Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Setembro



O estilo é o homem

Polêmica entre vários espíritas

(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS)

Na sessão da Sociedade, de 19 de julho último, o Espírito de Lamennais deu espontaneamente a dissertação que segue, sobre o aforismo de Buffon: O estilo é o homem, por intermédio do médium Sr. A. Didier. Julgando-se atacado, Buffon replicou, alguns dias depois, por intermédio do Sr. d’Ambel. Depois, sucessivamente, o Visconde Delaunay (Sra. Delphine de Girardin), Bernardin de Saint-Pierre e outros entraram na liça. É esta polêmica, tão curiosa quanto instrutiva, que reproduzimos na íntegra. Notar-se-á que nem foi provocada nem premeditada e que cada Espírito veio espontaneamente dela participar. Lamennais abriu a discussão e os outros o seguiram.


DISSERTAÇÃO DE LAMENNAIS
(MÉDIUM: SR. A. DIDIER)


Há no homem um fenômeno muito estranho, a que chamo o fenômeno dos contrastes: falamos, antes de tudo, das naturezas de escol. Eis o fato: Encontrareis no mundo Espíritos cujas obras poderosas contrastam estranhamente com a vida privada e os hábitos de seus autores. Disse o Sr. Buffon: O estilo é o homem. Infelizmente esse grão-senhor do estilo e da elegância viu bem todos os autores através de si mesmo. Aquilo que podia perfeitamente aplicar-se a ele está longe de ser aplicado a todos os outros escritores. Tomamos aqui o vocábulo estilo no sentido mais amplo e na sua mais larga acepção. Em nossa opinião, o estilo será a maneira elevada, a forma mais pura pela qual o homem apresentará suas idéias. Todo o gênio humano está assim, pois, diante de nós e contemplamos de um golpe de vista todas as obras da inteligência humana; poesia na arte, na literatura e na ciência. Longe de dizer como Buffon:O estilo é o homem, diremos, talvez de maneira menos concisa, menos formulada, que o homem, por sua natureza mutável, difusa, contrariante e revoltada, muitas vezes escreve contrariamente à sua natureza primeira, às suas primitivas inspirações; direi mesmo mais, às suas crenças.

Muitas vezes, lendo as obras de alguns dos grandes gênios de um ou de outro século, nós nos dizemos: Que pureza! Que sensibilidade! Que profunda crença no progresso! Que grandeza! Depois se sabe que o autor, longe de ser o autor moral de suas obras, é apenas o autor material, imbuído de prejuízos e de idéias preconcebidas. Aí está um grande fenômeno, não apenas humano, mas espírita.

Muito freqüentemente, pois, o homem não se reflete em suas obras. Diremos, também, quantos poetas debilitados e embrutecidos, quantos artistas desiludidos sentem, de repente, uma centelha divina por vezes iluminar-lhes a inteligência! Ah! É que então o homem ouve outra voz que não a dele próprio; escuta aquilo que o profeta Isaías chamava o pequeno sopro, e que nós chamamos os Espíritos. Sim. Eles sentem em si essa voz sagrada, mas esquecem Deus e a sua luz e a atribuem a si mesmos; recebem a graça na arte como outros a recebem na fé e, algumas vezes, ela toca aqueles que pretendem renegá-la.

LAMENNAIS


Réplica de Buffon (Médium: Sr. D'Ambel)

Disseram que fui um gentil-homem das letras e que meu estilo, esticado com quatro alfinetes, cheirava a pólvora e a tabaco da Espanha. Não é a consagração mais certa dessa verdade: O estilo é o homem? Embora tenham exagerado um pouco, representando-me com a espada ao lado e a pena à mão, confesso que gostava das belas coisas, das roupas lantejoula-das, das rendas e as vestes vistosas, numa palavra, de tudo quanto era elegante e delicado. É, pois, muito natural que fosse sempre elegante; razão por que meu estilo traz um cunho de bom tom, esse perfume de boa companhia que se encontra igualmente em nossa grande Sévigné. Que quereis? Eu sempre preferi as ruelles e os boudoirs os cabarés e às balbúrdias de baixa categoria. Permitir-me-eis, pois, a despeito da opinião emitida por vosso contemporâneo Lamennais, manter meu judicioso aforismo, apoiando-o com alguns exemplos tomados entre os vossos autores e filósofos modernos.

Uma das desgraças de vosso tempo é que muitos fizeram oficio da pena. Mas deixemos esses artistas da pena que, como os artistas da palavra, escrevem indiferentemente pró ou contra tal idéia, conforme são pagos e gritam, conforme o tempo: Viva o rei! Viva a Liga! Deixemo-los. Esses, para mim, não são autores sérios.

Vejamos, padre. Não vos ofendais se tomo a vós mesmo como exemplo. Vossa vida mal assentada não se reflete sempre em vossas obras? E da Indiferença em matéria de religião às Palavras de um crente, que contraste, como dizeis! Não obstante, vosso tom doutoral é tão cortante, tão absoluto, numa como noutra dessas obras. Sois bilioso, padre, concordai, e destilais vossa bile em amargos lamentos em todas as belas páginas que deixastes. Em sobrecasaca abotoada, como sotaina, ficastes desclassificado, meu pobre Lamennais. Vejamos não vos zangueis mas convinde comigo que o estilo é o homem.

Se de Lamennais passo a Scribe, o homem feliz se reflete mas tranqüilas e pacificas comédias de costumes. Ele é alegre, feliz e sensível: semeia a sensibilidade, a alegria e a felicidade em suas obras. Nele jamais o drama, jamais o sangue: apenas alguns duelos sem perigo, para punir o traidor e o culpado.

Vede a seguir Eugène Sue, autor dos Mistérios de Paris. É forte como o seu príncipe Rodolfo e, como ele, aperta na luva amarela a mão calosa do operário; como ele, é o advogado das causas populares.

Vede o vosso Dumas vagabundo dissipando a vida e a inteligência; indo do polo sul ao polo norte tão facilmente quanto seus famosos mosqueteiros; fazendo-se conquistador com Garibaldi e indo da intimidade do Duque de Orléans às dos mendigos napolitanos; fazendo romances com a História e pondo a História em romances.

Vede as obras orgulhosas de Victor Hugo, esse tipo do orgulho encarnado. Eu, eu, diz Hugo poeta; eu, eu, diz Hugo em seu rochedo de Jersey.

Vede Murger, esse cantor dos costumes fáceis, representando conscientemente seu papel nessa boêmia que cantou. Vede Nerval, de cores estranhas, de estilo colorido e solto, fazendo fantasia com sua vida, como o fez com sua pena. Quantos deixo, e dos melhores, como Soulié e Balzac, cujas vidas e obras seguem vias paralelas. Mas creio que estes exemplos bastarão para não mais repelirdes de modo tão absoluto o meu aforismo:

O estilo é o homem.

Caro padre, não teríeis confundido a forma e o fundo, o estilo e o pensamento? Mesmo assim, tudo permanece ligado.


BUFFON


Perguntas a Buffon a propósito de sua comunicação

Agradecemos a comunicação espiritual que tivestes a bondade de dar. Mas há algo que nos admira: é que estais muito ao corrente dos menores detalhes de nossa literatura, apreciando com notável justeza obras e autores. Então ainda vos ocupais do que se passa na Terra para isso conhecer? Ledes, pois, tudo quanto se publica? Tende a bondade de dar uma explicação, que será muito útil à nossa instrução.

Não necessitamos de muito tempo para ler e apreciar: num golpe de vista percebemos o conjunto das obras que nos atraem a atenção. Todos, tantos que somos, ocupamo-nos com interesse do vosso caro grupinho e não acreditaríeis quanto aqueles a quem chamais homens eminentes seguem com benevolência os progressos do Espiritismo. Assim, podeis pensar quanto me senti feliz por ver meu nome pronunciado por um de vossos fiéis Espíritos, Lamennais, e com que satisfação aproveitei a ocasião de me comunicar convosco. Realmente, quando fui posto em causa em vossa última sessão, recebi, por assim dizer, o contra-golpe do vosso pensamento. E não querendo que a verdade que eu havia proclamado em meus escritos fosse derrubada sem ser defendida, pedi a Erasto que me emprestasse seu médium para responder às asserções de Lamennais. Por outro lado, deveis compreender que cada um de nós fique fiél às suas preferências terrenas. Eis porque nós, escritores, estamos atentos ao progresso realizado pelos autores vivos, ou que estes pensam realizar na literatura. Assim como os Jouffroy, os La-roque, os la Romiguière se preocupam com a Filosofia, e os Lavoisier, os Berzélius, os Thenard com a Química, cada um cultiva seu passatempo e se recorda com amor de seus trabalhos, acompanhando com olhar inquieto o que fazem seus sucessores.

Em poucas palavras apreciastes vários escritores contemporâneos, mortos ou vivos. Seríamos muito reconhecidos se sobre alguns nos désseis uma apreciação um pouco mais desenvolvida. Seria um trabalho importante, multo útil para nós.


Para começar, pediríamos que falásseis de Bernardin de Saint-Pierre e, sobretudo, de seu Paulo e Virgínia, cuja leitura condenastes e que, entretanto, tornou-se uma das obras mais populares.

Não posso aqui empreender o desenvolvimento crítico das obras de Bernardin de Saint-Pierre. Mas, quanto à minha apreciação de então, posso confessá-lo hoje: eu era como o Sr. Josse, um tanto meticuloso; numa palavra, fiel ao Espírito de confraternização literária e difamava o mais que podia um importuno e importante concorrente. Mais tarde vos darei minha apreciação verdadeira sobre esse eminente escritor, caso um Espírito realmente crítico, como Merle ou Geoffroy não se encarregue de o fazer.

BUFFON


Defesa de Lamennais pelo Visconde Delaunay (Médium: Sr. D'Ambel)

NOTA: Na conversa havida na Sociedade sobre as comunicações precedentes, o nome da Senhora de Girardin foi pronunciado, a propósito do assunto em discussão, embora não tenha sido mencionado pelos Espíritos interlocutores. É o que explica o começo de nova intervenção.

Vós me pusestes ligeiramente em causa nas últimas sessões, senhores Espíritas, e creio que me destes o direito, como se diz no Palácio, de intervir nos debates. Não foi sem prazer que ouvi a profunda dissertação de Lamennais e a resposta um pouco viva do Sr. de Buffon. Mas falta uma conclusão a esse passe de armas. Assim, intervenho e me erijo em juiz de campo, por minha autoridade privada. *Ailás, pedíeis um crítico. Respondo-vos: prenez mon ours. Porque, se vos lembrais, em vida participei, de maneira considerada magistral, desse posto temido de crítico militante. Agrada-me imensamente voltar ao terreno amado. Assim, pois, era uma vez.., mas, não: deixemos lã as banalidades do gênero e entremos seriamente na matéria.

Senhor de Buffon, vós manejais lindamente o epigrama; vê-se que vindes do grande século. Mas, por mais elegante escritor que sejais, um visconde de minha raça não teme levantar vossa luva e cruzar a pena convosco. Vamos, meu gentil-homem! fostes muito duro para esse pobre Lamennais, que tratastes como desclassificado! É culpa desse gênio transviado se, depois de haver escrito com mão de mestre esse estudo esplêndido que lhe censurastes, se voltou para outras regiões, para outras crenças? Certamente as páginas da Indiferença em matéria de religião seriam assinadas com ambas as mãos pelos melhores prosadores da Igreja; mas se essas páginas ficaram de pé quando o padre foi desarvorado, não reconheceis a causa, vós tão rigoroso? Ah! olhal Roma e lembrai-vos de seus costumes dissolutos e tereis a chave dessa reviravolta que vos espantou. Ora! Roma está tão longe de Paris!


Os filósofos, os pesquisadores do pensamento, todos esses rudes exploradores do eu psicológico jamais devem ser confundidos com os escritores da pura forma. Estes escrevem para o prazer do público, aqueles para a Ciência profunda; estes últimos só têm preocupação com a verdade; os outros não se gabam de ser lógicos: fogem à uniformidade. Em suma, o que buscam é o que vós mesmos buscáveis, meu belo senhor, ou seja a voga, a popularidade, o sucesso, que se resumem em belos escudos bem sonantes. Aliás, salvo isto, vossa resposta espirituosa é muito verdadeira para que eu não a aplaudisse de todo o coração. Apenas aquilo pelo qual tomais o indivíduo responsável, eu passo a responsabilidade ao meio social. Enfim, eu tinha que defender meu contemporâneo que, vós bem o sabeis, nem andou por ruelles, nem cabarés, nem toucadores, nem através da confusão de baixo nível. Do alto de sua mansarda, sua única distração era dar pedacinhos de pão aos pardais barulhentos, que o vinham visitar em sua cela da Rua de Rivoli. Mas sua suprema alegria era sentar-se à mesa cambaia e fazer a pena voar rápida sobre as folhas virgens de um caderno de papel.


Oh! certamente teve razão para se lamentar esse grande Espírito doente que, para evitar a sujeira de um século material, havia esposado a Igreja Católica e que, depois de casado com ela, encontrou a sujeira sentada nos degraus do altar. É falta sua se, lançado jovem entre as mãos dos clericais, não pôde sondar a profundeza do abismo onde o precipitavam? Sim, ele tem razão de soltar seus lamentos amargos, como dizeis. Não é a imagem viva de uma educação mal dirigida e de uma vocação imposta?


Padre renegado! Sabeis quantos burgueses ineptos, por vezes, lhe atiraram essa injúria ao rosto, porque ele obedeceu às suas convicções e ao impulso de sua consciência? Ah! crede-me, feliz naturalista: enquanto corríeis às belas e a vossa pena, célebre pela conquista do cavalo, era lisonjeada por lindas pecadoras e aplaudida por mãos perfumadas, ele penosamente subia o seu Gólgota! Porque, como o Cristo, bebeu seu cálice até o fim e carregou rudemente a sua cruz!


E vós, Senhor de Buffon, não ofereceis um pouco o flanco à crítica? Vejamos. Ora essa! vosso estilo é pimpão como vós e como vós todo vestido de ouropéis! Mas, também, que intrépido viajante não fostes! Visitastes países!.., não, bibliotecas desconhecidas! Que infatigável pioneiro! Varastes florestas!... não. Manuscritos inéditos e meditados! Concordo que cobristes os vossos despojos opimos com um verniz brilhante, que é bem vosso. Mas de todos esses volumes empilhados que é o que há de seriamente vosso como estudo, como fundo? A história do cão, do gato ou talvez do cavalo? Ah! Lamennais escreveu menos que vós, mas tudo é bem dele, Senhor de Buffon: a forma e o fundo. Outro dia vos acusavam de haver desconhecido o valor das obras do bom Bernadin de Saint-Pierre. Desculpastes-vos um tanto jesuiticamente; mas não dissestes que se recusastes vitalidade a Paulo e Virgínia é que em obra desse gênero, ainda não estáveis na Grande Scudéri, no Grande Cyrus e no pais do “Tendre”, enfim, em todos esses trastes sentimentais, que fazem tanto bem hoje aos alfarrabistas, esses negociantes de roupas da literatura. Ei! Senhor de Buffon, começais a cair bastante baixo na estima desses senhores, ao passo que o utopista Bernardin conservou uma quota elevada. A Paz Universal, uma utopia! Paulo e Virgínia, uma utopia! Vamos! vosso julgamento foi esmagado pela opinião pública. Não falemos mais nisto!

Palavra, tanto pior! Pusestes a pena em minha mão; uso-a e abuso. Isto vos ensinará, caros Espíritas, a vos inquietardes com um sabichão aposentado como eu, e a pedir noticias minhas. Esse caro Scribe nos chegou de todo estupefato com seus últimos meio-sucessos; queria que nos erigíssemos em Academia; falta-lhe a palma verde; era tão feliz na Terra que ainda hesita em sentar-se em sua nova posição. Ora, ele consolar-se-á vendo a representação de suas peças e por algumas semanas não aparecerá.

Ultimamente Gérard de Nerval vos deu uma encantadora fantasia inacabada. Terminá-la-á esse caprichoso Espírito? Quem sabe! Contudo, queria concluir que o Verdadeiro do sábio não estando no verdadeiro, o Belo do pintor não estando no belo, e a coragem da criança sendo mal recompensada, ele fez muito bem em seguir os desvios de sua cara Fantasia.


VISCONDE DELAUNAY

(DELPHINE DE GIRARDIN)

NOTA:Ver a seguir Fantasia, por Gérard de Nerval.



Resposta de Buffon ao Visconde Delaunay

Convidais-me a voltar a um debate do qual muito rapidamente me livrei por não precisar insistir no que disse. E confesso que prefiro ficar no meio aprazível onde me encontrava a semelhante agitação. Em meu tempo a gente trocava uma galanteria mais ou menos ateniense; mas hoje, peste! Vai-se a golpes de chicote chumbado. Obrigado! eu me retiro: tenho mais do que preciso; pois ainda estou todo marcado pelos golpes do Visconde. Concordareis que, embora me tenham sido generosamente, muito generosamente administrados pela graciosa mão de uma mulher, não são menos cortantes. Ah! senhora vós me lembrastes a caridade de maneira muito pouco caridosa. Visconde! sois muito temível: entrego as armas e humildemente reconheço meus erros. Concordo que Bernardin de Saint-Pierre foi um grande filósofo. Que digo eu? Encontrou a pedra filosofal e eu não sou, como não fui, mais que um indigesto compilador! Agora estais contente? Vejamos, sede gentil e de agora em diante não me humilheis assim, sem o que obrigareis um gentil-homem, amigo do nosso grupo parisiense, a abandonar a preça, o que não faria sem grande pesar, porque teima em aproveitar, também ele, os ensinamentos espíritas e conhecer o. que se passa aqui.

E atentai. Hoje ouvi o relato de fenômenos tão estranhos, que em meu tempo teriam queimado vivos, como feiticeiros, os atores e até os narradores desses acontecimentos. Aqui, entre nós, serão mesmo fenômenos espíritas? A imaginação de um lado, o interesse do outro, não valem alguma coisa? Eu não juraria. Que pensa o espirituoso Visconde? Quanto a mim, lavo as mãos. Aliás, se creio no meu senso de naturalista, por mais que me chamem naturalista de gabinete, os fenômenos dessa ordem só devem ocorrer raramente. Quereis minha opinião sobre o caso de Havana? Ora! lã existe uma quadrilha de gente mal intencionada, que tem todo o interesse em desacreditar a propriedade, para que seja vendida a preço vil e proprietários medrosos e tímidos, espantados com uma fantasmagoria muito bem montada. Quanto ao lagarto: lembro-me bem de lhe haver escrito a história, mas confesso jamais os ter encontrado diplomados pela Faculdade de Medicina. Há aqui um médium de cérebro fraco, que tomou de sua imaginação fatos que, em suma, não tinham nenhuma realidade.

BUFFON



NOTA: Este último parágrafo alude a dois fatos contados na mesma sessão, cujo relato, por falta de espaço, virá em outro número. A respeito, Buffon dá sua opinião espontânea.


Resposta de Bernardin de Saint-Pierre (Médium: Sra. Costel)

Venho eu, Bernardin de Saint-Pierre, meter-me num debate onde meu nome foi citado, discutido e defendido. Não posso concordar com meu espirituoso defensor: o Sr. de Buffon tem um valor outro, que não o de um compilador eloqüente. Que importam os erros literários de um julgamento sempre tão fino e delicado para as coisas da Natureza e que não foi desviado senão pela rivalidade e o ciúme profissional?

Não obstante, sou de opinião inteiramente contrária à sua e, como Lamennais, digo: Não, o estilo não é o homem. Disto sou uma prova eloqüente, eu, cuja sensibilidade estava inteiramente no cérebro e que inventava o que os outros sentem. Do outro lado da vida julgam-se com frieza as coisas da vida terrena, as coisas acabadas. Não mereço toda a reputação literária de que gozei. Paulo e Virginia, se aparecesse hoje seria facilmente eclipsado por uma quantidade de encantadoras produções que passam inapercebidas. É que o progresso de vossa época é grande, mais do que vós, contemporâneos, o podeis julgar. Tudo se eleva: Ciências, literatura, arte social; mas tudo se eleva como o nível do mar na maré montante, e os marinheiros que estão ao largo não o podem julgar. Estais ao largo.

Volto ao Sr. de Buffon cujo talento louvo e cuja censura esqueço, e também ao meu espirituoso defensor, que sabe descobrir todas as verdades, seus sentidos espirituais, e que lhes dá uma cor paradoxal. Depois de vos haver provado que os literatos mortos não conservam nenhum fel, dirijo-vos todos os meus agradecimentos e, também, meu vivo desejo de poder ser-vos útil.

BERNARDIN de SAINT-PIERRE


Lamennais a Buffon (Médium: Sr. A. Didier)

É preciso prestar muita atenção, Senhor de Buffon: eu não concluí absolutamente de maneira literária e humana; encarei a questão muito diversamente e o que deduzi foi o seguinte: “Que a inspiração humana muitas vezes é divina”. Não havia aí nenhuma matéria para controvérsia. Agora não mais escrevo com essa pretensão, e podeis vê-lo mesmo em minhas reflexões com referência às influências da arte sobre o coração e o cérebro (*). Evitei o mundo e as personalidades; jamais voltemos ao passado; olhemos o futuro. Aos homens compete julgar e discutir as nossas obras. A nós, lhes dar outras, todas emanando desta idéia fundamental: Espiritismo. Mas para nós: adeus ao mundo!

LAMENNAIS



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* Alusão a uma série de comunicações de Lamennais. sob o titulo de «Meditações filosóficas e religiosas», que publicaremos no próximo número.

Fantasia (Médium: Sr. A. Didier)
NOTA:Lembramos que Buffon, falando dos autores contemporâneos, disse: “Vede Gérard de Nerval, de cores estranhas, de estilo colorido e solto, fazendo fantasia com sua vida, como o fez com sua pena.” Em vez de discutir, Gérard de Nerval respondeu a esse ataque, ditando espontaneamente o trecho seguinte, ao qual ele próprio deu o titulo de Fantasia. Escreveu em duas sessões e foi no intervalo que ocorreu a resposta do Visconde Delaunay a Buffon. Eis por que disse não saber se esse Espírito caprichoso o acabaria e deu a conclusão provável.


Nós não o pusemos em ordem cronológica, para não interromper a série de ataques e réplicas, pois Gérard de Nerval não entrou nos debates senão por esta alegoria filosófica.


“Um dia, numa de minhas fantasias, não sei como cheguei perto do mar, num pequeno porto pouco conhecido. Que importa! Por algumas horas eu havia abandonado meus companheiros de viagem e pude entregar-me à mais tempestuosa fantasia, que é o termo consagrado às minhas evoluções cerebrais. Contudo, não se deve crer que a Fantasia seja sempre uma mocinha louca, entregue às excentricidades do pensamento. Muitas vezes a pobrezinha ri para não chorar e sonha para não cair. Por vezes seu coração está ébrio de amor e de curiosidade, quando sua cabeça se perde nas nuvens. Talvez seja porque muito ama, essa pobre imaginação. Deixai-a pois vagar, pois ama e admira.

Assim, eu estava com ela um dia, contemplando o mar, cujo limite é o céu, quando, em meio à solidão a dois, avistei um velhinho condecorado, palavra! Tivera tempo de o ser, felizmente, pois estava multo alquebrado; mas seu ar era tão positivo, seus movimentos tão regulares, que essa sabedoria e essa harmonia em sua maneira de andar substituíam os nervos e os músculos fatigados. Sentou-se, examinou bem o terreno, verificou se não seria picado por alguns desses bichinhos que formigam debaixo da areia da praia; depois deixou de lado sua bengala de castão de ouro. Imaginai o meu espanto quando colocou os óculos. Óculos! para ver a imensidade! Fantasia deu um salto terrível e quis atirar-se sobre ele. Consegui acalmá-la com muito esforço. Aproximei-me, oculto por uma rocha e quis escutar bem: “Eis, então, a imagem de nossa vida! o grande *todo, ei-lo! Profunda verdade! Eis, assim, nossas existências, elevadas e baixas, profundas e mesquinhas, revoltadas e calmas! Ó vagas! vagas! Grande flutuação universal!“ Depois o velhinho só falou para si mesmo. Até então Fantasia tinha ficado sossegada, ouvindo religiosamente; mas não suportou mais e soltou uma enorme gargalhada. Só tive tempo de tomá-la nos braços e abandonamos o velhinho. “Na verdade”, dizia Fantasia, “ele deve ser membro de alguma sociedade científica.” Depois de ter corrido por algum tempo, percebemos uma tela de pintor, representando uma ponta de penedia e o começo do mar. Olhei, ou antes, olhamos a tela. Provavelmente o pintor procurava um outro sítio nas proximidades. Após ter olhado a tela; olhei a Natureza e assim alternativamente. Fantasia quis rasgar a tela deu-me trabalho contê-la. “Como !“ disse-me ela. “São sete horas da manhã e vejo nesta tela um efeito que não tem nome !“ Compreendi perfeitamente o que Fantasia me explicava. Realmente ela tem senso, essa garota maluca, dizia-me eu, querendo afastar-me. Ah! o artista escondido tinha seguido as menores nuanças de minha expressão; quando seus olhos encontraram os meus, houve um choque terrível, um choque elétrico. Ele me lançou um desses olhares soberbos, que parecem dizer: “Vermezinho!” Desta vez Fantasia ficou aterrada por tanta insolência e o viu retomar a palheta com estupefação. “Tu não teus a palheta de Lorrain”, disse-lhe ela sorrindo.


Depois, voltando-se para mim: “Já vimos o verdadeiro e o belo”, disse ela, “procuremos agora um pouco o bem.” Tendo subido nas penedias, avistei um menino, um filho de pescador, que poderia ter uns treze ou quatorze anos; brincava com um cão, perseguindo-se um ao outro, este latindo, aquele, rindo. De súbito ouvi no ar uns gritos que pareciam vir de baixo da penedia; imediatamente o menino atirou-se, rápido, por uma trilha que levava ao mar. A despeito de todo o seu ardor, Fantasia teve dificuldade em o seguir. Quando cheguei lá em baixo da falésia, vi um espetáculo horrível, o menino lutava contra as vagas e trazia para a praia um infeliz que se debatia contra o seu salvador. Eu quis me atirar, mas o menino gritou que nada fizesse; e, depois de alguns instantes, magoado, triturado e trêmulo, sala com o homem que havia salvo. Era, conforme todas as aparências, um banhista que se tinha aventurado muito ao largo e havia caldo numa corrente.

Continuarei de outra vez.


GÉRARD DE NERVAL


NOTA:Foi nesse intervalo que ocorreu a comunicação do Visconde Delaunay transcrita atrás.


Continuação

Depois de alguns instantes, pouco a pouco, o afogado voltou à vida, mas apenas para dizer: “É incrível! eu que nado tão bem !“ Viu perfeitamente quem o havia salvo, mas, olhando-me, acrescentou: “Ufa! escapei por um tris! Há certos momentos, sabeis, em que a gente perde a cabeça; não são as forças que nos traem... mas.. - mas”... Vendo que não podia continuar, apressei-me em lhe dizer: “Enfim, graças a este bravo rapaz, eis-vos salvo.” Ele olhou o menino, que o examinava com o ar mais indiferente do mundo, com as mãos na cintura. O senhor pôs-se a sorrir; e disse: “Contudo é verdade.” Depois me saudou. Fantasia quis correr atrás dele. “Ora !“ disse ela contendo-se; “de fato é muito natural.” O menino o viu afastar-se, depois voltou ao seu cão. Desta vez Fantasia chorou.

GÉRARD DE NERVAL




Um membro da Sociedade, tendo feito notar que faltava a conclusão, Gérard acrescentou estas palavras:

“Estou, de todo o coração, disposto para outro ditado. Mas quanto a este, Fantasia me diz que pare aqui. Talvez esteja errada. Ela é tão caprichosa !“

A conclusão havia sido dada antecipadamente pelo Visconde Delaunay.


Conclusão de Erasto

Depois do torneio literário e filosófico ocorrido nas últimas sessões de vossa Sociedade, ao qual assistimos com verdadeira satisfação, julgo necessário, do ponto de vista puramente espírita, transmitir-vos algumas reflexões, que me foram suscitadas por esse interessante debate, no qual, aliás, de modo algum quero intervir. Mas de tudo, deixai que vos diga que se vossa reunião foi animada, esta animação não foi nada relativamente à que reinava entre os grupos numerosos de Espíritos eminentes, que essas sessões, quase acadêmicas, tinham atraído. Ah! certamente se vos tivésseis tornado videntes instantaneamente, teríeis ficado surpresos e confusos ante esse areópago superior. Mas não é minha intenção desvendar-vos hoje o que entre nós se passou: meu objetivo é unicamente vos trazer algumas palavras sobre o proveito que deveis tirar dessa discussão, do ponto de vista de vossa instrução espírita.


Conheceis bem Lamennais e, certamente, apreciastes quanto esse filósofo continuou amante da idéia abstrata. Sem dúvida notastes quanto ele acompanha com persistência e devo dizê-lo com talento, suas teorias filosóficas e religiosas. Logicamente daí deveis concluir que o ser pessoal pensante prossegue, mesmo no além-túmulo, seus estudos e trabalhos e que, por meio dessa lucidez, que é o apanágio particular dos Espíritos, comparando seu pensamento espiritual com o seu pensamento humano, deve suprimir tudo quanto o obscurecia materialmente. Ora! o que é verdadeiro para Lamennais, é igualmente verdadeiro para os outros; e cada um, no vasto domínio da erraticidade, conserva suas aptidões e sua originalidade.


Buffon, Gérard de Nerval, o Visconde Delaunay, Bernardin de Saint-Pierre conservam, como Lamennais, os gostos e a forma literária que notáveis neles, quando vivos. Creio útil chamar vossa atenção sobre essa condição do nosso mundo de além-túmulo, para que não venhais a crer que a gente abandona instantaneamente as suas inclinações, costumes e paixões, ao despir as vestes humanas. Na Terra, os Espíritos são como prisioneiros que a morte deve libertar. Mas assim como aquele que está nas grades tem as mesmas propensões, conserva a mesma individualidade quando em liberdade, também os Espíritos conservam suas tendências, sua originalidade, suas aptidões, ao chegar entre nós. Contudo, salvo aqueles que passaram, não por uma vida de trabalho e de provas, mas por uma vida de castigo, como os idiotas, os cretinos e os loucos. Para estes, as faculdades inteligentes, mantidas em estado latente, não despertam senão à saída da prisão terrena. Isto, como pensais, deve entender-se do mundo espírita inferior ou médio, e não dos Espíritos elevados libertos da influência corpórea.



Ides tomar as vossas férias, senhores associados. Permiti-me vos dirigir algumas palavras amigas antes de nos separarmos por algum tempo. Creio que a doutrina consoladora que viemos vos ensinar só conta entre vós com adeptos fervorosos. Eis por que, como é essencial que cada um se submeta à lei do progresso, julgo dever aconselhar-vos a examinar perante vós, que proveito tirastes pessoalmente de nossos trabalhos espíritas, e que melhora moral disso resultou reciprocamente em vossos meios. Porque, sabeis, não basta dizer: Sou Espírita. E encerrar esta crença no seu íntimo. O que vos é indispensável saber é se vossos atos são conforme às prescrições de vossa nova fé, que é e nunca seria demais repetir Amor e Caridade. Que Deus seja convosco.

ERASTO



Palestras familiares de além-túmulo

A pena de Talião
(Sociedade, 9 de agosto de 1861. Médium: Sr. D'Ambel)

Um correspondente da Sociedade lhe envia a nota seguinte:

“O Sr. Antonio B..., um de meus parentes, escritor de mérito, estimado por seus concidadãos, tendo desempenhado com distinção e integridade funções públicas na Lombardia, há cerca de dez anos e em consequência de uma apoplexia, caiu num estado de morte aparente que, infelizmente, e como por vezes acontece, foi tomado como de morte real. O erro era muito mais fácil por julgaram perceber no corpo sinais de decomposição. Quinze dias após o enterro, uma circunstância fortuita levou a família a pedir a exumação. Tratava-se de um medalhão esquecido no caixão por descuido. Grande, porém, foi o estupor dos assistentes quando, ao abri-lo, reconheceu-se que o corpo tinha mudado de posição; tinha-se virado e, coisa horrível, uma das mãos fora parcialmente comida pelo defunto. Ficou, então, manifesto que o infeliz Antonio B... tinha sido enterrado vivo; devia ter sucumbido nas garras do desespero e da fome. Seja como for, deste triste acontecimento e de suas consequências morais não seria interessante, do ponto de vista espírita e psicológico, fazer um inquérito no mundo dos Espíritos?”

1. (Evocação de Antonio B...) ─ Que quereis de mim?

2. ─ Um de vossos parentes pediu-nos que vos evocássemos. Fazemo-lo com prazer, e sentir-nos-emos felizes se tiverdes a bondade de responder. ─ Sim, quero mesmo responder.

3. ─ Lembrai-vos das circunstâncias de vossa morte? ─ Ah! Claro que sim. Lembro-me. Por que despertar essa lembrança de castigo?

4. ─ É certo que fostes por descuido enterrado vivo? ─ Assim deveria ser, porque a morte aparente teve todas as características de morte real. Eu estava quase exangue. Não se deve atribuir a ninguém um fato previsto desde antes de meu nascimento.

5. ─ Se estas perguntas são de molde a vos causar sofrimento, devemos parar? ─ Não, continuai.

6. ─ Queríamos saber-vos feliz, pois deixastes a reputação de um homem decente. ─ Muito agradecido. Sei que orareis por mim. Tratarei de responder, mas se fracassar, um de vossos guias habituais me substituirá.

7. ─ Poderíeis descrever as sensações que experimentastes naquele terrível momento? ─ Oh! Que prova dolorosa! Sentir-se fechado entre quatro tábuas, de modo a não poder mover-me, nem mudar! Não poder chamar, a voz não ressoando num meio privado de ar. Oh! Que tortura a de um infeliz que em vão se esforça para respirar numa atmosfera insuficiente e desprovida de elemento respirável! Ah! Eu era como um condenado à garganta de um forno, exceto ao calor. Oh! A ninguém desejo semelhantes torturas! Não, a ninguém desejo um fim como o meu. Cruel punição de uma existência cruel e feroz! Não me pergunteis em que eu pensava. Eu mergulhava no passado e vagamente entrevia o futuro.

8. ─ Dizeis cruel punição de uma existência feroz, mas vossa reputação, até agora intacta, nada deixava supor tal situação. Podeis explicar isto? ─ Que é a duração de uma existência na eternidade? Por certo, tratei de agir bem na última encarnação, mas este fim tinha sido aceito por mim antes de voltar à Humanidade. Ah! Por que me interrogar sobre esse passado doloroso, que só eu conhecia, além dos Espíritos, ministros do Onipotente? Sabei, pois, já que é necessário dizer, que numa existência anterior eu havia emparedado viva uma mulher, a minha, num jazigo! Foi a pena de talião que tive de aplicar a mim! Olho por olho, dente por dente.

9. ─ Agradecemos a bondade de haver respondido às nossas perguntas e rogamos a Deus vos perdoe o passado em favor do mérito de vossa última existência. ─ Voltarei mais tarde. Aliás, o Espírito Erasto terá a bondade de completar.

REFLEXÕES DE LAMENNAIS SOBRE ESTA EVOCAÇÃO

Deus é bom! Mas, para chegar ao aperfeiçoamento, deve o homem sofrer as provas mais cruéis. Este infeliz viveu vários séculos durante sua desesperada agonia e, embora sua vida tenha sido honrada, esta prova deveria cumprir-se, pois a tinha escolhido.

REFLEXÕES DE ERASTO

O que deveis extrair deste ensino é que todas as vossas existências se ligam, e que nenhuma é independente das outras. As preocupações, os aborrecimentos, como as grandes dores que ferem os homens, são sempre as consequências de uma vida anterior, criminosa ou mal empregada. Contudo, devo dizer-vos que fins semelhantes ao de Antonio B... são raros, e se esse homem, cuja última existência foi isenta de censura, terminou desta maneira, é que ele próprio havia solicitado esse gênero de morte, a fim de abreviar o tempo de sua erraticidade e mais rapidamente atingir as esferas elevadas. Com efeito, após um período de perturbação e sofrimento moral para expiar ainda o seu crime espantoso, será perdoado e elevar-se-á a um mundo melhor, onde encontrará sua vítima, que o espera e que há muito o perdoou. Sabei, pois, tirar vosso proveito deste exemplo cruel, para suportar com paciência, ó meus caros espíritas, os sofrimentos corporais, os sofrimentos morais, e todas as pequenas misérias da vida.

P. ─ Que proveito pode tirar a Humanidade de semelhantes punições?

R. ─ Os castigos não são feitos para desenvolver a Humanidade, mas para castigar o indivíduo culpado. Com efeito, a Humanidade não tem nenhum interesse em ver sofrer um dos seus. Aqui a punição foi apropriada à falta. Por que os loucos? Por que os cretinos? Por que os paralíticos? Por que esses que morrem no fogo? Por que os que vivem anos nas torturas de uma longa agonia, sem poder viver nem morrer? Ah! Crede-me! Respeitai a vontade soberana e não busqueis sondar a razão dos desígnios providenciais. Sabei que Deus é justo e faz bem o que faz.

ERASTO

OBSERVAÇÃO: Não há neste fato um grande e terrível ensinamento? Assim a justiça de Deus atinge sempre o culpado, e por ser às vezes tardia, nem por isso deixa de seguir o seu curso. Não é eminentemente moral saber que se grandes culpados terminam a existência pacificamente, e muitas vezes na abundância dos bens terrenos, mais cedo ou mais tarde soará a hora da expiação? Penas de tal natureza se compreendem, não só porque de certo modo estão sob os nossos olhos, mas porque são lógicas. A gente crê nisto porque a razão o admite. Ora, perguntamos se esse quadro que o Espiritismo desenrola a cada instante aos nossos olhos, não é mais próprio para impressionar, para reter à beira do abismo, do que o medo das chamas eternas em que não acreditamos. Releiamos apenas as evocações publicadas nesta Revista e veremos que não há um só vício que não tenha o seu castigo, nem uma só virtude que não tenha sua recompensa, proporcionados ao mérito ou ao grau de culpabilidade, porque Deus leva em conta todas as circunstâncias que possam atenuar o mal ou aumentar o prêmio do bem.



Correspondência

Carta do Sr. Mathieu sobre Mediunidade das Aves

Paris, 11 de agosto de 1861

Senhor


Sou ainda eu quem escreve e, se o permitis, para prestar nova homenagem à verdade.

Só hoje li, no último número de vossa Revista, excelentes observações vossas sobre a pretensa mediunidade das aves e apresso-me em vo-lo agradecer, como um novo serviço prestado à causa que ambos defendemos.

Várias exibições de aves maravilhosas têm ocorrido nos últimos anos; e como eu conhecia o truque principal das habilidades executadas por esses interessantes voadores, ouvia com muita pena e pesar certos Espiritualistas, ou Espíritas, atribuírem essas proezas a uma ação mediúnica, o que devia fazer sorrir in petto, se assim me posso exprimir, os donos dessas aves. Mas o que eles não pareciam muito apressados em desmentir, venho desmentir por eles, já que me forneceis a ocasião, não para prejudicar a sua indústria, o que me pesaria, mas para impedir uma deplorável confusão entre os fatos que uma engenhosa paciência e uma certa habilidade de mãos produzem só neles e os que a intervenção dos Espíritos produz em nós.

Estais perfeitamente certo quando dizeis: “Essas aves fazem coisas que nem o homem mais inteligente, nem mesmo o sonâmbulo mais lúcido poderiam fazer; de onde se deve concluir que possuem faculdades intelectuais superiores ao homem, o que seria contrário às leis da Natureza”. Tal consideração deveria ter chamado a atenção às pessoas muito entusiastas, que não temem recorrer à faculdade mediúnica para explicar experiências que à primeira vista não compreendem. Mas, ah! os observadores frios e judiciosos ainda são muito raros e entre os homens honestos que acompanham os nossos estudos, há os que nem sempre sabem defender-se contra os arrastamentos da imaginação e os perigos da ilusão.

Ora, quereis que vos diga o que me foi comunicado a respeito dessas aves maravilhosas, das quais, juntos, admiramos urna noite uma mostra, se estais lembrado? Um de meus amigos, amante de todas as curiosidades possíveis, mostrou-me um dia uma comprida estante de madeira, na qual estavam colocados, - em grande número, pequenos cartões, uns ao lado dos outros. Nesses cartões estavam impressos palavras, números, figuras de baralho, etc. Disse-me havê-la comprado de um homem que exibia aves sábias e lhe vendeu, também, a maneira de a usar.

Então o meu amigo, tirando da estante diversos desses cartões, me fez notar que as bordas superiores e inferiores eram, uma maciça, outra formada por duas folhas, separadas por uma fenda quase imperceptível e, sobretudo, não visíveis à distância. Explicou-me que os cartões deviam ser colocados na estante, ora na fenda inferior, ora na superior, conforme se quisesse que a ave os tirasse da estante com o bico, ou não tocasse. A ave era previamente ensinada a atrair a si todos os cartões em que percebesse uma fenda. Parece que essa instrução preliminar lhe era dada por meio de grãos de milho miúdo, ou de qualquer outra gulodice, colocados na fenda em questão; ela acabava por adquirir o hábito de beliscar e, assim, fazer sair da estante todos os cartões fendidos que ai encontrasse, andando de costas.


Tal é, senhor, o engenhoso truque que meu amigo me deu a conhecer. Tudo me leva a crer seja isto comum a todas as pessoas que exploram a indústria das aves sábias. Resta a essas pessoas o mérito de treinar suas aves para esse manejo com muita paciência e, talvez, um pouco de jejum para as aves, bem entendido. Resta-lhes, ainda, salvar as aparências, com a maior habilidade possível, quer pelo compadrio, quer por hábil prestidigitação no manejo dos cartões, como no dos *accessários que entram em suas experiências.

Lamento assim revelar o mais importante de seus segredos. Mas, de uma parte, o público não verá com menos prazer aves tão bem ensinadas, para que não se deixe tomar como testemunha de coisas impossíveis; de outra parte não me era possível deixar por mais tempo ser aceita a opinião que conduz nada menos do que à profanação de nossos estudos. Em face a um interesse tão sagrado, creio que o silêncio complacente seria um escrúpulo exagerado. Se tal for a vossa opinião, senhor, tendes a liberdade de comunicar esta notícia aos vossos leitores.

Aceitai, etc.

MATHIEU



Sem dúvida estamos de acordo com o Sr. Mathieu e feliz por nos termos concordado sobre esta questão. Agradecemos-lhe os detalhes que teve a bondade de nos enviar, e cuja leitura satisfará aos nossos leitores. O Espiritismo é bastante rico em notáveis fatos autênticos, sem lhe admitir os que toquem o maravilhoso ou o impossível. Só um estudo sério e aprofundado da Ciência pode pôr em guarda as pessoas muito crédulas. Porque tal estudo, dando a chave dos fenômenos, lhes ensina os limites nos quais eles se podem produzir.


Dissemos que se as aves operassem seus prodígios com conhecimento de causa e pelo esforço da inteligência, fariam o que não podem fazer nem o homem mais inteligente nem o sonâmbulo mais lúcido. Isto nos lembra o sucessor do célebre *Munito, que vimos há vinte e cinco ou trinta anos, ganhar constantemente de seu parceiro no descartado e dar o total de uma soma antes que nós pudéssemos fazê-lo, operando. Ora, sem vaidade, nós nos julgamos um pouco mais forte no cálculo do que esse cão. Nisso havia, sem a menor dúvida, cartas preparadas, como no caso das aves. Quanto aos sonâmbulos, sem contradita, uns há que são bastante lúcidos para fazer coisas tão surpreendentes quanto as fazem esses interessantes animais, o que não impede que nossa proposição seja verdadeira. Sabe-se que a lucidez sonambúlica, mesmo a mais desenvolvida, é essencialmente variável e intermitente por sua natureza; que está subordinada a uma porção de circunstâncias e, sobretudo, à influência do meio ambiente; que muito raramente o sonâmbulo vê de modo instantâneo; que, por vezes, não vê num dado momento o que verá uma hora depois ou no dia seguinte; que o que vê com uma pessoa, não o verá com outra. Supondo haja nos animais uma faculdade análoga, ter-se-ia que admitir não sofram eles qualquer influência susceptível de os perturbar; que as tenham sempre, imediatamente, e vinte vezes por dia, se necessário, à sua disposição sem qualquer alteração. E é neste ponto que dizemos fazerem eles o que o mais lúcido sonâmbulo não pode fazer. O que caracteriza as manobras de prestidigitação é a precisão, a pontualidade, a instantaneidade, a repetição facultativa, coisas todas contrárias aos fenômenos puramente morais do sonambulismo e do Espiritismo, cujos efeitos sempre devem ser esperados e só raramente podem ser provocados.


Desde que os efeitos de que acabamos de falar sejam devidos a processos artificiais, nada provariam contra a mediunidade dos animais em geral.

Assim, a questão seria saber se neles há ou não a possibilidade de servirem de intermediários entre os Espíritos e os homens. Ora, a incompatibilidade de sua natureza, a esse respeito, está demonstrada pela dissertação de Erasto, publicada em nosso número de agosto e a do mesmo Espírito sobre o papel dos diuns nas comunicações, inserta no do mês de julho.


Carta do Sr. Jobard sobre os espíritas de Metz

Bruxelas, 18 de agosto de 1861


Meu caro mestre

Acabo de visitar os Espíritas de Metz, como visitastes os de Lião o ano passado. Mas, em vez de pobres operários, simples e iletrados, são condes, barões, coronéis, engenheiros militares, antigos alunos da Politécnica, sábios conhecidos por obras de grande mérito. Também eles me ofereceram um banquete, mas um banquete de pagão, que nada tinha de comum com os modestos ágapes dos primeiros cristãos. Também o Espírito de Lamennais rebateu essa arrogância nestes termos:



“Pobre humanidade! Juntais sempre os restos do meio em que viveis; materializais tudo, prova de que a lama ainda suja o vosso ser. Não vos faço censuras, mas uma simples observação. Sendo o vosso objetivo enfeitado de excelentes intenções, os caminhos que seguis não são condenáveis; se, ao lado de uma satisfação quase animal, pondes o desejo de a santificar e a enobrecer, certamente a pureza de vossos prazeres a centuplicará. Fora as boas palavras que vão estreitar vossa amizade; ao lado da lembrança dessa boa jornada, no qual o Espiritismo tem larga participação, não deixeis a mesa sem ter pensado que os bons Espíritos, que são os professores de vossas reuniões, fazem jus a uma idéia de reconhecimento”.


Que isto sirva de lição aos Lucullus, aos Trimalcions parisienses, que devoram num jantar a substância de cem famílias, pretendendo que Deus lhes deu os bens da terra para os gozar. Para gozar, seja; mas não para abusar, a ponto de alterar a saúde do corpo e do Espírito. Pergunto para que servem esses duplos, triplos e quádruplos serviços; essa crescente superfluidade dos mais delicados vinhos, aos quais parece Deus haver tirado o sabor por um milagre inverso do das bodas de Caná, e que muda em veneno para os que perdem a razão a ponto de se tornarem insensíveis às advertências de seu instinto animal? Quando o Espiritismo, espalhado nas altas classes da sociedade, só tivesse por efeito frenar a glutoneria e as orgias das mesas dos ricos, prestaria à sociedade um serviço imenso, que a Medicina oficial não pôde prestar, desde que os próprios médicos voluntariamente partilham desses excessos, que lhes fornecem mais doentes, mais estômagos a desimpedir, mais baços a desobstruir, mais gotosos a consolar, porque não sabem curá-los.


Direi, caro mestre, que encontrei em Metz casas da antiga nobreza, muito religiosas, cujas avós, mães, filhas e netos e até seus dirigentes espirituais, obtêm pela tiptologia ditados magníficos, posto que de ordem inferior à dos sábios médiuns da Sociedade de que vos falo.


Tendo perguntado a dois Espíritos o que pensavam de certo livro, um nos disse que o tinha lido e meditado e lhe fez o maior elogio. O outro confessou não o haver lido, mas que tinha ouvido falar multo bem a respeito; um outro achava-o bom, mas lhe censurava uma certa obscuridade. Exatamente como se julga entre nós.


Um outro nos expôs uma das mais sedutoras cosmogonias, que nos deu como a pura verdade; e como ia até à afirmação dos segredos de Deus sobre o futuro, perguntei-lhe se ele era o próprio Deus e se sua teoria não passava de uma bela hipótese sua. Balbuciou e reconheceu que tinha ido muito longe, mas que para ele era uma convicção. Ainda bem!


Em poucos dias recebereis a primeira publicação dos Espíritas de Metz, que tiveram a bondade de me pedir fosse o padrinho. Ficaria contente, pois está boa. Ali encontrareis dois discursos de Lamennais, sobre a prece que um padre leu no púlpito, declarando que não podia ser obra de um homem. A Sra. Girardin os visita, como a vós, e reconhecereis seu espírito, seu sentimento, seu estilo.


O centro de Metz pediu-me que o pusesse em contato com o centro belga, que conta apenas dois médiuns, dos quais um francês e outro inglês. Os belgas são infinitamente mais razoáveis; lamentam de todo o coração que um homem de inteligência tão grande quanto a minha, em todas as ciências e matérias ligadas à indústria, se dê a essa loucura de acreditar na existência e, ainda, na imortalidade da alma. Desviam-se de mim com piedade, dizendo: “Como somos pequenos!” Foi o que me aconteceu ontem, lendo-lhes a nossa Revista, que julgava dever lhes interessar, e que tomam como uma coleção de petas, compostas para divertir os .....

JOBARD


OBSERVAÇÃO:Há muito ,sabíamos que a cidade de Metz marcha a largos passos na via do progresso espírita e que os senhores oficiais não são os últimos a segui-la. Sentimo-nos feliz por ter a confirmação disto por nosso honrado colega Sr. Jobard. Assim, teremos prazer em noticiar os trabalhos desse centro, que se estabelece sobre bases realmente sérias. Não deixará de exercer uma grande influência, pela posição social de seus membros. Em breve falaremos do de Bordéus, que se funda sob os auspícios da Sociedade de Paris, já com elementos numerosos e em condições que não deixarão de o colocar entre os principais.

Conhecemos bem os princípios do Sr. Jobard para ter certeza de que, enumerando os títulos e as qualidades dos Espíritas de Metz, ao lado dos. modestos operários que visitamos em Lião, o ano passado, não quis fazer qualquer comparação ofensiva: seu objetivo foi unicamente constatar que o Espiritismo conta com adeptos em todas camadas. É um fato bem conhecido que, por um desígnio providencial, primeiro recrutou nas classes esclarecidas, a fim de provar aos adversários que não é privilégio dos tolos e ignorantes e, ainda, para não chegar às massas senão depois de ter sido depurado e isento de toda ideia supersticiosa. Só há pouco penetrou entre os trabalhadores; mas ai, também, faz rápidos progressos, pois traz as supremas consolações nos sofrimentos materiais, que ensina a suportar com resignação e coragem.

Engana-se o Sr. Jobard, se pensa que em Lião só encontramos Espíritas entre os operários: a alta indústria, o grande comércio, as artes e as ciências, lá como alhures, fornecem seu contingente. É verdade que lá os operários são maioria, por meras circunstâncias locais. Esses operários são pobres, como diz o Sr. Jobard. É uma razão para se lhes estender a mão. Mas são cheios de coragem, zelo e devotamento; se só tiverem um pedaço de pão, sabem dividi-lo com os irmãos; são simples, também é verdade, isto é, não têm orgulho nem a pretensão do saber; são iletrados, sim, relativamente; mas não no sentido absoluto. Em falta de Ciência, têm bastante raciocínio e bom senso para apreciar o que éjusto, e distinguir, naquilo que se lhes ensina, o que é racional do que é absurdo. Eis o que pudemos julgar por nós mesmo. Por isso aproveitamos a ocasião para lhes fazer justiça. A carta que segue, pela qual nos vêm convidar para ir visitá-los ainda este ano, testemunha a feliz influência exercida pelas idéias espíritas e os resultados que devem ser esperados quando se generalizarem.


Lião, 20 de agasto de1861

Meu bom senhor Allan Kardec


Se fiquei tanto tempo sem vos escrever, não se deve crer haja indiferença de minha parte. É que, sabendo da volumosa correspondência que tendes, só vos escrevo quando algo há de importante a vos dizer. Venho, pois, dizer que contamos convosco este ano e pedir informeis a época, tão precisa quanto possível, de vossa chegada e o lugar onde descereis, porque este ano o número dos Espíritas aumentou muito, sobretudo nas classes trabalhadoras. Todos vos querem ver e ouvir. E, embora saibam que os Espíritos é que ditaram vossas obras, estão desejosos de ver o homem que Deus escolheu para esta bela missão. Querem dizer-vos quanto se sentem felizes em vos ler e vos fazer julgar do progresso moral graças às vossas instruções, pois se esforçam por se tornarem suaves, pacientes e resignados em sua miséria, que é tão grande em Lião, sobretudo na tecelagem de seda. Os que murmuram, que ainda se lamentam, são os principiantes. Os mais instruídos lhes dizem: Coragem! nossas penas e sofrimentos são provas ou a conseqüência de nossas vidas anteriores. Deus, que é bom e justo, nos tornará mais felizes e nos recompensará em novas reencarnações. Allan Kardec no-lo disse e o prova em seus escritos.

Escolhemos um local maior que o da última vez, porque seremos mais de cem. Nossa refeição será modesta, pois haverá muitas contribuições pequenas: será antes o prazer da reunião. Faço de modo que haja Espíritas de todas as classes e condições, a fim de lhes fazer compreenderem que são todos irmãos. O Sr. Déjou disso se ocupa com zelo; ele trará todo o seu grupo, que é numeroso.

Vosso devotado e afeiçoado,

C.REY



Também de Bordéus nos dirigem um honroso convite.

Bordéus, 7 de agosto de 1861.


Meu caro Sr. Kardec


Vossa última Revista anuncia que a Sociedade Espírita de Paris toma suas férias de 15 de agosto a 1.º de outubro. Podemos esperar que, nesse intervalo, honreis os Espíritas desta cidade com a vossa presença? Ficaríamos todos muito felizes. Os mais fervorosos adeptos da doutrina, cujo número aumenta diariamente, desejam organizar uma sociedade dependente da de Paris, para o controle dos trabalhos. Formulamos um regulamento pelo modelo da Sociedade Parisiense e vo-lo submeteremos. Além da Sociedade principal, em diversos pontos da cidade haverá grupos de dez a doze pessoas, principalmente para os operários, onde, de vez em quando, comparecerão membros da Sociedade para dar os conselhos necessários. Todos os nossos guias espirituais estão de acordo neste ponto que Bordéus deve ter uma Sociedade de Estudos, porque a cidade será o centro de propagação do Espiritismo em todo o Sul.

Nós vos esperamos com confiança e felicidade para o dia memorável da inauguração e cremos que ficareis contente com o nosso zelo e maneira de trabalhar. Estamos prontos a submeter-nos aos sábios conselhos de vossa experiência. Vinde, pois, ver-nos à obra. Pela obra se conhece o obreiro.

Vosso muito dedicado servo,

A. SABÔ




Dissertações e ensinos espíritas - Um Espírito israelita a seus correligionários

Os leitores se recordam da bela comunicação publicada no número de março último, sobre a lei de Moisés e a lei do Cristo, assinada por Mardoqueu e recebida pelo Sr. R..., de Mulhouse. Esse senhor recebeu outras, igualmente notáveis, do mesmo Espírito, e que publicaremos. A que damos a seguir é de um outro parente falecido há alguns meses. Foi ditada em três ocasiões diversas.


A TODOS OS QUE CONHECI
I

Meus amigos,

Sede espíritas, eu vos conjuro a todos. O Espiritismo é a lei de Deus. É a lei de Moisés aplicada à época atual. Quando Moisés deu a lei aos filhos de Israel, a fez tal qual Deus lha dera, e Deus a tornou própria aos homens daquele tempo. Depois os homens progrediram; melhoraram em todos os sentidos; progrediram em ciência e em moralidade. Hoje cada um sabe conduzir-se; cada um sabe o que deve ao seu Criador, a seu próximo, a si mesmo. Hoje, pois, é necessário alargar as bases do ensino. O que a lei de Moisés vos ensinou já não basta para fazer avançar a Humanidade, e Deus não quer que fiqueis sempre no mesmo ponto, pois o que era bom há 5.000 anos já não o é hoje. Quando quereis que vossos filhos progridam, e dar-lhes uma educação um pouco mais forte, vós os mandais sempre à mesma escola, onde só aprenderiam as mesmas coisas? Não. Vós os mandais a uma escola superior. Então, meus amigos! São chegados os tempos em que Deus quer que alargueis o quadro de vossos conhecimentos. O próprio Cristo, embora tenha feito a lei mosaica dar um passo, não disse tudo, pois não teria sido compreendido, mas lançou sementes que deveriam ser recolhidas e postas em proveito das gerações futuras. Em sua bondade infinita, hoje Deus vos envia o Espiritismo, cujas bases estão, inteiras, na lei bíblica e na lei evangélica, para vos elevar e ensinar a vos amardes uns aos outros. Sim, meus amigos, a missão do Espiritismo é extinguir todos os ódios de homem a homem, de nação a nação. É a aurora da fraternidade universal que se levanta. Só com o Espiritismo podereis chegar a uma paz geral e durável.

Levantai-vos, pois, ó povos! Ficai de pé, porque eis Deus, o Criador de todas as coisas, que vos envia os Espíritos de vossos parentes, para vos abrirem um novo caminho, maior e mais amplo do que o que ainda seguis. Oh! meus amigos, não sejais os últimos a vos renderdes à evidência, porque Deus fará pesar sua mão sobre os incrédulos e os endurecidos, que deverão desaparecer da Terra, para que não perturbem o reino do bem, que se prepara. Crede nas advertências daquele que foi e é sempre vosso parente e vosso amigo.

Que os israelitas tomem a dianteira! Que arvorem rapidamente e sem tardança a bandeira que Deus envia aos homens, para uni-los numa só família. Armai-vos de coragem e de resolução. Não hesiteis. Não vos deixeis arrastar pelos retardatários que vos quiserem reter, falando-vos de sacrilégios. Não, meus amigos, não há sacrilégios. Lamentai os que ensaiassem retardar vossa marcha com semelhantes pretextos. Não vos diz a razão que neste mundo nada há de imutável? Só Deus é imutável, mas tudo quanto ele criou deve seguir, e segue, uma marcha progressiva, que nada poderá deter, porque está nos desígnios do Criador. Assim, não trateis de impedir que a Terra gire!

As instituições que eram magníficas há 5.000 anos, hoje estão velhas. O objetivo que estavam destinadas a atingir está superado. Elas não podem mais bastar à Sociedade atual, assim como aquilo que na França era chamado de antigo regime não poderia servir à França atual. Novo progresso se prepara, sem o qual todos os outros melhoramentos sociais ficam sem bases sólidas. Tal progresso é a fraternidade universal, cujas sementes foram lançadas pelo Cristo e germinam no Espiritismo. Seríeis, então, os últimos a entrar nessa via? Não vedes que o mundo velho está num trabalho de parto para se renovar? Lançai os olhos sobre o mapa, não digo da Europa, mas do mundo, e vede se todas as instituições arcaicas não caem uma a uma, e tende certeza de que elas jamais se reerguerão. Por quê? É a aurora da liberdade que se ergue e expele os despotismos de toda espécie, como os primeiros raios do sol expulsam as trevas da noite. Os povos estão cansados de serem inimigos; compreendem que sua felicidade está na fraternidade e querem ser livres, porque não se podem melhorar e tornar-se irmãos enquanto não forem livres. Não reconheceis à frente de um grande povo um homem eminente, que desempenha uma missão traçada por Deus e prepara os caminhos? Não ouvis os estalos sombrios do velho mundo que se esboroa para dar lugar a uma nova era? Em breve vereis surgir na cadeira de São Pedro um pontífice que proclamará os princípios novos, e essa crença, tornada a de todos os povos, reunirá todas as seitas dissidentes numa só e mesma família. Estai prontos. Arvorai, eu vos digo, a bandeira desse ensinamento tão grande e tão santo, para não serdes os últimos.

Israelitas de Bordéus e de Bayonne, vós que marchastes à frente do progresso, erguei-vos e aclamai o Espiritismo, porque é a lei do Senhor, e bendizei-o, por vos trazer os meios de chegar mais prontamente à felicidade eterna, que está destinada aos seus eleitos.


II

Meus amigos,

Não vos surpreendais ao lerdes esta comunicação. Ela vem de mim, Edouard Pereyre, vosso parente, vosso amigo, vosso compatriota. Fui eu mesmo que a ditei ao meu sobrinho Rodolfo, cuja mão seguro, para fazê-lo escrever com a minha letra. Tomo este trabalho para melhor vos convencer, o que é uma fadiga para mim e para o médium, pois o médium submete-se a movimentos contrários aos habituais.

Sim, meus amigos, o Espiritismo é uma nova revelação, compreendei o alcance desta palavra em toda a sua acepção. É uma revelação, pois vos desvela uma nova força da Natureza, que não suspeitáveis, e contudo, é tão antiga quanto o mundo. Era conhecida dos homens de escol de nossa história religiosa, na época de Moisés, e foi por ela que recebestes os primeiros ensinamentos sobre os deveres do homem para com o seu Criador, mas ele deu apenas aquilo que era compatível com os homens daquela época.

Hoje, que o progresso está realizado; que a luz se espalha nas massas; que a estupidez e a ignorância dos primeiros tempos começam a dar lugar à razão e ao senso moral; hoje, que a ideia de Deus é compreendida por todos, ou pelo menos pela grande maioria, dá-se uma nova revelação, e ela se produz simultaneamente em todos os povos instruídos, embora se modificando conforme seu grau de adiantamento. Essa nova revelação vos diz que o homem não morre; que a alma sobrevive ao corpo e habita no espaço entre vós e ao vosso lado.

Sim, meus amigos. Consolai-vos quando perderdes um ser que vos é caro. Perdeis apenas o seu corpo material, pois seu Espírito vive no meio de vós, para vos guiar, instruir e inspirar. Enxugai as lágrimas, sobretudo se ele foi bom, caridoso e sem orgulho, porque então ele é feliz nesse novo mundo onde todas as religiões se confundem numa só e mesma adoração, banindo todos os ódios e todos os ciúmes de seitas. Também nós somos felizes quando podemos inspirar esses mesmos sentimentos aos homens a quem estamos encarregados de instruir, e nossa maior felicidade é a de vê-los entrar no bom caminho, pois então abrem a porta pela qual devem vir juntar-se a nós. Perguntai ao médium quais os sublimes ensinamentos que ele recebe de seu avô Mardoqueu. Se ele seguir o caminho que lhe é traçado, construirá para si um futuro de felicidade, mas, também, se faltar aos seus deveres depois desse ensinamento, suportará toda a responsabilidade e terá que recomeçar, até que tenha cumprido convenientemente a sua tarefa.

Sim, meus amigos, nós já vivemos corporalmente e viveremos ainda. A felicidade que desfrutamos é apenas relativa. Há estados muito superiores àquele em que estamos e aos quais não se chega senão por encarnações sucessivas e progressivas em outros mundos. Não creiais, pois, que de todos os globos do Universo seja a Terra o único habitado. Pobre orgulho do homem que pensa ter Deus criado todos os astros apenas para deliciar a sua vista! Sabei, então, que todos os mundos são habitados e, entre esses mundos, se soubésseis a posição que ocupa a Terra, não teríeis razões para vos glorificardes! Se não fosse para cumprir a missão que nos é dada, de vos inspirar e instruir, como gostaríamos de ir visitar esses mundos e nos instruirmos nós mesmos! Mas nosso dever e nossas afeições ainda nos ligam à Terra. Mais tarde, quando cedermos o lugar aos que chegarem por último, iremos tomar outras existências nesses mundos melhores, assim nos purificando por etapas, até chegarmos a Deus, nosso Criador!

Eis o Espiritismo. É isto o que ele ensina e isto é a verdade que hoje podeis compreender e que deve ajudar a vos regenerardes.

Compreendei bem que todos os homens são irmãos, sejam negros ou brancos, ricos ou pobres, muçulmanos, judeus ou cristãos. Como, para progredir, devem renascer várias vezes, conforme a revelação feita pelo Cristo, Deus permite que aqueles que foram unidos em existências anteriores, pelos laços do sangue ou da amizade, se encontrem novamente na Terra, sem se conhecerem, mas em posições relativas às expiações que devem sofrer por suas faltas passadas, de sorte que aquele que é o vosso servo pode ter sido vosso senhor em outra existência, e o infeliz a quem recusais assistência talvez seja um de vossos antepassados, do qual vos orgulhais, ou um amigo que vos foi caro. Compreendeis agora o alcance do mandamento do Decálogo: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”? Eis, meus amigos, a revelação que vos deve conduzir à fraternidade universal, quando ela for compreendida por todos. Eis por que não deveis ficar imutáveis em vossos princípios, mas seguir a marcha do progresso traçado por Deus, sem jamais vos deterdes. Eis por que vos exortei a adotar a bandeira do Espiritismo. Sim, sede espíritas, pois esta é a lei de Deus, e lembrai-vos de que nessa via está a felicidade, e de que por ela se chega a perfeição. Eu vos sustentarei, eu e todos os que conhecestes, e que, como eu, agem no mesmo sentido.

Que em cada família se estude o Espiritismo. Que em cada família se formem médiuns, a fim de se multiplicarem os intérpretes da vontade de Deus. Não vos deixeis desencorajar pelos entraves das primeiras provas. Elas são, muitas vezes, cercadas de dificuldades, e nem sempre isentas de perigo, porque não há recompensa onde não houver um pouco de esforço. Todos podeis adquirir essa faculdade, mas antes de tentar obtê-la, estudai, a fim de vos premunirdes contra os obstáculos. Purificai-vos de vossas impurezas; emendai o coração e os pensamentos, a fim de afastar de vós os maus Espíritos; orai, sobretudo pelos que procuram obsidiar-vos, porque é a prece que os converte e deles vos liberta. Que a experiência dos vossos vanguardeiros vos seja proveitosa e vos impeça de cairdes nas mesmas faltas!

Continuarei minhas instruções.


III

A religião israelita foi a primeira que emitiu aos olhos dos homens a ideia de um Deus espiritual. Até então os homens adoravam: uns o Sol, outros a Lua; aqui o fogo, ali os animais, mas a ideia de Deus não era representada em parte alguma em sua essência espiritual e imaterial.

Chegou Moisés. Trazia uma lei nova, que derrubava todas as ideias recebidas antes dessa época. Tinha que lutar contra os sacerdotes egípcios, que entretinham os povos na mais absoluta ignorância, na mais abjeta escravidão. Os sacerdotes, que desse estado de coisas tiravam um poder ilimitado, não podiam ver sem pavor a propagação de uma fé nova, que vinha destruir os andaimes de seu poder e ameaçava derrubá-los. Essa fé trazia consigo a luz, a inteligência e a liberdade de pensar. Era uma revolução social e moral. Assim, os adeptos dessa fé, recrutados entre todas as classes do Egito, e não só entre os descendentes de Jacob, como erroneamente foi dito, eram perseguidos, acuados, submetidos aos mais duros vexames, e por fim expulsos do país, pois infestavam a população com ideias subversivas e antissociais. É sempre assim, toda a vez que um progresso surge no horizonte e explode sobre a Humanidade. As mesmas perseguições e o mesmo tratamento acompanham os inovadores que lançam sobre o solo da nova geração os germes fecundos do progresso e da moral. Porque toda inovação progressiva, acarretando a destruição de certos abusos, tem, necessariamente, por inimigos todos quantos estão interessados na manutenção desses abusos.

Mas Deus todo poderoso, que conduz com sabedoria infinita os acontecimentos de onde deve surgir o progresso, inspirou Moisés. Deu-lhe um poder que nenhum homem tinha tido, e pela radiação desse poder, cujos efeitos tocavam os olhos mais incrédulos, Moisés adquiriu uma imensa influência sobre uma população que, confiando cegamente em seu destino, realizou um desses milagres cuja impressão deveria perpetuar-se de geração em geração, como imperecível lembrança do poder de Deus e de seu profeta.

A passagem do Mar Vermelho foi o primeiro ato da libertação desse povo. Mas faltava educá-los. Era necessário domar pela força do raciocínio e por milagres por vezes renovados; era preciso inculcar-lhes a fé e a moral; era necessário ensinar a pôr a força e a confiança em um Deus criador, ser infinito, imaterial, infinitamente bom e infinitamente justo. Os quarenta anos de provações passadas no deserto, em meio a privações, a sofrimentos, a vicissitudes de toda sorte; os exemplos de insubordinação tão severamente reprimidos por uma justiça providencial, tudo isso contribuiu para desenvolver nele a fé nesse Ser todo-poderoso, cuja mão benfeitora experimentava a cada dia, como também a mão severa que pune aquele que o desafia.

No Monte Sinai deu-se essa primeira revelação, esse brilhante mistério que espantou o mundo, subjugou-o e espalhou pela Terra os primeiros benefícios de uma moral que libertava o Espírito das garras da carne e de um despotismo embrutecedor; que colocava o homem acima da esfera dos animais, dele fazendo um ser superior, capaz de elevar-se, pelo progresso, à suprema inteligência.

Os primeiros passos desse povo que havia confiado seu destino ao homem de Deus foram entravados pelas guerras cujo efeito devia ser o germe fecundo de uma renovação social entre as populações que ele combatia. O judaísmo tornava-se o foco da luz, da inteligência e da liberdade, e irradiava um brilho notável sobre todas as nações vizinhas, provocando-lhes ódio e hostilidade. Este resultado imediato estava nos desígnios de Deus, sem o que o progresso teria sido muito lento. Ao mesmo tempo que essas guerras fecundavam os germes do progresso, eram um ensinamento para os Judeus, cuja fé reanimavam.

Esse povo, libertado de um outro povo, e que se havia confiado sem reflexão ao poder de um homem que o havia espantado por um poder miraculoso; esse povo tinha uma missão. Era um povo predestinado.

Não é sem razão que foi dito que ele cumpria uma missão de que não se dava conta, nem ele nem os outros povos. Ele ia às cegas, executando sem compreender os desígnios da Providência. Essa árida missão foi cheia de fel e de amargor. Seus apóstolos sofreram todas as injúrias possíveis. Foram perseguidos, aprisionados, lapidados e dispersos, e por toda parte traziam consigo essa fé viva e inteligente; essa confiança em seu Deus, cujo poder haviam medido, cuja bondade haviam experimentado e cujas provas, que deveriam trazer para a Humanidade os benefícios da civilização, eles aceitavam.

Eis aí esses apóstolos obscuros, escarnecidos, desprezados. Eis aí os primeiros pioneiros da liberdade. Eles sofreram muito desde a sua saída do Egito até os nossos dias?

Não tardará a soar para eles a hora da sua reabilitação. Um dia, que não está distante, saudará esses primeiros soldados da civilização moderna com reconhecimento e veneração, e será feita justiça aos descendentes dessas antigas famílias que inquebrantáveis em sua fé, levaram-na como dote a todas as nações onde Deus permitiu que fossem dispersados.

Quando Jesus Cristo apareceu, era ainda um enviado de Deus. Era um novo astro que aparecia na Terra, como Moisés, cuja missão retomava, para continuá-la, desenvolvê-la e adequá-la ao progresso realizado. Ele próprio estava destinado a sofrer essa morte ignominiosa, cujas vias os judeus haviam preparado, criando as circunstâncias, e cujo crime foi cometido pelos romanos. Deixai, porém, de considerar a História dos povos e dos homens como a haveis considerado até hoje. Em vosso orgulho, imaginais que foram eles que trouxeram os acontecimentos que transformam a face do mundo, e esqueceis que há um Deus no Universo, que rege essa admirável harmonia a cujas leis vos submeteis julgando que vós mesmos as impondes. Olhai pois a História da Humanidade de um ponto mais alto. Abarcai um horizonte mais vasto e notai que tudo segue um sistema único. A lei do progresso a cada século, e não a cada dia, vos leva a dar um passo.

Jesus Cristo foi, pois, a segunda fase, a segunda revelação, e seus ensinamentos levaram dezoito séculos para se espalharem, para se vulgarizarem. Julgai por aí quanto é lento o progresso e o que deveriam ser os homens, quando Moisés trouxe ao mundo admirado a ideia de um Deus todo poderoso, infinito e imaterial, cujo poder se tornava visível para esse povo, para quem sua missão trouxe tantos espinhos e tantas dificuldades. O progresso, portanto, não se realiza sem sofrimento. É à sua custa; é por seus sofrimentos e por suas cruéis vicissitudes que a Humanidade apreende o objetivo de seu destino e o poder daquele pelo qual deve existir.

Assim, o Cristianismo foi o resultado da segunda revelação. Mas essa doutrina, cuja sublime moral o Cristo havia trazido e desenvolvido, foi compreendida em sua admirável simplicidade? E como é praticada pela maioria dos que a professam? Jamais a desviaram de seu objetivo? Jamais dela abusaram, para que servisse de instrumento ao despotismo, à ambição, à cupidez? Numa palavra, todos os que se dizem cristãos vivem segundo os ditamos de seu fundador? Não. Por isso também eles deviam passar pelo alambique da infelicidade, que tudo purifica. A História do Cristianismo é muito recente para contar todas as peripécias; mas, enfim, o objetivo está prestes a ser atingido, e a nova aurora vai surgir. Por meios diferentes, ela vai fazer-vos marchar a passo mais rápido nesse caminho, onde levastes seis mil anos para chegar.

O Espiritismo é a chegada de uma era que verá realizar-se esta revolução nas ideias dos povos. Ele destruirá essas prevenções incompreensíveis, esses preconceitos sem causa que acompanharam e seguem os judeus em sua longa e penosa peregrinação. Compreender-se-á que eles tenham sido submetidos a um destino providencial, do qual eles foram os instrumentos, bem como aqueles que os perseguiam com seu ódio eram impelidos pelo mesmo poder, cujos secretos desígnios deviam realizar-se por meios misteriosos e ignorados.

Sim. O Espiritismo é a terceira revelação. Revela-se a uma geração de homens mais adiantados, de mais nobres aspirações, generosas e humanitárias que devem concorrer para a fraternidade universal. Eis o novo objetivo assinalado por Deus para os vossos esforços. Mas esse resultado, como os já atingidos até agora, não serão obtidos sem dores e sem sofrimentos. Que aqueles que têm coragem de ser seus apóstolos se ergam, levantem a voz, falem alto e claro, exponham sua doutrina, ataquem os abusos e mostrem o seu objetivo. Esse objetivo não é uma brilhante miragem que procurais em vão. Esse objetivo é real, e atingi-lo-eis no momento marcado por Deus. Talvez esteja distante, mas lá está, determinado. Não temais. Ide, apóstolos do progresso. Marchai com audácia, com a fronte erguida e o coração resignado. Tendes por sustentáculo uma doutrina pura, isenta de qualquer mistério, que apela às mais belas virtudes da alma e oferece essa certeza consoladora de que a alma não morre nunca, pois sobrevive à morte e aos suplícios.

Eis, meus amigos, o objetivo desvelado. Perguntareis quais os apóstolos e como reconhecê-los. Deus se encarrega de os revelar, por missões que lhes serão confiadas e que realizarão. Reconhecê-los-eis pelas suas obras, e não pelas qualidades que se atribuam. Os que recebem missões do Alto as cumprem, mas não se glorificam, porque Deus escolhe os humildes para divulgar sua palavra e não os ambiciosos e orgulhosos. Por estes sinais conhecereis os falsos profetas.

EDOUARD PEREYRE

Variedades - Uma notícia falsa

Um jornal, não sabemos de que país, noticiou há algum tempo, e outros o repetiram, ao que parece, que deveria realizar-se uma conferência solene sobre o Espiritismo, entre os Srs. Home, Marcillet, Squire, Delaage, Sardou, Allan Kardec, etc. Aqueles dos nossos leitores que talvez tenham ouvido falar nisso são informados que, se nem tudo quanto é impresso é palavra do Evangelho, ainda que num jornal, trata-se apenas de uma “salada” temperada com sal grosso e que, para melhor tempero, esqueceram de pôr espírito. Não nos surpreenderíamos se um dia víssemos publicadas as decisões desse congresso e até citadas palavras nele pronunciadas. Isto não custará nada e, em falta de coisa melhor, encherá as colunas do jornal.

ALLAN KARDEC


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