Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Outubro

O Espiritismo em Lyon

Fomos novamente a Lyon este ano, em atenção a reiterados convites dos espíritas daquela cidade. Embora conhecêssemos, pela correspondência, os progressos do Espiritismo naquela cidade, o resultado ultrapassou muito a nossa expectativa. Certamente os leitores nos agradecerão as informações que lhes damos a respeito. Nelas verão um indício da marcha irresistível da doutrina e uma prova patente de suas consequências morais.

Antes, porém, de falar dos espíritas de Lyon, não devemos esquecer os de Sens e de Mâcon, que visitamos de passagem, e lhes agradecer a simpática acolhida. Lá, também, pudemos constatar um notável progresso, quer no número de adeptos, quer na opinião que eles têm a respeito do Espiritismo em geral. Por toda parte os trocistas se esclarecem, e aqueles que ainda não creem observam uma prudente reserva, imposta pelo caráter e pela posição social dos que hoje não mais temem confessar-se publicamente partidários e propagadores das novas ideias. Em face da opinião que se pronuncia e se generaliza, os incrédulos se dizem que bem poderia haver algo, e que, em resumo, cada um é livre em suas crenças. Antes de falar, querem pelo menos saber do que se trata, enquanto anteriormente falavam sem saber do que. Ora, não se pode negar que para muita gente aí não haja um verdadeiro progresso. Mais tarde voltaremos a esses dois centros, ainda novos numericamente falando, ao passo que Lyon já atingiu a maturidade.

Com efeito, não é mais por centenas que ali se contam os espíritas, como no ano passado, mas por milhares. Melhor dizendo, não mais são contados, e calcula-se que, seguindo a mesma progressão, em um ou dois anos serão mais de trinta mil. O Espiritismo os recruta em todas as classes, mas é sobretudo na classe operária que se propaga com mais rapidez, o que não é de admirar, pois sendo essa a classe que mais sofre, volta-se para onde encontra mais consolações. Vós que gritais contra o Espiritismo, por que não lhe ofereceis o mesmo? Ela se voltaria para vós. Mas, em vez disto, quereis tirar-lhe aquilo que a ajuda a carregar seu fardo de misérias. É a maneira mais apropriada para vos distanciardes das suas simpatias e de engrossardes as fileiras de vossos opositores. O que vimos pessoalmente é de tal modo característico e encerra tão grande ensinamento, que preferimos dedicar aos trabalhadores a maior parte do nosso relatório.

No ano passado havia um único centro de reunião, o de Brotteaux, dirigido pelo Sr. Dijoud, chefe de oficina, e sua mulher. Outros se formaram depois, em diferentes pontos da cidade, em Guillotière, em Perrache, em Croix-Rousse, em Vaise, em Saint-Just, etc., sem contar um grande número de reuniões particulares. No ano passado havia somente dois ou três médiuns ainda neófitos. Hoje há médiuns em todos os grupos, e vários de primeira categoria. Só num grupo vimos cinco, escrevendo simultaneamente. Vimos também uma jovem, muito boa vidente, na qual pudemos constatar a faculdade desenvolvida em grau muito alto.

Observamos uma coleção de desenhos extremamente notáveis, de um médium desenhista que não sabe desenhar. Pela execução e pela complicação, rivalizam com os desenhos de Júpiter, embora sejam de um outro gênero. Não devemos esquecer um médium curador, tão recomendável por seu devotamento quanto pela potência de sua faculdade.

Sem dúvida é verdade que os adeptos se multiplicam, mas o que vale ainda mais que o número é a qualidade. Ora! Nós declaramos alto e bom som que em parte alguma vimos reuniões espíritas mais edificantes que as dos operários de Lyon, quanto à ordem, ao recolhimento e à atenção que prestam às instruções de seus guias espirituais. Lá havia homens, velhos, senhoras, moços, e até crianças cuja atitude respeitosa e recolhida contrasta com a sua idade. Jamais uma delas perturbou, por um instante, o silêncio de nossas reuniões, por vezes muito longas. Elas pareciam quase tão ávidas quanto seus pais em recolher nossas palavras. Isto não é tudo. O número das metamorfoses morais, nos operários, é quase tão grande quanto entre os adeptos. São hábitos viciosos reformados, paixões acalmadas, ódios apaziguados, intimidades pacificadas, numa palavra, desenvolvidas as virtudes mais cristãs, e isto pela confiança, agora inquebrantável, que as comunicações espíritas lhes dão do futuro, em que não acreditavam. Para eles é uma felicidade assistir a essas instruções, de onde saem reconfortados contra a adversidade. Também se veem alguns que fazem mais de uma légua com qualquer tempo, inverno ou verão, e que tudo enfrentam para não perderem uma sessão. É que neles não há uma fé vulgar, mas uma fé baseada em convicção profunda, raciocinada, e não cega.

Os Espíritos que os instruem sabem admiravelmente pôr-se à altura de seus ouvintes. Os ditados não são trechos de eloquência, mas boas instruções familiares, despretensiosas, e que, por isto mesmo, vão ao coração. As conversas com os parentes e amigos mortos ali representam um grande papel, de onde saem quase sempre lições úteis. Muitas vezes uma família inteira se reúne e a noite se passa em suave enlevo com os que se foram. Eles querem ter notícias dos tios, das tias, dos primos e das primas; saber se são felizes. Ninguém é esquecido. Cada um quer que o avô lhe diga algo, e a cada um ele dá um conselho.

─ E pra mim, vovô, perguntava um dia um rapazinho, não direis nada?

─ Para ti, meu filho, sim, dir-te-ei alguma coisa: não estou contente contigo. Outro dia, em vez de ir direto ao trabalho, discutiste por uma tolice, no meio do caminho. Isto não é bom.

─ Como sabeis disto, vovô?

─ Sem dúvida eu sei. Será que nós Espíritos não vemos tudo o que fazeis, desde que estamos ao vosso lado?

─ Perdão, vovô. Prometo não fazer mais isto.

Não existe algo de tocante nesta comunicação dos mortos com os vivos? A vida futura aí está, palpitante aos seus olhos; não mais há morte, nem mais a separação eterna, nem o nada; o céu está mais perto da Terra e é melhor compreendido. Se isto é uma superstição, praza a Deus que jamais tivesse havido outras!

Um fato digno de nota, e que constatamos, é a facilidade com que esses homens, na maioria iletrados e endurecidos nos mais rudes trabalhos, compreendem o alcance da doutrina. Pode-se dizer que só lhe veem o lado sério. Nas instruções que lhes demos em diversos grupos, em vão procuramos despertar a curiosidade pelo relato das manifestações físicas, contudo, nenhum deles viu uma mesa mover-se, ao passo que tudo quanto dizia respeito às apreciações morais cativava seu interesse no mais alto grau.

A alocução seguinte nos foi dirigida quando de nossa visita ao grupo de Saint-Just. Publicamo-la, não para satisfazer a uma vaidade tola e pueril, mas como prova dos sentimentos que dominam nas fábricas onde penetrou o Espiritismo, e porque sabemos ser agradável aos que nos quiseram dar esse testemunho de simpatia. Transcrevemo-la textualmente, pois teríamos escrúpulo de lhe acrescentar uma só palavra. Só a ortografia foi revista.

“Senhor Allan Kardec, discípulo de Jesus, intérprete do Espírito de Verdade, sois nosso irmão em Deus. Estamos reunidos todos com o mesmo coração, sob a proteção de São João Batista, protetor da Humanidade e precursor do grande mestre Jesus, nosso Salvador.

“Nós vos rogamos, nosso caro mestre, que mergulheis vosso olhar no fundo de nossos corações, a fim de que possais dar-vos conta da simpatia que temos por vós. Somos pobres trabalhadores, sem artifícios. Uma grossa cortina, desde a nossa infância, foi estendida sobre nós, para abafar a nossa inteligência, mas vós, caro mestre, pela vontade do Todo-Poderoso, rasgais a cortina. Essa cortina, que eles julgavam impenetrável, não pôde resistir à vossa digna coragem. Oh! sim, nosso irmão, tomastes a pesada enxada para descobrir a semente do Espiritismo, que se tinha encerrado num terreno de granito. Vós a semeais nos quatro cantos do globo, e até nos pobres bairros de ignorantes, que começam a saborear o pão da vida.

“Todos o dizemos do fundo do coração; estamos animados do mesmo fogo e repetimos todos: Glória a Allan Kardec e aos bons Espíritos que o inspiraram! E vós, bons irmãos Sr. e Sra. Dijoud, os abençoados por Deus, por Jesus e por Maria, estais gravados em nossos corações, para jamais sair, porque por nós sacrificastes vossos interesses e vossos prazeres materiais. Deus o sabe; nós lhe agradecemos por vos haver escolhido para esta missão e agradecemos também ao nosso protetor superior São João Batista.

“Obrigado, Sr. Allan Kardec; mil vezes obrigado, em nome do grupo de Saint-Just, por estar entre nós, simples operários e ainda muito imperfeitos em Espiritismo. Vossa presença nos causa uma grande alegria em meio de nossas tribulações, que são grandes neste momento de crise comercial. Vós nos trazeis o bálsamo benfazejo que chamam esperança, que acalma os ódios e reacende no coração do homem o amor e a caridade. Nós nos aplicaremos, caro mestre, em seguir vossos bons conselhos e os dos Espíritos superiores que tiverem a bondade de nos ajudar e instruir, a fim de nos tornarmos, todos, verdadeiros e bons espíritas. Caro mestre, tende certeza de que levais convosco a simpatia de nossos corações para a eternidade, nós o prometemos. Somos e seremos sempre vossos adeptos sinceros e submissos. Permiti a mim e ao médium, que vos demos o beijo de amor fraterno em nome de todos os irmãos e irmãs que aqui estão. Ficaríamos muito felizes também se quisésseis brindar conosco.”

Nós vínhamos de longe e tínhamos subido às alturas de Saint-Just com um calor extenuante. Alguns refrescos tinham sido preparados, em meio dos instrumentos do trabalho: pão, queijo, frutas, um copo de vinho; verdadeiro ágape oferecido com a simplicidade antiga e um coração sincero. Um copo de vinho! ah! em nossa intenção, porque essa boa gente não o bebe todos os dias; mas era uma festa para eles: ia-se falar de Espiritismo. Oh! Foi com o coração alegre que brindamos com eles, e seu modesto lanche, aos nossos olhos, tinha cem vezes mais valor do que os mais esplêndidos repastos. Que eles recebam aqui a confirmação disto.

Alguém nos dizia em Lyon: “O Espiritismo penetra nos meios operários pelo raciocínio; não seria tempo de procurar que penetrasse pelo coração?” Certamente esta pessoa não conhece os operários; seria desejável que se encontrasse tanto coração em todas as pessoas. Se tal linguagem não for inspirada pelo coração; se o coração nada significa para aquele que no Espiritismo encontra a força de vencer suas más inclinações; de lutar com resignação contra a miséria; de abafar seus rancores e animosidades; para aquele que partilha seu pedaço de pão com um mais infeliz, confessamos não saber onde está o coração.


Banquete - Oferecido pelos espíritas lioneses ao Sr. Allan Kardec, a 19 de setembro de 1861

Mais um banquete reuniu este ano certo número de espíritas em Lyon, com a diferença de que no ano passado havia uns trinta convivas, ao passo que agora contavam-se cento e sessenta, representando os diversos grupos que se consideram como membros de uma mesma família, e entre os quais não há sombra de ciúme e de rivalidade, fato este que notamos com prazer. A maioria dos presentes eram operários, e todos notaram a perfeita ordem que não deixou de reinar um só instante. É que os verdadeiros espíritas têm satisfação nas alegrias do coração e não nos prazeres barulhentos. Foram pronunciados vários discursos. Vamos transcrevê-los aqui, pois eles resumem a situação e caracterizam uma das fases da marcha do Espiritismo. Além disso, dão a conhecer o verdadeiro espírito dessa população, outrora olhada com certo receio, porque mal julgada, e também, talvez, mal dirigida moralmente. Um dos principais discursos infelizmente não será publicado, o que lamentamos sinceramente. É o do Sr. Renaud, notável por suas apreciações, e no qual nada encontramos em demasia, a não ser os elogios a nós dirigidos. Sua cópia, um tanto longa, não nos foi entregue antes de nossa partida, o que nos priva de sua publicação. Nem por isto somos menos reconhecido ao autor, pelos testemunhos de simpatia que nos deu.

Notou-se que, por uma coincidência não premeditada, porquanto subordinado à nossa chegada, o banquete deste ano foi na mesma data daquele do ano passado, 19 de setembro.


ALOCUÇÃO DO SR. DIJOUD, CHEFE DE OFICINA, PRESIDENTE DO GRUPO ESPÍRITA DE BROTTEAUX, EM AGRADECIMENTO AOS BONS ESPÍRITOS


Meus bons amigos,

É em nome de todos que venho agradecer aos bons Espíritos por nos haverem reunido e iniciado, por suas manifestações, nas leis divinas, às quais estamos todos submetidos, satisfação imensa para nós, pois as suaves consolações que nos dão nos fazem suportar com paciência e resignação as provas e sofrimentos desta vida passageira, pois agora não mais ignoramos o fim de nossas encarnações de rude labor, nem e a recompensa que espera o nosso Espírito, se as suportarmos com coragem e submissão.

Também com eles aprendemos que se ouvirmos seus conselhos e se praticarmos a sua moral sublime, seremos nós mesmos que construiremos o reino de felicidade que Deus nos prometeu por intermédio de seu filho. Então o egoísmo, a calúnia e a malícia desaparecerão do nosso meio, pois somos todos irmãos e devemos amar-nos, ajudar-nos e nos perdoarmos como irmãos.

É, pois, ao apelo invisível dos Espíritos superiores que respondemos, aqui vindo testemunhar-lhes o nosso reconhecimento com a unanimidade de nossos corações. Roguemo-lhes que nos conservem sob sua proteção e seu amor e que continuem suas instruções tão suaves, tão consoladoras e tão vivificantes, que nos fizeram tanto bem, desde que tivemos a felicidade de receber suas comunicações.

Oh! meus amigos! Como é belo o dia em que Deus nos convidou! Tomemos todos a resolução de ser bons e sinceros espíritas e de jamais esquecer esta doutrina que fará a felicidade da Humanidade inteira, conduzindo os homens para o bem. Obrigado aos bons Espíritos que nos assistem e nos trazem a luz, e obrigado a Deus por no-los haver enviado!

BRINDE DO SR. COURTET, NEGOCIANTE

Senhores,

Como membro do Grupo Espírita de Brotteaux, e em seu nome, venho vos propor um brinde em honra do senhor e da senhora Dijoud.

Senhora! Cumpro um dever muito agradável, servindo de intérprete de toda a nossa Sociedade, que vos agradece por tudo quanto fizestes em nosso favor! Quantas consolações fizestes brotar entre nós! Quantas lágrimas de ternura e de alegria nos fizestes derramar! Vosso coração tão bom e tão modesto não se orgulhou com os vossos sucessos e com isso vossa caridade aumentou.

Bem sabemos, senhora, que sois apenas intérprete dos Espíritos superiores que a vós estão ligados, mas também sabemos com que devotamento realizais essa tarefa! Por vosso intermédio nos iniciamos nessas altas questões de moral e de filosofia, cuja solução deve trazer o reino de Deus e, por consequência, a felicidade dos homens nesta Terra.

Também vos agradecemos, senhora, a assistência que dais aos nossos doentes. Vossa fé e vosso zelo disso recebem a recompensa pela satisfação que experimentais em fazer o bem e aliviar o sofrimento. Nós vos pedimos a continuação dos vossos bons ofícios. Ficai certa de toda a nossa gratidão e de nosso eterno reconhecimento.

Sr. Dijoud, nós vos agradecemos a inteligência, a firmeza e a complacência que trazeis às nossas reuniões. Contamos convosco para continuar esta grande obra com o concurso dos bons Espíritos.



BRINDE DO SR. BOUILLANT, PROFESSOR

Tenho a honra de erguer um brinde ao Sr. Allan Kardec, um brinde todo de gratidão e reconhecimento, em nome dos seus adeptos, de seus apóstolos aqui presentes.

Ah! Como somos felizes, nós, os voluntários da grande obra, da obra fecunda e regeneradora, por vermos entre nós nosso valoroso e bem amado chefe!

Se experimentamos essa felicidade, é preciso reconhecê-lo, é que o favor especial que hoje nos é concedido é um desses que não se esquece; que jamais se esquece. Ora! Qual é o soldado, por exemplo, que não se recordaria com o mais vivo ardor que seu general quis a ele se unir para partir o mesmo pão, à mesma mesa?

Pois bem! Nós também, caro mestre, somos vossos soldados, vossos voluntários e, por mais alto que tenhais plantado o vosso estandarte, a nós não cabe defendê-lo, que ele não o necessita, mas a nós cabe fazê-lo triunfar, por uma prudente e fervorosa propagação. Esta causa, na verdade, é tão bela, tão justa, tão consoladora! Vós no-lo provastes tão bem em vossas obras, tão cheias de erudição, de saber, de eloquência! Ah! Nós todos o reconhecemos, lá estão páginas do homem inspirado pelo Espírito puro, pois cada um de nós compreendeu, ao beber na fonte do vosso consciencioso trabalho, que todos os vossos pensamentos eram outras tantas emanações do Altíssimo! Depois, caro mestre, se acrescentamos que vossa missão aqui é santa e sagrada, é que mais de uma vez sentimos, auxiliados por vossas luzes, a centelha fluídica que interliga os mundos visíveis e invisíveis que gravitam na imensidade! Assim, nossos corações batem em uníssono, com um mesmo amor por vós. Recebei, por isso, a sua expressão viva, sincera e profunda. A vós, de todo o coração, a vós, de todo o nosso espírito!


Discurso do Sr. Allan Kardec no banquete de Lyon

Senhoras e senhores, todos vós, meus caros e bons irmãos no Espiritismo,

Se há circunstâncias em que se possa lamentar a insuficiência de nossa pobre linguagem humana, é quando se trata de exprimir certos sentimentos, e esta é, no momento, a minha posição. O que experimento é ao mesmo tempo uma surpresa muito agradável, quando vejo o terreno imenso que a Doutrina Espírita ganhou entre vós desde há um ano, e eu admiro a Providência; é uma alegria indizível à vista do bem que ela aqui produz e das consolações que espalha sobre tantas dores ostensivas ou ocultas, do que deduzo o futuro que a aguarda; é uma felicidade inexprimível encontrar-me em meio a esta família, que em pouco tempo se tornou tão numerosa e que cresce diariamente; é, enfim e acima de tudo, uma profunda e sincera gratidão pelos tocantes testemunhos de simpatia que de vós recebo.

Esta reunião tem um caráter particular. Graças a Deus, aqui somos todos espíritas suficientemente bons, penso eu, para não vermos senão o prazer de nos acharmos juntos, e não o de nos acharmos à mesa. E, diga-se de passagem, creio mesmo que um festim de espíritas seria uma contradição. Presumo, também, que me convidando tão graciosamente e com tanta instância para vir ao vosso meio, não pensastes que um banquete fosse para mim motivo de atração. Foi o que me apressei a escrever aos meus bons amigos Rey e Dijoud, quando se desculparam pela simplicidade da recepção. Porque, ficai bem certos, o que mais me honra nesta circunstância, aquilo de que posso, com razão, estar orgulhoso, é a cordialidade e a sinceridade do acolhimento, o que se encontra muito raramente nas recepções aparatosas, pois aqui não há máscaras nos rostos.

Se uma coisa pudesse diminuir a felicidade que tenho de me achar entre vós, seria o fato de poder ficar aqui tão pouco tempo. Ter-me-ia sido muito agradável prolongar minha demora num dos centros mais numerosos e mais zelosos do Espiritismo, mas, desde que desejastes receber de mim algumas instruções, certamente não levareis a mal que eu utilize todos os instantes, saia um pouco das banalidades muito comuns em semelhantes circunstâncias, e que minha alocução assuma certa gravidade, pela gravidade do motivo que nos reúne. Certamente se estivéssemos num jantar de bodas ou de batizado, seria inoportuno falar de almas, da morte, da vida futura. Mas, repito, aqui estamos para nos instruirmos, mais do que para comer e, em todo o caso, não é para nos divertirmos.

Não julgueis, senhores, que esta espontaneidade que vos levou a vos reunirdes aqui seja um fato puramente pessoal. Esta reunião, não duvideis, tem um caráter especial e providencial. Uma vontade superior a provocou. Mãos invisíveis vos impeliram para cá, malgrado vosso, e talvez um dia ela seja inserida nos fastos do Espiritismo. Possam os nossos irmãos futuros lembrar este dia memorável, em que os espíritas lioneses, dando exemplo de união e concórdia, plantaram, nestes novos ágapes, a primeira baliza da aliança que deve existir entre os espíritas de todos os países do mundo, porque o Espiritismo, restituindo ao Espírito seu verdadeiro papel na Criação, e constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, suprime naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens em consequência das vantagens corporais e mundanas sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor. Alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, o Espiritismo estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional que aquela que tem por base apenas os frágeis laços da matéria, pois esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Uma vez bem compreendidos, tais laços influirão, pela força das coisas, nas relações sociais, e mais tarde na legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade. Ver-se-á então desaparecerem essas anomalias que chocam os homens de bom-senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje. Mas isto é a obra do tempo. Deixemos a Deus o cuidado de fazer que cada coisa venha a seu tempo. Esperemos tudo de sua sabedoria, e rendamos-lhe graças por nos ter permitido assistir à aurora que surge para a Humanidade e por nos haver escolhido como os pioneiros da grande obra que se prepara. Que ele se digne espalhar sua bênção sobre esta assembleia, a primeira em que os adeptos do Espiritismo estão reunidos em tão grande número, com um sentimento de verdadeira confraternidade.

Digo de verdadeira confraternidade porque tenho a convicção íntima de que todos aqui presentes não trazem outra. Mas não tenhais dúvidas que entre nós estejam numerosas coortes de Espíritos que no momento nos ouvem; que veem todas as nossas ações; que sondam o pensamento de cada um, e que escrutam sua força ou sua fraqueza moral. Os sentimentos que os animam são muito diversos. Se uns estão felizes nesta união, outros, acreditai, estão horrivelmente invejosos. Saindo daqui, vão tentar semear a discórdia e a desunião. Cabe-vos a todos vós, bons e sinceros espíritas, provar-lhes que perdem seu tempo e que se equivocam julgando encontrar aqui corações accessíveis às suas pérfidas sugestões. Invocai, pois, com fervor, a assistência dos vossos anjos da guarda, a fim de que afastem de vós todo pensamento que não seja para o bem. Ora, como o mal não pode ter sua fonte no bem, o simples bom-senso diz que todo pensamento mau não pode vir de um bom Espírito; e um pensamento é necessariamente mau quando contrário à lei do amor e da caridade; quando tem por móvel a inveja ou o ciúme, o orgulho ferido, ou mesmo uma pueril susceptibilidade do amor-próprio ferido, irmão gêmeo do orgulho, que levaria a olhar seus irmãos com desdém. Amor e caridade para com todos, diz o Espiritismo; Armarás a teu próximo como a ti mesmo, diz o Cristo. Não são sinônimos?

Meus amigos, eu vos felicitei pelos progressos que o Espiritismo fez entre vós, e ao constatá-lo, não poderia me sentir mais feliz do que me sinto. Felicitai-vos, por vosso lado, porque esse mesmo progresso verifica-se em toda parte. Sim, este último ano viu o Espiritismo crescer em todos os países, numa proporção que ultrapassou todas as esperanças. Ele está no ar, nas aspirações de todos, e por toda parte encontra ecos, bocas que repetem: Eis o que eu esperava; eis o que uma voz secreta me fazia pressentir. Mas o progresso se manifesta agora em nova fase: é a fase da coragem, que há pouco ainda não existia. Só se falava dele em segredo e às ocultas. Hoje a gente se confessa espírita tão abertamente quanto se confessa católico, judeu ou protestante. Enfrenta-se a zombaria, e essa coragem se impõe aos trocistas, que são como os cachorrinhos que perseguem os que fogem e fogem se perseguidos. Esta zombaria dá coragem aos tímidos e em muitas localidades revela muitos espíritas que se desconheciam mutuamente. Tal movimento pode estacionar? Poderão detê-lo? Digo alto e bom som: Não! Para isto puseram tudo em ação: sarcasmos, troça, ciência, anátemas. Ele ultrapassou tudo, sem diminuir a sua marcha um segundo. Cego, pois, é quem nisto não vê o dedo de Deus. Poderão entravá-lo, represá-lo nunca, porque se não correr pela direita, correrá pela esquerda.

Vendo os benefícios morais que ele proporciona, as consolações que dá, os próprios crimes que já impediu, a gente se pergunta: quem tem interesse em combatê-lo? Para começar, tem contra si os incrédulos, que o ridicularizam. Estes não são para temer, pois viram suas setas afiadas quebrar-se contra a própria couraça. Os ignorantes, que o combatem sem conhecê-lo, são os mais numerosos, mas a sua verdade combatida pela ignorância jamais teve algo a temer, pois os ignorantes se refutam por si mesmos, sem o querer, segundo o testemunho do Sr. Louis Figuier, na sua Histoire du Merveilleux. A terceira categoria de adversários é mais perigosa, por ser tenaz e pérfida. Ela compõe-se de todos aqueles cujos interesses materiais podem ser feridos. Eles combatem na sombra, e as flechas envenenadas da calúnia não lhes faltam. Eis os verdadeiros inimigos do Espiritismo, como em todos os tempos o têm sido de todas as ideias de progresso, e que são encontrados em todas as fileiras, em todas as classes da Sociedade. Vencerão? Não, porque ao homem não é dado opor-se à marcha da Natureza, e o Espiritismo está na ordem das coisas naturais. Mais cedo ou mais tarde terão que tomar o seu partido e aceitar o que for aceito por todos. Não, eles não o vencerão. Eles é que serão vencidos.

Um novo elemento vem juntar-se à legião dos espíritas: o das classes laboriosas. Notai nisto a sabedoria da Providência. O Espiritismo propagou-se primeiro nas camadas esclarecidas, nas mais altas esferas sociais. A princípio isto era necessário para lhe dar mais crédito, e depois para que fosse elaborado e expurgado das ideias supersticiosas que a falta de instrução nele poderiam introduzir, e com as quais teria sido confundido. Apenas constituído, se assim se pode falar de uma Ciência tão nova, tocou as classes laboriosas e entre elas se propaga com rapidez. Ah! É que nele há tantas consolações a dar, tanta coragem moral a recompor, tantas lágrimas a enxugar, tanta resignação a inspirar, que nesses meios foi acolhido como uma âncora de salvação, como uma égide contra as tentações da necessidade. Por toda parte onde o vi penetrar na morada do trabalho, o vi produzir seus efeitos moralizadores. Alegrai-vos, pois, operários lioneses que me ouvis, por terdes noutras cidades, como Sens, Lille, Bordéus, irmãos espíritas que como vós abjuraram as culposas esperanças na desordem e os criminosos desejos de vingança. Continuai a provar pelo exemplo os benéficos resultados desta doutrina. Aos que perguntarem para que pode ela servir, respondei:

Em meu desespero eu queria me matar, mas o Espiritismo tolheu-me, porque sei o que custa abreviar voluntariamente as provas que a Deus aprouve mandar aos homens.

Para me atordoar, embriagava-me, mas compreendi o quanto era desprezível por tirar-me voluntariamente a razão, privando-me assim de ganhar o meu pão e o dos filhos.

Eu me havia divorciado de todos os sentimentos religiosos. Hoje rogo a Deus e deponho a minha esperança na sua misericórdia.

Eu só acreditava no nada como supremo remédio para as minhas misérias. Meu pai comunicou-se comigo e me disse: Meu filho, coragem! Deus te vê. Um esforço a mais e estarás salvo! E eu me prostrei de joelhos diante de Deus e lhe pedi perdão.

Vendo ricos e pobres, gente que tem tudo e gente que nada tem, eu acusava a Providência. Hoje sei que Deus tudo pesa na balança de sua justiça e espero o seu julgamento. Se estiver em seus desígnios que eu deva sucumbir ao sofrimento, então sucumbirei, mas com a consciência pura e sem levar o remorso de haver roubado um óbolo de quem me podia salvar a vida.

Dizei-lhes: Eis para que serve o Espiritismo, esta loucura, esta quimera, como o chamais. Sim, meus amigos, continuai a pregar pelo exemplo. Fazei compreender o Espiritismo com suas consequências salutares, e quando ele for compreendido, não mais se amedrontarão. Bem ao contrário, será acolhido como uma garantia da ordem social, e os próprios incrédulos serão forçados a falar dele com respeito.

Mencionei os progressos do Espiritismo. É que, com efeito, não há exemplo de uma doutrina, seja qual for, que tenha marchado com tanta rapidez, sem excetuar o próprio Cristianismo. Quererá isto dizer que lhe seja superior? Que deva suplantá-lo? Não. Mas é aqui o lugar de estabelecer o seu verdadeiro caráter, a fim de destruir uma prevenção muito generalizada entre os que não o conhecem.

Em seu nascimento, teve o Cristianismo que lutar contra uma potência terrível: o Paganismo, então universalmente espalhado. Não havia entre eles qualquer aliança possível, como não há entre a luz e as trevas. Numa palavra, ele não poderia propagar-se senão destruindo o que havia. Assim, a luta foi longa e terrível, do que as perseguições são a prova. O Espiritismo, ao contrário, nada tem a destruir, porque assenta suas bases no próprio Cristianismo; sobre o Evangelho, do qual é simples aplicação. Concebei a vantagem, não de sua superioridade, mas de sua posição. Não é, pois, como pretendem alguns, sempre porque não o conhecem, uma religião nova, uma seita que se forma à custa das mais antigas. É uma doutrina puramente moral, que absolutamente não se ocupa dos dogmas e deixa a cada um a inteira liberdade de suas crenças, desde que nenhuma impõe. A prova disto é que tem aderentes em todas, entre os mais fervorosos católicos como entre os protestantes, os judeus e os muçulmanos. O Espiritismo repousa sobre a possibilidade de comunicação com o mundo invisível, isto é, com as almas. Ora, como os judeus, os protestantes e os muçulmanos têm alma como nós, resulta que elas podem comunicar-se tanto com eles quanto conosco, e que, consequentemente, eles podem ser espíritas como nós.

Não é uma seita política, como não o é religiosa. É a constatação de um fato que não pertence mais a um partido do que a eletricidade e as estradas de ferro. É, repito, uma doutrina moral, e a moral está em todas as religiões e em todos os partidos.

A moral que ele ensina é boa ou má? É subversiva? Eis toda a questão. Estudem-no e saberão de que se trata. Ora, desde que é a moral do Evangelho desenvolvida e aplicada, condená-la seria condenar o Evangelho.

Tem feito bem ou mal? Estudai-o ainda, e vereis. Que tem feito? Impediu inúmeros suicídios; devolveu a paz e a concórdia a grande número de famílias; tornou mansos e pacientes homens violentos e coléricos; deu resignação aos que não a tinham, e consolações aos aflitos; reconduziu a Deus os que o desconheciam, destruindo-lhes as ideias materialistas, verdadeira chaga social que aniquila a responsabilidade moral do homem. Eis o que tem feito e faz todos os dias, e o que fará cada vez mais, à medida que se espalhar. Será este o resultado de uma doutrina má? Não sei de ninguém que tenha atacado a moral do Espiritismo. Apenas dizem que a religião pode produzir tudo isto. Concordo perfeitamente. Mas, então, porque não produz sempre? É porque não são todos que a entendem. Ora, o Espiritismo, tornando claro e inteligível para todos aquilo que não o é e tornando evidente aquilo que é duvidoso, conduz à aplicação, ao passo que jamais se sente necessidade daquilo que se não compreende. Portanto, longe de ser antagonista da Religião, o Espiritismo é seu auxiliar. A prova disto é que ele conduz às ideias religiosas os que as haviam repelido. Em resumo, o Espiritismo jamais aconselhou quem quer que fosse a mudar de religião ou a sacrificar suas crenças. Ele não pertence realmente a nenhuma religião ou, melhor dizendo, ele está em todas elas.

Senhores, ainda algumas palavras, por favor, sobre uma questão absolutamente prática. O crescente número dos espíritas em Lyon mostra a utilidade do conselho que vos dei no ano passado, relativamente à formação de grupos. Reunir todos os adeptos numa sociedade única seria, hoje, uma coisa materialmente impossível, e será mais ainda dentro de algum tempo. Além do número, somam-se a essa impossibilidade as distâncias a percorrer, em vista da extensão da cidade, bem como as diferenças de hábitos, conforme as posições sociais. Por esses motivos e por muitos outros, que seria longo aqui desenvolver, uma sociedade única é uma quimera impraticável. Multiplicai os grupos o mais possível. Que haja dez. Que haja cem, se necessário, e ficai certos de que chegareis mais rapidamente, mais seguramente.

Haveria aqui coisas importantes a dizer sobre a unidade de princípios; sobre a divergência que poderia existir entre eles, relativamente a alguns pontos, mas eu me detenho, para não abusar de vossa paciência em me escutar, paciência que já pus a uma prova muito longa. Se desejardes, farei disto objeto de uma instrução especial, que enviarei dentro em breve.

Termino esta alocução, senhores, a que me deixei arrastar pela raridade mesma das ocasiões que tenho a felicidade de estar em vosso meio. Levarei da vossa acolhida benevolente uma lembrança que jamais se apagará, tende certeza.

Ainda uma vez, meus amigos, obrigado do fundo do coração, pelos sinais de simpatia que me testemunhais; obrigado pelas bondosas palavras que me dirigistes por vossos intérpretes, e das quais só aceito o dever que elas me impõem quanto ao que me resta fazer, e não os elogios. Possa esta solenidade ser o penhor da união que deve existir entre todos os verdadeiros espíritas!

Levanto um brinde aos espíritas lioneses e a todos os que dentre eles se distinguem por seu zelo, seu devotamento, sua abnegação, e que vós mesmos indicais, sem que eu precise fazê-lo.

Aos espíritas lioneses, sem distinção de opinião, estejam ou não presentes!

Senhores, os Espíritos também querem participar desta festa de família, e deixar aqui sua palavra. Erasto, que conheceis pelas notáveis dissertações publicadas na Revista, ditou espontaneamente, antes da minha partida, e em vossa intenção, a epístola seguinte, que me encarregou de ler em seu nome. É com prazer que desempenho esta missão. Assim tereis a prova de que os Espíritos com os quais vos comunicais não são os únicos a se ocuparem convosco e com os problemas que vos dizem respeito. Esta certeza não pode senão reforçar a vossa fé e a vossa confiança, vendo que o olhar vigilante dos Espíritos superiores estende-se sobre todos, e que, sem a menor dúvida, também vós sois objeto de sua solicitude.


Epístola de Erasto aos Espíritas Lioneses

Não é sem a mais suave emoção que venho entreter-me convosco, caros espíritas do grupo lionês. Num meio como o vosso, onde todas as camadas se confundem, onde todas as condições sociais se dão as mãos, sinto-me cheio de ternura e de simpatia, e feliz por vos poder anunciar que nós todos, que somos os iniciadores do Espiritismo na França, assistiremos com muito viva alegria os vossos ágapes fraternos, aos quais fomos convidados por João e Irineu, vossos eminentes guias espirituais. Ah! Esses ágapes despertam em meu coração a lembrança daqueles em que todos nos reuníamos, há mil e oitocentos anos, quando combatíamos os costumes dissolutos do paganismo romano, e quando já comentávamos os ensinos e as parábolas do Filho do Homem morto para a propagação da ideia santa, sobre o madeiro da infâmia. Meus amigos, se o Altíssimo, por efeito de sua infinita misericórdia, permitisse que a lembrança do passado pudesse brilhar um instante em vossa memória entorpecida, recordar-vos-íeis dessa época, ilustrada pelos santos mártires da plêiade lionesa: Sanctus, Alexandre, Attale, Episode a doce e corajosa Blandine, Irineu o bispo audaz, de cujo cortejo muitos de vós então participáveis, aplaudindo seu heroísmo e cantando louvores ao Senhor. Também vos lembraríeis de que vários dos que me ouvem regaram com seu sangue a terra lionesa, esta terra fecunda que Eucher e Gregório de Tours chamaram de pátria dos mártires. Não vo-los nomearei, mas podeis considerar os que, em vossos grupos, desempenham uma missão, um apostolado, como tendo sido mártires da propagação da ideia igualitária, ensinada do alto do Gólgota pelo nosso Cristo bem-amado! Hoje, caros discípulos, aquele que foi sagrado por São Paulo vem dizer-vos que vossa missão é sempre a mesma, porque o paganismo romano, sempre de pé, sempre vivaz, ainda enlaça o mundo, como a hera enlaça o carvalho. Deveis, pois, espalhar entre os vossos irmãos infelizes, escravos de suas paixões ou das paixões alheias, a santa e consoladora doutrina que meus amigos e eu viemos revelar-vos por nossos médiuns de todos os países. Não obstante, constatamos que os tempos progrediram; que os costumes já não são os mesmos e que a Humanidade cresceu, porque hoje, se fôsseis vítimas de perseguição, esta não emanaria mais de um poder tirânico e invejoso, como ao tempo da Igreja primitiva, mas de interesses coligados contra a ideia e contra vós, os apóstolos da ideia.

Acabo de pronunciar a palavra igualitária. Julgo útil nela deter-me um pouco, porque não vimos pregar, em vosso meio, utopias impraticáveis, pois, ao contrário, repelimos energicamente tudo quanto pareça ligar-se às prescrições de um comunismo antissocial. Antes de tudo, somos essencialmente propagandistas da liberdade individual, indispensável ao desenvolvimento dos encarnados. Consequentemente, somos inimigos declarados de tudo quanto se aproxime dessas legislações conventuais, que aniquilam brutalmente os indivíduos. Embora me dirija a um auditório em parte composto de artífices e proletários, sei que suas consciências, esclarecidas pelas radiações da verdade espírita, já repeliram todo contato com as teorias antissociais dadas com apoio da palavra igualdade. Seja como for, creio dever restituir a ela sua significação cristã, conforme aquele que, dizendo: “Dai a César o que de César”, a explicou. Então, espíritas! A igualdade proclamada pelo Cristo, e que nós mesmos professamos nos vossos grupos amados, é a igualdade ante a justiça de Deus, isto é, nosso direito, conforme nosso dever cumprido, de subir na hierarquia dos Espíritos e um dia atingir os mundos adiantados, onde reina a perfeita felicidade. Para isto não são levados em conta nem o nascimento, nem a fortuna. O pobre e o fraco a alcançam, bem como o rico e o poderoso, porque uns não levam materialmente mais que os outros, e como lá ninguém compra seu lugar e seu perdão com dinheiro, os direitos são iguais para todos. Igualdade diante de Deus, eis a verdadeira igualdade. Não vos será perguntado o que possuístes, mas o uso que fizestes do que possuístes. Ora, quanto mais houverdes possuído, mais demoradas e mais difíceis serão as contas que tereis de prestar da vossa gestão. Assim, portanto, conforme vossas existências de missões, de provas ou de castigos nas paragens terrenas, cada um de vós, em consonância com as suas boas ou as más obras, progredirá na escala dos seres ou recomeçará, mais cedo ou mais tarde, a sua existência, caso se tenha desviado. Em consequência, repito, proclamando o dogma sagrado da igualdade, não vimos ensinar que aqui em baixo deveis ser todos iguais em riqueza, saber e felicidade, mas que chegareis todos, à vossa hora e conforme os vossos méritos, à felicidade dos eleitos, partilha das almas de escol que cumpriram os seus deveres. Meus caros espíritas, eis a igualdade a que tendes direito, a que vos conduzirá o Espiritismo emancipador, a que vos convido com todas as forças. Para atingi-la, que deveis fazer? Obedecer a estas duas palavras sublimes: amor e caridade, que resumem admiravelmente a lei e os profetas. Amor e caridade! Ah! Aquele que, segundo a sua consciência, cumprir as prescrições desta máxima divina, estará certo de subir rapidamente os degraus da escada de Jacob e de logo atingir as esferas elevadas, de onde poderá adorar, contemplar e compreender a majestade do Eterno.

Não podeis acreditar quanto nos é doce e agradável presidir ao vosso banquete, onde o rico e o artífice se acotovelam brindando à fraternidade; onde o judeu, o católico e o protestante podem sentar-se à mesma comunhão pascal. Não podeis crer quanto me sinto orgulhoso de vos distribuir, a todos e a cada um, os elogios e o encorajamento que o Espírito de Verdade, nosso bem-amado mestre, me ordenou conferir às vossas piedosas coortes. A ti, Dijoud; a ti, sua digna companheira; a vós todos, devotados missionários, que espalhais os benefícios do Espiritismo, obrigado por vosso concurso e vosso zelo. Mas, noblesse oblige, meus amigos, sobretudo a do coração. Seríeis muito culpados, muito criminosos se faltásseis, no futuro, às vossas santas missões. Mas não falhareis. Tenho como garantia o bem que realizastes e o que vos resta a fazer. Mas é a vós, meus bem-amados irmãos no labor cotidiano, que reservo minhas mais sinceras felicitações, porque, eu o sei, subis penosamente o vosso Gólgota, levando, como o Cristo, a vossa cruz dolorosa. Que poderia dizer de mais elogioso para vós do que lembrar a coragem e a resignação com que suportais os desastres inauditos que a luta fratricida mas necessária das duas Américas engendra em vosso meio? Ah! Ninguém pode negar que a benéfica influência do Espiritismo já se faz sentir. Ela penetrou, com a esperança e a fé, no meio das oficinas. Quando nos lembramos do período do último reino, em que, desde que faltava o trabalho, os operários desciam da Croix-Rousse para os Terreaux, em grupos tumultuosos, fazendo pressagiar motins, e os motins a repressão terrível, devemos agradecer a Deus a nova revelação. Com efeito, segundo essa imagem vulgar de que se servem em sua linguagem pitoresca, muitas vezes é preciso dançar diante do bufete. Então dizem, apertando o cinto: Bem! Comeremos amanhã!!! Bem sei que a caridade pública e particular se preocupam e agem, mas não é nisso que está o verdadeiro remédio. A Humanidade necessita de algo melhor. Por isso, se o Cristianismo preconizou a igualdade e as leis igualitárias, o Espiritismo encerra em suas entranhas a fraternidade e as suas leis, obra grandiosa e durável que os séculos futuros bendirão. Lembrai-vos, meus amigos, que o Cristo escolheu seus apóstolos entre os últimos dos homens, e que estes, mais fortes que os Césares, conquistaram o mundo para a ideia cristã. A vós, pois, incumbe a obra santa de esclarecer vossos companheiros de fábrica, e de propagar nossa sublime doutrina, que faz os homens tão fortes na adversidade, para que o espírito do mal e da revolta não venha suscitar o ódio e a vingança no coração dos vossos irmãos ainda não tocados pela graça espírita. Esta obra vos pertence por inteiro, meus caros amigos. Sei que a realizareis com o amor e o zelo que dá a consciência de um dever a cumprir. Um dia, a História reconhecida escreverá em seus anais que os operários de Lyon, esclarecidos pelo Espiritismo, muito mereceram da pátria em 1861 e 1862, pela coragem e resignação com que suportaram as tristes consequências das lutas escravagistas entre os Estados desunidos da América. Que importa! Esses tempos de lutas e de provas, meus filhos, são abençoados por Deus, enviados para desenvolver a coragem, a paciência e a energia para apressar a elevação e o aperfeiçoamento do orbe terrestre e dos Espíritos nele aprisionados nos laços carnais da matéria! Ide, agora. A trincheira está aberta no Velho Mundo, e sobre as suas ruínas aclamareis a era espírita da fraternidade, que vos mostra o objetivo e o fim das misérias humanas, consolando e fortalecendo vossos corações contra a adversidade e a luta. Confundireis os incrédulos e os ímpios, agradecendo a Deus o quinhão de vossos infortúnios e de vossas provas, porque estas vos aproximam da felicidade eterna.

Resta-me fazer-vos ouvir alguns conselhos já dados muitas vezes por vossos guias habituais, mas que minha posição pessoal e a circunstância atual me aconselham a lembrar-vos. Meus bons amigos, aqui me dirijo a todos os espíritas, a todos os grupos, a fim de que nenhuma cisão, nenhuma dissidência, nenhum cisma surjam entre vós, mas que, ao contrário, uma crença solidária vos anime e vos reúna todos, pois isto é necessário ao desenvolvimento de nossa doutrina benfazeja. Sinto como que uma vontade que me força a vos pregar a concórdia e a união, pois nisto, como em tudo, a união faz a força, e tendes necessidade de ser fortes e unidos, para fazer frente às tempestades que se aproximam. E não só tendes necessidade de união entre vós, mas ainda com os vossos irmãos de todas as regiões. Por isso vos exorto a seguirdes o exemplo que vos deram os espíritas de Bordéus, cujos grupos particulares formam, todos, os satélites de um grupo central, o qual solicitou entrar em comunicação com a Sociedade iniciadora de Paris, a primeira a receber os elementos de um corpo de doutrina e lançar as bases sérias para os estudos do Espiritismo, que todos nós, espíritas, professamos no mundo inteiro.

Sei que aquilo que vos digo aqui não ficará perdido; aliás estou me referindo inteiramente aos conselhos que já recebestes, e que ainda recebereis dos vossos excelentes guias espirituais que vos dirigirão nesta via salutar, pois é necessário que a luz vá do centro para a periferia e desta para o centro, a fim de que todos aproveitem e se beneficiem dos trabalhos de cada um. Aliás, é incontestável que submetendo ao cadinho da razão e da lógica todos os dados e todas as comunicações dos Espíritos, fácil será repelir o absurdo e o erro. Um médium pode ser fascinado; um grupo, enganado, mas o controle severo dos outros grupos; a ciência adquirida e a grande autoridade moral dos chefes de grupos; as comunicações dos principais médiuns que recebem um cunho de lógica e de autenticidade de nossos melhores Espíritos, rapidamente farão justiça aos ditados mentirosos e astuciosos emanados de uma turba de Espíritos enganadores, imperfeitos ou maus. Repeli-os impiedosamente, a todos esses Espíritos que dão conselhos exclusivos, pregando a divisão e o isolamento. Quase sempre são Espíritos vaidosos e medíocres, que tendem a impor-se aos homens fracos e crédulos, prodigalizando-lhes louvores exagerados, a fim de fasciná-los e de mantê-los sob seu domínio. Geralmente são Espíritos sedentos de poder, que, déspotas públicos ou no lar, quando vivos, ainda querem ter vítimas para tiranizar, após a sua morte. Meus amigos, em geral desconfiai das comunicações que tenham um caráter de misticismo ou de estranheza, ou que prescrevam cerimônias e atos bizarros. Nesses casos, há sempre um motivo legítimo de suspeita. Por outro lado, crede bem que quando uma verdade deve ser revelada à Humanidade, é, por assim dizer, instantaneamente comunicada em todos os grupos sérios, que possuem médiuns sérios.

Enfim, creio que é bom repetir aqui que ninguém é médium perfeito se for obsedado. A obsessão é um dos maiores escolhos, e há manifesta obsessão quando um médium não é apto a receber comunicações senão de um Espírito especial, por mais alto que este procure colocar-se. Em consequência, todo médium e todo grupo que se julgam privilegiados por comunicações que só eles podem receber e que, por outro lado, são submetidos a práticas que tocam a superstição, estão indubitavelmente sob o domínio de uma obsessão muito bem caracterizada. Digo tudo isto, meus amigos, porque existem no mundo médiuns fascinados por pérfidos Espíritos. Desmascararei impiedosamente tais Espíritos, se ousarem ainda profanar nomes venerados, dos quais se apoderam como ladrões e com os quais se enfeitam orgulhosamente, como lacaios com as roupas dos patrões. Eu os pregarei no pelourinho sem piedade, se persistirem em desviar do reto caminho cristãos honestos, espíritas zelosos, de cuja boa-fé abusaram. Numa palavra, deixai-me repetir o que já aconselhei aos espíritas parisienses: é melhor repelir dez verdades momentaneamente do que admitir uma só mentira, uma única teoria falsa, porque sobre essa teoria, sobre essa mentira podereis construir todo um sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento erigido sobre areia movediça, ao passo que se hoje rejeitardes certas verdades, certos princípios, porque não vos são demonstrados logicamente, logo um fato brutal ou uma demonstração irrefutável virá afirmar-vos a sua autenticidade.

A João, a Irineu, a Blandina, bem como a todos os vossos Espíritos protetores incumbe a tarefa de vos premunir de agora em diante contra os falsos profetas da erraticidade. O grande Espírito emancipador que preside aos nossos trabalhos sob o olhar do Todo-Poderoso proverá isso, podeis crer-me. Quanto a mim, embora esteja mais particularmente ligado aos grupos parisienses, virei algumas vezes entreter-me convosco e acompanharei sempre com interesse os vossos trabalhos particulares.

Esperamos muito da província lionesa, e sabemos que não faltareis, nem uns nem outros, às vossas respectivas missões. Lembrai-vos de que o Cristianismo, trazido pelas legiões cesaristas, lançou, há quase dois mil anos, as primeiras sementes da renovação cristã em Vienne e Lyon, de onde se propagaram rapidamente à Gália do Norte. Hoje o progresso deve realizar-se numa radiação nova, isto é, do Norte para o Sul. À obra, pois, lioneses! É preciso que a verdade triunfe, e não é sem uma legítima impaciência que esperamos a hora em que soará a trombeta de prata que nos anunciará o vosso primeiro combate e a vossa primeira vitória.

Agora deixai-me agradecer-vos o recolhimento com que me escutastes e a simpática acolhida que nos concedestes. Que Deus Todo-Poderoso, Senhor de nós todos, nos conceda sua benevolência e espalhe sobre vós e sobre o seu servo muito humilde os tesouros de sua misericórdia infinita! Adeus, lioneses! Eu vos bendigo!

ERASTO.



Palestras familiares de além-túmulo - Eugêne Scribe (Sociedade Espirita de Paris)

Quando da discussão entre vários Espíritos sobre o aforismo de Buffon: “O estilo é o homem”, relatada no número precedente, foi citado o nome do Sr. Scribe, o que sem dúvida lhe deu motivo para vir, embora não tivesse sido chamado. Sem participar do debate, ditou espontaneamente a dissertação seguinte, motivando o diálogo que a acompanha:

“Seria desejável que o teatro, onde grandes e pequenos vão haurir ensinamentos, se preocupasse um pouco menos em lisonjear o gosto pelos costumes fáceis e a exaltação dos aspectos veniais de uma juventude ardente, mas que a melhora social fosse perseguida por peças elevadas e morais, onde a fina pilhéria substituísse o sal grosso de cozinha, de que se servem hoje os autores de revistas. Mas não. Conforme o teatro, e dependendo do público, lisonjeiam-se as paixões humanas. Aqui preconizam o macacão ao invés do fraque, transformado em bode expiatório de todas as iniquidades sociais; ali, é o macacão que é odiado e conspurcado, porque esconde sempre, ao que dizem, um malandro ou um assassino. Mentira de ambos os lados.

Alguns autores até começam a pegar o touro pelos chifres e, como Émile Augier, a pregar os manejadores do dinheiro no pelourinho da opinião pública. Ora! Que importa! Nem por isso o público deixa de se precipitar para os teatros, onde uma plástica atrevida e sem pudor paga os gastos do espetáculo. Ah! É tempo das ideias espíritas serem propagadas em todas as camadas sociais, porque então o teatro será moralizado por si mesmo, e às exibições femininas sucederão peças conscienciosas, representadas conscienciosamente por artistas de talento. Todos ganharão com isto. Esperemos que em breve surja um autor dramático capaz de expulsar do teatro e da predileção do público todos esses impostores, proxenetas imorais das damas das camélias de toda sorte. Trabalhai, pois, em espalhar o Espiritismo, que deve produzir tão louvável resultado.

E. SCRIBE.


1. ─ Numa comunicação ditada há pouco tempo à Srta. J..., e lida na Sociedade, dizeis que o que fez a vossa reputação na Terra não a fez no Céu, e que poderíeis ter empregado melhor os dons recebidos de Deus. Teríeis a bondade de desenvolver este pensamento e dizer em que vossas obras são censuráveis? Parece-nos que elas têm um lado moral, e que de certo modo abriram caminho ao progresso. ─ Tudo é relativo. Hoje, no mundo elevado onde me encontro, não vejo mais com os olhos terrenos, e penso que, com os dons que havia recebido do Todo Poderoso, deveria ter feito mais pela Humanidade. Por isto disse não haver trabalhado para o céu. Mas não posso exprimir em poucas palavras o que vos queria dizer naquela ocasião, pois sabeis que eu era pouco verboso.

2. ─ Dizeis também que gostaríeis de produzir uma obra mais útil e mais séria, mas que essa alegria vos foi recusada. É como Espírito que queríeis fazer tal obra? Nesse caso, como faríeis para que os homens dela tirassem proveito? ─ Meu Deus! Da maneira mais simples empregada pelos Espíritos: inspirando os escritores, que muitas vezes imaginam tirar de seu próprio íntimo, ah! por vezes tão vazio.

3. ─ Pode-se saber qual o assunto do qual vos proporíeis tratar? ─ Eu não tinha um objetivo determinado, mas bem sabeis que a gente gosta um pouco de fazer o que nunca fez. Gostaria de ocupar-me de Filosofia e de Espiritualismo, porque dediquei-me demais ao realismo. Não interpreteis o vocábulo realismo como hoje o entendem. Eu apenas quis dizer que me ocupei mais especialmente do que deleita a vista e o ouvido dos espíritos frívolos da Terra, do que daquilo que poderia satisfazer os espíritos sérios e filosóficos.

4. ─ Dissestes à Srta. J... que não éreis feliz. Podeis não ter a sorte dos bem aventurados, mas há pouco, na comissão, contaram uma porção de boas ações que praticastes e que certamente foram levadas em conta. ─ Não. Não sou feliz porque, ah! ainda tenho ambição, e tendo sido acadêmico na Terra, queria ter feito parte, igualmente, da assembleia dos eleitos.

5. ─ Parece que na falta da obra que ainda não podeis fazer, poderíeis alcançar o mesmo objetivo, para vós e para os outros, aqui vindo fazer uma série de dissertações. ─ Não peço mais do que isto, e virei com prazer, se me permitirem, o que ignoro, pois ainda não tenho posição bem determinada no mundo espiritual. Tudo é tão novo para mim, que passei a vida a casar tenentes com herdeiras ricas, que ainda não tive tempo de conhecer e admirar este mundo etéreo, o qual havia esquecido em minha encarnação. Voltarei, pois, se os Grandes Espíritos mo permitirem.

6. ─ No mundo em que estais, já revistes a Sra. de Girardin, que em vida muito se ocupava com Espíritos e evocações? ─ Ela teve a bondade de vir esperar-me no limiar da verdadeira vida, com os Espíritos da plêiade à qual pertencemos.

7. ─ Ela é mais feliz do que vós? ─ Mais feliz do que eu é seu Espírito, porque ela contribuiu para as obras de educação da infância, escritas por sua mãe, Sophie Gay.

OBSERVAÇÃO DE ERASTO: Não. Ela é mais feliz porque lutou, ao passo que Scribe se deixou arrastar na corrente de sua vida cômoda.

8. ─ Ides às vezes assistir às representações de vossas obras, bem como a Sra. Girardin ou Casimir Delavigne? ─ Como quereis que deixemos de visitar esses filhos queridos que deixamos na Terra? Ainda é um dos nossos puros prazeres.

OBSERVAÇÃO: A morte, pois, não separa os que se conheceram na Terra. Eles se reencontram, reúnem-se e se interessam pelo que era objeto de suas preocupações. Dirão sem dúvida que ao se lembrarem do que lhes dava alegria, se lembrarão também do que lhes causava sofrimento, e isso lhes deve alterar a felicidade. Essa lembrança produz um efeito absolutamente contrário, porque a satisfação de estar liberto dos males terrenos é um prazer tanto mais suave quanto maior for o contraste. Os benefícios da saúde são melhor apreciados após uma doença, a calma após a tempestade. O guerreiro voltando ao lar não se compraz em contar os perigos que enfrentou, as fadigas que experimentou? Assim, para os Espíritos, a lembrança das lutas terrenas é uma satisfação, desde que saíram vencedores. Mas tal lembrança se perde ao longe, ou, pelo menos, diminui de importância aos seus olhos, à medida que se libertam dos fluidos materiais dos mundos inferiores e se aproximam da perfeição. Para eles, tais lembranças são sonhos remotos, como para o homem feito, as recordações da primeira infância.





Ensinamentos e dissertações espiritas

Os cretinos (Sociedade espírita de paris. Médium: Sra. Costel)

Nossa colega, Sra. Costel, tendo feito uma excursão à parte dos Alpes em que o cretinismo parece ter estabelecido um dos seus principais focos, ali recebeu, de um de seus Espíritos habituais, a seguinte comunicação:

“Os cretinos são seres punidos na Terra pelo mau uso feito de poderosas faculdades. Sua alma está aprisionada num corpo cujos órgãos impotentes não podem exprimir seu pensamento. Esse mutismo moral e físico é uma das mais cruéis punições terrestres. Frequentemente é escolhida pelos Espíritos arrependidos que querem resgatar suas faltas. Essa prova não é estéril, porque o Espírito não fica estacionário na prisão da carne. Os olhos embrutecidos veem; o cérebro deprimido concebe, mas nada pode ser traduzido pela palavra ou pelo olhar e, salvo o movimento, estão moralmente no estado dos letárgicos e dos catalépticos, que veem e ouvem o que se passa ao seu redor sem poderem exprimi-lo. Quando, em sonho, tendes esses terríveis pesadelos, nos quais quereis fugir de um perigo; quando soltais gritos para pedir socorro, enquanto a língua fica presa ao palatino e os pés ao solo, experimentais por um instante aquilo que o cretino experimenta sempre: paralisia do corpo ligada à vida do Espírito.

Assim, quase todas as enfermidades têm sua razão de ser. Nada se faz sem causa, e o que chamais injustiça da sorte é a aplicação da mais alta justiça. A loucura também é uma punição pelo abuso de altas faculdades. O louco tem duas personalidades, uma extravagante e a outra consciente de seus atos, sem poder dirigi-los. Quanto aos cretinos, a vida contemplativa e isolada de suas almas, sem as distrações do corpo, pode ser tão agitada quanto as existências mais complicadas pelos acontecimentos. Alguns se revoltam contra seu suplício voluntário; lamentam tê-lo escolhido e experimentam um furioso desejo de voltar a uma outra vida, desejo que lhes faz esquecer a resignação na vida presente e o remorso da vida passada, da qual têm consciência, porque os cretinos e os loucos sabem mais que vós, e na sua impossibilidade física oculta-se uma força moral da qual não fazeis a mínima ideia. Os atos de furor ou de imbecilidade a que seus corpos se entregam são julgados pelo ser interior, que sofre e deles se envergonha. Assim, ridicularizá-los, injuriá-los e até maltratá-los, como às vezes fazem, é aumentar-lhes o sofrimento, porque lhes faz sentir mais duramente sua fraqueza e sua abjeção. Se eles pudessem, acusariam os que assim agem de covardia, pois eles sabem que suas vítimas não podem se defender.

O cretinismo não é uma lei de Deus, e a Ciência pode fazê-lo desaparecer, pois ele é o resultado material da ignorância, da miséria e da sujeira. Os novos meios de higiene que a Ciência, tornada mais prática, pôs ao alcance de todos, tendem a destruí-lo. Sendo o progresso a condição determinada da Humanidade, as provas impostas modificar-se-ão e seguirão a marcha dos séculos; tornar-se-ão todas morais, e quando a vossa Terra, ainda jovem, tiver realizado todas as fases de sua existência, tornar-se-á um lugar de felicidade, como outros planetas mais adiantados.

PIERRE JOUTY,pai do médium.

Observação: Houve um tempo em que se havia posto em dúvida a alma dos cretinos e se perguntava se, na verdade, eles pertenciam à espécie humana. A maneira pela qual o Espiritismo os encara não é de uma alta moralidade e de um grande ensinamento? Não há matéria para sérias reflexões, ao pensar que esses corpos desgraçados encerram almas que talvez tenham brilhado no mundo; que são tão lúcidas e pensantes quanto as nossas, sob o espesso envoltório que lhes abafa as manifestações, e que um dia o mesmo nos pode acontecer, se abusarmos das faculdades que nos concedeu a Providência?

De que outra forma poder-se-ia explicar o cretinismo? Como fazê-lo concordar com a justiça e a bondade de Deus, sem admitir a pluralidade das existências, isto é, a reencarnação? Se a alma ainda não viveu, é que foi criada ao mesmo tempo que o corpo. Nesta hipótese, como justificar a criação de almas tão deserdadas quanto a dos cretinos, por parte de um Deus justo e bom? Aqui não se trata de um desses acidentes, como, por exemplo, a loucura, que se pode prevenir ou curar. Esses seres nascem e morrem no mesmo estado. Sem qualquer noção do bem ou do mal, qual a sua sorte na eternidade? Serão felizes como os homens trabalhadores e inteligentes? Mas, por que esse favor, desde que nada fizeram de bom? Estarão naquilo a que chamam limbo, isto é, num estado misto, que nem é felicidade nem infelicidade? Mas, por que essa inferioridade eterna? É sua culpa se Deus os criou cretinos? Desafiamos todos os que repelem a doutrina da reencarnação a saírem do impasse. Com a reencarnação, ao contrário, aquilo que parece uma injustiça torna-se admirável justiça; o que é inexplicável explica-se da mais racional das maneiras. Aliás, não sabemos se os que repelem esta doutrina jamais a tenham combatido com argumentos mais peremptórios do que o de sua repugnância pessoal a voltar à Terra. Estão, assim, muito certos de possuir bastantes virtudes para ganhar o Céu numa arrancada. Desejamo-lhes boa sorte. Mas, e os cretinos? E as crianças que morrem em tenra idade? Que títulos possuirão para fazer valer?


Um homem de bem teria morrido (Sociedade espírita de Sens)

Muitas vezes, falando de um homem mau que escapa de um perigo, dizeis: “Se fosse um homem de bem, teria morrido”. Ora, dizendo isto estais certos, pois realmente muitas vezes acontece que Deus dá a um Espírito, ainda novo nas vias do progresso, uma prova mais longa do que a um bom que, como recompensa ao seu mérito, terá sua prova tão curta quanto possível. Assim, pois, quando repetirdes esse axioma, não duvideis de que proferis uma blasfêmia. Se morre um homem de bem e ao lado de sua casa mora um malvado, apressai-vos em dizer: “Melhor que tivesse sido aquele outro”. Cometeis um grande erro, porque o que parte terminou sua tarefa e o que fica, talvez não tenha ainda começado a sua. Por que quereríeis, então, que não tivesse tempo de completá-la, e que o primeiro ficasse ligado à gleba terrestre? Que diríeis de um prisioneiro que tivesse cumprido sua pena e continuasse na prisão, enquanto se desse liberdade ao que a ela não tem direito? Sabei, pois, que a verdadeira liberdade está na libertação dos laços do corpo, e que enquanto estiverdes na Terra, estais em cativeiro.

Habituai-vos a não condenar aquilo que não podeis compreender, e crede que Deus é justo em todas as coisas. Muitas vezes o que vos parece um mal é um bem, mas as vossas faculdades são tão limitadas que o conjunto do grande todo escapa aos vossos sentidos obtusos. Esforçai-vos para sair, pelo pensamento, da vossa esfera estreita e, à medida que vos elevardes, diminuirá aos vossos olhos a importância da vida material, pois ela se vos apresentará como um incidente na duração infinita de vossa existência espiritual, a única existência verdadeira.

FÉNELON

Pobres e ricos (Sociedade espírita de Lyon)

NOTA: Embora os espíritas de Lyon estejam divididos em vários grupos, que se reúnem separadamente, nós os consideramos como formando uma única sociedade, que designamos sob o nome genérico de Sociedade Espírita de Lyon. As duas comunicações que se seguem foram recebidas em nossa presença.

O ciúme é o companheiro do orgulho e da inveja. Ele vos leva a desejar tudo quanto os outros possuem, sem perceberdes que, invejando sua posição, estareis pedindo que vos deem de presente uma víbora, que aqueceríeis em vosso seio. Sempre tendes inveja e ciúme dos ricos. Vossa ambição e vosso egoísmo vos levam a ter sede do ouro alheio. Dizeis: “Se eu fosse rico faria dos meus bens um uso bem diverso do que vejo fazerem fulano e sicrano”. E sabeis se, tendo esse ouro, não faríeis um uso ainda pior? A isto respondeis: “Aquele que está ao abrigo das necessidades diárias da vida tem sofrimentos muito pequenos, comparados com os meus”. Que sabeis de tal coisa? Aprendei que o rico é apenas um intendente de Deus. Se ele fizer mau uso da sua fortuna, ser-lhe-ão pedidas contas severas. Esta fortuna que Deus lhe dá, e da qual se aproveita na Terra, é a sua punição, a sua prova, a sua expiação. Quantos tormentos se causa o rico para conservar esse ouro, a que tanto se apega! Quando chega sua última hora, a hora de prestar contas, e compreende, nessa hora suprema que lhe revela quase sempre toda a conduta que deveria ter tido, como treme! Como tem medo! É que começa a compreender que falhou em sua missão; que foi um mandatário infiel, e que suas contas vão ser vasculhadas. Ao contrário, os pobres trabalhadores, que sofreram durante a vida toda, ligados à bigorna ou à charrua, veem chegar a morte, esta libertação de todos os males, com reconhecimento, sobretudo se suportaram a miséria com resignação e sem murmurar. Crede, meus amigos, se vos fosse dado ver o rude pelourinho ao qual a fortuna liga os ricos, vós, que tendes bom coração, porque passastes por todas as peneiras da desgraça, diríeis com o Cristo, quando o vosso amor-próprio fosse ferido pelo luxo dos opulentos da Terra: “Perdoai-lhes, meu Deus, pois não sabem o que fazem”, e adormeceríeis no vosso duro travesseiro, acrescentando: “Meu Deus, abençoai-me, e que vossa vontade seja feita!”

O Espírito protetor do médium.

Diferentes maneiras de fazer caridade (Sociedade Espírita de Lyon))

NOTA: A comunicação seguinte foi recebida em nossa presença, no grupo de Perrache:

“Sim, meu amigos, virei sempre ao vosso meio, sempre que for chamado. Ontem senti-me muito feliz entre vós, quando ouvi o autor dos livros que vos abriram os olhos testemunhar o desejo de vos ver reunidos, para vos dirigir palavras benevolentes. Para vós todos é ao mesmo tempo um grande ensinamento e poderosa lembrança. Apenas, quando vos falou do amor e da caridade, senti que diversos entre vós se perguntavam: “Como fazer a caridade? Às vezes não tenho nem o necessário”.

“A caridade, meus amigos, se faz de muitas maneiras. Podeis fazê-la por pensamento, palavras e obras. Em pensamento, orando pelos pobres abandonados, que morreram sem ao menos ter visto a luz. Uma prece de coração os alivia. Por palavras, dirigindo aos vossos companheiros de todos os dias alguns conselhos bons. Dizei aos homens amargurados pelo desespero e pelas privações, e que blasfemam o nome do Todo-Poderoso: “Eu era como vós. Eu sofria, era infeliz, mas acreditei no Espiritismo e, vede, estou agora radiante”. Aos velhos que vos disserem: “É inútil; estou no fim da carreira; morrerei como vivi”. Respondei-lhes: “Deus tem para vós todos uma justiça igual. Lembrai-vos dos trabalhadores da última hora”. Às crianças já viciadas por seu ambiente, que vão vagar pelas estradas, prontas a sucumbir a todas as más tentações, dizei: “Deus vos vê, caros meninos”, e não temais repetirlhes muitas vezes estas suaves palavras. Elas acabarão germinando em suas jovens inteligências e, em vez de pequenos vagabundos, tereis feito homens. Também isto é caridade.

Vários dentre vós também dizem: “Ora essa! Somos tão numerosos na Terra que Deus não pode ver-nos todos”. Escutai bem isto, meus amigos. Quando estais no pico de uma montanha, vosso olhar não abarca os milhares de grãos de areia que formam essa montanha? Então! É assim que Deus vos vê. Ele vos dá o livre-arbítrio, da mesma forma que dais a esses grãos de areia a liberdade de ir e vir, ao sabor do vento que os dispersa. Apenas Deus, em sua infinita misericórdia, pôs no fundo de vosso coração uma sentinela vigilante, chamada consciência. Escutai-a. Ela só vos dará bons conselhos. Por vezes vós a entorpeceis, opondo-lhe o Espírito do mal, e então ela se cala. Tende certeza, porém, que a pobre abandonada se fará ouvir, tão logo lhe tenhais deixado perceber a sombra do remorso. Escutai-a; interrogai-a, e muitas vezes vos achareis consolados pelo conselho que tiverdes recebido.

Meus amigos, a cada regimento novo o general entrega uma bandeira. Eu vos dou esta máxima do Cristo: “Amai-vos uns aos outros”. Praticai esta máxima. Univos em torno desta bandeira e dela recebereis a felicidade e a consolação”.

Vosso Espírito protetor.


Roma (Enviada pelo Sr. Sabò, de Bordéus)

Cidade de Rômulo, cidade dos Césares, berço do Cristianismo, túmulo dos apóstolos, tu és a cidade eterna, e Deus quer que a longa letargia em que caíste cesse por fim. Vai soar a hora de tua volta. Sacode o entorpecimento de teus membros e levanta-te forte e valente para obedecer aos destinos que te esperam, pois há longos séculos não passas de uma cidade deserta. As numerosas ruínas de tuas vastas arenas que dificilmente continham as ondas de ávidos espectadores são apenas visitadas pelos raros estrangeiros que de vez em quando passam por tuas ruas solitárias. Tuas catacumbas, onde repousam os despojos de tantos valentes soldados mortos pela fé, apenas os tiram de sua indiferença. Mas a crise que sofres será a última, e desse penoso e dorido trabalho sairás grande, forte, poderosa, transformada pela vontade de Deus. Do alto de tua velha basílica soará a voz do sucessor de São Pedro, que estenderá sobre ti as mãos que trarão a bênção do Céu, e ele chamará ao seu supremo conselho os Espíritos do Senhor. Submeter-se-á às suas lições e dará o sinal do progresso, arvorando francamente a bandeira do Espiritismo. Então, submetido aos seus ensinos, o universo católico acorrerá em massa para se colocar em redor do cajado de seu primeiro pastor, e com esse impulso todos os corações voltar-se-ão para ti. Serás o farol luminoso que deve iluminar o mundo, e teus habitantes, na alegria e felicidade de te ver dar às nações o exemplo do melhoramento e do progresso, dirão, em seu canto: Sim, Roma é a cidade eterna.

MASSILLON.

O coliseu (Enviada pelo Conde X., de Roma. Traduzida do italiano)

Que sentimento faz nascer em vós a visão do Coliseu? O produzido pelo aspecto de toda ruína: tristeza. Suas vastas e belas proporções lembram todo um mundo de grandeza, mas sua decrepitude involuntariamente leva o pensamento para a fragilidade das coisas humanas. Tudo passa, e os monumentos, que pareciam desafiar o tempo, esboroam-se, como para provar que só as obras de Deus são duráveis, e quando os escombros, semeados por toda parte, protestam contra a eternidade das obras humanas, ousais chamar eterna uma cidade juncada de restos do passado!

“Onde estás, Babilônia? Onde estás, Nínive? Onde vossos imensos e esplêndidos palácios? Viajante, em vão os procuras sob as areias do deserto. Não vês que Deus os apagou da face da Terra? Roma, esperas desafiar as leis da Natureza? Dizes que és cristã e que Babilônia era pagã. Sim, mas tu és de pedra, como ela, e um sopro de Deus pode dispersar as pedras amontoadas. O solo que treme ao redor de ti não está a te advertir que teu berço, que se acha sob os teus pés, pode tornar-se o teu túmulo? Dizeis: eu sou cristã e Deus me protege. Mas ousas comparar-te a esses primeiros cristãos que morriam pela fé, e cujos pensamentos todos já não eram deste mundo, tu que vives de prazeres, luxo e indolência? Lança os olhos sobre estas arenas, ante as quais passas com tanta indiferença. Interroga essas pedras que ainda estão de pé, e elas te falarão, e a sombra dos mártires te aparecerá para dizer: Que fizeste da simplicidade, de que nosso divino Mestre nos fez uma lei; da humildade e da caridade, de que nos deu exemplo? Tinham palácios e estavam vestidos de seda e ouro esses primeiros propagadores do Evangelho? Suas mesas regurgitavam do supérfluo? Tinham coortes de servos inúteis para lhes adular o orgulho? Que há de comum entre ti e eles? Eles só buscavam os tesouros do Céu, e tu buscas os tesouros da Terra! Ó homens que vos dizeis cristãos! Vendo o vosso apego aos bens perecíveis deste mundo, dir-se-ia que realmente não contais com os da eternidade. Roma, que te dizes imortal! Possam os séculos futuros não procurar a tua localização, como hoje é procurada a de Babilônia!

DANTE.

OBSERVAÇÃO: Por singular coincidência, estas duas mensagens nos chegaram no mesmo dia. Embora tratem do mesmo assunto, vê-se que os Espíritos o encaram cada um de seu ponto de vista pessoal. O primeiro vê a Roma religiosa e, em sua opinião, eterna, porque será sempre a capital do mundo cristão. O segundo vê a Roma material, e diz que nada do que os homens edificam pode ser eterno. Aliás, sabe-se que os Espíritos têm suas opiniões e que podem discordar entre si na maneira de ver, quando ainda imbuídos das ideias terrenas. Só os Espíritos mais puros estão isentos de preconceitos. Mas, deixando de lado a opinião, que pode ser controvertida, não é possível recusar a estas duas comunicações uma grande elevação de estilo e de pensamento, e cremos que não seriam relegadas pelos escritores cujos nomes as subscrevem.


A terra prometida (Enviada pelo Sr. Rodolphe, de Mulhouse)

O Espiritismo se ergue, e em breve sua luz fecunda vai iluminar o mundo. Seu brilho magnífico protestará contra os ataques dos interessados em conservar os abusos e contra a incredulidade do materialismo. Os que duvidam sentir-se-ão felizes por encontrar nesta doutrina nova, tão bela e tão pura, o bálsamo consolador que os curará do ceticismo e os tornará aptos a melhorar e progredir, como todas as demais criaturas. Privilegiados serão aqueles que, renunciando às impurezas da matéria, se lançaram em voo rápido até o ápice das ideias mais puras e buscaram desmaterializar-se completamente.

Povos! Erguei-vos para assistir a aurora desta vida nova, que vem para vos regenerar; que vem, enviada por Deus, para vos unir em santa comunhão fraterna. Oh! Como serão felizes os que, ouvindo esta voz abençoada do Espiritismo, seguirem sua bandeira e cumprirem o apostolado que reconduzirá os irmãos tresmalhados pela dúvida e pela ignorância, ou embrutecidos pelo vício!

Voltai, ovelhas dispersas, voltai ao aprisco. Levantai a cabeça, contemplai o vosso Criador, e prestareis homenagem ao seu amor por vós. Retirai prontamente o véu que vos ocultava o Espírito da Divindade; admirai-o em toda a sua beleza; prosternai-vos, com o rosto ao solo, e arrependei-vos. O arrependimento vos abrirá as portas da felicidade, as portas de um mundo melhor, onde reinam o amor mais puro, a fraternidade mais estreita, onde cada um sente alegria na alegria do próximo.

Não sentis que se aproxima o momento em que vão surgir coisas novas? Não sentis que a Terra está em trabalho de parto? Que querem estes povos que se mexem, se agitam, se aprestam para a luta? Por que vão combater? Para quebrar as cadeias que impedem o progresso de sua inteligência; que absorvem a sua seiva; que semeiam a desconfiança e a discórdia; que armam o filho contra o pai e o irmão contra o irmão; que corrompem as nobres aspirações e que matam o gênio. Ó liberdade! Ó independência! nobres atributos dos filhos de Deus, que alargais o coração e elevais a alma, é por vós que os homens se tornam bons, grandes e generosos; é por vós que nossas aspirações se voltam para o bem; é por vós que a injustiça desaparece, os ódios se extinguem e a discórdia foge envergonhada, extinguindo o seu facho tremendo que projeta clarões tão sinistros. Irmãos! Escutai a voz que vos diz: Marchai! Marchai para essa brilhante meta que vedes diante de vós! Marchai para esse brilhante raio de luz que está à vossa frente, como outrora a coluna luminosa à frente do povo de Israel. Sereis conduzidos à verdadeira Terra Prometida, onde reina a felicidade eterna, reservada aos puros Espíritos. Armai-vos de virtudes; limpai-vos das impurezas, e então a rota vos parecerá fácil e a encontrareis juncada de flores. Percorrê-la-eis com um inefável sentimento de alegria, porque a cada passo compreendereis que vos aproximais da meta onde podereis conquistar as palmas eternas.

MARDOQUEU


Egoísmo e orgulho (Sociedade espírita de sens)

Se os homens se amassem com mútuo amor, a caridade seria mais bem praticada. Mas, para isso, seria necessário que vos esforçásseis para vos desembaraçardes dessa couraça que cobre os vossos corações, a fim de serdes mais sensíveis aos corações que sofrem. A rijeza mata os bons sentimentos. O Cristo não desanimava. Aquele que a ele se dirigisse, fosse quem fosse, não era repelido. A mulher adúltera e o criminoso eram por ele socorridos. Ele jamais temia que sua própria reputação sofresse por isso. Quando, pois, o tomareis por modelo de todas as vossas ações? Se a caridade reinasse na Terra, o mau não mais teria domínio; fugiria envergonhado; ocultar-se-ia, porque em toda parte sentir-se-ia deslocado. Então o mal desapareceria da face da Terra, convencei-vos disto. Começai por dar o exemplo, vós mesmos. Sede caridosos para com todos, indistintamente; esforçai-vos por tomar o hábito de não mais notar os que vos olham com desdém; crede sempre que eles merecem vossa simpatia, e deixai a Deus o cuidado de toda justiça, porque a cada dia, em seu reino, ele separa o joio do trigo. O egoísmo é a negação da caridade. Ora, sem caridade não há repouso na Sociedade. Digo mais: nem segurança. Com o egoísmo e o orgulho, que se dão as mãos, será sempre uma corrida em favor do mais hábil, uma luta de interesses, onde são calcadas aos pés as mais santas afeições; onde nem mesmo os laços sagrados da família são respeitados.

PASCAL


Sociedade espírita de Metz

De volta de nossa viagem encontramos uma carta do honrado presidente da Sociedade Espírita de Metz, bem como a primeira publicação dessa Sociedade. Nós a publicaremos no próximo número, pois este já está composto e pronto para impressão. Só nos resta espaço e tempo de enviar nossas sinceras felicitações àquela Sociedade e ao seu digno presidente.

ALLAN KARDEC


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