Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Novembro



Os restos da idade média

Auto de Fé das Obras Espíritas em Barcelona

Nada informamos aos leitores sobre esse fato, que já não o saibam através da imprensa. O que é de admirar é que jornais na aparência bem informados o tenham posto em dúvida. A dúvida não nos surpreende, pois o fato em si parece tão estranho nos dias que vivemos; está de tal modo longe de nossos costumes que, por maior cegueira que reconheçamos no fanatismo, a gente pensa sonhar ao ouvir dizer que as fogueiras da Inquisição ainda se acendem em 1861, às portas da França. Nestas circunstâncias, a dúvida é uma homenagem prestada à civilização europeia, ao próprio clero católico. Hoje, em presença de uma realidade incontestável, o que mais deve admirar é que um jornal sério, que diariamente cai com todas as forças sobre os abusos e invasões do poder sacerdotal, para assinalar esse fato não tenha senão algumas palavras de censura, acrescentando: “Em todo o caso, não seríamos nós que nos divertiríamos neste momento em fazer girar mesas na Espanha” (Le Siècle de 14 de outubro de 1861). Então o Siècle ainda está vendo o Espiritismo nas mesas girantes? Também ele ainda está suficientemente enceguecido pelo ceticismo para ignorar que toda uma doutrina filosófica, eminentemente progressiva, saiu dessas mesas, de que tanto zombaram? Ele ainda não sabe que esta ideia fermenta em toda parte; que em toda parte, nas grandes cidades como nas pequenas localidades, de alto a baixo da escala social, na França e no estrangeiro, esta ideia se espalha com inaudita rapidez; que por toda parte agita as massas que nela saúdam a aurora de uma renovação social? O golpe com que julgaram feri-lo não é um indício de sua importância? Ninguém se atira assim contra uma infantilidade sem consequências, e D. Quixote não voltou à Espanha para se bater contra moinhos de vento.

O que não é menos exorbitante, e nos admiramos de não se ver nenhum protesto enérgico contra isso, é a estranha pretensão que se arroga o Bispo de Barcelona, de policiar a França. O pedido de devolução das obras foi respondido com a recusa assim justificada: “A Igreja católica é universal, e sendo estes livros contra a fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” Assim, eis um bispo estrangeiro que se institui juiz do que convém ou não convém à França! Então a sentença foi mantida e executada, sem pelo menos isentar o destinatário das taxas alfandegárias, de que lhe exigiram o pagamento.

Eis o relato que nos foi dirigido pessoalmente:

“Hoje, nove de outubro de mil oitocentos e sessenta e um, às dez e meia da manhã, na esplanada da cidade de Barcelona, no lugar onde são executados os criminosos condenados ao último suplício, e por ordem do bispo desta cidade, foram queimados trezentos volumes e brochuras sobre o Espiritismo, a saber:

“A Revista Espírita, diretor Allan Kardec;

“A Revista Espiritualista, diretor Piérard;

“O Livro dos Espíritos, por Allan Kardec;

“O Livro dos Médiuns, pelo mesmo;

Que é o Espiritismo, pelo mesmo;

Fragmento de sonata ditada pelo Espírito de Mozart;

Carta de um católico sobre o Espiritismo, pelo Dr. Grand;

A História de Joana d’Arc, ditada por ela mesma à Srta. Ermance Dufaux;

A realidade dos Espíritos demonstrada pela escrita direta, pelo Barão de Goldenstubbe.

“Assistiram ao auto de fé:

“Um sacerdote com os hábitos sacerdotais, com a cruz numa mão e uma tocha na outra;

“Um escrivão encarregado de redigir a ata do auto de fé;

“O secretário do escrivão;

“Um empregado superior da administração da alfândega;

“Três serventes da alfândega, encarregados de alimentar o fogo;

“Um agente da alfândega representando o proprietário das obras condenadas pelo bispo.

“Uma inumerável multidão enchia as calçadas e cobria a imensa esplanada onde se erguia a fogueira.

“Quando o fogo consumiu os trezentos volumes ou brochuras espíritas, o sacerdote e seus ajudantes se retiraram, cobertos pelas vaias e maldições de numerosos assistentes, que gritavam: Abaixo a Inquisição!

“Várias pessoas, a seguir, aproximaram-se da fogueira e recolheram cinza.”

Uma parte dessas cinzas nos foi enviada, onde se encontra um fragmento do Livro dos Espíritos, consumido pela metade, que nós conservamos preciosamente, como um testemunho autêntico desse ato de insensatez.

À parte qualquer opinião, este caso levanta grave questão de direito internacional. Reconhecemos ao governo espanhol o direito de interditar a entrada em seu território de obras que lhe não convenham, como a de todas as mercadorias proibidas. Se as obras tivessem entrado clandestina ou fraudulentamente, nada haveria a dizer, mas elas foram expedidas ostensivamente e apresentadas à alfândega. Havia, pois, uma permissão legalmente solicitada. A alfândega considera-se na obrigação de reportar-se à autoridade episcopal que, sem qualquer forma de processo, condena as obras à fogueira, pelas mãos de um carrasco. Então o destinatário pede que as obras sejam reenviadas para o lugar de sua procedência e por fim lhe respondem que seu pedido foi indeferido. Perguntamos se a destruição dessa propriedade, em tais circunstâncias, não é um ato arbitrário e contra o direito comum.

Se examinarmos o caso do ponto de vista de suas consequências, diremos, para começar, não haver dúvida de que nada poderia ser mais favorável ao Espiritismo. A perseguição sempre foi proveitosa à ideia que se quer proscrever. Por ela se exalta sua importância, chama-se a atenção dos que a ignoravam e que passam a conhecê-la. Graças a esse zelo imprudente, todo mundo, na Espanha, vai ouvir falar do Espiritismo e quererá saber o que é ele. Eis tudo quanto desejamos. Podem queimar-se livros, mas não se queimam ideias. As chamas das fogueiras superexcitam-nas, em vez de abafá-las. Aliás, as ideias estão no ar, e não há Pireneus bastante altos para detê-las. Quando uma ideia é grande e generosa, encontra milhares de corações prontos a aspirar por ela. A despeito do que tenham feito, o Espiritismo já tem numerosas e profundas raízes na Espanha. As cinzas dessa fogueira vão fazê-las frutificar. Mas não é só na Espanha que se produzirá tal resultado. O mundo inteiro sentirá suas consequências. Vários jornais da Espanha estigmatizaram esse ato retrógrado, como bem o merece. Las Novedades, de Madrid, de 19 de outubro, contém um notável artigo a respeito, que será reproduzido em nosso próximo número.

Espíritas de todos os países! Não esqueçais a data de 9 de outubro de 1861. Ela ficará marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é o penhor de vosso próximo triunfo!

Entre as numerosas comunicações a respeito, ditadas pelos Espíritos, citaremos apenas as duas seguintes, dadas espontaneamente na Sociedade de Paris. Elas resumem as causas e todas as consequências desse fato.


Sobre o auto-de-fé em Barcelona

“O amor da verdade deve sempre fazer-se ouvir. Ela rompe o véu e brilha ao mesmo tempo por toda parte. O Espiritismo tornou-se conhecido de todos. Em breve será considerado e posto em prática. Quanto mais perseguições houver, tanto mais depressa esta sublime doutrina chegará ao apogeu. Seus mais cruéis inimigos, os inimigos do Cristo e do progresso, se conduzem de maneira a ninguém ignorar que Deus permite àqueles que deixaram esta Terra de exílio voltarem para junto daqueles que eles amaram.

“Tende certeza que as fogueiras apagar-se-ão por si mesmas, e se os livros são lançados ao fogo, o pensamento imortal lhes sobrevive.

DOLLET

NOTA: Este Espírito, que se manifestou espontaneamente, disse ser o de um antigo livreiro do século XVI.


Outra

“Era preciso que algo ferisse num golpe violento certos Espíritos encarnados, para que se decidissem a ocupar-se desta grande doutrina que deve regenerar o mundo. Nada é feito inutilmente em vossa Terra nesse sentido, e nós, que inspiramos o auto de fé de Barcelona, bem sabíamos que assim agindo contribuiríamos para um grande passo à frente. Esse fato brutal, incrível nos tempos atuais, foi consumado a fim de atrair a atenção dos jornalistas que ficavam indiferentes ante a profunda agitação reinante nas cidades e centros espíritas. Eles deixavam dizer e fazer, mas se obstinavam em fazer ouvidos moucos, e respondiam pelo mutismo ao desejo de propaganda dos adeptos do Espiritismo. De boa ou má vontade, é preciso que hoje falem. Uns constatando o caso histórico de Barcelona, e outros o desmentindo, deram lugar a uma polêmica que dará a volta do mundo e da qual só o Espiritismo tirará proveito. Eis por que hoje a retaguarda da Inquisição praticou o seu último auto de fé. Foi porque assim o quisemos.”

SÃO DOMINGOS



Opinião de um jornalista sobre o Livro dos Espíritos

Como se sabe, a imprensa não nos cumula de atenções, o que não impede o Espiritismo de avançar rapidamente, prova clara de que é bastante forte para marchar sozinho. Se a imprensa é muda ou hostil, não haverá razão para crer que todos os seus representantes sejam contra o Espiritismo. Muitos, ao contrário, sãolhe simpáticos, mas detidos por considerações pessoais, porque ninguém quer tomar a iniciativa. Neste tempo a opinião pública se pronuncia cada vez mais. A ideia se generaliza e, quando tiver invadido as massas, a imprensa progressista será forçada a segui-la, sob pena de ficar com os que não avançam nunca. Fá-lo-á sobretudo quando compreender que o Espiritismo é o mais poderoso elemento de propagação para todas as ideias grandiosas, generosas e humanitárias que ela não cessa de pregar. Sem dúvida suas palavras não ficam perdidas, mas quantos golpes não devem ser dados na rocha dos preconceitos antes de encetá-la! O Espiritismo lhes oferece um terreno fecundo e elimina as últimas barreiras que lhe detinham a marcha. Eis o que compreenderão os que se derem ao trabalho de estudá-lo a fundo, de medir-lhe o alcance e de ver as consequências que já se manifestam em resultados positivos. Mas para isto são necessários observadores sérios e não superficiais; esses homens que não escrevem por escrever, mas que fazem de seus princípios uma religião. Não duvidemos de que estes serão encontrados e, mais cedo do que se pensa, ver-se-á à cabeça da propagação das ideias espíritas alguns desses nomes que, por si sós, são autoridades e cuja memória o futuro guardará, como tendo concorrido para a verdadeira emancipação da Humanidade.

O artigo seguinte, publicado pelo jornal Akhbar, da Argélia, a 15 de outubro de 1861 é, neste sentido, um primeiro passo, que terá imitadores. Sob o modesto pseudônimo de Ariel, nossos leitores talvez reconheçam o talento de um dos nossos eminentes jornalistas.

“A imprensa europeia está muito ocupada com esta obra. Depois de a ter lido, compreende-se, seja qual for a opinião que se tenha da colaboração das inteligências extraterrenas que o autor diz ter obtido. Com efeito, suprimindo-se algumas páginas de introdução que expõem as vias e os meios de tal colaboração ─ a parte contestável, para os profanos ─ resta um livro de alta filosofia, de uma moral eminentemente pura e, sobretudo, de um efeito muito consolador para a alma humana, abalada aqui entre os sofrimentos do presente e o medo do futuro. Assim, muitos leitores devem ter exclamado, ao chegar à última página: Não sei se tudo isto é verdadeiro, mas gostaria muito que fosse!

“Quem não ouviu falar, há alguns anos, das estranhas comunicações de que certos seres privilegiados eram intérpretes entre o mundo material e o mundo invisível? Cada um tomou partido na questão e, como de hábito, a maioria dos que se colocaram sob a bandeira dos crentes, ou que se recolheram ao campo dos incrédulos, não se deram ao trabalho de verificar os fatos, cuja realidade uns admitiam e outros negavam.

“Mas estes não são assuntos que se discutam num jornal como o nosso. Assim, sem contestar nem atestar a autenticidade das assinaturas póstumas de Platão, Sócrates, Santo Agostinho, Júlio César, Carlos Magno, São Luís, Napoleão, etc., que se acham no fim de vários parágrafos do livro do Sr. Allan Kardec, constatamos que se esses grandes homens voltassem ao mundo para nos dar explicações sobre os problemas mais interessantes da Humanidade, não se exprimiriam com mais lucidez, com um senso moral mais profundo, mais delicado, com maior elevação de vistas e linguagem do que o fazem na singular obra da qual procuramos dar uma ideia. São coisas que não se leem sem emoção e não são daquelas que se esquecem imediatamente depois de tê-las lido. Neste sentido o Livro dos Espíritos não passará, como tantos outros, em meio à indiferença do século. Terá ardentes detratores, zombadores impiedosos, mas não nos admiraríamos, também e em compensação, se tiver partidários muito sinceros e muito entusiastas.

“Não podendo, em consciência ─ por falta de uma verificação prévia ─ colocar-nos entre uns e outros, ficamos no humilde ofício de repórter e dizemos: Lede esta obra, pois ela sai completamente das veredas batidas da banalidade contemporânea. Se não fordes seduzido, subjugado, talvez vos irriteis, mas, sem sombra de dúvida, não ficareis frio nem indiferente.

“Recomendamos, sobretudo, a passagem relativa à morte. Eis um tema sobre o qual ninguém gosta de fixar a atenção, mesmo aquele que se julga espírito forte e intrépido. Pois bem! Depois de ter lido e meditado, a gente se sente muito admirada por não mais achar essa crise suprema tão apavorante. Sobre esse assunto, chega-se ao ponto mais desejável, no qual nem se teme nem se deseja a morte. Outros problemas de não menor importância têm soluções igualmente imprevistas e consoladoras. Logo, o tempo que se consagrar à leitura desse livro será bem empregado na satisfação da curiosidade intelectual e não será perdido para o melhoramento moral.”

ARIEL

O Espiritismo em Bordéus

Se Lyon fez o que se poderia chamar o seu pronunciamento em face do Espiritismo, Bordéus não ficou atrás, porque quer também tomar um dos primeiros lugares na grande família. Pode-se julgar pelo relato que damos, da visita que acabamos de fazer aos espíritas dessa cidade, a seu convite. Não foi em alguns anos, mas em alguns meses, que a Doutrina ali tomou proporções imponentes em todas as classes sociais. Constatamos, logo de início, um fato capital. É que lá, como em Lyon e em muitas outras cidades que visitamos, vimos a Doutrina encarada do mais sério ponto de vista e sob o das suas aplicações morais. Ali, como alhures, vimos inumeráveis transformações, verdadeiras metamorfoses; caracteres hoje irreconhecíveis; gente que em nada cria, trazida às ideias religiosas pela certeza do futuro, para eles agora palpável. Isto dá a medida do espírito que reina nas reuniões espíritas, já muito multiplicadas. Em todas as que assistimos, vimos o mais edificante recolhimento e um ar de mútua benevolência entre os assistentes. As pessoas se sentem num meio simpático, que inspira confiança.

Os operários de Bordéus nada ficam a dever aos de Lyon. Ali se contam numerosos e fervorosos adeptos, cujo número aumenta todos os dias. Sentimo-nos feliz em dizer que saímos de suas reuniões, edificados pelo piedoso sentimento que as preside, bem como pelo tato com o qual sabem guardar-se contra a intrusão dos Espíritos enganadores. Um fato que constatamos com satisfação é que homens, por vezes em posição social eminente, se misturam aos grupos plebeus com a mais fraterna cordialidade, deixando os títulos à porta, assim como simples trabalhadores são acolhidos com igual benevolência entre os grupos de uma outra classe social. Por toda parte o rico e o operário se apertam as mãos cordialmente. Disseram-nos que essa aproximação dos dois extremos da escala social entrou nos hábitos da região e nos felicitaram por isto. A gente reconhece que o Espiritismo veio dar a esse estado de coisas uma razão de ser e uma sanção moral, mostrando em que consiste a verdadeira fraternidade.

Encontramos em Bordéus muito numerosos e muito bons médiuns em todas as classes, de ambos os sexos e de todas as idades. Muitos escrevem com grande facilidade e obtêm comunicações de alto alcance, o que, aliás, os Espíritos nos haviam revelado antes de nossa partida. Não se pode senão elogiá-los pelo devotamento com que prestam seu concurso nas reuniões. Mas o que é ainda melhor é a abnegação de todo o amor-próprio a respeito das comunicações. Ninguém se julga privilegiado e intérprete exclusivo da verdade. Ninguém procura impor-se nem impor os Espíritos que os assistem. Todos submetem com simplicidade o que obtêm ao julgamento da assembleia, e ninguém se ofende nem se fere com a crítica. Aquele que recebe falsas comunicações consola-se aproveitando as boas que outros obtêm e dos quais não têm ciúmes. Dá-se o mesmo em toda parte? Ignoramos. Constatamos o que vimos; constatamos, também, que se compenetraram do princípio de que todo médium orgulhoso, ciumento e suscetível não pode ser assistido por bons Espíritos e que nele tal capricho é motivo de suspeita. Longe, pois, de buscar tais médiuns, se são encontrados, a despeito da eminência de sua faculdade, eles seriam repelidos por todos os grupos sérios, que querem, antes de tudo, ter comunicações sérias, e não visar os efeitos.

Entre os médiuns que vimos, há uma que merece menção especial. É uma jovem de dezenove anos que à faculdade de escrevente alia a de médium desenhista e músico. Ela fez mecanicamente, sob o ditado de um Espírito que disse ser Mozart, a notação de um trecho de música que não o desacreditaria. O Espírito assinou a partitura, e várias pessoas que viram os seus autógrafos atestaram a perfeita identidade da assinatura. Mas o trabalho mais belo é, sem contradita, o desenho. É um quadro planetário de quatro metros quadrados de superfície, de um efeito tão original e tão singular que nos seria impossível dar uma ideia pela descrição. É trabalhado em creiom preto, pastel de diversas cores e esfuminho. O quadro, começado há meses, ainda não está terminado. É destinado pelo Espírito à Sociedade Espírita de Paris. Vimos a médium à obra e ficamos maravilhado, tanto com a rapidez quanto com a precisão do trabalho. Inicialmente, como treino, o Espírito a fez traçar, com mão livre e num único movimento, círculos e espirais de quase um metro de diâmetro e de tal regularidade, que se encontrou perfeitamente exato o centro geométrico. Nada podemos dizer ainda do valor científico do quadro. Mas, admitindo seja uma fantasia, não deixa de ser, como trabalho mediúnico, coisa bem notável. Como o original tinha de ser enviado a Paris, o Espírito aconselhou que o fotografassem, para ter várias cópias.

Um fato que devemos mencionar é que o pai da médium é pintor. Como artista, acha que o Espírito contrariava as regras da arte e pretendia dar conselhos. Também o Espírito o proibiu de assistir ao trabalho, para que a médium não lhe sofresse a influência.

Até há pouco tempo a médium não havia lido nossas obras. O Espírito lhe ditou, para nos ser entregue à nossa chegada, que ainda não estava anunciada, um pequeno tratado de Espiritismo, com todos os pontos em conformidade com o Livro dos Espíritos.

Seria presunção enumerar os testemunhos de simpatia que recebemos e as atenções e delicadezas de que fomos objeto. Certamente haveria com que excitar o nosso orgulho, se não tivéssemos pensado que era uma homenagem prestada antes à Doutrina do que à nossa pessoa. Pelo mesmo motivo tínhamos hesitado em publicar alguns discursos pronunciados e que realmente nos confundiram. Fazendo sentir nossos escrúpulos a alguns amigos e a vários membros da Sociedade, disseram-nos que esses discursos eram um indício da situação da Doutrina e que, sob tal ponto de vista, era instrutivo para todos os espíritas conhecê-los; que, por outro lado, sendo as palavras expressão de um sentimento sincero, os que as tinham pronunciado poderiam sentir-se magoados, se por um excesso de modéstia, nos abstivéssemos de reproduzi-las. Poderiam ver nisto indiferença de nossa parte. Sobretudo esta última consideração nos determinou. Esperamos que os leitores nos julguem um espírita suficientemente bom para não trair os princípios que professamos, fazendo deste relato uma questão de amor-próprio.

Desde que transcrevemos esses diversos discursos, não queremos omitir, como traço característico, a pequena alocução recitada com uma graça encantadora e um ingênuo entusiasmo por um pequenino de cinco anos e meio, filho do Sr. Sab , à nossa chegada ao seio dessa família realmente patriarcal, e sobre a qual o Espiritismo derramou a mancheias suas benfeitoras consolações. Se toda a geração que se ergue estivesse imbuída de tais sentimentos, seria permitido entrever como muito próxima a mudança que se deve operar nos costumes sociais e que, de todos os lados, é anunciada pelos Espíritos. Não penseis que aquela criança haja feito a sua pequena saudação como um papagaio. Não. Ele captou-lhe muito bem o sentido. O Espiritismo, no qual foi, por assim dizer, embalado, já é, para a sua jovem inteligência, um freio que ele compreende perfeitamente e que sua razão, desenvolvendo-se, não repelirá.

Eis o pequeno discurso do nosso amiguinho Joseph Sab , que ficaria muito triste se não o visse publicado:

“Sr. Allan Kardec, permiti que a mais jovem de vossas crianças espíritas venha neste dia que ficará para sempre gravado em nossos corações, exprimir-vos a alegria causada por vossa vinda ao nosso meio. Ainda estou na infância, mas meu pai já me ensinou que são os Espíritos que se manifestam a nós; a docilidade com que devemos seguir seus conselhos; as penas e recompensas que lhes são atribuídas, e daqui a alguns anos, se Deus assim o permitir, também quero, sob vossos auspícios, tornar-me um digno e fervoroso apóstolo do Espiritismo, sempre submisso ao vosso saber e à vossa experiência. Em troca destas poucas palavras, ditadas por meu pequeno coração, conceder-me-eis um beijo, que não ouso pedir?”




Reunião geral dos espíritas bordeleses - 14 de outubro de 1861

Discurso do Sr. Sabô

Senhoras, senhores,

Prestemos a Deus a sincera homenagem do nosso reconhecimento por haver lançado sobre nós um olhar paternal e benevolente, concedendo-nos o precioso favor de receber os ensinamentos dos bons Espíritos que, por sua ordem, vêm diariamente ajudar-nos a discernir a verdade do erro; dar-nos a certeza de uma felicidade futura; mostrar-nos que a punição é proporcional à ofensa, mas não eterna, e fazer-nos compreender esta justa e equitativa lei da reencarnação, chave da abóbada do edifício espírita, que serve para nos purificarmos e nos fazer progredir para o bem.

Eu disse a reencarnação! Mas para tornar o vocábulo mais compreensível, cedamos um instante a palavra a um dos nossos guias espirituais que, para nossa instrução espírita, teve a bondade, em algumas palavras, de desenvolver este grave e tão interessante assunto para a nossa pobre Humanidade.

Diz ele: “A reencarnação é o inferno; a reencarnação é o purgatório; a reencarnação é a expiação; a reencarnação é o progresso. É, enfim, a santa escada pela qual devem subir todos os homens. Seus degraus são as fases das diversas existências a percorrer para atingir o topo, pois Deus disse que para chegar a ele é preciso nascer, morrer e renascer, até que se tenha alcançado os limites da perfeição, e que ninguém a ele chega sem se ter purificado pela reencarnação.”

Ainda neófito na Ciência Espírita, para divulgá-la tínhamos apenas zelo e boa vontade. Deus se contentou com isto e abençoou nossos fracos esforços, fazendo germinar no coração de alguns de nossos irmãos de Bordéus a semente da palavra divina.

Com efeito, desde janeiro ocupamo-nos da ciência prática e vimos ligar-se a nós um certo número de irmãos que dela se ocupavam isoladamente; outros que ouviram falar pela voz da imprensa ou pela fama, essa trombeta estridente que se encarregou de anunciar, em todos os recantos da nossa cidade, o aparecimento desta fé consoladora, testemunha irrefutável da bondade de Deus para com os seus filhos.

Malgrado as dificuldades encontradas no caminho, fortes pela pureza e direitura de nossas convicções, sustentadas pelos conselhos de nosso amado e venerado chefe Sr. Allan Kardec, temos a grata satisfação, após nove meses de apostolado, com o auxílio de alguns dos nossos irmãos, de poder reunir-nos hoje, sob suas vistas, para a inauguração desta sociedade que, assim espero, continuará a dar frutos em abundância e espalhar-se-á como orvalho benéfico sobre os corações dissecados pelo materialismo, endurecidos pelo egoísmo, cheios de orgulho, e levará o bálsamo da resignação aos aflitos e sofredores, aos pobres e aos deserdados dos bens terrenos, dizendo-lhes: “Confiança e coragem! As provas terrenas são curtas em comparação com o caráter eterno da felicidade que Deus vos reserva como recompensa de vosso sofrimento e de vossas lutas aqui embaixo.”

Sim, confesso em voz alta, estou feliz por ser o intérprete de um grande número de membros da Sociedade Espírita de Bordéus, protestando nossa fidelidade em seguir a rota traçada por nosso caro missionário, aqui presente, pois compreendemos que, para ser consistente, o progresso não se faz senão gradativamente, e que combatendo fortemente certas ideias recebidas há séculos, afastaríamos o momento de nossa emancipação espiritual. É possível que haja entre nós opiniões divergentes a este respeito. Nós as respeitamos. A nosso ver, devemos avançar pouco a pouco, seguindo a máxima da sabedoria das nações: chi va piano va sano. Talvez cheguemos mais tarde, mas chegaremos mais seguros, porque não teremos rompido com a fé dos nossos antepassados, sempre sagrada para nós, seja qual for. Sirvamo-nos da luz do Espiritismo, não para abater, mas para nos aprimorarmos, para progredir. Suportando com coragem e resignação as vicissitudes desta vida, onde estamos de passagem, mereceremos o favor de sermos conduzidos, no término de nossas provas, pelos Espíritos do Senhor, ao gozo da imortalidade para a qual fomos criados.

Permiti, caro mestre, que em nome dos membros desta Sociedade, que vos cercam, eu vos agradeça a honra que lhes destes, vindo em pessoa inaugurar esta reunião de família, que é uma festa para todos nós, e que marcará época, sem dúvida, nos fastos do Espiritismo. Recebei, igualmente, neste dia que ficará gravado em nossos corações, e de maneira muito particular, a expressão muito sincera do nosso vivo reconhecimento pela bondade paternal com que encorajastes os nossos fracos trabalhos. Fostes vós que nos traçastes a rota através da qual nos sentimos felizes em seguir-vos, previamente convencidos de que vossa missão é de fazer marchar o progresso espiritual em nossa bela França que, por sua vez, dará ânimo às outras nações da Terra, para fazer que elas cheguem, pouco a pouco, à felicidade, pelo progresso intelectual e moral.



Algumas considerações sobre o Espiritismo, lidas na sessão geral, quando da passagem do Sr. Allan Kardec por Bordéus

PELO DR. BOUCHÉ DE VITRAY

(14 DE OUTUBRO DE 1861)

Há certas épocas em que a ideia governa o mundo, precedendo esses grandes cataclismos que transformam os homens e os povos. Tanto mais que aquela que preside os interesses temporais, a ideia religiosa, também participa do grande movimento social.

Absorvida frequentemente pelas preocupações materiais, ela se desprende de chofre, ou insensivelmente. Ora é o raio que desce das nuvens, ora o vulcão que surdamente mina a montanha antes de transpor a cratera. Hoje ela afeta outro gênero de manifestação. Após se haver mostrado como ponto imperceptível no horizonte do pensamento, acabou invadindo a atmosfera. O ar está impregnado por ela. Ela atravessa o espaço, fecunda as inteligências e mantém emocionado o mundo inteiro. Não penseis que tomo da metáfora a expressão da realidade. Não. É um fenômeno do qual se tem consciência e que dificilmente a palavra traduz. É como um fluido que nos comprime por todos os lados, algo de vago e indeterminado cuja influência todos sentem, de que o cérebro está impregnado e que dele se desprende frequentemente como que por intuição, raramente como um pensamento formulado explicitamente.

A ideia religiosa, digamos espírita, tem seu lugar no escritório do negociante, no consultório do médico, no escritório do advogado e do procurador, na oficina do operário, nos campos e nas casernas. O nome do nosso grande, do nosso caro missionário espírita está em todas as bocas, como sua imagem está em todos os nossos corações, e todos os olhos estão fixos neste ponto culminante, digno intérprete dos ministros do Senhor. Esta ideia que percorre a imensidade, que superexcita todos os cérebros humanos, que existe, mesmo instintivamente, nos mais recalcitrantes Espíritos encarnados, não seria obra dessa multidão de inteligências que nos envolvem, precedendo e facilitando os nossos trabalhos apostólicos?

Sabemos que o testemunho da autenticidade de nossa doutrina remonta à noite dos tempos; que os livros sagrados, base fundamental do Cristianismo, as relatam, e que vários Pais da Igreja, entre outros Tertuliano e Santo Agostinho, atestam a sua realidade. As próprias obras contemporâneas lhe fazem menção e não posso resistir ao desejo de citar a passagem de um opúsculo publicado em 1843, que parece expor analiticamente toda a quintessência do Espiritismo:

“Algumas pessoas duvidam da existência de inteligências superiores, incorpóreas, isto é, gênios que presidem à administração do mundo, e que entretêm um comércio íntimo com alguns seres privilegiados. É para elas que escrevo as linhas que se vão seguir. Espero que lhes deem a convicção. Em todos os reinos da Natureza existe uma lei que escalona as espécies, desde os infinitamente pequenos até os infinitamente grandes. É por graus imperceptíveis que se passa do inseto ao elefante; do grãozinho de areia ao maior dos globos celestes. Esta gradação regular é evidente em todas as obras sensíveis do Criador; deve, pois, achar-se nas suas obras-primas, para que a escala seja contínua, a fim de subir até ele! A distância prodigiosa que existe entre a matéria inerte e o homem dotado da razão parece ser ocupada pelos seres orgânicos, mas privados desta nobre prerrogativa. Na distância infinita entre o homem e seu autor, está o lugar dos puros Espíritos. Sua existência é indispensável para que a Criação seja acabada em todos os sentidos.

“Assim, há também o mundo dos Espíritos, cuja variedade é tão grande quanto a das estrelas que brilham no firmamento; há também o universo das inteligências que pela sutileza, presteza e amplitude de sua penetração, se aproximam cada vez mais da inteligência soberana. Seu desígnio, já manifesto na organização do mundo visível, continua até a perfeita consumação no mundo invisível. Todas as religiões proclamam a existência desses seres imateriais. Todas representam-nas imiscuindo-se nos assuntos humanos, como agentes secundários. Negar sua intromissão nas peripécias humanas, evidentemente é negar os fatos sobre os quais repousam as crenças de todos os povos, de todos os filósofos e de todos os sábios, remontando até a mais alta Antiguidade.”

Sem a menor dúvida, aquele que traçou este quadro era espírita do fundo da alma. A este esboço incompleto falta o dogma essencial da reencarnação, bem como as consequências morais que o ensino dos Espíritos impõe aos adeptos do Espiritismo. A doutrina existia no estado de intuição nas inteligências e nos corações. Vós aparecestes, senhor, como o eleito de Deus. O Todo-Poderoso reuniu a uma vasta erudição, a um Espírito elevado, uma retidão completa e uma mediunidade privilegiada. Todos os elementos das verdades eternas estavam disseminados no espaço. Era preciso estabelecer a Ciência; levar a convicção às consciências ainda indecisas; reunir todas as inspirações emanadas do Altíssimo, num corpo substancial de doutrina. A obra avançou e o pólen escapado dessa antera intelectual produziu a fecundação. Vosso nome é a bandeira sob a qual nós nos colocamos à vontade. Hoje vindes em auxílio aos filhos do Espiritismo, que apenas balbuciam os rudimentos da Ciência, mas que um grande número de Espíritos atentos e benevolentes não desdenham favorecer com suas celestes inspirações. Já ─ e nos felicitamos por isto ─ em meio ao congresso das inteligências de dois mundos, as paixões más se amotinam em torno da obra regeneradora. Já o falso saber, o orgulho, o egoísmo e os interesses humanos se erguem contra o Espiritismo, em testemunho de seu poder, enquanto o grande motor desse progresso ascendente para as regiões celestes, Deus, oculto atrás dessa nuvem das teorias odiosas e quiméricas, permanece calmo e prossegue em sua obra.

A obra se realiza, e em todos os pontos do globo formam-se centros espíritas. Os moços abandonam as ilusões da primeira idade, que lhes preparam tantas decepções na maturidade; homens maduros aprendem a levar a vida a sério; velhos que gastaram as emoções no atrito da vida, enchem o vazio imenso com prazeres mais reais do que aqueles que abandonam; e de todos esses elementos heterogêneos formam-se agregados que irradiam ao infinito.

Nossa bela cidade não foi a última a participar desse movimento intelectual. Um desses homens de coração reto, de julgamento são, tomou a iniciativa. Seu apelo foi ouvido por inteligências que se harmonizavam com a dele. Em torno desse foco luminoso gravitavam inúmeros círculos espíritas.

De toda parte surgem comunicações variadas com o cunho do autor: é a mãe que, de sua esfera gloriosa, com a perfeição do detalhe e sua infinita ternura, se comunica com o filho muito amado; é o pai, ou o avô, que alia ao amor paterno a severidade da forma; é Fénelon que dá à linguagem da caridade o selo da beleza antiga e a melodia de sua prosa; é o espetáculo tocante de um filho que se tornou Espírito feliz, revelando àquela que o trouxe no seio, o eco de seus altos ensinos; é o de uma mãe que se revela ao filho e que, com a cabeça coroada de estrelas, o conduz, de prova em prova, ao lugar que ele deve ocupar junto dela, no seio de Deus, por todas as eternidades (sic); é o arcebispo de Utrecht, soprando ao seu protegido suas eloquentes inspirações e as submetendo ao freio da ortodoxia; é um anjo Gabriel, homônimo do grande arcanjo, tomando espontaneamente, e com a permissão de Deus, a missão de guiar seu irmão, de segui-lo passo a passo, assim aliando, ele, Espírito superior, o amor fraterno ao amor divino; são os puros Espíritos, os santos, os arcanjos, que revestem suas sublimes instruções com o selo da divindade; são enfim, manifestações físicas, depois das quais a dúvida não passa de absurdo, se não é uma profanação.

Depois de haver elevado os vossos olhares aos degraus superiores da escala dos seres, consenti, caros colegas, em baixá-los aos degraus ínfimos, e os infinitamente pequenos ainda vos fornecerão ensinamentos.

Há cerca de dez anos a claridade do Espiritismo luziu aos meus olhos, mas era o Espiritismo em seu estado rudimentar, despido de seus principais documentos e de sua tecnologia característica. Era um reflexo, alguns jactos de fina radiação. Ainda não era a luz.

Ao invés de tomar a pena ou o lápis e obter, por tal meio assim simplificado, comunicações rápidas, recorria-se à mesa pela tiptologia ou escrita mediata. A mesa não era senão simples apêndice da mão, mas esse modo de comunicação, em geral repulsivo para os Espíritos superiores, frequentemente os mantinha à distância. Assim, só tive mistificações, respostas triviais ou obscenas, e afastei-me desses mistérios do Além-Túmulo, que se traduziam de maneira tão pouco conforme à minha expectativa, ou antes, que se apresentavam sob um aspecto que me espantava. Várias experimentações haviam sido tentadas e conduzido a resultados análogos. Contudo, essas decepções aparentes não passavam de provas temporárias, que deviam ter como consequência definitiva o entranhamento de minhas convicções.

Malgrado meu, o positivismo de meus estudos havia afetado minhas crenças filosóficas. Mas eu era céptico e não pirrônico, porque eu duvidava, com grande pesar, e fazia vãos esforços para repelir o materialismo que inesperadamente havia invadido minha alma e meu coração. Como são impenetráveis os desígnios de Deus! Essa disposição moral serviu precisamente para a minha transformação. Eu tinha sob os olhos a imortalidade da alma revestindo o aspecto de uma realidade material, e para assentar esta tão nova fé, que me importava, afinal de contas, se as manifestações vinham de um Espírito superior ou inferior, desde que era um Espírito! Eu já não sabia que um corpo inerte, tal qual uma mesa, pode ser o instrumento, mas não a causa de uma manifestação inteligente? Que esta absolutamente não entrava na esfera de minhas ideias, e que todas as teorias fluídicas são incapazes de explicá-lo?

Assim, eu tinha agitado essas tendências materialistas, contra as quais lutava sem sucesso, com uma energia desesperada, e teria explorado francamente essas regiões intelectuais apenas vislumbradas, não fosse a demonofobia do Sr. de Mirville e a impressão profunda que ela havia lançado em minh’alma. Como contrapartida de seu livro, era preciso esse tratado tão luminoso, tão substancial, tão cheio de verdades consoladoras, ditado por inteligências celestes a um Espírito encarnado, mas um Espírito de escol, ao qual, desde aquele dia, foi revelada sua missão na Terra.

Hoje, o reconhecimento me obriga a inscrever nesta página o nome de um de meus bons amigos, que me abriu os olhos à luz, o do Sr. Roustaing, distinto advogado, e sobretudo consciencioso, destinado a representar papel marcante nos fastos do Espiritismo. Devo esta homenagem passageira ao reconhecimento e à amizade.

Certamente, se nesta solenidade não temesse abusar do emprego do tempo, deveria citar numerosas comunicações de incontestável interesse. Contudo, em meio a esta atividade puramente intelectual e acima de nossas incessantes relações com o mundo dos Espíritos, flutuam dois fatos que me parecem, por exceção, protestar contra o mutismo absoluto. O primeiro é caracterizado por detalhes íntimos e tocantes que nos comoveram até às lágrimas; o segundo, pela estranheza do fenômeno, pertence à mediunidade vidente, e constitui uma prova tão palpável que seríamos levados a negar a boa-fé dos médiuns, se quiséssemos negar a realidade do fato.

Alguns espíritas fervorosos comigo se reúnem semanalmente, para estudarmos em comum e com melhor aproveitamento a doutrina dos Espíritos. Uma fé plena e inteira, e a analogia, para a maioria, dos estudos e da educação, fizeram brotar uma recíproca simpatia e uma comunhão de ideias e de pensamento, sem dúvida a mais favorável disposição intelectual e moral às comunicações sérias.

Nessa modesta reunião, um de nós, dotado de eminente grau de mediunidade, quis evocar o Espírito de uma menina que ele havia conhecido, morta de crupe, ao que penso, aos seis anos de idade. Ele trabalhava como médium e eu como evocador. Apenas terminada a evocação, eis que uma percussão muito sensível num dos móveis da antessala excitou a nossa atenção e nos levou a questionar se o ruído, de caráter insólito, provinha de uma causa natural ou de um efeito espírita. Os guias responderam que eram as companheiras de Estelle (nome terreno da criança), que vêm apresentar-se diante da sua amiga. Em pensamento, seguimos esse gracioso cortejo planando no espaço. Entre elas designaram-nos Antônia, jovem que apenas passara pela Terra e que fora ceifada pela foice terrível quando completava apenas quatro anos. Prevendo que elas iriam completar suas provas em uma nova existência, orei ao meu anjo da guarda, essa boa mãe cuja ternura jamais me faltou, que as tomasse sob seus cuidados, e lhes mostrasse claramente sua celeste proteção. A adesão não demorou, mas Deus só lhe permitiu aparecer a uma delas, e ela escolheu Antônia:

─ Que vês, minha amiguinha? ─ exclamei evocando esta última.

─ Oh! Que bela senhora! Ela está resplendente de luzes!

─ E o que te diz essa bela senhora?

─ Ela me diz: “Vem a mim, minha filha, eu te amo!”

Por isso representei aquela terna mãe com a cabeça coroada de estrelas.

Se esta tocante história, pertencente ao mundo espírita, vos parece um capítulo de romance, há que renunciar a toda comunicação.

O outro fato pode resumir-se em duas palavras: Eu estava com um dos colegas de Espiritismo. As onze e meia da noite nos haviam surpreendido em meio às preces a Deus pelos Espíritos sofredores, quando entrevi, vagamente, uma sombra saindo de um canto do meu gabinete descrevendo uma linha diagonal que se prolongou até a minha cama, na peça vizinha. Quando terminou seu percurso, ouvimos um estalo bem distinto e a sombra se dirigiu para a biblioteca, formando um ângulo agudo com a primeira direção.

A emoção me tomou, mas a essa hora em que tudo dispõe às emoções e ao mistério, a princípio acreditei numa alucinação e numa ilusão de óptica e interiormente tomei a resolução de guardar silêncio quanto à aparição fantástica, quando o meu companheiro de estudos contínuos voltou-se para mim e perguntou-me se nada tinha visto. Eu estava confuso, mas resolvi aguardar uma melhor oportunidade e limitei-me a indagar os motivos da sua pergunta. Descreveu-me, então, o estranho fenômeno, que ele igualmente havia testemunhado, com tal exatidão que me foi impossível duvidar e deixar de confirmar a realidade da aparição.

Dois dias depois, nosso médium por excelência estava presente. Consultados, os guias confirmaram a verdade, acrescentando que a aparição espontânea era de um Espírito designado, na vida terrena, sob o nome de Maria de los Ángeles. Foi-nos permitido evocá-la, e o resultado de nossas perguntas foi que havia nascido na Espanha; tinha tomado o hábito; sua vida tinha sido por muito tempo motivo de censuras, mas que uma falta grave, à qual a morte não dera tempo para expiação, era a causa de seus sofrimentos no mundo dos Espíritos.

Alguns dias depois, o acaso, ou antes, a vontade de Deus nos proporcionou um segundo controle desse fato estranho. Um espírita, jovem mecânico de notável inteligência, tinha passado comigo a última parte da tarde. Enquanto me entretinha com ele, notei que seu olhar tomava singular fixidez. Ele não esperou a pergunta para explicar a circunstância: “No mesmo instante em que me olháveis, vi distintamente a silhueta de uma mulher que, da janela avançou até a poltrona vizinha, diante da qual ajoelhou-se. Tinha o aspecto de uma pessoa de vinte e cinco anos; estava vestida de preto; a parte superior do tronco achava-se coberta com uma capa; tinha na cabeça uma espécie de lenço ou touca.”

A descrição concordava perfeitamente com a ideia que eu fizera da religiosa espanhola, e o lugar em que ela se ajoelhou é mais ou menos aquele onde, por hábito, na mesma posição, oro a Deus pelos mortos. Para mim era Maria dos Anjos.

Sem dúvida, os incrédulos e os falsos espíritas rir-se-ão de minha certeza, e verão no fato três visionários, em vez de um. Quanto aos espíritas sinceros, estes me acreditarão, sobretudo quando afirmá-lo sob palavra de honra. Não reconheço a nin­guém o direito de duvidar de semelhante testemunho.

Os trabalhos do Espiritismo em Bordéus, por maior que seja a modéstia e a reserva que os cercam, não são menos objeto da curiosidade pública e não se passa um dia em que eu não seja interrogado a respeito. Todo profano maravilhado com os fenômenos espíritas reclama com insistência o favor de uma experiência. Sua alma flutua entre a própria dúvida e a convicção dos adeptos.

Introduzi-o numa reunião séria, de espíritas que supomos profundamente recolhidos, isto é, trazendo uma disposição conveniente à gravidade da circunstância. Que se passará nele? O médium escrevente, traduzindo pelo ditado as inspirações de um Espírito superior, fá-lo-á aceitá-las como tais? Eu tive uma dessas experiências desagradáveis. Se a comunicação tiver o cunho da inspiração celeste, ele atribuirá o mérito ao talento do médium. Se o pensamento do mensageiro de Deus tomar as nuanças do meio pelo qual ele passa, certamente lhe parecerá uma concepção puramente humana. Nesta circunstância, eis a minha regra de conduta. Ela é previamente traçada pelo homem da Providência, por esse missionário do pensamento que possuímos momentaneamente e que, de seu centro habitual de atividade, continuará a fazer irradiar sobre nós os tesouros celestes, de que uma graça especial o fez dispensador. Aos curiosos que vêm inquirir da realidade dos fatos ou solicitar uma audiência, quer como distração, quer como uma emoção que atravessa o coração sem se deter, limito-me a expor a gravidade do assunto. Ao Espírito pseudossábio encarnado, que a meu ver representa perfeitamente, neste globo, o da 8.ª classe e da 3.ª ordem do mundo espírita, respondo com o propósito de não recebê-lo, mas àquele que, embora obcecado pelas dúvidas, possui a verdade em estado de germe, que começa pela boa-fé para chegar à fé, aconselho os estudos teóricos, aos quais não tarda a suceder o estudo prático ou a experimentação. Assim, à medida que de um fato novo se desprende uma ideia nova, ele o registra ao lado do fato; então caem gota a gota em seu coração e no cérebro, a Ciência Espírita e suas consequências morais, que nos fazem ver, ao cabo desta longa sucessão de reveses, trabalhos e provas alternando-se nas duas existências, uma eternidade radiosa que se escoa do seio de Deus, fonte de felicidade e de vida!

BOUCHÉ DE VITRAY

Doutor em Medicina


Discurso do Sr. Allan Kardec

Senhoras e senhores,

Foi com felicidade que atendi ao vosso apelo, e o acolhimento simpático com que me recebeis é uma dessas satisfações morais que deixam no coração uma impressão profunda e inapagável. Se me sinto feliz com este acolhimento cordial, é que nele vejo uma homenagem à doutrina que professamos e aos bons Espíritos que no-la ensinam, muito mais que a mim pessoalmente, que não passo de um instrumento nas mãos da Providência. Convencido da verdade desta doutrina, e do bem que ela está convocada a produzir, tratei de lhe coordenar os elementos e esforcei-me por torná-la clara e para todos inteligível. É tudo quanto me cabe e, assim, jamais me considerei seu criador. A honra cabe inteiramente aos Espíritos. É, pois, a eles só que se devem dirigir os testemunhos de gratidão. Eu não aceito os elogios que me dirigis de boa vontade senão como um encorajamento para continuar minha tarefa com perseverança.

Nos trabalhos feitos para atingir o objetivo que me propunha, sem dúvida fui ajudado pelos Espíritos, como eles próprios mo disseram várias vezes, mas sem qualquer sinal exterior de mediunidade. Assim, não sou médium, no sentido vulgar da palavra, e hoje compreendo que para mim é uma felicidade que assim o seja. Por uma mediunidade efetiva, eu só teria escrito sob uma mesma influência; teria sido levado a não aceitar como verdade senão o que me tivesse sido dado, e talvez erradamente, ao passo que, na minha posição, convinha que tivesse uma liberdade absoluta de apreender o que é bom onde quer que se encontre e de onde quer que venha. Assim, pude fazer uma seleção dos diversos ensinamentos, sem prevenção e com inteira imparcialidade. Vi muito, estudei muito, observei muito, mas sempre com o olhar impassível e nada mais ambiciono do que ver a experiência que adquiri posta em proveito de outros, aos quais tenho a felicidade de evitar os escolhos inseparáveis de todo noviciado.

Se trabalhei muito e se trabalho diariamente, sou largamente recompensado pela marcha tão rápida da doutrina, cujos progressos ultrapassam tudo o que era de se esperar, pelos resultados morais que ela produz, e sinto-me feliz por ver que a cidade de Bordéus não somente não fica na retaguarda deste movimento, mas se dispõe a marchar na vanguarda, pelo número e pela qualidade dos adeptos. Se considerarmos que o Espiritismo deve a sua propagação às suas próprias forças, sem o apoio de nenhum dos meios que de ordinário ensejam bons resultados, e apesar dos esforços de uma oposição sistemática, ou antes, devido mesmo a tais esforços, não se pode impedir que nisto se veja o dedo de Deus. Se seus inimigos são poderosos, mas não lhe puderam paralisar o avanço, deve-se convir que o Espiritismo é mais poderoso que aqueles, e tal como a serpente da fábula, em vão empregam os dentes contra uma lima de aço.

Se dissermos que o segredo de seu poder está na vontade de Deus, os que não creem em Deus zombarão. Há também muitas pessoas que não negam Deus, mas se julgam mais fortes do que ele. Esses não riem, mas opõem barreiras que julgam intransponíveis, no entanto, o Espiritismo as vence diariamente e sob suas vistas. É que realmente ele tira da sua natureza, de sua essência mesma, uma força irresistível. Qual, então, o segredo dessa força? Teremos que ocultá-lo, com receio de que, uma vez conhecido, seus inimigos possam vencê-lo, como aconteceu a Sansão? Absolutamente. No Espiritismo não há mistérios. Tudo se faz à luz do dia, e podemos sem receio revelá-lo abertamente. Embora eu já o tenha dito, talvez não seja fora de propósito repeti-lo aqui, a fim de que se saiba que se revelamos aos adversários o segredo de nossas forças é porque conhecemos também o seu lado fraco.

A força do Espiritismo tem duas causas preponderantes: a primeira é a que torna felizes os que o conhecem, o compreendem e o praticam; ora, como há muita gente infeliz, ele recruta um exército inumerável entre os que sofrem. Querem tirar-lhe esse elemento de propagação? Que tornem os homens de tal modo felizes, moral e materialmente, que estes nada mais tenham a desejar, nem neste nem no outro mundo. Não pedimos mais, pois o objetivo terá sido atingido. A segunda é que ele não repousa na cabeça de nenhum homem que possa ser derrubado; que ele não tem um foco único que possa ser extinto; que seu foco está em toda parte, porque em toda parte há médiuns que podem comunicar-se com os Espíritos; que não há família que não possa tê-los em seu seio, e se cumpram estas palavras do Cristo: Vossos filhos e vossas filhas profetizarão e terão visões; porque, enfim, o Espiritismo é uma ideia, e não há barreiras impenetráveis à ideia, nem bastante altas para que estas não possam transpô-las. Mataram o Cristo; mataram seus apóstolos e discípulos, mas o Cristo tinha lançado no mundo a ideia cristã, e essa ideia triunfou da perseguição dos Césares onipotentes. Por que, então, o Espiritismo, que não é senão o desenvolvimento e a aplicação da ideia cristã, não triunfará de alguns trocistas ou de antagonistas que, até o presente e malgrado os seus esforços, não lhe puderam opor senão uma negação estéril? Há nisto uma pretensão quimérica? Um sonho de reformador? Aí estão os fatos para responder: a despeito de tudo e contra tudo, o Espiritismo penetra em toda parte. Como o pólen fecundante das flores, é levado pelos ventos e assenta raízes nos quatro cantos do mundo, porque em toda parte encontra uma terra fecunda em sofrimentos, sobre a qual derrama o bálsamo consolador. Suponde, então, o mais absoluto estado que a imaginação possa sonhar, recrutando todos os seus esbirros para deter a ideia ao passar. Poderão eles impedir que os Espíritos entrem nela e se manifestem espontaneamente? Impedirão que os médiuns se reúnam na intimidade das famílias? Suponhamo-los bastante fortes para impedir de escrever, para proibir a leitura dos livros. Poderão impedi-los de ouvir, desde que há médiuns auditivos? Impedirão o pai de receber as consolações do filho que perdeu? Vedes, pois, que é impossível, e que eu tinha razão em dizer que o Espiritismo pode, sem medo, entregar aos inimigos o segredo de suas forças.

Que seja, dirão. Quando uma coisa é inevitável, há que aceitá-la. Mas se for uma ideia falsa e má não há razão para entravá-la? Para começar, seria preciso provar que é falsa. Ora, até o presente, o que opõem os seus adversários? Troças e negações que, em boa lógica, jamais passaram por argumentos. Mas uma refutação séria, sólida; uma demonstração categórica, evidente, onde a encontrareis? Em parte alguma. Nem nas críticas da Ciência, nem alhures. Por outro lado, quando uma ideia se propaga com a rapidez do relâmpago; quando encontra inumeráveis ecos nas classes mais esclarecidas da Sociedade; quando tem suas raízes em todos os povos, desde que há homens na Terra; quando os maiores filósofos sagrados e profanos a proclamaram, é ilógico supor que não repouse senão na mentira e na ilusão. Todo homem sensato ou não enceguecido pela paixão ou pelo interesse pessoal, dirá que deve haver algo de verdadeiro, e pelo menos o homem prudente, antes de negar, suspenderá o seu julgamento.

A ideia é má? Se é verdadeira; se não passa de uma aplicação das leis da Natureza, parece difícil que seja má, a menos que se admita que Deus fez mal aquilo que fez. Como seria má uma doutrina que torna melhores os que a professam; quando consola os aflitos, dá resignação na infelicidade, leva a paz às famílias, acalma a efervescência das paixões, impede o suicídio? Alguns dizem que ela é contrária à religião. Eis a grande palavra com que tentam amedrontar os tímidos e os que não a conhecem. Como uma doutrina que torna melhor; que ensina a moral evangélica; que só prega a caridade, o esquecimento das ofensas, a submissão à vontade de Deus, seria contrária à religião? Seria um contrassenso. Afirmar semelhante coisa seria condenar a própria religião. Eis por que digo que os que falam assim, não a conhecem. Se tal fosse o resultado, por que conduziria ela às ideias religiosas aqueles que em nada creem? Por que faria orar aqueles que desde a infância haviam esquecido de fazê-lo?

Aliás, há outra resposta peremptória: o Espiritismo é contrário a toda questão dogmática. Aos materialistas, prova a existência da alma; aos que não creem senão no nada, prova a vida eterna; aos que pensam que Deus não se ocupa das ações do homem, prova as penas e recompensas futuras. Destruindo o materialismo, destrói a maior chaga social. Eis o seu objetivo. Quanto às crenças especiais, delas não se ocupa, e deixa a cada um inteira liberdade. O materialista é o maior inimigo da religião. Trazendo-o ao espiritualismo, o Espiritismo lhe faz percorrer três quartas partes do caminho para voltar ao seio da Igreja. Cabe à Igreja fazer o resto. Mas se a comunhão para a qual ele tenderia a se ligar o repele, seria de estranhar que não se voltasse para outra.

Dizendo isto, senhores, falo a conversos, vós o sabeis tão bem quanto eu. Mas há outro ponto, sobre o qual é útil dizer algumas palavras.

Se os inimigos externos nada podem contra o Espiritismo, o mesmo não se dá com os de dentro. Refiro-me aos que são mais espíritas de nome que de fato, sem falar dos que do Espiritismo apenas têm a máscara. O mais belo lado do Espiritismo é o lado moral. É por suas consequências morais que triunfará, pois aí está a sua força, por aí é invulnerável. Inscreve em sua bandeira: Amor e Caridade e, ante esse paládio mais poderoso que o de Minerva, porque vem do Cristo, a própria incredulidade se inclina. Que se pode opor a uma doutrina que leva os homens a se amarem como irmãos? Se não se admitir a causa, ao menos respeitar-se-á o efeito. Ora, o melhor meio de provar a realidade do efeito é fazer sua aplicação a si mesmo; é mostrar aos inimigos da doutrina, pelo próprio exemplo, que ela realmente torna melhor. Mas como convencer que um instrumento pode produzir harmonia, se ele emite sons dissonantes? Assim, como persuadir que o Espiritismo deve conduzir à concórdia, se os que o professam, ou são supostos professos, o que para os adversários dá na mesma, se atiram pedras? Se uma simples susceptibilidade do amor-próprio, de hierarquia basta para dividi-los? Não é o meio de destruir seu próprio argumento? Os mais perigosos inimigos do Espiritismo são, pois, os que o fazem mentir a si mesmo, não praticando a lei que eles proclamam. Seria puerilidade criar dissidência pelas nuanças de opinião. Haveria evidente malevolência, esquecimento do primeiro dever do verdadeiro espírita, de separar-se por uma questão pessoal, pois o sentimento de personalidade é fruto do orgulho e do egoísmo.

Não devemos esquecer-nos, senhores, que os inimigos do Espiritismo são de duas ordens. De um lado tendes os trocistas e os incrédulos. Estes recebem diariamente o desmentido pelos fatos. Não os temeis, e com razão. Sem querer, servem à nossa causa, e devemos agradecer-lhes por isso. Do outro lado estão os interessados em combater a Doutrina. Não espereis trazê-los pela persuasão, pois não buscam a luz. Em vão desdobrais aos seus olhos a evidência do sol. São cegos porque não querem ver. Não vos atacam porque estejais no erro, mas porque estais com a verdade e porque, com razão ou sem razão, creem que o Espiritismo é prejudicial aos seus interesses materiais. Se estivessem persuadidos de que é uma quimera, deixá-lo-iam perfeitamente tranquilo. Assim, seu encarniçamento cresce na razão do progresso da Doutrina, de tal maneira que se pode medir sua importância pela violência dos ataques. Enquanto não viram no Espiritismo mais que um brinquedo de mesas girantes, nada disseram, e contaram com o capricho da moda. Hoje, porém, que, a despeito de sua má vontade, veem a insuficiência da troça, empregam outros meios. Esses meios, sejam quais forem, têm demonstrado a sua impotência. Contudo, se não podem abafar essa voz que se eleva de todas as partes do mundo, e se não podem deter essa torrente que as invade por todos os lados, tudo farão para criar entraves, e se puderem fazer recuar o progresso por um dia, dirão ainda que é uma partida ganha.

Esperai, portanto, que o terreno seja disputado palmo a palmo, pois o interesse material é, de todos, o mais tenaz. Para ele, os mais sagrados direitos da Humanidade nada são. Tendes a prova na luta americana. Pereça a união que constituía a nossa glória, antes que os nossos interesses! dizem os escravagistas. Assim falam os adversários do Espiritismo, pois a questão humanitária é a menor de suas preocupações. Que lhes opor? Uma bandeira que os faça empalidecer, pois sabem que esta traz palavras saídas da boca do Cristo: Amor e Caridade, e que estas palavras são a sua sentença. Em torno desta bandeira, que todos os verdadeiros espíritas se reúnam, e serão fortes, porque a união faz a força. Reconhecei, pois, os verdadeiros defensores de vossa causa, não pelas palavras vãs, que nada custam, mas pela prática da lei do amor e da caridade; pela abnegação da personalidade. O melhor soldado não é o que ergue o sabre mais alto, mas o que corajosamente sacrifica a própria vida. Olhai, pois, como fazendo causa comum com os vossos inimigos, todos os que tendem a lançar entre vós o fermento da discórdia porque, voluntária ou involuntariamente, fornecem armas contra vós. Em todo caso, não conteis mais com eles do que com esses maus soldados que desertam ao primeiro tiro.

Entretanto, direis, se as opiniões estão divididas sobre alguns pontos da doutrina, como saber de que lado está a verdade? É a coisa mais fácil. Para começar, tendes por peso o vosso julgamento e por medida a lógica sã e inflexível. Depois, tereis o assentimento da maioria. Tende certeza de que o número crescente ou decrescente dos partidários de uma ideia dá a medida de seu valor. Se ela fosse falsa, não conquistaria mais adeptos do que a verdade, pois Deus não o permitiria. Ele pode deixar que o erro surja aqui e ali, para nos fazer ver suas atitudes e nos ensinar a reconhecê-lo. Sem isto, onde estaria o nosso mérito, se não tivéssemos escolha a fazer? Quereis outro critério da verdade? Eis um, infalível. Desde que a divisa do Espiritismo é Amor e Caridade, reconhecei a verdade pela prática dessa máxima, e tende como certo que aquele que atira pedras em outro, não pode estar com a verdade absoluta. Quanto a mim, senhores, ouvistes a minha profissão de fé. Se ─ o que Deus não permita ─ surgissem dissidências entre vós, digo-o com pesar, eu me separaria abertamente dos que desertassem da bandeira da fraternidade, porque, aos meus olhos, não poderiam ser olhados como verdadeiros espíritas.

Em todo caso, não vos inquieteis absolutamente com algumas dissidências passageiras. Em breve tereis a prova de que elas não têm consequências graves. São provas para a vossa fé e para o vosso julgamento; muitas vezes são meios permitidos por Deus e pelos bons Espíritos para dar a medida da sinceridade e dar a conhecer aqueles com os quais realmente se pode contar, caso necessário, e que assim evitamos colocar na vanguarda. São pequenas pedras semeadas em vosso caminho, a fim de vos habituar a ver em que vos apoiais.

Resta-me, senhores, falar da organização da Sociedade. Desde que quereis pedir-me conselho, dir-vos-ei o que disse no ano passado em Lyon. Os mesmos motivos levam-me a dissuadir-vos, com todas as minhas forças, do projeto de formar uma sociedade única, abrangendo todos os espíritas da cidade, o que seria impraticável, dado o número crescente dos adeptos. Não tardaríeis a vos verdes tolhidos pelos obstáculos materiais e pelas dificuldades morais, ainda maiores, que vos mostrariam a sua impossibilidade. Melhor será, pois, não empreender uma coisa a que seríeis obrigados a renunciar. Todas as considerações em apoio a esta opinião estão completamente desenvolvidas na nova edição do Livro dos Médiuns, à qual convido a vos reportardes. A isto apenas acrescentarei poucas palavras.

O que é difícil obter numa reunião numerosa o é muito menos nos grupos particulares. Estes se formam por afinidade de gostos, de sentimentos e de hábitos. Dois grupos separados podem ter uma diferente maneira de ver sobre alguns detalhes e nem por isso deixam de marchar de acordo, ao passo que se estivessem reunidos, a divergência de opiniões traria inevitáveis perturbações.

O sistema da multiplicação dos grupos ainda tem como resultado pôr termo às disputas por supremacia e presidência. Cada grupo é, naturalmente, presidido pelo dono da casa ou pelo que for designado, e tudo se passa em família. Se a alta direção do Espiritismo, numa cidade, cabe a alguém, este será chamado pela força das coisas, e um assentimento tácito o designará muito naturalmente, em razão de seu mérito pessoal; de suas qualidades conciliadoras; do zelo e do devotamento de que tiver dado provas; dos reais serviços que houver prestado à causa. Assim, e sem a buscar, ele terá adquirido uma força moral que ninguém contestará, porque todos a reconhecerão, ao passo que aquele que, por sua autoridade privada, procurasse impor-se, ou que fosse arrastado por uma camarilha, encontraria oposição da parte de todos quantos não lhe reconhecessem as qualidades morais necessárias. Daí uma causa inevitável de divisões.

Coisa séria é confiar a alguém a suprema direção da doutrina. Antes de fazê-lo, é preciso estar bem seguro desse alguém sob todos os pontos de vista porque, com ideias errôneas, poderia arrastar a Sociedade por uma rampa perigosa, e talvez à sua ruína. Nos grupos particulares, cada um pode dar prova de habilidade e ser designado, mais tarde, aos sufrágios dos colegas, se for o caso. Mas ninguém pode ser general antes de ser soldado. Assim como o bom general é reconhecido por sua coragem e por seus talentos, o verdadeiro espírita é reconhecido por suas qualidades. Ora, a primeira de que deve dar provas é a abnegação da personalidade. É, pois, por seus atos que o reconhecemos, mais que pelas palavras. O que é necessário para uma tal direção é um verdadeiro espírita, e o verdadeiro espírita não é movido pela ambição nem pelo amor-próprio. A tal respeito, senhores, chamo a vossa atenção para as diversas cate­goriais de espíritas, cujos caracteres distintivos estão claramente definidos no Livro dos Médiuns (n.º 28).

Aliás, seja qual for a natureza da reunião, numerosa ou não, as condições que deve preencher para atingir o seu objetivo são as mesmas. É a isto que devemos dedicar todos os nossos cuidados, e aqueles que os preencherem serão fortes porque terão, necessariamente, o apoio dos bons Espíritos. Tais condições se acham no Livro dos Médiuns (n.º 341).

Um equívoco muito frequente entre novos adeptos é o de se julgarem mestres após alguns meses de estudo. O Espiritismo é uma Ciência imensa, como bem sabeis, e experiência em sua prática não se adquire senão com o tempo, aliás como em todas as coisas. Essa pretensão de não mais necessitar de conselhos, e de se julgar acima de todos, é uma prova de insuficiência, pois foge a um dos primeiros preceitos da doutrina: a modéstia e a humildade. Quando os Espíritos malévolos encontram semelhantes disposições num indivíduo, não deixam de incentivá-las e superexcitá-las, persuadindo-o de que só ele possui a verdade. É um dos escolhos que podem ser encontrados, e contra o qual julguei conveniente premunir-vos, acrescentando que não basta dizer-se espírita, como não basta dizer-se cristão. É preciso prová-lo pela prática.

Se, pela formação de grupos, é evitada a rivalidade dos indivíduos, tal rivalidade não poderia existir entre os próprios grupos que, marchando por vias um pouco divergentes, pudessem produzir cismas, ao passo que numa sociedade única seria mantida a unidade de princípios? A isto respondo que o inconve­niente assinalado não seria evitado, pois aqueles que não adotassem os princípios da sociedade, dela se separariam e nada os impediria de formarem um grupo à parte. Os grupos são outras tantas pequenas sociedades, que necessariamente marcharão na mesma via, se todas adotarem a mesma bandeira e as bases da Ciência, consagradas pela experiência. A respeito, também chamo a vossa atenção para o n.º 348 do Livro dos Médiuns. Aliás, nada impede que um grupo central seja formado de delegados dos diversos grupos particulares que, assim, teriam um ponto de ligação, e um correspondente direto com a Sociedade de Paris. Depois, anualmente, uma assembleia geral poderia reunir todos os adeptos e tornar-se, assim, uma verdadeira festa do Espiritismo. Aliás, sob esses diversos pontos, eu prepararei uma instrução minuciosa, que terei a honra de vos remeter posteriormente, tanto sobre a organização quanto sobre a ordem dos trabalhos. Os que a seguirem manter-se-ão naturalmente na unidade de princípios.

Senhores, tais são os conselhos que vos devo dar, desde que tivestes a bondade de solicitá-los. Sinto-me feliz por acrescentar que em Bordéus encontrei elementos excelentes e um progresso muito maior do que esperava. Aqui encontrei um grande número de verdadeiros e sinceros espíritas e levo de minha visita a esperança fundada de que nossa doutrina se desenvolverá sobre as mais amplas bases e em excelentes condições. Crede que meu concurso jamais faltará em tudo quanto estiver ao meu alcance para secundar os esforços dos que são sincera e conscienciosamente devotados de coração a esta nobre causa, que é da Humanidade.

O Espírito de Erasto, que já conheceis, senhores, por suas notáveis dissertações que já lestes, também quer trazer-vos o tributo de seus conselhos. Antes de minha partida de Paris, ele ditou, por intermédio de seu médium habitual, a comunicação seguinte, que vou ter a honra de vos ler.


Primeira Epístola de Erasto, humilde servo de Deus aos espíritas de Bordéus

Que a paz do Senhor esteja convosco, meus bons amigos, a fim de que nada venha jamais perturbar a boa harmonia que deve reinar num centro de espíritas sinceros! Sei quão profunda é vossa fé em Deus e quanto sois fervorosos adeptos da nova revelação. Eis por que vos digo, com toda a efusão de minha ternura por vós, que ficaria desolado, ficaríamos desolados todos nós que, sob a direção do Espírito de Verdade, somos os iniciadores do Espiritismo na França, se viesse a desaparecer do vosso meio a concórdia de que até hoje destes provas brilhantes. Se não tivésseis dado o exemplo de uma sólida fraternidade; se, enfim, não fôsseis um centro sério e importante da grande comunhão espírita francesa, eu teria deixado esta questão na sombra do esquecimento. Mas se a levantei é que tenho razões plausíveis para convidar-vos à manutenção da união, da paz e da unidade de doutrina entre os vossos diversos grupos. Sim, meus caros discípulos, aproveito com entusiasmo esta ocasião que nós mesmos preparamos, para mostrar-vos quanto seria funesta ao desenvolvimento do Espiritismo e que escândalo causaria entre os vossos irmãos de outras regiões, a notícia de uma cisão no centro que até agora nos encantou citar como exemplo, por seu espírito de fraternidade, a todos os outros grupos formados ou em vias de formação. Não ignoro, como não o deveis ignorar, que tudo farão para semear a divisão entre vós; que vos armarão ciladas; que em vosso caminho semearão emboscadas de toda sorte; que vos incitarão uns contra os outros, a fim de fomentar a divisão e levar a uma ruptura, por todos os títulos lamentável. Mas podereis evitar tudo isto, praticando os sublimes preceitos da lei do amor e da caridade, inicialmente perante vós próprios, e, a seguir, perante todos. Estou convicto de que não dareis aos inimigos de nossa santa causa a satisfação de dizer: “Vede esses espíritas de Bordéus, que nos eram mostrados como vanguardeiros da marcha dos novos crentes! Eles não conseguem nem ao menos estar de acordo entre si!” Eis, meus amigos, onde vos esperam e onde nos esperam a todos. Vossos excelentes guias já vos disseram: “Tereis que lutar não só contra os orgulhosos, os egoístas, os materialistas e todos esses infelizes que estão imbuídos do espírito do século, mas ainda, e sobretudo, contra a turba de Espíritos enganadores que, encontrando em vosso meio uma rara reunião de médiuns, pois a tal respeito sois os mais aquinhoados, em breve virão assaltar-vos, uns com dissertações sabiamente combinadas, nas quais, graças a tiradas piedosas, insinuarão a heresia ou algum princípio dissolvente; outros com comunicações abertamente hostis aos ensinos dados pelos verdadeiros missionários do Espírito de Verdade. Ah! Crede-me, não temais desmascarar os embusteiros que, novos Tartufos, se introduziriam entre vós sob a máscara da religião. Sede igualmente impiedosos para com os lobos devoradores, que se ocultariam sob peles de cordeiro. Com a ajuda de Deus, que jamais invocais em vão, e com a assistência dos bons Espíritos que vos protegem, ficareis inquebrantáveis em vossa fé. Os maus Espíritos vos acharão invulneráveis, e quando virem seus dardos se quebrarem contra o amor e a caridade que vos animam o coração, retirar-se-ão confusos de uma campanha onde só terão colhido impotência e vergonha. Encarando como subversiva toda doutrina contrária à moral do Evangelho e aos princípios gerais do Decálogo, que se resumem nesta lei concisa: Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos, manter-vos-eis invariavelmente unidos. Aliás, em tudo é preciso saber submeter-se à lei comum: a ninguém cabe subtrair-se ou querer impor sua opinião e seu sentimento, quando estes não forem aceitos pelos outros membros de uma mesma família espírita. Nisto eu vos convido insistentemente a vos espelhardes na prática e nos regulamentos da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris, onde ninguém, seja qual for sua posição, idade, serviços prestados ou autoridade adquirida, pode substituir por sua iniciativa pessoal a da Sociedade de que faz parte e, a fortiori, engajá-la em coisa alguma por meio de manobras que ela não aprovou. Dito isto, é incontestável que os adeptos do mesmo grupo devem ter uma justa deferência para com a sabedoria e experiência adquiridas. A experiência não é atributo exclusivo do mais velho nem do mais sábio, mas do que se ocupou de nossa consoladora filosofia por mais tempo e com mais proveito para todos. Quanto à sabedoria, cabe-vos identificar aqueles dentre vós que a seguem e que praticam da melhor maneira os preceitos e as leis. Contudo, meus amigos, antes de seguir vossas próprias inspirações, não esqueçais que tendes os vossos conselhos e os vossos protetores etéreos a consultar, e estes jamais vos faltarão, quando solicitardes com fervor e com um objetivo de interesse geral. Para isso necessitais de bons médiuns, e aqui os vejo excelentes, em cujo meio só tendes que escolher. Certamente, bem o sei, a Sra. e a Srta. Cazemajoux e alguns outros possuem qualidades mediúnicas no mais alto grau, e nenhuma região, eu vo-lo repito, a este respeito é mais bem dotada do que Bordéus.

Eu tive que vos fazer ouvir uma voz tanto mais severa quanto mais espera de vós o Espírito de Verdade, mestre de todos nós. Lembrai-vos de que fazeis parte da vanguarda espírita e que a vanguarda, como o estado-maior, deve a todos o exemplo de uma submissão absoluta à disciplina estabelecida. Ah! Vossa obra não é fácil, porquanto vos cabe a tarefa de levar com mão vigorosa o machado às sombrias florestas do materialismo e perseguir até às suas últimas trincheiras os interesses materiais coligados. Novos Jasons, marchais à conquista do verdadeiro tosão de ouro, isto é, dessas ideias novas e fecundas que devem regenerar o mundo, mas, nesse caso, já não marchais no interesse privado, nem mesmo no da geração atual, mas, sobretudo no das gerações futuras, para as quais preparais os caminhos. Há nesta obra um cunho de abnegação e de grandeza que ferirá de admiração e de reconhecimento os séculos futuros e, crede-me, Deus saberá vos levar isto em conta. Tive que vos falar como falei, porque me dirijo a criaturas que escutam a razão; a homens que perseguem seriamente um objetivo eminentemente útil: a melhora e a emancipação da raça humana; a espíritas, enfim, que ensinam e pregam pelo exemplo, que o melhor meio para lá chegar está na prática das verdadeiras virtudes cristãs. Tive que vos falar assim, porque era necessário premunir-vos contra um perigo, vo-lo mostrando. Este era meu dever, e venho cumpri-lo. Assim, agora posso encarar o futuro sem inquietude, porque estou convencido de que minhas palavras serão proveitosas a todos e a cada um, e que o egoísmo, o amor-próprio ou a vaidade de agora em diante não terão poder sobre os corações em que reinará completamente a verdadeira fraternidade.

Vós vos lembrareis, espíritas de Bordéus, que vossa união é o verdadeiro encaminhamento para a união e a fraternidade universal. A esse respeito, sinto-me feliz, muito feliz, por poder constatar claramente que o Espiritismo, por si, vos impulsionou a dar um passo à frente. Recebei, pois, nossas felicitações, pois aqui falo em nome de todos os Espíritos que presidem a grande obra da regeneração humana, já que, por vossa iniciativa, abriu-se um novo campo de exploração e uma nova causa de segurança nos estudos dos fenômenos de Além-Túmulo, por vosso pedido de filiação, não como indivíduos isolados, mas como grupo compacto, à Sociedade iniciadora de Paris. Pela importância desse passo, reconheço a alta sabedoria dos vossos guias principais e agradeço ao terno Fénelon e seus fiéis coadjutores Georges e Marius, que com ele presidem às vossas piedosas reuniões de estudo. Aproveito esta circunstância para, igualmente, dar um sonoro testemunho aos Espíritos Ferdinand e Felícia, que todos conheceis. Embora estes dignos colaboradores tenham apenas feito o bem pelo bem, é bom saberdes que é a esses modestos pioneiros, secundados pelo humilde Marcelino, que nossa santa doutrina deve ter prosperado tão rapidamente em Bordéus e no sudoeste da França.

Sim, meus fiéis crentes, vossa admirável iniciativa será seguida, bem o sei, por todos os grupos espíritas formados seriamente. É, pois, imenso passo adiante. Compreendestes, e todos compreenderão como vós, que vantagens, que progressos, que propaganda resultarão da adoção de um programa uniforme para os trabalhos e estudos da doutrina que vos revelamos. Não obstante, fique bem entendido que cada grupo conservará sua originalidade e sua iniciativa particular, mas que fora de seus trabalhos particulares, terá que ocupar-se de diversas questões de interesse geral, submetidas ao seu exame pela sociedade central, e resolver várias dificuldades, cuja solução até agora não foi obtida dos Espíritos, por motivos que seria inútil aqui desenvolver. Eu acreditaria ofender-vos se aos vossos olhos fizesse ressaltarem as consequências resultantes de trabalhos simultâneos. Então, quem ousará contestar uma verdade, quando esta é confirmada pela unanimidade ou pela maioria das respostas mediúnicas obtidas simultaneamente em Lyon, Bordéus, Constantinopla, Metz, Bruxelas, Sens, México, Carlsruhe, Marselha, Toulouse, Mâcon, Sétif, Argel, Oran, Cracóvia, Moscou, São Petersburgo, como em Paris?

Eu vos falei com a rude franqueza com que falo aos vossos irmãos de Paris. Não obstante, não vos deixarei sem testemunhar minhas simpatias justamente conquistadas por essa família patriarcal onde excelentes Espíritos encarregados de vossa direção espiritual começaram a fazer ouvir suas eloquentes palavras. Citei a família Sabò, que soube atravessar com uma constância e uma piedade inalterável, as dolorosas provas com que Deus a afligiu, a fim de elevá-la e torná-la apta para a sua missão atual. Também não devo esquecer o concurso dedicado de todos quantos, em suas respectivas esferas, contribuíram para a propagação de nossa consoladora doutrina. Continuai todos, meus amigos, a marchar resolutamente no caminho aberto. Ele vos conduzirá seguramente para as esferas etéreas da perfeita felicidade, onde marcarei encontro convosco. Em nome do Espírito de Verdade, que vos ama, eu vos abençoo, espíritas de Bordéus.

ERASTO




Banquete oferecido ao Sr. Allan Kardec pelos Espíritas bordeleses

Discurso e brinde do Sr. Lacoste, negociante

Senhores,

Rogo sobretudo aos jovens que me ouvem, que prestem muita atenção às poucas palavras de fraterna afeição que escrevi especialmente para eles. A falta de experiência, a conformidade de nossas idades e a comunhão de nossas ideias me asseguram sua indulgência.

Senhores, nenhum de nós acolheu com indiferença a revelação desta santa doutrina, cujos elementos novos foram recolhidos por nosso venerado mestre num livro sábio. Jamais campo mais vasto foi aberto às nossas imaginações. Jamais horizonte mais grandioso foi desvendado às nossas inteligências. É com o ardor da juventude, e sem olhar para trás, que nos tornamos adeptos da fé no futuro e pioneiros da futura civilização. Permita Deus que eu não venha proferir palavras de desencorajamento! Vossas crenças me são muito conhecidas, senhores, e as sei muito sólidas para pensar que a zombaria ou o falso raciocínio de alguns adversários jamais as possa abalar. A juventude é rica de privilégios; fácil às nobres emoções; ardente no empreendimento. Ela possui ainda o entusiasmo da fé, essa alavanca moral que levanta os mundos. Mas se sua imaginação a arrasta além dos obstáculos, por vezes poderá levá-la além do objetivo. É contra esses desvios que vos exorto a vos premunirdes. Entregues a vós mesmos, atraídos pelo encanto da novidade, erguendo a cada passo a ponta do véu que vos ocultava o desconhecido, quase que pondo o dedo na solução do eterno problema das causas primeiras, guardai-vos de vos deixar embriagar pelas alegrias do triunfo. Poucos caminhos estão isentos de precipícios. A maior confiança segue sempre caminhos fáceis, e não há nada mais difícil de obter de jovens soldados, como de inteligências jovens, do que a moderação na vitória. Aí está o mal que temo para vós, como para mim.

Felizmente o remédio está junto ao mal. Há entre nós, aqui reunidos, alguns que reúnem à maturidade da idade e do talento, a feliz vantagem de, em nossa cidade, terem sido os propagadores esclarecidos do ensino espírita. É a esses espíritas mais calmos e mais refletidos que deveis submeter a direção de vossos estudos, e graças a essa deferência de todos os dias; graças a essa subordinação moral, ser-vos-á dado trazer à construção do edifício comum uma pedra que não oscilará.

Saibamos pois, senhores, vencer as questões pueris do amor-próprio. A nossa parte, a parte que toca à nossa mocidade, não é tão bela? A nós, efetivamente, pertence o futuro. Quando nossos pais em Espiritismo reviverem num mundo melhor, nós, cheios de vida e de fé, poderemos assistir à esplêndida irradiação desta verdade, da qual eles terão apenas entrevisto na Terra a misteriosa aurora.

Deixai-me, pois, senhores, a esperança de que possais dizer comigo e do fundo do coração:

A todos os nossos decanos; a todos os que, conhecidos ou desconhecidos, com roupas ricas ou com o macacão do operário, em Bordéus se transformaram nos adeptos e propagandistas da Doutrina Espírita! À prosperidade da Sociedade Espírita de Paris, dessa Sociedade que sustenta tão alto e tão firme a bandeira sob a qual aspiramos alinhar-nos! Que o Sr. Allan Kardec, mestre de todos nós, receba, em nome de nossos irmãos de Paris, a certeza de uma profunda simpatia. Que ele lhes diga que os nossos corações moços batem em uníssono, e que, embora com um passo menos firme, nem por isso concorremos menos para a regeneração universal, encorajados por seus exemplos e por seus sucessos!


Brinde do Sr. Sabò

Senhor, também os Espíritos querem assegurar-nos uma vez mais que sua simpatia foi por nós conquistada ao unirmos os seus aos nossos desejos pela prosperidade desta santa doutrina, que é a sua obra. O Espírito de Ferdinand, um dos nossos guias protetores, ditou espontaneamente o seguinte ensinamento, que tenho a felicidade de transmitir-vos:

“A grande família espírita da qual participais, diariamente vê crescer o número de seus filhos, e em breve não haverá mais em vossa bela pátria, nem cidades nem burgos onde não se tenha instalado a tenda dos membros desta tribo abençoada por Deus.

“Já nos seria impossível assinalar os numerosos centros que vêm gravitar em torno do foco luminoso sediado em Paris, porque apenas os centros das grandes cidades são por nós são conhecidos. Entre esses distingue-se, pelo saber, pela inteligência e pela união fraterna, a Sociedade dos Espíritas de Metz. Ela está destinada a dar frutos abundantes e, buscando com eles estabelecer relações amigas baseadas numa estima recíproca, enchereis de suave alegria o coração paternal de vosso chefe aqui presente.

“O Espírito eminente de Erasto vos disse ontem: ‘Sede unidos. A união faz a força.’ Assim, fazei esforços, todos vós, para consegui-lo, a fim de que, em pouco tempo, todos os centros espíritas franceses, unidos entre si pelos laços da fraternidade, marchem a passos de gigante pela via traçada.”

FERDINAND, guia espiritual do médium.

Em conclusão, e como fiel intérprete dos sentimentos expressos por esse bom Espírito, proponho um brinde aos nossos irmãos espíritas de Metz em particular, e a todos os espíritas franceses em geral.

Senhores,

Persuadido de que as calorosas palavras ontem pronunciadas em vosso meio pelo nosso honrado chefe espírita não caíram sobre pedras e espinheiros, mas nos vossos corações agora dispostos a apertar os laços da fraternidade, venho propor um brinde aos nossos irmãos espíritas de Lyon. Eles começaram suas tarefas antes de nós e, para se organizarem, tiveram que sofrer os mesmos ataques que tanto nos fizeram sofrer. Mas, graças ao impulso que o nosso bem-amado chefe lhes deu, no ano passado, deram um passo imenso na via abençoada em que os bons Espíritos vêm fazer entrar a Humanidade. Imitemo-los, senhores. Que uma louvável emulação una os espíritas de Bordéus e de Lyon, a fim de que a comunhão de pensamentos e de sentimentos de que estiverem todos animados permita que se diga que bordeleses e lioneses são irmãos.

Proponho um brinde à união dos irmãos de Bordéus e Lyon.


Discurso do Sr. Desqueyroux, mecânico, em nome do grupo de operários

Senhor Allan Kardec, nosso caro mestre.

Em nome de todos os operários espíritas de Bordéus, meus amigos e meus irmãos, eu me permito levantar um brinde à vossa prosperidade. Embora já chegado a uma alta perfeição, que Deus vos faça crescer ainda mais nos bons sentimentos que vos animaram até hoje, e que, sobretudo, ele vos faça crescer aos olhos do Universo e no coração dos que, seguindo a vossa doutrina, dele se aproximam. Nós, que somos do número dos que a professam, vos bendizemos do íntimo do coração e oramos ao nosso divino Criador para que vos deixe ainda por muito tempo entre nós, a fim de que, terminada a vossa missão, estejamos bastante firmes na fé, para nos conduzirmos sós, sem nos afastarmos do bom caminho.

Para nós é inefável felicidade havermos nascido numa época em que podemos ser esclarecidos pelo Espiritismo. Mas não é bastante conhecer e desfrutar dessa felicidade. Com a Doutrina, contraímos compromissos que consistem em quatro deveres diferentes: dever de submissão, que nos faça ouvir com docilidade; dever de afeição, que nos faça amar com ternura; dever de zelo, para defender seus interesses com ardor; dever de prática, que nos faça honrá-la por nossas obras.

Estamos no seio do Espiritismo e o Espiritismo é para nós uma sólida consolação em nossas penas, porque ─ é preciso confessá-lo ─ há momentos na vida em que a razão talvez pudesse sustentar-nos, mas há outros em que se tem necessidade de toda a fé que o Espiritismo dá, para não sucumbirmos. Em vão nos vêm os filósofos pregar uma firmeza estóica; repetir suas máximas pomposas; dizer-nos que coisa alguma perturba o sábio, e que o homem foi feito para se possuir a si mesmo e dominar os eventos da vida. Tristes consolos! Longe de suavizar minha dor, vós a tornais amarga; em todas as vossas palavras só encontramos vazio e secura. Mas o Espiritismo nos vem em socorro e nos prova que nossa aflição pode contribuir para a nossa felicidade.

Sim, nosso mestre. Continuai vossa augusta missão. Continuai a nos mostrar esta Ciência que vos é ditada pela bondade divina, que é o nosso consolo durante esta vida e que será o pensamento sólido a nos sustentar no momento da morte.

Recebei, caro mestre, estas poucas palavras, saídas do coração de vossos filhos, pois sois o pai de todos nós, o pai da classe laboriosa e dos aflitos. Vós sabeis que o progresso e o sofrimento marcham juntos, mas quando o desespero acabrunhava os nossos corações, viestes trazer-nos força e coragem. Sim, mostrando-nos o Espiritismo, dissestes: Irmãos, coragem! Suportai sem murmúrios as provas que vos são enviadas, e Deus vos abençoará. Sabei, pois, que somos apóstolos devotados e que neste século, como nos séculos futuros, vosso nome será bendito por nossos filhos e por nossos amigos operários.


Discurso e brinde do Sr. Allan Kardec

Meus caros irmãos no Espiritismo,

Faltam-me expressões para dar a impressão que sinto pela vossa acolhida tão simpática e benevolente. Permiti-me, pois, dizer em poucas palavras e não em longas frases que não diriam mais, que situarei minha primeira visita a Bordéus entre os mais felizes momentos de minha vida e da qual guardarei eterna lembrança. Mas também não esquecerei, senhores, que esta acolhida me impõe uma grande tarefa, qual a de justificá-la, o que espero fazer com a ajuda de Deus e dos bons Espíritos. Ela me impõe, além disso, grandes obrigações, não só para convosco, mas ainda para com os espíritas de todas as regiões, dos quais sois representantes, como membros da grande família, bem como para com o Espiritismo em geral, que acabais de aclamar nestas duas reuniões solenes e que, não tenhais dúvida, colherá no arrojo de vossa importante cidade uma força nova para lutar contra os obstáculos que quererão lançar em vosso caminho.

Em minha alocução de ontem, falei de sua força irresistível. Não sois a prova evidente? Não é um fato característico a inauguração de uma sociedade espírita que, como a vossa, se inicia pela reunião espontânea de cerca de 300 pessoas, atraídas, não por vã curiosidade, mas pela convicção e pelo único desejo de se agrupar num feixe único? Sim, senhores, o fato não só é característico, mas providencial. Eis, acerca deste assunto, o que ainda ontem, antes da sessão, dizia meu guia espiritual, o Espírito de Verdade:

“Deus marcou com o cunho de sua vontade imutável a hora da regeneração dos filhos desta grande cidade. À obra, pois, com confiança e coragem. Esta noite os destinos de seus habitantes vão começar a sair da rotina das paixões que sua riqueza e seu luxo faziam germinar como joio junto ao bom grão, para atingir, pelo progresso moral que lhe vai imprimir o Espiritismo, a altura dos destinos eternos. Tu vês que Bordéus é uma cidade amada pelos Espíritos, pois vê multiplicar-se em seus muros os mais sublimes devotamentos da caridade, sob todas as formas. Assim, eles estavam aflitos por vê-la na retaguarda do movimento progressivo que o Espiritismo acaba de impor à Humanidade. Mas os progressos vão ser tão rápidos, que os Espíritos bendirão o Senhor por ter-te inspirado o desejo de vir ajudá-los a entrar nesta via sagrada.”

Vedes, pois, senhores, que o impulso que vos anima vem do Alto, e seria muita temeridade de quem quisesse detê-lo, pois seria derrubado como os anjos rebeldes que quiseram lutar contra o poder de Deus. Não temais, pois, a oposição de alguns adversários interesseiros ou que se pavoneiam na sua incredulidade materialista. O materialismo chega à sua última hora e é o Espiritismo que vem fazê-la soar, pois ele é a aurora que dissipa as trevas da noite. E, coisa providencial! é o próprio materialismo que sem o querer, serve de auxiliar à propagação do Espiritismo. Por seus ataques, ele chama a atenção dos indiferentes. As pessoas querem saber de que se trata, e como o acham interessante, adotam-no. Tendes a prova disto sob vossos olhos, pois sem os artigos de um dos jornais de vossa cidade, os espíritas bordeleses talvez constituíssem a metade do que são. Tal artigo naturalmente despertou a curiosidade, porque geralmente se diz: Atacam, logo existe algo. Mediram a importância da coisa pela extensão do artigo. Perguntaram: É bom? É mau? É verdadeiro? É falso? Vejamos, de qualquer modo. Viram, e sabeis o resultado. Longe, pois, de malquerer ao autor do artigo, é preciso ser-lhe grato pela propaganda gratuita. E se houver aqui algum de seus amigos, pedimos-lhe que o incentive a recomeçar, a fim de que, se hoje somos 300, sejamos 600 no próximo ano. Sobre isto eu vos poderia citar casos curiosos de propaganda semelhante, feita em certas cidades, por sermões furibundos contra o Espiritismo.

Como Lyon, Bordéus acaba de plantar, altiva, a bandeira do Espiritismo, e o que vejo me garante que não será arrancada. Bordéus e Lyon! Duas das maiores cidades da França! Focos de luz! E dizem que todos os espíritas são loucos! Honra aos loucos dessa espécie! Não esqueçamos de Metz, que acaba de fundar sua sociedade, onde figuram, em grande número, oficiais de todas as patentes, e que reclama sua admissão na grande família. Espero que em breve Toulouse, Marselha e outras cidades, onde já fermenta a nova semente, juntar-se-ão às suas irmãs mais velhas e darão o sinal da regeneração em suas respectivas regiões.

Senhores, em nome da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, levanto um brinde aos espíritas de Bordéus; à sua união fraterna para resistir ao inimigo que queria dividi-la, a fim de ter razão mais facilmente.

A este brinde associo, do mais fundo de meu coração, e com a mais viva simpatia, o Grupo Espírita dos Operários de Bordéus que, como os de Lyon, dão admirável exemplo de zelo, devotamento, abnegação e reforma moral. Asseguro-vos que estou feliz, muito feliz de ver seus delegados reunidos fraternalmente nesta mesa, com o escol da Sociedade, que prova, por esta associação, a influência do Espiritismo sobre os preconceitos sociais. Não poderia ser de outro modo, quando ele nos ensina que o mais bem colocado no mundo talvez tenha sido humilde proletário, e que apertando a mão do último trabalhador, talvez aperte a de um irmão, de um pai, ou de um amigo.

Em nome dos espíritas de Metz e de Lyon, dos quais me faço intérprete, eu vos agradeço por tê-los incluído na expressão dos vossos sentimentos fraternos.

Aos espíritas bordeleses!

Senhores, os espíritas não devem ser ingratos. Creio ser dever de reconhecimento não esquecer os que servem a nossa causa, mesmo sem o querer. Assim, proponho um brinde ao autor do artigo do Courrier de la Gironde, pelo serviço que nos prestou, fazendo votos para que ele renove, de vez em quando, seus espirituosos artigos. E se Deus quiser, em breve ele será o único homem sensato de Bordéus.




Poesias do momento, ditas pelo Sr. Dombre, (De Marmande), vindo a Bordéus para está solenidade

Os camponeses e o carvalho - Fábula - ao Sr. Allan Kardec

Os abusos têm campeões ocultos, mais perigosos que os adversários declarados, e a prova disto é a dificuldade que se tem de arrancá-los.



Allan Kardec (O que é o Espiritismo)




Um dia, honestos camponeses

De pé ante um carvalho enorme, fronte ingente,

O mediam com os olhos, descorteses.

─ É em vão, diz um, que prodigamos a semente;

Por esses sulcos revolvidos e adubados

Nada brota. O adubo e a seiva são levados

Para essa ramaria, essa espessa folhagem.

Fazer gastos assim é uma triste bobagem.

É deixar que esta árvore empobreça o chão,

Consuma o nosso suor e esterilize o grão.

Irmãos, se em mim quiserdes crer

Nós livraremos nosso campo

Desse incômodo hóspede... e isso... num tranco!

─ À obra! gritaram, a ferver.

Eram todos fortes e ardentes.

Uma corda amarrada na árvore, em cima,

E ei-los a formar a cadeia ferina

Cujos anéis ligavam-nos, potentes.

A folhagem treme e farfalha,

Mas é tudo... Eles podem agitar-se, esfalfar-se

A puxar a tortuosa e robusta ramalha,

Que o tronco não chega a abalar-se.

Um dos sabidos da região

Um bom velho lhes disse ao passar: ─ Meus meninos,

Vossa messe vai de aluvião

Em proveito dos ramos e dos grãos mofinos.

Destruí-los... está bem... eu atino.

Mas abater de frente o tronco não é fácil;

Não envergará o carvalhaço

Todo o esforço do vosso braço.

A idade enrija o corpo, como o torna indócil.

Fazei menos bulhento o assalto, e mais terrível,

A esse colosso vigoroso.

Os séculos passaram em seu cascão nodoso;

Empregai dias a miná-lo, se possível.

Ponde ao sol a raiz sugadora e ferina

E levareis a morte ao ramalhal confuso.

Não podendo de um golpe suprimir o abuso

É nos seus fundamentos que se busca a ruína.

C. DOMBRE


O ouriço, o coelho e a pêga - Fábula - Aos membros da sociedade espírita de Bordéus

A caridade, meus amigos, é feita de muitas maneiras. Podeis fazer a caridade pelo pensamento e pelas obras...



O Espírito protetor da Sociedade Espírita de Lyon

Revista Espírita de outubro de 1861

Um pobre ouriço, sendo expulso da sua toca,

Rolava pelo campo em meio aos espinheiros,

Aos golpes de tamanco de um moleque arteiro

Que em sangue o abandona e quase que o sufoca.

Ele fecha, tremendo, a armadura espinhenta,

Espicha-se, lançando em volta esquivo olhar,

E, já sem perigo lamenta

Numa débil voz, a chorar:

— Onde esconder?... Fugir?... Voltar ao meu abrigo

Está acima do meu querer.

Já nem posso prever os mil perigos

Que me ameaçam aqui... É forçoso morrer?

Preciso de um refúgio, um pouco repousar

Para curar minhas feridas.

Mas... onde encontrar uma guarida?

Quem irá de mim se apiedar?

Um coelho que morava entre lascas de rocha

E para quem a caridade

Não era vã palavra, sensível se arroja

E lhe diz: ─ Meu amigo, aceitai a metade

Do meu modesto abrigo. Estou bem neste asilo;

Nele estareis seguro. É difícil aqui

Buscarem vosso rastro. E mais, ficai tranquilo:

Cuidados, junto a mim, não vão faltar ali.

Diante dessa oferta graciosa

Já caminhava o ouriço a passo lento

Quando uma pega obsequiosa

Fez um sinal ao coelho: ─ Parai um momento,

Eu peço... uma palavra... é um breve caso...

E depois ao ouriço: ─ É um pequeno segredo!...

Perdoai-me, quando nada, pelo atraso!

E o bom coelho, nesse enredo

Ergue as orelhas para que ela fale baixo:

─ Como! Levais a vossa casa uma tal gente!...

Avançais muito nos cuidados com os de baixo!

Nunca eu faria tal tolice, tão patente,

Mas, não arreceais de vos arrepender?

Quando estiver curado, as forças recobradas,

Vós sereis o primeiro, talvez, a sofrer

Com seu mau coração e as farpas aceradas.

E que meios tereis, então, para o correr?

O coelho respondeu: ─ Nenhuma inquietação

Nos deverá afastar de impulsos benfeitores;

Vale bem mais expor-se à ingratidão

Do que faltar aos sofredores!

C. DOMBRE




Bibliografia

O livro dos médiuns

SEGUNDA EDIÇÃO

A primeira edição do Livro dos Médiuns, publicada no começo deste ano, esgotou-se em alguns meses, o que não é um dos traços menos característicos do progresso das ideias espíritas. Nós mesmo constatamos, em nossas excursões, a influência salutar que essa obra exerceu sobre a direção dos estudos espíritas práticos. Assim, as decepções e mistificações são muito menos numerosas do que outrora, porque ela ensinou os meios de descobrir as astúcias dos Espíritos enganadores. Esta segunda edição é muito mais completa que a precedente. Ela encerra numerosas instruções novas muito importantes e vários capítulos novos. Toda a parte que concerne mais especialmente aos médiuns, à identidade dos Espíritos, à obsessão, às questões que podem ser dirigidas aos Espíritos, às contradições, aos meios de discernir os bons e os maus Espíritos, à formação de reuniões espíritas, às fraudes em matéria de Espiritismo, recebeu desenvolvimentos muito notáveis, frutos da experiência. No capítulo das dissertações espíritas adicionamos várias comunicações apócrifas acompanhadas de observações adequadas a dar os meios de descobrir a fraude dos Espíritos enganadores que se apresentam com falsos nomes.

Devemos acrescentar que os Espíritos reviram a obra inteiramente e trouxeram numerosas observações do mais alto interesse, de sorte que se pode dizer que é obra deles, tanto quanto nossa.

Recomendamos com instância esta nova edição, como o guia mais completo, quer para os médiuns, quer para os simples observadores. Podemos afirmar que seguindo-a pontualmente evitar-se-ão os escolhos tão numerosos contra os quais se vão chocar tantos neófitos inexperientes. Depois de a ter lido e meditado atentamente, os que forem enganados ou mistificados certamente não poderão queixar-se senão de si mesmos, porque tiveram todos os meios para se esclarecerem.



O Espiritismo ou espiritualismo em Metz

PRIMEIRA SÉRIE DAS PUBLICACÕES DA SOCIEDADE ESPÍRITA DE METZ

Em nosso último número mencionamos esta publicação apenas a título de lembrete, propondo-nos voltar ao assunto. Lemo-la com atenção e só podemos felicitar a Sociedade dos espíritas de Metz por seus resultados. Ela conta, em seu seio, com um grande número de homens esclarecidos que, esperamos, saberão mantê-la em guarda contra os embustes dos maus Espíritos, que não deixarão de tentar desviá-la da boa rota em que se colocou.

A publicação não é periódica. A Sociedade de Metz se propõe fazer outras semelhantes, de tempos em tempos, em datas indeterminadas, e nelas inserir as melhores comunicações que houver obtido. Tal modo é vantajoso porque não obriga a assumir nenhum compromisso com assinantes, aos quais se deve servir apesar de tudo, e porque os gastos são sempre proporcionais.

Todas as comunicações contidas nesta primeira brochura têm um cunho eminentemente sério e uma moralidade irreprochável. Nada notamos que não se pudesse chamar de ortodoxo, do ponto de vista da Ciência e de acordo com o ensino do Livro dos Espíritos. Se os senhores espíritas de Metz nos permitem um conselho, nós os estimularíamos a continuar a trazer, em publicações ulteriores, a prudente circunspeção que notamos nesta; que se persuadam de que as publicações intempestivas podem ser mais nocivas do que úteis à propagação do Espiritismo. Contamos com a sabedoria e a sagacidade dos que as dirigem, para não cederem ao entusiasmo de adeptos mais zelosos que refletidos. Que eles se lembrem sempre desta máxima: Não adianta correr; é preciso partir na hora.

As duas comunicações seguintes, extraídas deste primeiro lançamento, podem dar uma ideia do espírito no qual são feitas.


O fluído universal

(29 DE SETEMBRO DE 1860)

O fluido universal liga entre si todos os mundos, e conforme os impulsos que lhe são dados pela vontade do Criador, dá origem a todos os fenômenos da Criação. Ele é a própria vida, e liga as diferentes matérias do nosso globo. É ele que, por propriedades subordinadas a leis, regula as diferentes nuanças das afinidades físicas e morais, tão misteriosas para vós. É ele que vos faz ver o passado, o presente e o futuro, sobretudo quando a matéria que obstrui a vossa alma é anulada ou enfraquecida por uma causa qualquer. Então, essa dupla vista (embora menos desenvolvida do que após a morte), vê, sente e toca tudo, nesse meio fluídico que é o seu elemento e o espelho exato do que foi, é e será, porque apenas as partes mais grosseiras desse fluido sofrem sensíveis modificações de composição.


HENRY, antigo magnetizador.


Efeitos da prece

(15 DE OUTUBRO DE 1860)

A prece é uma aspiração sublime, à qual Deus concedeu um poder tão mágico que os Espíritos a reivindicam constantemente. Orvalho suave como um refrigério para o pobre exilado na Terra e um arranjo[1] fecundo para a alma em prova. A prece age diretamente sobre o Espírito para o qual é dirigida. Ela não transforma seus espinhos em rosas, mas modifica sua vida de sofrimentos (nada podendo sobre a vontade imutável de Deus) imprimindo-lhe esse impulso de vontade que levanta a sua coragem, ao dar-lhe força para lutar contra as provas e dominá-las. Por esse meio, é abreviado o caminho que conduz a Deus e, como efeito maravilhoso, nada pode ser comparado à prece.

Aquele que blasfema contra a prece não passa de Espírito inferior, de tal modo terreno e atrasado que nem mesmo compreende que deve apegar-se a essa tábua de salvação.

Orai, pois a prece é uma palavra descida do Céu; é a gota de orvalho no cálice de uma flor; é o sustentáculo do caniço durante a borrasca; é a tábua do pobre náufrago na tempestade; é o abrigo do mendigo e do órfão; é o berço para a criança dormir. Emanação divina, a prece nos liga a Deus pela linguagem, chamando sua atenção para nós. Orar por nós é amá-lo. Suplicar-lhe por um irmão é um ato de amor dos mais meritórios. A prece que vem do coração é a chave dos tesouros da graça; é o ecônomo que dispensa benefícios em nome da misericórdia infinita. A alma que se eleva para Deus por um desses impulsos sublimes da prece, desprendida de seu envoltório grosseiro, parece apresentar-se cheia de confiança perante ele, certa de obter o que pede com humildade. Orai! Orai! Fazei um reservatório de vossas santas aspirações, que será aberto no dia da justiça. Preparai o celeiro da abundância, tão precioso durante a carestia. Escondei o tesouro de vossas preces até o dia escolhido por Deus para distribuir o rico depósito. Acumulai para vós e para os vossos irmãos, o que diminuirá as vossas angústias e vos fará transpor mais rapidamente o espaço que vos separa de Deus. Reflete em tua miserável natureza; conta as tuas decepções e teus riscos; sonda o abismo profundo para onde podem arrastar-te as paixões; olha em torno de ti os que caem, e sentirás a necessidade imperiosa de recorrer à prece. É âncora de salvação que impedirá o esfacelamento do teu navio, tão sacudido pelas tormentas do mundo.

Teu Espírito familiar.




[1] 1 vol. in-12, preço: 3,50 francos. Pelo correio: 4 francos.




O Espiritismo na América

FRAGMENTOS TRADUZIDOS DO INGLÊS PELA SRTA. CLÉMENCE GUÉRIN[2]

O Espiritismo conta, na América, com homens eminentes que desde o princípio lhe avaliaram o alcance e nele viram algo mais do que simples manifestações. Nesse número está o juiz Edmonds, de Nova York, cujos escritos sobre tão importante assunto são justamente apreciados e muito pouco conhecidos na Europa, onde não foram traduzidos. Devemos ser gratos à Srta. Guérin por nos dar uma ideia deles por alguns fragmentos publicados em sua brochura, levando-nos a lamentar não tenha ela acabado sua obra por uma tradução completa. Ela junta alguns extratos não menos notáveis do Dr. Hare, da Filadélfia, que, também ele, foi um dos primeiros a ter coragem de afirmar a sua fé nas novas revelações.

A Srta. Guérin, que residiu muito tempo na América, onde viu se produzirem e se desenvolverem as primeiras manifestações, é uma dessas espíritas sinceras, conscienciosas, que tudo julgam com calma, sangue-frio e sem entusiasmo. Tivemos a honra de conhecê-la pessoalmente e sentimo-nos feliz por lhe dar aqui um testemunho merecido de nossa profunda estima. Pelo fragmento de seu prefácio que transcrevemos abaixo, pode-se ver que nossa opinião é justamente motivada.

“Como os americanos, temos a fé profunda, a esperança radiosa de que esta doutrina, tão eminentemente baseada na caridade ─ não esmola, mas amor ─ seja bem aquela que deve regenerar e pacificar o mundo. Nunca a solidariedade fraterna foi mais claramente demonstrada, nem de maneira mais sedutora. Vindo consolar-nos, ajudar-nos, instruir-nos, indicar-nos, enfim, o melhor uso a ser feito de nossas faculdades, em vista do futuro, os Espíritos são tão evidentemente desinteressados, que o homem não os pode ouvir muito tempo sem experimentar o desejo de imitá-los; sem procurar ao seu redor alguém para participar dos benefícios que lhe dispensam tão generosamente. Ele o faz com muito mais boa vontade porque compreende, enfim, que é esse o preço do seu próprio progresso, e que no grande livro de Deus não são levados a seu crédito senão os atos praticados com vistas ao bem-estar material ou moral de seus irmãos. O que os Espíritos fazem com sucesso neste momento foi tentado muitas vezes na Terra por corações nobres e almas corajosas, mas que foram e são ainda desconhecidos e ridicularizados. Suspeitam de seu devotamento e só quando desaparecerem é que têm chance de ser julgados com imparcialidade. Eis por que Deus lhes permite continuem a obra após aquilo a que chamamos morte.

É o caso de repetir com Davis: “Não temais, irmãos; sendo mortal, o erro não pode viver; sendo imortal, a verdade não pode morrer!”

Clémence Guérin.

A passagem seguinte, do juiz Edmonds, mostrará com que justeza tinha ele entrevisto as consequências do Espiritismo. Não se deve esquecer que ele escrevia em 1854, época em que o Espiritismo ainda era novo na América, como na Europa.

“Outros julgarão se minhas deduções são verdadeiras ou falsas. Meu objetivo será atingido se, falando do efeito produzido em meu espírito por essas revelações, fiz brotar em alguns o desejo de também pesquisar e assim levar novas luzes ao estudo desses fenômenos, porque até aqui os mais veementes adversários, os que, na sua indignação, gritam contra a impostura, são também os mais obstinados na sua resolução de nada ver ou ouvir sobre este assunto; os mais decididos a permanecer na ignorância completa da natureza dos fatos. Homens com reputação de saber, senão de Ciência, não temem comprometê-la dando explicações que a ninguém satisfazem, baseadas em observações superficiais, feitas com uma leviandade que faria corar um estudante.

“Entretanto, não é uma coisa indiferente esse novo poder inerente ao homem (connected with man) e que, sem a menor dúvida, terá sobre o seu destino uma considerável influência para o bem ou para o mal.

“E já podemos ver que desde a origem, apenas há cinco anos, a ideia espiritualista se propagou com uma rapidez que a religião cristã não havia igualado em cem anos. Ela não procura os lugares desertos, não se cerca de mistérios, mas vem abertamente aos homens, provocando um minucioso exame, não pedindo uma fé cega, mas, em todas as circunstâncias, recomendando o exercício da razão e do julgamento livre.

“Vimos que os ataques dos filósofos não conseguiram desviar um só crente; que os sarcasmos da imprensa e os anátemas da cátedra são igualmente impotentes para deter o progresso, e, sobretudo, já podemos constatar sua influência moralizadora. O verdadeiro crente torna-se sempre mais prudente e melhor (a wise and better man), porque lhe foi demonstrado que a existência do homem após a morte está positivamente provada. Todos quantos, séria e sinceramente, conduziram suas investigações sobre o assunto, tiveram suas provas irrecusáveis. Como poderia ser diferente? Eis uma inteligência que nos fala todos os dias. É um amigo. (Em geral os americanos começam conversando com parentes ou amigos). Ele prova a sua identidade por mil circunstâncias que não deixam a menor dúvida, por meio de recordações que só ele pode conhecer. Ele nos fala das consequências da vida terrena e nos pinta a vida futura em cores tão racionais que nós sentimos que diz a verdade, pois é conforme à ideia íntima que tínhamos da Divindade e dos deveres que ela nos impõe.

“Aqueles que amamos não são separados de nós pela morte, mas muitas vezes estão juntos de nós, ajudam-nos e nos consolam pela esperança de uma reunião certa. Quantas vezes os ouvi, por mim mesmo ou através de outros! Quantas pessoas desoladas vi acalmadas pela suave certeza de que o ser querido “trazido pelos laços do amor, volteia em torno delas, fala-lhes ao ouvido, contempla sua alma, conversa com seu Espírito!”

“Assim, a morte está despojada do cortejo de terrores misteriosos e indefinidos com que foi cercada por aqueles que esperam mais da degradante paixão do medo que do nobre sentimento de amor.

“Notemos de passagem que, sejam quais forem as nuanças no ensino da nova filosofia, todos os seus discípulos entendem que a morte não é um espantalho, mas um fenômeno natural; a passagem a uma existência em que, livre de mil males da vida material e dos entraves que o confinam num só planeta, o Espírito pode percorrer a imensidade dos mundos e alçar voo para regiões onde a glória de Deus é realmente visível.

“Está igualmente demonstrado que nossos mais secretos pensamentos são conhecidos pelos seres que, tendo sido amados, continuam a velar por nós. É em vão que a gente tentaria subtrair-se a essa inquisição, terrível por sua própria benevolência. Não é possível duvidar disto, como eles queriam. Muitas vezes fiquei estupefato e tive arrepios a esta revelação, imprevista mas irrecusável, de que os mais íntimos refolhos da consciência podem ser examinados por aqueles mesmos aos quais queríamos ocultar nossas fraquezas.

“Não está aí um freio salutar contra os maus pensamentos, os atos criminosos, na maioria das vezes cometidos porque o culpado se garantiu por estas palavras: “Não o saberão...?” Se algo pode confirmar esta verdade tão terrificante para alguns, é a lembrança do que cada um experimenta após uma boa ação, mesmo quando ficou secreta: um contentamento íntimo a nenhum outro comparável. Esses o sabem bem, pois a mão esquerda ignora o que dá a direita. É, pois, racional crer que se nossos amigos nos podem felicitar, também nos podem censurar; se veem nossos atos meritórios, veem também nossos erros.

“A isto não hesitamos em atribuir o fato incontestável e incontestado de que não há verdadeiro crente que não se tenha tornado melhor.

“De nossa conduta depende nosso destino futuro. Não de nossa adesão a esta ou àquela seita religiosa, mas de nossa submissão a este grande preceito: AMAR A DEUS E AO PRÓXIMO... Não devemos adiar nossa conversão. Nós próprios devemos trabalhar por nossa salvação, não mais tarde, mas agora; não amanhã, mas hoje.

“Nada há de mais consolador, de mais fortificante para a alma virtuosa, através das provas e vicissitudes desta vida, que a certeza completa de que sua felicidade futura depende de suas ações, que ela pode dirigir.

“Por outro lado, o vicioso, o mau, o cruel, o egoísta, especialmente o egoísta, sofrerá por si e pelos outros (self and mutual torments), tormentos mais terríveis que os do inferno material, tal qual a imaginação mais desordenada jamais conseguiu pintar.”




ALLAN KARDEC



[2] 12 Brochura in-8.°; preço 1 franco, em Paris, na Livraria Didier et Compan., quai des Augustins, 35 ; Ledoyen, Palais-Royal, galeria d'Orléans, 31; em Metz, na Verronnais, Rua des Jardins, 14, e na Warion, Rua du Palais, 8.




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