Viagem espírita em 1862

Allan Kardec

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Discursos pronunciados nas reuniões gerais dos Espíritas de Lyon e Bordeaux.

I

Senhores e caros irmãos espíritas,

Não sois mais principiantes em Espiritismo. Assim, hoje deixarei de lado os detalhes práticos sobre os quais, devo reconhecer, estais suficientemente esclarecidos, para considerar a questão sob um aspecto mais largo, sobretudo em suas consequências. Este lado da questão é grave, o mais grave incontestavelmente, pois que mostra o objeto para onde se inclina a Doutrina e os meios para atingi-lo. Serei um pouco longo, talvez, pois o assunto é muito vasto e, contudo, restaria ainda muito a dizer para o completar. Assim, reclamarei vossa indulgência considerando que, não podendo ficar convosco senão por algum tempo, sou forçado a dizer de uma só vez o que, em outras circunstâncias, eu teria dividido em várias partes.

Antes de abordar o ângulo principal do assunto, creio dever examiná-lo de um ponto de vista que, de certo modo, me é pessoal. Todavia, se não se tratasse senão de uma questão individual, seguramente com ela eu não me ocuparia; porém, ela se liga a várias questões gerais, podendo resultar instruções para todo mundo. Foi esse o motivo que me levou a aproveitar esta ocasião para explicar a causa de certos antagonismos que muita gente se admira de encontrar em meu caminho.

No estado atual das coisas aqui na Terra, qual é o homem que não tem inimigos? Para não os ter, fora preciso não estar na Terra, por ser esta a consequência da inferioridade relativa do nosso globo e de sua destinação como mundo de expiação. Para isto, bastaria fazer o bem? Oh! não; o Cristo não está aí para o provar? Se, pois, o Cristo, a bondade por excelência, foi alvo de tudo quanto a maldade pôde imaginar, por que nos admirarmos de que assim suceda com aqueles que valem cem vezes menos?

O homem que pratica o bem - isto dito em tese geral - deve, pois, esperar contar com a ingratidão, ter contra ele aqueles que, não o praticando, são ciumentos da estima concedida aos que o praticam. Os primeiros, não se sentindo fortalecidos para se elevarem, procuram rebaixar os outros ao seu nível, pondo em xeque, pela maledicência ou pela calúnia, aqueles que os ofuscam.

Ouve-se constantemente dizer que a ingratidão com que somos pagos endurece o coração e nos torna egoístas; falar assim é provar que se tem o coração fácil de ser endurecido, porquanto esse temor não poderia deter o homem verdadeiramente bom. O reconhecimento já é uma remuneração do bem que se faz; praticá-lo tendo em vista esta remuneração, é fazê-lo por interesse. E, depois, quem sabe se aquele a quem se faz um favor, e do qual nada se espera, não será levado a melhores sentimentos por um reto proceder? É talvez um meio de levá-lo a refletir, de abrandar sua alma, de salvá-lo! Esta esperança é uma nobre ambição; se nos decepcionamos, não teremos realizado o que nos cabia realizar.

Entretanto, não se deve crer que um benefício que permanece estéril na Terra seja sempre improdutivo; muitas vezes é um grão semeado que só germina na vida futura do beneficiado. Várias vezes já observamos Espíritos, ingratos como homens, serem tocados, como Espíritos, pelo bem que lhes haviam feito, e essa lembrança, despertando neles bons pensamentos, facilita-lhes o caminho do bem e do arrependimento, contribuindo para abreviar-lhes os sofrimentos. Só o Espiritismo poderia revelar este resultado da beneficência; só a ele estava dado, pelas comunicações de além-túmulo, mostrar o lado caridoso desta máxima: Um benefício jamais é perdido, em lugar do sentido egoísta que lhe atribuem. Mas, voltemos ao que nos concerne.

Pondo de lado qualquer questão pessoal, tenho adversários naturais nos inimigos do Espiritismo. Não penseis que me lastime: longe disto! Quanto maior é a animosidade deles, tanto mais ela comprova a importância que a Doutrina assume aos seus olhos; se fosse uma coisa sem consequência, uma dessas utopias que já nascem inviáveis, não lhe prestariam atenção, nem a mim. Não vedes escritos muito mais hostis que os meus quanto aos preconceitos, e nos quais as expressões não são mais moderadas do que a ousadia dos pensamentos, sem que, no entanto, digam uma única palavra? Dar-se-ia o mesmo com as doutrinas que procuro difundir, se permanecessem restritas às folhas de um livro. Mas, o que pode parecer mais surpreendente, é que eu tenha adversários, mesmo entre os adeptos do Espiritismo. Ora, é aqui que uma explicação se faz necessária.

Entre os que adotam as ideias espíritas, há, como sabeis, três categorias bem distintas:

1a) - Os que creem pura e simplesmente nos fenômenos das manifestações, mas que não lhes deduzem nenhuma consequência moral;

2ª) - Os que veem o lado moral, mas o aplicam aos outros e não a si próprios;

3ª) - Os que aceitam para si mesmos todas as consequências da Doutrina, e que praticam ou se esforçam por praticar a sua moral.

Estes, vós bem o sabeis, são os verdadeiros espíritas, os espíritas cristãos. Esta distinção é importante, porque explica bem as anomalias aparentes. Sem isso seria difícil compreender-se a conduta de certas pessoas. Ora, o que reza esta moral? Amai-vos uns aos outros; perdoai aos vossos inimigos; retribuí o mal com o bem; não tenhais ódio, nem rancor, nem animosidade, nem inveja, nem ciúme; sede severos para convosco mesmos e indulgentes para com os outros. Tais devem ser os sentimentos de um verdadeiro espírita, daquele que vê o fundo e não a forma, que põe o Espírito acima da matéria; este pode ter inimigos, mas não é inimigo de ninguém, pois não deseja o mal a ninguém e, com mais forte razão, não procura fazer o mal a quem quer que seja.

Como vedes, senhores, este é um princípio geral, do qual todo mundo pode tirar proveito. Se, pois, tenho inimigos, não podem ser contados entre os espíritas desta categoria, porque, admitindo-se que tivessem legítimos motivos de queixa contra mim, o que me esforço por evitar, isto não seria motivo para me odiarem, considerando-se que não fiz mal a ninguém. O Espiritismo tem por divisa: Fora da caridade não há salvação, o que significa dizer: Fora da caridade não há verdadeiros espíritas. Concito-vos a inscrever, doravante, esta dupla máxima em vossa bandeira, porque ela resume ao mesmo tempo a finalidade do Espiritismo e o dever que ele impõe.

Estando, pois, admitido que não se pode ser bom espírita com sentimentos de rancor no coração, eu me orgulho de contar apenas com amigos entre estes últimos, pois que, se eu tiver defeitos, eles saberão desculpá-los. Veremos, em seguida, a que imensas e férteis consequências conduz este princípio.

Vejamos, pois, as causas que podem excitar certas animosidades.

Desde que surgiram as primeiras manifestações dos Espíritos, muitas pessoas aí viram um meio de especulação, uma nova mina a explorar. Se essa ideia tivesse seguido seu curso, teríeis visto médiuns pululando por toda parte, ou se apresentando como tais, dando consulta a tanto por sessão; os jornais estariam cobertos por seus anúncios e reclames; os médiuns se teriam transformado em ledores de sorte e o Espiritismo seria incluído na mesma linha da adivinhação, da cartomancia, da necromancia, etc. Nesse conflito, como poderia o público discernir a verdade da mentira? Reabilitar o Espiritismo não seria coisa fácil. Era preciso impedir que ele tomasse esse atalho funesto, cortando pela raiz um mal que o teria retardado de mais de um século. Foi o que me esforcei por fazer, demonstrando, desde o princípio, o lado grave e sublime desta nova ciência; fazendo-a sair do caminho puramente experimental para fazê-la entrar no da filosofia e da moral; mostrando, finalmente, que seria profanação explorar a alma dos mortos, quando cercamos seus despojos de respeito. Desse modo, assinalando os inevitáveis abusos que resultariam de semelhante estado de coisas, contribuí, e disso me ufano, para desacreditar a exploração do Espiritismo, levando o público a considerá-lo como coisa séria e santa.

Creio ter prestado algum serviço à causa; mas, não tivesse feito senão isso, e já me daria por satisfeito. Graças a Deus meus esforços foram coroados de sucesso, não apenas na França, mas no estrangeiro; e posso dizer que os médiuns profissionais são hoje raras exceções na Europa. Por toda parte onde minhas obras penetraram e servem de guia, o Espiritismo é considerado sob o seu verdadeiro ponto de vista, isto é, sob o ponto de vista exclusivamente moral; por toda parte os médiuns, devotados e desinteressados, compreendem a santidade de sua missão, são cercados da consideração que lhes é devida, seja qual for a sua posição social; e essa consideração cresce em razão mesma da posição realçada pelo desinteresse.

Não pretendo absolutamente dizer que entre os médiuns interessados não existam muitos que sejam honestos e dignos de estima. Mas a experiência tem provado, a mim e a tantos outros, que o interesse é um poderoso estimulante para a fraude, porque se quer ganhar dinheiro; e se os Espíritos não ajudam, o que acontece muitas vezes, já que não estão por conta de nossos caprichos, a astúcia, fecunda em expedientes, encontra facilmente meios de supri-los. Para um que agir lealmente, haverá cem que abusaria e prejudicaria o Espiritismo em sua reputação. Por isso, os nossos adversários não perderam a ocasião para explorar, em proveito de suas críticas, as fraudes que puderam testemunhar, concluindo que tudo devia ser falso, e que era de todo conveniente que se opusessem a esse novo gênero de charlatanismo. Em vão objeta-se que a santa doutrina não é responsável por tais abusos. Conheceis o provérbio: "Quando se quer matar o cão alheio, diz-se que está raivoso."

Que resposta mais peremptória poder-se-á dar à acusação de charlatanismo do que dizer: "Quem vos pediu para vir? Quanto pagastes para entrar?" Aquele que paga quer ser servido; exige uma compensação por seu dinheiro; se não lhe dão o que espera, tem o direito de reclamar. Ora, para evitar isto, querem servi-lo a qualquer preço. Eis o abuso; mas esse abuso, em vez de ser exceção, ameaça tornar-se uma regra, sendo preciso detê-lo. Agora que a opinião se formou a respeito, só os inexperientes correm perigo.

Àqueles, pois, que se queixarem de ter sido enganados, ou de não terem obtido as respostas que desejavam, pode-se dizer: Se tivésseis estudado o Espiritismo, teríeis sabido em que condições ele pode ser observado com proveito; quais são os legítimos motivos de confiança e de desconfiança, o que se pode dele esperar, e não teríeis pedido o que ele não pode dar; não teríeis ido consultar um médium como a cartomante, para pedir revelações aos Espíritos, informações sobre heranças, descobertas de tesouros e cem outras coisas semelhantes que não são da alçada do Espiritismo. Se fostes induzido em erro, não deveis inculpar senão a vós mesmos.

É bem evidente que não se pode considerar como exploração a contribuição que se paga a uma sociedade para prover às despesas da reunião. Diz a mais vulgar equidade que não se pode impor esse gasto a pessoas de parcos recursos ou que não dispõem de tempo suficiente para comparecerem às reuniões. A especulação consiste em se fazer uma indústria da coisa, em convocar o primeiro que chegar, curioso ou indiferente, para arrancar seu dinheiro. Uma sociedade que assim agisse, seria tão repreensível, ou mais repreensível ainda que o indivíduo, e já não mereceria confiança. É justo e não constitui exploração ou especulação que uma sociedade acuda a todas as suas despesas, não as deixando sobre os ombros de um só; outra, porém seria a situação, se o primeiro que chegasse pudesse comprar o direito de entrada, mediante pagamento, porque seria desnaturar o objetivo essencialmente moral e instrutivo das reuniões desse gênero, para fazer delas um espetáculo de curiosidade. Quanto aos médiuns, eles se multiplicam de tal modo, que os profissionais seriam hoje completamente supérfluos.

Tais são, senhores, as ideias que me esforcei por fazer prevalecer, e me sinto contente por ter triunfado mais facilmente do que esperava. Mas, compreendei, aqueles de quem frustrei as esperanças não são meus amigos. Eis, pois, uma categoria que não me pode ver com bons olhos, o que, aliás, pouco me inquieta. Se alguma vez a exploração do Espiritismo tentasse introduzir-se em nossa cidade, eu vos convidaria a renegar essa nova indústria, a fim de não serdes solidários com ela e para que as censuras que possam provocar não venham a cair sobre a doutrina pura.

Ao lado da especulação material, há a que se poderia chamar especulação moral, isto é, a satisfação do orgulho, do amor-próprio; é o caso daqueles que, mesmo sem interesse pecuniário, julgavam fazer do Espiritismo um pedestal honorífico para se porem em evidência. Não os favoreci, e meus escritos, assim como meus conselhos, se contrapuseram a mais de uma premeditação, mostrando que as qualidades do verdadeiro espírita são a abnegação e a humildade, segundo esta máxima do Cristo: "Quem se exalta será humilhado." Esta segunda categoria também não me aprecia e bem poderia ser chamada a das ambições frustradas e dos amores-próprios melindrados.

Em seguida vêm as pessoas que não me perdoam por ter sido bem-sucedido, para as quais o sucesso de minhas obras é uma causa de desgosto, que perdem o sono quando assistem aos testemunhos de simpatia que me são dispensados. E a camarilha dos invejosos, pouco ou nada indulgente, reforçada por criaturas que, por temperamento, não podem ver um homem erguer um pouco a cabeça sem tentar abaixá-la.

Uma camarilha das mais irascíveis, acreditai, encontra-se entre os médiuns, não entre os médiuns interesseiros, mas entre os desinteressados, materialmente falando; quero falar dos médiuns obsediados, ou melhor, fascinados. Algumas observações a respeito não deixam de ter sua utilidade.

Por orgulho, estão de tal modo persuadidos de que tudo quanto obtêm é sublime, e não pode vir senão de Espíritos Superiores, que se irritam à mínima observação crítica, a ponto de se indisporem com seus amigos quando estes têm a inabilidade de não admirar os seus absurdos. Nisto reside a prova da má influência que os domina, pois, supondo-se que, por falta de julgamento ou de instrução, eles não enxergassem claramente, não seria motivo para embirrar contra os que não lhes comungam a opinião; mas isto não convém aos Espíritos obsessores que, para melhor manter o médium sob sua dependência, inspiram-lhe o afastamento, mesmo a aversão por quem quer que lhes possa abrir os olhos.

Há, ainda, aqueles cuja susceptibilidade é levada ao excesso; que se melindram com as mínimas coisas, mesmo com o lugar que lhes é destinado nas reuniões, se não os põem em evidência, com a ordem estabelecida para a leitura de suas comunicações, ou quando se proíbe a leitura daquelas cujo objeto não parece oportuno numa assembleia; dos que não são solicitados com muito empenho a dar o seu concurso; outros se contrariam porque a ordem dos trabalhos não é invertida, de modo a contemplar as suas conveniências; outros gostariam de ser tidos como médiuns titulares de um grupo ou de uma sociedade, quer chova ou faça bom tempo, e que seus Espíritos dirigentes fossem tomados por árbitros absolutos de todas as questões, etc. Estes motivos são tão pueris e mesquinhos que nenhum deles ousa confessá-los; mas nem por isso deixam de ser a fonte de uma surda animosidade que, mais cedo ou mais tarde se trai, ou pelas malquerenças, ou pelo afastamento. Não tendo boas razões para dar, há os que não têm escrúpulos de alegar pretextos imaginários. Como não estou disposto a me dobrar diante de todas essas pretensões, é um erro - que digo? é um crime imperdoável aos olhos de certas pessoas que, naturalmente me deram as costas, erro maior ainda porque não lhes dei importância. Imperdoável! Concebeis esta palavra nos lábios de pessoas que se dizem espíritas? Tal palavra deveria ser riscada do vocabulário do Espiritismo.

Esse desgosto, a maior parte dos chefes de grupos ou de sociedades, como eu, tem experimentado, e os concito a fazer como eu, isto é, a dispensarem os médiuns que antes constituem um entrave que um recurso. Com eles estamos sempre pouco à vontade, temerosos de feri-los com as mais insignificantes ações.

Antigamente esse inconveniente era mais frequente do que agora. Quando os médiuns eram mais raros, devíamos contentar-nos com os que existiam; mas hoje, que eles se multiplicam a olhos vistos, o inconveniente diminui em razão da própria escolha e à medida que eles se compenetram melhor dos verdadeiros princípios da Doutrina.

Pondo de lado o grau da faculdade, as qualidades essenciais de um bom médium são a modéstia, a simpatia e o devotamento. Deve oferecer seu concurso tendo em vista tornar-se útil, e não para satisfazer à sua vaidade; jamais deve tomar partido das comunicações que recebe, pois, de outra forma, poderia fazer crer que nelas põe algo de si, e que tem interesse em defendê-las; deve aceitar a crítica, mesmo solicitá-la, e submetê-la ao parecer da maioria, sem ideias premeditadas; se o que escreve é falso, é mau, detestável, devem dizê-lo sem temor de o magoar, porque ele não é responsável por nada. Eis os médiuns realmente úteis numa reunião e com os quais jamais teremos contrariedade, porque compreendem a Doutrina; os outros não a compreendem ou não a querem compreender. São estes que recebem as melhores comunicações, porque não se deixam dominar por Espíritos orgulhosos; os Espíritos mentirosos os temem, pois se reconhecem impotentes para deles abusar.

Em seguida vem a categoria das pessoas que jamais estão contentes. Algumas acham que ando depressa demais, outras com excessiva lentidão; é, de fato, como na fábula do Moleiro, seu filho e o asno. Os primeiros me reprovam por haver formulado princípios prematuros, de me impor como chefe de escola filosófica. Mas, pondo de lado qualquer ideia espírita, não tenho o direito de criar, como tantos outros, uma filosofia a meu modo, ainda que absurda? Se os meus princípios são falsos, por que não colocam outros em seu lugar e não os fazem prevalecer? Ao que parece, em geral eles não são considerados tão despropositados, já que encontram numerosos aderentes; mas não seria exatamente isto que excita o mau humor de certa gente? Se esses princípios não encontrassem partidários, fossem ridículos em alto grau, não se falaria mais deles.

Os segundos, os que pretendem que não ando com bastante rapidez, esses gostariam de me empurrar - creio que com boa intenção, pois é sempre melhor acreditar no bem do que no mal - num caminho que não quero me arriscar. Sem, pois, me deixar influenciar pelas ideias de uns e de outros, prossigo meu caminho; tenho um objetivo, vejo-o, sei quando e como o atingirei, e não me inquieto com os clamores dos que passam.

Como vedes, senhores, não faltam pedras em meu caminho; passo por elas, mesmo sobre as maiores. Se se conhecesse a verdadeira causa de certas antipatias e de certos afastamentos, muitas surpresas se apresentariam. Deve-se ainda mencionar as pessoas que se puseram, em relação a mim, em posições falsas, ridículas ou comprometedoras, e que procuram justificar-se, sub-repticiamente, por meio de pequenas calúnias; os que esperavam seduzir-me pela bajulação, crendo poder levar-me a servir aos seus desígnios e que reconheceram a inutilidade de suas manobras para atrair minha atenção. Enfim, os que não me perdoam por lhes ter adivinhado os propósitos, e que são como a serpente sobre a qual se pisa. Se toda essa gente quisesse se colocar, ao menos por um instante, em uma posição extraterrena e ver as coisas um pouco mais do alto, compreenderia o quanto é pueril o que a preocupa e não se admiraria da pouca importância que a tudo isso dão os verdadeiros espíritas. E que o Espiritismo abre horizontes tão vastos, que a vida corporal, tão curta e tão efêmera, se apaga com todas as suas vaidades e suas pequenas intrigas, ante o infinito da vida espiritual.

Não devo, entretanto, omitir uma censura que me foi dirigida: a de nada fazer para trazer novamente a mim as pessoas que se afastam. Isto é verdadeiro, e se é uma censura fundada, eu a mereço, porque jamais dei um passo nesse sentido; eis os motivos de minha indiferença:

Os que vêm a mim, fazem-no porque isto lhes convém; é menos por minha pessoa do que pela simpatia aos princípios que professo. Os que se afastam, fazem-no porque não lhes convenho ou porque não concordam com a nossa maneira de ver as coisas. Por que, então, eu iria contrariá-los, impondo-me a eles? Parece-me mais conveniente deixá-los em paz. Aliás, eu não teria mesmo tempo para isto, pois, como é sabido, minhas ocupações não me deixam um instante de repouso, e por um que parte, há mil que chegam; dedico-me, antes de tudo, a estes últimos, e é isso que faço. Orgulho? desprezo por outrem? Oh! seguramente não; não desprezo ninguém; lamento os que agem mal e peço a Deus e aos bons Espíritos que façam renascer neles melhores sentimentos; eis tudo. Se voltam, são sempre bem-vindos, mas, correr atrás deles, jamais o faço, em razão do tempo que reclamam as pessoas de boa vontade; e, depois, porque não concedo a certas pessoas a importância que elas se atribuem. Para mim, um homem é um homem e nada mais; meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, e não pela posição que ocupa. Ainda que esteja altamente colocado, se agir mal, se for egoísta e presunçoso de sua dignidade, é a meus olhos inferior a um simples operário que age bem, e eu aperto mais cordialmente a mão de um pequeno que deixa falar o coração, do que a de um grande, cujo coração nada diz; a primeira me aquece, a segunda me enregela.

Personagens da mais alta condição social me honram com sua visita, sem que, por causa delas, jamais um proletário tenha ficado na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe fica lado a lado com o artesão; se se sentir humilhado, dir-lhe-ei que não é digno de ser espírita. Mas, sinto-me feliz em dizer, muitas vezes os tenho visto apertarem-se as mãos fraternalmente, e digo de mim para mim: "Espiritismo, eis um dos teus milagres; é o prelúdio de muitos outros prodígios!"

Não dependeria senão de mim abrir as portas da alta sociedade; contudo, jamais fui nelas bater. Isto me tomaria um tempo que creio poder empregar mais utilmente. Coloco em primeira linha consolar os que sofrem, levantar a coragem dos abatidos, arrancar um homem de suas paixões, do desespero, do suicídio, detê-lo talvez no abismo do crime. Isto não vale mais do que os lambris dourados? Tenho milhares de cartas que para mim são mais valiosas do que todas as honras da Terra, e que encaro como verdadeiros títulos de nobreza. Assim, não vos admireis se deixo partir aqueles que não me procuram.

Tenho adversários, bem o sei! Mas o seu número não é tão grande quanto se poderia crer pelos cálculos que fiz; eles se encontram nas categorias que citei, mas são apenas indivíduos isolados, e seu número é pouca coisa em comparação com os que desejam testemunhar-me sua simpatia. Aliás, jamais foram bem-sucedidos em perturbar meu repouso; jamais suas maquinações e suas diatribes me abalaram; e devo acrescentar que esta profunda indiferença de minha parte, o silêncio que oponho aos seus ataques, é o que mais os exaspera. Por mais que façam, nunca conseguirão fazer-me sair da moderação, que é a regra de minha conduta; jamais poderão dizer que respondi injúria com injúria. As pessoas que me veem na intimidade sabem que jamais me ocupei delas, que nem uma única palavra foi dita na Sociedade, nem se fez alusão relativamente a qualquer uma delas. Nunca respondi na Revista às suas agressões, quando dirigidas à minha pessoa, e Deus sabe que não têm faltado ocasiões!

Aliás, que pode o seu malquerer? Nada, nem contra a Doutrina, nem contra mim. Por sua marcha progressiva, a Doutrina prova que nada teme. Quanto a mim, não ocupando nenhuma posição, nada me pode ser tirado; como nada peço e não solicito coisa alguma, não me podem recusar nada; não devo nada a ninguém; por isso nada podem reclamar de mim; não falo mal de ninguém, nem mesmo dos que falam mal de mim. Em que poderiam, então, prejudicar-me? É verdade que podem atribuir a mim palavras que eu não disse, e é o que já fizeram mais de uma vez. Mas os que me conhecem sabem do que sou capaz de dizer e de não dizer e eu agradeço aos que, em semelhantes casos, souberam responder por mim. O que digo, estou sempre pronto a repetir, na presença de quem quer que seja, e quando afirmo não ter dito ou feito uma coisa, julgo-me no direito de ser acreditado.

Além disso, o que representam todas estas coisas, tendo em vista o objetivo a que todos nós, espíritas sinceros e dedicados, perseguimos? esse imenso futuro que se desdobra aos nossos olhos? Acreditai-me, senhores, fora preciso encarar como um roubo perpetrado contra a grande obra os instantes que perdêssemos preocupados com essas misérias. De minha parte agradeço a Deus por me ter concedido, já aqui na Terra, ao preço de algumas tribulações passageiras, tantas compensações morais e a alegria de assistir ao triunfo da Doutrina.

Peço-vos perdão, senhores, por vos haver entretido, por tanto tempo, com a minha pessoa, pois julguei que era útil estabelecer claramente esta posição, a fim de que soubésseis a quem vos ater, conforme as circunstâncias, e para que possais estar convencidos de que minha linha de conduta está traçada e que nada me fará desviar dela. Aliás, creio que destas observações - abstração feita de minha pessoa - poderão resultar alguns ensinamentos úteis.

Passemos, agora, a um outro ponto e vejamos em que situação se encontra o Espiritismo.

II

O Espiritismo apresenta um fenômeno inédito na história das filosofias: é a rapidez de sua marcha. Nenhuma outra doutrina oferece exemplo semelhante. Quando se considera o progresso que tem feito de ano para ano, pode-se, sem muita presunção, prever a época em que ele será a crença universal.

A maioria dos países estrangeiros participa desse movimento: a Áustria, a Polônia, a Rússia, a Itália, a Espanha, a cidade de Constantinopla, etc., contam numerosos adeptos e várias sociedades perfeitamente organizadas. Tenho inscritas mais de cem cidades onde há reuniões. Nesse grupo, Lyon e Bordeaux ocupam o primeiro lugar. Honra, pois, a essas duas cidades, imponentes por sua população e por suas luzes, e onde tão alto e tão firmemente foi hasteada a bandeira do Espiritismo. Muitas outras ambicionam caminhar em suas pegadas.

Por minhas viagens, estou em condições de conversar com muitas pessoas. Todos concordam em dizer que a cada ano a opinião pública registra progressos; os galhofeiros diminuem a olhos vistos. Mas, à zombaria sucede a cólera. Ontem riam, hoje se zangam. De acordo com velho provérbio, isto é de bom augúrio, pois leva os incrédulos a concluir que deve haver algo de sério em tudo isto.

Um fato não menos característico é que tudo quanto os adversários do Espiritismo fizeram para entravar sua marcha, longe de detê-lo, ativou o seu progresso, e se pode dizer que, por toda parte, o progresso está na razão da violência dos ataques. A imprensa o enalteceu? Todos sabem que, longe de auxiliá-lo, ela lhe tem dado pontapés. Pois bem! tais expedientes não o fizeram senão avançar. Dá-se o mesmo com os ataques de toda natureza de que ele tem sido objeto.

Há, pois, um fenômeno constante: é que, sem o recurso de nenhum dos meios vulgarmente empregados para alcançar o que se denomina um sucesso, a despeito dos entraves que lhe suscitaram, o Espiritismo não deixou de crescer, e cresce todos os dias como para dar um desmentido aos que lhe prediziam fim próximo. Será uma presunção, uma bravata? Não, é um fato que é impossível negar. Ele hauriu, pois, sua força em si mesmo, o que prova o poder dessa ideia. Aqueles a quem isso contraria devem tomar o seu partido e se resignarem a deixar passar os que não podem deter. É que o Espiritismo é uma ideia, e quando uma ideia caminha, transpõe todas as barreiras; não se pode detê-la na fronteira como um fardo de mercadoria. Queimam-se livros, mas não se queimam ideias, e suas próprias cinzas, levadas pelo vento, vão fecundar a terra onde elas devem frutificar.

Mas, não basta lançar uma ideia ao mundo para que ela crie raízes; não, certamente. Não se criam à vontade opiniões ou hábitos. Dá-se o mesmo com as invenções e as descobertas: a mais útil fracassa se vem antes do tempo ou se a necessidade que está destinada a satisfazer ainda não existe. E assim com as doutrinas filosóficas, políticas, religiosas ou sociais; é preciso que os espíritos estejam amadurecidos para as aceitar; vindas muito cedo, ficam em estado latente e, como frutos plantados fora da estação, não se desenvolvem.

Se, pois, o Espiritismo encontra tão numerosas simpatias, é que seu tempo é chegado; é que os espíritos estavam maduros para o receber; é que responde a uma necessidade, a uma aspiração. Disto tendes a prova no número, hoje considerável, de pessoas que o acolhem sem estranheza, como uma coisa muito natural, quando lhes falam dele pela primeira vez, e que confessam que as coisas deveriam ser assim mesmo, sem, contudo, poderem defini-las. Sente-se o vazio moral que a incredulidade e o materialismo criam em torno do homem; compreende-se que essas doutrinas cavam um abismo para a sociedade; que destroem os laços mais sólidos: os da fraternidade. E, depois, instintivamente, o homem tem horror ao nada, como a Natureza tem horror ao vazio. Eis por que ele acolhe com alegria a prova de que o nada não existe.

Mas, objetarão, não se lhe ensina diariamente que o nada não existe? Sem dúvida que o ensinam; mas, então, como é possível que a incredulidade e a indiferença tenham crescido sem cessar neste último século? É que as provas dadas não satisfazem mais agora; é que já não correspondem às necessidades de sua inteligência. O desenvolvimento científico e industrial tornou o homem positivo. Quer dar-se conta de tudo; quer saber o porquê e o como de cada coisa. Compreender para crer tornou-se uma necessidade imperiosa, razão por que a fé cega não tem mais domínio sobre ele. Para uns isto é um mal, para outros é um bem. Sem discutir o princípio, diremos que tal é a marcha da Natureza. A humanidade coletiva, como os indivíduos, tem sua infância e sua idade madura; quando se encontra na maturidade, desfaz-se das fraldas e quer utilizar suas próprias forças, isto é, sua inteligência. Fazê-la retroceder é tão impossível quanto fazer um rio subir para a sua fonte.

Dirão que atacar o mérito da fé cega é uma impiedade, porque Deus quer que se aceite sua palavra sem exame. A fé cega podia ter sua razão de ser, direi mesmo, sua necessidade, num certo período da Humanidade. Se hoje ela não basta mais para fortalecer a crença, é porque está na natureza da Humanidade que assim deve ser.

Ora, quem fez as leis da Natureza? Deus ou satã? Se foi Deus, não haverá impiedade em seguir suas leis. Se, hoje, compreender para crer se tornou uma necessidade para a inteligência, como beber e comer o é para o estômago, é que Deus quer que o homem faça uso de sua inteligência, pois do contrário não lha teria dado.

Há pessoas que não sentem essa necessidade; que se contentam em crer sem exame. Não as censuramos absolutamente, e longe de nós o pensamento de as perturbar em sua quietude. O Espiritismo não se dirige a elas; desde que têm tudo o de que precisam, nada há a oferecer-lhes; não obriga a comer à força aqueles que declaram não ter fome. O Espiritismo só se dirige àqueles para os quais o alimento intelectual, que lhes é dado, já não é suficiente, e seu número é bastante grande para que ele se ocupe com os outros. Por que, então, se queixam, quando ele não os vai procurar? O Espiritismo não procura ninguém; não se impõe a ninguém. Limita-se a dizer: Eis-me aqui, eis o que sou, eis o que trago; os que julgam precisar de mim, que se aproximem; os outros, que permaneçam em suas casas; não lhes vou perturbar a consciência, nem injuriá-los. Apenas lhes peço reciprocidade.

Por que, então, o materialismo tende a suplantar a fé? É que até agora a fé não raciocina, limitando-se a dizer: Crede! enquanto o materialismo raciocina. Convenhamos que são sofismas, mas, bons ou maus, são razões que, no pensamento de muitos, arrastam aqueles a quem nada oferecem. Acrescentai a isto que a ideia materialista satisfaz aos que se comprazem na vida material; que querem passar por cima das consequências do futuro, esperando, desse modo, escapar à responsabilidade de seus atos. Em suma, a ideia materialista é eminentemente favorável à satisfação de todos os apetites brutais. Na incerteza do futuro, o homem se diz: Gozemos sempre o presente; que me importam os semelhantes? Por que me sacrificar por eles? Dizem que são meus irmãos; mas de que me servem irmãos que não verei mais? que talvez amanhã estejam mortos e eu também? Que seremos, então, uns para com os outros? Nada, se uma vez mortos nada resta de nós. De que serviria impor-me privações? que compensação resultaria para mim, se tudo acaba comigo?

Fundai, então, uma sociedade sobre as bases da fraternidade, com ideias semelhantes! O egoísmo, tal é a sua consequência natural; com ele, cada um leva a melhor parte e é o mais forte que triunfa. Por sua vez diz o fraco: Sejamos egoístas, já que os outros o são; não pensemos senão em nós, pois os outros só pensam neles próprios.

Tal é, forçoso é convir, o mal que tende a invadir a sociedade moderna, e esse mal, como um verme roedor, pode arruiná-la em seus fundamentos! Oh! como são culpados os que a levam por esse caminho, os que se esforçam por matar as crenças e os que preconizam o presente a expensas do futuro! Terão uma terrível conta a pagar pelo uso que houverem feito de sua inteligência!

No entanto, a incredulidade deixa atrás de si uma vaga de inquietude. Por mais que o homem procure iludir-se, não pode furtar-se de pensar algumas vezes no que lhe sucederá depois; mau grado seu, a ideia do nada o enregela. Quereria uma certeza e não a encontra; então flutua, hesita, duvida e a incerteza o mata; sente-se infeliz em meio aos prazeres materiais que não podem preencher o abismo do nada que se abre à sua frente, e onde imagina que será precipitado.

É nesse momento que chega o Espiritismo, como uma âncora de salvação, como uma luz nas trevas de sua alma. Vem tirá-lo do vazio, não por uma vaga esperança, mas por provas irrecusáveis: as da observação dos fatos; vem fortalecer sua fé, não lhe dizendo simplesmente: Crede, porque eu vo-lo digo, mas: Vede, tocai, compreendei e crede. Ele não podia vir num momento mais oportuno, seja para deter o mal antes que se tornasse incurável, seja para satisfazer às necessidades do homem, que já não crê sob palavra, que quer racionalizar aquilo em que crê. O materialismo o havia seduzido por seus falsos raciocínios; aos seus sofismas era preciso opor raciocínios sólidos, apoiados em provas materiais. Nessa luta, a fé cega já se mostrava impotente. Eis por que digo que o Espiritismo veio a seu tempo.

O que falta ao homem é a fé no futuro; porém, a ideia que dele lhe dão é incapaz de satisfazer o seu gosto pelo positivo. E muito vaga, muito abstrata; os laços que o ligam ao presente não são bastante definidos. Ao contrário, o Espiritismo nos apresenta a alma como um ser circunscrito, semelhante a nós, menos o envoltório material de que se despojou, mas revestido de um invólucro fluídico, o que já é mais compreensível e faz que se conceba melhor a sua individualidade. Além disso ele prova, pela experiência, as relações incessantes do mundo visível e do mundo invisível, que se tornam, assim, solidários um com o outro. As relações da alma com a Terra não cessam com a vida; a alma, no estado de Espírito, constitui uma das engrenagens, uma das forças vivas da Natureza; não é mais um ser inútil, que não pensa e já não age senão para si durante a eternidade; é sempre e por toda parte um agente ativo da vontade de Deus para a execução de suas obras. Assim, conforme a Doutrina Espírita, tudo se liga, tudo se encadeia no Universo; e nesse grande movimento, admiravelmente harmonioso, as afeições sobrevivem. Longe de se extinguirem, elas se fortificam e se depuram.

Ainda que tudo isto não passasse de um sistema, teria sobre os outros a vantagem de ser mais sedutor, embora sem oferecer mais certeza. Mas é o próprio mundo invisível que vem revelar-se a nós, provar que existe, não em regiões do espaço inacessíveis mesmo ao pensamento, mas aqui, ao nosso lado, que nos cerca e que vivemos em meio dele, como um povo de cegos em meio a pessoas que veem. Isto pode perturbar certas ideias, convenho, mas, diante de um fato, queiramos ou não, temos de nos inclinar. Por mais que digam que não é assim, seria preciso que provassem a sua impossibilidade; a provas palpáveis, deveriam opor provas mais palpáveis ainda. Ora, o que opõem? A negação!

O Espiritismo apoia-se sobre fatos. Esses fatos, de acordo com o raciocínio e uma lógica rigorosa, dão à Doutrina Espírita o caráter de positivismo que convém à nossa época. O materialismo veio minar toda crença, subverter toda base, toda razão de ser da moral e solapar os próprios fundamentos da sociedade, proclamando o reino do egoísmo. Então os homens sérios se perguntaram para onde um tal estado de coisas nos conduziria; viram um abismo, e eis que o Espiritismo veio preenchê-lo, dizendo ao materialismo: Não irás mais longe, pois aqui estão fatos que provam a falsidade de teus raciocínios. O materialismo ameaçava fazer a sociedade mergulhar em trevas, dizendo aos homens: O presente é tudo, porquanto o futuro não existe. O Espiritismo vem restabelecer a verdade, afirmando: O presente nada é, o futuro é tudo, e o prova.

Um adversário asseverou em certo jornal que o Espiritismo é cheio de seduções. Ele não podia, mau grado seu, fazer maior elogio da Doutrina, condenando-se, ao mesmo tempo de maneira mais peremptória. Dizer que uma coisa é sedutora é dizer que agrada. Ora, eis aqui o grande segredo da propagação do Espiritismo. Que, então, lhe oponham algo de mais sedutor para suplantá-lo! Se não o fazem, é que não têm nada de melhor a oferecer. Por que ele agrada?

E muito fácil dizê-lo.


Ele agrada:

1) Porque satisfaz à aspiração instintiva do homem quanto ao futuro;

2) Porque apresenta o futuro sob um aspecto que a razão pode admitir;

3) Porque a certeza da vida futura faz com que o homem sofra sem se queixar das misérias da vida presente;

4) Porque, com a pluralidade das existências, essas misérias têm uma razão de ser, são explicáveis e, em vez de acusarem a Providência, consideram-nas justas e as aceitam sem murmurar;

5) Porque o homem é feliz por saber que os seres que lhe são caros não estão perdidos para sempre, que os encontrará novamente e que estão quase sempre ao seu lado;

6) Porque todas as máximas dadas pelos Espíritos tendem a tornar melhores os homens uns para com os outros.

Existem ainda outros motivos, que só os espíritas são capazes de compreender. Em compensação, que meios de sedução oferece o materialismo? O nada. Eis aí toda a consolação que ele dá às misérias da vida!

Com tais elementos, o futuro do Espiritismo não pode ser duvidoso e, contudo, se nos devemos admirar de alguma coisa, é que ele tenha aberto um caminho tão rápido através dos preconceitos. Como e por que meios alcançará a transformação da Humanidade, é o que nos resta examinar.

III

Quando consideramos o estado atual da sociedade, somos tentados a olhar sua transformação como um milagre. Pois bem! é um milagre que o Espiritismo pode e deve realizar, porque está nos desígnios de Deus, mediante a palavra de ordem: Fora da caridade não há salvação. Que a sociedade tome esta máxima por divisa e a ela conforme sua conduta, em lugar daquela que está na ordem do dia: A caridade bem ordenada começa por si, e tudo se modificará. Toda a questão consiste em fazê-la aceita.

Bem sabeis, senhores, que a palavra caridade tem uma acepção muito ampla. Há caridade em pensamentos, em palavras, em ações; não consiste apenas na esmola. Alguém é caridoso em pensamentos sendo indulgente para com as faltas do próximo; caridoso em palavras, nada dizendo que possa prejudicar a outrem; caridoso em ações quando assiste o próximo na medida de suas forças. O pobre, que partilha seu naco de pão com outro mais pobre que ele, é mais caridoso e tem mais mérito aos olhos de Deus do que aquele que dá do supérfluo, sem de nada se privar.

Quem quer que alimente contra o próximo sentimentos de ódio, de animosidade, de inveja, de rancor, falta com a caridade. A caridade é a antítese do egoísmo; a primeira é a abnegação da personalidade, o segundo é a exaltação da personalidade. Uma diz: Para vós em primeiro lugar, para mim depois; e o outro: Para mim antes, para vós se sobrar. A primeira está toda inteira nestas palavras do Cristo: "Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem." Numa palavra, aplica-se sem exceção a todas as relações sociais. Haveremos de convir que, se todos os membros de uma sociedade agissem de conformidade com esse princípio, haveria menos decepções na vida. Desde que dois homens estejam juntos, contraem, por isto mesmo, deveres recíprocos; se quiserem viver em paz, serão obrigados a se fazerem mútuas concessões. Esses deveres aumentam com o número dos indivíduos; as aglomerações formam um todo coletivo que também tem suas obrigações respectivas. Tendes, pois, além das relações de indivíduo a indivíduo, as de cidade a cidade, de país a país. Essas relações podem ter dois móveis que são a negação um do outro: o egoísmo e a caridade, pois que há também egoísmo nacional. Com o egoísmo, prevalece o interesse pessoal, cada um vive para si, vendo no semelhante apenas um antagonista, um rival que pode concorrer conosco, que podemos explorar ou que pode nos explorar; aquele que fará o possível para chegar antes de nós: a vitória é do mais esperto e a sociedade - coisa triste de dizer, muitas vezes consagra essa vitória, o que faz com que ela se divida em duas classes principais: os exploradores e os explorados. Disso resulta um antagonismo perpétuo, que faz da vida um tormento, um verdadeiro inferno. Substituí o egoísmo pela caridade e tudo se modificará; ninguém procurará fazer o mal ao seu vizinho; os ódios e os ciúmes se extinguirão por falta de combustível, e os homens viverão em paz, ajudando-se mutuamente em vez de se dilacerarem. Se a caridade substituir o egoísmo, todas as instituições sociais serão fundadas sobre o princípio da solidariedade e da reciprocidade; o forte protegerá o fraco, em vez de o explorar.

E um belo sonho, dirão; infelizmente não passa de um sonho; o homem é egoísta por natureza, por necessidade e o será sempre. Se assim fosse, o que seria muito triste, é o caso de se perguntar com que objetivo o Cristo veio até nós pregar a caridade aos homens; equivaleria a pregar aos animais. Examinemos, contudo, a questão.

Há progresso do selvagem ao homem civilizado? Não se procura, diariamente, abrandar os costumes dos selvagens? Mas, com que finalidade, se o homem é incorrigível? Estranha bizarria! Esperais corrigir selvagens e pensais que o homem civilizado não pode melhorar-se! Se o homem civilizado tivesse a pretensão de haver atingido o último limite do progresso acessível à espécie humana, bastaria comparar os costumes, o caráter, a legislação, as instituições sociais de hoje com as de outrora. E, no entanto, os homens de outrora, também eles, acreditavam ter alcançado o último degrau. Que teria respondido um grão-senhor do tempo de Luís XIV se lhe tivessem dito que poderia dispor de uma ordem de coisas melhor, mais equitativa, mais humana do que a então vigente? Que esse regime mais equitativo seria a abolição dos privilégios de castas e a igualdade do grande e do pequeno diante da lei? O audacioso que assim falasse talvez pagasse caro sua temeridade.

Disso concluímos que o homem é eminentemente perfectível, e que os mais adiantados hoje poderão parecer tão atrasados dentro de alguns séculos quanto o são os da Idade Média em relação a nós. Negar o fato seria negar o progresso, que é uma lei da Natureza.

Embora o homem tenha progredido do ponto de vista moral, deve-se convir que esse progresso se realizou principalmente no sentido intelectual. Por quê? Eis ainda um desses problemas que só ao Espiritismo estava dado explicar, mostrando-nos que a moral e a inteligência raramente caminham lado a lado; enquanto o homem dá alguns passos num deles, se retarda no outro. Mais tarde, porém, torna a ganhar o terreno que havia perdido, e as duas forças acabam por se equilibrar nas encarnações sucessivas. O homem chegou a um período em que as ciências, as artes e a indústria atingiram um limite até hoje desconhecido; se os gozos que delas tira satisfazem à vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a algo melhor: sonha com melhores instituições; quer a vida, a felicidade, a igualdade, a justiça para todos. Mas, como atingir tudo isso com os vícios da sociedade e, sobretudo, com o egoísmo? O homem sente, pois, a necessidade do bem para ser feliz; compreende que só o reino do bem pode dar a felicidade a que tanto aspira. Esse reinado ele o pressente, porquanto, instintivamente, tem fé na justiça de Deus e uma voz secreta lhe diz que uma nova era vai iniciar-se.

Como se dará isto? Uma vez que o reino do bem é incompatível com o egoísmo, é preciso que o egoísmo seja destruído. Ora, quem o pode destruir? A predominância do sentimento do amor, que leva os homens a se tratarem como irmãos e não como inimigos. A caridade é a base, a pedra angular de todo o edifício social; sem ela o homem só construirá sobre a areia. Que os esforços e, sobretudo, os exemplos de todos os homens de bem concorram, pois, para propagá-la; que não se desencorajem se virem uma recrudescência das más paixões. Elas são os inimigos do bem e, vendo o seu avanço, investem contra ele; mas Deus permitiu que, por seus próprios excessos, elas se destruíssem. O paroxismo de um mal é sempre o sinal de que chega ao seu fim.

Acabo de dizer que sem a caridade o homem não constrói senão sobre a areia. Um exemplo nos fará compreender melhor.

Alguns homens bem-intencionados, tocados pelos sofrimentos de uma parte de seus semelhantes, julgaram encontrar o remédio para o mal em certos sistemas de reforma social. Com pequenas diferenças, o princípio é mais ou menos o mesmo em todos eles, seja qual for o nome que se lhes dê. Vida comunitária por ser a menos onerosa; comunidade de bens, para que todos tenham sua parte; participação de todos para a obra comum; nada de grandes riquezas, mas, também, nada de miséria. Isto era muito sedutor para quem, nada tendo, já via a bolsa do rico entrar no fundo social, sem calcular que a totalidade das riquezas, postas em comum, criaria uma miséria geral, em vez de uma miséria parcial; que a igualdade hoje estabelecida seria rompida amanhã pela mobilidade da população e pela diferença entre as aptidões; que a igualdade permanente dos bens supõe a igualdade de capacidades e de trabalho. Mas, não é esta a questão; não entra em minhas cogitações examinar o lado positivo e negativo desses sistemas. Faço abstração das impossibilidades que acabo de citar e me proponho considerá-los de um outro ponto de vista que, parece-me, ainda não preocupou a ninguém e que se relaciona com o nosso assunto.

Os autores, fundadores ou promotores de todos esses sistemas, sem exceção, não tiveram em mira senão a organização da vida material de uma maneira proveitosa a todos. O objetivo é louvável, sem dúvida. Resta saber se, nesse edifício, não falta a única base que poderia consolidá-lo, admitindo-se que fosse praticável.

A comunidade é a abnegação mais completa da personalidade. Cada um devendo dar de si pessoalmente, ela requer o mais absoluto devotamento. Ora, o móvel da abnegação e do devotamento é a caridade, isto é, o amor ao próximo. Mas reconhecemos que o fundamento da caridade é a crença; que a falta de crença conduz ao materialismo e o materialismo leva ao egoísmo. Um sistema que, por sua natureza e para sua estabilidade, requer virtudes morais no mais supremo grau, deve tomar seu ponto de partida no elemento espiritual. Pois bem! já que o lado material é o seu objetivo exclusivo, não só o elemento espiritual não é levado em consideração, como vários sistemas são fundados sobre uma doutrina materialista altamente confessada, ou sobre o panteísmo, espécie de materialismo disfarçado, verdadeiro adorno do belo nome de fraternidade. Mas a fraternidade, assim como a caridade, não se impõe nem se decreta; é preciso que esteja no coração e não será um sistema que a fará nascer, se lá ela não estiver; caso contrário o sistema ruirá e dará lugar à anarquia.

A experiência aí está para provar que não se sufocam nem as ambições, nem a cupidez. Antes de fazer a coisa para os homens, é preciso formar os homens para a coisa, como se formam obreiros, antes de lhes confiar um trabalho. Antes de construir, é preciso assegurar-se da solidez dos materiais. Aqui os materiais sólidos são os homens de coração, de devotamento e de abnegação. O egoísmo, o amor e a fraternidade são, como já dissemos, palavras vãs; como, então, sob o império do egoísmo, fundar um sistema que requeira a abnegação num grau tanto maior quanto tem, por princípio essencial, a solidariedade de todos para com cada um e de cada um para com todos? Alguns deixaram o torrão natal para ir fundar, a distância, colônias sob o regime da fraternidade; quiseram fugir do egoísmo que os esmagava, mas o egoísmo os seguiu e lá, onde se acham, encontraram exploradores e explorados, pois lhes falta a caridade. Imaginaram que fosse suficiente conduzir o maior número possível de criaturas, sem pensar que, ao mesmo tempo, levavam os vermes roedores de sua instituição, arruinada tão mais rapidamente porque não tinham em si nem força moral, nem força material suficientes.

O que lhes faltava não eram braços numerosos, mas corações sólidos. Infelizmente, muitos não os seguiram, porquanto, nada tendo feito alhures, julgaram estar liberados de certas obrigações pessoais. Viram apenas um alvo sedutor, sem perceberem a espinhosa rota para o alcançar. Decepcionados em suas esperanças, reconhecendo que, antes de gozar, era preciso trabalhar muito, sacrificar muito e sofrer bastante, tiveram por perspectiva o desânimo e o desespero. Sabeis o que sucedeu à maioria. Seu erro é terem querido construir um edifício começando pelo teto, antes de ter assentado fundamentos sólidos. Estudai a História e a causa da queda dos Estados mais florescentes e por toda parte vereis a mão do egoísmo, da cupidez e da ambição.

Sem a caridade, não há instituição humana estável; e não pode haver caridade nem fraternidade possíveis, na verdadeira acepção da palavra, sem a crença. Aplicai-vos, pois a desenvolver esses sentimentos que, engrandecendo-se, destruirão o egoísmo que vos mata. Quando a caridade tiver penetrado as massas, quando se tiver transformado na fé, na religião da maioria, então vossas instituições se tornarão melhores pela força mesma das coisas; os abusos, oriundos do personalismo, desaparecerão. Ensinai, pois, a caridade e, sobretudo, pregai pelo exemplo: é a âncora de salvação da sociedade. Só ela pode realizar o reino do bem na Terra, que é o reino de Deus; sem ela, o que quer que façais, só criareis utopias, das quais só vos resultarão decepções.

Se o Espiritismo é uma verdade, se deve regenerar o mundo, é porque tem por base a caridade. Ele não vem derrubar os cultos nem estabelecer um novo; proclama e prova verdades comuns a todos, base de todas as religiões, sem se preocupar com detalhes. Não vem destruir senão uma coisa: o materialismo, que é a negação de toda religião; não vem pôr abaixo senão um templo: o do egoísmo e do orgulho; mas vem dar uma sanção prática a estas palavras do Cristo, que são toda a sua lei: "Amai ao vosso próximo como a vós mesmos." Não vos admireis, pois, de que ele tenha por adversários os adoradores do bezerro de ouro, cujos altares vem destruir. Tem naturalmente contra si os que acham sua moral incômoda, os que de bom grado teriam pactuado com os Espíritos e suas manifestações, se estes condescendessem em distraí-los; se não tivesse vindo rebaixar-lhes o orgulho, pregar-lhes a abnegação, o desinteresse e a humildade. Deixai-os dizer e fazer; as coisas não deixarão de seguir sua marcha, porque estão nos desígnios de Deus.

Por sua poderosa revelação, o Espiritismo vem, pois, apressar a reforma social. Por certo seus adversários rirão dessa pretensão e, contudo, ela nada tem de presunçosa. Demonstramos que a incredulidade, a simples dúvida em relação ao futuro, leva o homem a se concentrar na vida presente, o que muito naturalmente desenvolve o sentimento do egoísmo. O único remédio para o mal é concentrar a atenção sobre um outro ponto e confundi-lo, por assim dizer, a fim de que modifique seus hábitos.

Provando de maneira patente a existência do mundo invisível, o Espiritismo leva, forçosamente, a uma ordem de ideias bem diversa, porque alarga o horizonte moral limitado à Terra. A importância da vida corporal diminui à medida que cresce a da vida espiritual; colocando-nos naturalmente num outro ponto de vista, o que nos parecia uma montanha não se nos afigura maior do que um grão de areia. As vaidades, as ambições terrenas tornam-se puerilidades, brinquedos infantis em presença do futuro grandioso que nos aguarda. Prendendo-nos menos às coisas terrenas, menos nos satisfaremos a expensas dos outros, donde uma diminuição no sentimento do egoísmo.

O Espiritismo não se limita a provar o mundo invisível. Pelos exemplos que desdobra aos nossos olhos, ele no-lo mostra em sua realidade e não tal como a imaginação o havia feito conceber; ele no-lo revela povoado de seres felizes ou infelizes, mas prova que só a caridade, a soberana lei do Cristo, pode assegurar, a felicidade. Por outro lado, vemos a sociedade terrestre dilacerar-se mutuamente sob o império do egoísmo, ao passo que viveria feliz e pacífica sob o domínio da caridade. Com a caridade tudo é, pois, benefício para o homem: felicidade neste mundo e no outro. Não se trata mais, conforme a expressão de um materialista, de um sacrifício de tolos, mas, segundo a expressão do Cristo, de um dinheiro aplicado ao cêntuplo. Com o Espiritismo o homem compreende que tem tudo a ganhar se fizer o bem, e tudo a perder se praticar o mal. Ora, entre a certeza - eu não direi a chance - de perder ou ganhar, a escolha não pode ser duvidosa. Assim, a propagação da ideia espírita tende, necessariamente, a tornar melhores os homens uns para com os outros. O que ele faz hoje sobre os indivíduos, fará amanhã, em relação às massas, quando estiver divulgado de maneira geral. Tratemos, pois, de propagá-lo no interesse de todos.

Prevejo uma objeção que, segundo essas ideias, pode ser levantada: a de que a prática do bem seria um cálculo interesseiro. A isso respondo que a Igreja, prometendo as alegrias do céu ou ameaçando com as chamas do inferno, conduz ela própria os homens pela esperança e pelo temor; que o próprio Cristo afirmou que o que se der neste mundo será devolvido centuplicado. Realmente, haverá maior mérito em fazer-se o bem espontaneamente, sem pensar em suas consequências; mas, nem todos os homens já chegaram a esse estágio, e mais vale praticar o bem com esse estimulante do que não o praticar absolutamente.

Dizem que as pessoas que fazem o bem sem desígnio premeditado e, a bem dizer, sem se darem conta do fato, não têm mérito algum, desde que não se esforçaram por fazê-lo. É um erro. O homem não chega a nada sem esforço. Aquele que o faz espontaneamente nesta existência, teve de lutar na precedente, e o bem acabou por se identificar com ele; daí por que tudo lhe parece natural; o bem está neles como em outras pessoas estão as ideias, que, também elas, tiveram sua fonte num trabalho anterior. E ainda um dos problemas que o Espiritismo vem resolver. Os homens de bem tiveram também o mérito da luta; para eles a vitória já está alcançada; os outros ainda têm que conquistá-la. Eis por que, como as crianças, precisam de um estimulante, isto é, de uma meta a alcançar, ou, se o quiserdes, de um prêmio a conquistar.

Uma outra objeção mais séria é esta: se o Espiritismo produz todos esses resultados, os espíritas devem ser os primeiros a se aproveitarem deles. A abnegação, o devotamento, o desinteresse, a indulgência para com os outros, a abstenção absoluta de toda palavra ou de todo ato que possa prejudicar o próximo; numa palavra, a caridade em sua mais pura acepção deve ser a regra invariável de sua conduta. Não devem conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris susceptibilidades do amor-próprio; devem fazer o bem pelo bem, com modéstia e sem ostentação, praticando esta máxima do Cristo: "Que a vossa mão esquerda não saiba o que dá a vossa mão direita", a fim de que não se lhes aplique estes versos de Racine: Um benefício lançado em rosto vale sempre por uma ofensa.

Enfim, a mais perfeita harmonia deve reinar entre eles. Por que, então, se citam exemplos que parecem contradizer a eficácia dessas belas máximas?

No início das manifestações espíritas, muitos as aceitaram sem lhes prever as consequências; a maior parte nelas não viu senão efeitos mais ou menos curiosos; mas quando daí saiu uma moral severa, deveres rigorosos a cumprir, muitos se sentiram sem forças para praticá-la e a ela se conformarem. Faltou-lhes coragem, devotamento, abnegação, humildade; em tais indivíduos a natureza corporal prevaleceu sobre a espiritual. Acreditaram, mas recuaram diante da execução. Não havia pois, na origem, senão espíritas, isto é, crentes; a filosofia e a moral abriram a essa ciência um horizonte novo, criando os espíritas praticantes; uns ficaram na retaguarda, os outros seguiram em frente.

Quanto mais a moral se sublimou, tanto mais realçou as imperfeições dos que não quiseram segui-la, assim como uma luz brilhante faz ressaltar as sombras; era um espelho: alguns não quiseram nele se olhar, ou, crendo nele se reconhecerem, preferiam atirar a pedra a quem lho mostrasse. Tal é ainda a causa de certas animosidades; mas, sinto-me feliz em dizer: são exceções, pequenas sombras sobre um quadro imenso, incapazes de alterar o seu brilho. Pertencem em grande parte ao que poderíamos chamar de espíritas da primeira formação. Quanto aos que se formaram depois e se formam diariamente, a grande maioria aceitou a Doutrina precisamente por causa de sua moral e de sua filosofia. Eis por que se esforçam em praticá-la.

Pretender que todos devessem tornar-se perfeitos, seria desconhecer a natureza da Humanidade; mas, ainda que não se tivessem despojado senão de algumas partes do homem velho, seria sempre um progresso, que deve ser levado em conta. São indesculpáveis aos olhos de Deus apenas aqueles que, estando devidamente esclarecidos, não o aproveitaram como deveriam. A estes, certamente, será pedida uma conta severa, da qual sofrerão as consequências já aqui na Terra, como temos visto numerosos exemplos. Mas, ao lado destes, em muitos outros se operou uma verdadeira metamorfose. Encontraram na crença espírita a força de vencer as más inclinações desde muito tempo arraigadas, de romper com velhos hábitos, de calar ressentimentos e inimizades, de tornar menores as distâncias sociais. Pedem milagres ao Espiritismo: eis os que ele produz.

Assim, pela força das coisas, o Espiritismo terá por consequência inevitável a melhoria moral; esta melhoria conduzirá à prática da caridade, e da caridade nascerá o sentimento da fraternidade. Quando os homens estiverem imbuídos dessas ideias, a elas conformarão suas instituições, e será assim que realizarão, naturalmente e sem abalos, todas as reformas desejáveis. E a base sobre a qual assentarão o edifício do futuro.

Essa transformação é inevitável, porque está conforme à lei do progresso; mas, se apenas seguir a marcha natural das coisas, sua realização poderá ainda demorar muito. Se acreditarmos na revelação dos Espíritos, está nos desígnios de Deus ativá-la e estamos nos tempos preditos para isso. A concordância das comunicações a esse respeito é um fato digno de nota; de todos os lados é dito que nos aproximamos da era nova e que grandes coisas irão cumprir-se. Todavia, seria um erro acreditar que o mundo está ameaçado por um cataclismo material. Examinando as palavras do Cristo, é evidente que nesta, como em muitas outras circunstâncias, ele falou de maneira alegórica. A renovação da Humanidade, o reino do bem sucedendo ao reino do mal são coisas bastante notáveis que podem realizar-se sem que haja necessidade de englobar o mundo num naufrágio universal, nem fazer que apareçam fenômenos extraordinários, nem derrogar as leis naturais. É sempre neste sentido que os Espíritos se têm exprimido.

Tendo a Terra alcançado o tempo marcado para se tornar uma morada feliz, elevando-se assim na hierarquia dos mundos, basta a Deus não mais permitir aos Espíritos imperfeitos que aqui se reencarnem; que daqui afaste os que, por orgulho, incredulidade e maus instintos constituem obstáculo ao progresso e perturbam a boa harmonia, como procedeis vós mesmos numa assembleia em que necessitais ter paz e tranquilidade e da qual afastais aqueles que a ela possam trazer desordem; como se expulsa de um país os malfeitores, que são degredados em regiões longínquas; que na raça, ou melhor, para nos servirmos das palavras do Cristo, na geração dos Espíritos enviados em expiação à Terra, desapareçam os que se mantiveram incorrigíveis, a fim de serem substituídos por uma geração de Espíritos mais adiantados. Para isto, basta uma geração de homens e a vontade de Deus, que pode, mediante acontecimentos inesperados, não obstante muito naturais, ativar sua partida daqui. Se, pois, como foi dito, a maior parte das crianças que hoje nascem pertencem à nova geração de Espíritos melhores, e cada dia partindo as piores para não mais voltarem, é evidente que, em dado tempo, haverá uma renovação completa. O que acontecerá com os Espíritos exilados? Irão para mundos inferiores, onde expiarão o seu endurecimento por longos séculos de provas terríveis, pois que também eles são anjos rebeldes que menosprezaram o poder de Deus e se revoltaram contra suas leis, que o Cristo lhes viera recordar.vi

Seja como for, nada se faz bruscamente em a Natureza. A velha levedura deixará ainda, durante algum tempo, traços que se apagarão pouco a pouco. Quando os Espíritos nos dizem, e o fazem por toda parte, que nos aproximamos desse momento, não creiais que sejamos testemunhas de uma transformação visível; querem significar que estamos no momento da transição; que assistimos à partida dos antigos e à chegada dos novos, que virão fundar uma nova ordem de coisas, isto é, o reino da justiça e da caridade, que é o verdadeiro reino de Deus, predito pelos profetas, e cujas vias o Espiritismo vem preparar.

Como vedes, senhores, já estamos bem longe das mesas girantes e, contudo, apenas alguns anos nos separam desse berço do Espiritismo! Quem quer que tivesse sido bastante audacioso então para predizer o que hoje ele é, teria passado por insensato aos olhos dos próprios adeptos. Vendo uma pequena semente, quem poderia compreender, se não a tivesse visto, que dali sairia uma árvore imensa? Vendo a criança nascida no estábulo de uma pobre aldeia da Judéia, quem poderia imaginar que, sem fausto e sem poder mundano, sua simples voz abalaria o mundo, assistido somente por alguns pescadores ignorantes e pobres como Ele? Dá-se o mesmo com o Espiritismo que, saído de um humilde e vulgar fenômeno, já estende raízes em todas as direções, cujos ramos em breve albergarão a Terra inteira. E que as coisas vão depressa, quando Deus o quer; e quem não veria aí o dedo de Deus, considerando-se que nada acontece sem a sua vontade?

Vendo a marcha irresistível das coisas, podeis dizer também, como outrora os cruzados, marchando para a conquista da Terra Santa: Deus o quer! mas, com esta diferença: eles marchavam com o ferro e o fogo na mão, ao passo que não tendes por arma senão a caridade que, em vez de provocar ferimentos mortais, derrama um bálsamo salutar sobre os corações doloridos. E, com esta arma pacífica, que brilha aos olhos como um raio divino, e não como um ferro assassino, que semeia a esperança, e não o temor, tereis, dentro de alguns anos, levado ao aprisco da fé mais ovelhas desgarradas do que o fizeram vários séculos de violência e opressão. E com a caridade por guia que o Espiritismo caminha para a conquista do mundo.

É uma quimera, um sonho fantástico o quadro que vos tracei? Não! a razão, a lógica, a experiência, tudo diz que é uma realidade.

Espíritas! Sois os pioneiros dessa grande obra; tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primeiros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai pelo exemplo; fazei que, em se vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vossa boca. A exemplo dos apóstolos, fazei milagres, pois Deus vos concedeu o dom. Não milagres para ferir os sentidos, mas milagres de caridade e de amor. Sede bons para com os vossos irmãos, sede bons para com todo mundo, sede bons para com os vossos inimigos! A exemplo dos apóstolos, expulsai os demônios, já que tendes poder para tanto, pois eles pululam em torno de vós: são os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que insuflam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia. Expulsai-os de vossos corações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. Fazei esses milagres e Deus vos abençoará e as gerações futuras vos bendirão, como as de agora abençoam os primeiros cristãos, muitos dos quais revivem entre vós para assistir e concorrer ao coroamento da obra do Cristo. Fazei esses milagres e vossos nomes serão inscritos gloriosamente nos anais do Espiritismo. Não ofusqueis esse brilho por sentimentos e atos indignos de verdadeiros espíritas, de espíritas cristãos. Despojai-vos, o quanto antes, de tudo quanto possa ainda restar em vós do velho levedo. Considerai que de um momento para outro, amanhã talvez, o anjo da morte pode vir bater à vossa porta e vos dizer: Deus te chama para que lhe prestes conta do que fizeste de sua palavra, da palavra de seu Filho, que Ele fez repetir pelos bons Espíritos. Ficai, pois, sempre prontos para partir e não façais como o viajor imprudente que é pego desprevenido. Fazei vossas provisões com antecipação, isto é, provisões de boas obras e de bons sentimentos, porquanto, infeliz daquele que o momento fatal surpreende com ódio, inveja ou ciúme no coração; terão por escolta os maus Espíritos, que se rejubilarão com as desgraças que o esperam, porque essas desgraças seriam a sua obra. E sabeis, espíritas, quais são essas desgraças: os próprios que as sofrem vêm até vós para descrever os seus sofrimentos. Aos que, ao contrário, se apresentarem puros, os bons Espíritos virão estender a mão, dizendo-lhes: Irmãos, sede bem-vindos às celestes moradas, onde vos esperam cânticos de alegria!

Vossos adversários poderão rir de vossas crenças nos Espíritos e em suas manifestações, mas não rirão das qualidades que dão essas crenças; não rirão quando virem inimigos se perdoando, em vez de se odiarem, a paz renascer entre parentes que se dividiam, o incrédulo de outrora fazendo preces, o homem violento e colérico mostrando-se brando e pacífico, o debochado se transformando em bom pai de família, o orgulhoso que se tornou humilde, o egoísta praticando a caridade; não rirão quando perceberem que já não têm a temer a vingança de seus inimigos que se tornaram espíritas; o rico não rirá quando verificar que o pobre não mais invejará sua fortuna e o pobre bendirá o rico que se tornou mais humano e mais generoso, em vez de ter ciúme dele; os chefes não rirão mais de seus subordinados e não os molestarão mais quando constatarem que se fizeram mais escrupulosos e mais conscienciosos no cumprimento de seus deveres. Enfim, os patrões encorajarão seus servidores e administradores, quando os virem, sob o império da fé espírita, mais fiéis, mais devotados e mais sinceros. Todos dirão que o Espiritismo é bom para alguma coisa, mesmo que seja apenas para salvaguardar seus interesses pessoais: tanto pior para os que não quiserem ver mais além. Sob o império dessa mesma fé, o militar é mais disciplinado, mais humano, mais fácil de ser conduzido; tem o sentimento do dever e obedece mais pela razão do que pelo temor. E o que constatam todos os chefes imbuídos desses princípios, e eles são numerosos. Por isso se empenham para que nenhum entrave se oponha à propagação dessas ideias entre os seus subordinados.

Eis, senhores que rides, o que produz o Espiritismo, esta utopia do século dezenove, parcialmente ainda, é verdade, mas cuja influência já se reconhece e logo compreenderão que têm tudo a ganhar com a sua promulgação; que sua influência é uma garantia de segurança para as relações sociais, por ser o mais poderoso freio às más paixões, às efervescências desordenadas, mostrando o laço de amor e de fraternidade que deve unir o grande ao pequeno e o pequeno ao grande. Fazei, pois, por vosso exemplo que logo se possa dizer: Praza a Deus que todos os homens sejam espíritas de coração!

Caros irmãos espíritas, venho mostrar-vos a rota, fazer-vos ver o objetivo. Possam minhas palavras, por mais fracas que sejam, permitir que compreendais a sua grandeza! Mas outros virão depois de mim, que vo-la mostrarão também, e cuja voz, mais poderosa que a minha, terá para as nações o estrondo retumbante da trombeta. Sim, meus irmãos, Espíritos, mensageiros de Deus para estabelecer o seu reino na Terra, logo surgirão entre vós e os conhecereis por sua sabedoria e pela autoridade de sua linguagem. À sua voz, os incrédulos e os ímpios serão tomados de admiração e de estupor, e curvarão a cabeça, pois não ousarão tratá-los de loucos. Meus irmãos, não vos posso revelar ainda tudo quanto vos prepara o futuro! Mas, aproxima-se o tempo em que todos os mistérios serão desvendados, para confundir os maus e glorificar os justos.

Enquanto ainda é tempo, revesti-vos, pois, da túnica branca: sufocai todas as discórdias, pois que as discórdias pertencem ao reino do mal, que vai ter fim. Que vos possais confundir todos numa mesma família e vos dar, do fundo do coração e sem pensamento premeditado, o nome de irmãos. Se, entre vós, houver dissidências, causas de antagonismo; se os grupos, que devem todos marchar para um objetivo comum, estiverem divididos, eu o lamento, sem me preocupar com as causas, sem examinar quem cometeu os primeiros erros e me coloco, sem vacilar, do lado daquele que tiver mais caridade, isto é, mais abnegação e verdadeira humildade, pois aquele a quem falta a caridade está sempre em erro, ainda que coberto de algum tipo de razão, porquanto Deus maldiz a quem diz a seu irmão: Raca. Os grupos são indivíduos coletivos que devem viver em paz, como os indivíduos, se, realmente, são espíritas; são os batalhões da grande falange. Ora, em que se tornaria uma falange, cujos batalhões se dividissem? Os que vissem os outros com olhos ciumentos provariam, só por isso, que estão sob má influência, desde que o Espírito do bem não pode produzir o mal. Como bem o sabeis, reconhece-se a árvore pelos seus frutos. Ora, o fruto do orgulho, da inveja e do ciúme é um fruto envenenado que mata quem dele se nutre.

O que digo das dissidências entre os grupos, digo-o igualmente para as que pudessem existir entre os indivíduos. Em semelhante circunstância, a opinião de pessoas imparciais é sempre favorável àquele que dá provas de maior grandeza e generosidade. Aqui na Terra, onde ninguém é infalível, a indulgência recíproca é uma consequência do princípio de caridade que nos leva a agir para com os outros como gostaríamos que os outros agissem para conosco. Ora, sem indulgência não há caridade, sem caridade não há verdadeiro espírita. A moderação é um dos sinais característicos desse sentimento, como a acrimônia, como o rancor é a sua negação; com acrimônia e espírito vingativo estragam-se as melhores causas, mas com moderação sempre agimos dentro dos preceitos do bom direito. Se, pois, eu tivesse de opinar em uma divergência, eu me preocuparia menos com a causa e mais com a consequência. A causa, sobretudo em querelas de palavras, pode ser o resultado de um primeiro movimento, de que nem sempre se é senhor; a conduta ulterior dos dois adversários é o resultado da reflexão: eles agem de sangue-frio e é então que se forja o verdadeiro caráter normal de cada um. Uma cabeça ruim e um bom coração muitas vezes caminham juntos, mas rancor e bom coração são incompatíveis. Minha medida de apreciação seria, pois, a caridade, isto é, eu observaria aquele que falasse menos mal de seu adversário, que fosse mais moderado em suas recriminações. E com esta medida que Deus nos julgará, pois que Ele será indulgente para quem tiver sido indulgente e inflexível para quem tiver sido inflexível.

O caminho traçado pela caridade é claro, infalível e sem equívocos. Poder-se-ia defini-lo assim: "Sentimento de benevolência, de justiça e de indulgência para com o próximo, baseado no que quereríamos que o próximo nos fizesse." Tomando-a por guia, podemos estar certos de não nos afastar do reto caminho, daquele que conduz a Deus; quem quer que deseje, de maneira sincera e séria, trabalhar por sua própria melhoria, deve analisar a caridade em seus mais minuciosos detalhes e por ela conformar sua conduta, pois ela se aplica a todas as circunstâncias da vida, pequenas ou grandes. Quando estivermos em dúvida sobre que partido tomar, no interesse alheio, basta que interroguemos a caridade e ela responderá sempre de maneira justa. Infelizmente escutamos, na maioria das vezes, a voz do egoísmo.

Sondai, pois, os refolhos de vossa alma, para arrancardes dela os últimos vestígios das más paixões, se ainda restarem; e se experimentardes algum ressentimento contra alguém, apressai-vos em abafá-lo e dizei: Irmão, esqueçamos o passado; os maus Espíritos nos haviam separado: que os bons nos reúnam! Se ele recusar a mão que lhe estendeis, oh! então o lamentai, pois Deus, por sua vez, lhe dirá: Por que pedes perdão, tu que não perdoaste? Cuidai, pois, para que se não vos possa aplicar estes dizeres fatais: E tarde demais!

Tais são, caros irmãos espíritas, os conselhos que tenho a vos dar. A confiança que houvestes por bem me conceder é uma garantia de que eles produzirão bons frutos. Os bons Espíritos que vos assistem vos dizem todos os dias as mesmas coisas, mas julguei um dever apresentá-las em conjunto, para melhor ressaltar as suas consequências. Venho, pois, em nome deles, lembrar-vos a prática da grande lei de amor e de fraternidade que em breve deverá reger o mundo e nele fazer reinarem a paz e a concórdia, sob o estandarte da caridade para com todos, sem acepção de seitas, de castas, nem de cores.

Com este estandarte, o Espiritismo será o traço de união que aproximará os homens divididos pelas crenças e pelos preconceitos mundanos; ele derrubará as mais fortes barreiras que separam os povos: o antagonismo nacional. À sombra dessa bandeira, que será o seu ponto de concentração, os homens se habituarão a ver irmãos naqueles que só viam como inimigos. Daqui até lá ainda haverá lutas, porque o mal não abandona facilmente sua presa, e os interesses materiais são tenazes. Sem dúvida não vereis com os olhos do corpo a realização dessa obra, para a qual concorreis, embora esse momento não esteja muito distante; ademais, os primeiros anos do século próximo devem assinalar essa era nova, cujo fim deste prepara seus caminhos. Mas gozareis, com os olhos do Espírito, o bem que tiverdes feito, como os mártires do Cristianismo rejubilaram-se vendo os frutos produzidos pelo sangue que derramaram. Coragem, pois, e perseverança. Não vos insurjais contra os obstáculos: um campo não se torna fértil sem suor. Assim como um pai, mesmo na velhice, constrói uma casa para seus filhos, crede que construís, para as gerações futuras, um templo à fraternidade universal, no qual as únicas vítimas imoladas serão o egoísmo, o orgulho e todas as paixões más que ensanguentaram a Humanidade.

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