os Espíritos, vêm esclarecê-lo quanto a sua posição e lhe abrem os olhos para que se lembre do mundo dos Espíritos que habitou, bem como dos diversos planetas onde sofrerá suas diversas encarnações. Se a sua última encarnação foi bem conduzida, ela lhe abre as portas dos mundos superiores. Se foi inútil e cheia de iniquidades, ele é punido pelo remorso, e depois que o Espírito se curvou à cólera de Deus por seu arrependimento e pela prece de seus irmãos, recomeça a viver, o que não é uma felicidade, mas um castigo ou uma provação.
FERDINAND
Espírito familiar.
Entretanto acontece que, quando ele é ignorante, e sobretudo quando é muito culpado, um véu espesso lhe oculta as belezas da morada onde vivem os bons Espíritos, e ele se vê só ou na companhia de Espíritos malvados e inferiores, num círculo que nem lhe permite ver onde está nem se lembrar de onde vem. Então sente-se inquieto, sofredor, em mal-estar, até que, num tempo mais ou menos longo, seus irmãos, os Espíritos, vêm esclarecê-lo quanto a sua posição e lhe abrem os olhos para que se lembre do mundo dos Espíritos que habitou, bem como dos diversos planetas onde sofrerá suas diversas encarnações. Se a sua última encarnação foi bem conduzida, ela lhe abre as portas dos mundos superiores. Se foi inútil e cheia de iniquidades, ele é punido pelo remorso, e depois que o Espírito se curvou à cólera de Deus por seu arrependimento e pela prece de seus irmãos, recomeça a viver, o que não é uma felicidade, mas um castigo ou uma provação.
FERDINAND
Espírito familiar.