Viagem espírita em 1862

Allan Kardec

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Instruções particulares dadas aos grupos em resposta a algumas questões propostas.

I

Há um ponto sobre o qual creio dever chamar toda a vossa atenção. Quero falar das surdas manobras dos adversários do Espiritismo que, depois de tê-lo atacado abertamente e em vão, procuram atingi-lo pelas costas. É uma tática contra a qual é preciso que estejais prevenidos.

Como sabeis, combateram o Espiritismo por todos os meios possíveis; atacaram-no em nome da razão, da Ciência, da religião. Nada deu certo. Tentaram despejar-lhe o ridículo a mancheias, mas o ridículo deslizou sobre ele como a água sobre o mármore. Não foram mais felizes com a ameaça e a perseguição; se encontraram alguns caniços, também se defrontaram com carvalhos que não puderam dobrar, nem conseguiram abalar nenhuma convicção. Acreditais que seus inimigos já se renderam? Não! Restam-lhes ainda dois meios, os últimos que, esperamos, não lhes servirão melhor, graças ao bom senso e à vigilância de todos os verdadeiros espíritas, que saberão preservar-se dos inimigos internos como foram capazes de repelir os de fora.

Não tendo podido lançar o ridículo sobre o Espiritismo, invulnerável sob a égide de sua sublime moral, tentam agora ridicularizar os espíritas, isto é, provocar atos ridículos da parte de certos espíritas ou que como tais se apresentam, responsabilizando a todos pelos atos de alguns. O que desejariam, sobretudo, era poder vincular os nomes de espírita, Espiritismo e médium aos de charlatães, prestidigitadores, necromantes e ledores de sorte, e não lhes será difícil encontrar comparsas complacentes para os ajudar, empregando sinais místicos ou cabalísticos para justificar o que ousaram afirmar em certos jornais: que os espíritas se entregam às práticas da magia e da feitiçaria, e que suas reuniões são cenas repetidas do Sabá. À vista de um cartaz de saltimbanco, anunciando representações de médiuns americanos ou outros, como anuncia o Hércules do Norte, eles se regozijam e gritam dos telhados que o respeitável Espiritismo está reduzido a exibir-se nos teatros de feiras.

Por certo os verdadeiros espíritas jamais lhes darão essa satisfação, e as pessoas razoáveis saberão sempre estabelecer diferenças entre o sério e o burlesco, o que não significa que não devam precaver-se contra toda incitação que pudesse dar lugar à crítica. Em semelhante caso, é preciso evitar-se até mesmo as aparências. Um ponto capital que dá um desmentido formal a essas alegações da maledicência, é o desinteresse. Que dizer de pessoas que fazem tudo por nada e por devotamento? Como tratá-los de charlatães, se nada exigem? Como poderão dizer que vivem do Espiritismo, como outros vivem da sua profissão? que, consequentemente, não têm nenhum interesse na fraude, já que sua crença, ao contrário, é uma oportunidade para sacrifícios e abnegação? que não buscam nem honras, nem lucros? Repito-o: o desinteresse moral e material será sempre a resposta mais peremptória a dar aos detratores da Doutrina. Eis por que eles ficariam muito satisfeitos se pudessem encontrar pretextos para subtrair-lhes esse prestígio, ainda que tivessem de pagar a algumas pessoas para representarem uma comédia. Agir de outra forma será, pois, fornecer-lhes armas. Quereis a prova? Eis o que se lê num artigo do Courrier de l'Est, jornal de Bar-le-Duc, e que tiveram o cuidado de transcrever no Courrier du Lot, jornal de Cahors, e em várias outras folhas que só esperam a ocasião para poder criticar-nos:

"...O Espiritismo tem por partidários três classes bem distintas de indivíduos: os que dele vivem, os que com ele se divertem e os que nele creem. Magistrados, médicos, gente séria, têm assim suas pequenas imperfeições, inocentes para eles, mas muito menos para a classe dos indivíduos que vivem do Espiritismo. Os médiuns formam hoje uma categoria de industriais não registrados e que, no entanto, fazem comércio, um verdadeiro comércio, como passarei a vos explicar...''''

Segue um longo artigo temperado de piadas pouco espirituosas, descrevendo uma sessão a que o autor assistiu e na qual se encontra a passagem seguinte, referente a uma mãe que pedia uma comunicação de sua filha: "E a mesa se dirigiu para a infeliz mãe, que se contorcia em espasmos nervosos. Quando se refez de , sua emoção, lhe deram uma cópia da mensagem; o preço: vinte francos, o que não é excessivo, já que se trata das palavras de uma filha adorada!"

A se dar crédito ao autor do artigo, a sessão não se desenvolveu de maneira a exigir muito respeito e recolhimento, pois ele acrescenta:

"O senhor que interrogava os Espíritos não me pareceu tão digno quanto o comportava a situação dos interlocutores; não dava mais importância às suas funções do que se estivesse desossando um pernil de carneiro na mesa de um albergue de Batignolles."

O mais deplorável é que tenha podido dizer que viu estabelecerem preços para as manifestações; mas não podemos senão lamentá-lo por julgar uma obra por sua paródia. Aliás, é isso que faz a maioria dos críticos; depois dizem: já vi.

Esses abusos, como disse, são exceções, e exceções raras; se falo disto com insistência, é porque são fatos que dão ensejo à maledicência, quando não decorrem de calculada malevolência. Ademais, eles não poderiam propagar-se em meio a uma imensa maioria constituída por pessoas sérias, que compreendem a verdadeira missão do Espiritismo e das obrigações que ele impõe; sua essência comporta a dignidade e a gravidade; é, pois, para eles um dever declinar qualquer solidariedade com os abusos que o pudessem comprometer e deixar claro que não se fariam campeões de tais fatos, nem diante da justiça, nem perante a opinião pública.

Mas este não é o único escolho. Eu disse que os adversários têm uma outra tática para alcançar seus fins: semear a desunião entre os adeptos, atiçando o fogo das pequenas paixões, dos ciúmes e dos rancores; fazendo nascer cismas; suscitando causas de antagonismo e de rivalidade entre os grupos, a fim de fragmentá-los. E não creiais que sejam os inimigos confessos que agirão assim; estes se resguardarão! São os pretensos amigos da Doutrina e, muitas vezes, os aparentemente mais calorosos; muitas vezes mesmo, com habilidade, farão que amigos verdadeiros, mas fracos, tirem castanhas do fogo com as próprias mãos, amigos que eles ludibriaram e que agirão de boa-fé e sem desconfiança. Lembrai-vos de que a luta não acabou e que o inimigo está ainda à vossa porta; permanecei alerta, a fim de que ele não vos pegue em falta. Em caso de incerteza, tendes um farol que não vos pode enganar: a caridade, que nunca é equívoca. Considerai, pois, como sendo de origem suspeita todo conselho, toda insinuação que tendesse a semear entre vós os germes da discórdia, e a vos desviar do reto caminho que vos ensina a caridade em tudo e por todos.

II

Não seria desejável que os espíritas tivessem uma senha, um sinal qualquer para se reconhecerem quando se encontram?

Os espíritas não formam nem uma sociedade secreta, nem uma afiliação; não devem, pois, ter nenhum sinal secreto para serem reconhecidos. Como nada ensinam e nada praticam que não possa ser conhecido por todo mundo, nada têm a ocultar. Um sinal, uma senha, poderiam, aliás, ser usados por falsos irmãos, e nem por isso serieis mais adiantados.

Tendes uma senha que é compreendida de um extremo a outro do mundo: é a da caridade. Esta palavra é fácil de ser pronunciada por todos, mas a verdadeira caridade não pode ser falsificada. Pela prática da verdadeira caridade reconhecereis sempre um irmão, ainda que não seja espírita, e deveis estender-lhe a mão, porquanto, se ele não partilha de vossas crenças, nem por isso deixará de ser para vós menos benevolente e tolerante.

Um sinal de reconhecimento é, aliás, tanto menos necessário hoje quanto o Espiritismo não se oculta mais. Para aquele que não tem coragem de afirmar sua opinião, ele seria inútil, pois que dele não se serviria; para os outros, dão-se a conhecer falando sem temor.

III


Algumas pessoas veem no Espiritismo um perigo para as classes pouco esclarecidas, que, não o podendo compreender em sua pura essência, poderiam desnaturar-lhe o espírito e fazê-lo degenerar em superstição. Que lhes responder?

Poder-se-ia dizer outro tanto das coisas mais úteis. Se fosse possível suprimir tudo quanto se pode fazer mau uso, não sei bem o que restaria, a começar pela imprensa, com o auxílio da qual se podem espalhar doutrinas perniciosas, pela leitura, pela escrita. Poder-se-ia até perguntar a Deus por que deu língua a certas pessoas. Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais santas. Se o Espiritismo tivesse saído da classe ignorante, ninguém duvida que a ele se teriam misturado muitas superstições; mas ele nasceu na classe esclarecida, e só depois de aí se ter elaborado e depurado foi que penetrou nas camadas inferiores, a elas chegando desembaraçado, pela experiência e pela observação, sem qualquer mistura prejudicial. O que poderia tornar-se realmente perigoso para o vulgo seria o charlatanismo. Por isso, todo cuidado é pouco em combater a exploração, fonte inevitável de abusos, por todos os meios possíveis.

Não estamos mais no tempo dos párias para as luzes, quando se dizia: isto é bom para uns, isto é bom para outros. A luz penetra na oficina e até na choupana, à medida que o sol da inteligência se eleva no horizonte e lança seus raios mais ardentes. As ideias espíritas seguem o movimento; estão no ar e ninguém tem o poder de detê-las; basta dirigir o seu curso. O ponto capital do Espiritismo é o lado moral; é aí que devemos envidar todos os nossos esforços para fazê-lo compreendido; e, coisa notável! é assim que ele é considerado agora, mesmo nas classes menos esclarecidas. Por isso seu efeito moralizador é manifesto. Eis um exemplo entre milhares:

Durante a minha estada em Lyon, assistindo a uma reunião espírita, um homem, por cujas roupas identifiquei um trabalhador, levantou-se no fundo da sala e disse: "Senhor, há seis meses eu não acreditava em Deus, nem no diabo, nem em minha alma; estava convencido de que quando morremos tudo se acaba; não temia as penas futuras, pois me parecia que tudo se findava com a vida. Devo dizer-vos que não orava, e que desde a minha primeira comunhão não voltei a pôr os pés numa igreja; além disso, eu era violento e exaltado. Enfim, nada temia, nem mesmo a justiça humana. Há seis meses, assim era eu. Foi então que o Espiritismo chegou; lutei durante dois meses; mas li, compreendi e não pude me furtar à evidência. Uma verdadeira revolução operou-se em mim. Hoje já não sou o mesmo homem; oro todos os dias e vou à igreja. Quanto ao meu caráter, perguntai aos meus camaradas se mudei! Outrora eu me irritava com tudo: um nada me exasperava; agora estou tranquilo e feliz, bendizendo a Deus por me ter enviado a luz."

Compreendeis do que é capaz um homem que chegou a ponto de não temer sequer a justiça humana? Negarão o efeito salutar do Espiritismo sobre ele? E há milhares como ele. Por mais iletrado que seja, não deixou de o compreender; é que o Espiritismo não é uma teoria abstrata, que só se dirige aos sábios; fala ao coração e, para compreender a linguagem do coração, não há necessidade de diploma. Fazei-o penetrar por este caminho, na mansarda e na choupana, e ele fará milagres.

IV

Já que o Espiritismo torna melhores os homens, levando os descrentes à crença em Deus, na alma e na vida futura, ele só pode fazer o bem. Por que, então, tem inimigos e por que os que nele não creem não deixam os crentes em paz?

O Espiritismo tem inimigos, como toda ideia nova. Uma ideia que se implantasse sem oposição seria um fato miraculoso. Ainda mais: quanto mais falsa e absurda, menos adversários encontrará, enquanto os terá em número tanto maior quanto mais ela for verdadeira, justa e útil. Isto é uma consequência natural do estado atual da Humanidade. Toda ideia nova vem, necessariamente, suplantar uma ideia antiga. Se for falsa, ridícula ou impraticável, ninguém se inquietará com ela, porque, instintivamente, compreendem que não tem vitalidade e a deixam morrer naturalmente; mas, se for justa e fecunda, atemorizará aqueles que, por orgulho ou interesse material, estiverem interessados em manter a ideia antiga, e estes a combaterão com tanto mais ardor quanto mais temível lhes parecerem. Vede a História, a indústria, as ciências, as religiões: em toda parte encontrareis a aplicação deste princípio. Mas a História também vos dirá que, contra a verdade absoluta, nada pode prevalecer; ela se estabelece, quer queiram, quer não, quando os homens forem maduros para aceitá-la. É preciso então que seus adversários se acomodem, pois não podem agir de outro modo; e, coisa bizarra, muitas vezes eles se vangloriam de ter sido os primeiros que tiveram essa ideia.

Pode-se geralmente julgar da importância de uma ideia pela oposição que ela suscita. Suponhamos que, em chegando a um país desconhecido, tomais conhecimento de que o povo ali se prepara para repelir o inimigo que o quer invadir. Ora, se só enviam à fronteira quatro homens e um cabo, julgareis que o inimigo não é tão temível assim. Outro será o vosso raciocínio se enviarem numerosos batalhões com todo o seu aparato de guerra. Dá-se o mesmo com as ideias novas. Anunciai um sistema francamente ridículo e impossível, envolvendo os interesses maiores da sociedade e ninguém pensará em combatê-lo. Se, contudo, esse sistema for fundamentado na lógica e no bom senso, se recrutar adeptos, as pessoas inteligentes logo se inquietarão e todos quantos vivem sob a velha ordem vigente assestarão contra ele suas mais poderosas baterias. Tal é a história do Espiritismo. Os que o combatem com mais obstinação não o fazem como se lutassem contra uma ideia falsa; se assim fosse, por que se calariam diante de tantas outras? Combatem-no porque o Espiritismo os atemoriza. Ora, não se teme um mosquito, embora, algumas vezes, já se tenha visto um mosquito derrubar um leão.

Notai a sabedoria providencial em todas as coisas: nunca uma ideia nova de certa importância irrompe subitamente com toda a sua força; ela cresce e, pouco a pouco, se infiltra nos hábitos. Dá-se o mesmo com o Espiritismo, que podemos chamar, sem presunção, como a ideia capital do século dezenove; mais tarde verão se nos enganamos, a começar pelo inocente fenômeno das mesas girantes, tal como uma criança, com a qual brincaram seus mais rudes adversários; e de tanto brincarem, penetrou por toda parte. Mas a criança logo cresceu, hoje é adulta e ocupou o seu lugar no mundo filosófico. Já não brincam com ela; discutem-na e combatem-na. Se fosse uma mentira, uma utopia, não teria saído de suas fraldas.

V

Se a crítica não impediu o Espiritismo de caminhar, seu progresso não teria sido ainda mais rápido se ele tivesse guardado o silêncio?

Caminhar mais depressa seria coisa difícil. Creio, ao contrário, que teria progredido menos, pois a crítica foi o seu maior propagandista. Avançando, apesar dos ataques, ele provou sua própria força, pois caminhou apoiando-se apenas em si mesmo, e não tendo por arma senão a força da ideia. O soldado que alcança o cume do reduto através de uma saraivada de balas não tem mais mérito do que aquele diante do qual o inimigo abrisse fileiras para o deixar passar? Com sua oposição, os adversários do Espiritismo deram-lhe o prestígio da luta e da vitória.

VI

Há uma coisa ainda mais prejudicial ao Espiritismo do que os ataques apaixonados de seus inimigos: é o que publicam, em seu nome, seus pretensos adeptos. Certas publicações são realmente lamentáveis, porque não podem dar do Espiritismo senão uma ideia falsa e expô-lo ao ridículo. E de se perguntar por que Deus permite essas coisas e não esclarece todos os homens de igual modo. Haverá algum meio de se remediar esse inconveniente, que nos parece um dos maiores escolhos da Doutrina?

Esta questão é grave e exige algumas explicações. Para começar, eu diria que não há uma única ideia, sobretudo quando tem certa importância, que não encontre obstáculos. O próprio Cristianismo não foi ferido na pessoa de seu chefe, tratado como impostor, e na de seus apóstolos? E mesmo entre os seus propagadores não havia criaturas terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado?

Em seguida eu observaria que o que encarais como um mal é, sem sombra de dúvida, um bem. Para o compreender não basta olhar o presente, mas, sobre tudo, o futuro. A Humanidade é afligida por muitos males que a corroem e que têm sua fonte no orgulho e no egoísmo. Esperais curá-la instantaneamente? Acreditais que essas paixões, que reinam soberanamente sobre ela, se deixarão destronar facilmente? Não; elas erguem a cabeça para morder os que a vêm perturbar em sua tranquilidade. Tal é, não duvideis, a causa de certas oposições. A moral do Espiritismo não convém a todo mundo; não ousando atacá-la, atacam sua fonte.

De fato o Espiritismo tem realizado numerosos milagres de reformas morais, mas pensar que essa transformação pudesse ser súbita e universal seria desconhecer a Humanidade. Entre os crentes há os que, como eu disse, só veem do Espiritismo a superfície, que não compreendem o seu objetivo essencial. Quer por falta de julgamento, quer por orgulho, dele aceitam apenas o que os lisonjeia, repelindo o que os humilha. Não é, pois, de admirar que alguns espíritas o tomem em sentido inverso. Isso pode ser lamentável no presente, porém não terá maiores consequências para o futuro.

Perguntais por que Deus não impede os erros. Perguntai-Lhe por que não criou perfeitos os homens, de imediato, em vez de lhes deixar o trabalho e o mérito de se aperfeiçoarem; por que não fez a criança já nascer adulta, dotada de raciocínio, esclarecida, em vez de deixá-la adquirir a experiência pela vivência; por que a árvore só atinge o pleno desenvolvimento após longos anos e o fruto só amadurece quando a estação propícia é chegada? Perguntai-Lhe por que o Cristianismo, que é sua lei e sua obra, sofreu tantas flutuações desde o seu nascimento; por que permitiu que os homens se servissem de seu nome sagrado para cometer tantos abusos, mesmo crimes e derramar tanto sangue? Nada se faz bruscamente em a Natureza; tudo marcha gradualmente conforme as leis imutáveis do Criador e essas leis conduzem sempre ao objetivo que Ele se propôs. Ora, a Humanidade na Terra é ainda jovem, malgrado a pretensão de seus doutores. O Espiritismo, também, mal acaba de nascer; cresce depressa, como vedes, e desfruta de excelente saúde. E preciso, contudo, que lhe deis tempo para atingir a idade viril. Eu vos disse também que os desvios de que vos lamentais têm seu lado bom; são os próprios Espíritos que o vêm explicar. Eis uma passagem de uma comunicação dada a respeito:

"Os espíritas esclarecidos devem felicitar-se pelo fato de as ideias falsas e contraditórias se revelarem agora, porque são combatidas, arruínam-se e se esgotam durante o período da infância do Espiritismo. Uma vez purgado de todas as coisas más, ele luzirá com um brilho mais vivo e marchará com passo mais firme quando tiver alcançado o seu pleno desenvolvimento."

A essa judiciosa apreciação, acrescento que é como uma criança que, depois de fazer suas diabruras, porta-se bem. Mas, para julgar o efeito dessas dissidências, basta observar o que se passa. Em que se apoiam? Em opiniões individuais, que podem reunir algumas pessoas, uma vez que não há ideia, por mais absurda que seja, que não encontre partidários. Mas, julga-se de seu valor pela preponderância que ela adquire. Ora, onde vedes as de que falamos com a mínima preponderância? Fizeram escola, ameaçaram pelo número de adeptos a bandeira que adotastes? Em parte alguma; longe disso, as ideias divergentes veem incessantemente seus partidários diminuindo, para aderirem à unidade que se faz lei para a imensa maioria, quando não para a unanimidade. De todos os sistemas que surgiram quando da origem das manifestações, quantos permanecem de pé? Entre esses sistemas existe um que, em certa cidade, havia adquirido enormes proporções; contai seus adeptos hoje. Acreditais que se fosse verdadeiro não teria crescido e absorvido seus concorrentes? Em semelhante caso, o assentimento do número é um índice que não pode enganar. Quanto a mim, vos declaro que, se a Doutrina da qual me fiz propagador fosse repelida de maneira unânime; se, em vez de crescer, eu a tivesse visto declinar; se outra teoria mais racional tivesse conquistado mais simpatias e assim demonstrasse, peremptoriamente, o erro do Espiritismo, eu veria como orgulhosa puerilidade aferrar-me a uma ideia falsa, porque, antes de tudo, a verdade não pode ser uma questão pessoal ou de amor-próprio, e eu seria o primeiro a vos dizer: "Meus irmãos: eis a luz; segui-a; eu vos dou o meu próprio exemplo."

Aliás, o erro leva consigo, quase sempre, o remédio; e seu reino não pode ser eterno. Mais cedo ou mais tarde, deslumbrado por alguns sucessos efêmeros, é tomado por uma espécie de vertigem e se curva ante as aberrações que precipitam sua queda. Isto é verdadeiro, do maior ao menor. Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob o manto do Espiritismo. Ao contrário, deveríeis abençoá-los, porquanto é por esses próprios excessos que o erro se perde. O que é que vos choca nesses escritos, que para vós constitui uma causa de repulsa e muitas vezes vos tem impedido de ir até o fim, senão o que fere violentamente o vosso bom senso? Se a falsidade das ideias não fosse tão evidente, tão chocante, talvez não as tivésseis percebido e nem mesmo vos teríeis deixado prender por elas, ao passo que fostes impressionados pelos erros manifestos, que são o seu antídoto.

Esses erros provêm quase sempre de Espíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editados seus devaneios e utopias pelos homens que conseguiram ludibriar, a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam em favor de alguns bons grãos em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos nem possuem o verdadeiro saber, nem a verdadeira sabedoria, não podem sustentar por muito tempo o seu papel, e sua ignorância os trai. Deus permite que escapem de suas comunicações erros tão grosseiros, coisas tão absurdas e mesmo tão ridículas, ideias nas quais as mais vulgares noções da Ciência demonstram de tal maneira a sua falsidade que, ao mesmo tempo, matam o sistema e o livro.

Indubitavelmente, seria preferível que só fossem publicados bons livros; mas, desde que não é assim, não temais para o futuro a influência dessas obras; podem, momentaneamente, acender um fogo de palha, mas, quando não se apoiam numa lógica rigorosa, vede em que se transformam, ao cabo de alguns anos e, muitas vezes, depois de poucos meses. Em semelhante caso, os livreiros são um termômetro infalível.

Isto me leva a dizer algumas palavras sobre a publicação das comunicações mediúnicas.

A publicação tanto pode ser útil, se feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas comunicações existem as que, por melhores que sejam, só interessam àqueles que as recebem, não oferecendo aos leitores estranhos senão banalidades. Outras apenas têm interesse pelas circunstâncias nas quais foram dadas, e sem o conhecimento das quais são insignificantes. Isto só traria inconvenientes para a bolsa do editor. Mas, ao lado disto, algumas há que são evidentemente más, no conteúdo e no estilo e que, sob nomes respeitáveis e apócrifos, contêm coisas absurdas ou triviais, o que muito naturalmente se presta ao ridículo e dá armas à crítica. E pior ainda quando, sob a proteção desses mesmos nomes, elas formulam sistemas excêntricos, ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente em publicar essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários, seja para refutar os erros, seja para lembrar que são a expressão de uma opinião individual, da qual não se assume a responsabilidade; poderiam mesmo ter um lado instrutivo, mostrando a que aberrações de ideias podem entregar-se certos Espíritos. Mas, publicá-las pura e simplesmente é apresentá-las como expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom senso não pode admitir; eis o inconveniente.

Como os Espíritos têm seu livre-arbítrio e sua opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que há escritos que a prudência e a conveniência mandam afastar. No interesse da Doutrina, convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhante caso, eliminando com cuidado tudo quanto possa, por uma causa qualquer, produzir má impressão. O médium, conformando-se a esta regra, poderia fazer uma coletânea muito instrutiva, que seria lida com interesse, ao passo que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento, poderia fazer vários volumes detestáveis, cujo menor inconveniente seria o de não serem lidos.

É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas, por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois, esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de boa-fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito, é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia.

I

Considerando-se os sábios ensinamentos dados pelos Espíritos e o grande número de pessoas que são conduzidas a Deus por seus conselhos, como é possível acreditar que seja obra do demônio?

Nesse caso, o demônio seria bem desastrado, porquanto, quem melhor do que ele para arrebatar os que não creem em Deus, nem em sua alma, nem na vida futura e, por conseguinte, fazer contra eles tudo quanto quisesse? E possível estar mais fora da Igreja do que aquele que em nada crê, embora batizado? O demônio não tem, pois, nada a fazer para atraí-lo e seria muito tolo se ele próprio conduzisse o incrédulo a Deus, à prece e a todas as crenças que o podem desviar do mal, pelo simples prazer de fazê-lo cair depois. Esta doutrina dá uma ideia muito triste do diabo, representado como um ser tão astuto, tornando-o, em verdade, bem pouco temível. O homem da fábula: O Pescador e o Peixinho, lembra-lhe o espírito. Que diriam de alguém que, tendo um pássaro numa gaiola, lhe restituísse a liberdade para o recapturar depois? Isto não é defensável. Mas há outra resposta mais séria.

Se apenas o demônio pode manifestar-se, fá-lo com ou sem a permissão de Deus. Se o faz sem essa permissão, é que é mais poderoso do que Deus; se é com sua permissão, é que Deus não é bom, já que oferece ao Espírito do mal, com exclusão de todos os outros, o poder de seduzir os homens, sem permitir que os bons Espíritos venham combater sua influência; isto nem seria um ato de bondade, nem de justiça. E seria pior ainda se, conforme a opinião dessas pessoas, a sorte dos homens estivesse irrevogavelmente fixada depois da morte, pois que Deus, então, precipitaria voluntariamente e com conhecimento de causa, suas criaturas nos tormentos eternos, armando-lhes verdadeiras ciladas. Não se podendo conceber Deus sem o infinito de seus atributos, restringir ou diminuir um só deles seria a sua negação, pois que isso implicaria a possibilidade da existência de um ser mais perfeito. Assim, essa doutrina se refuta por si mesma, gozando de pouco crédito, mesmo entre os indiferentes, para merecer qualquer consideração. Em breve seu tempo terá passado, e aqueles que a preconizam terminarão por abandoná-la, quando virem que ela lhes causa mais prejuízo do que benefícios.

VIII

O que se deve pensar da proibição de Moisés aos hebreus, para que não evoquem as almas dos mortos? Que consequência se poderia tirar do fato, relativamente às evocações atuais?

A primeira consequência a tirar-se dessa proibição é a de que é possível evocar as almas dos mortos e com elas conversar, porquanto a proibição de se fazer uma coisa implica a possibilidade de fazê-la. Seria necessário, por exemplo, fazer-se uma lei proibindo, a subida à Lua?vii

É realmente curioso ver-se os inimigos do Espiritismo reivindicarem ao passado o que julgam poder servir-lhes e repudiarem esse mesmo passado toda a vez em que ele não lhes convém. Se invocam a legislação de Moisés nesta circunstância, por que não reclamam a sua aplicação integral? Contudo, duvido que algum deles fosse tentado a fazer reviver o seu código, sobretudo o seu código penal draconiano, tão pródigo em penas de morte. Será que acham que Moisés teve razão em certos casos, e enganou-se em outros? Mas, então, por que estaria certo no que concerne às evocações? E, dizem, que Moisés fez leis apropriadas ao seu tempo e ao povo ignorante e indócil que conduzia; mas essas leis, boas naquele tempo, já não condizem com os nossos costumes e com a nossa inteligência. É exatamente o que dizemos em relação à proibição das evocações. Para interditá-la, deve ter tido um motivo. Ei-lo:

Os hebreus, no deserto, lamentavam vivamente as delícias do Egito e esta foi a causa das revoltas incessantes que Moisés, tantas vezes, não foi capaz de reprimir senão pelo extermínio; daí a excessiva severidade de suas leis. Nesse estado de coisas, viu-se forçado a fazer que seu povo rompesse com os usos e costumes que lhes pudessem lembrar o Egito. Ora, uma das práticas que os hebreus conservavam era a das evocações, praticadas naquele país desde tempos imemoriais. E isso não é tudo. Esse costume, que parecia ser bem compreendido e judiciosamente praticado na intimidade de pequeno número de iniciados nos mistérios, havia degenerado em abuso e superstição entre o povo, que nele via apenas uma arte de adivinhação, sem dúvida explorada pelos charlatães, como hoje em dia o fazem os ledores de sorte. O povo hebreu, ignorante e grosseiro, dele só tomara o aspecto abusivo. Proibindo-o, Moisés realizou um ato de boa política e sabedoria. Hoje, as coisas não são mais as mesmas, e o que podia ser outrora um inconveniente já não o é no estado atual da sociedade. Mas, nós também nos levantamos contra o abuso que se poderia fazer das relações com o além-túmulo e afirmamos que é um sacrilégio, não o fato de se estabelecerem relações com as almas dos que viveram na Terra, mas fazê-lo com leviandade, de maneira irreverente, ou por especulação. Eis por que o verdadeiro Espiritismo repudia tudo quanto pudesse tirar a essas relações seu caráter grave e religioso, pois que esta seria a verdadeira profanação. Desde que as almas podem comunicar-se, não o fazem senão com a permissão de Deus, e não há mal em fazer o que Deus permite. O mal, nesta como em todas as coisas, consiste no abuso e no mau emprego.

IX

Como podemos explicar esta passagem do Evangelho: "Haverá falsos Cristos e falsos profetas que realizarão grandes prodígios e coisas espantosas, a ponto de seduzir, se fosse possível, os próprios eleitos?" Os detratores do Espiritismo fazem dessa passagem uma arma contra os espíritas e os médiuns.

Se fôssemos recolher nos Evangelhos todas as passagens que se constituem em condenação para os adversários do Espiritismo, delas faríamos um volume. E, pois, no mínimo imprudente quem levanta uma questão que lhe pode cair sobre a cabeça, principalmente quando todas as vantagens estão do lado do Espiritismo.

Antes de mais, nem os espíritas, nem os médiuns se fazem passar por Cristos ou profetas; declaram que não fazem milagres para impressionar os sentidos, e que todos os fenômenos tangíveis produzidos por sua influência são efeitos que entram nas leis da Natureza, o que não é o caráter dos milagres. Portanto, se tivessem querido usurpar os privilégios dos profetas, não se teriam guardado de privar-se do mais poderoso prestígio: o dom dos milagres. Dando a explicação desses fenômenos, que, sem isso, poderiam passar por sobrenaturais aos olhos do povo, eles matam a falsa ambição que, em seu proveito, poderiam explorar.

Suponhamos que um homem se atribua a qualidade de profeta. Ora, não será fazendo o que fazem os médiuns que o provará, e nenhum espírita esclarecido se deixará enganar por isso. A esse título o Sr. Home, se tivesse sido um charlatão e um ambicioso, poderia ter-se dado ares de enviado celestial. Qual é, afinal, o caráter do verdadeiro profeta? O verdadeiro profeta é um enviado de Deus para advertir ou esclarecer a Humanidade. Ora, um enviado de Deus só pode ser um Espírito Superior e, como homem, um homem de bem. Será reconhecido por seus atos, que trarão o cunho de sua superioridade, e pelas grandes coisas que realizará pelo bem e para. o bem, e que revelarão sua missão, sobretudo às gerações futuras, pois que, conduzido muitas vezes e sem o saber por uma força superior, quase sempre se ignora a si mesmo. Não será, pois, ele que se atribuirá essa qualidade: são os homens que o reconhecerão como tal, as mais das vezes após a sua morte.

Se, pois, um homem quisesse fazer-se passar pela encarnação de tal ou qual profeta, deveria prová-lo pela eminência de suas qualidades morais, que em nada deveriam ser inferiores às daquele cujo nome se atribui. Ora, esse papel não é fácil de ser sustentado e nem sempre é agradável, uma vez que pode impor penosas privações e duros sacrifícios, mesmo o da vida. Há, neste momento, espalhados pelo mundo, vários pretensos Elias, Jeremias, Ezequiéis e outros, que dificilmente se adaptariam à vida do deserto, e que acham muito cômodo viver a expensas de suas ingênuas vítimas, graças ao nome que tomaram indevidamente. Há mesmo vários Cristos, como houve vários Luíses XVII, aos quais não falta senão uma coisa: a caridade, a abnegação, a humildade, a eminente superioridade moral; numa palavra, todas as virtudes do Cristo. Se, como ele, não tivessem onde repousar a cabeça, mas apenas uma cruz diante de si, bem depressa abdicariam de uma realeza tão pouco vantajosa neste mundo. Pela obra se reconhece o obreiro; que, pois, os que quiserem colocar-se acima da Humanidade, disso se mostrem dignos, caso não queiram ter a sorte do gaio que se enfeitou com as penas de pavão, ou do asno que vestiu a pele do leão. Uma queda humilhante os espera neste mundo e um dissabor mais terrível no outro, pois é ali que o que se eleva será humilhado.

Suponhamos, agora, que um homem dotado de grande força mediúnica ou magnética queira atribuir-se o título de profeta ou de Cristo. Fará prodígios a ponto de seduzir os próprios eleitos, isto é, alguns homens bons e de boa-fé; daqueles terá a aparência, mas lhes terá as virtudes? Aí está a verdadeira pedra de toque.

O Espiritismo também diz: Desconfiai dos falsos profetas! pois lhes vem arrancar as máscaras. E preciso que se saiba que ele repudia todas as mistificações e não cobre com o seu manto nenhum abuso que se cometa em seu nome.

X

Em várias localidades solicitaram-me conselhos para a formação de grupos espíritas. Tenho pouca coisa a dizer a respeito, além das instruções contidas em O Livro dos Médiuns. Acrescentarei apenas algumas palavras.

A primeira condição é formar um grupo de pessoas sérias, por mais restrito que seja. Cinco ou seis membros esclarecidos, sinceros, penetrados das verdades da Doutrina e unidos pela mesma intenção, valem cem vezes mais do que a inclusão, nesse grupo, de curiosos e indiferentes. Em seguida, que esses membros fundadores estabeleçam um regulamento que se tornará em lei para os novos aderentes.

Esse regulamento é muito simples e quase só comporta medidas de disciplina interior, pois não exige os mesmos detalhes requeridos para uma sociedade numerosa e regularmente constituída. Cada grupo pode, pois, estabelecer-se como bem o entenda. Todavia, para maior facilidade e uniformidade, darei um modelo, que poderá ser modificado conforme as circunstâncias e as necessidades do lugar. Em todo o caso, o objetivo essencial proposto deve ser o recolhimento, a manutenção da mais perfeita ordem e o afastamento de qualquer pessoa que não estivesse animada de intenções sérias e pudesse transformar-se numa causa de perturbação. Eis por que nunca se seria demasiado severo em relação aos novos elementos a serem admitidos. Não temais que essa severidade prejudique a propagação do Espiritismo. Muito ao contrário: as reuniões sérias são as que fazem mais prosélitos. As reuniões frívolas, as que não são conduzidas com ordem e dignidade, nas quais o primeiro curioso que aparece pode vir despejar suas facécias, não inspiram nem atenção, nem respeito e delas os incrédulos saem menos convencidos do que ao entrarem. Estas reuniões fazem a alegria dos inimigos do Espiritismo, ao passo que as outras são o seu pesadelo e eu conheço pessoas que veriam de bom grado a sua multiplicação, contanto que as outras desaparecessem. Felizmente, é o contrário que acontece. É preciso, além disso, persuadir-se de que o desejo de ser admitido nas reuniões sérias aumenta em razão da dificuldade. Quanto à propaganda, ela se faz bem menos pelo numero dos assistentes, que uma ou duas sessões não podem convencer, do que pelo estudo prévio e pela conduta dos membros fora das reuniões.

Excluir as mulheres seria injuriar sua capacidade de julgamento que, seja dito sem lisonja, muitas vezes leva vantagem sobre a de certos homens e até mesmo sobre a de alguns críticos ilustres. Sua presença exige uma observação mais rigorosa das leis de urbanidade e interdita o desleixo comum às reuniões compostas exclusivamente de homens. Além disso, por que privá-las da influência moralizadora do Espiritismo? A mulher sinceramente espírita só poderá ser uma boa filha, boa esposa e boa mãe de família; por sua própria posição, muitas vezes tem mais necessidade do que qualquer outra pessoa das sublimes consolações; será mais forte e mais resignada nas provas da vida. Aliás, não se sabe que os Espíritos só têm sexo para a encarnação? Se a igualdade dos direitos da mulher deve ser reconhecida em alguma parte, seguramente deve ser entre os espíritas, e a propagação do Espiritismo apressará, infalivelmente, a abolição dos privilégios que o homem a si mesmo concedeu pelo direito do mais forte. O advento do Espiritismo marcará a era da emancipação legal da mulher.

Tampouco deveis recear a admissão dos jovens. A gravidade da assembleia refletir-se-á em seu caráter; eles se tornarão mais sérios e ainda cedo poderão haurir, no ensino dos bons Espíritos, esta fé viva em Deus e no futuro, esse sentimento dos deveres da família, que os tornarão mais dóceis, mais respeitosos, e que modera a efervescência das paixões.

Quanto às formalidades legais, não há, na França, nenhuma a preencher para as reuniões que não excedam a vinte pessoas. Além deste número, as reuniões regulares e periódicas devem ser autorizadas, salvo uma tolerância, que não pode ser vista como um direito, de que desfruta a maior parte dos grupos espíritas, em razão de seu caráter pacífico, exclusivamente moral e, também, porque não constituem associações nem afiliações. Em qualquer circunstância, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, caso para isso sejam solicitados.

Recentemente formaram-se alguns grupos especiais, cuja multiplicação jamais deixaríamos de encorajar: são os denominados grupos de ensino. Neles, ocupam-se pouco ou nada das manifestações, mas, sim, da leitura e da explicação de O Livro dos Espíritos, de ‘O Livro dos Médiuns’ e de artigos da Revista Espírita. Algumas pessoas devotadas reúnem com esse objetivo certo número de ouvintes, suprindo para eles as dificuldades de ler e estudar por si mesmos. Aplaudimos de todo o coração essa iniciativa que, esperamos, terá imitadores e não poderá, em se desenvolvendo, deixar de produzir os mais felizes resultados. Para isso não se tem necessidade de ser orador ou professor; é uma leitura em família, seguida de algumas explicações sem pretensão à eloquência, e que está ao alcance de toda gente.

Sem fazer disso objeto de ocupação exclusiva, muitos grupos têm por hábito iniciar as sessões pela leitura de algumas passagens de O Livro dos Espíritos ou de O Livro dos Médiuns. Ficaríamos contentes se víssemos essa prática adotada por todos eles, cuja eficácia é chamar a atenção para princípios que poderiam ser mal compreendidos ou passar despercebidos. Neste caso, é útil que os dirigentes, ou presidentes dos grupos, preparem previamente as passagens que deverão constituir o objeto da leitura, a fim de adequar essa escolha às circunstâncias.

Espero que não achem ruim que eu indique essas obras como base do ensino, uma vez que são as únicas em que a ciência espírita está desenvolvida em todas as suas partes e de maneira metódica; mas, incorreria em erro quem me julgasse exclusivo a ponto de repelir outras obras, entre as quais, muitas, seguramente, merecem as simpatias de todos os bons espíritas. Ademais, num estudo completo é preciso examinar-se tudo, mesmo aquilo que for mau. Considero também como muito útil a leitura das críticas, para delas fazer ressaltar o vazio e a falta de lógica; com certeza não há nelas uma só que seja capaz de abalar a fé de um espírita sincero; não podem senão fortalecê-la, pois muitas vezes já fizeram que nascesse nos incrédulos que se deram ao trabalho de compará-las. Dá-se o mesmo com certas obras que, embora feitas com um objetivo sério, não deixam de conter erros manifestos ou excentricidades, que devem ser destacados.

Eis um outro hábito, cuja adoção não é menos útil. É essencial que cada grupo recolha e passe a limpo as comunicações obtidas, a fim de a elas facilmente recorrer em caso de necessidade. Os Espíritos que vissem desprezadas suas instruções logo abandonariam as reuniões; mas é necessário, sobretudo, que se faça à parte uma coletânea especial, organizada e clara, das comunicações mais belas e mais instrutivas, e reler algumas delas em cada sessão, a fim de aproveitá-las melhor.

XI

Muitas vezes me tem sido perguntado se é útil começar as sessões com preces e atos exteriores de devoção. Minha resposta não é apenas minha; é, também, a dos Espíritos eminentes que trataram dessa questão.

É, sem dúvida, não apenas útil, mas necessário, rogar, por uma invocação especial, por uma espécie de prece, o concurso dos bons Espíritos. Essa prática, aliás, não pode predispor senão ao recolhimento, condição essencial de toda reunião séria. Já o mesmo não se dá com os sinais exteriores de culto, pelos quais certos grupos creem dever abrir suas sessões, e que têm mais de um inconveniente, a despeito da boa intenção com que são sugeridos.

Tudo nas reuniões deve passar-se religiosamente, isto é, com gravidade, respeito e recolhimento. Mas não nos devemos esquecer de que o Espiritismo se dirige a todos os cultos; que, por consequência, não deve adotar as formalidades de nenhum em particular. Seus inimigos já foram bastante hábeis, apresentando-o como uma seita nova, a fim de terem um pretexto para o combater. Não se pode, pois, corroborar essa opinião pelo uso de fórmulas das quais não deixariam de tirar partido, para dizer que as reuniões espíritas são assembleias de protestantes, de cismáticos; não penseis que tais fórmulas sejam capazes de congregar certos antagonistas. O Espiritismo, chamando a si os homens de todas as crenças, para uni-los sob a bandeira da caridade e da fraternidade, habituando-os a se olharem como irmãos, seja qual for sua maneira de adorar a Deus, não deve chocar as convicções de ninguém pelo emprego de sinais exteriores de um culto qualquer. Poucas são as reuniões espíritas, por menores que sejam, sobretudo na França, em que não haja membros ou assistentes pertencentes a diferentes religiões. Se o Espiritismo se colocasse abertamente no terreno de uma delas, afastaria as outras. Ora, como há espíritas em todas, ver-se-iam formar-se grupos católicos, judeus ou protestantes, perpetuando-se, assim, o antagonismo religioso, que o Espiritismo tende a abolir.

É também a razão pela qual deve-se abster, nas reuniões, de discutir dogmas particulares, o que, certamente, melindraria certas consciências, ao passo que as questões de moral são de todas as religiões e de todos os países. O Espiritismo é um terreno neutro, sobre o qual todas as opiniões religiosas podem encontrar-se e se dar as mãos. Ora, a desunião poderia nascer da controvérsia. Não vos esqueçais de que a desunião é um dos meios pelos quais os inimigos do Espiritismo buscam atacá-lo; é com esse objetivo que muitas vezes eles induzem certos grupos a se ocuparem de questões irritantes ou comprometedoras, sob o pretexto especioso de que não se deve colocar a luz sob o alqueire. Não vos deixeis prender nessa armadilha, e que os dirigentes de grupos sejam firmes para repelirem todas as sugestões deste gênero, se não quiserem passar por cúmplices dessas maquinações.

O emprego de sinais exteriores do culto teria o mesmo resultado: o de uma cisão entre os adeptos. Uns acabariam por achar que não são suficientemente empregados; outros, que o são em excesso. Para evitar esse inconveniente, que é muito grave, convém abster-se de toda prece litúrgica, sem excetuar a Oração Dominical, por mais bela que seja. Como ninguém abjura sua religião ao participar de uma reunião espírita, cada um, no seu íntimo e mentalmente, faça a prece que julgar conveniente; mas que nada haja de ostensivo e, sobretudo, nada de oficial. Dá-se o mesmo com o sinal da cruz, ao costume de ajoelhar-se, etc, sem o que não haveria razão para se impedir que um muçulmano espírita, integrante de um grupo espírita, se prosternasse e recitasse em voz alta sua fórmula sacramentai: "Só há um Deus e Maomé é o seu profeta."

Não existe inconveniente quando as preces feitas na intenção de alguém são independentes de qualquer culto particular. Sendo assim, creio supérfluo salientar o quanto haveria de ridículo em fazer-se toda uma assistência repetir em coro uma prece ou uma fórmula qualquer, prática vista por alguém que ma contou.

Fique bem entendido que o que acaba de ser dito só se aplica aos grupos ou sociedades formados de pessoas estranhas umas às outras, mas de modo algum às reuniões íntimas de família, nas quais, naturalmente, cada pessoa é livre para agir como bem entender, desde que ali não se melindra a ninguém.

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