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Viagem espírita em 1862
Viagem espírita em 1862
Contendo
Observações sobre o estado do Espiritismo.
Instruções dadas a diferentes Grupos.
Instruções sobre a formação de Grupos e Sociedades
e modelo de Regulamento para o seu uso.
Por
Allan Kardec.
Impressões gerais.
Nossa primeira turnê espírita, realizada em 1860, limitou-se a Lyon e algumas cidades que se encontravam em nosso trajeto. No ano seguinte acrescentamos Bordeaux ao itinerário e, este ano, além dessas duas cidades principais, visitamos uma vintena de localidades e assistimos a mais de cinquenta reuniões, durante uma viagem de sete semanas e um percurso de seiscentas e noventa e três léguas. Nossa intenção não é fazer um relato anedótico da excursão. Dela recolhemos todos os episódios que, talvez, um dia terão o seu interesse, porquanto já pertencerão à História. Hoje, no entanto, limitamo-nos a resumir as observações que fizemos sobre a situação da Doutrina Espírita, levando ao conhecimento de todos as instruções que foram dadas nos diferentes Centros. Sabemos que os verdadeiros espíritas assim o desejam e preferimos satisfazê-los a agradar aqueles que não buscam senão distração. Nesta narrativa, aliás, muitas vezes o nosso amor-próprio estará sendo testado, e esta é uma razão preponderante para maior circunspeção de nossa parte; é, também, o motivo que nos impede de publicar os numerosos discursos que nos foram tributados e que guardamos como preciosas recordações. O que não poderíamos deixar de assinalar, sob pena de passar por ingrato, é o acolhimento tão benevolente e tão simpático que recebemos, por si só suficiente para nos recompensar de todas as fadigas. Agradecemos particularmente aos espíritas de Provins, Troyes, Sens, Lyon, Avignon, Montpellier, Cette, Toulouse, Marmande, Albi, Sainte-Gemme, Bordeaux, Royan, Mescherssur-Garonne, Marennes, St.-Jean d'Angély, Angoulême, Tours e Orléans, bem como a todos quanto não recuaram ante uma viagem de dez a vinte léguas para se reunirem conosco nas cidades em que nos detivemos. Essa acolhida poderia, realmente, despertar o nosso orgulho, caso não levássemos em conta que tais demonstrações se dirigiam muito menos a nós do que à Doutrina, cujo crédito atestam, desde que, não fosse ela, nada seríamos e ninguém se preocuparia conosco.
O primeiro resultado que pudemos constatar foi o imenso progresso das crenças espíritas. Um único fato poderá nos dar uma ideia disto. Quando de nossa primeira viagem a Lyon, em 1860, ali havia, no máximo, algumas centenas de adeptos; no ano seguinte já existiam cinco a seis mil, tornando-se impossível saber o seu número agora. Pode-se, no entanto, e sem nenhum exagero, avaliá-los entre vinte e cinco e trinta mil. No ano passado não chegavam a mil, em Bordeaux, número que decuplicou no espaço de um ano. Este é um fato comprovado, que ninguém pode negar. Mas há outro fato notável, que também pudemos constatar: numa porção de localidades onde era desconhecido, o Espiritismo penetrou graças às pregações desfavoráveis que lhe eram feitas, inspirando nas pessoas o desejo de saber em que ele se fundamentava. Em seguida, porque o achassem racional, conquistou partidários. Poderíamos citar, entre outras, uma pequena cidade do Departamento do Indre-et-Loire, em que jamais se ouvira falar de Espiritismo - pelo menos nos últimos seis meses; ali, acorreu a um pregador a ideia de fulminar, do púlpito, o que ele chamava, falsa e impropriamente, a religião do século dezenove e o culto a satã. A população, surpresa, quis saber do que se tratava; mandaram trazer livros e hoje, ali, os adeptos organizaram um Centro. Razão tinham os Espíritos quando nos disseram, alguns anos atrás, que os nossos próprios adversários, sem o quererem, serviriam à nossa causa. Está provado, em toda parte, que a propagação do Espiritismo tem ocorrido em razão dos ataques. Ora, para que uma ideia se vulgarize dessa maneira é preciso que agrade e que a julguem mais racional do que outras que lhe são opostas. Assim, um dos resultados de nossa viagem foi poder constatar, com os próprios olhos, o que já sabíamos por nossa correspondência.
É preciso admitir, todavia, que essa marcha ascendente está longe de ser uniforme. Se há regiões onde as ideias espíritas parecem germinar à medida que são semeadas, outras há onde penetram mais dificilmente, em virtude de causas locais, ligadas ao caráter de seus habitantes e, sobretudo, à natureza de suas ocupações. Nestes últimos lugares, os espíritas estão espalhados, isolados; mas aí, como alhures, são raízes que, cedo ou tarde, se desenvolverão, como atualmente já ocorre nos centros mais numerosos. Por toda parte a ideia espírita começa nas classes esclarecidas ou de mediana cultura. Em nenhum lugar principiou pelas classes inferiores e ignorantes. Da classe média ela se estende às mais elevadas e às mais baixas categorias da escala social. Hoje, em muitas cidades, as reuniões se compõem quase exclusivamente de membros dos tribunais, da magistratura e do funcionalismo; a aristocracia também fornece o seu contingente de adeptos, embora, até o presente, se tenha contentado em mostrar-se simpática à causa, pouco se reunindo, pelo menos na França. As reuniões desse gênero são vistas de preferência na Espanha, na Rússia, na Áustria e na Polônia, onde o Espiritismo conta ilustres representantes, oriundos das classes sociais mais elevadas.
Um fato talvez mais importante ainda do que o número de adeptos, deduzido de nossas observações, é a seriedade com que se considera a Doutrina. Onde quer que se investigue, pode-se dizer que o lado filosófico, moral e instrutivo é buscado com avidez. Em parte alguma vimos a fenomenologia espírita ser tomada como objeto de entretenimento, nem as experiências como distração. As perguntas fúteis e a curiosidade são descartadas em todos os lugares. Os grupos, em sua maioria, são muito bem dirigidos, alguns até de maneira notável, com perfeito conhecimento dos verdadeiros princípios da ciência espírita. Todos estão unidos em torno dos propósitos defendidos pela Sociedade de Paris e não têm por bandeira senão os princípios ensinados em O Livro dos Espíritos. Em geral, a ordem e o recolhimento ali reinam com perfeição. Vimos alguns Grupos, em Lyon e Bordeaux, constituídos habitualmente por cerca de cem a duzentas pessoas, cuja atitude não seria mais edificante numa igreja. Foi em Lyon que se realizou a reunião geral mais importante, composta de mais de seiscentos delegados de diferentes grupos, tudo ali se passando de maneira admirável.
Devemos acrescentar que as reuniões não sofreram a mais leve oposição, em parte alguma, e somos reconhecidos às autoridades civis pelas demonstrações de benevolência de que fomos alvo em diversas circunstâncias.
Os médiuns igualmente se multiplicam, havendo poucos grupos que não contem vários deles, sem falar da quantidade, bem mais considerável, dos que não pertencem a nenhum agrupamento, servindo-se de sua faculdade apenas para si e para os amigos. Nesse número, existe um núcleo de grande superioridade, dotado de médiuns escreventes apropriados aos diferentes gêneros de manifestações, com predomínio dos médiuns moralistas, pouco divertidos para os curiosos, que melhor fariam se procurassem distrações em outro lugar, e não nas reuniões espíritas sérias. Lyon dispõe de vários médiuns desenhistas notáveis; um deles utiliza a técnica do óleo sobre tela sem jamais haver aprendido a desenhar, nem pintar. Há muitos médiuns videntes, cuja faculdade pudemos constatar. Em Marennes há também uma senhora, médium desenhista e, ao mesmo tempo, excelente médium escrevente, tanto no que respeita às dissertações quanto às evocações. Em Saint-Jean d'Angély vimos um médium mecânico que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma dama que escreve longas e belas comunicações enquanto lê seu jornal ou toma parte na conversa, sem sequer olhar a própria mão. Sucede, por vezes, não se dar conta de já haver terminado o ditado. Os médiuns iletrados são bastante numerosos e muitos psicografam sem jamais terem aprendido a escrever. Isso não é mais extraordinário do que ver desenhar um médium que não aprendeu o desenho. Mas, o que é característico, é a evidente diminuição dos médiuns de efeitos físicos, à medida que se multiplicam os de comunicações inteligentes. É que, como bem o disseram os Espíritos, o período da curiosidade já passou; estamos, agora, no segundo período: o da filosofia. O terceiro, que em breve começará, será o de sua aplicação à reforma da Humanidade.
Conduzindo as coisas com muita sabedoria, os Espíritos quiseram, preliminarmente, chamar atenção sobre essa nova ordem de fenômenos e provar a manifestação dos seres do mundo invisível. Excitando a curiosidade, eles se dirigiram a todo o mundo, ao passo que uma filosofia abstrata, apresentada desde o início, não teria sido compreendida senão por pequeno número, que dificilmente lhe admitiria a origem. Agindo gradativamente, mostraram o que podiam realizar. Entretanto, como as consequências morais, em última análise, eram o seu objetivo essencial, assumiram o tom grave quando julgaram suficiente o número de pessoas dispostas a ouvi-los, pouco se inquietando com os recalcitrantes. Quando a ciência espírita estiver solidamente constituída; quando houver sido completada e escoimada de toda ideia sistemática e errônea, que cai diariamente ante um exame sério, eles se ocuparão de sua implantação universal, empregando meios poderosos. Enquanto esperam, semeiam a idéia pelo mundo inteiro, a fim de que, chegado o momento, ela já encontre balizas por toda parte. Então, os Espíritos haverão de remover todos os entraves, porquanto, contra eles e contra a vontade de Deus, o que poderiam representar os obstáculos humanos?
Essa caminhada racional e prudente revela-se em tudo, mesmo no ensino de detalhes, graduados e proporcionados conforme os tempos, os lugares e os costumes dos homens. Assim como uma luz deslumbrante e repentina ofusca em vez de iluminar, os Espíritos só pouco a pouco a oferecem. Quem quer que acompanhe o progresso da ciência espírita reconhecerá que ela cresce em importância à medida que penetra os mais profundos mistérios. Hoje o Espiritismo aborda ideias que, alguns anos atrás, nem sequer suspeitávamos, e ainda não deu a última palavra, pois nos reserva muitas outras revelações.
Reconhecemos essa marcha progressiva do ensino pela natureza das comunicações obtidas nos diferentes grupos que visitamos, comparadas às de antigamente. Elas não se distinguem apenas por sua extensão, amplidão, facilidade de obtenção e elevada moralidade, mas, acima de tudo, pela natureza das ideias apresentadas, por vezes de maneira magistral. Sem dúvida isso depende muito do médium, mas não é tudo; não basta ter um bom instrumento, é necessário dispor de um bom músico para dele tirar bons sons e, ainda, que esse músico disponha de audiência capaz de o compreender e apreciar, pois, do contrário, não se daria ao trabalho de tocar para os surdos.
Esse progresso, aliás, não é geral. Abstração feita dos médiuns, nós o constatamos em relação ao caráter dos grupos. Atinge maior desenvolvimento naqueles onde reinam, com a mais viva fé, os sentimentos mais puros, o mais absoluto desinteresse moral. Os Espíritos sabem perfeitamente em quem depositar confiança, a propósito das coisas que não podem ser compreendidas por toda a gente. Naqueles que apresentam condições insatisfatórias o ensino é bom, sempre moral, mas geralmente restrito a banalidades.
Por desinteresse moral entendemos a abnegação, a humildade, a ausência de toda pretensão orgulhosa, de todo pensamento de dominação à custa do Espiritismo. Seria supérfluo falar do desinteresse material, tanto por uma questão de princípio quanto por havermos constatado, em toda parte, uma repulsa instintiva contra qualquer ideia de especulação, que seria vista como um sacrilégio. Os médiuns interesseiros e profissionais são desconhecidos nos lugares que visitamos, à exceção de uma única cidade, que conta com alguns. Aquele que, em Bordeaux ou alhures, fizesse profissão de sua faculdade, não inspiraria a menor confiança; muito ao contrário, seria repelido por todos os grupos, sentimento que pudemos constatar de maneira notável.
Um outro sinal característico dessa época é o número incalculável de adeptos que nada viram e que, nem por isso, deixam de ser menos fervorosos, simplesmente porque leram e compreenderam. Esse número aumenta sem cessar. Em Cette, por exemplo, só conhecem os médiuns por ouvir falar e através de livros; não obstante, é difícil encontrar-se mais fé e mais fervor. Um deles nos perguntava se essa facilidade em aceitar a Doutrina pela simples teoria era um bem ou um mal; se era própria de um Espírito sério ou superficial. Respondemos-lhe que é um indício da facilidade em compreendê-la; que, como qualquer outra idéia, pode ser inata, bastando uma fagulha para despertá-la de seu estado latente. Essa facilidade em compreender denota um progresso anterior nesse sentido; seria leviandade aceitá-la sob palavra e cegamente. Já o mesmo não se dá com aqueles que não a adotam senão depois de haverem estudado e compreendido: veem pelos olhos da inteligência o que outros só veem pelos olhos do corpo. Isto prova que ligam mais importância ao fundo que à forma; para eles a filosofia é o principal, não passando as manifestações de simples acessório. Essa filosofia lhes explica o que nenhuma outra foi capaz de explicar e lhes satisfaz a razão pela lógica, preenchendo o vazio da dúvida; isto lhes basta. Eis por que a preferem a qualquer outra.
É raro que aqueles que se incluem nessa categoria não sejam bons e verdadeiros espíritas, desde que neles existe o germe da fé, sufocado momentaneamente pelos preconceitos terrenos. Para uns, as provas materiais são fundamentais; para outros, bastam as provas morais. Por outro lado, há criaturas que não se convencem nem por umas nem por outras, característica que permite diagnosticar a natureza de seu espírito. Em todo caso, pouco se pode esperar dos que dizem: "Só acreditarei se tal ou qual coisa se produzir", e absolutamente nada dos que, julgando-se superiores, não se dão ao trabalho de estudar e observar. Quanto aos que dizem: "Ainda que eu visse não acreditaria, pois sei que é impossível”, é inútil falar deles e, mais inútil ainda, perder nosso tempo com eles.
Sem dúvida, já é muito acreditar, mas apenas a crença não é suficiente, se não leva a resultados. Infelizmente há muitos nessa situação, isto é, pessoas para quem o Espiritismo não passa de um fato, de uma bela teoria, uma letra morta que não conduz a nenhuma mudança, nem no seu caráter, nem em seus hábitos. Mas, ao lado dos espíritas simplesmente crédulos ou simpáticos à ideia, há os espíritas de coração, e nos sentimos felizes por haver deparado com muitos deles. Vimos transformações que se poderiam dizer miraculosas; recolhemos exemplos admiráveis de zelo, abnegação e devotamento, numerosas demonstrações de caridade verdadeiramente evangélica que, com justa razão, poderíamos chamar: Belos traços do Espiritismo. As reuniões compostas exclusivamente de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais fala o coração, também apresentam um aspecto muito especial; todas as fisionomias refletem franqueza e cordialidade; nós nos sentimos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos da fraternidade. Tanto quanto os homens, os Espíritos aí se comprazem, mostram-se mais expansivos e transmitem suas instruções íntimas. Naquelas, ao contrário, em que há divergência de sentimentos, onde as intenções não são inteiramente puras, em que se nota o sorriso sardônico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, em que se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre mal-estar, constrangimento e desconfiança. Em tais ambientes os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes paralisados pela influência dos maus fluidos, que pesam sobre eles como um manto de gelo. Tivemos a ventura de assistir a numerosas reuniões da primeira categoria e as registramos com alegria em nossos apontamentos, como uma das mais agradáveis lembranças que guardamos de nossa viagem. Reuniões dessa natureza por certo se multiplicarão, à medida que o verdadeiro objetivo do Espiritismo for mais bem compreendido; são também as reuniões que facultam a mais sólida e mais frutuosa propaganda, porque se dirigem a pessoas sérias, que preparam a reforma moral da Humanidade pregando pelo exemplo.
É notável que as crianças educadas nos princípios espíritas desenvolvem um raciocínio precoce que as torna infinitamente mais fáceis de governar; vimos muitas delas, de todas as idades e de ambos os sexos, nas diversas famílias espíritas em que fomos recebidos, onde pudemos constatar o fato pessoalmente. Isto nem lhes tira a alegria natural, nem a jovialidade; nelas não existe essa turbulência, essa obstinação, esses caprichos que tornam tantas outras insuportáveis; pelo contrário, revelam um fundo de docilidade, de ternura e de respeito filial que as leva a obedecer sem esforço e as torna mais estudiosas. Foi o que pudemos notar, e essa observação é geralmente confirmada. Se pudéssemos analisar aqui os sentimentos que essas crenças tendem a desenvolver nas crianças, facilmente conceberíamos o resultado que devem produzir. Diremos apenas que a convicção que têm da presença de seus avós, que ali estão, ao lado delas, podendo vê-las incessantemente, as impressiona bem mais vivamente do que o temor do diabo, do qual logo terminam por não crer, enquanto não podem duvidar do que testemunham diariamente no seio da família. E, pois, uma geração espírita que se educa e que vai aumentando progressivamente. Essas crianças, por sua vez, educarão seus filhos nos mesmos princípios e, enquanto isso, desaparecerão os velhos preconceitos com as velhas gerações. Torna-se evidente que a ideia espírita alcançará, um dia, o status de crença universal.
Um fato não menos característico do estado atual do Espiritismo é o desenvolvimento da coragem de opinião. Se ainda existem adeptos contidos pelo temor, hoje seu número é bem menos considerável ao lado dos que confessam abertamente suas crenças e já não temem dizer-se espíritas, como não receariam passar-se por católicos, judeus ou protestantes. A arma do ridículo, à força de ferir sem provocar danos, acabou por se desgastar e, diante de tantas pessoas notáveis, que proclamam altivamente a nova filosofia, viu-se obrigada a curvar-se. Uma única arma permanece ainda em suspenso: a ideia do diabo; mas é o próprio ridículo que faz justiça. Aliás, não foi apenas este gênero de coragem que percebemos, mas também o da ação, do devotamento e do sacrifício, isto é, dos que corajosamente, em certas localidades, se colocam na vanguarda do movimento das ideias novas, assumindo riscos e afrontando ameaças e perseguições. Sabem que Deus não os esquecerá, caso os homens lhes façam mal nesta vida.
Como se sabe, a obsessão é um dos grandes escolhos do Espiritismo; assim, não podemos negligenciar um ponto tão capital. A esse respeito recolhemos importantes observações, que constituirão matéria de um artigo especial da Revue, no qual falaremos dos possessos de Morzinev, que igualmente visitamos na Haute-Savoie. Aqui diremos apenas que os casos de obsessão são muito raros entre aqueles que fizeram um estudo prévio e atento de O Livro dos Médiuns e se identificaram com os princípios nele contidos, mantendo-se alertas e espreitando os menores sinais que poderiam denunciar a presença de um Espírito suspeito. Vimos alguns grupos que, sem dúvida, encontram-se sob uma influência abusiva, porquanto nela se comprazem e dela tornam-se presa por uma confiança demasiado cega e por certas disposições morais. Outros, ao contrário, revelam tal temor de serem enganados que levam a desconfiança, por assim dizer, ao excesso, investigando com meticuloso cuidado todas as palavras e todos os pensamentos, preferindo rejeitar o duvidoso a arriscar-se a admitir o que fosse mau. Por isso, os Espíritos mentirosos, vendo que nada têm a fazer, terminam por se retirar, indo buscar compensação junto dos que lhes oferecem menor dificuldade e nos quais encontram certas fraquezas e algumas imperfeições de espírito a explorar. O excesso em tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso, é preferível pecar por excesso de prudência a pecar por excesso de confiança.
Um outro resultado de nossa viagem foi permitir-nos julgar a opinião relativa a certas publicações, que se afastam mais ou menos dos nossos princípios, algumas das quais chegam mesmo a ser-lhes francamente hostis.
Digamos, para começar, que encontramos uma aprovação unânime para o nosso silêncio, relativamente aos ataques que temos sofrido, haja vista as cartas de felicitações que diariamente temos recebido a este respeito. Em vários discursos que foram pronunciados, aplaudiu-se favoravelmente a nossa moderação; um deles, entre outros, contém a passagem seguinte: "A malevolência dos vossos inimigos produziu resultado inteiramente contrário ao que esperavam: o de engrandecer-vos aos olhos dos vossos numerosos discípulos e de apertar os laços que os unem a vós. Por vossa indiferença, mostrais que tendes consciência de vossa força. Opondo mansidão às injúrias, dais um exemplo que saberemos aproveitar. A História, caro mestre, como vossos contemporâneos, e melhor ainda do que eles, levar-vos-á em conta esta moderação, quando constatar, por vossos escritos, que às provocações da inveja e do ciúme, não opusestes senão a dignidade do silêncio. Entre eles e vós, a posteridade será o juiz."
Os ataques pessoais jamais nos abalaram. Outro tanto não se pode dizer dos que são dirigidos contra a Doutrina. Algumas vezes respondemos diretamente a certas críticas, quando isso nos pareceu necessário, a fim de provar, se preciso for, que sabemos entrar na liça. E o teríamos feito com mais frequência, se houvéssemos constatado que esses ataques traziam prejuízo real ao Espiritismo; mas, quando ficou provado pelos fatos que, longe de prejudicá-lo, serviam à causa, louvamos a sabedoria dos Espíritos, empregando seus próprios inimigos para propagar a Doutrina e, graças à censura, fazendo penetrar a idéia em meios onde jamais teria penetrado pelo elogio. Este é um fato que nossa viagem constatou de maneira peremptória, uma vez que, nesses mesmos meios, o Espiritismo recrutou mais de um partidário.
Quando as coisas caminham por si sós, por que, então, se bater em ataques sem proveito? Quando um exército percebe que as balas do inimigo não o atingem, ele o deixa atirar à vontade e desperdiçar suas munições, bem certo de poder agir melhor depois. Em semelhante caso, o silêncio é, muitas vezes, um estratagema; o adversário, ao qual não se responde, julga não haver ferido suficientemente ou não ter encontrado o ponto vulnerável. Então, confiando no sucesso que imagina fácil, descobre-se e debanda em disparada. Uma resposta imediata o teria posto em guarda. O melhor general não é o que se atira de corpo e alma na refrega, mas o que sabe esperar e calcular o momento certo. Foi o que aconteceu a alguns dos nossos antagonistas; vendo o caminho por onde se aventuravam, era certo que nele se afundariam cada vez mais. Limitamo-nos a não intervir; e seus sistemas, muito mais cedo do que se esperava, foram desacreditados por conta de seus próprios exageros, o que não teríamos conseguido apenas com os nossos argumentos.
Entretanto, dizem os pretensos críticos de boa-fé, não pretendemos senão esclarecer-nos, e, se atacamos, não é por hostilidade, por preconceito ou malquerença, mas para que, da discussão, jorre a luz. Entre esses críticos, não há que duvidar, alguns são sinceros; mas é de notar que os que têm em vista apenas questões de princípios discutem com calma e jamais se afastam da conveniência. Ora, quantos há? O que contém a maior parte dos artigos que a imprensa, grande ou pequena, tem dirigido contra o Espiritismo? Diatribes, facécias geralmente pouco espirituosas, tolices e pilhérias de mau gosto, muitas vezes injúrias que rivalizam com a grosseria e a trivialidade. Serão críticos sérios, dignos de uma resposta? Há os que se traem com tanta facilidade que se torna inútil levá-los em consideração, pois todos os percebem. Seria, na realidade, dar-lhes demasiada importância, sendo preferível deixar que se divirtam em seu pequeno círculo, a pô-los em evidência mediante refutações sem objetivo, pois que não os convenceriam. Se a moderação não estivesse em nossos princípios, já que é uma consequência mesma da Doutrina Espírita, que prescreve o esquecimento e o perdão das ofensas, seríamos encorajados a empregá-la quando víssemos o efeito produzido por esses ataques, constatando que a opinião pública nos vinga melhor do que o fariam nossas palavras.
Quanto aos críticos sérios, de boa-fé, que comprovam sua educação pela urbanidade das formas, estes colocam a ciência acima das questões pessoais. A estes muitas vezes respondemos, se não diretamente, pelo menos quando temos oportunidade de tratar em nossos escritos de questões controvertidas, embora não haja objeção que não encontre sua resposta para quem quer que se dê ao trabalho de os ler. Para responder a cada um, individualmente, fora preciso repetir, incessantemente, a mesma coisa, e isto só serviria para uma única pessoa. O tempo, aliás, não no-lo permitiria, ao passo que, aproveitar-se um assunto que se apresenta para refutá-lo ou dar a seu respeito uma explicação, é, no mais das vezes, pôr o exemplo ao lado do preceito, e isso serve para todo mundo.
Havíamos anunciado um pequeno volume de Refutações. Ainda não o publicamos porque não nos pareceu urgente e só pudemos lucrar com isto. Antes de responder a certas brochuras que, no dizer de seus autores, deveriam minar os fundamentos do Espiritismo, quisemos julgar o efeito que elas produziriam. Pois bem! nossa viagem nos convenceu de uma coisa: elas não minaram coisa alguma, o Espiritismo está mais vivo do que nunca e hoje quase não se fala mais dessas brochuras. Sabemos que na classe das pessoas a quem se dirigiam e às quais não nos dirigimos, elas são consideradas sem réplica e o nosso silêncio é tido como prova de nossa incapacidade em respondê-las; donde concluem que estamos devidamente vencidos, fulminados e divididos. Que nos importa isso, já que não estamos tão mal assim? Esses escritos fizeram diminuir o número dos espíritas? Não. Nossa resposta teria convertido essas pessoas? Não. Não havia, pois, nenhuma urgência em refutá-las; ao contrário, havia vantagem em deixar que os nossos adversários atirassem a primeira pedra.
Quando Sófocles foi acusado por seus filhos, que exigiam sua interdição por causa de uma clemência, ele escreveu o Édipo e sua causa foi ganha. Não somos capazes de escrever um Édipo, mas outros se encarregam de responder por nós: nosso editor em primeiro lugar, imprimindo a nona edição de O Livro dos Espíritos (a primeira é de 1857) e a quarta de O Livro dos Médiuns, em menos de dois anos; os assinantes da Revista Espírita, dobrando de número e nos obrigando a fazer uma nova reimpressão dos anos anteriores, duas vezes esgotadas. A Sociedade Espírita de Paris, que vê crescer o seu prestígio; os espíritas, que aumentam consideravelmente a cada ano, fundando por toda parte, na França e no estrangeiro, grupos sob o patrocínio e conforme os princípios da Sociedade de Paris; o Espiritismo, enfim, correndo o mundo, consolando os aflitos, sustentando a coragem dos abatidos, semeando a esperança onde havia desespero, a confiança no futuro onde reinava o medo. Estas respostas valem bem mais que as outras, pois são os próprios fatos que falam. Mas, como um rápido corcel, o Espiritismo levanta sob seus pés a poeira do orgulho, do egoísmo, da inveja e do ciúme, derrubando à sua passagem a incredulidade, o fanatismo, os preconceitos e conclamando todos os homens à lei do Cristo, isto é, à caridade e à fraternidade.
Vós que achais que ele caminha rápido demais, por que não o interrompeis, ou melhor, por que não ides mais depressa do que ele? O meio de barrar-lhe a passagem é muito simples: fazei melhor que ele; dai mais do que ele dá; tornai os homens melhores, mais felizes, mais crentes do que ele pode fazer, e as pessoas o deixarão para vos seguir. Mas, enquanto não o atacardes senão por palavras e não por melhores resultados morais, enquanto não substituirdes a caridade que ele ensina por uma caridade maior, é preciso que vos resigneis a deixá-lo passar. E que o Espiritismo não é apenas uma questão de fatos mais ou menos interessantes ou autênticos, para divertir os curiosos; é, acima de tudo, uma questão de princípios; é forte sobretudo por suas consequências morais; ele se faz aceito não porque fira os olhos, mas porque toca o coração. Tocai o coração mais do que ele o faz e sereis aceitos. Ora, nada toca menos o coração do que a acrimônia e as injúrias.
Se todos os nossos partidários estivessem agrupados em torno de nós, poderiam ver aí uma camarilha; mas não poderia ser assim com milhares de adesões que nos chegam de todos os pontos do globo, da parte de gente que jamais vimos e que só nos conhecem por nossos escritos. Estes são fatos positivos, expressos pela brutalidade das cifras, e que não podem ser atribuídos nem aos efeitos da propaganda, nem da camaradagem do jornalismo; portanto, se as ideias que professamos e das quais não passamos de humílimo editor responsável, encontram tão numerosas simpatias, é que não as acham tão desprovidas de senso comum.
Muito embora a utilidade da refutação que anunciamos não nos esteja claramente demonstrada hoje, já que os ataques se refutam por si mesmos, pela insignificância de seus resultados, e considerando-se o incalculável número de adeptos, mesmo assim o faremos. Contudo, as observações que fizemos em viagem modificaram nosso plano, pois há muitas coisas que se tornam inúteis, ao passo que novas ideias nos têm sido sugeridas. Esforçar-nos-emos para que esse trabalho retarde o menos possível tarefas muito mais importantes que nos restam fazer para concluir a obra pela qual nos responsabilizamos.
Em resumo, nossa viagem tinha um duplo objetivo: dar instruções onde estas fossem necessárias e, ao mesmo tempo, nos instruirmos. Queríamos ver as coisas com os nossos próprios olhos, para julgar do estado real da Doutrina e da maneira pela qual ela é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras. Estávamos desejosos, sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente a nossa mui sincera e viva simpatia, retribuindo as tocantes provas de amizade que nos dão em suas cartas; de dar, em nome da Sociedade de Paris, e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem os seus primeiros e mais firmes sustentáculos, marchando sempre para frente, sem se inquietarem com as pedras que lhes atiram e pondo o interesse da causa acima do interesse pessoal. Seu mérito é tanto maior porque trabalham em solo ingrato, vivem num meio mais refratário e não esperam deste mundo nem fortuna, nem glória, nem honra; por isso sua alegria é grande quando, entre os espinheiros, veem desabrochar algumas flores. Dia virá em que teremos a felicidade de erguer um panteão ao devotamento dos espíritas; enquanto esperamos que os materiais sejam reunidos, queremos deixar-lhes o mérito da modéstia: eles se farão conhecer e apreciar por suas obras.
Sob vários pontos de vista, nossa viagem foi muito satisfatória e, sobretudo, muito instrutiva pelas observações que recolhemos. Se pudessem restar algumas dúvidas quanto ao caráter irresistível da marcha da Doutrina e à impotência dos ataques, sobre a sua influência moralizadora, sobre o seu futuro, o que vimos bastaria para dissipá-las. Há, certamente, muita coisa por fazer e, em muitos lugares, ela lança apenas rebentos esparsos, embora vigorosos e que já dão frutos. Sem dúvida a rapidez com a qual se propagam as ideias espíritas é prodigiosa e sem exemplo nos anais das filosofias, mas só estamos no começo da jornada, e resta ainda a fazer a maior parte do caminho. Que a certeza de atingir o objetivo seja, pois, para todos os espíritas, um estímulo para que perseverem na via que lhes foi traçada.
Publicamos, em seguida, o discurso principal que pronunciamos nas grandes reuniões de Lyon, Bordeaux e algumas outras cidades. Acompanhamo-lo de instruções particulares dadas, conforme as circunstâncias, nos grupos particulares, em resposta a algumas perguntas que nos foram dirigidas.
O primeiro resultado que pudemos constatar foi o imenso progresso das crenças espíritas. Um único fato poderá nos dar uma ideia disto. Quando de nossa primeira viagem a Lyon, em 1860, ali havia, no máximo, algumas centenas de adeptos; no ano seguinte já existiam cinco a seis mil, tornando-se impossível saber o seu número agora. Pode-se, no entanto, e sem nenhum exagero, avaliá-los entre vinte e cinco e trinta mil. No ano passado não chegavam a mil, em Bordeaux, número que decuplicou no espaço de um ano. Este é um fato comprovado, que ninguém pode negar. Mas há outro fato notável, que também pudemos constatar: numa porção de localidades onde era desconhecido, o Espiritismo penetrou graças às pregações desfavoráveis que lhe eram feitas, inspirando nas pessoas o desejo de saber em que ele se fundamentava. Em seguida, porque o achassem racional, conquistou partidários. Poderíamos citar, entre outras, uma pequena cidade do Departamento do Indre-et-Loire, em que jamais se ouvira falar de Espiritismo - pelo menos nos últimos seis meses; ali, acorreu a um pregador a ideia de fulminar, do púlpito, o que ele chamava, falsa e impropriamente, a religião do século dezenove e o culto a satã. A população, surpresa, quis saber do que se tratava; mandaram trazer livros e hoje, ali, os adeptos organizaram um Centro. Razão tinham os Espíritos quando nos disseram, alguns anos atrás, que os nossos próprios adversários, sem o quererem, serviriam à nossa causa. Está provado, em toda parte, que a propagação do Espiritismo tem ocorrido em razão dos ataques. Ora, para que uma ideia se vulgarize dessa maneira é preciso que agrade e que a julguem mais racional do que outras que lhe são opostas. Assim, um dos resultados de nossa viagem foi poder constatar, com os próprios olhos, o que já sabíamos por nossa correspondência.
É preciso admitir, todavia, que essa marcha ascendente está longe de ser uniforme. Se há regiões onde as ideias espíritas parecem germinar à medida que são semeadas, outras há onde penetram mais dificilmente, em virtude de causas locais, ligadas ao caráter de seus habitantes e, sobretudo, à natureza de suas ocupações. Nestes últimos lugares, os espíritas estão espalhados, isolados; mas aí, como alhures, são raízes que, cedo ou tarde, se desenvolverão, como atualmente já ocorre nos centros mais numerosos. Por toda parte a ideia espírita começa nas classes esclarecidas ou de mediana cultura. Em nenhum lugar principiou pelas classes inferiores e ignorantes. Da classe média ela se estende às mais elevadas e às mais baixas categorias da escala social. Hoje, em muitas cidades, as reuniões se compõem quase exclusivamente de membros dos tribunais, da magistratura e do funcionalismo; a aristocracia também fornece o seu contingente de adeptos, embora, até o presente, se tenha contentado em mostrar-se simpática à causa, pouco se reunindo, pelo menos na França. As reuniões desse gênero são vistas de preferência na Espanha, na Rússia, na Áustria e na Polônia, onde o Espiritismo conta ilustres representantes, oriundos das classes sociais mais elevadas.
Um fato talvez mais importante ainda do que o número de adeptos, deduzido de nossas observações, é a seriedade com que se considera a Doutrina. Onde quer que se investigue, pode-se dizer que o lado filosófico, moral e instrutivo é buscado com avidez. Em parte alguma vimos a fenomenologia espírita ser tomada como objeto de entretenimento, nem as experiências como distração. As perguntas fúteis e a curiosidade são descartadas em todos os lugares. Os grupos, em sua maioria, são muito bem dirigidos, alguns até de maneira notável, com perfeito conhecimento dos verdadeiros princípios da ciência espírita. Todos estão unidos em torno dos propósitos defendidos pela Sociedade de Paris e não têm por bandeira senão os princípios ensinados em O Livro dos Espíritos. Em geral, a ordem e o recolhimento ali reinam com perfeição. Vimos alguns Grupos, em Lyon e Bordeaux, constituídos habitualmente por cerca de cem a duzentas pessoas, cuja atitude não seria mais edificante numa igreja. Foi em Lyon que se realizou a reunião geral mais importante, composta de mais de seiscentos delegados de diferentes grupos, tudo ali se passando de maneira admirável.
Devemos acrescentar que as reuniões não sofreram a mais leve oposição, em parte alguma, e somos reconhecidos às autoridades civis pelas demonstrações de benevolência de que fomos alvo em diversas circunstâncias.
Os médiuns igualmente se multiplicam, havendo poucos grupos que não contem vários deles, sem falar da quantidade, bem mais considerável, dos que não pertencem a nenhum agrupamento, servindo-se de sua faculdade apenas para si e para os amigos. Nesse número, existe um núcleo de grande superioridade, dotado de médiuns escreventes apropriados aos diferentes gêneros de manifestações, com predomínio dos médiuns moralistas, pouco divertidos para os curiosos, que melhor fariam se procurassem distrações em outro lugar, e não nas reuniões espíritas sérias. Lyon dispõe de vários médiuns desenhistas notáveis; um deles utiliza a técnica do óleo sobre tela sem jamais haver aprendido a desenhar, nem pintar. Há muitos médiuns videntes, cuja faculdade pudemos constatar. Em Marennes há também uma senhora, médium desenhista e, ao mesmo tempo, excelente médium escrevente, tanto no que respeita às dissertações quanto às evocações. Em Saint-Jean d'Angély vimos um médium mecânico que podemos considerar excepcional. Trata-se de uma dama que escreve longas e belas comunicações enquanto lê seu jornal ou toma parte na conversa, sem sequer olhar a própria mão. Sucede, por vezes, não se dar conta de já haver terminado o ditado. Os médiuns iletrados são bastante numerosos e muitos psicografam sem jamais terem aprendido a escrever. Isso não é mais extraordinário do que ver desenhar um médium que não aprendeu o desenho. Mas, o que é característico, é a evidente diminuição dos médiuns de efeitos físicos, à medida que se multiplicam os de comunicações inteligentes. É que, como bem o disseram os Espíritos, o período da curiosidade já passou; estamos, agora, no segundo período: o da filosofia. O terceiro, que em breve começará, será o de sua aplicação à reforma da Humanidade.
Conduzindo as coisas com muita sabedoria, os Espíritos quiseram, preliminarmente, chamar atenção sobre essa nova ordem de fenômenos e provar a manifestação dos seres do mundo invisível. Excitando a curiosidade, eles se dirigiram a todo o mundo, ao passo que uma filosofia abstrata, apresentada desde o início, não teria sido compreendida senão por pequeno número, que dificilmente lhe admitiria a origem. Agindo gradativamente, mostraram o que podiam realizar. Entretanto, como as consequências morais, em última análise, eram o seu objetivo essencial, assumiram o tom grave quando julgaram suficiente o número de pessoas dispostas a ouvi-los, pouco se inquietando com os recalcitrantes. Quando a ciência espírita estiver solidamente constituída; quando houver sido completada e escoimada de toda ideia sistemática e errônea, que cai diariamente ante um exame sério, eles se ocuparão de sua implantação universal, empregando meios poderosos. Enquanto esperam, semeiam a idéia pelo mundo inteiro, a fim de que, chegado o momento, ela já encontre balizas por toda parte. Então, os Espíritos haverão de remover todos os entraves, porquanto, contra eles e contra a vontade de Deus, o que poderiam representar os obstáculos humanos?
Essa caminhada racional e prudente revela-se em tudo, mesmo no ensino de detalhes, graduados e proporcionados conforme os tempos, os lugares e os costumes dos homens. Assim como uma luz deslumbrante e repentina ofusca em vez de iluminar, os Espíritos só pouco a pouco a oferecem. Quem quer que acompanhe o progresso da ciência espírita reconhecerá que ela cresce em importância à medida que penetra os mais profundos mistérios. Hoje o Espiritismo aborda ideias que, alguns anos atrás, nem sequer suspeitávamos, e ainda não deu a última palavra, pois nos reserva muitas outras revelações.
Reconhecemos essa marcha progressiva do ensino pela natureza das comunicações obtidas nos diferentes grupos que visitamos, comparadas às de antigamente. Elas não se distinguem apenas por sua extensão, amplidão, facilidade de obtenção e elevada moralidade, mas, acima de tudo, pela natureza das ideias apresentadas, por vezes de maneira magistral. Sem dúvida isso depende muito do médium, mas não é tudo; não basta ter um bom instrumento, é necessário dispor de um bom músico para dele tirar bons sons e, ainda, que esse músico disponha de audiência capaz de o compreender e apreciar, pois, do contrário, não se daria ao trabalho de tocar para os surdos.
Esse progresso, aliás, não é geral. Abstração feita dos médiuns, nós o constatamos em relação ao caráter dos grupos. Atinge maior desenvolvimento naqueles onde reinam, com a mais viva fé, os sentimentos mais puros, o mais absoluto desinteresse moral. Os Espíritos sabem perfeitamente em quem depositar confiança, a propósito das coisas que não podem ser compreendidas por toda a gente. Naqueles que apresentam condições insatisfatórias o ensino é bom, sempre moral, mas geralmente restrito a banalidades.
Por desinteresse moral entendemos a abnegação, a humildade, a ausência de toda pretensão orgulhosa, de todo pensamento de dominação à custa do Espiritismo. Seria supérfluo falar do desinteresse material, tanto por uma questão de princípio quanto por havermos constatado, em toda parte, uma repulsa instintiva contra qualquer ideia de especulação, que seria vista como um sacrilégio. Os médiuns interesseiros e profissionais são desconhecidos nos lugares que visitamos, à exceção de uma única cidade, que conta com alguns. Aquele que, em Bordeaux ou alhures, fizesse profissão de sua faculdade, não inspiraria a menor confiança; muito ao contrário, seria repelido por todos os grupos, sentimento que pudemos constatar de maneira notável.
Um outro sinal característico dessa época é o número incalculável de adeptos que nada viram e que, nem por isso, deixam de ser menos fervorosos, simplesmente porque leram e compreenderam. Esse número aumenta sem cessar. Em Cette, por exemplo, só conhecem os médiuns por ouvir falar e através de livros; não obstante, é difícil encontrar-se mais fé e mais fervor. Um deles nos perguntava se essa facilidade em aceitar a Doutrina pela simples teoria era um bem ou um mal; se era própria de um Espírito sério ou superficial. Respondemos-lhe que é um indício da facilidade em compreendê-la; que, como qualquer outra idéia, pode ser inata, bastando uma fagulha para despertá-la de seu estado latente. Essa facilidade em compreender denota um progresso anterior nesse sentido; seria leviandade aceitá-la sob palavra e cegamente. Já o mesmo não se dá com aqueles que não a adotam senão depois de haverem estudado e compreendido: veem pelos olhos da inteligência o que outros só veem pelos olhos do corpo. Isto prova que ligam mais importância ao fundo que à forma; para eles a filosofia é o principal, não passando as manifestações de simples acessório. Essa filosofia lhes explica o que nenhuma outra foi capaz de explicar e lhes satisfaz a razão pela lógica, preenchendo o vazio da dúvida; isto lhes basta. Eis por que a preferem a qualquer outra.
É raro que aqueles que se incluem nessa categoria não sejam bons e verdadeiros espíritas, desde que neles existe o germe da fé, sufocado momentaneamente pelos preconceitos terrenos. Para uns, as provas materiais são fundamentais; para outros, bastam as provas morais. Por outro lado, há criaturas que não se convencem nem por umas nem por outras, característica que permite diagnosticar a natureza de seu espírito. Em todo caso, pouco se pode esperar dos que dizem: "Só acreditarei se tal ou qual coisa se produzir", e absolutamente nada dos que, julgando-se superiores, não se dão ao trabalho de estudar e observar. Quanto aos que dizem: "Ainda que eu visse não acreditaria, pois sei que é impossível”, é inútil falar deles e, mais inútil ainda, perder nosso tempo com eles.
Sem dúvida, já é muito acreditar, mas apenas a crença não é suficiente, se não leva a resultados. Infelizmente há muitos nessa situação, isto é, pessoas para quem o Espiritismo não passa de um fato, de uma bela teoria, uma letra morta que não conduz a nenhuma mudança, nem no seu caráter, nem em seus hábitos. Mas, ao lado dos espíritas simplesmente crédulos ou simpáticos à ideia, há os espíritas de coração, e nos sentimos felizes por haver deparado com muitos deles. Vimos transformações que se poderiam dizer miraculosas; recolhemos exemplos admiráveis de zelo, abnegação e devotamento, numerosas demonstrações de caridade verdadeiramente evangélica que, com justa razão, poderíamos chamar: Belos traços do Espiritismo. As reuniões compostas exclusivamente de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais fala o coração, também apresentam um aspecto muito especial; todas as fisionomias refletem franqueza e cordialidade; nós nos sentimos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos da fraternidade. Tanto quanto os homens, os Espíritos aí se comprazem, mostram-se mais expansivos e transmitem suas instruções íntimas. Naquelas, ao contrário, em que há divergência de sentimentos, onde as intenções não são inteiramente puras, em que se nota o sorriso sardônico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, em que se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre mal-estar, constrangimento e desconfiança. Em tais ambientes os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes paralisados pela influência dos maus fluidos, que pesam sobre eles como um manto de gelo. Tivemos a ventura de assistir a numerosas reuniões da primeira categoria e as registramos com alegria em nossos apontamentos, como uma das mais agradáveis lembranças que guardamos de nossa viagem. Reuniões dessa natureza por certo se multiplicarão, à medida que o verdadeiro objetivo do Espiritismo for mais bem compreendido; são também as reuniões que facultam a mais sólida e mais frutuosa propaganda, porque se dirigem a pessoas sérias, que preparam a reforma moral da Humanidade pregando pelo exemplo.
É notável que as crianças educadas nos princípios espíritas desenvolvem um raciocínio precoce que as torna infinitamente mais fáceis de governar; vimos muitas delas, de todas as idades e de ambos os sexos, nas diversas famílias espíritas em que fomos recebidos, onde pudemos constatar o fato pessoalmente. Isto nem lhes tira a alegria natural, nem a jovialidade; nelas não existe essa turbulência, essa obstinação, esses caprichos que tornam tantas outras insuportáveis; pelo contrário, revelam um fundo de docilidade, de ternura e de respeito filial que as leva a obedecer sem esforço e as torna mais estudiosas. Foi o que pudemos notar, e essa observação é geralmente confirmada. Se pudéssemos analisar aqui os sentimentos que essas crenças tendem a desenvolver nas crianças, facilmente conceberíamos o resultado que devem produzir. Diremos apenas que a convicção que têm da presença de seus avós, que ali estão, ao lado delas, podendo vê-las incessantemente, as impressiona bem mais vivamente do que o temor do diabo, do qual logo terminam por não crer, enquanto não podem duvidar do que testemunham diariamente no seio da família. E, pois, uma geração espírita que se educa e que vai aumentando progressivamente. Essas crianças, por sua vez, educarão seus filhos nos mesmos princípios e, enquanto isso, desaparecerão os velhos preconceitos com as velhas gerações. Torna-se evidente que a ideia espírita alcançará, um dia, o status de crença universal.
Um fato não menos característico do estado atual do Espiritismo é o desenvolvimento da coragem de opinião. Se ainda existem adeptos contidos pelo temor, hoje seu número é bem menos considerável ao lado dos que confessam abertamente suas crenças e já não temem dizer-se espíritas, como não receariam passar-se por católicos, judeus ou protestantes. A arma do ridículo, à força de ferir sem provocar danos, acabou por se desgastar e, diante de tantas pessoas notáveis, que proclamam altivamente a nova filosofia, viu-se obrigada a curvar-se. Uma única arma permanece ainda em suspenso: a ideia do diabo; mas é o próprio ridículo que faz justiça. Aliás, não foi apenas este gênero de coragem que percebemos, mas também o da ação, do devotamento e do sacrifício, isto é, dos que corajosamente, em certas localidades, se colocam na vanguarda do movimento das ideias novas, assumindo riscos e afrontando ameaças e perseguições. Sabem que Deus não os esquecerá, caso os homens lhes façam mal nesta vida.
Como se sabe, a obsessão é um dos grandes escolhos do Espiritismo; assim, não podemos negligenciar um ponto tão capital. A esse respeito recolhemos importantes observações, que constituirão matéria de um artigo especial da Revue, no qual falaremos dos possessos de Morzinev, que igualmente visitamos na Haute-Savoie. Aqui diremos apenas que os casos de obsessão são muito raros entre aqueles que fizeram um estudo prévio e atento de O Livro dos Médiuns e se identificaram com os princípios nele contidos, mantendo-se alertas e espreitando os menores sinais que poderiam denunciar a presença de um Espírito suspeito. Vimos alguns grupos que, sem dúvida, encontram-se sob uma influência abusiva, porquanto nela se comprazem e dela tornam-se presa por uma confiança demasiado cega e por certas disposições morais. Outros, ao contrário, revelam tal temor de serem enganados que levam a desconfiança, por assim dizer, ao excesso, investigando com meticuloso cuidado todas as palavras e todos os pensamentos, preferindo rejeitar o duvidoso a arriscar-se a admitir o que fosse mau. Por isso, os Espíritos mentirosos, vendo que nada têm a fazer, terminam por se retirar, indo buscar compensação junto dos que lhes oferecem menor dificuldade e nos quais encontram certas fraquezas e algumas imperfeições de espírito a explorar. O excesso em tudo é prejudicial, mas, em semelhante caso, é preferível pecar por excesso de prudência a pecar por excesso de confiança.
Um outro resultado de nossa viagem foi permitir-nos julgar a opinião relativa a certas publicações, que se afastam mais ou menos dos nossos princípios, algumas das quais chegam mesmo a ser-lhes francamente hostis.
Digamos, para começar, que encontramos uma aprovação unânime para o nosso silêncio, relativamente aos ataques que temos sofrido, haja vista as cartas de felicitações que diariamente temos recebido a este respeito. Em vários discursos que foram pronunciados, aplaudiu-se favoravelmente a nossa moderação; um deles, entre outros, contém a passagem seguinte: "A malevolência dos vossos inimigos produziu resultado inteiramente contrário ao que esperavam: o de engrandecer-vos aos olhos dos vossos numerosos discípulos e de apertar os laços que os unem a vós. Por vossa indiferença, mostrais que tendes consciência de vossa força. Opondo mansidão às injúrias, dais um exemplo que saberemos aproveitar. A História, caro mestre, como vossos contemporâneos, e melhor ainda do que eles, levar-vos-á em conta esta moderação, quando constatar, por vossos escritos, que às provocações da inveja e do ciúme, não opusestes senão a dignidade do silêncio. Entre eles e vós, a posteridade será o juiz."
Os ataques pessoais jamais nos abalaram. Outro tanto não se pode dizer dos que são dirigidos contra a Doutrina. Algumas vezes respondemos diretamente a certas críticas, quando isso nos pareceu necessário, a fim de provar, se preciso for, que sabemos entrar na liça. E o teríamos feito com mais frequência, se houvéssemos constatado que esses ataques traziam prejuízo real ao Espiritismo; mas, quando ficou provado pelos fatos que, longe de prejudicá-lo, serviam à causa, louvamos a sabedoria dos Espíritos, empregando seus próprios inimigos para propagar a Doutrina e, graças à censura, fazendo penetrar a idéia em meios onde jamais teria penetrado pelo elogio. Este é um fato que nossa viagem constatou de maneira peremptória, uma vez que, nesses mesmos meios, o Espiritismo recrutou mais de um partidário.
Quando as coisas caminham por si sós, por que, então, se bater em ataques sem proveito? Quando um exército percebe que as balas do inimigo não o atingem, ele o deixa atirar à vontade e desperdiçar suas munições, bem certo de poder agir melhor depois. Em semelhante caso, o silêncio é, muitas vezes, um estratagema; o adversário, ao qual não se responde, julga não haver ferido suficientemente ou não ter encontrado o ponto vulnerável. Então, confiando no sucesso que imagina fácil, descobre-se e debanda em disparada. Uma resposta imediata o teria posto em guarda. O melhor general não é o que se atira de corpo e alma na refrega, mas o que sabe esperar e calcular o momento certo. Foi o que aconteceu a alguns dos nossos antagonistas; vendo o caminho por onde se aventuravam, era certo que nele se afundariam cada vez mais. Limitamo-nos a não intervir; e seus sistemas, muito mais cedo do que se esperava, foram desacreditados por conta de seus próprios exageros, o que não teríamos conseguido apenas com os nossos argumentos.
Entretanto, dizem os pretensos críticos de boa-fé, não pretendemos senão esclarecer-nos, e, se atacamos, não é por hostilidade, por preconceito ou malquerença, mas para que, da discussão, jorre a luz. Entre esses críticos, não há que duvidar, alguns são sinceros; mas é de notar que os que têm em vista apenas questões de princípios discutem com calma e jamais se afastam da conveniência. Ora, quantos há? O que contém a maior parte dos artigos que a imprensa, grande ou pequena, tem dirigido contra o Espiritismo? Diatribes, facécias geralmente pouco espirituosas, tolices e pilhérias de mau gosto, muitas vezes injúrias que rivalizam com a grosseria e a trivialidade. Serão críticos sérios, dignos de uma resposta? Há os que se traem com tanta facilidade que se torna inútil levá-los em consideração, pois todos os percebem. Seria, na realidade, dar-lhes demasiada importância, sendo preferível deixar que se divirtam em seu pequeno círculo, a pô-los em evidência mediante refutações sem objetivo, pois que não os convenceriam. Se a moderação não estivesse em nossos princípios, já que é uma consequência mesma da Doutrina Espírita, que prescreve o esquecimento e o perdão das ofensas, seríamos encorajados a empregá-la quando víssemos o efeito produzido por esses ataques, constatando que a opinião pública nos vinga melhor do que o fariam nossas palavras.
Quanto aos críticos sérios, de boa-fé, que comprovam sua educação pela urbanidade das formas, estes colocam a ciência acima das questões pessoais. A estes muitas vezes respondemos, se não diretamente, pelo menos quando temos oportunidade de tratar em nossos escritos de questões controvertidas, embora não haja objeção que não encontre sua resposta para quem quer que se dê ao trabalho de os ler. Para responder a cada um, individualmente, fora preciso repetir, incessantemente, a mesma coisa, e isto só serviria para uma única pessoa. O tempo, aliás, não no-lo permitiria, ao passo que, aproveitar-se um assunto que se apresenta para refutá-lo ou dar a seu respeito uma explicação, é, no mais das vezes, pôr o exemplo ao lado do preceito, e isso serve para todo mundo.
Havíamos anunciado um pequeno volume de Refutações. Ainda não o publicamos porque não nos pareceu urgente e só pudemos lucrar com isto. Antes de responder a certas brochuras que, no dizer de seus autores, deveriam minar os fundamentos do Espiritismo, quisemos julgar o efeito que elas produziriam. Pois bem! nossa viagem nos convenceu de uma coisa: elas não minaram coisa alguma, o Espiritismo está mais vivo do que nunca e hoje quase não se fala mais dessas brochuras. Sabemos que na classe das pessoas a quem se dirigiam e às quais não nos dirigimos, elas são consideradas sem réplica e o nosso silêncio é tido como prova de nossa incapacidade em respondê-las; donde concluem que estamos devidamente vencidos, fulminados e divididos. Que nos importa isso, já que não estamos tão mal assim? Esses escritos fizeram diminuir o número dos espíritas? Não. Nossa resposta teria convertido essas pessoas? Não. Não havia, pois, nenhuma urgência em refutá-las; ao contrário, havia vantagem em deixar que os nossos adversários atirassem a primeira pedra.
Quando Sófocles foi acusado por seus filhos, que exigiam sua interdição por causa de uma clemência, ele escreveu o Édipo e sua causa foi ganha. Não somos capazes de escrever um Édipo, mas outros se encarregam de responder por nós: nosso editor em primeiro lugar, imprimindo a nona edição de O Livro dos Espíritos (a primeira é de 1857) e a quarta de O Livro dos Médiuns, em menos de dois anos; os assinantes da Revista Espírita, dobrando de número e nos obrigando a fazer uma nova reimpressão dos anos anteriores, duas vezes esgotadas. A Sociedade Espírita de Paris, que vê crescer o seu prestígio; os espíritas, que aumentam consideravelmente a cada ano, fundando por toda parte, na França e no estrangeiro, grupos sob o patrocínio e conforme os princípios da Sociedade de Paris; o Espiritismo, enfim, correndo o mundo, consolando os aflitos, sustentando a coragem dos abatidos, semeando a esperança onde havia desespero, a confiança no futuro onde reinava o medo. Estas respostas valem bem mais que as outras, pois são os próprios fatos que falam. Mas, como um rápido corcel, o Espiritismo levanta sob seus pés a poeira do orgulho, do egoísmo, da inveja e do ciúme, derrubando à sua passagem a incredulidade, o fanatismo, os preconceitos e conclamando todos os homens à lei do Cristo, isto é, à caridade e à fraternidade.
Vós que achais que ele caminha rápido demais, por que não o interrompeis, ou melhor, por que não ides mais depressa do que ele? O meio de barrar-lhe a passagem é muito simples: fazei melhor que ele; dai mais do que ele dá; tornai os homens melhores, mais felizes, mais crentes do que ele pode fazer, e as pessoas o deixarão para vos seguir. Mas, enquanto não o atacardes senão por palavras e não por melhores resultados morais, enquanto não substituirdes a caridade que ele ensina por uma caridade maior, é preciso que vos resigneis a deixá-lo passar. E que o Espiritismo não é apenas uma questão de fatos mais ou menos interessantes ou autênticos, para divertir os curiosos; é, acima de tudo, uma questão de princípios; é forte sobretudo por suas consequências morais; ele se faz aceito não porque fira os olhos, mas porque toca o coração. Tocai o coração mais do que ele o faz e sereis aceitos. Ora, nada toca menos o coração do que a acrimônia e as injúrias.
Se todos os nossos partidários estivessem agrupados em torno de nós, poderiam ver aí uma camarilha; mas não poderia ser assim com milhares de adesões que nos chegam de todos os pontos do globo, da parte de gente que jamais vimos e que só nos conhecem por nossos escritos. Estes são fatos positivos, expressos pela brutalidade das cifras, e que não podem ser atribuídos nem aos efeitos da propaganda, nem da camaradagem do jornalismo; portanto, se as ideias que professamos e das quais não passamos de humílimo editor responsável, encontram tão numerosas simpatias, é que não as acham tão desprovidas de senso comum.
Muito embora a utilidade da refutação que anunciamos não nos esteja claramente demonstrada hoje, já que os ataques se refutam por si mesmos, pela insignificância de seus resultados, e considerando-se o incalculável número de adeptos, mesmo assim o faremos. Contudo, as observações que fizemos em viagem modificaram nosso plano, pois há muitas coisas que se tornam inúteis, ao passo que novas ideias nos têm sido sugeridas. Esforçar-nos-emos para que esse trabalho retarde o menos possível tarefas muito mais importantes que nos restam fazer para concluir a obra pela qual nos responsabilizamos.
Em resumo, nossa viagem tinha um duplo objetivo: dar instruções onde estas fossem necessárias e, ao mesmo tempo, nos instruirmos. Queríamos ver as coisas com os nossos próprios olhos, para julgar do estado real da Doutrina e da maneira pela qual ela é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras. Estávamos desejosos, sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente a nossa mui sincera e viva simpatia, retribuindo as tocantes provas de amizade que nos dão em suas cartas; de dar, em nome da Sociedade de Paris, e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem os seus primeiros e mais firmes sustentáculos, marchando sempre para frente, sem se inquietarem com as pedras que lhes atiram e pondo o interesse da causa acima do interesse pessoal. Seu mérito é tanto maior porque trabalham em solo ingrato, vivem num meio mais refratário e não esperam deste mundo nem fortuna, nem glória, nem honra; por isso sua alegria é grande quando, entre os espinheiros, veem desabrochar algumas flores. Dia virá em que teremos a felicidade de erguer um panteão ao devotamento dos espíritas; enquanto esperamos que os materiais sejam reunidos, queremos deixar-lhes o mérito da modéstia: eles se farão conhecer e apreciar por suas obras.
Sob vários pontos de vista, nossa viagem foi muito satisfatória e, sobretudo, muito instrutiva pelas observações que recolhemos. Se pudessem restar algumas dúvidas quanto ao caráter irresistível da marcha da Doutrina e à impotência dos ataques, sobre a sua influência moralizadora, sobre o seu futuro, o que vimos bastaria para dissipá-las. Há, certamente, muita coisa por fazer e, em muitos lugares, ela lança apenas rebentos esparsos, embora vigorosos e que já dão frutos. Sem dúvida a rapidez com a qual se propagam as ideias espíritas é prodigiosa e sem exemplo nos anais das filosofias, mas só estamos no começo da jornada, e resta ainda a fazer a maior parte do caminho. Que a certeza de atingir o objetivo seja, pois, para todos os espíritas, um estímulo para que perseverem na via que lhes foi traçada.
Publicamos, em seguida, o discurso principal que pronunciamos nas grandes reuniões de Lyon, Bordeaux e algumas outras cidades. Acompanhamo-lo de instruções particulares dadas, conforme as circunstâncias, nos grupos particulares, em resposta a algumas perguntas que nos foram dirigidas.
Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux.
I
Senhores e caros irmãos espíritas,
Não sois mais principiantes em Espiritismo. Assim, hoje deixarei de lado os detalhes práticos sobre os quais, devo reconhecer, estais suficientemente esclarecidos, para considerar a questão sob um aspecto mais largo, sobretudo em suas consequências. Este lado da questão é grave, o mais grave incontestavelmente, pois que mostra o objeto para onde se inclina a Doutrina e os meios para atingi-lo. Serei um pouco longo, talvez, pois o assunto é muito vasto e, contudo, restaria ainda muito a dizer para o completar. Assim, reclamarei vossa indulgência considerando que, não podendo ficar convosco senão por algum tempo, sou forçado a dizer de uma só vez o que, em outras circunstâncias, eu teria dividido em várias partes.
Antes de abordar o ângulo principal do assunto, creio dever examiná-lo de um ponto de vista que, de certo modo, me é pessoal. Todavia, se não se tratasse senão de uma questão individual, seguramente com ela eu não me ocuparia; porém, ela se liga a várias questões gerais, podendo resultar instruções para todo mundo. Foi esse o motivo que me levou a aproveitar esta ocasião para explicar a causa de certos antagonismos que muita gente se admira de encontrar em meu caminho.
No estado atual das coisas aqui na Terra, qual é o homem que não tem inimigos? Para não os ter, fora preciso não estar na Terra, por ser esta a consequência da inferioridade relativa do nosso globo e de sua destinação como mundo de expiação. Para isto, bastaria fazer o bem? Oh! não; o Cristo não está aí para o provar? Se, pois, o Cristo, a bondade por excelência, foi alvo de tudo quanto a maldade pôde imaginar, por que nos admirarmos de que assim suceda com aqueles que valem cem vezes menos?
O homem que pratica o bem - isto dito em tese geral - deve, pois, esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, pondo em xeque, pela maledicência ou pela calúnia, aqueles que os ofuscam.
Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o coração e nos torna egoístas; falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, porquanto esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom. O reconhecimento já é uma remuneração do bem que se faz; praticá-lo tendo em vista esta remuneração, é fazê-lo por interesse. E, depois, quem sabe se aquele a quem se faz um favor, e do qual nada se espera, não será levado a melhores sentimentos por um reto proceder? É talvez um meio de levá-lo a refletir, de abrandar sua alma, de salvá-lo! Esta esperança é uma nobre ambição; se nos decepcionamos, não teremos realizado o que nos cabia realizar.
Entretanto, não se deve crer que um benefício que permanece estéril na Terra seja sempre improdutivo; muitas vezes é um grão semeado que só germina na vida futura do beneficiado. Várias vezes já observamos Espíritos, ingratos como homens, serem tocados, como Espíritos, pelo bem que lhes haviam feito, e essa lembrança, despertando neles bons pensamentos, facilita-lhes o caminho do bem e do arrependimento, contribuindo para abreviar-lhes os sofrimentos. Só o Espiritismo poderia revelar este resultado da beneficência; só a ele estava dado, pelas comunicações de além-túmulo, mostrar o lado caridoso desta máxima: Um benefício jamais é perdido, em lugar do sentido egoísta que lhe atribuem. Mas, voltemos ao que nos concerne.
Pondo de lado qualquer questão pessoal, tenho adversários naturais nos inimigos do Espiritismo. Não penseis que me lastime: longe disto! Quanto maior é a animosidade deles, tanto mais ela comprova a importância que a Doutrina assume aos seus olhos; se fosse uma coisa sem consequência, uma dessas utopias que já nascem inviáveis, não lhe prestariam atenção, nem a mim. Não vedes escritos muito mais hostis que os meus quanto aos preconceitos, e nos quais as expressões não são mais moderadas do que a ousadia dos pensamentos, sem que, no entanto, digam uma única palavra? Dar-se-ia o mesmo com as doutrinas que procuro difundir, se permanecessem restritas às folhas de um livro. Mas, o que pode parecer mais surpreendente, é que eu tenha adversários, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Ora, é aqui que uma explicação se faz necessária.
Entre os que adotam as ideias espíritas, há, como sabeis, três categorias bem distintas:
1a) - Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que não lhes deduzem nenhuma consequência moral;
2ª) - Os que veem o lado moral, mas o aplicam aos outros e não a si próprios;
3ª) - Os que aceitam para si mesmos todas as consequências da Doutrina, e que praticam ou se esforçam por praticar a sua moral.
Estes, vós bem o sabeis, são os verdadeiros espíritas, os espíritas cristãos. Esta distinção é importante, porque explica bem as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil compreender-se a conduta de certas pessoas. Ora, o que reza esta moral? Amai-vos uns aos outros; perdoai aos vossos inimigos; retribuí o mal com o bem; não tenhais ódio, nem rancor, nem animosidade, nem inveja, nem ciúme; sede severos para convosco mesmos e indulgentes para com os outros. Tais devem ser os sentimentos de um verdadeiro espírita, daquele que vê o fundo e não a forma, que põe o Espírito acima da matéria; este pode ter inimigos, mas não é inimigo de ninguém, pois não deseja o mal a ninguém e, com mais forte razão, não procura fazer o mal a quem quer que seja.
Como vedes, senhores, este é um princípio geral, do qual todo mundo pode tirar proveito. Se, pois, tenho inimigos, não podem ser contados entre os espíritas desta categoria, porque, admitindo-se que tivessem legítimos motivos de queixa contra mim, o que me esforço por evitar, isto não seria motivo para me odiarem, considerando-se que não fiz mal a ninguém. O Espiritismo tem por divisa: Fora da caridade não há salvação, o que significa dizer: Fora da caridade não há verdadeiros espíritas. Concito-vos a inscrever, doravante, esta dupla máxima em vossa bandeira, porque ela resume ao mesmo tempo a finalidade do Espiritismo e o dever que ele impõe.
Estando, pois, admitido que não se pode ser bom espírita com sentimentos de rancor no coração, eu me orgulho de contar apenas com amigos entre estes últimos, pois que, se eu tiver defeitos, eles saberão desculpá-los. Veremos, em seguida, a que imensas e férteis consequências conduz este princípio.
Vejamos, pois, as causas que podem excitar certas animosidades.
Desde que surgiram as primeiras manifestações dos Espíritos, muitas pessoas aí viram um meio de especulação, uma nova mina a explorar. Se essa ideia tivesse seguido seu curso, teríeis visto médiuns pululando por toda parte, ou se apresentando como tais, dando consulta a tanto por sessão; os jornais estariam cobertos por seus anúncios e reclames; os médiuns se teriam transformado em ledores de sorte e o Espiritismo seria incluído na mesma linha da adivinhação, da cartomancia, da necromancia, etc. Nesse conflito, como poderia o público discernir a verdade da mentira? Reabilitar o Espiritismo não seria coisa fácil. Era preciso impedir que ele tomasse esse atalho funesto, cortando pela raiz um mal que o teria retardado de mais de um século. Foi o que me esforcei por fazer, demonstrando, desde o princípio, o lado grave e sublime desta nova ciência; fazendo-a sair do caminho puramente experimental para fazê-la entrar no da filosofia e da moral; mostrando, finalmente, que seria profanação explorar a alma dos mortos, quando cercamos seus despojos de respeito. Desse modo, assinalando os inevitáveis abusos que resultariam de semelhante estado de coisas, contribuí, e disso me ufano, para desacreditar a exploração do Espiritismo, levando o público a considerá-lo como coisa séria e santa.
Creio ter prestado algum serviço à causa; mas, não tivesse feito senão isso, e já me daria por satisfeito. Graças a Deus meus esforços foram coroados de sucesso, não apenas na França, mas no estrangeiro; e posso dizer que os médiuns profissionais são hoje raras exceções na Europa. Por toda parte onde minhas obras penetraram e servem de guia, o Espiritismo é considerado sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, sob o ponto de vista exclusivamente moral; por toda parte os médiuns, devotados e desinteressados, compreendem a santidade de sua missão, são cercados da consideração que lhes é devida, seja qual for a sua posição social; e essa consideração cresce em razão mesma da posição realçada pelo desinteresse.
Não pretendo absolutamente dizer que entre os médiuns interessados não existam muitos que sejam honestos e dignos de estima. Mas a experiência tem provado, a mim e a tantos outros, que o interesse é um poderoso estimulante para a fraude, porque se quer ganhar dinheiro; e se os Espíritos não ajudam, o que acontece muitas vezes, já que não estão por conta de nossos caprichos, a astúcia, fecunda em expedientes, encontra facilmente meios de supri-los. Para um que agir lealmente, haverá cem que abusaria e prejudicaria o Espiritismo em sua reputação. Por isso, os nossos adversários não perderam a ocasião para explorar, em proveito de suas críticas, as fraudes que puderam testemunhar, concluindo que tudo devia ser falso, e que era de todo conveniente que se opusessem a esse novo gênero de charlatanismo. Em vão objeta-se que a santa doutrina não é responsável por tais abusos. Conheceis o provérbio: "Quando se quer matar o cão alheio, diz-se que está raivoso."
Que resposta mais peremptória poder-se-á dar à acusação de charlatanismo do que dizer: "Quem vos pediu para vir? Quanto pagastes para entrar?" Aquele que paga quer ser servido; exige uma compensação por seu dinheiro; se não lhe dão o que espera, tem o direito de reclamar. Ora, para evitar isto, querem servi-lo a qualquer preço. Eis o abuso; mas esse abuso, em vez de ser exceção, ameaça tornar-se uma regra, sendo preciso detê-lo. Agora que a opinião se formou a respeito, só os inexperientes correm perigo.
Àqueles, pois, que se queixarem de ter sido enganados, ou de não terem obtido as respostas que desejavam, pode-se dizer: Se tivésseis estudado o Espiritismo, teríeis sabido em que condições ele pode ser observado com proveito; quais são os legítimos motivos de confiança e de desconfiança, o que se pode dele esperar, e não teríeis pedido o que ele não pode dar; não teríeis ido consultar um médium como a cartomante, para pedir revelações aos Espíritos, informações sobre heranças, descobertas de tesouros e cem outras coisas semelhantes que não são da alçada do Espiritismo. Se fostes induzido em erro, não deveis inculpar senão a vós mesmos.
É bem evidente que não se pode considerar como exploração a contribuição que se paga a uma sociedade para prover às despesas da reunião. Diz a mais vulgar equidade que não se pode impor esse gasto a pessoas de parcos recursos ou que não dispõem de tempo suficiente para comparecerem às reuniões. A especulação consiste em se fazer uma indústria da coisa, em convocar o primeiro que chegar, curioso ou indiferente, para arrancar seu dinheiro. Uma sociedade que assim agisse, seria tão repreensível, ou mais repreensível ainda que o indivíduo, e já não mereceria confiança. É justo e não constitui exploração ou especulação que uma sociedade acuda a todas as suas despesas, não as deixando sobre os ombros de um só; outra, porém seria a situação, se o primeiro que chegasse pudesse comprar o direito de entrada, mediante pagamento, porque seria desnaturar o objetivo essencialmente moral e instrutivo das reuniões desse gênero, para fazer delas um espetáculo de curiosidade. Quanto aos médiuns, eles se multiplicam de tal modo, que os profissionais seriam hoje completamente supérfluos.
Tais são, senhores, as ideias que me esforcei por fazer prevalecer, e me sinto contente por ter triunfado mais facilmente do que esperava. Mas, compreendei, aqueles de quem frustrei as esperanças não são meus amigos. Eis, pois, uma categoria que não me pode ver com bons olhos, o que, aliás, pouco me inquieta. Se alguma vez a exploração do Espiritismo tentasse introduzir-se em nossa cidade, eu vos convidaria a renegar essa nova indústria, a fim de não serdes solidários com ela e para que as censuras que possam provocar não venham a cair sobre a doutrina pura.
Ao lado da especulação material, há a que se poderia chamar especulação moral, isto é, a satisfação do orgulho, do amor-próprio; é o caso daqueles que, mesmo sem interesse pecuniário, julgavam fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se porem em evidência. Não os favoreci, e meus escritos, assim como meus conselhos, se contrapuseram a mais de uma premeditação, mostrando que as qualidades do verdadeiro espírita são a abnegação e a humildade, segundo esta máxima do Cristo: "Quem se exalta será humilhado." Esta segunda categoria também não me aprecia e bem poderia ser chamada a das ambições frustradas e dos amores-próprios melindrados.
Em seguida vêm as pessoas que não me perdoam por ter sido bem-sucedido, para as quais o sucesso de minhas obras é uma causa de desgosto, que perdem o sono quando assistem aos testemunhos de simpatia que me são dispensados. E a camarilha dos invejosos, pouco ou nada indulgente, reforçada por criaturas que, por temperamento, não podem ver um homem erguer um pouco a cabeça sem tentar abaixá-la.
Uma camarilha das mais irascíveis, acreditai, encontra-se entre os médiuns, não entre os médiuns interesseiros, mas entre os desinteressados, materialmente falando; quero falar dos médiuns obsediados, ou melhor, fascinados. Algumas observações a respeito não deixam de ter sua utilidade.
Por orgulho, estão de tal modo persuadidos de que tudo quanto obtêm é sublime, e não pode vir senão de Espíritos Superiores, que se irritam à mínima observação crítica, a ponto de se indisporem com seus amigos quando estes têm a inabilidade de não admirar os seus absurdos. Nisto reside a prova da má influência que os domina, pois, supondo-se que, por falta de julgamento ou de instrução, eles não enxergassem claramente, não seria motivo para embirrar contra os que não lhes comungam a opinião; mas isto não convém aos Espíritos obsessores que, para melhor manter o médium sob sua dependência, inspiram-lhe o afastamento, mesmo a aversão por quem quer que lhes possa abrir os olhos.
Há, ainda, aqueles cuja susceptibilidade é levada ao excesso; que se melindram com as mínimas coisas, mesmo com o lugar que lhes é destinado nas reuniões, se não os põem em evidência, com a ordem estabelecida para a leitura de suas comunicações, ou quando se proíbe a leitura daquelas cujo objeto não parece oportuno numa assembleia; dos que não são solicitados com muito empenho a dar o seu concurso; outros se contrariam porque a ordem dos trabalhos não é invertida, de modo a contemplar as suas conveniências; outros gostariam de ser tidos como médiuns titulares de um grupo ou de uma sociedade, quer chova ou faça bom tempo, e que seus Espíritos dirigentes fossem tomados por árbitros absolutos de todas as questões, etc. Estes motivos são tão pueris e mesquinhos que nenhum deles ousa confessá-los; mas nem por isso deixam de ser a fonte de uma surda animosidade que, mais cedo ou mais tarde se trai, ou pelas malquerenças, ou pelo afastamento. Não tendo boas razões para dar, há os que não têm escrúpulos de alegar pretextos imaginários. Como não estou disposto a me dobrar diante de todas essas pretensões, é um erro - que digo? é um crime imperdoável aos olhos de certas pessoas que, naturalmente me deram as costas, erro maior ainda porque não lhes dei importância. Imperdoável! Concebeis esta palavra nos lábios de pessoas que se dizem espíritas? Tal palavra deveria ser riscada do vocabulário do Espiritismo.
Esse desgosto, a maior parte dos chefes de grupos ou de sociedades, como eu, tem experimentado, e os concito a fazer como eu, isto é, a dispensarem os médiuns que antes constituem um entrave que um recurso. Com eles estamos sempre pouco à vontade, temerosos de feri-los com as mais insignificantes ações.
Antigamente esse inconveniente era mais frequente do que agora. Quando os médiuns eram mais raros, devíamos contentar-nos com os que existiam; mas hoje, que eles se multiplicam a olhos vistos, o inconveniente diminui em razão da própria escolha e à medida que eles se compenetram melhor dos verdadeiros princípios da Doutrina.
Pondo de lado o grau da faculdade, as qualidades essenciais de um bom médium são a modéstia, a simpatia e o devotamento. Deve oferecer seu concurso tendo em vista tornar-se útil, e não para satisfazer à sua vaidade; jamais deve tomar partido das comunicações que recebe, pois, de outra forma, poderia fazer crer que nelas põe algo de si, e que tem interesse em defendê-las; deve aceitar a crítica, mesmo solicitá-la, e submetê-la ao parecer da maioria, sem ideias premeditadas; se o que escreve é falso, é mau, detestável, devem dizê-lo sem temor de o magoar, porque ele não é responsável por nada. Eis os médiuns realmente úteis numa reunião e com os quais jamais teremos contrariedade, porque compreendem a Doutrina; os outros não a compreendem ou não a querem compreender. São estes que recebem as melhores comunicações, porque não se deixam dominar por Espíritos orgulhosos; os Espíritos mentirosos os temem, pois se reconhecem impotentes para deles abusar.
Em seguida vem a categoria das pessoas que jamais estão contentes. Algumas acham que ando depressa demais, outras com excessiva lentidão; é, de fato, como na fábula do Moleiro, seu filho e o asno. Os primeiros me reprovam por haver formulado princípios prematuros, de me impor como chefe de escola filosófica. Mas, pondo de lado qualquer ideia espírita, não tenho o direito de criar, como tantos outros, uma filosofia a meu modo, ainda que absurda? Se os meus princípios são falsos, por que não colocam outros em seu lugar e não os fazem prevalecer? Ao que parece, em geral eles não são considerados tão despropositados, já que encontram numerosos aderentes; mas não seria exatamente isto que excita o mau humor de certa gente? Se esses princípios não encontrassem partidários, fossem ridículos em alto grau, não se falaria mais deles.
Os segundos, os que pretendem que não ando com bastante rapidez, esses gostariam de me empurrar - creio que com boa intenção, pois é sempre melhor acreditar no bem do que no mal - num caminho que não quero me arriscar. Sem, pois, me deixar influenciar pelas ideias de uns e de outros, prossigo meu caminho; tenho um objetivo, vejo-o, sei quando e como o atingirei, e não me inquieto com os clamores dos que passam.
Como vedes, senhores, não faltam pedras em meu caminho; passo por elas, mesmo sobre as maiores. Se se conhecesse a verdadeira causa de certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas se apresentariam. Deve-se ainda mencionar as pessoas que se puseram, em relação a mim, em posições falsas, ridículas ou comprometedoras, e que procuram justificar-se, sub-repticiamente, por meio de pequenas calúnias; os que esperavam seduzir-me pela bajulação, crendo poder levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de suas manobras para atrair minha atenção. Enfim, os que não me perdoam por lhes ter adivinhado os propósitos, e que são como a serpente sobre a qual se pisa. Se toda essa gente quisesse se colocar, ao menos por um instante, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco mais do alto, compreenderia o quanto é pueril o que a preocupa e não se admiraria da pouca importância que a tudo isso dão os verdadeiros espíritas. E que o Espiritismo abre horizontes tão vastos, que a vida corporal, tão curta e tão efêmera, se apaga com todas as suas vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.
Não devo, entretanto, omitir uma censura que me foi dirigida: a de nada fazer para trazer novamente a mim as pessoas que se afastam. Isto é verdadeiro, e se é uma censura fundada, eu a mereço, porque jamais dei um passo nesse sentido; eis os motivos de minha indiferença:
Os que vêm a mim, fazem-no porque isto lhes convém; é menos por minha pessoa do que pela simpatia aos princípios que professo. Os que se afastam, fazem-no porque não lhes convenho ou porque não concordam com a nossa maneira de ver as coisas. Por que, então, eu iria contrariá-los, impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Aliás, eu não teria mesmo tempo para isto, pois, como é sabido, minhas ocupações não me deixam um instante de repouso, e por um que parte, há mil que chegam; dedico-me, antes de tudo, a estes últimos, e é isso que faço. Orgulho? desprezo por outrem? Oh! seguramente não; não desprezo ninguém; lamento os que agem mal e peço a Deus e aos bons Espíritos que façam renascer neles melhores sentimentos; eis tudo. Se voltam, são sempre bem-vindos, mas, correr atrás deles, jamais o faço, em razão do tempo que reclamam as pessoas de boa vontade; e, depois, porque não concedo a certas pessoas a importância que elas se atribuem. Para mim, um homem é um homem e nada mais; meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, e não pela posição que ocupa. Ainda que esteja altamente colocado, se agir mal, se for egoísta e presunçoso de sua dignidade, é a meus olhos inferior a um simples operário que age bem, e eu aperto mais cordialmente a mão de um pequeno que deixa falar o coração, do que a de um grande, cujo coração nada diz; a primeira me aquece, a segunda me enregela.
Personagens da mais alta condição social me honram com sua visita, sem que, por causa delas, jamais um proletário tenha ficado na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe fica lado a lado com o artesão; se se sentir humilhado, dir-lhe-ei que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, muitas vezes os tenho visto apertarem-se as mãos fraternalmente, e digo de mim para mim: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; é o prelúdio de muitos outros prodígios!"
Não dependeria senão de mim abrir as portas da alta sociedade; contudo, jamais fui nelas bater. Isto me tomaria um tempo que creio poder empregar mais utilmente. Coloco em primeira linha consolar os que sofrem, levantar a coragem dos abatidos, arrancar um homem de suas paixões, do desespero, do suicídio, detê-lo talvez no abismo do crime. Isto não vale mais do que os lambris dourados? Tenho milhares de cartas que para mim são mais valiosas do que todas as honras da Terra, e que encaro como verdadeiros títulos de nobreza. Assim, não vos admireis se deixo partir aqueles que não me procuram.
Tenho adversários, bem o sei! Mas o seu número não é tão grande quanto se poderia crer pelos cálculos que fiz; eles se encontram nas categorias que citei, mas são apenas indivíduos isolados, e seu número é pouca coisa em comparação com os que desejam testemunhar-me sua simpatia. Aliás, jamais foram bem-sucedidos em perturbar meu repouso; jamais suas maquinações e suas diatribes me abalaram; e devo acrescentar que esta profunda indiferença de minha parte, o silêncio que oponho aos seus ataques, é o que mais os exaspera. Por mais que façam, nunca conseguirão fazer-me sair da moderação, que é a regra de minha conduta; jamais poderão dizer que respondi injúria com injúria. As pessoas que me veem na intimidade sabem que jamais me ocupei delas, que nem uma única palavra foi dita na Sociedade, nem se fez alusão relativamente a qualquer uma delas. Nunca respondi na Revista às suas agressões, quando dirigidas à minha pessoa, e Deus sabe que não têm faltado ocasiões!
Aliás, que pode o seu malquerer? Nada, nem contra a Doutrina, nem contra mim. Por sua marcha progressiva, a Doutrina prova que nada teme. Quanto a mim, não ocupando nenhuma posição, nada me pode ser tirado; como nada peço e não solicito coisa alguma, não me podem recusar nada; não devo nada a ninguém; por isso nada podem reclamar de mim; não falo mal de ninguém, nem mesmo dos que falam mal de mim. Em que poderiam, então, prejudicar-me? É verdade que podem atribuir a mim palavras que eu não disse, e é o que já fizeram mais de uma vez. Mas os que me conhecem sabem do que sou capaz de dizer e de não dizer e eu agradeço aos que, em semelhantes casos, souberam responder por mim. O que digo, estou sempre pronto a repetir, na presença de quem quer que seja, e quando afirmo não ter dito ou feito uma coisa, julgo-me no direito de ser acreditado.
Além disso, o que representam todas estas coisas, tendo em vista o objetivo a que todos nós, espíritas sinceros e dedicados, perseguimos? esse imenso futuro que se desdobra aos nossos olhos? Acreditai-me, senhores, fora preciso encarar como um roubo perpetrado contra a grande obra os instantes que perdêssemos preocupados com essas misérias. De minha parte agradeço a Deus por me ter concedido, já aqui na Terra, ao preço de algumas tribulações passageiras, tantas compensações morais e a alegria de assistir ao triunfo da Doutrina.
Peço-vos perdão, senhores, por vos haver entretido, por tanto tempo, com a minha pessoa, pois julguei que era útil estabelecer claramente esta posição, a fim de que soubésseis a quem vos ater, conforme as circunstâncias, e para que possais estar convencidos de que minha linha de conduta está traçada e que nada me fará desviar dela. Aliás, creio que destas observações - abstração feita de minha pessoa - poderão resultar alguns ensinamentos úteis.
Passemos, agora, a um outro ponto e vejamos em que situação se encontra o Espiritismo.
Não sois mais principiantes em Espiritismo. Assim, hoje deixarei de lado os detalhes práticos sobre os quais, devo reconhecer, estais suficientemente esclarecidos, para considerar a questão sob um aspecto mais largo, sobretudo em suas consequências. Este lado da questão é grave, o mais grave incontestavelmente, pois que mostra o objeto para onde se inclina a Doutrina e os meios para atingi-lo. Serei um pouco longo, talvez, pois o assunto é muito vasto e, contudo, restaria ainda muito a dizer para o completar. Assim, reclamarei vossa indulgência considerando que, não podendo ficar convosco senão por algum tempo, sou forçado a dizer de uma só vez o que, em outras circunstâncias, eu teria dividido em várias partes.
Antes de abordar o ângulo principal do assunto, creio dever examiná-lo de um ponto de vista que, de certo modo, me é pessoal. Todavia, se não se tratasse senão de uma questão individual, seguramente com ela eu não me ocuparia; porém, ela se liga a várias questões gerais, podendo resultar instruções para todo mundo. Foi esse o motivo que me levou a aproveitar esta ocasião para explicar a causa de certos antagonismos que muita gente se admira de encontrar em meu caminho.
No estado atual das coisas aqui na Terra, qual é o homem que não tem inimigos? Para não os ter, fora preciso não estar na Terra, por ser esta a consequência da inferioridade relativa do nosso globo e de sua destinação como mundo de expiação. Para isto, bastaria fazer o bem? Oh! não; o Cristo não está aí para o provar? Se, pois, o Cristo, a bondade por excelência, foi alvo de tudo quanto a maldade pôde imaginar, por que nos admirarmos de que assim suceda com aqueles que valem cem vezes menos?
O homem que pratica o bem - isto dito em tese geral - deve, pois, esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, pondo em xeque, pela maledicência ou pela calúnia, aqueles que os ofuscam.
Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o coração e nos torna egoístas; falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, porquanto esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom. O reconhecimento já é uma remuneração do bem que se faz; praticá-lo tendo em vista esta remuneração, é fazê-lo por interesse. E, depois, quem sabe se aquele a quem se faz um favor, e do qual nada se espera, não será levado a melhores sentimentos por um reto proceder? É talvez um meio de levá-lo a refletir, de abrandar sua alma, de salvá-lo! Esta esperança é uma nobre ambição; se nos decepcionamos, não teremos realizado o que nos cabia realizar.
Entretanto, não se deve crer que um benefício que permanece estéril na Terra seja sempre improdutivo; muitas vezes é um grão semeado que só germina na vida futura do beneficiado. Várias vezes já observamos Espíritos, ingratos como homens, serem tocados, como Espíritos, pelo bem que lhes haviam feito, e essa lembrança, despertando neles bons pensamentos, facilita-lhes o caminho do bem e do arrependimento, contribuindo para abreviar-lhes os sofrimentos. Só o Espiritismo poderia revelar este resultado da beneficência; só a ele estava dado, pelas comunicações de além-túmulo, mostrar o lado caridoso desta máxima: Um benefício jamais é perdido, em lugar do sentido egoísta que lhe atribuem. Mas, voltemos ao que nos concerne.
Pondo de lado qualquer questão pessoal, tenho adversários naturais nos inimigos do Espiritismo. Não penseis que me lastime: longe disto! Quanto maior é a animosidade deles, tanto mais ela comprova a importância que a Doutrina assume aos seus olhos; se fosse uma coisa sem consequência, uma dessas utopias que já nascem inviáveis, não lhe prestariam atenção, nem a mim. Não vedes escritos muito mais hostis que os meus quanto aos preconceitos, e nos quais as expressões não são mais moderadas do que a ousadia dos pensamentos, sem que, no entanto, digam uma única palavra? Dar-se-ia o mesmo com as doutrinas que procuro difundir, se permanecessem restritas às folhas de um livro. Mas, o que pode parecer mais surpreendente, é que eu tenha adversários, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Ora, é aqui que uma explicação se faz necessária.
Entre os que adotam as ideias espíritas, há, como sabeis, três categorias bem distintas:
1a) - Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que não lhes deduzem nenhuma consequência moral;
2ª) - Os que veem o lado moral, mas o aplicam aos outros e não a si próprios;
3ª) - Os que aceitam para si mesmos todas as consequências da Doutrina, e que praticam ou se esforçam por praticar a sua moral.
Estes, vós bem o sabeis, são os verdadeiros espíritas, os espíritas cristãos. Esta distinção é importante, porque explica bem as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil compreender-se a conduta de certas pessoas. Ora, o que reza esta moral? Amai-vos uns aos outros; perdoai aos vossos inimigos; retribuí o mal com o bem; não tenhais ódio, nem rancor, nem animosidade, nem inveja, nem ciúme; sede severos para convosco mesmos e indulgentes para com os outros. Tais devem ser os sentimentos de um verdadeiro espírita, daquele que vê o fundo e não a forma, que põe o Espírito acima da matéria; este pode ter inimigos, mas não é inimigo de ninguém, pois não deseja o mal a ninguém e, com mais forte razão, não procura fazer o mal a quem quer que seja.
Como vedes, senhores, este é um princípio geral, do qual todo mundo pode tirar proveito. Se, pois, tenho inimigos, não podem ser contados entre os espíritas desta categoria, porque, admitindo-se que tivessem legítimos motivos de queixa contra mim, o que me esforço por evitar, isto não seria motivo para me odiarem, considerando-se que não fiz mal a ninguém. O Espiritismo tem por divisa: Fora da caridade não há salvação, o que significa dizer: Fora da caridade não há verdadeiros espíritas. Concito-vos a inscrever, doravante, esta dupla máxima em vossa bandeira, porque ela resume ao mesmo tempo a finalidade do Espiritismo e o dever que ele impõe.
Estando, pois, admitido que não se pode ser bom espírita com sentimentos de rancor no coração, eu me orgulho de contar apenas com amigos entre estes últimos, pois que, se eu tiver defeitos, eles saberão desculpá-los. Veremos, em seguida, a que imensas e férteis consequências conduz este princípio.
Vejamos, pois, as causas que podem excitar certas animosidades.
Desde que surgiram as primeiras manifestações dos Espíritos, muitas pessoas aí viram um meio de especulação, uma nova mina a explorar. Se essa ideia tivesse seguido seu curso, teríeis visto médiuns pululando por toda parte, ou se apresentando como tais, dando consulta a tanto por sessão; os jornais estariam cobertos por seus anúncios e reclames; os médiuns se teriam transformado em ledores de sorte e o Espiritismo seria incluído na mesma linha da adivinhação, da cartomancia, da necromancia, etc. Nesse conflito, como poderia o público discernir a verdade da mentira? Reabilitar o Espiritismo não seria coisa fácil. Era preciso impedir que ele tomasse esse atalho funesto, cortando pela raiz um mal que o teria retardado de mais de um século. Foi o que me esforcei por fazer, demonstrando, desde o princípio, o lado grave e sublime desta nova ciência; fazendo-a sair do caminho puramente experimental para fazê-la entrar no da filosofia e da moral; mostrando, finalmente, que seria profanação explorar a alma dos mortos, quando cercamos seus despojos de respeito. Desse modo, assinalando os inevitáveis abusos que resultariam de semelhante estado de coisas, contribuí, e disso me ufano, para desacreditar a exploração do Espiritismo, levando o público a considerá-lo como coisa séria e santa.
Creio ter prestado algum serviço à causa; mas, não tivesse feito senão isso, e já me daria por satisfeito. Graças a Deus meus esforços foram coroados de sucesso, não apenas na França, mas no estrangeiro; e posso dizer que os médiuns profissionais são hoje raras exceções na Europa. Por toda parte onde minhas obras penetraram e servem de guia, o Espiritismo é considerado sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, sob o ponto de vista exclusivamente moral; por toda parte os médiuns, devotados e desinteressados, compreendem a santidade de sua missão, são cercados da consideração que lhes é devida, seja qual for a sua posição social; e essa consideração cresce em razão mesma da posição realçada pelo desinteresse.
Não pretendo absolutamente dizer que entre os médiuns interessados não existam muitos que sejam honestos e dignos de estima. Mas a experiência tem provado, a mim e a tantos outros, que o interesse é um poderoso estimulante para a fraude, porque se quer ganhar dinheiro; e se os Espíritos não ajudam, o que acontece muitas vezes, já que não estão por conta de nossos caprichos, a astúcia, fecunda em expedientes, encontra facilmente meios de supri-los. Para um que agir lealmente, haverá cem que abusaria e prejudicaria o Espiritismo em sua reputação. Por isso, os nossos adversários não perderam a ocasião para explorar, em proveito de suas críticas, as fraudes que puderam testemunhar, concluindo que tudo devia ser falso, e que era de todo conveniente que se opusessem a esse novo gênero de charlatanismo. Em vão objeta-se que a santa doutrina não é responsável por tais abusos. Conheceis o provérbio: "Quando se quer matar o cão alheio, diz-se que está raivoso."
Que resposta mais peremptória poder-se-á dar à acusação de charlatanismo do que dizer: "Quem vos pediu para vir? Quanto pagastes para entrar?" Aquele que paga quer ser servido; exige uma compensação por seu dinheiro; se não lhe dão o que espera, tem o direito de reclamar. Ora, para evitar isto, querem servi-lo a qualquer preço. Eis o abuso; mas esse abuso, em vez de ser exceção, ameaça tornar-se uma regra, sendo preciso detê-lo. Agora que a opinião se formou a respeito, só os inexperientes correm perigo.
Àqueles, pois, que se queixarem de ter sido enganados, ou de não terem obtido as respostas que desejavam, pode-se dizer: Se tivésseis estudado o Espiritismo, teríeis sabido em que condições ele pode ser observado com proveito; quais são os legítimos motivos de confiança e de desconfiança, o que se pode dele esperar, e não teríeis pedido o que ele não pode dar; não teríeis ido consultar um médium como a cartomante, para pedir revelações aos Espíritos, informações sobre heranças, descobertas de tesouros e cem outras coisas semelhantes que não são da alçada do Espiritismo. Se fostes induzido em erro, não deveis inculpar senão a vós mesmos.
É bem evidente que não se pode considerar como exploração a contribuição que se paga a uma sociedade para prover às despesas da reunião. Diz a mais vulgar equidade que não se pode impor esse gasto a pessoas de parcos recursos ou que não dispõem de tempo suficiente para comparecerem às reuniões. A especulação consiste em se fazer uma indústria da coisa, em convocar o primeiro que chegar, curioso ou indiferente, para arrancar seu dinheiro. Uma sociedade que assim agisse, seria tão repreensível, ou mais repreensível ainda que o indivíduo, e já não mereceria confiança. É justo e não constitui exploração ou especulação que uma sociedade acuda a todas as suas despesas, não as deixando sobre os ombros de um só; outra, porém seria a situação, se o primeiro que chegasse pudesse comprar o direito de entrada, mediante pagamento, porque seria desnaturar o objetivo essencialmente moral e instrutivo das reuniões desse gênero, para fazer delas um espetáculo de curiosidade. Quanto aos médiuns, eles se multiplicam de tal modo, que os profissionais seriam hoje completamente supérfluos.
Tais são, senhores, as ideias que me esforcei por fazer prevalecer, e me sinto contente por ter triunfado mais facilmente do que esperava. Mas, compreendei, aqueles de quem frustrei as esperanças não são meus amigos. Eis, pois, uma categoria que não me pode ver com bons olhos, o que, aliás, pouco me inquieta. Se alguma vez a exploração do Espiritismo tentasse introduzir-se em nossa cidade, eu vos convidaria a renegar essa nova indústria, a fim de não serdes solidários com ela e para que as censuras que possam provocar não venham a cair sobre a doutrina pura.
Ao lado da especulação material, há a que se poderia chamar especulação moral, isto é, a satisfação do orgulho, do amor-próprio; é o caso daqueles que, mesmo sem interesse pecuniário, julgavam fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se porem em evidência. Não os favoreci, e meus escritos, assim como meus conselhos, se contrapuseram a mais de uma premeditação, mostrando que as qualidades do verdadeiro espírita são a abnegação e a humildade, segundo esta máxima do Cristo: "Quem se exalta será humilhado." Esta segunda categoria também não me aprecia e bem poderia ser chamada a das ambições frustradas e dos amores-próprios melindrados.
Em seguida vêm as pessoas que não me perdoam por ter sido bem-sucedido, para as quais o sucesso de minhas obras é uma causa de desgosto, que perdem o sono quando assistem aos testemunhos de simpatia que me são dispensados. E a camarilha dos invejosos, pouco ou nada indulgente, reforçada por criaturas que, por temperamento, não podem ver um homem erguer um pouco a cabeça sem tentar abaixá-la.
Uma camarilha das mais irascíveis, acreditai, encontra-se entre os médiuns, não entre os médiuns interesseiros, mas entre os desinteressados, materialmente falando; quero falar dos médiuns obsediados, ou melhor, fascinados. Algumas observações a respeito não deixam de ter sua utilidade.
Por orgulho, estão de tal modo persuadidos de que tudo quanto obtêm é sublime, e não pode vir senão de Espíritos Superiores, que se irritam à mínima observação crítica, a ponto de se indisporem com seus amigos quando estes têm a inabilidade de não admirar os seus absurdos. Nisto reside a prova da má influência que os domina, pois, supondo-se que, por falta de julgamento ou de instrução, eles não enxergassem claramente, não seria motivo para embirrar contra os que não lhes comungam a opinião; mas isto não convém aos Espíritos obsessores que, para melhor manter o médium sob sua dependência, inspiram-lhe o afastamento, mesmo a aversão por quem quer que lhes possa abrir os olhos.
Há, ainda, aqueles cuja susceptibilidade é levada ao excesso; que se melindram com as mínimas coisas, mesmo com o lugar que lhes é destinado nas reuniões, se não os põem em evidência, com a ordem estabelecida para a leitura de suas comunicações, ou quando se proíbe a leitura daquelas cujo objeto não parece oportuno numa assembleia; dos que não são solicitados com muito empenho a dar o seu concurso; outros se contrariam porque a ordem dos trabalhos não é invertida, de modo a contemplar as suas conveniências; outros gostariam de ser tidos como médiuns titulares de um grupo ou de uma sociedade, quer chova ou faça bom tempo, e que seus Espíritos dirigentes fossem tomados por árbitros absolutos de todas as questões, etc. Estes motivos são tão pueris e mesquinhos que nenhum deles ousa confessá-los; mas nem por isso deixam de ser a fonte de uma surda animosidade que, mais cedo ou mais tarde se trai, ou pelas malquerenças, ou pelo afastamento. Não tendo boas razões para dar, há os que não têm escrúpulos de alegar pretextos imaginários. Como não estou disposto a me dobrar diante de todas essas pretensões, é um erro - que digo? é um crime imperdoável aos olhos de certas pessoas que, naturalmente me deram as costas, erro maior ainda porque não lhes dei importância. Imperdoável! Concebeis esta palavra nos lábios de pessoas que se dizem espíritas? Tal palavra deveria ser riscada do vocabulário do Espiritismo.
Esse desgosto, a maior parte dos chefes de grupos ou de sociedades, como eu, tem experimentado, e os concito a fazer como eu, isto é, a dispensarem os médiuns que antes constituem um entrave que um recurso. Com eles estamos sempre pouco à vontade, temerosos de feri-los com as mais insignificantes ações.
Antigamente esse inconveniente era mais frequente do que agora. Quando os médiuns eram mais raros, devíamos contentar-nos com os que existiam; mas hoje, que eles se multiplicam a olhos vistos, o inconveniente diminui em razão da própria escolha e à medida que eles se compenetram melhor dos verdadeiros princípios da Doutrina.
Pondo de lado o grau da faculdade, as qualidades essenciais de um bom médium são a modéstia, a simpatia e o devotamento. Deve oferecer seu concurso tendo em vista tornar-se útil, e não para satisfazer à sua vaidade; jamais deve tomar partido das comunicações que recebe, pois, de outra forma, poderia fazer crer que nelas põe algo de si, e que tem interesse em defendê-las; deve aceitar a crítica, mesmo solicitá-la, e submetê-la ao parecer da maioria, sem ideias premeditadas; se o que escreve é falso, é mau, detestável, devem dizê-lo sem temor de o magoar, porque ele não é responsável por nada. Eis os médiuns realmente úteis numa reunião e com os quais jamais teremos contrariedade, porque compreendem a Doutrina; os outros não a compreendem ou não a querem compreender. São estes que recebem as melhores comunicações, porque não se deixam dominar por Espíritos orgulhosos; os Espíritos mentirosos os temem, pois se reconhecem impotentes para deles abusar.
Em seguida vem a categoria das pessoas que jamais estão contentes. Algumas acham que ando depressa demais, outras com excessiva lentidão; é, de fato, como na fábula do Moleiro, seu filho e o asno. Os primeiros me reprovam por haver formulado princípios prematuros, de me impor como chefe de escola filosófica. Mas, pondo de lado qualquer ideia espírita, não tenho o direito de criar, como tantos outros, uma filosofia a meu modo, ainda que absurda? Se os meus princípios são falsos, por que não colocam outros em seu lugar e não os fazem prevalecer? Ao que parece, em geral eles não são considerados tão despropositados, já que encontram numerosos aderentes; mas não seria exatamente isto que excita o mau humor de certa gente? Se esses princípios não encontrassem partidários, fossem ridículos em alto grau, não se falaria mais deles.
Os segundos, os que pretendem que não ando com bastante rapidez, esses gostariam de me empurrar - creio que com boa intenção, pois é sempre melhor acreditar no bem do que no mal - num caminho que não quero me arriscar. Sem, pois, me deixar influenciar pelas ideias de uns e de outros, prossigo meu caminho; tenho um objetivo, vejo-o, sei quando e como o atingirei, e não me inquieto com os clamores dos que passam.
Como vedes, senhores, não faltam pedras em meu caminho; passo por elas, mesmo sobre as maiores. Se se conhecesse a verdadeira causa de certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas se apresentariam. Deve-se ainda mencionar as pessoas que se puseram, em relação a mim, em posições falsas, ridículas ou comprometedoras, e que procuram justificar-se, sub-repticiamente, por meio de pequenas calúnias; os que esperavam seduzir-me pela bajulação, crendo poder levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de suas manobras para atrair minha atenção. Enfim, os que não me perdoam por lhes ter adivinhado os propósitos, e que são como a serpente sobre a qual se pisa. Se toda essa gente quisesse se colocar, ao menos por um instante, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco mais do alto, compreenderia o quanto é pueril o que a preocupa e não se admiraria da pouca importância que a tudo isso dão os verdadeiros espíritas. E que o Espiritismo abre horizontes tão vastos, que a vida corporal, tão curta e tão efêmera, se apaga com todas as suas vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.
Não devo, entretanto, omitir uma censura que me foi dirigida: a de nada fazer para trazer novamente a mim as pessoas que se afastam. Isto é verdadeiro, e se é uma censura fundada, eu a mereço, porque jamais dei um passo nesse sentido; eis os motivos de minha indiferença:
Os que vêm a mim, fazem-no porque isto lhes convém; é menos por minha pessoa do que pela simpatia aos princípios que professo. Os que se afastam, fazem-no porque não lhes convenho ou porque não concordam com a nossa maneira de ver as coisas. Por que, então, eu iria contrariá-los, impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Aliás, eu não teria mesmo tempo para isto, pois, como é sabido, minhas ocupações não me deixam um instante de repouso, e por um que parte, há mil que chegam; dedico-me, antes de tudo, a estes últimos, e é isso que faço. Orgulho? desprezo por outrem? Oh! seguramente não; não desprezo ninguém; lamento os que agem mal e peço a Deus e aos bons Espíritos que façam renascer neles melhores sentimentos; eis tudo. Se voltam, são sempre bem-vindos, mas, correr atrás deles, jamais o faço, em razão do tempo que reclamam as pessoas de boa vontade; e, depois, porque não concedo a certas pessoas a importância que elas se atribuem. Para mim, um homem é um homem e nada mais; meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, e não pela posição que ocupa. Ainda que esteja altamente colocado, se agir mal, se for egoísta e presunçoso de sua dignidade, é a meus olhos inferior a um simples operário que age bem, e eu aperto mais cordialmente a mão de um pequeno que deixa falar o coração, do que a de um grande, cujo coração nada diz; a primeira me aquece, a segunda me enregela.
Personagens da mais alta condição social me honram com sua visita, sem que, por causa delas, jamais um proletário tenha ficado na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe fica lado a lado com o artesão; se se sentir humilhado, dir-lhe-ei que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, muitas vezes os tenho visto apertarem-se as mãos fraternalmente, e digo de mim para mim: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; é o prelúdio de muitos outros prodígios!"
Não dependeria senão de mim abrir as portas da alta sociedade; contudo, jamais fui nelas bater. Isto me tomaria um tempo que creio poder empregar mais utilmente. Coloco em primeira linha consolar os que sofrem, levantar a coragem dos abatidos, arrancar um homem de suas paixões, do desespero, do suicídio, detê-lo talvez no abismo do crime. Isto não vale mais do que os lambris dourados? Tenho milhares de cartas que para mim são mais valiosas do que todas as honras da Terra, e que encaro como verdadeiros títulos de nobreza. Assim, não vos admireis se deixo partir aqueles que não me procuram.
Tenho adversários, bem o sei! Mas o seu número não é tão grande quanto se poderia crer pelos cálculos que fiz; eles se encontram nas categorias que citei, mas são apenas indivíduos isolados, e seu número é pouca coisa em comparação com os que desejam testemunhar-me sua simpatia. Aliás, jamais foram bem-sucedidos em perturbar meu repouso; jamais suas maquinações e suas diatribes me abalaram; e devo acrescentar que esta profunda indiferença de minha parte, o silêncio que oponho aos seus ataques, é o que mais os exaspera. Por mais que façam, nunca conseguirão fazer-me sair da moderação, que é a regra de minha conduta; jamais poderão dizer que respondi injúria com injúria. As pessoas que me veem na intimidade sabem que jamais me ocupei delas, que nem uma única palavra foi dita na Sociedade, nem se fez alusão relativamente a qualquer uma delas. Nunca respondi na Revista às suas agressões, quando dirigidas à minha pessoa, e Deus sabe que não têm faltado ocasiões!
Aliás, que pode o seu malquerer? Nada, nem contra a Doutrina, nem contra mim. Por sua marcha progressiva, a Doutrina prova que nada teme. Quanto a mim, não ocupando nenhuma posição, nada me pode ser tirado; como nada peço e não solicito coisa alguma, não me podem recusar nada; não devo nada a ninguém; por isso nada podem reclamar de mim; não falo mal de ninguém, nem mesmo dos que falam mal de mim. Em que poderiam, então, prejudicar-me? É verdade que podem atribuir a mim palavras que eu não disse, e é o que já fizeram mais de uma vez. Mas os que me conhecem sabem do que sou capaz de dizer e de não dizer e eu agradeço aos que, em semelhantes casos, souberam responder por mim. O que digo, estou sempre pronto a repetir, na presença de quem quer que seja, e quando afirmo não ter dito ou feito uma coisa, julgo-me no direito de ser acreditado.
Além disso, o que representam todas estas coisas, tendo em vista o objetivo a que todos nós, espíritas sinceros e dedicados, perseguimos? esse imenso futuro que se desdobra aos nossos olhos? Acreditai-me, senhores, fora preciso encarar como um roubo perpetrado contra a grande obra os instantes que perdêssemos preocupados com essas misérias. De minha parte agradeço a Deus por me ter concedido, já aqui na Terra, ao preço de algumas tribulações passageiras, tantas compensações morais e a alegria de assistir ao triunfo da Doutrina.
Peço-vos perdão, senhores, por vos haver entretido, por tanto tempo, com a minha pessoa, pois julguei que era útil estabelecer claramente esta posição, a fim de que soubésseis a quem vos ater, conforme as circunstâncias, e para que possais estar convencidos de que minha linha de conduta está traçada e que nada me fará desviar dela. Aliás, creio que destas observações - abstração feita de minha pessoa - poderão resultar alguns ensinamentos úteis.
Passemos, agora, a um outro ponto e vejamos em que situação se encontra o Espiritismo.
II
O Espiritismo apresenta um fenômeno inédito na história das filosofias: é a rapidez de sua marcha. Nenhuma outra doutrina oferece exemplo semelhante. Quando se considera o progresso que tem feito de ano para ano, pode-se, sem muita presunção, prever a época em que ele será a crença universal.
A maioria dos países estrangeiros participa desse movimento: a Áustria, a Polônia, a Rússia, a Itália, a Espanha, a cidade de Constantinopla, etc., contam numerosos adeptos e várias sociedades perfeitamente organizadas. Tenho inscritas mais de cem cidades onde há reuniões. Nesse grupo, Lyon e Bordeaux ocupam o primeiro lugar. Honra, pois, a essas duas cidades, imponentes por sua população e por suas luzes, e onde tão alto e tão firmemente foi hasteada a bandeira do Espiritismo. Muitas outras ambicionam caminhar em suas pegadas.
Por minhas viagens, estou em condições de conversar com muitas pessoas. Todos concordam em dizer que a cada ano a opinião pública registra progressos; os galhofeiros diminuem a olhos vistos. Mas, à zombaria sucede a cólera. Ontem riam, hoje se zangam. De acordo com velho provérbio, isto é de bom augúrio, pois leva os incrédulos a concluir que deve haver algo de sério em tudo isto.
Um fato não menos característico é que tudo quanto os adversários do Espiritismo fizeram para entravar sua marcha, longe de detê-lo, ativou o seu progresso, e se pode dizer que, por toda parte, o progresso está na razão da violência dos ataques. A imprensa o enalteceu? Todos sabem que, longe de auxiliá-lo, ela lhe tem dado pontapés. Pois bem! tais expedientes não o fizeram senão avançar. Dá-se o mesmo com os ataques de toda natureza de que ele tem sido objeto.
Há, pois, um fenômeno constante: é que, sem o recurso de nenhum dos meios vulgarmente empregados para alcançar o que se denomina um sucesso, a despeito dos entraves que lhe suscitaram, o Espiritismo não deixou de crescer, e cresce todos os dias como para dar um desmentido aos que lhe prediziam fim próximo. Será uma presunção, uma bravata? Não, é um fato que é impossível negar. Ele hauriu, pois, sua força em si mesmo, o que prova o poder dessa ideia. Aqueles a quem isso contraria devem tomar o seu partido e se resignarem a deixar passar os que não podem deter. É que o Espiritismo é uma ideia, e quando uma ideia caminha, transpõe todas as barreiras; não se pode detê-la na fronteira como um fardo de mercadoria. Queimam-se livros, mas não se queimam ideias, e suas próprias cinzas, levadas pelo vento, vão fecundar a terra onde elas devem frutificar.
Mas, não basta lançar uma ideia ao mundo para que ela crie raízes; não, certamente. Não se criam à vontade opiniões ou hábitos. Dá-se o mesmo com as invenções e as descobertas: a mais útil fracassa se vem antes do tempo ou se a necessidade que está destinada a satisfazer ainda não existe. E assim com as doutrinas filosóficas, políticas, religiosas ou sociais; é preciso que os espíritos estejam amadurecidos para as aceitar; vindas muito cedo, ficam em estado latente e, como frutos plantados fora da estação, não se desenvolvem.
Se, pois, o Espiritismo encontra tão numerosas simpatias, é que seu tempo é chegado; é que os espíritos estavam maduros para o receber; é que responde a uma necessidade, a uma aspiração. Disto tendes a prova no número, hoje considerável, de pessoas que o acolhem sem estranheza, como uma coisa muito natural, quando lhes falam dele pela primeira vez, e que confessam que as coisas deveriam ser assim mesmo, sem, contudo, poderem defini-las. Sente-se o vazio moral que a incredulidade e o materialismo criam em torno do homem; compreende-se que essas doutrinas cavam um abismo para a sociedade; que destroem os laços mais sólidos: os da fraternidade. E, depois, instintivamente, o homem tem horror ao nada, como a Natureza tem horror ao vazio. Eis por que ele acolhe com alegria a prova de que o nada não existe.
Mas, objetarão, não se lhe ensina diariamente que o nada não existe? Sem dúvida que o ensinam; mas, então, como é possível que a incredulidade e a indiferença tenham crescido sem cessar neste último século? É que as provas dadas não satisfazem mais agora; é que já não correspondem às necessidades de sua inteligência. O desenvolvimento científico e industrial tornou o homem positivo. Quer dar-se conta de tudo; quer saber o porquê e o como de cada coisa. Compreender para crer tornou-se uma necessidade imperiosa, razão por que a fé cega não tem mais domínio sobre ele. Para uns isto é um mal, para outros é um bem. Sem discutir o princípio, diremos que tal é a marcha da Natureza. A humanidade coletiva, como os indivíduos, tem sua infância e sua idade madura; quando se encontra na maturidade, desfaz-se das fraldas e quer utilizar suas próprias forças, isto é, sua inteligência. Fazê-la retroceder é tão impossível quanto fazer um rio subir para a sua fonte.
Dirão que atacar o mérito da fé cega é uma impiedade, porque Deus quer que se aceite sua palavra sem exame. A fé cega podia ter sua razão de ser, direi mesmo, sua necessidade, num certo período da Humanidade. Se hoje ela não basta mais para fortalecer a crença, é porque está na natureza da Humanidade que assim deve ser.
Ora, quem fez as leis da Natureza? Deus ou satã? Se foi Deus, não haverá impiedade em seguir suas leis. Se, hoje, compreender para crer se tornou uma necessidade para a inteligência, como beber e comer o é para o estômago, é que Deus quer que o homem faça uso de sua inteligência, pois do contrário não lha teria dado.
Há pessoas que não sentem essa necessidade; que se contentam em crer sem exame. Não as censuramos absolutamente, e longe de nós o pensamento de as perturbar em sua quietude. O Espiritismo não se dirige a elas; desde que têm tudo o de que precisam, nada há a oferecer-lhes; não obriga a comer à força aqueles que declaram não ter fome. O Espiritismo só se dirige àqueles para os quais o alimento intelectual, que lhes é dado, já não é suficiente, e seu número é bastante grande para que ele se ocupe com os outros. Por que, então, se queixam, quando ele não os vai procurar? O Espiritismo não procura ninguém; não se impõe a ninguém. Limita-se a dizer: Eis-me aqui, eis o que sou, eis o que trago; os que julgam precisar de mim, que se aproximem; os outros, que permaneçam em suas casas; não lhes vou perturbar a consciência, nem injuriá-los. Apenas lhes peço reciprocidade.
Por que, então, o materialismo tende a suplantar a fé? É que até agora a fé não raciocina, limitando-se a dizer: Crede! enquanto o materialismo raciocina. Convenhamos que são sofismas, mas, bons ou maus, são razões que, no pensamento de muitos, arrastam aqueles a quem nada oferecem. Acrescentai a isto que a ideia materialista satisfaz aos que se comprazem na vida material; que querem passar por cima das consequências do futuro, esperando, desse modo, escapar à responsabilidade de seus atos. Em suma, a ideia materialista é eminentemente favorável à satisfação de todos os apetites brutais. Na incerteza do futuro, o homem se diz: Gozemos sempre o presente; que me importam os semelhantes? Por que me sacrificar por eles? Dizem que são meus irmãos; mas de que me servem irmãos que não verei mais? que talvez amanhã estejam mortos e eu também? Que seremos, então, uns para com os outros? Nada, se uma vez mortos nada resta de nós. De que serviria impor-me privações? que compensação resultaria para mim, se tudo acaba comigo?
Fundai, então, uma sociedade sobre as bases da fraternidade, com ideias semelhantes! O egoísmo, tal é a sua consequência natural; com ele, cada um leva a melhor parte e é o mais forte que triunfa. Por sua vez diz o fraco: Sejamos egoístas, já que os outros o são; não pensemos senão em nós, pois os outros só pensam neles próprios.
Tal é, forçoso é convir, o mal que tende a invadir a sociedade moderna, e esse mal, como um verme roedor, pode arruiná-la em seus fundamentos! Oh! como são culpados os que a levam por esse caminho, os que se esforçam por matar as crenças e os que preconizam o presente a expensas do futuro! Terão uma terrível conta a pagar pelo uso que houverem feito de sua inteligência!
No entanto, a incredulidade deixa atrás de si uma vaga de inquietude. Por mais que o homem procure iludir-se, não pode furtar-se de pensar algumas vezes no que lhe sucederá depois; mau grado seu, a ideia do nada o enregela. Quereria uma certeza e não a encontra; então flutua, hesita, duvida e a incerteza o mata; sente-se infeliz em meio aos prazeres materiais que não podem preencher o abismo do nada que se abre à sua frente, e onde imagina que será precipitado.
É nesse momento que chega o Espiritismo, como uma âncora de salvação, como uma luz nas trevas de sua alma. Vem tirá-lo do vazio, não por uma vaga esperança, mas por provas irrecusáveis: as da observação dos fatos; vem fortalecer sua fé, não lhe dizendo simplesmente: Crede, porque eu vo-lo digo, mas: Vede, tocai, compreendei e crede. Ele não podia vir num momento mais oportuno, seja para deter o mal antes que se tornasse incurável, seja para satisfazer às necessidades do homem, que já não crê sob palavra, que quer racionalizar aquilo em que crê. O materialismo o havia seduzido por seus falsos raciocínios; aos seus sofismas era preciso opor raciocínios sólidos, apoiados em provas materiais. Nessa luta, a fé cega já se mostrava impotente. Eis por que digo que o Espiritismo veio a seu tempo.
O que falta ao homem é a fé no futuro; porém, a ideia que dele lhe dão é incapaz de satisfazer o seu gosto pelo positivo. E muito vaga, muito abstrata; os laços que o ligam ao presente não são bastante definidos. Ao contrário, o Espiritismo nos apresenta a alma como um ser circunscrito, semelhante a nós, menos o envoltório material de que se despojou, mas revestido de um invólucro fluídico, o que já é mais compreensível e faz que se conceba melhor a sua individualidade. Além disso ele prova, pela experiência, as relações incessantes do mundo visível e do mundo invisível, que se tornam, assim, solidários um com o outro. As relações da alma com a Terra não cessam com a vida; a alma, no estado de Espírito, constitui uma das engrenagens, uma das forças vivas da Natureza; não é mais um ser inútil, que não pensa e já não age senão para si durante a eternidade; é sempre e por toda parte um agente ativo da vontade de Deus para a execução de suas obras. Assim, conforme a Doutrina Espírita, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo; e nesse grande movimento, admiravelmente harmonioso, as afeições sobrevivem. Longe de se extinguirem, elas se fortificam e se depuram.
A maioria dos países estrangeiros participa desse movimento: a Áustria, a Polônia, a Rússia, a Itália, a Espanha, a cidade de Constantinopla, etc., contam numerosos adeptos e várias sociedades perfeitamente organizadas. Tenho inscritas mais de cem cidades onde há reuniões. Nesse grupo, Lyon e Bordeaux ocupam o primeiro lugar. Honra, pois, a essas duas cidades, imponentes por sua população e por suas luzes, e onde tão alto e tão firmemente foi hasteada a bandeira do Espiritismo. Muitas outras ambicionam caminhar em suas pegadas.
Por minhas viagens, estou em condições de conversar com muitas pessoas. Todos concordam em dizer que a cada ano a opinião pública registra progressos; os galhofeiros diminuem a olhos vistos. Mas, à zombaria sucede a cólera. Ontem riam, hoje se zangam. De acordo com velho provérbio, isto é de bom augúrio, pois leva os incrédulos a concluir que deve haver algo de sério em tudo isto.
Um fato não menos característico é que tudo quanto os adversários do Espiritismo fizeram para entravar sua marcha, longe de detê-lo, ativou o seu progresso, e se pode dizer que, por toda parte, o progresso está na razão da violência dos ataques. A imprensa o enalteceu? Todos sabem que, longe de auxiliá-lo, ela lhe tem dado pontapés. Pois bem! tais expedientes não o fizeram senão avançar. Dá-se o mesmo com os ataques de toda natureza de que ele tem sido objeto.
Há, pois, um fenômeno constante: é que, sem o recurso de nenhum dos meios vulgarmente empregados para alcançar o que se denomina um sucesso, a despeito dos entraves que lhe suscitaram, o Espiritismo não deixou de crescer, e cresce todos os dias como para dar um desmentido aos que lhe prediziam fim próximo. Será uma presunção, uma bravata? Não, é um fato que é impossível negar. Ele hauriu, pois, sua força em si mesmo, o que prova o poder dessa ideia. Aqueles a quem isso contraria devem tomar o seu partido e se resignarem a deixar passar os que não podem deter. É que o Espiritismo é uma ideia, e quando uma ideia caminha, transpõe todas as barreiras; não se pode detê-la na fronteira como um fardo de mercadoria. Queimam-se livros, mas não se queimam ideias, e suas próprias cinzas, levadas pelo vento, vão fecundar a terra onde elas devem frutificar.
Mas, não basta lançar uma ideia ao mundo para que ela crie raízes; não, certamente. Não se criam à vontade opiniões ou hábitos. Dá-se o mesmo com as invenções e as descobertas: a mais útil fracassa se vem antes do tempo ou se a necessidade que está destinada a satisfazer ainda não existe. E assim com as doutrinas filosóficas, políticas, religiosas ou sociais; é preciso que os espíritos estejam amadurecidos para as aceitar; vindas muito cedo, ficam em estado latente e, como frutos plantados fora da estação, não se desenvolvem.
Se, pois, o Espiritismo encontra tão numerosas simpatias, é que seu tempo é chegado; é que os espíritos estavam maduros para o receber; é que responde a uma necessidade, a uma aspiração. Disto tendes a prova no número, hoje considerável, de pessoas que o acolhem sem estranheza, como uma coisa muito natural, quando lhes falam dele pela primeira vez, e que confessam que as coisas deveriam ser assim mesmo, sem, contudo, poderem defini-las. Sente-se o vazio moral que a incredulidade e o materialismo criam em torno do homem; compreende-se que essas doutrinas cavam um abismo para a sociedade; que destroem os laços mais sólidos: os da fraternidade. E, depois, instintivamente, o homem tem horror ao nada, como a Natureza tem horror ao vazio. Eis por que ele acolhe com alegria a prova de que o nada não existe.
Mas, objetarão, não se lhe ensina diariamente que o nada não existe? Sem dúvida que o ensinam; mas, então, como é possível que a incredulidade e a indiferença tenham crescido sem cessar neste último século? É que as provas dadas não satisfazem mais agora; é que já não correspondem às necessidades de sua inteligência. O desenvolvimento científico e industrial tornou o homem positivo. Quer dar-se conta de tudo; quer saber o porquê e o como de cada coisa. Compreender para crer tornou-se uma necessidade imperiosa, razão por que a fé cega não tem mais domínio sobre ele. Para uns isto é um mal, para outros é um bem. Sem discutir o princípio, diremos que tal é a marcha da Natureza. A humanidade coletiva, como os indivíduos, tem sua infância e sua idade madura; quando se encontra na maturidade, desfaz-se das fraldas e quer utilizar suas próprias forças, isto é, sua inteligência. Fazê-la retroceder é tão impossível quanto fazer um rio subir para a sua fonte.
Dirão que atacar o mérito da fé cega é uma impiedade, porque Deus quer que se aceite sua palavra sem exame. A fé cega podia ter sua razão de ser, direi mesmo, sua necessidade, num certo período da Humanidade. Se hoje ela não basta mais para fortalecer a crença, é porque está na natureza da Humanidade que assim deve ser.
Ora, quem fez as leis da Natureza? Deus ou satã? Se foi Deus, não haverá impiedade em seguir suas leis. Se, hoje, compreender para crer se tornou uma necessidade para a inteligência, como beber e comer o é para o estômago, é que Deus quer que o homem faça uso de sua inteligência, pois do contrário não lha teria dado.
Há pessoas que não sentem essa necessidade; que se contentam em crer sem exame. Não as censuramos absolutamente, e longe de nós o pensamento de as perturbar em sua quietude. O Espiritismo não se dirige a elas; desde que têm tudo o de que precisam, nada há a oferecer-lhes; não obriga a comer à força aqueles que declaram não ter fome. O Espiritismo só se dirige àqueles para os quais o alimento intelectual, que lhes é dado, já não é suficiente, e seu número é bastante grande para que ele se ocupe com os outros. Por que, então, se queixam, quando ele não os vai procurar? O Espiritismo não procura ninguém; não se impõe a ninguém. Limita-se a dizer: Eis-me aqui, eis o que sou, eis o que trago; os que julgam precisar de mim, que se aproximem; os outros, que permaneçam em suas casas; não lhes vou perturbar a consciência, nem injuriá-los. Apenas lhes peço reciprocidade.
Por que, então, o materialismo tende a suplantar a fé? É que até agora a fé não raciocina, limitando-se a dizer: Crede! enquanto o materialismo raciocina. Convenhamos que são sofismas, mas, bons ou maus, são razões que, no pensamento de muitos, arrastam aqueles a quem nada oferecem. Acrescentai a isto que a ideia materialista satisfaz aos que se comprazem na vida material; que querem passar por cima das consequências do futuro, esperando, desse modo, escapar à responsabilidade de seus atos. Em suma, a ideia materialista é eminentemente favorável à satisfação de todos os apetites brutais. Na incerteza do futuro, o homem se diz: Gozemos sempre o presente; que me importam os semelhantes? Por que me sacrificar por eles? Dizem que são meus irmãos; mas de que me servem irmãos que não verei mais? que talvez amanhã estejam mortos e eu também? Que seremos, então, uns para com os outros? Nada, se uma vez mortos nada resta de nós. De que serviria impor-me privações? que compensação resultaria para mim, se tudo acaba comigo?
Fundai, então, uma sociedade sobre as bases da fraternidade, com ideias semelhantes! O egoísmo, tal é a sua consequência natural; com ele, cada um leva a melhor parte e é o mais forte que triunfa. Por sua vez diz o fraco: Sejamos egoístas, já que os outros o são; não pensemos senão em nós, pois os outros só pensam neles próprios.
Tal é, forçoso é convir, o mal que tende a invadir a sociedade moderna, e esse mal, como um verme roedor, pode arruiná-la em seus fundamentos! Oh! como são culpados os que a levam por esse caminho, os que se esforçam por matar as crenças e os que preconizam o presente a expensas do futuro! Terão uma terrível conta a pagar pelo uso que houverem feito de sua inteligência!
No entanto, a incredulidade deixa atrás de si uma vaga de inquietude. Por mais que o homem procure iludir-se, não pode furtar-se de pensar algumas vezes no que lhe sucederá depois; mau grado seu, a ideia do nada o enregela. Quereria uma certeza e não a encontra; então flutua, hesita, duvida e a incerteza o mata; sente-se infeliz em meio aos prazeres materiais que não podem preencher o abismo do nada que se abre à sua frente, e onde imagina que será precipitado.
É nesse momento que chega o Espiritismo, como uma âncora de salvação, como uma luz nas trevas de sua alma. Vem tirá-lo do vazio, não por uma vaga esperança, mas por provas irrecusáveis: as da observação dos fatos; vem fortalecer sua fé, não lhe dizendo simplesmente: Crede, porque eu vo-lo digo, mas: Vede, tocai, compreendei e crede. Ele não podia vir num momento mais oportuno, seja para deter o mal antes que se tornasse incurável, seja para satisfazer às necessidades do homem, que já não crê sob palavra, que quer racionalizar aquilo em que crê. O materialismo o havia seduzido por seus falsos raciocínios; aos seus sofismas era preciso opor raciocínios sólidos, apoiados em provas materiais. Nessa luta, a fé cega já se mostrava impotente. Eis por que digo que o Espiritismo veio a seu tempo.
O que falta ao homem é a fé no futuro; porém, a ideia que dele lhe dão é incapaz de satisfazer o seu gosto pelo positivo. E muito vaga, muito abstrata; os laços que o ligam ao presente não são bastante definidos. Ao contrário, o Espiritismo nos apresenta a alma como um ser circunscrito, semelhante a nós, menos o envoltório material de que se despojou, mas revestido de um invólucro fluídico, o que já é mais compreensível e faz que se conceba melhor a sua individualidade. Além disso ele prova, pela experiência, as relações incessantes do mundo visível e do mundo invisível, que se tornam, assim, solidários um com o outro. As relações da alma com a Terra não cessam com a vida; a alma, no estado de Espírito, constitui uma das engrenagens, uma das forças vivas da Natureza; não é mais um ser inútil, que não pensa e já não age senão para si durante a eternidade; é sempre e por toda parte um agente ativo da vontade de Deus para a execução de suas obras. Assim, conforme a Doutrina Espírita, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo; e nesse grande movimento, admiravelmente harmonioso, as afeições sobrevivem. Longe de se extinguirem, elas se fortificam e se depuram.
Ainda que tudo isto não passasse de um sistema, teria sobre os outros a vantagem de ser mais sedutor, embora sem oferecer mais certeza. Mas é o próprio mundo invisível que vem revelar-se a nós, provar que existe, não em regiões do espaço inacessíveis mesmo ao pensamento, mas aqui, ao nosso lado, que nos cerca e que vivemos em meio dele, como um povo de cegos em meio a pessoas que veem. Isto pode perturbar certas ideias, convenho, mas, diante de um fato, queiramos ou não, temos de nos inclinar. Por mais que digam que não é assim, seria preciso que provassem a sua impossibilidade; a provas palpáveis, deveriam opor provas mais palpáveis ainda. Ora, o que opõem? A negação!
O Espiritismo apoia-se sobre fatos. Esses fatos, de acordo com o raciocínio e uma lógica rigorosa, dão à Doutrina Espírita o caráter de positivismo que convém à nossa época. O materialismo veio minar toda crença, subverter toda base, toda razão de ser da moral e solapar os próprios fundamentos da sociedade, proclamando o reino do egoísmo. Então os homens sérios se perguntaram para onde um tal estado de coisas nos conduziria; viram um abismo, e eis que o Espiritismo veio preenchê-lo, dizendo ao materialismo: Não irás mais longe, pois aqui estão fatos que provam a falsidade de teus raciocínios. O materialismo ameaçava fazer a sociedade mergulhar em trevas, dizendo aos homens: O presente é tudo, porquanto o futuro não existe. O Espiritismo vem restabelecer a verdade, afirmando: O presente nada é, o futuro é tudo, e o prova.
Um adversário asseverou em certo jornal que o Espiritismo é cheio de seduções. Ele não podia, mau grado seu, fazer maior elogio da Doutrina, condenando-se, ao mesmo tempo de maneira mais peremptória. Dizer que uma coisa é sedutora é dizer que agrada. Ora, eis aqui o grande segredo da propagação do Espiritismo. Que, então, lhe oponham algo de mais sedutor para suplantá-lo! Se não o fazem, é que não têm nada de melhor a oferecer. Por que ele agrada?
E muito fácil dizê-lo.
O Espiritismo apoia-se sobre fatos. Esses fatos, de acordo com o raciocínio e uma lógica rigorosa, dão à Doutrina Espírita o caráter de positivismo que convém à nossa época. O materialismo veio minar toda crença, subverter toda base, toda razão de ser da moral e solapar os próprios fundamentos da sociedade, proclamando o reino do egoísmo. Então os homens sérios se perguntaram para onde um tal estado de coisas nos conduziria; viram um abismo, e eis que o Espiritismo veio preenchê-lo, dizendo ao materialismo: Não irás mais longe, pois aqui estão fatos que provam a falsidade de teus raciocínios. O materialismo ameaçava fazer a sociedade mergulhar em trevas, dizendo aos homens: O presente é tudo, porquanto o futuro não existe. O Espiritismo vem restabelecer a verdade, afirmando: O presente nada é, o futuro é tudo, e o prova.
Um adversário asseverou em certo jornal que o Espiritismo é cheio de seduções. Ele não podia, mau grado seu, fazer maior elogio da Doutrina, condenando-se, ao mesmo tempo de maneira mais peremptória. Dizer que uma coisa é sedutora é dizer que agrada. Ora, eis aqui o grande segredo da propagação do Espiritismo. Que, então, lhe oponham algo de mais sedutor para suplantá-lo! Se não o fazem, é que não têm nada de melhor a oferecer. Por que ele agrada?
E muito fácil dizê-lo.
Ele agrada:
1)
Porque satisfaz à aspiração instintiva do homem quanto
ao futuro;
2)
Porque apresenta o futuro sob um aspecto que a razão
pode admitir;
3)
Porque a certeza da vida futura faz com que o homem
sofra sem se queixar das misérias da vida presente;
4)
Porque, com a pluralidade das existências, essas
misérias têm uma razão de ser, são explicáveis e, em vez de acusarem a
Providência, consideram-nas justas e as aceitam sem murmurar;
5)
Porque o homem é feliz por saber que os seres que lhe
são caros não estão perdidos para sempre, que os encontrará novamente e que
estão quase sempre ao seu lado;
6)
Porque todas as máximas dadas pelos Espíritos tendem a
tornar melhores os homens uns para com os outros.
Existem ainda outros motivos, que só os espíritas são
capazes de compreender. Em compensação, que meios de sedução oferece o
materialismo? O nada. Eis aí toda a consolação que ele dá às misérias da vida!
Com tais elementos, o futuro do Espiritismo não pode
ser duvidoso e, contudo, se nos devemos admirar de alguma coisa, é que ele
tenha aberto um caminho tão rápido através dos preconceitos. Como e por que
meios alcançará a transformação da Humanidade, é o que nos resta examinar.
III
Quando consideramos o estado atual da sociedade, somos tentados a olhar sua transformação como um milagre. Pois bem! é um milagre que o Espiritismo pode e deve realizar, porque está nos desígnios de Deus, mediante a palavra de ordem: Fora da caridade não há salvação. Que a sociedade tome esta máxima por divisa e a ela conforme sua conduta, em lugar daquela que está na ordem do dia: A caridade bem ordenada começa por si, e tudo se modificará. Toda a questão consiste em fazê-la aceita.
Bem sabeis, senhores, que a palavra caridade tem uma acepção muito ampla. Há caridade em pensamentos, em palavras, em ações; não consiste apenas na esmola. Alguém é caridoso em pensamentos sendo indulgente para com as faltas do próximo; caridoso em palavras, nada dizendo que possa prejudicar a outrem; caridoso em ações quando assiste o próximo na medida de suas forças. O pobre, que partilha seu naco de pão com outro mais pobre que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que aquele que dá do supérfluo, sem de nada se privar.
Quem quer que alimente contra o próximo sentimentos de ódio, de animosidade, de inveja, de rancor, falta com a caridade. A caridade é a antítese do egoísmo; a primeira é a abnegação da personalidade, o segundo é a exaltação da personalidade. Uma diz: Para vós em primeiro lugar, para mim depois; e o outro: Para mim antes, para vós se sobrar. A primeira está toda inteira nestas palavras do Cristo: "Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem." Numa palavra, aplica-se sem exceção a todas as relações sociais. Haveremos de convir que, se todos os membros de uma sociedade agissem de conformidade com esse princípio, haveria menos decepções na vida. Desde que dois homens estejam juntos, contraem, por isto mesmo, deveres recíprocos; se quiserem viver em paz, serão obrigados a se fazerem mútuas concessões. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações formam um todo coletivo que também tem suas obrigações respectivas. Tendes, pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as de cidade a cidade, de país a país. Essas relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo nacional. Com o egoísmo, prevalece o interesse pessoal, cada um vive para si, vendo no semelhante apenas um antagonista, um rival que pode concorrer conosco, que podemos explorar ou que pode nos explorar; aquele que fará o possível para chegar antes de nós: a vitória é do mais esperto e a sociedade - coisa triste de dizer, muitas vezes consagra essa vitória, o que faz com que ela se divida em duas classes principais: os exploradores e os explorados. Disso resulta um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substituí o egoísmo pela caridade e tudo se modificará; ninguém procurará fazer o mal ao seu vizinho; os ódios e os ciúmes se extinguirão por falta de combustível, e os homens viverão em paz, ajudando-se mutuamente em vez de se dilacerarem. Se a caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais serão fundadas sobre o princípio da solidariedade e da reciprocidade; o forte protegerá o fraco, em vez de o explorar.
E um belo sonho, dirão; infelizmente não passa de um sonho; o homem é egoísta por natureza, por necessidade e o será sempre. Se assim fosse, o que seria muito triste, é o caso de se perguntar com que objetivo o Cristo veio até nós pregar a caridade aos homens; equivaleria a pregar aos animais. Examinemos, contudo, a questão.
Há progresso do selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, abrandar os costumes dos selvagens? Mas, com que finalidade, se o homem é incorrigível? Estranha bizarria! Esperais corrigir selvagens e pensais que o homem civilizado não pode melhorar-se! Se o homem civilizado tivesse a pretensão de haver atingido o último limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os costumes, o caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, no entanto, os homens de outrora, também eles, acreditavam ter alcançado o último degrau. Que teria respondido um grão-senhor do tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia dispor de uma ordem de coisas melhor, mais equitativa, mais humana do que a então vigente? Que esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de castas e a igualdade do grande e do pequeno diante da lei? O audacioso que assim falasse talvez pagasse caro sua temeridade.
Disso concluímos que o homem é eminentemente perfectível, e que os mais adiantados hoje poderão parecer tão atrasados dentro de alguns séculos quanto o são os da Idade Média em relação a nós. Negar o fato seria negar o progresso, que é uma lei da Natureza.
Embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, deve-se convir que esse progresso se realizou principalmente no sentido intelectual. Por quê? Eis ainda um desses problemas que só ao Espiritismo estava dado explicar, mostrando-nos que a moral e a inteligência raramente caminham lado a lado; enquanto o homem dá alguns passos num deles, se retarda no outro. Mais tarde, porém, torna a ganhar o terreno que havia perdido, e as duas forças acabam por se equilibrar nas encarnações sucessivas. O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas, como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo? O homem sente, pois, a necessidade do bem para ser feliz; compreende que só o reino do bem pode dar a felicidade a que tanto aspira. Esse reinado ele o pressente, porquanto, instintivamente, tem fé na justiça de Deus e uma voz secreta lhe diz que uma nova era vai iniciar-se.
Como se dará isto? Uma vez que o reino do bem é incompatível com o egoísmo, é preciso que o egoísmo seja destruído. Ora, quem o pode destruir? A predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social; sem ela o homem só construirá sobre a areia. Que os esforços e, sobretudo, os exemplos de todos os homens de bem concorram, pois, para propagá-la; que não se desencorajem se virem uma recrudescência das más paixões. Elas são os inimigos do bem e, vendo o seu avanço, investem contra ele; mas Deus permitiu que, por seus próprios excessos, elas se destruíssem. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.
Acabo de dizer que sem a caridade o homem não constrói senão sobre a areia. Um exemplo nos fará compreender melhor.
Alguns homens bem-intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, julgaram encontrar o remédio para o mal em certos sistemas de reforma social. Com pequenas diferenças, o princípio é mais ou menos o mesmo em todos eles, seja qual for o nome que se lhes dê. Vida comunitária por ser a menos onerosa; comunidade de bens, para que todos tenham sua parte; participação de todos para a obra comum; nada de grandes riquezas, mas, também, nada de miséria. Isto era muito sedutor para quem, nada tendo, já via a bolsa do rico entrar no fundo social, sem calcular que a totalidade das riquezas, postas em comum, criaria uma miséria geral, em vez de uma miséria parcial; que a igualdade hoje estabelecida seria rompida amanhã pela mobilidade da população e pela diferença entre as aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igualdade de capacidades e de trabalho. Mas, não é esta a questão; não entra em minhas cogitações examinar o lado positivo e negativo desses sistemas. Faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e me proponho considerá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém e que se relaciona com o nosso assunto.
Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não tiveram em mira senão a organização da vida material de uma maneira proveitosa a todos. O objetivo é louvável, sem dúvida. Resta saber se, nesse edifício, não falta a única base que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.
A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade. Cada um devendo dar de si pessoalmente, ela requer o mais absoluto devotamento. Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo. Mas reconhecemos que o fundamento da caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo e o materialismo leva ao egoísmo. Um sistema que, por sua natureza e para sua estabilidade, requer virtudes morais no mais supremo grau, deve tomar seu ponto de partida no elemento espiritual. Pois bem! já que o lado material é o seu objetivo exclusivo, não só o elemento espiritual não é levado em consideração, como vários sistemas são fundados sobre uma doutrina materialista altamente confessada, ou sobre o panteísmo, espécie de materialismo disfarçado, verdadeiro adorno do belo nome de fraternidade. Mas a fraternidade, assim como a caridade, não se impõe nem se decreta; é preciso que esteja no coração e não será um sistema que a fará nascer, se lá ela não estiver; caso contrário o sistema ruirá e dará lugar à anarquia.
A experiência aí está para provar que não se sufocam nem as ambições, nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso assegurar-se da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e de abnegação. O egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vãs; como, então, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requeira a abnegação num grau tanto maior quanto tem, por princípio essencial, a solidariedade de todos para com cada um e de cada um para com todos? Alguns deixaram o torrão natal para ir fundar, a distância, colônias sob o regime da fraternidade; quiseram fugir do egoísmo que os esmagava, mas o egoísmo os seguiu e lá, onde se acham, encontraram exploradores e explorados, pois lhes falta a caridade. Imaginaram que fosse suficiente conduzir o maior número possível de criaturas, sem pensar que, ao mesmo tempo, levavam os vermes roedores de sua instituição, arruinada tão mais rapidamente porque não tinham em si nem força moral, nem força material suficientes.
O que lhes faltava não eram braços numerosos, mas corações sólidos. Infelizmente, muitos não os seguiram, porquanto, nada tendo feito alhures, julgaram estar liberados de certas obrigações pessoais. Viram apenas um alvo sedutor, sem perceberem a espinhosa rota para o alcançar. Decepcionados em suas esperanças, reconhecendo que, antes de gozar, era preciso trabalhar muito, sacrificar muito e sofrer bastante, tiveram por perspectiva o desânimo e o desespero. Sabeis o que sucedeu à maioria. Seu erro é terem querido construir um edifício começando pelo teto, antes de ter assentado fundamentos sólidos. Estudai a História e a causa da queda dos Estados mais florescentes e por toda parte vereis a mão do egoísmo, da cupidez e da ambição.
Sem a caridade, não há instituição humana estável; e não pode haver caridade nem fraternidade possíveis, na verdadeira acepção da palavra, sem a crença. Aplicai-vos, pois a desenvolver esses sentimentos que, engrandecendo-se, destruirão o egoísmo que vos mata. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas; os abusos, oriundos do personalismo, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade e, sobretudo, pregai pelo exemplo: é a âncora de salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do bem na Terra, que é o reino de Deus; sem ela, o que quer que façais, só criareis utopias, das quais só vos resultarão decepções.
Se o Espiritismo é uma verdade, se deve regenerar o mundo, é porque tem por base a caridade. Ele não vem derrubar os cultos nem estabelecer um novo; proclama e prova verdades comuns a todos, base de todas as religiões, sem se preocupar com detalhes. Não vem destruir senão uma coisa: o materialismo, que é a negação de toda religião; não vem pôr abaixo senão um templo: o do egoísmo e do orgulho; mas vem dar uma sanção prática a estas palavras do Cristo, que são toda a sua lei: "Amai ao vosso próximo como a vós mesmos." Não vos admireis, pois, de que ele tenha por adversários os adoradores do bezerro de ouro, cujos altares vem destruir. Tem naturalmente contra si os que acham sua moral incômoda, os que de bom grado teriam pactuado com os Espíritos e suas manifestações, se estes condescendessem em distraí-los; se não tivesse vindo rebaixar-lhes o orgulho, pregar-lhes a abnegação, o desinteresse e a humildade. Deixai-os dizer e fazer; as coisas não deixarão de seguir sua marcha, porque estão nos desígnios de Deus.
Por sua poderosa revelação, o Espiritismo vem, pois, apressar a reforma social. Por certo seus adversários rirão dessa pretensão e, contudo, ela nada tem de presunçosa. Demonstramos que a incredulidade, a simples dúvida em relação ao futuro, leva o homem a se concentrar na vida presente, o que muito naturalmente desenvolve o sentimento do egoísmo. O único remédio para o mal é concentrar a atenção sobre um outro ponto e confundi-lo, por assim dizer, a fim de que modifique seus hábitos.
Provando de maneira patente a existência do mundo invisível, o Espiritismo leva, forçosamente, a uma ordem de ideias bem diversa, porque alarga o horizonte moral limitado à Terra. A importância da vida corporal diminui à medida que cresce a da vida espiritual; colocando-nos naturalmente num outro ponto de vista, o que nos parecia uma montanha não se nos afigura maior do que um grão de areia. As vaidades, as ambições terrenas tornam-se puerilidades, brinquedos infantis em presença do futuro grandioso que nos aguarda. Prendendo-nos menos às coisas terrenas, menos nos satisfaremos a expensas dos outros, donde uma diminuição no sentimento do egoísmo.
O Espiritismo não se limita a provar o mundo invisível. Pelos exemplos que desdobra aos nossos olhos, ele no-lo mostra em sua realidade e não tal como a imaginação o havia feito conceber; ele no-lo revela povoado de seres felizes ou infelizes, mas prova que só a caridade, a soberana lei do Cristo, pode assegurar, a felicidade. Por outro lado, vemos a sociedade terrestre dilacerar-se mutuamente sob o império do egoísmo, ao passo que viveria feliz e pacífica sob o domínio da caridade. Com a caridade tudo é, pois, benefício para o homem: felicidade neste mundo e no outro. Não se trata mais, conforme a expressão de um materialista, de um sacrifício de tolos, mas, segundo a expressão do Cristo, de um dinheiro aplicado ao cêntuplo. Com o Espiritismo o homem compreende que tem tudo a ganhar se fizer o bem, e tudo a perder se praticar o mal. Ora, entre a certeza - eu não direi a chance - de perder ou ganhar, a escolha não pode ser duvidosa. Assim, a propagação da ideia espírita tende, necessariamente, a tornar melhores os homens uns para com os outros. O que ele faz hoje sobre os indivíduos, fará amanhã, em relação às massas, quando estiver divulgado de maneira geral. Tratemos, pois, de propagá-lo no interesse de todos.
Prevejo uma objeção que, segundo essas ideias, pode ser levantada: a de que a prática do bem seria um cálculo interesseiro. A isso respondo que a Igreja, prometendo as alegrias do céu ou ameaçando com as chamas do inferno, conduz ela própria os homens pela esperança e pelo temor; que o próprio Cristo afirmou que o que se der neste mundo será devolvido centuplicado. Realmente, haverá maior mérito em fazer-se o bem espontaneamente, sem pensar em suas consequências; mas, nem todos os homens já chegaram a esse estágio, e mais vale praticar o bem com esse estimulante do que não o praticar absolutamente.
Dizem que as pessoas que fazem o bem sem desígnio premeditado e, a bem dizer, sem se darem conta do fato, não têm mérito algum, desde que não se esforçaram por fazê-lo. É um erro. O homem não chega a nada sem esforço. Aquele que o faz espontaneamente nesta existência, teve de lutar na precedente, e o bem acabou por se identificar com ele; daí por que tudo lhe parece natural; o bem está neles como em outras pessoas estão as ideias, que, também elas, tiveram sua fonte num trabalho anterior. E ainda um dos problemas que o Espiritismo vem resolver. Os homens de bem tiveram também o mérito da luta; para eles a vitória já está alcançada; os outros ainda têm que conquistá-la. Eis por que, como as crianças, precisam de um estimulante, isto é, de uma meta a alcançar, ou, se o quiserdes, de um prêmio a conquistar.
Uma outra objeção mais séria é esta: se o Espiritismo produz todos esses resultados, os espíritas devem ser os primeiros a se aproveitarem deles. A abnegação, o devotamento, o desinteresse, a indulgência para com os outros, a abstenção absoluta de toda palavra ou de todo ato que possa prejudicar o próximo; numa palavra, a caridade em sua mais pura acepção deve ser a regra invariável de sua conduta. Não devem conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris susceptibilidades do amor-próprio; devem fazer o bem pelo bem, com modéstia e sem ostentação, praticando esta máxima do Cristo: "Que a vossa mão esquerda não saiba o que dá a vossa mão direita", a fim de que não se lhes aplique estes versos de Racine: Um benefício lançado em rosto vale sempre por uma ofensa.
Enfim, a mais perfeita harmonia deve reinar entre eles. Por que, então, se citam exemplos que parecem contradizer a eficácia dessas belas máximas?
No início das manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem lhes prever as consequências; a maior parte nelas não viu senão efeitos mais ou menos curiosos; mas quando daí saiu uma moral severa, deveres rigorosos a cumprir, muitos se sentiram sem forças para praticá-la e a ela se conformarem. Faltou-lhes coragem, devotamento, abnegação, humildade; em tais indivíduos a natureza corporal prevaleceu sobre a espiritual. Acreditaram, mas recuaram diante da execução. Não havia pois, na origem, senão espíritas, isto é, crentes; a filosofia e a moral abriram a essa ciência um horizonte novo, criando os espíritas praticantes; uns ficaram na retaguarda, os outros seguiram em frente.
Quanto mais a moral se sublimou, tanto mais realçou as imperfeições dos que não quiseram segui-la, assim como uma luz brilhante faz ressaltar as sombras; era um espelho: alguns não quiseram nele se olhar, ou, crendo nele se reconhecerem, preferiam atirar a pedra a quem lho mostrasse. Tal é ainda a causa de certas animosidades; mas, sinto-me feliz em dizer: são exceções, pequenas sombras sobre um quadro imenso, incapazes de alterar o seu brilho. Pertencem em grande parte ao que poderíamos chamar de espíritas da primeira formação. Quanto aos que se formaram depois e se formam diariamente, a grande maioria aceitou a Doutrina precisamente por causa de sua moral e de sua filosofia. Eis por que se esforçam em praticá-la.
Pretender que todos devessem tornar-se perfeitos, seria desconhecer a natureza da Humanidade; mas, ainda que não se tivessem despojado senão de algumas partes do homem velho, seria sempre um progresso, que deve ser levado em conta. São indesculpáveis aos olhos de Deus apenas aqueles que, estando devidamente esclarecidos, não o aproveitaram como deveriam. A estes, certamente, será pedida uma conta severa, da qual sofrerão as consequências já aqui na Terra, como temos visto numerosos exemplos. Mas, ao lado destes, em muitos outros se operou uma verdadeira metamorfose. Encontraram na crença espírita a força de vencer as más inclinações desde muito tempo arraigadas, de romper com velhos hábitos, de calar ressentimentos e inimizades, de tornar menores as distâncias sociais. Pedem milagres ao Espiritismo: eis os que ele produz.
Assim, pela força das coisas, o Espiritismo terá por consequência inevitável a melhoria moral; esta melhoria conduzirá à prática da caridade, e da caridade nascerá o sentimento da fraternidade. Quando os homens estiverem imbuídos dessas ideias, a elas conformarão suas instituições, e será assim que realizarão, naturalmente e sem abalos, todas as reformas desejáveis. E a base sobre a qual assentarão o edifício do futuro.
Essa transformação é inevitável, porque está conforme à lei do progresso; mas, se apenas seguir a marcha natural das coisas, sua realização poderá ainda demorar muito. Se acreditarmos na revelação dos Espíritos, está nos desígnios de Deus ativá-la e estamos nos tempos preditos para isso. A concordância das comunicações a esse respeito é um fato digno de nota; de todos os lados é dito que nos aproximamos da era nova e que grandes coisas irão cumprir-se. Todavia, seria um erro acreditar que o mundo está ameaçado por um cataclismo material. Examinando as palavras do Cristo, é evidente que nesta, como em muitas outras circunstâncias, ele falou de maneira alegórica. A renovação da Humanidade, o reino do bem sucedendo ao reino do mal são coisas bastante notáveis que podem realizar-se sem que haja necessidade de englobar o mundo num naufrágio universal, nem fazer que apareçam fenômenos extraordinários, nem derrogar as leis naturais. É sempre neste sentido que os Espíritos se têm exprimido.
Tendo a Terra alcançado o tempo marcado para se tornar uma morada feliz, elevando-se assim na hierarquia dos mundos, basta a Deus não mais permitir aos Espíritos imperfeitos que aqui se reencarnem; que daqui afaste os que, por orgulho, incredulidade e maus instintos constituem obstáculo ao progresso e perturbam a boa harmonia, como procedeis vós mesmos numa assembleia em que necessitais ter paz e tranquilidade e da qual afastais aqueles que a ela possam trazer desordem; como se expulsa de um país os malfeitores, que são degredados em regiões longínquas; que na raça, ou melhor, para nos servirmos das palavras do Cristo, na geração dos Espíritos enviados em expiação à Terra, desapareçam os que se mantiveram incorrigíveis, a fim de serem substituídos por uma geração de Espíritos mais adiantados. Para isto, basta uma geração de homens e a vontade de Deus, que pode, mediante acontecimentos inesperados, não obstante muito naturais, ativar sua partida daqui. Se, pois, como foi dito, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova geração de Espíritos melhores, e cada dia partindo as piores para não mais voltarem, é evidente que, em dado tempo, haverá uma renovação completa. O que acontecerá com os Espíritos exilados? Irão para mundos inferiores, onde expiarão o seu endurecimento por longos séculos de provas terríveis, pois que também eles são anjos rebeldes que menosprezaram o poder de Deus e se revoltaram contra suas leis, que o Cristo lhes viera recordar.vi
Seja como for, nada se faz bruscamente em a Natureza. A velha levedura deixará ainda, durante algum tempo, traços que se apagarão pouco a pouco. Quando os Espíritos nos dizem, e o fazem por toda parte, que nos aproximamos desse momento, não creiais que sejamos testemunhas de uma transformação visível; querem significar que estamos no momento da transição; que assistimos à partida dos antigos e à chegada dos novos, que virão fundar uma nova ordem de coisas, isto é, o reino da justiça e da caridade, que é o verdadeiro reino de Deus, predito pelos profetas, e cujas vias o Espiritismo vem preparar.
Como vedes, senhores, já estamos bem longe das mesas girantes e, contudo, apenas alguns anos nos separam desse berço do Espiritismo! Quem quer que tivesse sido bastante audacioso então para predizer o que hoje ele é, teria passado por insensato aos olhos dos próprios adeptos. Vendo uma pequena semente, quem poderia compreender, se não a tivesse visto, que dali sairia uma árvore imensa? Vendo a criança nascida no estábulo de uma pobre aldeia da Judéia, quem poderia imaginar que, sem fausto e sem poder mundano, sua simples voz abalaria o mundo, assistido somente por alguns pescadores ignorantes e pobres como Ele? Dá-se o mesmo com o Espiritismo que, saído de um humilde e vulgar fenômeno, já estende raízes em todas as direções, cujos ramos em breve albergarão a Terra inteira. E que as coisas vão depressa, quando Deus o quer; e quem não veria aí o dedo de Deus, considerando-se que nada acontece sem a sua vontade?
Vendo a marcha irresistível das coisas, podeis dizer também, como outrora os cruzados, marchando para a conquista da Terra Santa: Deus o quer! mas, com esta diferença: eles marchavam com o ferro e o fogo na mão, ao passo que não tendes por arma senão a caridade que, em vez de provocar ferimentos mortais, derrama um bálsamo salutar sobre os corações doloridos. E, com esta arma pacífica, que brilha aos olhos como um raio divino, e não como um ferro assassino, que semeia a esperança, e não o temor, tereis, dentro de alguns anos, levado ao aprisco da fé mais ovelhas desgarradas do que o fizeram vários séculos de violência e opressão. E com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo.
É uma quimera, um sonho fantástico o quadro que vos tracei? Não! a razão, a lógica, a experiência, tudo diz que é uma realidade.
Espíritas! Sois os pioneiros dessa grande obra; tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primeiros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai pelo exemplo; fazei que, em se vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vossa boca. A exemplo dos apóstolos, fazei milagres, pois Deus vos concedeu o dom. Não milagres para ferir os sentidos, mas milagres de caridade e de amor. Sede bons para com os vossos irmãos, sede bons para com todo mundo, sede bons para com os vossos inimigos! A exemplo dos apóstolos, expulsai os demônios, já que tendes poder para tanto, pois eles pululam em torno de vós: são os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que insuflam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia. Expulsai-os de vossos corações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. Fazei esses milagres e Deus vos abençoará e as gerações futuras vos bendirão, como as de agora abençoam os primeiros cristãos, muitos dos quais revivem entre vós para assistir e concorrer ao coroamento da obra do Cristo. Fazei esses milagres e vossos nomes serão inscritos gloriosamente nos anais do Espiritismo. Não ofusqueis esse brilho por sentimentos e atos indignos de verdadeiros espíritas, de espíritas cristãos. Despojai-vos, o quanto antes, de tudo quanto possa ainda restar em vós do velho levedo. Considerai que de um momento para outro, amanhã talvez, o anjo da morte pode vir bater à vossa porta e vos dizer: Deus te chama para que lhe prestes conta do que fizeste de sua palavra, da palavra de seu Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíritos. Ficai, pois, sempre prontos para partir e não façais como o viajor imprudente que é pego desprevenido. Fazei vossas provisões com antecipação, isto é, provisões de boas obras e de bons sentimentos, porquanto, infeliz daquele que o momento fatal surpreende com ódio, inveja ou ciúme no coração; terão por escolta os maus Espíritos, que se rejubilarão com as desgraças que o esperam, porque essas desgraças seriam a sua obra. E sabeis, espíritas, quais são essas desgraças: os próprios que as sofrem vêm até vós para descrever os seus sofrimentos. Aos que, ao contrário, se apresentarem puros, os bons Espíritos virão estender a mão, dizendo-lhes: Irmãos, sede bem-vindos às celestes moradas, onde vos esperam cânticos de alegria!
Vossos adversários poderão rir de vossas crenças nos Espíritos e em suas manifestações, mas não rirão das qualidades que dão essas crenças; não rirão quando virem inimigos se perdoando, em vez de se odiarem, a paz renascer entre parentes que se dividiam, o incrédulo de outrora fazendo preces, o homem violento e colérico mostrando-se brando e pacífico, o debochado se transformando em bom pai de família, o orgulhoso que se tornou humilde, o egoísta praticando a caridade; não rirão quando perceberem que já não têm a temer a vingança de seus inimigos que se tornaram espíritas; o rico não rirá quando verificar que o pobre não mais invejará sua fortuna e o pobre bendirá o rico que se tornou mais humano e mais generoso, em vez de ter ciúme dele; os chefes não rirão mais de seus subordinados e não os molestarão mais quando constatarem que se fizeram mais escrupulosos e mais conscienciosos no cumprimento de seus deveres. Enfim, os patrões encorajarão seus servidores e administradores, quando os virem, sob o império da fé espírita, mais fiéis, mais devotados e mais sinceros. Todos dirão que o Espiritismo é bom para alguma coisa, mesmo que seja apenas para salvaguardar seus interesses pessoais: tanto pior para os que não quiserem ver mais além. Sob o império dessa mesma fé, o militar é mais disciplinado, mais humano, mais fácil de ser conduzido; tem o sentimento do dever e obedece mais pela razão do que pelo temor. E o que constatam todos os chefes imbuídos desses princípios, e eles são numerosos. Por isso se empenham para que nenhum entrave se oponha à propagação dessas ideias entre os seus subordinados.
Eis, senhores que rides, o que produz o Espiritismo, esta utopia do século dezenove, parcialmente ainda, é verdade, mas cuja influência já se reconhece e logo compreenderão que têm tudo a ganhar com a sua promulgação; que sua influência é uma garantia de segurança para as relações sociais, por ser o mais poderoso freio às más paixões, às efervescências desordenadas, mostrando o laço de amor e de fraternidade que deve unir o grande ao pequeno e o pequeno ao grande. Fazei, pois, por vosso exemplo que logo se possa dizer: Praza a Deus que todos os homens sejam espíritas de coração!
Caros irmãos espíritas, venho mostrar-vos a rota, fazer-vos ver o objetivo. Possam minhas palavras, por mais fracas que sejam, permitir que compreendais a sua grandeza! Mas outros virão depois de mim, que vo-la mostrarão também, e cuja voz, mais poderosa que a minha, terá para as nações o estrondo retumbante da trombeta. Sim, meus irmãos, Espíritos, mensageiros de Deus para estabelecer o seu reino na Terra, logo surgirão entre vós e os conhecereis por sua sabedoria e pela autoridade de sua linguagem. À sua voz, os incrédulos e os ímpios serão tomados de admiração e de estupor, e curvarão a cabeça, pois não ousarão tratá-los de loucos. Meus irmãos, não vos posso revelar ainda tudo quanto vos prepara o futuro! Mas, aproxima-se o tempo em que todos os mistérios serão desvendados, para confundir os maus e glorificar os justos.
Enquanto ainda é tempo, revesti-vos, pois, da túnica branca: sufocai todas as discórdias, pois que as discórdias pertencem ao reino do mal, que vai ter fim. Que vos possais confundir todos numa mesma família e vos dar, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o nome de irmãos. Se, entre vós, houver dissidências, causas de antagonismo; se os grupos, que devem todos marchar para um objetivo comum, estiverem divididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem examinar quem cometeu os primeiros erros e me coloco, sem vacilar, do lado daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade, pois aquele a quem falta a caridade está sempre em erro, ainda que coberto de algum tipo de razão, porquanto Deus maldiz a quem diz a seu irmão: Raca. Os grupos são indivíduos coletivos que devem viver em paz, como os indivíduos, se, realmente, são espíritas; são os batalhões da grande falange. Ora, em que se tornaria uma falange, cujos batalhões se dividissem? Os que vissem os outros com olhos ciumentos provariam, só por isso, que estão sob má influência, desde que o Espírito do bem não pode produzir o mal. Como bem o sabeis, reconhece-se a árvore pelos seus frutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e do ciúme é um fruto envenenado que mata quem dele se nutre.
O que digo das dissidências entre os grupos, digo-o igualmente para as que pudessem existir entre os indivíduos. Em semelhante circunstância, a opinião de pessoas imparciais é sempre favorável àquele que dá provas de maior grandeza e generosidade. Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, a indulgência recíproca é uma consequência do princípio de caridade que nos leva a agir para com os outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco. Ora, sem indulgência não há caridade, sem caridade não há verdadeiro espírita. A moderação é um dos sinais característicos desse sentimento, como a acrimônia, como o rancor é a sua negação; com acrimônia e espírito vingativo estragam-se as melhores causas, mas com moderação sempre agimos dentro dos preceitos do bom direito. Se, pois, eu tivesse de opinar em uma divergência, eu me preocuparia menos com a causa e mais com a consequência. A causa, sobretudo em querelas de palavras, pode ser o resultado de um primeiro movimento, de que nem sempre se é senhor; a conduta ulterior dos dois adversários é o resultado da reflexão: eles agem de sangue-frio e é então que se forja o verdadeiro caráter normal de cada um. Uma cabeça ruim e um bom coração muitas vezes caminham juntos, mas rancor e bom coração são incompatíveis. Minha medida de apreciação seria, pois, a caridade, isto é, eu observaria aquele que falasse menos mal de seu adversário, que fosse mais moderado em suas recriminações. E com esta medida que Deus nos julgará, pois que Ele será indulgente para quem tiver sido indulgente e inflexível para quem tiver sido inflexível.
O caminho traçado pela caridade é claro, infalível e sem equívocos. Poder-se-ia defini-lo assim: "Sentimento de benevolência, de justiça e de indulgência para com o próximo, baseado no que quereríamos que o próximo nos fizesse." Tomando-a por guia, podemos estar certos de não nos afastar do reto caminho, daquele que conduz a Deus; quem quer que deseje, de maneira sincera e séria, trabalhar por sua própria melhoria, deve analisar a caridade em seus mais minuciosos detalhes e por ela conformar sua conduta, pois ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, pequenas ou grandes. Quando estivermos em dúvida sobre que partido tomar, no interesse alheio, basta que interroguemos a caridade e ela responderá sempre de maneira justa. Infelizmente escutamos, na maioria das vezes, a voz do egoísmo.
Sondai, pois, os refolhos de vossa alma, para arrancardes dela os últimos vestígios das más paixões, se ainda restarem; e se experimentardes algum ressentimento contra alguém, apressai-vos em abafá-lo e dizei: Irmão, esqueçamos o passado; os maus Espíritos nos haviam separado: que os bons nos reúnam! Se ele recusar a mão que lhe estendeis, oh! então o lamentai, pois Deus, por sua vez, lhe dirá: Por que pedes perdão, tu que não perdoaste? Cuidai, pois, para que se não vos possa aplicar estes dizeres fatais: E tarde demais!
Tais são, caros irmãos espíritas, os conselhos que tenho a vos dar. A confiança que houvestes por bem me conceder é uma garantia de que eles produzirão bons frutos. Os bons Espíritos que vos assistem vos dizem todos os dias as mesmas coisas, mas julguei um dever apresentá-las em conjunto, para melhor ressaltar as suas consequências. Venho, pois, em nome deles, lembrar-vos a prática da grande lei de amor e de fraternidade que em breve deverá reger o mundo e nele fazer reinarem a paz e a concórdia, sob o estandarte da caridade para com todos, sem acepção de seitas, de castas, nem de cores.
Com este estandarte, o Espiritismo será o traço de união que aproximará os homens divididos pelas crenças e pelos preconceitos mundanos; ele derrubará as mais fortes barreiras que separam os povos: o antagonismo nacional. À sombra dessa bandeira, que será o seu ponto de concentração, os homens se habituarão a ver irmãos naqueles que só viam como inimigos. Daqui até lá ainda haverá lutas, porque o mal não abandona facilmente sua presa, e os interesses materiais são tenazes. Sem dúvida não vereis com os olhos do corpo a realização dessa obra, para a qual concorreis, embora esse momento não esteja muito distante; ademais, os primeiros anos do século próximo devem assinalar essa era nova, cujo fim deste prepara seus caminhos. Mas gozareis, com os olhos do Espírito, o bem que tiverdes feito, como os mártires do Cristianismo rejubilaram-se vendo os frutos produzidos pelo sangue que derramaram. Coragem, pois, e perseverança. Não vos insurjais contra os obstáculos: um campo não se torna fértil sem suor. Assim como um pai, mesmo na velhice, constrói uma casa para seus filhos, crede que construís, para as gerações futuras, um templo à fraternidade universal, no qual as únicas vítimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho e todas as paixões más que ensanguentaram a Humanidade.
Bem sabeis, senhores, que a palavra caridade tem uma acepção muito ampla. Há caridade em pensamentos, em palavras, em ações; não consiste apenas na esmola. Alguém é caridoso em pensamentos sendo indulgente para com as faltas do próximo; caridoso em palavras, nada dizendo que possa prejudicar a outrem; caridoso em ações quando assiste o próximo na medida de suas forças. O pobre, que partilha seu naco de pão com outro mais pobre que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que aquele que dá do supérfluo, sem de nada se privar.
Quem quer que alimente contra o próximo sentimentos de ódio, de animosidade, de inveja, de rancor, falta com a caridade. A caridade é a antítese do egoísmo; a primeira é a abnegação da personalidade, o segundo é a exaltação da personalidade. Uma diz: Para vós em primeiro lugar, para mim depois; e o outro: Para mim antes, para vós se sobrar. A primeira está toda inteira nestas palavras do Cristo: "Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem." Numa palavra, aplica-se sem exceção a todas as relações sociais. Haveremos de convir que, se todos os membros de uma sociedade agissem de conformidade com esse princípio, haveria menos decepções na vida. Desde que dois homens estejam juntos, contraem, por isto mesmo, deveres recíprocos; se quiserem viver em paz, serão obrigados a se fazerem mútuas concessões. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações formam um todo coletivo que também tem suas obrigações respectivas. Tendes, pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as de cidade a cidade, de país a país. Essas relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo nacional. Com o egoísmo, prevalece o interesse pessoal, cada um vive para si, vendo no semelhante apenas um antagonista, um rival que pode concorrer conosco, que podemos explorar ou que pode nos explorar; aquele que fará o possível para chegar antes de nós: a vitória é do mais esperto e a sociedade - coisa triste de dizer, muitas vezes consagra essa vitória, o que faz com que ela se divida em duas classes principais: os exploradores e os explorados. Disso resulta um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substituí o egoísmo pela caridade e tudo se modificará; ninguém procurará fazer o mal ao seu vizinho; os ódios e os ciúmes se extinguirão por falta de combustível, e os homens viverão em paz, ajudando-se mutuamente em vez de se dilacerarem. Se a caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais serão fundadas sobre o princípio da solidariedade e da reciprocidade; o forte protegerá o fraco, em vez de o explorar.
E um belo sonho, dirão; infelizmente não passa de um sonho; o homem é egoísta por natureza, por necessidade e o será sempre. Se assim fosse, o que seria muito triste, é o caso de se perguntar com que objetivo o Cristo veio até nós pregar a caridade aos homens; equivaleria a pregar aos animais. Examinemos, contudo, a questão.
Há progresso do selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, abrandar os costumes dos selvagens? Mas, com que finalidade, se o homem é incorrigível? Estranha bizarria! Esperais corrigir selvagens e pensais que o homem civilizado não pode melhorar-se! Se o homem civilizado tivesse a pretensão de haver atingido o último limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os costumes, o caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, no entanto, os homens de outrora, também eles, acreditavam ter alcançado o último degrau. Que teria respondido um grão-senhor do tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia dispor de uma ordem de coisas melhor, mais equitativa, mais humana do que a então vigente? Que esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de castas e a igualdade do grande e do pequeno diante da lei? O audacioso que assim falasse talvez pagasse caro sua temeridade.
Disso concluímos que o homem é eminentemente perfectível, e que os mais adiantados hoje poderão parecer tão atrasados dentro de alguns séculos quanto o são os da Idade Média em relação a nós. Negar o fato seria negar o progresso, que é uma lei da Natureza.
Embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, deve-se convir que esse progresso se realizou principalmente no sentido intelectual. Por quê? Eis ainda um desses problemas que só ao Espiritismo estava dado explicar, mostrando-nos que a moral e a inteligência raramente caminham lado a lado; enquanto o homem dá alguns passos num deles, se retarda no outro. Mais tarde, porém, torna a ganhar o terreno que havia perdido, e as duas forças acabam por se equilibrar nas encarnações sucessivas. O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas, como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo? O homem sente, pois, a necessidade do bem para ser feliz; compreende que só o reino do bem pode dar a felicidade a que tanto aspira. Esse reinado ele o pressente, porquanto, instintivamente, tem fé na justiça de Deus e uma voz secreta lhe diz que uma nova era vai iniciar-se.
Como se dará isto? Uma vez que o reino do bem é incompatível com o egoísmo, é preciso que o egoísmo seja destruído. Ora, quem o pode destruir? A predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social; sem ela o homem só construirá sobre a areia. Que os esforços e, sobretudo, os exemplos de todos os homens de bem concorram, pois, para propagá-la; que não se desencorajem se virem uma recrudescência das más paixões. Elas são os inimigos do bem e, vendo o seu avanço, investem contra ele; mas Deus permitiu que, por seus próprios excessos, elas se destruíssem. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.
Acabo de dizer que sem a caridade o homem não constrói senão sobre a areia. Um exemplo nos fará compreender melhor.
Alguns homens bem-intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, julgaram encontrar o remédio para o mal em certos sistemas de reforma social. Com pequenas diferenças, o princípio é mais ou menos o mesmo em todos eles, seja qual for o nome que se lhes dê. Vida comunitária por ser a menos onerosa; comunidade de bens, para que todos tenham sua parte; participação de todos para a obra comum; nada de grandes riquezas, mas, também, nada de miséria. Isto era muito sedutor para quem, nada tendo, já via a bolsa do rico entrar no fundo social, sem calcular que a totalidade das riquezas, postas em comum, criaria uma miséria geral, em vez de uma miséria parcial; que a igualdade hoje estabelecida seria rompida amanhã pela mobilidade da população e pela diferença entre as aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igualdade de capacidades e de trabalho. Mas, não é esta a questão; não entra em minhas cogitações examinar o lado positivo e negativo desses sistemas. Faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e me proponho considerá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém e que se relaciona com o nosso assunto.
Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não tiveram em mira senão a organização da vida material de uma maneira proveitosa a todos. O objetivo é louvável, sem dúvida. Resta saber se, nesse edifício, não falta a única base que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.
A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade. Cada um devendo dar de si pessoalmente, ela requer o mais absoluto devotamento. Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo. Mas reconhecemos que o fundamento da caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo e o materialismo leva ao egoísmo. Um sistema que, por sua natureza e para sua estabilidade, requer virtudes morais no mais supremo grau, deve tomar seu ponto de partida no elemento espiritual. Pois bem! já que o lado material é o seu objetivo exclusivo, não só o elemento espiritual não é levado em consideração, como vários sistemas são fundados sobre uma doutrina materialista altamente confessada, ou sobre o panteísmo, espécie de materialismo disfarçado, verdadeiro adorno do belo nome de fraternidade. Mas a fraternidade, assim como a caridade, não se impõe nem se decreta; é preciso que esteja no coração e não será um sistema que a fará nascer, se lá ela não estiver; caso contrário o sistema ruirá e dará lugar à anarquia.
A experiência aí está para provar que não se sufocam nem as ambições, nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso assegurar-se da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e de abnegação. O egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vãs; como, então, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requeira a abnegação num grau tanto maior quanto tem, por princípio essencial, a solidariedade de todos para com cada um e de cada um para com todos? Alguns deixaram o torrão natal para ir fundar, a distância, colônias sob o regime da fraternidade; quiseram fugir do egoísmo que os esmagava, mas o egoísmo os seguiu e lá, onde se acham, encontraram exploradores e explorados, pois lhes falta a caridade. Imaginaram que fosse suficiente conduzir o maior número possível de criaturas, sem pensar que, ao mesmo tempo, levavam os vermes roedores de sua instituição, arruinada tão mais rapidamente porque não tinham em si nem força moral, nem força material suficientes.
O que lhes faltava não eram braços numerosos, mas corações sólidos. Infelizmente, muitos não os seguiram, porquanto, nada tendo feito alhures, julgaram estar liberados de certas obrigações pessoais. Viram apenas um alvo sedutor, sem perceberem a espinhosa rota para o alcançar. Decepcionados em suas esperanças, reconhecendo que, antes de gozar, era preciso trabalhar muito, sacrificar muito e sofrer bastante, tiveram por perspectiva o desânimo e o desespero. Sabeis o que sucedeu à maioria. Seu erro é terem querido construir um edifício começando pelo teto, antes de ter assentado fundamentos sólidos. Estudai a História e a causa da queda dos Estados mais florescentes e por toda parte vereis a mão do egoísmo, da cupidez e da ambição.
Sem a caridade, não há instituição humana estável; e não pode haver caridade nem fraternidade possíveis, na verdadeira acepção da palavra, sem a crença. Aplicai-vos, pois a desenvolver esses sentimentos que, engrandecendo-se, destruirão o egoísmo que vos mata. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas; os abusos, oriundos do personalismo, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade e, sobretudo, pregai pelo exemplo: é a âncora de salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do bem na Terra, que é o reino de Deus; sem ela, o que quer que façais, só criareis utopias, das quais só vos resultarão decepções.
Se o Espiritismo é uma verdade, se deve regenerar o mundo, é porque tem por base a caridade. Ele não vem derrubar os cultos nem estabelecer um novo; proclama e prova verdades comuns a todos, base de todas as religiões, sem se preocupar com detalhes. Não vem destruir senão uma coisa: o materialismo, que é a negação de toda religião; não vem pôr abaixo senão um templo: o do egoísmo e do orgulho; mas vem dar uma sanção prática a estas palavras do Cristo, que são toda a sua lei: "Amai ao vosso próximo como a vós mesmos." Não vos admireis, pois, de que ele tenha por adversários os adoradores do bezerro de ouro, cujos altares vem destruir. Tem naturalmente contra si os que acham sua moral incômoda, os que de bom grado teriam pactuado com os Espíritos e suas manifestações, se estes condescendessem em distraí-los; se não tivesse vindo rebaixar-lhes o orgulho, pregar-lhes a abnegação, o desinteresse e a humildade. Deixai-os dizer e fazer; as coisas não deixarão de seguir sua marcha, porque estão nos desígnios de Deus.
Por sua poderosa revelação, o Espiritismo vem, pois, apressar a reforma social. Por certo seus adversários rirão dessa pretensão e, contudo, ela nada tem de presunçosa. Demonstramos que a incredulidade, a simples dúvida em relação ao futuro, leva o homem a se concentrar na vida presente, o que muito naturalmente desenvolve o sentimento do egoísmo. O único remédio para o mal é concentrar a atenção sobre um outro ponto e confundi-lo, por assim dizer, a fim de que modifique seus hábitos.
Provando de maneira patente a existência do mundo invisível, o Espiritismo leva, forçosamente, a uma ordem de ideias bem diversa, porque alarga o horizonte moral limitado à Terra. A importância da vida corporal diminui à medida que cresce a da vida espiritual; colocando-nos naturalmente num outro ponto de vista, o que nos parecia uma montanha não se nos afigura maior do que um grão de areia. As vaidades, as ambições terrenas tornam-se puerilidades, brinquedos infantis em presença do futuro grandioso que nos aguarda. Prendendo-nos menos às coisas terrenas, menos nos satisfaremos a expensas dos outros, donde uma diminuição no sentimento do egoísmo.
O Espiritismo não se limita a provar o mundo invisível. Pelos exemplos que desdobra aos nossos olhos, ele no-lo mostra em sua realidade e não tal como a imaginação o havia feito conceber; ele no-lo revela povoado de seres felizes ou infelizes, mas prova que só a caridade, a soberana lei do Cristo, pode assegurar, a felicidade. Por outro lado, vemos a sociedade terrestre dilacerar-se mutuamente sob o império do egoísmo, ao passo que viveria feliz e pacífica sob o domínio da caridade. Com a caridade tudo é, pois, benefício para o homem: felicidade neste mundo e no outro. Não se trata mais, conforme a expressão de um materialista, de um sacrifício de tolos, mas, segundo a expressão do Cristo, de um dinheiro aplicado ao cêntuplo. Com o Espiritismo o homem compreende que tem tudo a ganhar se fizer o bem, e tudo a perder se praticar o mal. Ora, entre a certeza - eu não direi a chance - de perder ou ganhar, a escolha não pode ser duvidosa. Assim, a propagação da ideia espírita tende, necessariamente, a tornar melhores os homens uns para com os outros. O que ele faz hoje sobre os indivíduos, fará amanhã, em relação às massas, quando estiver divulgado de maneira geral. Tratemos, pois, de propagá-lo no interesse de todos.
Prevejo uma objeção que, segundo essas ideias, pode ser levantada: a de que a prática do bem seria um cálculo interesseiro. A isso respondo que a Igreja, prometendo as alegrias do céu ou ameaçando com as chamas do inferno, conduz ela própria os homens pela esperança e pelo temor; que o próprio Cristo afirmou que o que se der neste mundo será devolvido centuplicado. Realmente, haverá maior mérito em fazer-se o bem espontaneamente, sem pensar em suas consequências; mas, nem todos os homens já chegaram a esse estágio, e mais vale praticar o bem com esse estimulante do que não o praticar absolutamente.
Dizem que as pessoas que fazem o bem sem desígnio premeditado e, a bem dizer, sem se darem conta do fato, não têm mérito algum, desde que não se esforçaram por fazê-lo. É um erro. O homem não chega a nada sem esforço. Aquele que o faz espontaneamente nesta existência, teve de lutar na precedente, e o bem acabou por se identificar com ele; daí por que tudo lhe parece natural; o bem está neles como em outras pessoas estão as ideias, que, também elas, tiveram sua fonte num trabalho anterior. E ainda um dos problemas que o Espiritismo vem resolver. Os homens de bem tiveram também o mérito da luta; para eles a vitória já está alcançada; os outros ainda têm que conquistá-la. Eis por que, como as crianças, precisam de um estimulante, isto é, de uma meta a alcançar, ou, se o quiserdes, de um prêmio a conquistar.
Uma outra objeção mais séria é esta: se o Espiritismo produz todos esses resultados, os espíritas devem ser os primeiros a se aproveitarem deles. A abnegação, o devotamento, o desinteresse, a indulgência para com os outros, a abstenção absoluta de toda palavra ou de todo ato que possa prejudicar o próximo; numa palavra, a caridade em sua mais pura acepção deve ser a regra invariável de sua conduta. Não devem conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris susceptibilidades do amor-próprio; devem fazer o bem pelo bem, com modéstia e sem ostentação, praticando esta máxima do Cristo: "Que a vossa mão esquerda não saiba o que dá a vossa mão direita", a fim de que não se lhes aplique estes versos de Racine: Um benefício lançado em rosto vale sempre por uma ofensa.
Enfim, a mais perfeita harmonia deve reinar entre eles. Por que, então, se citam exemplos que parecem contradizer a eficácia dessas belas máximas?
No início das manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem lhes prever as consequências; a maior parte nelas não viu senão efeitos mais ou menos curiosos; mas quando daí saiu uma moral severa, deveres rigorosos a cumprir, muitos se sentiram sem forças para praticá-la e a ela se conformarem. Faltou-lhes coragem, devotamento, abnegação, humildade; em tais indivíduos a natureza corporal prevaleceu sobre a espiritual. Acreditaram, mas recuaram diante da execução. Não havia pois, na origem, senão espíritas, isto é, crentes; a filosofia e a moral abriram a essa ciência um horizonte novo, criando os espíritas praticantes; uns ficaram na retaguarda, os outros seguiram em frente.
Quanto mais a moral se sublimou, tanto mais realçou as imperfeições dos que não quiseram segui-la, assim como uma luz brilhante faz ressaltar as sombras; era um espelho: alguns não quiseram nele se olhar, ou, crendo nele se reconhecerem, preferiam atirar a pedra a quem lho mostrasse. Tal é ainda a causa de certas animosidades; mas, sinto-me feliz em dizer: são exceções, pequenas sombras sobre um quadro imenso, incapazes de alterar o seu brilho. Pertencem em grande parte ao que poderíamos chamar de espíritas da primeira formação. Quanto aos que se formaram depois e se formam diariamente, a grande maioria aceitou a Doutrina precisamente por causa de sua moral e de sua filosofia. Eis por que se esforçam em praticá-la.
Pretender que todos devessem tornar-se perfeitos, seria desconhecer a natureza da Humanidade; mas, ainda que não se tivessem despojado senão de algumas partes do homem velho, seria sempre um progresso, que deve ser levado em conta. São indesculpáveis aos olhos de Deus apenas aqueles que, estando devidamente esclarecidos, não o aproveitaram como deveriam. A estes, certamente, será pedida uma conta severa, da qual sofrerão as consequências já aqui na Terra, como temos visto numerosos exemplos. Mas, ao lado destes, em muitos outros se operou uma verdadeira metamorfose. Encontraram na crença espírita a força de vencer as más inclinações desde muito tempo arraigadas, de romper com velhos hábitos, de calar ressentimentos e inimizades, de tornar menores as distâncias sociais. Pedem milagres ao Espiritismo: eis os que ele produz.
Assim, pela força das coisas, o Espiritismo terá por consequência inevitável a melhoria moral; esta melhoria conduzirá à prática da caridade, e da caridade nascerá o sentimento da fraternidade. Quando os homens estiverem imbuídos dessas ideias, a elas conformarão suas instituições, e será assim que realizarão, naturalmente e sem abalos, todas as reformas desejáveis. E a base sobre a qual assentarão o edifício do futuro.
Essa transformação é inevitável, porque está conforme à lei do progresso; mas, se apenas seguir a marcha natural das coisas, sua realização poderá ainda demorar muito. Se acreditarmos na revelação dos Espíritos, está nos desígnios de Deus ativá-la e estamos nos tempos preditos para isso. A concordância das comunicações a esse respeito é um fato digno de nota; de todos os lados é dito que nos aproximamos da era nova e que grandes coisas irão cumprir-se. Todavia, seria um erro acreditar que o mundo está ameaçado por um cataclismo material. Examinando as palavras do Cristo, é evidente que nesta, como em muitas outras circunstâncias, ele falou de maneira alegórica. A renovação da Humanidade, o reino do bem sucedendo ao reino do mal são coisas bastante notáveis que podem realizar-se sem que haja necessidade de englobar o mundo num naufrágio universal, nem fazer que apareçam fenômenos extraordinários, nem derrogar as leis naturais. É sempre neste sentido que os Espíritos se têm exprimido.
Tendo a Terra alcançado o tempo marcado para se tornar uma morada feliz, elevando-se assim na hierarquia dos mundos, basta a Deus não mais permitir aos Espíritos imperfeitos que aqui se reencarnem; que daqui afaste os que, por orgulho, incredulidade e maus instintos constituem obstáculo ao progresso e perturbam a boa harmonia, como procedeis vós mesmos numa assembleia em que necessitais ter paz e tranquilidade e da qual afastais aqueles que a ela possam trazer desordem; como se expulsa de um país os malfeitores, que são degredados em regiões longínquas; que na raça, ou melhor, para nos servirmos das palavras do Cristo, na geração dos Espíritos enviados em expiação à Terra, desapareçam os que se mantiveram incorrigíveis, a fim de serem substituídos por uma geração de Espíritos mais adiantados. Para isto, basta uma geração de homens e a vontade de Deus, que pode, mediante acontecimentos inesperados, não obstante muito naturais, ativar sua partida daqui. Se, pois, como foi dito, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova geração de Espíritos melhores, e cada dia partindo as piores para não mais voltarem, é evidente que, em dado tempo, haverá uma renovação completa. O que acontecerá com os Espíritos exilados? Irão para mundos inferiores, onde expiarão o seu endurecimento por longos séculos de provas terríveis, pois que também eles são anjos rebeldes que menosprezaram o poder de Deus e se revoltaram contra suas leis, que o Cristo lhes viera recordar.vi
Seja como for, nada se faz bruscamente em a Natureza. A velha levedura deixará ainda, durante algum tempo, traços que se apagarão pouco a pouco. Quando os Espíritos nos dizem, e o fazem por toda parte, que nos aproximamos desse momento, não creiais que sejamos testemunhas de uma transformação visível; querem significar que estamos no momento da transição; que assistimos à partida dos antigos e à chegada dos novos, que virão fundar uma nova ordem de coisas, isto é, o reino da justiça e da caridade, que é o verdadeiro reino de Deus, predito pelos profetas, e cujas vias o Espiritismo vem preparar.
Como vedes, senhores, já estamos bem longe das mesas girantes e, contudo, apenas alguns anos nos separam desse berço do Espiritismo! Quem quer que tivesse sido bastante audacioso então para predizer o que hoje ele é, teria passado por insensato aos olhos dos próprios adeptos. Vendo uma pequena semente, quem poderia compreender, se não a tivesse visto, que dali sairia uma árvore imensa? Vendo a criança nascida no estábulo de uma pobre aldeia da Judéia, quem poderia imaginar que, sem fausto e sem poder mundano, sua simples voz abalaria o mundo, assistido somente por alguns pescadores ignorantes e pobres como Ele? Dá-se o mesmo com o Espiritismo que, saído de um humilde e vulgar fenômeno, já estende raízes em todas as direções, cujos ramos em breve albergarão a Terra inteira. E que as coisas vão depressa, quando Deus o quer; e quem não veria aí o dedo de Deus, considerando-se que nada acontece sem a sua vontade?
Vendo a marcha irresistível das coisas, podeis dizer também, como outrora os cruzados, marchando para a conquista da Terra Santa: Deus o quer! mas, com esta diferença: eles marchavam com o ferro e o fogo na mão, ao passo que não tendes por arma senão a caridade que, em vez de provocar ferimentos mortais, derrama um bálsamo salutar sobre os corações doloridos. E, com esta arma pacífica, que brilha aos olhos como um raio divino, e não como um ferro assassino, que semeia a esperança, e não o temor, tereis, dentro de alguns anos, levado ao aprisco da fé mais ovelhas desgarradas do que o fizeram vários séculos de violência e opressão. E com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo.
É uma quimera, um sonho fantástico o quadro que vos tracei? Não! a razão, a lógica, a experiência, tudo diz que é uma realidade.
Espíritas! Sois os pioneiros dessa grande obra; tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primeiros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai pelo exemplo; fazei que, em se vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vossa boca. A exemplo dos apóstolos, fazei milagres, pois Deus vos concedeu o dom. Não milagres para ferir os sentidos, mas milagres de caridade e de amor. Sede bons para com os vossos irmãos, sede bons para com todo mundo, sede bons para com os vossos inimigos! A exemplo dos apóstolos, expulsai os demônios, já que tendes poder para tanto, pois eles pululam em torno de vós: são os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que insuflam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia. Expulsai-os de vossos corações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. Fazei esses milagres e Deus vos abençoará e as gerações futuras vos bendirão, como as de agora abençoam os primeiros cristãos, muitos dos quais revivem entre vós para assistir e concorrer ao coroamento da obra do Cristo. Fazei esses milagres e vossos nomes serão inscritos gloriosamente nos anais do Espiritismo. Não ofusqueis esse brilho por sentimentos e atos indignos de verdadeiros espíritas, de espíritas cristãos. Despojai-vos, o quanto antes, de tudo quanto possa ainda restar em vós do velho levedo. Considerai que de um momento para outro, amanhã talvez, o anjo da morte pode vir bater à vossa porta e vos dizer: Deus te chama para que lhe prestes conta do que fizeste de sua palavra, da palavra de seu Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíritos. Ficai, pois, sempre prontos para partir e não façais como o viajor imprudente que é pego desprevenido. Fazei vossas provisões com antecipação, isto é, provisões de boas obras e de bons sentimentos, porquanto, infeliz daquele que o momento fatal surpreende com ódio, inveja ou ciúme no coração; terão por escolta os maus Espíritos, que se rejubilarão com as desgraças que o esperam, porque essas desgraças seriam a sua obra. E sabeis, espíritas, quais são essas desgraças: os próprios que as sofrem vêm até vós para descrever os seus sofrimentos. Aos que, ao contrário, se apresentarem puros, os bons Espíritos virão estender a mão, dizendo-lhes: Irmãos, sede bem-vindos às celestes moradas, onde vos esperam cânticos de alegria!
Vossos adversários poderão rir de vossas crenças nos Espíritos e em suas manifestações, mas não rirão das qualidades que dão essas crenças; não rirão quando virem inimigos se perdoando, em vez de se odiarem, a paz renascer entre parentes que se dividiam, o incrédulo de outrora fazendo preces, o homem violento e colérico mostrando-se brando e pacífico, o debochado se transformando em bom pai de família, o orgulhoso que se tornou humilde, o egoísta praticando a caridade; não rirão quando perceberem que já não têm a temer a vingança de seus inimigos que se tornaram espíritas; o rico não rirá quando verificar que o pobre não mais invejará sua fortuna e o pobre bendirá o rico que se tornou mais humano e mais generoso, em vez de ter ciúme dele; os chefes não rirão mais de seus subordinados e não os molestarão mais quando constatarem que se fizeram mais escrupulosos e mais conscienciosos no cumprimento de seus deveres. Enfim, os patrões encorajarão seus servidores e administradores, quando os virem, sob o império da fé espírita, mais fiéis, mais devotados e mais sinceros. Todos dirão que o Espiritismo é bom para alguma coisa, mesmo que seja apenas para salvaguardar seus interesses pessoais: tanto pior para os que não quiserem ver mais além. Sob o império dessa mesma fé, o militar é mais disciplinado, mais humano, mais fácil de ser conduzido; tem o sentimento do dever e obedece mais pela razão do que pelo temor. E o que constatam todos os chefes imbuídos desses princípios, e eles são numerosos. Por isso se empenham para que nenhum entrave se oponha à propagação dessas ideias entre os seus subordinados.
Eis, senhores que rides, o que produz o Espiritismo, esta utopia do século dezenove, parcialmente ainda, é verdade, mas cuja influência já se reconhece e logo compreenderão que têm tudo a ganhar com a sua promulgação; que sua influência é uma garantia de segurança para as relações sociais, por ser o mais poderoso freio às más paixões, às efervescências desordenadas, mostrando o laço de amor e de fraternidade que deve unir o grande ao pequeno e o pequeno ao grande. Fazei, pois, por vosso exemplo que logo se possa dizer: Praza a Deus que todos os homens sejam espíritas de coração!
Caros irmãos espíritas, venho mostrar-vos a rota, fazer-vos ver o objetivo. Possam minhas palavras, por mais fracas que sejam, permitir que compreendais a sua grandeza! Mas outros virão depois de mim, que vo-la mostrarão também, e cuja voz, mais poderosa que a minha, terá para as nações o estrondo retumbante da trombeta. Sim, meus irmãos, Espíritos, mensageiros de Deus para estabelecer o seu reino na Terra, logo surgirão entre vós e os conhecereis por sua sabedoria e pela autoridade de sua linguagem. À sua voz, os incrédulos e os ímpios serão tomados de admiração e de estupor, e curvarão a cabeça, pois não ousarão tratá-los de loucos. Meus irmãos, não vos posso revelar ainda tudo quanto vos prepara o futuro! Mas, aproxima-se o tempo em que todos os mistérios serão desvendados, para confundir os maus e glorificar os justos.
Enquanto ainda é tempo, revesti-vos, pois, da túnica branca: sufocai todas as discórdias, pois que as discórdias pertencem ao reino do mal, que vai ter fim. Que vos possais confundir todos numa mesma família e vos dar, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o nome de irmãos. Se, entre vós, houver dissidências, causas de antagonismo; se os grupos, que devem todos marchar para um objetivo comum, estiverem divididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem examinar quem cometeu os primeiros erros e me coloco, sem vacilar, do lado daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade, pois aquele a quem falta a caridade está sempre em erro, ainda que coberto de algum tipo de razão, porquanto Deus maldiz a quem diz a seu irmão: Raca. Os grupos são indivíduos coletivos que devem viver em paz, como os indivíduos, se, realmente, são espíritas; são os batalhões da grande falange. Ora, em que se tornaria uma falange, cujos batalhões se dividissem? Os que vissem os outros com olhos ciumentos provariam, só por isso, que estão sob má influência, desde que o Espírito do bem não pode produzir o mal. Como bem o sabeis, reconhece-se a árvore pelos seus frutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e do ciúme é um fruto envenenado que mata quem dele se nutre.
O que digo das dissidências entre os grupos, digo-o igualmente para as que pudessem existir entre os indivíduos. Em semelhante circunstância, a opinião de pessoas imparciais é sempre favorável àquele que dá provas de maior grandeza e generosidade. Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, a indulgência recíproca é uma consequência do princípio de caridade que nos leva a agir para com os outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco. Ora, sem indulgência não há caridade, sem caridade não há verdadeiro espírita. A moderação é um dos sinais característicos desse sentimento, como a acrimônia, como o rancor é a sua negação; com acrimônia e espírito vingativo estragam-se as melhores causas, mas com moderação sempre agimos dentro dos preceitos do bom direito. Se, pois, eu tivesse de opinar em uma divergência, eu me preocuparia menos com a causa e mais com a consequência. A causa, sobretudo em querelas de palavras, pode ser o resultado de um primeiro movimento, de que nem sempre se é senhor; a conduta ulterior dos dois adversários é o resultado da reflexão: eles agem de sangue-frio e é então que se forja o verdadeiro caráter normal de cada um. Uma cabeça ruim e um bom coração muitas vezes caminham juntos, mas rancor e bom coração são incompatíveis. Minha medida de apreciação seria, pois, a caridade, isto é, eu observaria aquele que falasse menos mal de seu adversário, que fosse mais moderado em suas recriminações. E com esta medida que Deus nos julgará, pois que Ele será indulgente para quem tiver sido indulgente e inflexível para quem tiver sido inflexível.
O caminho traçado pela caridade é claro, infalível e sem equívocos. Poder-se-ia defini-lo assim: "Sentimento de benevolência, de justiça e de indulgência para com o próximo, baseado no que quereríamos que o próximo nos fizesse." Tomando-a por guia, podemos estar certos de não nos afastar do reto caminho, daquele que conduz a Deus; quem quer que deseje, de maneira sincera e séria, trabalhar por sua própria melhoria, deve analisar a caridade em seus mais minuciosos detalhes e por ela conformar sua conduta, pois ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, pequenas ou grandes. Quando estivermos em dúvida sobre que partido tomar, no interesse alheio, basta que interroguemos a caridade e ela responderá sempre de maneira justa. Infelizmente escutamos, na maioria das vezes, a voz do egoísmo.
Sondai, pois, os refolhos de vossa alma, para arrancardes dela os últimos vestígios das más paixões, se ainda restarem; e se experimentardes algum ressentimento contra alguém, apressai-vos em abafá-lo e dizei: Irmão, esqueçamos o passado; os maus Espíritos nos haviam separado: que os bons nos reúnam! Se ele recusar a mão que lhe estendeis, oh! então o lamentai, pois Deus, por sua vez, lhe dirá: Por que pedes perdão, tu que não perdoaste? Cuidai, pois, para que se não vos possa aplicar estes dizeres fatais: E tarde demais!
Tais são, caros irmãos espíritas, os conselhos que tenho a vos dar. A confiança que houvestes por bem me conceder é uma garantia de que eles produzirão bons frutos. Os bons Espíritos que vos assistem vos dizem todos os dias as mesmas coisas, mas julguei um dever apresentá-las em conjunto, para melhor ressaltar as suas consequências. Venho, pois, em nome deles, lembrar-vos a prática da grande lei de amor e de fraternidade que em breve deverá reger o mundo e nele fazer reinarem a paz e a concórdia, sob o estandarte da caridade para com todos, sem acepção de seitas, de castas, nem de cores.
Com este estandarte, o Espiritismo será o traço de união que aproximará os homens divididos pelas crenças e pelos preconceitos mundanos; ele derrubará as mais fortes barreiras que separam os povos: o antagonismo nacional. À sombra dessa bandeira, que será o seu ponto de concentração, os homens se habituarão a ver irmãos naqueles que só viam como inimigos. Daqui até lá ainda haverá lutas, porque o mal não abandona facilmente sua presa, e os interesses materiais são tenazes. Sem dúvida não vereis com os olhos do corpo a realização dessa obra, para a qual concorreis, embora esse momento não esteja muito distante; ademais, os primeiros anos do século próximo devem assinalar essa era nova, cujo fim deste prepara seus caminhos. Mas gozareis, com os olhos do Espírito, o bem que tiverdes feito, como os mártires do Cristianismo rejubilaram-se vendo os frutos produzidos pelo sangue que derramaram. Coragem, pois, e perseverança. Não vos insurjais contra os obstáculos: um campo não se torna fértil sem suor. Assim como um pai, mesmo na velhice, constrói uma casa para seus filhos, crede que construís, para as gerações futuras, um templo à fraternidade universal, no qual as únicas vítimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho e todas as paixões más que ensanguentaram a Humanidade.
Instruções particulares dadas aos grupos em resposta a algumas questões propostas.
I
Há um ponto sobre o qual creio dever chamar toda a vossa atenção. Quero falar das surdas manobras dos adversários do Espiritismo que, depois de tê-lo atacado abertamente e em vão, procuram atingi-lo pelas costas. É uma tática contra a qual é preciso que estejais prevenidos.
Como sabeis, combateram o Espiritismo por todos os meios possíveis; atacaram-no em nome da razão, da Ciência, da religião. Nada deu certo. Tentaram despejar-lhe o ridículo a mancheias, mas o ridículo deslizou sobre ele como a água sobre o mármore. Não foram mais felizes com a ameaça e a perseguição; se encontraram alguns caniços, também se defrontaram com carvalhos que não puderam dobrar, nem conseguiram abalar nenhuma convicção. Acreditais que seus inimigos já se renderam? Não! Restam-lhes ainda dois meios, os últimos que, esperamos, não lhes servirão melhor, graças ao bom senso e à vigilância de todos os verdadeiros espíritas, que saberão preservar-se dos inimigos internos como foram capazes de repelir os de fora.
Não tendo podido lançar o ridículo sobre o Espiritismo, invulnerável sob a égide de sua sublime moral, tentam agora ridicularizar os espíritas, isto é, provocar atos ridículos da parte de certos espíritas ou que como tais se apresentam, responsabilizando a todos pelos atos de alguns. O que desejariam, sobretudo, era poder vincular os nomes de espírita, Espiritismo e médium aos de charlatães, prestidigitadores, necromantes e ledores de sorte, e não lhes será difícil encontrar comparsas complacentes para os ajudar, empregando sinais místicos ou cabalísticos para justificar o que ousaram afirmar em certos jornais: que os espíritas se entregam às práticas da magia e da feitiçaria, e que suas reuniões são cenas repetidas do Sabá. À vista de um cartaz de saltimbanco, anunciando representações de médiuns americanos ou outros, como anuncia o Hércules do Norte, eles se regozijam e gritam dos telhados que o respeitável Espiritismo está reduzido a exibir-se nos teatros de feiras.
Por certo os verdadeiros espíritas jamais lhes darão essa satisfação, e as pessoas razoáveis saberão sempre estabelecer diferenças entre o sério e o burlesco, o que não significa que não devam precaver-se contra toda incitação que pudesse dar lugar à crítica. Em semelhante caso, é preciso evitar-se até mesmo as aparências. Um ponto capital que dá um desmentido formal a essas alegações da maledicência, é o desinteresse. Que dizer de pessoas que fazem tudo por nada e por devotamento? Como tratá-los de charlatães, se nada exigem? Como poderão dizer que vivem do Espiritismo, como outros vivem da sua profissão? que, consequentemente, não têm nenhum interesse na fraude, já que sua crença, ao contrário, é uma oportunidade para sacrifícios e abnegação? que não buscam nem honras, nem lucros? Repito-o: o desinteresse moral e material será sempre a resposta mais peremptória a dar aos detratores da Doutrina. Eis por que eles ficariam muito satisfeitos se pudessem encontrar pretextos para subtrair-lhes esse prestígio, ainda que tivessem de pagar a algumas pessoas para representarem uma comédia. Agir de outra forma será, pois, fornecer-lhes armas. Quereis a prova? Eis o que se lê num artigo do Courrier de l'Est, jornal de Bar-le-Duc, e que tiveram o cuidado de transcrever no Courrier du Lot, jornal de Cahors, e em várias outras folhas que só esperam a ocasião para poder criticar-nos:
"...O Espiritismo tem por partidários três classes bem distintas de indivíduos: os que dele vivem, os que com ele se divertem e os que nele creem. Magistrados, médicos, gente séria, têm assim suas pequenas imperfeições, inocentes para eles, mas muito menos para a classe dos indivíduos que vivem do Espiritismo. Os médiuns formam hoje uma categoria de industriais não registrados e que, no entanto, fazem comércio, um verdadeiro comércio, como passarei a vos explicar...''''
Segue um longo artigo temperado de piadas pouco espirituosas, descrevendo uma sessão a que o autor assistiu e na qual se encontra a passagem seguinte, referente a uma mãe que pedia uma comunicação de sua filha: "E a mesa se dirigiu para a infeliz mãe, que se contorcia em espasmos nervosos. Quando se refez de , sua emoção, lhe deram uma cópia da mensagem; o preço: vinte francos, o que não é excessivo, já que se trata das palavras de uma filha adorada!"
A se dar crédito ao autor do artigo, a sessão não se desenvolveu de maneira a exigir muito respeito e recolhimento, pois ele acrescenta:
"O senhor que interrogava os Espíritos não me pareceu tão digno quanto o comportava a situação dos interlocutores; não dava mais importância às suas funções do que se estivesse desossando um pernil de carneiro na mesa de um albergue de Batignolles."
O mais deplorável é que tenha podido dizer que viu estabelecerem preços para as manifestações; mas não podemos senão lamentá-lo por julgar uma obra por sua paródia. Aliás, é isso que faz a maioria dos críticos; depois dizem: já vi.
Esses abusos, como disse, são exceções, e exceções raras; se falo disto com insistência, é porque são fatos que dão ensejo à maledicência, quando não decorrem de calculada malevolência. Ademais, eles não poderiam propagar-se em meio a uma imensa maioria constituída por pessoas sérias, que compreendem a verdadeira missão do Espiritismo e das obrigações que ele impõe; sua essência comporta a dignidade e a gravidade; é, pois, para eles um dever declinar qualquer solidariedade com os abusos que o pudessem comprometer e deixar claro que não se fariam campeões de tais fatos, nem diante da justiça, nem perante a opinião pública.
Mas este não é o único escolho. Eu disse que os adversários têm uma outra tática para alcançar seus fins: semear a desunião entre os adeptos, atiçando o fogo das pequenas paixões, dos ciúmes e dos rancores; fazendo nascer cismas; suscitando causas de antagonismo e de rivalidade entre os grupos, a fim de fragmentá-los. E não creiais que sejam os inimigos confessos que agirão assim; estes se resguardarão! São os pretensos amigos da Doutrina e, muitas vezes, os aparentemente mais calorosos; muitas vezes mesmo, com habilidade, farão que amigos verdadeiros, mas fracos, tirem castanhas do fogo com as próprias mãos, amigos que eles ludibriaram e que agirão de boa-fé e sem desconfiança. Lembrai-vos de que a luta não acabou e que o inimigo está ainda à vossa porta; permanecei alerta, a fim de que ele não vos pegue em falta. Em caso de incerteza, tendes um farol que não vos pode enganar: a caridade, que nunca é equívoca. Considerai, pois, como sendo de origem suspeita todo conselho, toda insinuação que tendesse a semear entre vós os germes da discórdia, e a vos desviar do reto caminho que vos ensina a caridade em tudo e por todos.
Como sabeis, combateram o Espiritismo por todos os meios possíveis; atacaram-no em nome da razão, da Ciência, da religião. Nada deu certo. Tentaram despejar-lhe o ridículo a mancheias, mas o ridículo deslizou sobre ele como a água sobre o mármore. Não foram mais felizes com a ameaça e a perseguição; se encontraram alguns caniços, também se defrontaram com carvalhos que não puderam dobrar, nem conseguiram abalar nenhuma convicção. Acreditais que seus inimigos já se renderam? Não! Restam-lhes ainda dois meios, os últimos que, esperamos, não lhes servirão melhor, graças ao bom senso e à vigilância de todos os verdadeiros espíritas, que saberão preservar-se dos inimigos internos como foram capazes de repelir os de fora.
Não tendo podido lançar o ridículo sobre o Espiritismo, invulnerável sob a égide de sua sublime moral, tentam agora ridicularizar os espíritas, isto é, provocar atos ridículos da parte de certos espíritas ou que como tais se apresentam, responsabilizando a todos pelos atos de alguns. O que desejariam, sobretudo, era poder vincular os nomes de espírita, Espiritismo e médium aos de charlatães, prestidigitadores, necromantes e ledores de sorte, e não lhes será difícil encontrar comparsas complacentes para os ajudar, empregando sinais místicos ou cabalísticos para justificar o que ousaram afirmar em certos jornais: que os espíritas se entregam às práticas da magia e da feitiçaria, e que suas reuniões são cenas repetidas do Sabá. À vista de um cartaz de saltimbanco, anunciando representações de médiuns americanos ou outros, como anuncia o Hércules do Norte, eles se regozijam e gritam dos telhados que o respeitável Espiritismo está reduzido a exibir-se nos teatros de feiras.
Por certo os verdadeiros espíritas jamais lhes darão essa satisfação, e as pessoas razoáveis saberão sempre estabelecer diferenças entre o sério e o burlesco, o que não significa que não devam precaver-se contra toda incitação que pudesse dar lugar à crítica. Em semelhante caso, é preciso evitar-se até mesmo as aparências. Um ponto capital que dá um desmentido formal a essas alegações da maledicência, é o desinteresse. Que dizer de pessoas que fazem tudo por nada e por devotamento? Como tratá-los de charlatães, se nada exigem? Como poderão dizer que vivem do Espiritismo, como outros vivem da sua profissão? que, consequentemente, não têm nenhum interesse na fraude, já que sua crença, ao contrário, é uma oportunidade para sacrifícios e abnegação? que não buscam nem honras, nem lucros? Repito-o: o desinteresse moral e material será sempre a resposta mais peremptória a dar aos detratores da Doutrina. Eis por que eles ficariam muito satisfeitos se pudessem encontrar pretextos para subtrair-lhes esse prestígio, ainda que tivessem de pagar a algumas pessoas para representarem uma comédia. Agir de outra forma será, pois, fornecer-lhes armas. Quereis a prova? Eis o que se lê num artigo do Courrier de l'Est, jornal de Bar-le-Duc, e que tiveram o cuidado de transcrever no Courrier du Lot, jornal de Cahors, e em várias outras folhas que só esperam a ocasião para poder criticar-nos:
"...O Espiritismo tem por partidários três classes bem distintas de indivíduos: os que dele vivem, os que com ele se divertem e os que nele creem. Magistrados, médicos, gente séria, têm assim suas pequenas imperfeições, inocentes para eles, mas muito menos para a classe dos indivíduos que vivem do Espiritismo. Os médiuns formam hoje uma categoria de industriais não registrados e que, no entanto, fazem comércio, um verdadeiro comércio, como passarei a vos explicar...''''
Segue um longo artigo temperado de piadas pouco espirituosas, descrevendo uma sessão a que o autor assistiu e na qual se encontra a passagem seguinte, referente a uma mãe que pedia uma comunicação de sua filha: "E a mesa se dirigiu para a infeliz mãe, que se contorcia em espasmos nervosos. Quando se refez de , sua emoção, lhe deram uma cópia da mensagem; o preço: vinte francos, o que não é excessivo, já que se trata das palavras de uma filha adorada!"
A se dar crédito ao autor do artigo, a sessão não se desenvolveu de maneira a exigir muito respeito e recolhimento, pois ele acrescenta:
"O senhor que interrogava os Espíritos não me pareceu tão digno quanto o comportava a situação dos interlocutores; não dava mais importância às suas funções do que se estivesse desossando um pernil de carneiro na mesa de um albergue de Batignolles."
O mais deplorável é que tenha podido dizer que viu estabelecerem preços para as manifestações; mas não podemos senão lamentá-lo por julgar uma obra por sua paródia. Aliás, é isso que faz a maioria dos críticos; depois dizem: já vi.
Esses abusos, como disse, são exceções, e exceções raras; se falo disto com insistência, é porque são fatos que dão ensejo à maledicência, quando não decorrem de calculada malevolência. Ademais, eles não poderiam propagar-se em meio a uma imensa maioria constituída por pessoas sérias, que compreendem a verdadeira missão do Espiritismo e das obrigações que ele impõe; sua essência comporta a dignidade e a gravidade; é, pois, para eles um dever declinar qualquer solidariedade com os abusos que o pudessem comprometer e deixar claro que não se fariam campeões de tais fatos, nem diante da justiça, nem perante a opinião pública.
Mas este não é o único escolho. Eu disse que os adversários têm uma outra tática para alcançar seus fins: semear a desunião entre os adeptos, atiçando o fogo das pequenas paixões, dos ciúmes e dos rancores; fazendo nascer cismas; suscitando causas de antagonismo e de rivalidade entre os grupos, a fim de fragmentá-los. E não creiais que sejam os inimigos confessos que agirão assim; estes se resguardarão! São os pretensos amigos da Doutrina e, muitas vezes, os aparentemente mais calorosos; muitas vezes mesmo, com habilidade, farão que amigos verdadeiros, mas fracos, tirem castanhas do fogo com as próprias mãos, amigos que eles ludibriaram e que agirão de boa-fé e sem desconfiança. Lembrai-vos de que a luta não acabou e que o inimigo está ainda à vossa porta; permanecei alerta, a fim de que ele não vos pegue em falta. Em caso de incerteza, tendes um farol que não vos pode enganar: a caridade, que nunca é equívoca. Considerai, pois, como sendo de origem suspeita todo conselho, toda insinuação que tendesse a semear entre vós os germes da discórdia, e a vos desviar do reto caminho que vos ensina a caridade em tudo e por todos.
II
Não seria desejável que os espíritas tivessem uma senha, um sinal qualquer para se reconhecerem quando se encontram?
Os espíritas não formam nem uma sociedade secreta, nem uma afiliação; não devem, pois, ter nenhum sinal secreto para serem reconhecidos. Como nada ensinam e nada praticam que não possa ser conhecido por todo mundo, nada têm a ocultar. Um sinal, uma senha, poderiam, aliás, ser usados por falsos irmãos, e nem por isso serieis mais adiantados.
Tendes uma senha que é compreendida de um extremo a outro do mundo: é a da caridade. Esta palavra é fácil de ser pronunciada por todos, mas a verdadeira caridade não pode ser falsificada. Pela prática da verdadeira caridade reconhecereis sempre um irmão, ainda que não seja espírita, e deveis estender-lhe a mão, porquanto, se ele não partilha de vossas crenças, nem por isso deixará de ser para vós menos benevolente e tolerante.
Um sinal de reconhecimento é, aliás, tanto menos necessário hoje quanto o Espiritismo não se oculta mais. Para aquele que não tem coragem de afirmar sua opinião, ele seria inútil, pois que dele não se serviria; para os outros, dão-se a conhecer falando sem temor.
Os espíritas não formam nem uma sociedade secreta, nem uma afiliação; não devem, pois, ter nenhum sinal secreto para serem reconhecidos. Como nada ensinam e nada praticam que não possa ser conhecido por todo mundo, nada têm a ocultar. Um sinal, uma senha, poderiam, aliás, ser usados por falsos irmãos, e nem por isso serieis mais adiantados.
Tendes uma senha que é compreendida de um extremo a outro do mundo: é a da caridade. Esta palavra é fácil de ser pronunciada por todos, mas a verdadeira caridade não pode ser falsificada. Pela prática da verdadeira caridade reconhecereis sempre um irmão, ainda que não seja espírita, e deveis estender-lhe a mão, porquanto, se ele não partilha de vossas crenças, nem por isso deixará de ser para vós menos benevolente e tolerante.
Um sinal de reconhecimento é, aliás, tanto menos necessário hoje quanto o Espiritismo não se oculta mais. Para aquele que não tem coragem de afirmar sua opinião, ele seria inútil, pois que dele não se serviria; para os outros, dão-se a conhecer falando sem temor.
III
Algumas pessoas veem no Espiritismo um perigo para as classes pouco esclarecidas, que, não o podendo compreender em sua pura essência, poderiam desnaturar-lhe o espírito e fazê-lo degenerar em superstição. Que lhes responder?
Poder-se-ia dizer outro tanto das coisas mais úteis. Se fosse possível suprimir tudo quanto se pode fazer mau uso, não sei bem o que restaria, a começar pela imprensa, com o auxílio da qual se podem espalhar doutrinas perniciosas, pela leitura, pela escrita. Poder-se-ia até perguntar a Deus por que deu língua a certas pessoas. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Se o Espiritismo tivesse saído da classe ignorante, ninguém duvida que a ele se teriam misturado muitas superstições; mas ele nasceu na classe esclarecida, e só depois de aí se ter elaborado e depurado foi que penetrou nas camadas inferiores, a elas chegando desembaraçado, pela experiência e pela observação, sem qualquer mistura prejudicial. O que poderia tornar-se realmente perigoso para o vulgo seria o charlatanismo. Por isso, todo cuidado é pouco em combater a exploração, fonte inevitável de abusos, por todos os meios possíveis.
Não estamos mais no tempo dos párias para as luzes, quando se dizia: isto é bom para uns, isto é bom para outros. A luz penetra na oficina e até na choupana, à medida que o sol da inteligência se eleva no horizonte e lança seus raios mais ardentes. As ideias espíritas seguem o movimento; estão no ar e ninguém tem o poder de detê-las; basta dirigir o seu curso. O ponto capital do Espiritismo é o lado moral; é aí que devemos envidar todos os nossos esforços para fazê-lo compreendido; e, coisa notável! é assim que ele é considerado agora, mesmo nas classes menos esclarecidas. Por isso seu efeito moralizador é manifesto. Eis um exemplo entre milhares:
Durante a minha estada em Lyon, assistindo a uma reunião espírita, um homem, por cujas roupas identifiquei um trabalhador, levantou-se no fundo da sala e disse: "Senhor, há seis meses eu não acreditava em Deus, nem no diabo, nem em minha alma; estava convencido de que quando morremos tudo se acaba; não temia as penas futuras, pois me parecia que tudo se findava com a vida. Devo dizer-vos que não orava, e que desde a minha primeira comunhão não voltei a pôr os pés numa igreja; além disso, eu era violento e exaltado. Enfim, nada temia, nem mesmo a justiça humana. Há seis meses, assim era eu. Foi então que o Espiritismo chegou; lutei durante dois meses; mas li, compreendi e não pude me furtar à evidência. Uma verdadeira revolução operou-se em mim. Hoje já não sou o mesmo homem; oro todos os dias e vou à igreja. Quanto ao meu caráter, perguntai aos meus camaradas se mudei! Outrora eu me irritava com tudo: um nada me exasperava; agora estou tranquilo e feliz, bendizendo a Deus por me ter enviado a luz."
Compreendeis do que é capaz um homem que chegou a ponto de não temer sequer a justiça humana? Negarão o efeito salutar do Espiritismo sobre ele? E há milhares como ele. Por mais iletrado que seja, não deixou de o compreender; é que o Espiritismo não é uma teoria abstrata, que só se dirige aos sábios; fala ao coração e, para compreender a linguagem do coração, não há necessidade de diploma. Fazei-o penetrar por este caminho, na mansarda e na choupana, e ele fará milagres.
Poder-se-ia dizer outro tanto das coisas mais úteis. Se fosse possível suprimir tudo quanto se pode fazer mau uso, não sei bem o que restaria, a começar pela imprensa, com o auxílio da qual se podem espalhar doutrinas perniciosas, pela leitura, pela escrita. Poder-se-ia até perguntar a Deus por que deu língua a certas pessoas. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Se o Espiritismo tivesse saído da classe ignorante, ninguém duvida que a ele se teriam misturado muitas superstições; mas ele nasceu na classe esclarecida, e só depois de aí se ter elaborado e depurado foi que penetrou nas camadas inferiores, a elas chegando desembaraçado, pela experiência e pela observação, sem qualquer mistura prejudicial. O que poderia tornar-se realmente perigoso para o vulgo seria o charlatanismo. Por isso, todo cuidado é pouco em combater a exploração, fonte inevitável de abusos, por todos os meios possíveis.
Não estamos mais no tempo dos párias para as luzes, quando se dizia: isto é bom para uns, isto é bom para outros. A luz penetra na oficina e até na choupana, à medida que o sol da inteligência se eleva no horizonte e lança seus raios mais ardentes. As ideias espíritas seguem o movimento; estão no ar e ninguém tem o poder de detê-las; basta dirigir o seu curso. O ponto capital do Espiritismo é o lado moral; é aí que devemos envidar todos os nossos esforços para fazê-lo compreendido; e, coisa notável! é assim que ele é considerado agora, mesmo nas classes menos esclarecidas. Por isso seu efeito moralizador é manifesto. Eis um exemplo entre milhares:
Durante a minha estada em Lyon, assistindo a uma reunião espírita, um homem, por cujas roupas identifiquei um trabalhador, levantou-se no fundo da sala e disse: "Senhor, há seis meses eu não acreditava em Deus, nem no diabo, nem em minha alma; estava convencido de que quando morremos tudo se acaba; não temia as penas futuras, pois me parecia que tudo se findava com a vida. Devo dizer-vos que não orava, e que desde a minha primeira comunhão não voltei a pôr os pés numa igreja; além disso, eu era violento e exaltado. Enfim, nada temia, nem mesmo a justiça humana. Há seis meses, assim era eu. Foi então que o Espiritismo chegou; lutei durante dois meses; mas li, compreendi e não pude me furtar à evidência. Uma verdadeira revolução operou-se em mim. Hoje já não sou o mesmo homem; oro todos os dias e vou à igreja. Quanto ao meu caráter, perguntai aos meus camaradas se mudei! Outrora eu me irritava com tudo: um nada me exasperava; agora estou tranquilo e feliz, bendizendo a Deus por me ter enviado a luz."
Compreendeis do que é capaz um homem que chegou a ponto de não temer sequer a justiça humana? Negarão o efeito salutar do Espiritismo sobre ele? E há milhares como ele. Por mais iletrado que seja, não deixou de o compreender; é que o Espiritismo não é uma teoria abstrata, que só se dirige aos sábios; fala ao coração e, para compreender a linguagem do coração, não há necessidade de diploma. Fazei-o penetrar por este caminho, na mansarda e na choupana, e ele fará milagres.
IV
Já que o Espiritismo torna melhores os homens, levando os descrentes à crença em Deus, na alma e na vida futura, ele só pode fazer o bem. Por que, então, tem inimigos e por que os que nele não creem não deixam os crentes em paz?
O Espiritismo tem inimigos, como toda ideia nova. Uma ideia que se implantasse sem oposição seria um fato miraculoso. Ainda mais: quanto mais falsa e absurda, menos adversários encontrará, enquanto os terá em número tanto maior quanto mais ela for verdadeira, justa e útil. Isto é uma consequência natural do estado atual da Humanidade. Toda ideia nova vem, necessariamente, suplantar uma ideia antiga. Se for falsa, ridícula ou impraticável, ninguém se inquietará com ela, porque, instintivamente, compreendem que não tem vitalidade e a deixam morrer naturalmente; mas, se for justa e fecunda, atemorizará aqueles que, por orgulho ou interesse material, estiverem interessados em manter a ideia antiga, e estes a combaterão com tanto mais ardor quanto mais temível lhes parecerem. Vede a História, a indústria, as ciências, as religiões: em toda parte encontrareis a aplicação deste princípio. Mas a História também vos dirá que, contra a verdade absoluta, nada pode prevalecer; ela se estabelece, quer queiram, quer não, quando os homens forem maduros para aceitá-la. É preciso então que seus adversários se acomodem, pois não podem agir de outro modo; e, coisa bizarra, muitas vezes eles se vangloriam de ter sido os primeiros que tiveram essa ideia.
Pode-se geralmente julgar da importância de uma ideia pela oposição que ela suscita. Suponhamos que, em chegando a um país desconhecido, tomais conhecimento de que o povo ali se prepara para repelir o inimigo que o quer invadir. Ora, se só enviam à fronteira quatro homens e um cabo, julgareis que o inimigo não é tão temível assim. Outro será o vosso raciocínio se enviarem numerosos batalhões com todo o seu aparato de guerra. Dá-se o mesmo com as ideias novas. Anunciai um sistema francamente ridículo e impossível, envolvendo os interesses maiores da sociedade e ninguém pensará em combatê-lo. Se, contudo, esse sistema for fundamentado na lógica e no bom senso, se recrutar adeptos, as pessoas inteligentes logo se inquietarão e todos quantos vivem sob a velha ordem vigente assestarão contra ele suas mais poderosas baterias. Tal é a história do Espiritismo. Os que o combatem com mais obstinação não o fazem como se lutassem contra uma ideia falsa; se assim fosse, por que se calariam diante de tantas outras? Combatem-no porque o Espiritismo os atemoriza. Ora, não se teme um mosquito, embora, algumas vezes, já se tenha visto um mosquito derrubar um leão.
Notai a sabedoria providencial em todas as coisas: nunca uma ideia nova de certa importância irrompe subitamente com toda a sua força; ela cresce e, pouco a pouco, se infiltra nos hábitos. Dá-se o mesmo com o Espiritismo, que podemos chamar, sem presunção, como a ideia capital do século dezenove; mais tarde verão se nos enganamos, a começar pelo inocente fenômeno das mesas girantes, tal como uma criança, com a qual brincaram seus mais rudes adversários; e de tanto brincarem, penetrou por toda parte. Mas a criança logo cresceu, hoje é adulta e ocupou o seu lugar no mundo filosófico. Já não brincam com ela; discutem-na e combatem-na. Se fosse uma mentira, uma utopia, não teria saído de suas fraldas.
O Espiritismo tem inimigos, como toda ideia nova. Uma ideia que se implantasse sem oposição seria um fato miraculoso. Ainda mais: quanto mais falsa e absurda, menos adversários encontrará, enquanto os terá em número tanto maior quanto mais ela for verdadeira, justa e útil. Isto é uma consequência natural do estado atual da Humanidade. Toda ideia nova vem, necessariamente, suplantar uma ideia antiga. Se for falsa, ridícula ou impraticável, ninguém se inquietará com ela, porque, instintivamente, compreendem que não tem vitalidade e a deixam morrer naturalmente; mas, se for justa e fecunda, atemorizará aqueles que, por orgulho ou interesse material, estiverem interessados em manter a ideia antiga, e estes a combaterão com tanto mais ardor quanto mais temível lhes parecerem. Vede a História, a indústria, as ciências, as religiões: em toda parte encontrareis a aplicação deste princípio. Mas a História também vos dirá que, contra a verdade absoluta, nada pode prevalecer; ela se estabelece, quer queiram, quer não, quando os homens forem maduros para aceitá-la. É preciso então que seus adversários se acomodem, pois não podem agir de outro modo; e, coisa bizarra, muitas vezes eles se vangloriam de ter sido os primeiros que tiveram essa ideia.
Pode-se geralmente julgar da importância de uma ideia pela oposição que ela suscita. Suponhamos que, em chegando a um país desconhecido, tomais conhecimento de que o povo ali se prepara para repelir o inimigo que o quer invadir. Ora, se só enviam à fronteira quatro homens e um cabo, julgareis que o inimigo não é tão temível assim. Outro será o vosso raciocínio se enviarem numerosos batalhões com todo o seu aparato de guerra. Dá-se o mesmo com as ideias novas. Anunciai um sistema francamente ridículo e impossível, envolvendo os interesses maiores da sociedade e ninguém pensará em combatê-lo. Se, contudo, esse sistema for fundamentado na lógica e no bom senso, se recrutar adeptos, as pessoas inteligentes logo se inquietarão e todos quantos vivem sob a velha ordem vigente assestarão contra ele suas mais poderosas baterias. Tal é a história do Espiritismo. Os que o combatem com mais obstinação não o fazem como se lutassem contra uma ideia falsa; se assim fosse, por que se calariam diante de tantas outras? Combatem-no porque o Espiritismo os atemoriza. Ora, não se teme um mosquito, embora, algumas vezes, já se tenha visto um mosquito derrubar um leão.
Notai a sabedoria providencial em todas as coisas: nunca uma ideia nova de certa importância irrompe subitamente com toda a sua força; ela cresce e, pouco a pouco, se infiltra nos hábitos. Dá-se o mesmo com o Espiritismo, que podemos chamar, sem presunção, como a ideia capital do século dezenove; mais tarde verão se nos enganamos, a começar pelo inocente fenômeno das mesas girantes, tal como uma criança, com a qual brincaram seus mais rudes adversários; e de tanto brincarem, penetrou por toda parte. Mas a criança logo cresceu, hoje é adulta e ocupou o seu lugar no mundo filosófico. Já não brincam com ela; discutem-na e combatem-na. Se fosse uma mentira, uma utopia, não teria saído de suas fraldas.
V
Se a crítica não impediu o Espiritismo de caminhar, seu progresso não teria sido ainda mais rápido se ele tivesse guardado o silêncio?
Caminhar mais depressa seria coisa difícil. Creio, ao contrário, que teria progredido menos, pois a crítica foi o seu maior propagandista. Avançando, apesar dos ataques, ele provou sua própria força, pois caminhou apoiando-se apenas em si mesmo, e não tendo por arma senão a força da ideia. O soldado que alcança o cume do reduto através de uma saraivada de balas não tem mais mérito do que aquele diante do qual o inimigo abrisse fileiras para o deixar passar? Com sua oposição, os adversários do Espiritismo deram-lhe o prestígio da luta e da vitória.
Caminhar mais depressa seria coisa difícil. Creio, ao contrário, que teria progredido menos, pois a crítica foi o seu maior propagandista. Avançando, apesar dos ataques, ele provou sua própria força, pois caminhou apoiando-se apenas em si mesmo, e não tendo por arma senão a força da ideia. O soldado que alcança o cume do reduto através de uma saraivada de balas não tem mais mérito do que aquele diante do qual o inimigo abrisse fileiras para o deixar passar? Com sua oposição, os adversários do Espiritismo deram-lhe o prestígio da luta e da vitória.
VI
Há uma coisa ainda mais prejudicial ao Espiritismo do que os ataques apaixonados de seus inimigos: é o que publicam, em seu nome, seus pretensos adeptos. Certas publicações são realmente lamentáveis, porque não podem dar do Espiritismo senão uma ideia falsa e expô-lo ao ridículo. E de se perguntar por que Deus permite essas coisas e não esclarece todos os homens de igual modo. Haverá algum meio de se remediar esse inconveniente, que nos parece um dos maiores escolhos da Doutrina?
Esta questão é grave e exige algumas explicações. Para começar, eu diria que não há uma única ideia, sobretudo quando tem certa importância, que não encontre obstáculos. O próprio Cristianismo não foi ferido na pessoa de seu chefe, tratado como impostor, e na de seus apóstolos? E mesmo entre os seus propagadores não havia criaturas terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado?
Em seguida eu observaria que o que encarais como um mal é, sem sombra de dúvida, um bem. Para o compreender não basta olhar o presente, mas, sobre tudo, o futuro. A Humanidade é afligida por muitos males que a corroem e que têm sua fonte no orgulho e no egoísmo. Esperais curá-la instantaneamente? Acreditais que essas paixões, que reinam soberanamente sobre ela, se deixarão destronar facilmente? Não; elas erguem a cabeça para morder os que a vêm perturbar em sua tranquilidade. Tal é, não duvideis, a causa de certas oposições. A moral do Espiritismo não convém a todo mundo; não ousando atacá-la, atacam sua fonte.
De fato o Espiritismo tem realizado numerosos milagres de reformas morais, mas pensar que essa transformação pudesse ser súbita e universal seria desconhecer a Humanidade. Entre os crentes há os que, como eu disse, só veem do Espiritismo a superfície, que não compreendem o seu objetivo essencial. Quer por falta de julgamento, quer por orgulho, dele aceitam apenas o que os lisonjeia, repelindo o que os humilha. Não é, pois, de admirar que alguns espíritas o tomem em sentido inverso. Isso pode ser lamentável no presente, porém não terá maiores consequências para o futuro.
Perguntais por que Deus não impede os erros. Perguntai-Lhe por que não criou perfeitos os homens, de imediato, em vez de lhes deixar o trabalho e o mérito de se aperfeiçoarem; por que não fez a criança já nascer adulta, dotada de raciocínio, esclarecida, em vez de deixá-la adquirir a experiência pela vivência; por que a árvore só atinge o pleno desenvolvimento após longos anos e o fruto só amadurece quando a estação propícia é chegada? Perguntai-Lhe por que o Cristianismo, que é sua lei e sua obra, sofreu tantas flutuações desde o seu nascimento; por que permitiu que os homens se servissem de seu nome sagrado para cometer tantos abusos, mesmo crimes e derramar tanto sangue? Nada se faz bruscamente em a Natureza; tudo marcha gradualmente conforme as leis imutáveis do Criador e essas leis conduzem sempre ao objetivo que Ele se propôs. Ora, a Humanidade na Terra é ainda jovem, malgrado a pretensão de seus doutores. O Espiritismo, também, mal acaba de nascer; cresce depressa, como vedes, e desfruta de excelente saúde. E preciso, contudo, que lhe deis tempo para atingir a idade viril. Eu vos disse também que os desvios de que vos lamentais têm seu lado bom; são os próprios Espíritos que o vêm explicar. Eis uma passagem de uma comunicação dada a respeito:
"Os espíritas esclarecidos devem felicitar-se pelo fato de as ideias falsas e contraditórias se revelarem agora, porque são combatidas, arruínam-se e se esgotam durante o período da infância do Espiritismo. Uma vez purgado de todas as coisas más, ele luzirá com um brilho mais vivo e marchará com passo mais firme quando tiver alcançado o seu pleno desenvolvimento."
A essa judiciosa apreciação, acrescento que é como uma criança que, depois de fazer suas diabruras, porta-se bem. Mas, para julgar o efeito dessas dissidências, basta observar o que se passa. Em que se apoiam? Em opiniões individuais, que podem reunir algumas pessoas, uma vez que não há ideia, por mais absurda que seja, que não encontre partidários. Mas, julga-se de seu valor pela preponderância que ela adquire. Ora, onde vedes as de que falamos com a mínima preponderância? Fizeram escola, ameaçaram pelo número de adeptos a bandeira que adotastes? Em parte alguma; longe disso, as ideias divergentes veem incessantemente seus partidários diminuindo, para aderirem à unidade que se faz lei para a imensa maioria, quando não para a unanimidade. De todos os sistemas que surgiram quando da origem das manifestações, quantos permanecem de pé? Entre esses sistemas existe um que, em certa cidade, havia adquirido enormes proporções; contai seus adeptos hoje. Acreditais que se fosse verdadeiro não teria crescido e absorvido seus concorrentes? Em semelhante caso, o assentimento do número é um índice que não pode enganar. Quanto a mim, vos declaro que, se a Doutrina da qual me fiz propagador fosse repelida de maneira unânime; se, em vez de crescer, eu a tivesse visto declinar; se outra teoria mais racional tivesse conquistado mais simpatias e assim demonstrasse, peremptoriamente, o erro do Espiritismo, eu veria como orgulhosa puerilidade aferrar-me a uma ideia falsa, porque, antes de tudo, a verdade não pode ser uma questão pessoal ou de amor-próprio, e eu seria o primeiro a vos dizer: "Meus irmãos: eis a luz; segui-a; eu vos dou o meu próprio exemplo."
Aliás, o erro leva consigo, quase sempre, o remédio; e seu reino não pode ser eterno. Mais cedo ou mais tarde, deslumbrado por alguns sucessos efêmeros, é tomado por uma espécie de vertigem e se curva ante as aberrações que precipitam sua queda. Isto é verdadeiro, do maior ao menor. Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob o manto do Espiritismo. Ao contrário, deveríeis abençoá-los, porquanto é por esses próprios excessos que o erro se perde. O que é que vos choca nesses escritos, que para vós constitui uma causa de repulsa e muitas vezes vos tem impedido de ir até o fim, senão o que fere violentamente o vosso bom senso? Se a falsidade das ideias não fosse tão evidente, tão chocante, talvez não as tivésseis percebido e nem mesmo vos teríeis deixado prender por elas, ao passo que fostes impressionados pelos erros manifestos, que são o seu antídoto.
Esses erros provêm quase sempre de Espíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editados seus devaneios e utopias pelos homens que conseguiram ludibriar, a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam em favor de alguns bons grãos em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos nem possuem o verdadeiro saber, nem a verdadeira sabedoria, não podem sustentar por muito tempo o seu papel, e sua ignorância os trai. Deus permite que escapem de suas comunicações erros tão grosseiros, coisas tão absurdas e mesmo tão ridículas, ideias nas quais as mais vulgares noções da Ciência demonstram de tal maneira a sua falsidade que, ao mesmo tempo, matam o sistema e o livro.
Indubitavelmente, seria preferível que só fossem publicados bons livros; mas, desde que não é assim, não temais para o futuro a influência dessas obras; podem, momentaneamente, acender um fogo de palha, mas, quando não se apoiam numa lógica rigorosa, vede em que se transformam, ao cabo de alguns anos e, muitas vezes, depois de poucos meses. Em semelhante caso, os livreiros são um termômetro infalível.
Isto me leva a dizer algumas palavras sobre a publicação das comunicações mediúnicas.
A publicação tanto pode ser útil, se feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas comunicações existem as que, por melhores que sejam, só interessam àqueles que as recebem, não oferecendo aos leitores estranhos senão banalidades. Outras apenas têm interesse pelas circunstâncias nas quais foram dadas, e sem o conhecimento das quais são insignificantes. Isto só traria inconvenientes para a bolsa do editor. Mas, ao lado disto, algumas há que são evidentemente más, no conteúdo e no estilo e que, sob nomes respeitáveis e apócrifos, contêm coisas absurdas ou triviais, o que muito naturalmente se presta ao ridículo e dá armas à crítica. E pior ainda quando, sob a proteção desses mesmos nomes, elas formulam sistemas excêntricos, ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente em publicar essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários, seja para refutar os erros, seja para lembrar que são a expressão de uma opinião individual, da qual não se assume a responsabilidade; poderiam mesmo ter um lado instrutivo, mostrando a que aberrações de ideias podem entregar-se certos Espíritos. Mas, publicá-las pura e simplesmente é apresentá-las como expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom senso não pode admitir; eis o inconveniente.
Como os Espíritos têm seu livre-arbítrio e sua opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que há escritos que a prudência e a conveniência mandam afastar. No interesse da Doutrina, convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhante caso, eliminando com cuidado tudo quanto possa, por uma causa qualquer, produzir má impressão. O médium, conformando-se a esta regra, poderia fazer uma coletânea muito instrutiva, que seria lida com interesse, ao passo que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento, poderia fazer vários volumes detestáveis, cujo menor inconveniente seria o de não serem lidos.
É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas, por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois, esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de boa-fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito, é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia.
Esta questão é grave e exige algumas explicações. Para começar, eu diria que não há uma única ideia, sobretudo quando tem certa importância, que não encontre obstáculos. O próprio Cristianismo não foi ferido na pessoa de seu chefe, tratado como impostor, e na de seus apóstolos? E mesmo entre os seus propagadores não havia criaturas terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado?
Em seguida eu observaria que o que encarais como um mal é, sem sombra de dúvida, um bem. Para o compreender não basta olhar o presente, mas, sobre tudo, o futuro. A Humanidade é afligida por muitos males que a corroem e que têm sua fonte no orgulho e no egoísmo. Esperais curá-la instantaneamente? Acreditais que essas paixões, que reinam soberanamente sobre ela, se deixarão destronar facilmente? Não; elas erguem a cabeça para morder os que a vêm perturbar em sua tranquilidade. Tal é, não duvideis, a causa de certas oposições. A moral do Espiritismo não convém a todo mundo; não ousando atacá-la, atacam sua fonte.
De fato o Espiritismo tem realizado numerosos milagres de reformas morais, mas pensar que essa transformação pudesse ser súbita e universal seria desconhecer a Humanidade. Entre os crentes há os que, como eu disse, só veem do Espiritismo a superfície, que não compreendem o seu objetivo essencial. Quer por falta de julgamento, quer por orgulho, dele aceitam apenas o que os lisonjeia, repelindo o que os humilha. Não é, pois, de admirar que alguns espíritas o tomem em sentido inverso. Isso pode ser lamentável no presente, porém não terá maiores consequências para o futuro.
Perguntais por que Deus não impede os erros. Perguntai-Lhe por que não criou perfeitos os homens, de imediato, em vez de lhes deixar o trabalho e o mérito de se aperfeiçoarem; por que não fez a criança já nascer adulta, dotada de raciocínio, esclarecida, em vez de deixá-la adquirir a experiência pela vivência; por que a árvore só atinge o pleno desenvolvimento após longos anos e o fruto só amadurece quando a estação propícia é chegada? Perguntai-Lhe por que o Cristianismo, que é sua lei e sua obra, sofreu tantas flutuações desde o seu nascimento; por que permitiu que os homens se servissem de seu nome sagrado para cometer tantos abusos, mesmo crimes e derramar tanto sangue? Nada se faz bruscamente em a Natureza; tudo marcha gradualmente conforme as leis imutáveis do Criador e essas leis conduzem sempre ao objetivo que Ele se propôs. Ora, a Humanidade na Terra é ainda jovem, malgrado a pretensão de seus doutores. O Espiritismo, também, mal acaba de nascer; cresce depressa, como vedes, e desfruta de excelente saúde. E preciso, contudo, que lhe deis tempo para atingir a idade viril. Eu vos disse também que os desvios de que vos lamentais têm seu lado bom; são os próprios Espíritos que o vêm explicar. Eis uma passagem de uma comunicação dada a respeito:
"Os espíritas esclarecidos devem felicitar-se pelo fato de as ideias falsas e contraditórias se revelarem agora, porque são combatidas, arruínam-se e se esgotam durante o período da infância do Espiritismo. Uma vez purgado de todas as coisas más, ele luzirá com um brilho mais vivo e marchará com passo mais firme quando tiver alcançado o seu pleno desenvolvimento."
A essa judiciosa apreciação, acrescento que é como uma criança que, depois de fazer suas diabruras, porta-se bem. Mas, para julgar o efeito dessas dissidências, basta observar o que se passa. Em que se apoiam? Em opiniões individuais, que podem reunir algumas pessoas, uma vez que não há ideia, por mais absurda que seja, que não encontre partidários. Mas, julga-se de seu valor pela preponderância que ela adquire. Ora, onde vedes as de que falamos com a mínima preponderância? Fizeram escola, ameaçaram pelo número de adeptos a bandeira que adotastes? Em parte alguma; longe disso, as ideias divergentes veem incessantemente seus partidários diminuindo, para aderirem à unidade que se faz lei para a imensa maioria, quando não para a unanimidade. De todos os sistemas que surgiram quando da origem das manifestações, quantos permanecem de pé? Entre esses sistemas existe um que, em certa cidade, havia adquirido enormes proporções; contai seus adeptos hoje. Acreditais que se fosse verdadeiro não teria crescido e absorvido seus concorrentes? Em semelhante caso, o assentimento do número é um índice que não pode enganar. Quanto a mim, vos declaro que, se a Doutrina da qual me fiz propagador fosse repelida de maneira unânime; se, em vez de crescer, eu a tivesse visto declinar; se outra teoria mais racional tivesse conquistado mais simpatias e assim demonstrasse, peremptoriamente, o erro do Espiritismo, eu veria como orgulhosa puerilidade aferrar-me a uma ideia falsa, porque, antes de tudo, a verdade não pode ser uma questão pessoal ou de amor-próprio, e eu seria o primeiro a vos dizer: "Meus irmãos: eis a luz; segui-a; eu vos dou o meu próprio exemplo."
Aliás, o erro leva consigo, quase sempre, o remédio; e seu reino não pode ser eterno. Mais cedo ou mais tarde, deslumbrado por alguns sucessos efêmeros, é tomado por uma espécie de vertigem e se curva ante as aberrações que precipitam sua queda. Isto é verdadeiro, do maior ao menor. Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob o manto do Espiritismo. Ao contrário, deveríeis abençoá-los, porquanto é por esses próprios excessos que o erro se perde. O que é que vos choca nesses escritos, que para vós constitui uma causa de repulsa e muitas vezes vos tem impedido de ir até o fim, senão o que fere violentamente o vosso bom senso? Se a falsidade das ideias não fosse tão evidente, tão chocante, talvez não as tivésseis percebido e nem mesmo vos teríeis deixado prender por elas, ao passo que fostes impressionados pelos erros manifestos, que são o seu antídoto.
Esses erros provêm quase sempre de Espíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editados seus devaneios e utopias pelos homens que conseguiram ludibriar, a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam em favor de alguns bons grãos em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos nem possuem o verdadeiro saber, nem a verdadeira sabedoria, não podem sustentar por muito tempo o seu papel, e sua ignorância os trai. Deus permite que escapem de suas comunicações erros tão grosseiros, coisas tão absurdas e mesmo tão ridículas, ideias nas quais as mais vulgares noções da Ciência demonstram de tal maneira a sua falsidade que, ao mesmo tempo, matam o sistema e o livro.
Indubitavelmente, seria preferível que só fossem publicados bons livros; mas, desde que não é assim, não temais para o futuro a influência dessas obras; podem, momentaneamente, acender um fogo de palha, mas, quando não se apoiam numa lógica rigorosa, vede em que se transformam, ao cabo de alguns anos e, muitas vezes, depois de poucos meses. Em semelhante caso, os livreiros são um termômetro infalível.
Isto me leva a dizer algumas palavras sobre a publicação das comunicações mediúnicas.
A publicação tanto pode ser útil, se feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas comunicações existem as que, por melhores que sejam, só interessam àqueles que as recebem, não oferecendo aos leitores estranhos senão banalidades. Outras apenas têm interesse pelas circunstâncias nas quais foram dadas, e sem o conhecimento das quais são insignificantes. Isto só traria inconvenientes para a bolsa do editor. Mas, ao lado disto, algumas há que são evidentemente más, no conteúdo e no estilo e que, sob nomes respeitáveis e apócrifos, contêm coisas absurdas ou triviais, o que muito naturalmente se presta ao ridículo e dá armas à crítica. E pior ainda quando, sob a proteção desses mesmos nomes, elas formulam sistemas excêntricos, ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente em publicar essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários, seja para refutar os erros, seja para lembrar que são a expressão de uma opinião individual, da qual não se assume a responsabilidade; poderiam mesmo ter um lado instrutivo, mostrando a que aberrações de ideias podem entregar-se certos Espíritos. Mas, publicá-las pura e simplesmente é apresentá-las como expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom senso não pode admitir; eis o inconveniente.
Como os Espíritos têm seu livre-arbítrio e sua opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que há escritos que a prudência e a conveniência mandam afastar. No interesse da Doutrina, convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhante caso, eliminando com cuidado tudo quanto possa, por uma causa qualquer, produzir má impressão. O médium, conformando-se a esta regra, poderia fazer uma coletânea muito instrutiva, que seria lida com interesse, ao passo que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento, poderia fazer vários volumes detestáveis, cujo menor inconveniente seria o de não serem lidos.
É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas, por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois, esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de boa-fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito, é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia.
I
Considerando-se os sábios ensinamentos dados pelos Espíritos e o grande
número de pessoas que são conduzidas a Deus por seus conselhos, como é
possível acreditar que seja obra do demônio?
Nesse caso, o demônio seria bem desastrado, porquanto, quem melhor do que ele para arrebatar os que não creem em Deus, nem em sua alma, nem na vida futura e, por conseguinte, fazer contra eles tudo quanto quisesse? E possível estar mais fora da Igreja do que aquele que em nada crê, embora batizado? O demônio não tem, pois, nada a fazer para atraí-lo e seria muito tolo se ele próprio conduzisse o incrédulo a Deus, à prece e a todas as crenças que o podem desviar do mal, pelo simples prazer de fazê-lo cair depois. Esta doutrina dá uma ideia muito triste do diabo, representado como um ser tão astuto, tornando-o, em verdade, bem pouco temível. O homem da fábula: O Pescador e o Peixinho, lembra-lhe o espírito. Que diriam de alguém que, tendo um pássaro numa gaiola, lhe restituísse a liberdade para o recapturar depois? Isto não é defensável. Mas há outra resposta mais séria.
Se apenas o demônio pode manifestar-se, fá-lo com ou sem a permissão de Deus. Se o faz sem essa permissão, é que é mais poderoso do que Deus; se é com sua permissão, é que Deus não é bom, já que oferece ao Espírito do mal, com exclusão de todos os outros, o poder de seduzir os homens, sem permitir que os bons Espíritos venham combater sua influência; isto nem seria um ato de bondade, nem de justiça. E seria pior ainda se, conforme a opinião dessas pessoas, a sorte dos homens estivesse irrevogavelmente fixada depois da morte, pois que Deus, então, precipitaria voluntariamente e com conhecimento de causa, suas criaturas nos tormentos eternos, armando-lhes verdadeiras ciladas. Não se podendo conceber Deus sem o infinito de seus atributos, restringir ou diminuir um só deles seria a sua negação, pois que isso implicaria a possibilidade da existência de um ser mais perfeito. Assim, essa doutrina se refuta por si mesma, gozando de pouco crédito, mesmo entre os indiferentes, para merecer qualquer consideração. Em breve seu tempo terá passado, e aqueles que a preconizam terminarão por abandoná-la, quando virem que ela lhes causa mais prejuízo do que benefícios.
Nesse caso, o demônio seria bem desastrado, porquanto, quem melhor do que ele para arrebatar os que não creem em Deus, nem em sua alma, nem na vida futura e, por conseguinte, fazer contra eles tudo quanto quisesse? E possível estar mais fora da Igreja do que aquele que em nada crê, embora batizado? O demônio não tem, pois, nada a fazer para atraí-lo e seria muito tolo se ele próprio conduzisse o incrédulo a Deus, à prece e a todas as crenças que o podem desviar do mal, pelo simples prazer de fazê-lo cair depois. Esta doutrina dá uma ideia muito triste do diabo, representado como um ser tão astuto, tornando-o, em verdade, bem pouco temível. O homem da fábula: O Pescador e o Peixinho, lembra-lhe o espírito. Que diriam de alguém que, tendo um pássaro numa gaiola, lhe restituísse a liberdade para o recapturar depois? Isto não é defensável. Mas há outra resposta mais séria.
Se apenas o demônio pode manifestar-se, fá-lo com ou sem a permissão de Deus. Se o faz sem essa permissão, é que é mais poderoso do que Deus; se é com sua permissão, é que Deus não é bom, já que oferece ao Espírito do mal, com exclusão de todos os outros, o poder de seduzir os homens, sem permitir que os bons Espíritos venham combater sua influência; isto nem seria um ato de bondade, nem de justiça. E seria pior ainda se, conforme a opinião dessas pessoas, a sorte dos homens estivesse irrevogavelmente fixada depois da morte, pois que Deus, então, precipitaria voluntariamente e com conhecimento de causa, suas criaturas nos tormentos eternos, armando-lhes verdadeiras ciladas. Não se podendo conceber Deus sem o infinito de seus atributos, restringir ou diminuir um só deles seria a sua negação, pois que isso implicaria a possibilidade da existência de um ser mais perfeito. Assim, essa doutrina se refuta por si mesma, gozando de pouco crédito, mesmo entre os indiferentes, para merecer qualquer consideração. Em breve seu tempo terá passado, e aqueles que a preconizam terminarão por abandoná-la, quando virem que ela lhes causa mais prejuízo do que benefícios.
VIII
O que se deve pensar da proibição de Moisés aos hebreus, para que não evoquem as almas dos mortos? Que consequência se poderia tirar do fato, relativamente às evocações atuais?
A primeira consequência a tirar-se dessa proibição é a de que é possível evocar as almas dos mortos e com elas conversar, porquanto a proibição de se fazer uma coisa implica a possibilidade de fazê-la. Seria necessário, por exemplo, fazer-se uma lei proibindo, a subida à Lua?vii
É realmente curioso ver-se os inimigos do Espiritismo reivindicarem ao passado o que julgam poder servir-lhes e repudiarem esse mesmo passado toda a vez em que ele não lhes convém. Se invocam a legislação de Moisés nesta circunstância, por que não reclamam a sua aplicação integral? Contudo, duvido que algum deles fosse tentado a fazer reviver o seu código, sobretudo o seu código penal draconiano, tão pródigo em penas de morte. Será que acham que Moisés teve razão em certos casos, e enganou-se em outros? Mas, então, por que estaria certo no que concerne às evocações? E, dizem, que Moisés fez leis apropriadas ao seu tempo e ao povo ignorante e indócil que conduzia; mas essas leis, boas naquele tempo, já não condizem com os nossos costumes e com a nossa inteligência. É exatamente o que dizemos em relação à proibição das evocações. Para interditá-la, deve ter tido um motivo. Ei-lo:
Os hebreus, no deserto, lamentavam vivamente as delícias do Egito e esta foi a causa das revoltas incessantes que Moisés, tantas vezes, não foi capaz de reprimir senão pelo extermínio; daí a excessiva severidade de suas leis. Nesse estado de coisas, viu-se forçado a fazer que seu povo rompesse com os usos e costumes que lhes pudessem lembrar o Egito. Ora, uma das práticas que os hebreus conservavam era a das evocações, praticadas naquele país desde tempos imemoriais. E isso não é tudo. Esse costume, que parecia ser bem compreendido e judiciosamente praticado na intimidade de pequeno número de iniciados nos mistérios, havia degenerado em abuso e superstição entre o povo, que nele via apenas uma arte de adivinhação, sem dúvida explorada pelos charlatães, como hoje em dia o fazem os ledores de sorte. O povo hebreu, ignorante e grosseiro, dele só tomara o aspecto abusivo. Proibindo-o, Moisés realizou um ato de boa política e sabedoria. Hoje, as coisas não são mais as mesmas, e o que podia ser outrora um inconveniente já não o é no estado atual da sociedade. Mas, nós também nos levantamos contra o abuso que se poderia fazer das relações com o além-túmulo e afirmamos que é um sacrilégio, não o fato de se estabelecerem relações com as almas dos que viveram na Terra, mas fazê-lo com leviandade, de maneira irreverente, ou por especulação. Eis por que o verdadeiro Espiritismo repudia tudo quanto pudesse tirar a essas relações seu caráter grave e religioso, pois que esta seria a verdadeira profanação. Desde que as almas podem comunicar-se, não o fazem senão com a permissão de Deus, e não há mal em fazer o que Deus permite. O mal, nesta como em todas as coisas, consiste no abuso e no mau emprego.
A primeira consequência a tirar-se dessa proibição é a de que é possível evocar as almas dos mortos e com elas conversar, porquanto a proibição de se fazer uma coisa implica a possibilidade de fazê-la. Seria necessário, por exemplo, fazer-se uma lei proibindo, a subida à Lua?vii
É realmente curioso ver-se os inimigos do Espiritismo reivindicarem ao passado o que julgam poder servir-lhes e repudiarem esse mesmo passado toda a vez em que ele não lhes convém. Se invocam a legislação de Moisés nesta circunstância, por que não reclamam a sua aplicação integral? Contudo, duvido que algum deles fosse tentado a fazer reviver o seu código, sobretudo o seu código penal draconiano, tão pródigo em penas de morte. Será que acham que Moisés teve razão em certos casos, e enganou-se em outros? Mas, então, por que estaria certo no que concerne às evocações? E, dizem, que Moisés fez leis apropriadas ao seu tempo e ao povo ignorante e indócil que conduzia; mas essas leis, boas naquele tempo, já não condizem com os nossos costumes e com a nossa inteligência. É exatamente o que dizemos em relação à proibição das evocações. Para interditá-la, deve ter tido um motivo. Ei-lo:
Os hebreus, no deserto, lamentavam vivamente as delícias do Egito e esta foi a causa das revoltas incessantes que Moisés, tantas vezes, não foi capaz de reprimir senão pelo extermínio; daí a excessiva severidade de suas leis. Nesse estado de coisas, viu-se forçado a fazer que seu povo rompesse com os usos e costumes que lhes pudessem lembrar o Egito. Ora, uma das práticas que os hebreus conservavam era a das evocações, praticadas naquele país desde tempos imemoriais. E isso não é tudo. Esse costume, que parecia ser bem compreendido e judiciosamente praticado na intimidade de pequeno número de iniciados nos mistérios, havia degenerado em abuso e superstição entre o povo, que nele via apenas uma arte de adivinhação, sem dúvida explorada pelos charlatães, como hoje em dia o fazem os ledores de sorte. O povo hebreu, ignorante e grosseiro, dele só tomara o aspecto abusivo. Proibindo-o, Moisés realizou um ato de boa política e sabedoria. Hoje, as coisas não são mais as mesmas, e o que podia ser outrora um inconveniente já não o é no estado atual da sociedade. Mas, nós também nos levantamos contra o abuso que se poderia fazer das relações com o além-túmulo e afirmamos que é um sacrilégio, não o fato de se estabelecerem relações com as almas dos que viveram na Terra, mas fazê-lo com leviandade, de maneira irreverente, ou por especulação. Eis por que o verdadeiro Espiritismo repudia tudo quanto pudesse tirar a essas relações seu caráter grave e religioso, pois que esta seria a verdadeira profanação. Desde que as almas podem comunicar-se, não o fazem senão com a permissão de Deus, e não há mal em fazer o que Deus permite. O mal, nesta como em todas as coisas, consiste no abuso e no mau emprego.
IX
Como podemos explicar esta passagem do Evangelho: "Haverá falsos Cristos e falsos profetas que realizarão grandes prodígios e coisas espantosas, a ponto de seduzir, se fosse possível, os próprios eleitos?" Os detratores do Espiritismo fazem dessa passagem uma arma contra os espíritas e os médiuns.
Se fôssemos recolher nos Evangelhos todas as passagens que se constituem em condenação para os adversários do Espiritismo, delas faríamos um volume. E, pois, no mínimo imprudente quem levanta uma questão que lhe pode cair sobre a cabeça, principalmente quando todas as vantagens estão do lado do Espiritismo.
Antes de mais, nem os espíritas, nem os médiuns se fazem passar por Cristos ou profetas; declaram que não fazem milagres para impressionar os sentidos, e que todos os fenômenos tangíveis produzidos por sua influência são efeitos que entram nas leis da Natureza, o que não é o caráter dos milagres. Portanto, se tivessem querido usurpar os privilégios dos profetas, não se teriam guardado de privar-se do mais poderoso prestígio: o dom dos milagres. Dando a explicação desses fenômenos, que, sem isso, poderiam passar por sobrenaturais aos olhos do povo, eles matam a falsa ambição que, em seu proveito, poderiam explorar.
Suponhamos que um homem se atribua a qualidade de profeta. Ora, não será fazendo o que fazem os médiuns que o provará, e nenhum espírita esclarecido se deixará enganar por isso. A esse título o Sr. Home, se tivesse sido um charlatão e um ambicioso, poderia ter-se dado ares de enviado celestial. Qual é, afinal, o caráter do verdadeiro profeta? O verdadeiro profeta é um enviado de Deus para advertir ou esclarecer a Humanidade. Ora, um enviado de Deus só pode ser um Espírito Superior e, como homem, um homem de bem. Será reconhecido por seus atos, que trarão o cunho de sua superioridade, e pelas grandes coisas que realizará pelo bem e para. o bem, e que revelarão sua missão, sobretudo às gerações futuras, pois que, conduzido muitas vezes e sem o saber por uma força superior, quase sempre se ignora a si mesmo. Não será, pois, ele que se atribuirá essa qualidade: são os homens que o reconhecerão como tal, as mais das vezes após a sua morte.
Se, pois, um homem quisesse fazer-se passar pela encarnação de tal ou qual profeta, deveria prová-lo pela eminência de suas qualidades morais, que em nada deveriam ser inferiores às daquele cujo nome se atribui. Ora, esse papel não é fácil de ser sustentado e nem sempre é agradável, uma vez que pode impor penosas privações e duros sacrifícios, mesmo o da vida. Há, neste momento, espalhados pelo mundo, vários pretensos Elias, Jeremias, Ezequiéis e outros, que dificilmente se adaptariam à vida do deserto, e que acham muito cômodo viver a expensas de suas ingênuas vítimas, graças ao nome que tomaram indevidamente. Há mesmo vários Cristos, como houve vários Luíses XVII, aos quais não falta senão uma coisa: a caridade, a abnegação, a humildade, a eminente superioridade moral; numa palavra, todas as virtudes do Cristo. Se, como ele, não tivessem onde repousar a cabeça, mas apenas uma cruz diante de si, bem depressa abdicariam de uma realeza tão pouco vantajosa neste mundo. Pela obra se reconhece o obreiro; que, pois, os que quiserem colocar-se acima da Humanidade, disso se mostrem dignos, caso não queiram ter a sorte do gaio que se enfeitou com as penas de pavão, ou do asno que vestiu a pele do leão. Uma queda humilhante os espera neste mundo e um dissabor mais terrível no outro, pois é ali que o que se eleva será humilhado.
Suponhamos, agora, que um homem dotado de grande força mediúnica ou magnética queira atribuir-se o título de profeta ou de Cristo. Fará prodígios a ponto de seduzir os próprios eleitos, isto é, alguns homens bons e de boa-fé; daqueles terá a aparência, mas lhes terá as virtudes? Aí está a verdadeira pedra de toque.
O Espiritismo também diz: Desconfiai dos falsos profetas! pois lhes vem arrancar as máscaras. E preciso que se saiba que ele repudia todas as mistificações e não cobre com o seu manto nenhum abuso que se cometa em seu nome.
Se fôssemos recolher nos Evangelhos todas as passagens que se constituem em condenação para os adversários do Espiritismo, delas faríamos um volume. E, pois, no mínimo imprudente quem levanta uma questão que lhe pode cair sobre a cabeça, principalmente quando todas as vantagens estão do lado do Espiritismo.
Antes de mais, nem os espíritas, nem os médiuns se fazem passar por Cristos ou profetas; declaram que não fazem milagres para impressionar os sentidos, e que todos os fenômenos tangíveis produzidos por sua influência são efeitos que entram nas leis da Natureza, o que não é o caráter dos milagres. Portanto, se tivessem querido usurpar os privilégios dos profetas, não se teriam guardado de privar-se do mais poderoso prestígio: o dom dos milagres. Dando a explicação desses fenômenos, que, sem isso, poderiam passar por sobrenaturais aos olhos do povo, eles matam a falsa ambição que, em seu proveito, poderiam explorar.
Suponhamos que um homem se atribua a qualidade de profeta. Ora, não será fazendo o que fazem os médiuns que o provará, e nenhum espírita esclarecido se deixará enganar por isso. A esse título o Sr. Home, se tivesse sido um charlatão e um ambicioso, poderia ter-se dado ares de enviado celestial. Qual é, afinal, o caráter do verdadeiro profeta? O verdadeiro profeta é um enviado de Deus para advertir ou esclarecer a Humanidade. Ora, um enviado de Deus só pode ser um Espírito Superior e, como homem, um homem de bem. Será reconhecido por seus atos, que trarão o cunho de sua superioridade, e pelas grandes coisas que realizará pelo bem e para. o bem, e que revelarão sua missão, sobretudo às gerações futuras, pois que, conduzido muitas vezes e sem o saber por uma força superior, quase sempre se ignora a si mesmo. Não será, pois, ele que se atribuirá essa qualidade: são os homens que o reconhecerão como tal, as mais das vezes após a sua morte.
Se, pois, um homem quisesse fazer-se passar pela encarnação de tal ou qual profeta, deveria prová-lo pela eminência de suas qualidades morais, que em nada deveriam ser inferiores às daquele cujo nome se atribui. Ora, esse papel não é fácil de ser sustentado e nem sempre é agradável, uma vez que pode impor penosas privações e duros sacrifícios, mesmo o da vida. Há, neste momento, espalhados pelo mundo, vários pretensos Elias, Jeremias, Ezequiéis e outros, que dificilmente se adaptariam à vida do deserto, e que acham muito cômodo viver a expensas de suas ingênuas vítimas, graças ao nome que tomaram indevidamente. Há mesmo vários Cristos, como houve vários Luíses XVII, aos quais não falta senão uma coisa: a caridade, a abnegação, a humildade, a eminente superioridade moral; numa palavra, todas as virtudes do Cristo. Se, como ele, não tivessem onde repousar a cabeça, mas apenas uma cruz diante de si, bem depressa abdicariam de uma realeza tão pouco vantajosa neste mundo. Pela obra se reconhece o obreiro; que, pois, os que quiserem colocar-se acima da Humanidade, disso se mostrem dignos, caso não queiram ter a sorte do gaio que se enfeitou com as penas de pavão, ou do asno que vestiu a pele do leão. Uma queda humilhante os espera neste mundo e um dissabor mais terrível no outro, pois é ali que o que se eleva será humilhado.
Suponhamos, agora, que um homem dotado de grande força mediúnica ou magnética queira atribuir-se o título de profeta ou de Cristo. Fará prodígios a ponto de seduzir os próprios eleitos, isto é, alguns homens bons e de boa-fé; daqueles terá a aparência, mas lhes terá as virtudes? Aí está a verdadeira pedra de toque.
O Espiritismo também diz: Desconfiai dos falsos profetas! pois lhes vem arrancar as máscaras. E preciso que se saiba que ele repudia todas as mistificações e não cobre com o seu manto nenhum abuso que se cometa em seu nome.
X
Em várias localidades solicitaram-me conselhos para a formação de grupos espíritas. Tenho pouca coisa a dizer a respeito, além das instruções contidas em O Livro dos Médiuns. Acrescentarei apenas algumas palavras.
A primeira condição é formar um grupo de pessoas sérias, por mais restrito que seja. Cinco ou seis membros esclarecidos, sinceros, penetrados das verdades da Doutrina e unidos pela mesma intenção, valem cem vezes mais do que a inclusão, nesse grupo, de curiosos e indiferentes. Em seguida, que esses membros fundadores estabeleçam um regulamento que se tornará em lei para os novos aderentes.
Esse regulamento é muito simples e quase só comporta medidas de disciplina interior, pois não exige os mesmos detalhes requeridos para uma sociedade numerosa e regularmente constituída. Cada grupo pode, pois, estabelecer-se como bem o entenda. Todavia, para maior facilidade e uniformidade, darei um modelo, que poderá ser modificado conforme as circunstâncias e as necessidades do lugar. Em todo o caso, o objetivo essencial proposto deve ser o recolhimento, a manutenção da mais perfeita ordem e o afastamento de qualquer pessoa que não estivesse animada de intenções sérias e pudesse transformar-se numa causa de perturbação. Eis por que nunca se seria demasiado severo em relação aos novos elementos a serem admitidos. Não temais que essa severidade prejudique a propagação do Espiritismo. Muito ao contrário: as reuniões sérias são as que fazem mais prosélitos. As reuniões frívolas, as que não são conduzidas com ordem e dignidade, nas quais o primeiro curioso que aparece pode vir despejar suas facécias, não inspiram nem atenção, nem respeito e delas os incrédulos saem menos convencidos do que ao entrarem. Estas reuniões fazem a alegria dos inimigos do Espiritismo, ao passo que as outras são o seu pesadelo e eu conheço pessoas que veriam de bom grado a sua multiplicação, contanto que as outras desaparecessem. Felizmente, é o contrário que acontece. É preciso, além disso, persuadir-se de que o desejo de ser admitido nas reuniões sérias aumenta em razão da dificuldade. Quanto à propaganda, ela se faz bem menos pelo numero dos assistentes, que uma ou duas sessões não podem convencer, do que pelo estudo prévio e pela conduta dos membros fora das reuniões.
Excluir as mulheres seria injuriar sua capacidade de julgamento que, seja dito sem lisonja, muitas vezes leva vantagem sobre a de certos homens e até mesmo sobre a de alguns críticos ilustres. Sua presença exige uma observação mais rigorosa das leis de urbanidade e interdita o desleixo comum às reuniões compostas exclusivamente de homens. Além disso, por que privá-las da influência moralizadora do Espiritismo? A mulher sinceramente espírita só poderá ser uma boa filha, boa esposa e boa mãe de família; por sua própria posição, muitas vezes tem mais necessidade do que qualquer outra pessoa das sublimes consolações; será mais forte e mais resignada nas provas da vida. Aliás, não se sabe que os Espíritos só têm sexo para a encarnação? Se a igualdade dos direitos da mulher deve ser reconhecida em alguma parte, seguramente deve ser entre os espíritas, e a propagação do Espiritismo apressará, infalivelmente, a abolição dos privilégios que o homem a si mesmo concedeu pelo direito do mais forte. O advento do Espiritismo marcará a era da emancipação legal da mulher.
Tampouco deveis recear a admissão dos jovens. A gravidade da assembleia refletir-se-á em seu caráter; eles se tornarão mais sérios e ainda cedo poderão haurir, no ensino dos bons Espíritos, esta fé viva em Deus e no futuro, esse sentimento dos deveres da família, que os tornarão mais dóceis, mais respeitosos, e que modera a efervescência das paixões.
Quanto às formalidades legais, não há, na França, nenhuma a preencher para as reuniões que não excedam a vinte pessoas. Além deste número, as reuniões regulares e periódicas devem ser autorizadas, salvo uma tolerância, que não pode ser vista como um direito, de que desfruta a maior parte dos grupos espíritas, em razão de seu caráter pacífico, exclusivamente moral e, também, porque não constituem associações nem afiliações. Em qualquer circunstância, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, caso para isso sejam solicitados.
Recentemente formaram-se alguns grupos especiais, cuja multiplicação jamais deixaríamos de encorajar: são os denominados grupos de ensino. Neles, ocupam-se pouco ou nada das manifestações, mas, sim, da leitura e da explicação de O Livro dos Espíritos, de ‘O Livro dos Médiuns’ e de artigos da Revista Espírita. Algumas pessoas devotadas reúnem com esse objetivo certo número de ouvintes, suprindo para eles as dificuldades de ler e estudar por si mesmos. Aplaudimos de todo o coração essa iniciativa que, esperamos, terá imitadores e não poderá, em se desenvolvendo, deixar de produzir os mais felizes resultados. Para isso não se tem necessidade de ser orador ou professor; é uma leitura em família, seguida de algumas explicações sem pretensão à eloquência, e que está ao alcance de toda gente.
Sem fazer disso objeto de ocupação exclusiva, muitos grupos têm por hábito iniciar as sessões pela leitura de algumas passagens de O Livro dos Espíritos ou de O Livro dos Médiuns. Ficaríamos contentes se víssemos essa prática adotada por todos eles, cuja eficácia é chamar a atenção para princípios que poderiam ser mal compreendidos ou passar despercebidos. Neste caso, é útil que os dirigentes, ou presidentes dos grupos, preparem previamente as passagens que deverão constituir o objeto da leitura, a fim de adequar essa escolha às circunstâncias.
Espero que não achem ruim que eu indique essas obras como base do ensino, uma vez que são as únicas em que a ciência espírita está desenvolvida em todas as suas partes e de maneira metódica; mas, incorreria em erro quem me julgasse exclusivo a ponto de repelir outras obras, entre as quais, muitas, seguramente, merecem as simpatias de todos os bons espíritas. Ademais, num estudo completo é preciso examinar-se tudo, mesmo aquilo que for mau. Considero também como muito útil a leitura das críticas, para delas fazer ressaltar o vazio e a falta de lógica; com certeza não há nelas uma só que seja capaz de abalar a fé de um espírita sincero; não podem senão fortalecê-la, pois muitas vezes já fizeram que nascesse nos incrédulos que se deram ao trabalho de compará-las. Dá-se o mesmo com certas obras que, embora feitas com um objetivo sério, não deixam de conter erros manifestos ou excentricidades, que devem ser destacados.
Eis um outro hábito, cuja adoção não é menos útil. É essencial que cada grupo recolha e passe a limpo as comunicações obtidas, a fim de a elas facilmente recorrer em caso de necessidade. Os Espíritos que vissem desprezadas suas instruções logo abandonariam as reuniões; mas é necessário, sobretudo, que se faça à parte uma coletânea especial, organizada e clara, das comunicações mais belas e mais instrutivas, e reler algumas delas em cada sessão, a fim de aproveitá-las melhor.
A primeira condição é formar um grupo de pessoas sérias, por mais restrito que seja. Cinco ou seis membros esclarecidos, sinceros, penetrados das verdades da Doutrina e unidos pela mesma intenção, valem cem vezes mais do que a inclusão, nesse grupo, de curiosos e indiferentes. Em seguida, que esses membros fundadores estabeleçam um regulamento que se tornará em lei para os novos aderentes.
Esse regulamento é muito simples e quase só comporta medidas de disciplina interior, pois não exige os mesmos detalhes requeridos para uma sociedade numerosa e regularmente constituída. Cada grupo pode, pois, estabelecer-se como bem o entenda. Todavia, para maior facilidade e uniformidade, darei um modelo, que poderá ser modificado conforme as circunstâncias e as necessidades do lugar. Em todo o caso, o objetivo essencial proposto deve ser o recolhimento, a manutenção da mais perfeita ordem e o afastamento de qualquer pessoa que não estivesse animada de intenções sérias e pudesse transformar-se numa causa de perturbação. Eis por que nunca se seria demasiado severo em relação aos novos elementos a serem admitidos. Não temais que essa severidade prejudique a propagação do Espiritismo. Muito ao contrário: as reuniões sérias são as que fazem mais prosélitos. As reuniões frívolas, as que não são conduzidas com ordem e dignidade, nas quais o primeiro curioso que aparece pode vir despejar suas facécias, não inspiram nem atenção, nem respeito e delas os incrédulos saem menos convencidos do que ao entrarem. Estas reuniões fazem a alegria dos inimigos do Espiritismo, ao passo que as outras são o seu pesadelo e eu conheço pessoas que veriam de bom grado a sua multiplicação, contanto que as outras desaparecessem. Felizmente, é o contrário que acontece. É preciso, além disso, persuadir-se de que o desejo de ser admitido nas reuniões sérias aumenta em razão da dificuldade. Quanto à propaganda, ela se faz bem menos pelo numero dos assistentes, que uma ou duas sessões não podem convencer, do que pelo estudo prévio e pela conduta dos membros fora das reuniões.
Excluir as mulheres seria injuriar sua capacidade de julgamento que, seja dito sem lisonja, muitas vezes leva vantagem sobre a de certos homens e até mesmo sobre a de alguns críticos ilustres. Sua presença exige uma observação mais rigorosa das leis de urbanidade e interdita o desleixo comum às reuniões compostas exclusivamente de homens. Além disso, por que privá-las da influência moralizadora do Espiritismo? A mulher sinceramente espírita só poderá ser uma boa filha, boa esposa e boa mãe de família; por sua própria posição, muitas vezes tem mais necessidade do que qualquer outra pessoa das sublimes consolações; será mais forte e mais resignada nas provas da vida. Aliás, não se sabe que os Espíritos só têm sexo para a encarnação? Se a igualdade dos direitos da mulher deve ser reconhecida em alguma parte, seguramente deve ser entre os espíritas, e a propagação do Espiritismo apressará, infalivelmente, a abolição dos privilégios que o homem a si mesmo concedeu pelo direito do mais forte. O advento do Espiritismo marcará a era da emancipação legal da mulher.
Tampouco deveis recear a admissão dos jovens. A gravidade da assembleia refletir-se-á em seu caráter; eles se tornarão mais sérios e ainda cedo poderão haurir, no ensino dos bons Espíritos, esta fé viva em Deus e no futuro, esse sentimento dos deveres da família, que os tornarão mais dóceis, mais respeitosos, e que modera a efervescência das paixões.
Quanto às formalidades legais, não há, na França, nenhuma a preencher para as reuniões que não excedam a vinte pessoas. Além deste número, as reuniões regulares e periódicas devem ser autorizadas, salvo uma tolerância, que não pode ser vista como um direito, de que desfruta a maior parte dos grupos espíritas, em razão de seu caráter pacífico, exclusivamente moral e, também, porque não constituem associações nem afiliações. Em qualquer circunstância, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, caso para isso sejam solicitados.
Recentemente formaram-se alguns grupos especiais, cuja multiplicação jamais deixaríamos de encorajar: são os denominados grupos de ensino. Neles, ocupam-se pouco ou nada das manifestações, mas, sim, da leitura e da explicação de O Livro dos Espíritos, de ‘O Livro dos Médiuns’ e de artigos da Revista Espírita. Algumas pessoas devotadas reúnem com esse objetivo certo número de ouvintes, suprindo para eles as dificuldades de ler e estudar por si mesmos. Aplaudimos de todo o coração essa iniciativa que, esperamos, terá imitadores e não poderá, em se desenvolvendo, deixar de produzir os mais felizes resultados. Para isso não se tem necessidade de ser orador ou professor; é uma leitura em família, seguida de algumas explicações sem pretensão à eloquência, e que está ao alcance de toda gente.
Sem fazer disso objeto de ocupação exclusiva, muitos grupos têm por hábito iniciar as sessões pela leitura de algumas passagens de O Livro dos Espíritos ou de O Livro dos Médiuns. Ficaríamos contentes se víssemos essa prática adotada por todos eles, cuja eficácia é chamar a atenção para princípios que poderiam ser mal compreendidos ou passar despercebidos. Neste caso, é útil que os dirigentes, ou presidentes dos grupos, preparem previamente as passagens que deverão constituir o objeto da leitura, a fim de adequar essa escolha às circunstâncias.
Espero que não achem ruim que eu indique essas obras como base do ensino, uma vez que são as únicas em que a ciência espírita está desenvolvida em todas as suas partes e de maneira metódica; mas, incorreria em erro quem me julgasse exclusivo a ponto de repelir outras obras, entre as quais, muitas, seguramente, merecem as simpatias de todos os bons espíritas. Ademais, num estudo completo é preciso examinar-se tudo, mesmo aquilo que for mau. Considero também como muito útil a leitura das críticas, para delas fazer ressaltar o vazio e a falta de lógica; com certeza não há nelas uma só que seja capaz de abalar a fé de um espírita sincero; não podem senão fortalecê-la, pois muitas vezes já fizeram que nascesse nos incrédulos que se deram ao trabalho de compará-las. Dá-se o mesmo com certas obras que, embora feitas com um objetivo sério, não deixam de conter erros manifestos ou excentricidades, que devem ser destacados.
Eis um outro hábito, cuja adoção não é menos útil. É essencial que cada grupo recolha e passe a limpo as comunicações obtidas, a fim de a elas facilmente recorrer em caso de necessidade. Os Espíritos que vissem desprezadas suas instruções logo abandonariam as reuniões; mas é necessário, sobretudo, que se faça à parte uma coletânea especial, organizada e clara, das comunicações mais belas e mais instrutivas, e reler algumas delas em cada sessão, a fim de aproveitá-las melhor.
XI
Muitas vezes me tem sido perguntado se é útil começar as sessões com preces e atos exteriores de devoção. Minha resposta não é apenas minha; é, também, a dos Espíritos eminentes que trataram dessa questão.
É, sem dúvida, não apenas útil, mas necessário, rogar, por uma invocação especial, por uma espécie de prece, o concurso dos bons Espíritos. Essa prática, aliás, não pode predispor senão ao recolhimento, condição essencial de toda reunião séria. Já o mesmo não se dá com os sinais exteriores de culto, pelos quais certos grupos creem dever abrir suas sessões, e que têm mais de um inconveniente, a despeito da boa intenção com que são sugeridos.
Tudo nas reuniões deve passar-se religiosamente, isto é, com gravidade, respeito e recolhimento. Mas não nos devemos esquecer de que o Espiritismo se dirige a todos os cultos; que, por consequência, não deve adotar as formalidades de nenhum em particular. Seus inimigos já foram bastante hábeis, apresentando-o como uma seita nova, a fim de terem um pretexto para o combater. Não se pode, pois, corroborar essa opinião pelo uso de fórmulas das quais não deixariam de tirar partido, para dizer que as reuniões espíritas são assembleias de protestantes, de cismáticos; não penseis que tais fórmulas sejam capazes de congregar certos antagonistas. O Espiritismo, chamando a si os homens de todas as crenças, para uni-los sob a bandeira da caridade e da fraternidade, habituando-os a se olharem como irmãos, seja qual for sua maneira de adorar a Deus, não deve chocar as convicções de ninguém pelo emprego de sinais exteriores de um culto qualquer. Poucas são as reuniões espíritas, por menores que sejam, sobretudo na França, em que não haja membros ou assistentes pertencentes a diferentes religiões. Se o Espiritismo se colocasse abertamente no terreno de uma delas, afastaria as outras. Ora, como há espíritas em todas, ver-se-iam formar-se grupos católicos, judeus ou protestantes, perpetuando-se, assim, o antagonismo religioso, que o Espiritismo tende a abolir.
É também a razão pela qual deve-se abster, nas reuniões, de discutir dogmas particulares, o que, certamente, melindraria certas consciências, ao passo que as questões de moral são de todas as religiões e de todos os países. O Espiritismo é um terreno neutro, sobre o qual todas as opiniões religiosas podem encontrar-se e se dar as mãos. Ora, a desunião poderia nascer da controvérsia. Não vos esqueçais de que a desunião é um dos meios pelos quais os inimigos do Espiritismo buscam atacá-lo; é com esse objetivo que muitas vezes eles induzem certos grupos a se ocuparem de questões irritantes ou comprometedoras, sob o pretexto especioso de que não se deve colocar a luz sob o alqueire. Não vos deixeis prender nessa armadilha, e que os dirigentes de grupos sejam firmes para repelirem todas as sugestões deste gênero, se não quiserem passar por cúmplices dessas maquinações.
O emprego de sinais exteriores do culto teria o mesmo resultado: o de uma cisão entre os adeptos. Uns acabariam por achar que não são suficientemente empregados; outros, que o são em excesso. Para evitar esse inconveniente, que é muito grave, convém abster-se de toda prece litúrgica, sem excetuar a Oração Dominical, por mais bela que seja. Como ninguém abjura sua religião ao participar de uma reunião espírita, cada um, no seu íntimo e mentalmente, faça a prece que julgar conveniente; mas que nada haja de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial. Dá-se o mesmo com o sinal da cruz, ao costume de ajoelhar-se, etc, sem o que não haveria razão para se impedir que um muçulmano espírita, integrante de um grupo espírita, se prosternasse e recitasse em voz alta sua fórmula sacramentai: "Só há um Deus e Maomé é o seu profeta."
Não existe inconveniente quando as preces feitas na intenção de alguém são independentes de qualquer culto particular. Sendo assim, creio supérfluo salientar o quanto haveria de ridículo em fazer-se toda uma assistência repetir em coro uma prece ou uma fórmula qualquer, prática vista por alguém que ma contou.
Fique bem entendido que o que acaba de ser dito só se aplica aos grupos ou sociedades formados de pessoas estranhas umas às outras, mas de modo algum às reuniões íntimas de família, nas quais, naturalmente, cada pessoa é livre para agir como bem entender, desde que ali não se melindra a ninguém.
É, sem dúvida, não apenas útil, mas necessário, rogar, por uma invocação especial, por uma espécie de prece, o concurso dos bons Espíritos. Essa prática, aliás, não pode predispor senão ao recolhimento, condição essencial de toda reunião séria. Já o mesmo não se dá com os sinais exteriores de culto, pelos quais certos grupos creem dever abrir suas sessões, e que têm mais de um inconveniente, a despeito da boa intenção com que são sugeridos.
Tudo nas reuniões deve passar-se religiosamente, isto é, com gravidade, respeito e recolhimento. Mas não nos devemos esquecer de que o Espiritismo se dirige a todos os cultos; que, por consequência, não deve adotar as formalidades de nenhum em particular. Seus inimigos já foram bastante hábeis, apresentando-o como uma seita nova, a fim de terem um pretexto para o combater. Não se pode, pois, corroborar essa opinião pelo uso de fórmulas das quais não deixariam de tirar partido, para dizer que as reuniões espíritas são assembleias de protestantes, de cismáticos; não penseis que tais fórmulas sejam capazes de congregar certos antagonistas. O Espiritismo, chamando a si os homens de todas as crenças, para uni-los sob a bandeira da caridade e da fraternidade, habituando-os a se olharem como irmãos, seja qual for sua maneira de adorar a Deus, não deve chocar as convicções de ninguém pelo emprego de sinais exteriores de um culto qualquer. Poucas são as reuniões espíritas, por menores que sejam, sobretudo na França, em que não haja membros ou assistentes pertencentes a diferentes religiões. Se o Espiritismo se colocasse abertamente no terreno de uma delas, afastaria as outras. Ora, como há espíritas em todas, ver-se-iam formar-se grupos católicos, judeus ou protestantes, perpetuando-se, assim, o antagonismo religioso, que o Espiritismo tende a abolir.
É também a razão pela qual deve-se abster, nas reuniões, de discutir dogmas particulares, o que, certamente, melindraria certas consciências, ao passo que as questões de moral são de todas as religiões e de todos os países. O Espiritismo é um terreno neutro, sobre o qual todas as opiniões religiosas podem encontrar-se e se dar as mãos. Ora, a desunião poderia nascer da controvérsia. Não vos esqueçais de que a desunião é um dos meios pelos quais os inimigos do Espiritismo buscam atacá-lo; é com esse objetivo que muitas vezes eles induzem certos grupos a se ocuparem de questões irritantes ou comprometedoras, sob o pretexto especioso de que não se deve colocar a luz sob o alqueire. Não vos deixeis prender nessa armadilha, e que os dirigentes de grupos sejam firmes para repelirem todas as sugestões deste gênero, se não quiserem passar por cúmplices dessas maquinações.
O emprego de sinais exteriores do culto teria o mesmo resultado: o de uma cisão entre os adeptos. Uns acabariam por achar que não são suficientemente empregados; outros, que o são em excesso. Para evitar esse inconveniente, que é muito grave, convém abster-se de toda prece litúrgica, sem excetuar a Oração Dominical, por mais bela que seja. Como ninguém abjura sua religião ao participar de uma reunião espírita, cada um, no seu íntimo e mentalmente, faça a prece que julgar conveniente; mas que nada haja de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial. Dá-se o mesmo com o sinal da cruz, ao costume de ajoelhar-se, etc, sem o que não haveria razão para se impedir que um muçulmano espírita, integrante de um grupo espírita, se prosternasse e recitasse em voz alta sua fórmula sacramentai: "Só há um Deus e Maomé é o seu profeta."
Não existe inconveniente quando as preces feitas na intenção de alguém são independentes de qualquer culto particular. Sendo assim, creio supérfluo salientar o quanto haveria de ridículo em fazer-se toda uma assistência repetir em coro uma prece ou uma fórmula qualquer, prática vista por alguém que ma contou.
Fique bem entendido que o que acaba de ser dito só se aplica aos grupos ou sociedades formados de pessoas estranhas umas às outras, mas de modo algum às reuniões íntimas de família, nas quais, naturalmente, cada pessoa é livre para agir como bem entender, desde que ali não se melindra a ninguém.
Projeto de regulamento para uso dos grupos e pequenas sociedades espíritas
Os abaixo-assinados, tendo resolvido constituir um Grupo ou Sociedade Espírita na cidade de. . . sob o título de Grupo ou Sociedade de. . ., ajustaram as seguintes disposições, que deverão ser aceitas por toda pessoa que, ulteriormente, dela quiser fazer parte.
1) O objetivo da Sociedade é o estudo da ciência espírita, principalmente no que concerne à sua aplicação à moral e ao conhecimento do mundo invisível. As questões políticas e de economia social lhe são interditas, bem como as controvérsias religiosas.
2) A Sociedade declara aderir aos princípios formulados em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns. Ela se coloca sob a proteção do Espírito. . ., que escolhe por seu guia e presidente espiritual. Ela toma por divisa: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO. FORA DA CARIDADE NÃO HÁ VERDADEIROS ESPÍRITAS.
3) a) O número dos membros titulares da Sociedade é fixado em. . . (ou: é ilimitado).
b) Para ser admitido como membro da Sociedade, é preciso ter dado provas suficientes de seus conhecimentos em Espiritismo e de sua simpatia para com essa Doutrina.
c) A Sociedade determinará a natureza e a extensão das provas e das garantias a serem oferecidas, bem como o modo de apresentação e de admissão.
d) Toda pessoa que preencha as condições exigidas pode ser admitida sem distinção de culto ou nacionalidade.
6) a) A Sociedade se reunirá das. . . às. . . horas. Será presidida por quem for designado para este efeito e pelo tempo que ela tiver fixado.
b) As sessões das. . . serão reservadas apenas aos membros da Sociedade, salvo exceção, se houver.
c) As demais sessões poderão ser admitidos ouvintes estranhos, se isso for julgado oportuno. A admissão de estranhos estará subordinada às condições fixadas pela Sociedade. Não obstante, ela recusará de maneira absoluta qualquer pessoa que a ela for atraída apenas por motivo de curiosidade ou não tenha nenhuma noção prévia da Doutrina.
7) Todo ouvinte ou visitante estranho deverá ser apresentado por um dos membros, que por ele se responsabilizará. Qualquer pessoa desconhecida que se recusar a dar-se a conhecer será rigorosamente impedida de assistir às reuniões. As sessões nunca deverão ser públicas, isto é, em nenhum caso as portas estarão abertas ao primeiro que chegar.
8) Considerando-se que o Espiritismo visa à união fraterna de todas as seitas, sob a bandeira da verdade, e tendo em vista que a Sociedade admitirá membros ou assistentes sem distinção de crença, ela interdiz nas reuniões toda fórmula de prece ou sinal litúrgico, próprios a um culto especial, deixando a cada um a liberdade de fazer, em particular, aquilo que sua consciência lhe prescrever.
Nota. — Tudo nas sessões deve ser feito religiosamente, mas nada deverá dar-lhe o caráter de assembleias de seitas religiosas.
9) A ordem dos trabalhos das sessões está fixada como se segue, salvo as modificações ditadas pelas circunstâncias.
10) Todas as comunicações recebidas na Sociedade são de sua propriedade e ela pode delas dispor. Serão transcritas e conservadas para ser consultadas em caso de necessidade. Os médiuns que as receberam poderão delas guardar uma cópia. Será feita uma coletânea especial das comunicações mais notáveis e mais instrutivas, cuidadosamente copiadas num livro particular, formando uma espécie de guia ou agenda moral da Sociedade, e cuja leitura será feita de vez em quando.
11) O presidente interditará a leitura de qualquer comunicação que tratar de assuntos dos quais a Sociedade não deva ocupar-se.
12) a) O silêncio e o recolhimento devem ser observados durante as sessões. Ficam proibidas as questões fúteis, de interesse pessoal, de mera curiosidade ou feitas com a intenção de submeterem os Espíritos à prova, bem assim as que não tiverem um fim instrutivo.
b) Ficam igualmente proibidas todas as discussões que se afastem do objetivo especial de que se ocupa a Sociedade, ou a esta forem estranhas.
13) As pessoas que desejarem tomar a palavra, deverão fazê-lo dirigindo-se, antes, ao presidente.
14) A Sociedade poderá, se julgar conveniente, consagrar sessões especiais para a instrução de pessoas noviças ao Espiritismo, seja através de explicações verbais, seja pela leitura regular e contínua das obras. Somente serão admitidas pessoas animadas do sério desejo de se instruírem, e que serão inscritas com essa finalidade. Essas sessões, tanto quanto as outras, não serão abertas ao primeiro que chegar, nem a desconhecidos.
15) Toda publicação relativa ao Espiritismo que emanar da Sociedade será revista com o maior cuidado, para se eliminar dela tudo quanto seja inútil ou possa produzir um mau resultado. Os membros se comprometerão a nada publicar sobre a matéria antes de tomar a opinião de todos.
16) A Sociedade convida os médiuns que quiserem prestar-lhe o seu concurso a não se melindrarem com as observações e críticas a que suas comunicações possam ensejar. Ela prefere passar sem aqueles que acreditam na infalibilidade e na identidade absoluta dos Espíritos que por eles se manifestam.
17) As despesas havidas com a Sociedade, se houver, serão cobertas por uma cotização, cuja cifra, emprego e forma de pagamento ela mesma fixará. Neste caso, a Sociedade nomeará o seu tesoureiro. Fica expressamente estipulado que essa cotização será paga somente pelos membros propriamente ditos da Sociedade e que, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, será exigida ou solicitada uma retribuição qualquer aos ouvintes ou visitantes eventuais, como direitos de entrada.
18) A Sociedade poderá manter uma caixa de beneficência ou de socorro, por meio de cotizações ou de subscrições recolhidas de quem quer que deseje dela participar, seja ou não membro da Sociedade. O emprego dos fundos dessa caixa será controlado por um comitê, que dele prestará contas à Sociedade. Todo membro que se constituir numa causa habitual de perturbação e tender a semear a desunião entre os demais, bem como aquele que notoriamente desmerecê-la, e cuja conduta ou reputação puder prejudicar a consideração que a Sociedade deve gozar, poderá ser oficiosamente convidado a pedir sua demissão. Em caso de recusa, a Sociedade poderá pronunciar-se por meio de um voto oficial.
1) O objetivo da Sociedade é o estudo da ciência espírita, principalmente no que concerne à sua aplicação à moral e ao conhecimento do mundo invisível. As questões políticas e de economia social lhe são interditas, bem como as controvérsias religiosas.
2) A Sociedade declara aderir aos princípios formulados em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns. Ela se coloca sob a proteção do Espírito. . ., que escolhe por seu guia e presidente espiritual. Ela toma por divisa: FORA DA CARIDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO. FORA DA CARIDADE NÃO HÁ VERDADEIROS ESPÍRITAS.
3) a) O número dos membros titulares da Sociedade é fixado em. . . (ou: é ilimitado).
b) Para ser admitido como membro da Sociedade, é preciso ter dado provas suficientes de seus conhecimentos em Espiritismo e de sua simpatia para com essa Doutrina.
c) A Sociedade determinará a natureza e a extensão das provas e das garantias a serem oferecidas, bem como o modo de apresentação e de admissão.
d) Toda pessoa que preencha as condições exigidas pode ser admitida sem distinção de culto ou nacionalidade.
6) a) A Sociedade se reunirá das. . . às. . . horas. Será presidida por quem for designado para este efeito e pelo tempo que ela tiver fixado.
b) As sessões das. . . serão reservadas apenas aos membros da Sociedade, salvo exceção, se houver.
c) As demais sessões poderão ser admitidos ouvintes estranhos, se isso for julgado oportuno. A admissão de estranhos estará subordinada às condições fixadas pela Sociedade. Não obstante, ela recusará de maneira absoluta qualquer pessoa que a ela for atraída apenas por motivo de curiosidade ou não tenha nenhuma noção prévia da Doutrina.
7) Todo ouvinte ou visitante estranho deverá ser apresentado por um dos membros, que por ele se responsabilizará. Qualquer pessoa desconhecida que se recusar a dar-se a conhecer será rigorosamente impedida de assistir às reuniões. As sessões nunca deverão ser públicas, isto é, em nenhum caso as portas estarão abertas ao primeiro que chegar.
8) Considerando-se que o Espiritismo visa à união fraterna de todas as seitas, sob a bandeira da verdade, e tendo em vista que a Sociedade admitirá membros ou assistentes sem distinção de crença, ela interdiz nas reuniões toda fórmula de prece ou sinal litúrgico, próprios a um culto especial, deixando a cada um a liberdade de fazer, em particular, aquilo que sua consciência lhe prescrever.
Nota. — Tudo nas sessões deve ser feito religiosamente, mas nada deverá dar-lhe o caráter de assembleias de seitas religiosas.
9) A ordem dos trabalhos das sessões está fixada como se segue, salvo as modificações ditadas pelas circunstâncias.
10) Todas as comunicações recebidas na Sociedade são de sua propriedade e ela pode delas dispor. Serão transcritas e conservadas para ser consultadas em caso de necessidade. Os médiuns que as receberam poderão delas guardar uma cópia. Será feita uma coletânea especial das comunicações mais notáveis e mais instrutivas, cuidadosamente copiadas num livro particular, formando uma espécie de guia ou agenda moral da Sociedade, e cuja leitura será feita de vez em quando.
11) O presidente interditará a leitura de qualquer comunicação que tratar de assuntos dos quais a Sociedade não deva ocupar-se.
12) a) O silêncio e o recolhimento devem ser observados durante as sessões. Ficam proibidas as questões fúteis, de interesse pessoal, de mera curiosidade ou feitas com a intenção de submeterem os Espíritos à prova, bem assim as que não tiverem um fim instrutivo.
b) Ficam igualmente proibidas todas as discussões que se afastem do objetivo especial de que se ocupa a Sociedade, ou a esta forem estranhas.
13) As pessoas que desejarem tomar a palavra, deverão fazê-lo dirigindo-se, antes, ao presidente.
14) A Sociedade poderá, se julgar conveniente, consagrar sessões especiais para a instrução de pessoas noviças ao Espiritismo, seja através de explicações verbais, seja pela leitura regular e contínua das obras. Somente serão admitidas pessoas animadas do sério desejo de se instruírem, e que serão inscritas com essa finalidade. Essas sessões, tanto quanto as outras, não serão abertas ao primeiro que chegar, nem a desconhecidos.
15) Toda publicação relativa ao Espiritismo que emanar da Sociedade será revista com o maior cuidado, para se eliminar dela tudo quanto seja inútil ou possa produzir um mau resultado. Os membros se comprometerão a nada publicar sobre a matéria antes de tomar a opinião de todos.
16) A Sociedade convida os médiuns que quiserem prestar-lhe o seu concurso a não se melindrarem com as observações e críticas a que suas comunicações possam ensejar. Ela prefere passar sem aqueles que acreditam na infalibilidade e na identidade absoluta dos Espíritos que por eles se manifestam.
17) As despesas havidas com a Sociedade, se houver, serão cobertas por uma cotização, cuja cifra, emprego e forma de pagamento ela mesma fixará. Neste caso, a Sociedade nomeará o seu tesoureiro. Fica expressamente estipulado que essa cotização será paga somente pelos membros propriamente ditos da Sociedade e que, em nenhum caso e sob qualquer pretexto, será exigida ou solicitada uma retribuição qualquer aos ouvintes ou visitantes eventuais, como direitos de entrada.
18) A Sociedade poderá manter uma caixa de beneficência ou de socorro, por meio de cotizações ou de subscrições recolhidas de quem quer que deseje dela participar, seja ou não membro da Sociedade. O emprego dos fundos dessa caixa será controlado por um comitê, que dele prestará contas à Sociedade. Todo membro que se constituir numa causa habitual de perturbação e tender a semear a desunião entre os demais, bem como aquele que notoriamente desmerecê-la, e cuja conduta ou reputação puder prejudicar a consideração que a Sociedade deve gozar, poderá ser oficiosamente convidado a pedir sua demissão. Em caso de recusa, a Sociedade poderá pronunciar-se por meio de um voto oficial.