Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860

Allan Kardec

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Agosto

Boletim

SEXTA-FEIRA 29 DE JUNHO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 22 de junho.

Leitura de uma carta do Dr. de Grand-Boulogne, antigo vice-cônsul da França, que pede admissão como membro correspondente em Havana, para onde irá dentro em breve.

A Sociedade o admite e, como sua carta contém observações muito judiciosas sobre o Espiritismo, pede sua inserção na Revista.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de um ditado espontâneo obtido pela Sra. Costel, sobre as Origens, assinado por Lázaro.

2.º ─ Relato de manifestações físicas espontâneas ocorridas recentemente à Rua des Noyers, noticiadas em vários jornais, lembrando fatos análogos passados em 1849 na Rua des Grès. Alguns acrescentaram que os da Rua des Grès eram produto de trapaças imaginadas pelo inquilino para obter a rescisão do contrato de locação.

O Sr. de Grand-Boulogne disse, a respeito desse assunto, que pode garantir a autenticidade dos fatos. Além disso, eles foram relatados pelo Sr. de Mirville, que tomou todas as informações necessárias para assegurar-se de sua realidade.

Um sócio observa que, em casos semelhantes, tornando-se a afluência de curiosos incômoda para os interessados, deles se livram levando a coisa à conta de malevolência. Com medo de ver a casa desocupada, o proprietário teve todo o interesse em não acreditar. Esta a razão do desmentido muitas vezes dado a fatos dessa natureza.

Estudos:

1.º ─ Discussão sobre o mérito e a eficácia das provas do homem de bem, suportadas para proporcionar alívio aos Espíritos sofredores e infelizes, a propósito de uma passagem da carta do Sr. de Grand-Boulogne.

A esse respeito, foi feita a observação de que uma vez constatada a eficácia da prece como prova de simpatia e de comiseração, pode-se considerar as provas que nos impomos com tal objetivo como um testemunho análogo, que deve produzir os mesmos efeitos que a prece. A intenção é tudo, neste caso, e pode ser encarada como uma prece mais ardente ainda do que aquela que consiste apenas em palavras.

2.º ─ A Sra. N... manifesta dúvidas quanto à identidade do Espírito que lhe deu alguns conselhos na última sessão, e que não considera aplicáveis. Pede seja perguntado, por outro médium, se o Espírito que se comunicou é mesmo São Luís.

Acrescenta que lhe pareceu ver, na natureza de suas reflexões, um sentimento pouco benevolente, que não é coerente com a sua habitual mansuetude. Foi o que lhe inspirou dúvidas.

Interrogado a respeito, por intermédio da Srta. H..., respondeu São Luís: “Sim, fui eu mesmo que vim traçar aquelas linhas e vos dar um conselho. É por erro que recebem mal os meus conselhos. É preciso que aquele que quer progredir na via do bem saiba aceitar os conselhos e avisos que se deseja dar-lhe, ainda quando firam seu amor-próprio. A prova de seu adiantamento consiste na maneira suave e humilde como os recebe. Outrora, quando eu estava na Terra, não dei provas da maior humildade, submetendo-me sem murmurar às decisões da Igreja e até às penitências que ela me impunha, por mais humilhantes que fossem? Sede, pois, dóceis e humildes, se não fordes orgulhosos; aceitai os conselhos; procurai corrigir-vos e progredireis”.

O Sr. T... observa que, em vida, nem sempre São Luís se submeteu à Igreja, visto que lutou contra as suas pretensões.

Responde São Luís: “Dizendo que me submeti às penitências impostas pelos chefes da Igreja, disse-vos a verdade. Mas não vos disse que minha conduta tenha sido sempre irreprochável. Fui um grande pecador perante Deus, embora mais tarde os homens me tenham concedido o glorioso título de santo.”

O Sr. Allan Kardec acrescenta que São Luís sempre se submeteu às decisões da Igreja, concernentes ao dogma; só lutou contra as pretensões de outra natureza.

3.º ─ Perguntas relativas ao conselho de São Luís com referência às experiências físicas, aconselhando a Sociedade a não se ocupar com elas.

4.º ─ Perguntas sobre as faculdades mediúnicas nas crianças, a propósito das manifestações obtidas na última sessão pelo jovem N...

5.º ─ Perguntas sobre as manifestações da Rua des Noyers.

6.º ─ Dois ditados espontâneos e simultâneos: o primeiro pela Sra. Costel, sobre a Eletricidade do Pensamento, assinado por Delphine de Girardin; o segundo pela Sra. Lubr... a propósito dos conselhos dados pelos Espíritos, assinado por Paul, Espírito familiar.


SEXTA-FEIRA, 6 DE JULHO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 29 de junho.

Comunicações diversas:

1.º ─ O Sr. Achille R... lê uma carta de Limoges, na qual o autor fala de um médium seu amigo, que um Espírito faz trabalhar de oito a nove horas por dia. Diz ele que o Espírito lhe deve dar um meio infalível para assegurar-se da identidade dos Espíritos e de não ser enganado; mas lhe aconselha segredo sobre esse ponto e sobre suas comunicações em geral.

A respeito, o Sr. Allan Kardec observa que vê três motivos de suspeita neste caso. O primeiro é a duração do trabalho imposto ao médium, o que é sempre um sinal de obsessão. Sem dúvida os bons Espíritos podem pedir ao médium que escreva, mas, em geral, não são imperativos e nada prescrevem de absoluto, nem quanto às horas, nem quanto à duração do trabalho. Ao contrário, param o médium, quando haja excesso de zelo. O segundo é o pretenso processo infalível para assegurar-se da identidade. O terceiro, enfim, é a recomendação de segredo. Se a receita fosse boa, não se devia fazer mistério. Parece-lhe que o Espírito quer empolgar o médium, a fim de manobrá-lo à vontade, em favor da suposta infalibilidade de seu processo. Provavelmente teme que outros vejam as coisas às claras e descubram as suas manobras. Por isso recomenda silêncio, a fim de não ter contraditores. É o meio de sempre ter razão.

Estudos:

1.º ─ Evocação de François Arago, pela Srta. H... São Luís responde que essa médium não convém a esse Espírito. Aconselha a escolha de outro.
Diversas perguntas são feitas sobre a aptidão especial dos médiuns para receber comunicações de tal ou qual Espírito. A resposta é a seguinte: “Um Espírito vem de preferência a uma pessoa cujas ideias simpatizam com as que ele tinha em vida. Há uma concordância de pensamentos entre o Céu e a Terra, ainda maior do que na Terra.”

2.º ─ Pergunta proposta pelo Sr. Conde de Z... sobre a distinção feita por certos sonâmbulos lúcidos, que designam os homens por luz azul e as mulheres por luz branca. Pergunta se os perispíritos teriam uma cor diferente conforme o sexo. O Espírito interrogado responde: “Isto nenhuma relação tem com o nosso mundo; é um fato puramente físico e depende da pessoa que vê. Entre os homens há os que, quando despertos, não veem certas cores, ou as veem diferentemente dos outros. Dáse o mesmo com pessoas adormecidas. Podem ver o que outras não veem.”

3.º ─ Quatro ditados espontâneos recebidos, o primeiro pela Srta. Huet, do Espírito que continua suas memórias; o segundo, pelo Sr. Didier, sobre a Eletricidade Espiritual, assinado por Lamennais; o terceiro, pela Sra. Costel, sobre As Altas Verdades do Espiritismo, assinado por Lázaro; o quarto, pela Srta. Stéphan., sobre A cada um a sua tarefa, assinado por Gustave Lenormand.


SEXTA-FEIRA, 13 DE JULHO DE 1860 (SESSÃO GERAL)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 6 de julho.

O Sr. Eugène de Porry, de Marselha, homenageia a Sociedade com seu novo poema intitulado Linda, legenda gaulesa. A Sociedade recorda o encantador poema Urânia, do mesmo autor, e lhe agradece a nova obra. A Srta. P... é encarregada de relatá-lo.

Comunicações diversas:

1.º ─ O Sr. S... transmite uma nota sobre um homem que, no ano passado, suicidou-se à Rua Quincampoix, para isentar o filho do serviço militar, como filho único de viúva. Pensa-se que sua evocação será instrutiva.

2.º ─ O Sr. de Grand-Boulogne envia uma nota sobre o muçulmano Seih-ben-Moloka, que acaba de morrer em Tunis, com a idade de cento e dez anos e cuja vida foi notável por atos de caridade. Será evocado.
Trava-se uma conversa sobre a longevidade. O Sr. de Grand-Boulogne, que viveu muito tempo entre os árabes, diz que os exemplos desta natureza não são muito raros entre eles, o que o leva a atribuí-lo à sobriedade. Ele conheceu um com cerca de cento e trinta anos. O Sr. Conde de Z... diz que talvez seja a Sibéria o país onde a longevidade é mais frequente. A sobriedade e o clima sem dúvida têm grande influência na duração da vida. Mas o que sobretudo deve contribuir para isto é a tranquilidade de espírito e a ausência de preocupações morais, que em geral afetam a gente da sociedade civilizada, gastando-a prematuramente. Eis por que se encontra maior quantidade de idosos entre os que vivem mais próximos da Natureza.

3.º ─ O Sr. Allan Kardec conta um caso pessoal que mostra o desejo de certos Espíritos de serem evocados quando nunca o foram. Aproveitam as ocasiões propícias de se comunicarem, quando estas se apresentam.

4.º ─ Vários membros comunicam o protesto, publicado em vários jornais, do Sr. Lerible, antigo negociante de carvão da Rua des Grès, onde, em 1849, se passaram notáveis manifestações, cuja autenticidade tinha sido posta em dúvida.

Estudos:

1.º ─ Exame crítico da dissertação de Lamennais sobre a Eletricidade Espiritual, feita na sessão de 6 de julho. O Espírito explica e desenvolve os pontos aparentemente obscuros.

2.º ─ Evocação do suicida da Rua Quincampoix.

3.º ─ Evocação de Gustave Lenormand.

4.º ─ Perguntas diversas sobre os médiuns.

5.º ─ Três ditados simultâneos: o primeiro, sobre o Saber dos Espíritos, assinado por Channing; o segundo, continuação da Eletricidade do Pensamento, assinado por Delphine de Girardin; o terceiro sobre a Caridade, assinado por Lamennais, a propósito da notícia lida sobre o muçulmano Seih-ben-Moloka.


SEXTA-FEIRA, 20 DE JULHO DE 1860 (SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 13 de julho.

O presidente faz observar que desde algum tempo têm-se deixado de ler, como fora combinado, os nomes dos Espíritos que pedem assistência. De agora em diante isto será feito em seguida à evocação geral.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de dois ditados obtidos pelo Sr. C..., novo médium, um sobre as Pretensões do homem, assinado por Massilon: o outro sobre o Futuro, assinado por São Luís. O Sr. C... pergunta se, sobretudo no último, nada existe que denuncie uma substituição de Espírito, sem se levar em conta sua própria opinião.
Após uma leitura atenta, a Sociedade reconhece na comunicação o cunho de uma incontestável superioridade e nada vê que desminta o caráter de São Luís, de onde conclui que não pode emanar senão de um Espírito elevado.

2.º ─ Outro ditado sobre a Experiência, obtido pela Sra. Costel e assinado por Georges.

O presidente anuncia que vários dos novos membros fazem notáveis progressos como médiuns de diversos gêneros. Convida-os a comunicar à Sociedade os trabalhos que obtiverem. A Sociedade é necessariamente limitada pelo tempo, em seus trabalhos. Ela deve ser o centro a que chegarão os resultados obtidos em reuniões particulares. Seria até egoísmo guardar para si trabalhos que a todos podem ser úteis. Além disso, é um meio de controle, pelos esclarecimentos a que podem dar lugar, a menos que o médium esteja convencido da infalibilidade de suas comunicações, ou que, como o de Limoges, tenha recebido a injunção de mantê-los em segredo, o que seria certamente um mau augúrio e um duplo motivo de suspeita.

A primeira qualidade de um médium é a abnegação de todo amor-próprio, como da falsa modéstia, e é por isso que, sendo um instrumento, não pode atribuir-se o mérito do que recebe de bom, nem se abespinhar com a crítica do que pode ser mau. A Sociedade é uma família, cujos membros, animados de recíproca benevolência, devem ser movidos pelo único desejo de instruir-se e banir todo sentimento de personalismo e de rivalidade, desde que compreendam a Doutrina como verdadeiros espíritas. A propósito, o Sr. C... deu muito bom exemplo, mostrando que não é desses médiuns que julgam nada ter a aprender porque recebem algumas comunicações assinadas por grandes nomes. Quanto mais imponentes os nomes, mais se deve temer, ao contrário, ser joguete de Espíritos enganadores.

3.º ─ O Sr. Achille R... lê uma carta relatando curioso caso de manifestação espontânea ocorrida na prisão de Limoges, cuja realidade foi constatada pelo autor da carta. Publicada adiante no artigo Variedades.

4.º ─ O Sr. Allan Kardec conta outro fato muito original, que lhe foi relatado no ano passado, de cujo visitante nem se recorda o nome nem o endereço, fonte a que, por isso, não pode recorrer para confirmá-lo. Trata-se do seguinte:

Um médico crente e um seu amigo que em nada acreditava, falavam de Espiritismo. O primeiro disse ao outro:
─ Vou tentar uma prova. Não sei se terei resultado. Em todo caso, não respondo por nada. Indique uma pessoa viva que lhe seja muito simpática.
Tendo o amigo indicado uma jovem senhora que reside numa cidade muito distante e que era conhecida também pelo médico, este lhe disse:
─ Vá passear no jardim e observe o que vai acontecer. Repito que é uma experiência que faço e que pode nada produzir.
Durante o passeio do amigo ele evocou a jovem senhora. Ao cabo de um quarto de hora o amigo voltou e lhe disse:
─ Acabo de ver aquela pessoa. Ela estava vestida de branco, aproximou-se de mim, apertou-me a mão e desapareceu. Mas o que é muito esquisito é que me deixou no dedo este anel. Imediatamente o médico enviou ao pai da moça o seguinte telegrama:
─ Nada me pergunteis. Respondei-me imediatamente e dizei o que fazia vossa filha às três horas e como estava vestida. A resposta foi esta:
─ Às três horas minha filha estava comigo na sala. Ela estava de vestido branco; adormeceu por 15 ou 20 minutos, mas ao despertar notou que não mais tinha o anel que usa sempre.
Travou-se uma discussão sobre o fato, cujos diversos graus de probabilidade e de improbabilidade foram examinados. Interrogado a respeito, São Luís respondeu:
─ O fato da aparição é possível; o do transporte não o é menos, pelo perispírito de uma pessoa viva. Certamente, a Deus tudo é possível, mas ele não permite tais coisas senão muito raramente. Um Espírito desprendido pode fazer esses transportes mais facilmente. Quanto a vos dizer se a coisa é real, eu o ignoro.

NOTA: Publicado o fato, se por acaso cair nas mãos de quem o contou, agradeceremos nos fornecer esclarecimentos a respeito.


Estudos:

1.º ─ Perguntas sobre os Espíritos que tomam nomes supostos.

2.º ─ Evocação do Espírito da Rua des Noyers.

3.º ─ Cinco ditados espontâneos são obtidos: O primeiro de Lamennais, sobre uma retificação que pede, do texto de sua comunicação sobre a Caridade. O segundo sobre As Vítimas da Síria, assinado por Jean. O terceiro sobre As Aberrações da Inteligência, assinado por Georges. O quarto sobre Os Erros dos Médiuns, assinado por Paul. O quinto sobre O Concurso dos Médiuns, assinado por Gustave Lenormand.

Durante a sessão ouviram-se batidas muito distintas junto à Srta. Stephan. Era o Espírito de Gustave que, como disse, queria obrigá-la a escrever, coisa de que ela não se apercebia. Ele pensou que era um meio de provocar perguntas que a obrigariam a vir à mesa, pois desejava dar uma comunicação por seu intermédio.

Depois da sessão, numa comunicação particular, perguntado a São Luís se tinha ficado satisfeito, respondeu: “Sim e não. Errastes, permitindo cochichos contínuos de certos sócios enquanto os Espíritos são interrogados. Por vezes recebeis comunicações que exigem réplicas sérias de vossa parte e respostas ainda mais sérias da parte dos Espíritos evocados, que com isso, estai certos, ficarão descontentes. Assim, nada perfeito obtereis, porque o médium que escreve experimenta por sua vez graves distrações, prejudiciais ao seu ministério. Há uma coisa a fazer: ler estas observações na próxima sessão, que serão compreendidas por todos os sócios. Dizei-lhes que esta não é uma sala para conversa.”
São Luís

Concordância espírita e cristã

A carta seguinte foi dirigida à Sociedade de Estudos Espíritas pelo Dr. de Grand-Boulogne, antigo vice-cônsul da França.

Sr. Presidente,

Desejando vivamente fazer parte da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, mas forçado a deixar a França brevemente, venho solicitar a honra de ser aceito como membro correspondente. Tenho a vantagem de vos conhecer pessoalmente e não necessito dizer-vos com que interesse e simpatia acompanho os trabalhos da Sociedade. Li vossas obras, bem como a do Barão de Guldenstubbe e, consequentemente, conheço os pontos fundamentais do Espiritismo, cujos princípios adoto sinceramente, tais quais vos são ensinados. Como protesto aqui a minha firme vontade de viver e morrer cristão, esta declaração me leva a vos fazer minha profissão de fé, e talvez vejais com que interesse minha fé religiosa acolhe muito naturalmente os princípios do Espiritismo. Eis como, em minha opinião, as duas coisas se aliam:

1. ─ Deus: criador de todas as coisas.

2. ─ Objetivo e fim de todos os seres criados: concorrer para a harmonia universal.

3. ─ No Universo criado, três reinos principais: o material ou inerte; o orgânico ou vital; o intelectual e moral.

4. ─ Todo ser criado está submetido a leis.

5. ─ Os seres compreendidos nos dois primeiros reinos obedecem submissamente, e por eles a harmonia jamais é perturbada.

6. ─ Como os dois primeiros, o terceiro reino está submetido a leis, mas goza do singular privilégio de poder subtrair-se a elas e possui a terrível faculdade de desobedecer a Deus: é o que constitui o livre-arbítrio. O homem pertence simultaneamente aos três reinos: é um Espírito encarnado.

7. ─ As leis que regem o mundo moral estão formuladas no Decálogo, mas se resumem neste admirável preceito de Jesus: Amai a Deus sobre todas as coisas e ao vosso próximo como a vós mesmos.

8. ─ Toda derrogação da lei constitui uma perturbação na harmonia universal.
Ora, Deus não permite que tal perturbação persista e a ordem deve ser inevitavelmente restabelecida.

9. ─ Existe uma lei destinada à reparação da desordem no mundo moral, e essa lei está inteira nesta palavra: expiação.

10. ─ A expiação efetua-se: 1.º ─ pelo arrependimento e os atos de virtude; 2.º ─ pelo arrependimento e as provas; 3.º ─ pela prece e as provas do justo, unidas ao arrependimento do culpado.

11. ─ A prece e as provas do justo, embora concorram da maneira mais eficaz para a harmonia universal, são insuficientes para a expiação absoluta da falta. Deusexige o arrependimento do pecador, mas com esse arrependimento, a prece do justoe sua penitência em favor do culpado bastam à eterna justiça, e o crime é perdoado.

12. ─ A vida e a morte de Jesus põem em evidência esta adorável verdade.

13. ─ Sem livre-arbítrio não há pecado, mas também não há virtude.

14. ─ Que é a virtude? A coragem no bem.

15. ─ O que há de mais belo no mundo não é, como disse um filósofo, oespetáculo de uma grande alma lutando com a adversidade; é o esforço perpétuo de uma alma progredindo no bem e elevando-se de virtude em virtude até o Criador.

16. ─ Qual a mais bela de todas as virtudes? A Caridade.

17. ─ Que é a caridade? É o atributo especial da alma que, em suas ardentes aspirações para o bem, se esquece de si mesma e se consome em esforços pela felicidade do próximo.

18. ─ O saber está muito abaixo da caridade; ele nos eleva na hierarquia espírita, mas não contribui para o restabelecimento da ordem perturbada pelo mau.
O saber nada expia, nada resgata, em nada influi sobre a justiça de Deus. A caridade, ao contrário, expia e apazigua. O saber é uma qualidade; a caridade, uma virtude.

19. ─ Ao encarnar os Espíritos, qual foi o desígnio de Deus? Criar, para uma parte do mundo espiritual, uma situação sem a qual não existiria nenhuma das grandes virtudes que nos enchem de respeito e de admiração. Com efeito, sem o sofrimento não há caridade; sem o perigo não há coragem; sem a desgraça não há devotamento; sem a perseguição não há estoicismo; sem a cólera não há paciência, etc. Ora, sem a corporeidade, com o desaparecimento desses males, desapareceriam essas virtudes.

Para o homem um pouco desprendido dos laços da matéria, neste conjunto de bem e de mal há uma harmonia, uma grandeza de ordem mais elevada que a harmonia e a grandeza do mundo exclusivamente material.

Isto responde em poucas palavras às objeções baseadas na incompatibilidade do mal com a bondade e a justiça de Deus.

Seriam necessários volumes para desenvolver convenientemente essas diversas proposições. Mas o objetivo desta comunicação não é oferecer à Sociedade uma tese filosófica e religiosa. Eu quis apenas formular algumas verdades cristãs em harmonia com a Doutrina Espírita. Do meu ponto de vista, essas verdades são a base fundamental da religião e, longe de enfraquecer-se, elas se fortificam com as revelações espíritas. Também não hesito em formular uma censura; é que os ministros do culto, enceguecidos pela demonofobia, se recusem a esclarecer-se e condenem sem exame. Se os cristãos abrissem os ouvidos às revelações dos espíritos, tudo quanto, no ensino religioso, perturba os nossos corações ou revolta a nossa razão, desvanecer-se-ia de repente. Sem se modificar em sua essência, a religião alargaria o círculo de seus dogmas e os lampejos da verdade nova consolariam e iluminariam as almas. Se, como diz o Pe. Ventura, é certo que as doutrinas filosóficas ou religiosas acabam invencivelmente por se traduzirem nos atos ordinários da vida, é bem evidente que uma nação iniciada no Espiritismo tornar-se-ia a mais admirável e a mais feliz das nações.

Dir-se-á que uma Sociedade realmente cristã seria perfeitamente feliz. Concordo. Mas o ensino religioso tanto se faz pelo terror quanto pelo amor, e os homens, dominados por suas paixões, querendo a todo preço libertar-se dos dogmas que os ameaçam, serão sempre tão numerosos que o grupo dos cristãos firmes constituirá sempre pequena minoria. Os cristãos são numerosos, mas os verdadeiros cristãos são raros.

Não acontece assim com o ensino espírita. Embora sua moral se confunda com a do Cristianismo e pronuncie, como esse, palavras cominatórias, ele tem ricos tesouros de consolação. Ele é, ao mesmo tempo, tão lógico e tão prático; lança uma luz tão viva sobre o nosso destino; afasta tão bem as obscuridades que perturbam a razão e as perplexidades que atormentam os corações, que na verdade parece impossível que um espírita sincero negligencie um só dia trabalhar o seu progresso e, assim, não concorra para restabelecer a harmonia perturbada pelo desbordamento das paixões egoísticas e cúpidas.

Pode-se pois afirmar que propagando as verdades que temos a felicidade de conhecer, trabalhamos pela Humanidade e nossa obra será abençoada por Deus. Para que um povo seja feliz, é necessário que o número dos que querem o bem, que praticam a lei da caridade, supere o dos que querem o mal e só praticam o egoísmo.

Creio em minha alma e tenho consciência de que o Espiritismo, apoiado no Cristianismo, é chamado a operar esta revolução.
Penetrado de tais sentimentos e querendo, na medida de minhas forças, contribuir para a felicidade de meus semelhantes, ao mesmo tempo que busco tornar-me melhor, peço, Sr. presidente, para fazer parte de vossa Sociedade.

Aceitai, etc.
De Grand-Boulogne, doutor em Medicina,
Antigo vice-cônsul da França.

OBSERVAÇÃO: Esta carta dispensa comentários e cada um apreciará o alto alcance dos princípios nela formulados de maneira ao mesmo tempo tão profunda, tão simples e tão clara. São esses os princípios do verdadeiro Espiritismo; esses que certos homens ousam pôr em ridículo, pois pretendem o privilégio da razão e do bom-senso, por não saberem se têm alma e não fazerem diferença entre o seu futuro e o de uma máquina. Apenas uma observação acrescentaremos: é que o Espiritismo bem compreendido é a salvaguarda das ideias verdadeiramente religiosas que se extinguem; que contribuindo para o melhoramento dos indivíduos, ele trará, pela força das coisas, o melhoramento das massas, e que não está longe o tempo de os homens compreenderem que nesta doutrina encontrarão o mais fecundo elemento da ordem, do bem-estar e da prosperidade dos povos. E isto por uma razão muito simples: é que ela mata o materialismo, que desenvolve e alimenta o egoísmo, fonte perpétua de lutas sociais, e lhe dá uma razão de ser. Uma Sociedade cujos membros fossem todos guiados pelo amor ao próximo; que inscrevesse a caridade no alto de todos os seus códigos, seria feliz, e em breve veria apagarem-se os ódios e as discórdias. O Espiritismo pode realizar este prodígio e o fará, a despeito dos que ainda o agridem, porque os agressores passarão, mas o Espiritismo permanecerá.

O trapeiro da rue Des Noyers

Sob o título de Cenas de feitiçaria no século XIX, “Le Droit” relata o seguinte:

“Um dos mais estranhos fatos ocorre atualmente na Rua des Noyers. O Sr. Lesage, ecônomo do Palácio da Justiça, mora num apartamento dessa rua. Há algum tempo que projéteis, vindos não se sabe de onde, quebram as vidraças e vão atingir os que se encontram na casa, ferindo-os mais ou menos gravemente. São fragmentos bastante consideráveis de tições meio carbonizados, pedaços de carvão de pedra muito pesados e até dos chamados carvões de Paris. A criada do Sr. Lesage recebeu diversos no peito, ficando com fortes contusões.

“A vítima de tais sortilégios acabou pedindo a assistência da polícia. Agentes foram postos de vigia, mas eles próprios acabaram sendo atingidos pela artilharia invisível e lhes foi impossível saber de onde vinham os golpes.

Tendo-se tornado insuportável a permanência numa casa onde nunca se sabe o que acontecerá, o Sr. Lesage solicitou ao proprietário a rescisão do contrato. A demanda recebeu despacho favorável e mandaram vir, para redigir o termo de rescisão, o Sr. Vaillant, meirinho, cujo nome convinha perfeitamente numa circunstância em que as diligências não poderiam ser feitas sem perigo.

“Com efeito, quando o funcionário ministerial iniciava a redação do ato, um pedaço enorme de carvão, lançado com extrema força, entrou pela janela e foi bater na parede, fazendo-se pó. Sem se desconcertar, o Sr. Vaillant serviu-se do pó, como outrora Junot da terra levantada pela bomba, para difundir sobre a página que acabava de escrever.

“Em 1847 aconteceu coisa análoga na Rua des Grès, cujo relato então fizemos. Um tal L..., vendedor de carvão, também servia de alvo a fantásticos sagitários, e esses incompreensíveis arremessos de pedras punham em pânico todo o quarteirão.

Ao lado da casa do carvoeiro havia um terreno vago, em meio ao qual se achava a antiga igreja da Rua des Grès, hoje Escola das Freiras da Doutrina Cristã. A princípio pensaram que vinham de lá os projéteis, mas logo verificaram que não.

Quando vigiavam um lado, as pedras vinham do outro. Entretanto, acabaram pegando em flagrante delito o mágico, que não era outro senão o próprio Sr. L...

Tinha recorrido a essa fantasmagoria por estar descontente na casa e querer a rescisão do contrato.

“Não foi o mesmo com o Sr. Lesage, cuja honorabilidade excluiu qualquer ideia de astúcia e que, aliás, estava contente com o apartamento e o deixou com pesar.

“Espera-se que o inquérito, conduzido pelo Sr. Hubaut, comissário do bairro da Sorbonne, esclareça o mistério, que não deixa de ser uma brincadeira de mau gosto, já muito prolongada.”

1. (A São Luís). ─ Teríeis a bondade de dizer-nos se são verdadeiros os fatos acima, de cuja possibilidade não duvidamos?
─ Sim. Os fatos são verdadeiros. Apenas a imaginação dos homens aumentouos, por medo ou por ironia. Mas, repito, são verdadeiros. Tais manifestações são provocadas por um Espírito que se diverte um pouco, às custas dos moradores do lugar.

OBSERVAÇÃO: Desde então tivemos ocasião de ver o Sr. Lesage, que nos honrou com sua visita e não só confirmou os fatos, mas os completou e retificou em vários pontos, São Luís tinha razão de dizer que seriam aumentados pelo medo ou pela ironia. Com efeito, a história da poeira colhida estoicamente pelo corajoso meirinho, a exemplo de Junot, foi uma invenção do jornalista brincalhão. No próximo número faremos um relato muito exato dos acontecimentos, com as novas observações a que derem ensejo.

2. ─ Há na casa alguém que seja a causa dessas manifestações?
─ Elas sempre são causadas pela presença da pessoa que é atacada. O Espírito perturbador se apega ao habitante do lugar onde se acha e quer fazer-lhe maldades ou fazê-lo mudar-se.

3. ─ Perguntamos se entre os moradores da casa existe alguém que é a causa desses fenômenos por uma influência mediúnica espontânea e involuntária.
─ É mesmo necessário, porque sem isto o fato não ocorreria. Um Espírito habita seu lugar de predileção; fica inativo até que se apresente ali alguém cuja natureza lhe sirva. Quando aparece essa pessoa, então ele se diverte o quanto pode.

4. ─ Esses Espíritos são sempre de ordem muito inferior. A aptidão para lhes servir de instrumento é uma hipótese desfavorável à pessoa? Isto denuncia certa simpatia com os seres de tal natureza?
─ Não é bem assim, porque tal aptidão depende de uma disposição física. Contudo, muitas vezes denuncia uma tendência material que seria preferível não se ter, porque quanto mais elevada moralmente for a pessoa, mais atrai para si os bons Espíritos, que necessariamente afastam os maus.

5. ─ Onde o Espírito encontra os projéteis de que se serve?
─ Na maioria das vezes esses objetos são colhidos nos próprios lugares. Uma força que vem de um Espírito os lança no espaço e eles caem no lugar designado pelo Espírito. Quando nesses lugares não existem pedras, carvão, etc., podem muito facilmente ser por ele fabricados.

OBSERVAÇÃO: Na Revista de abril de 1859 demos a teoria completa dessas espécies de fenômenos, nos artigos: Mobiliário de Além-túmulo e Pneumatografia ou escrita direta.

6. ─ Acreditais que seria útil evocar esse Espírito para lhe pedir explicações?
─ Evocai-o, se o quiserdes. Mas é um Espírito inferior, que só dará respostas muito insignificantes.


(SOCIEDADE, 29 DE JUNHO DE 1860)

1. Evocação do Espírito perturbador da Rua des Noyers.
─ Por que me chamais? Quereis pedradas, hein? Então seria um salve-se quem puder, malgrado o vosso ar de bravura.

2. ─ Se nos atirasses pedras aqui não teríamos medo. Pergunto se tu positivamente podes arremessá-las em nós.
─ Aqui talvez não pudesse. Tendes um guarda que vela por vós.

3. ─ Havia alguém na Rua des Noyers que servia de auxiliar para te facilitar as brincadeiras de mau gosto com os habitantes da casa?
─ Certamente. Encontrei um bom instrumento, e nenhum Espírito douto, sábio e importante para me impedir. Porque sou alegre, às vezes gosto de me divertir.

4. ─ Quem te servia de instrumento?
─ Uma criada.

5. ─ Ela te servia inconscientemente?
─ Oh! Sim. Coitada! Ela era a mais apavorada.

6. ─ Entre as pessoas aqui presentes existe alguma capaz de te ajudar a produzir tais efeitos?
─ Eu bem podia encontrar uma, se ela quisesse prestar-se a isto, mas não para manobrar aqui.

7. ─ Podes apontá-la?
─ Sim! Lá, à direita daquele que fala. Ele usa óculos.

OBSERVAÇÃO: Com efeito, o Espírito designa um membro da Sociedade que é um pouco médium escrevente, mas nunca teve qualquer manifestação física. É provável que seja nova brincadeira do Espírito.

8. ─ Agias com objetivo hostil?
─ Eu? Eu não tinha nenhum propósito hostil, mas os homens, que de tudo se apoderam, tirarão sua vantagem.

9. ─ Que entendes por isto? Não te compreendemos.
─ Eu procurava divertir-me, mas vós estudais a coisa e tendes mais um fato para mostrar que nós existimos.

10. ─ Onde apanhaste os objetos que atiravas?
─ São muito comuns. Encontrei-os no pátio e nos jardins vizinhos.

11. ─ Encontraste todos ou fabricaste alguns?
─ Nada criei, nada compus.

12. ─ Se não os tivesses encontrado poderias fabricá-los?
─ Teria sido mais difícil, mas, a rigor, a gente mistura matéria e isto faz um todo qualquer.

13. ─ Agora, dize-nos, como os arremessaste?
─ Ah! Isto é mais difícil de dizer. Eu me servi da natureza elétrica daquela
moça, adicionada à minha, menos material. Assim pudemos juntos transportar
aqueles diversos materiais. (Vide a nota que segue à evocação).

14. ─ Penso que poderias dar-nos algumas informações sobre tua pessoa. Para
começar, dize-nos se morreste há muito tempo?
─ Há muito tempo. Há bem uns cinquenta anos.

15. ─ Que eras em vida?
─ Não era grande coisa. Catava molambos pelo bairro, e diziam-me tolices, porque gostava muito do licor vermelho do bom Noé. Assim, eu queria enxotá-los a todos.

16. ─ Foi por ti mesmo e de boa vontade que respondeste às nossas perguntas?
─ Eu tinha um orientador.

17. ─ Quem é este orientador?
─ O vosso bom rei Luís.

OBSERVAÇÃO: Esta pergunta foi motivada pela natureza de certas respostas, que pareceram ultrapassar o alcance do Espírito, pelo fundo das ideias e pela forma da linguagem. Nada de admirar tenha ele sido ajudado por um Espírito mais esclarecido, que queria aproveitar a ocasião para instruir-nos. Isto é um fato muito comum. Mas há uma notável particularidade nesta circunstância, é que a influência do outro Espírito se fez sentir sobre a própria letra: a das respostas onde interferiu é mais regular e corrente; a das outras é angulosa, grossa, irregular, por vezes pouco legível e mostra um caráter diverso.

18. ─ Que fazes agora? Ocupas-te com o teu futuro?
─ Ainda não; ando errante. Pensam tão pouco em mim aí na Terra, que ninguém ora por mim. Assim, não sou ajudado e não trabalho.

19. ─ Qual era o teu nome em vida?
─ Jeannet.

20. ─ Pois bem! Nós oraremos por ti. Dize-nos se nossa evocação te deu prazer ou te contrariou?
─ Antes prazer, porque sois boa gente, alegres, embora um pouco austeros. Tudo bem. Vós me ouvistes e estou contente.
JEANNET

OBSERVAÇÃO: A explicação dada pelo Espírito à pergunta 13 está perfeitamente conforme à que nos tem sido dada, há tempos, por outros Espíritos, quanto à maneira por que agem para fazer movimentos e translação das mesas e de outros objetos inertes. Quando nos damos conta dessa teoria, o fenômeno parece muito simples. Compreende-se que decorre de uma lei da Natureza e não é mais maravilhoso que qualquer outro efeito cuja causa desconhecemos. Essa teoria se acha perfeitamente desenvolvida nos números da Revista de maio e de junho de 1858. Diariamente a experiência nos confirma a utilidade das teorias que temos dadodos fenômenos espíritas. Uma explicação racional desses fenômenos deveria resultar em maior compreensão da sua possibilidade e, além disso, em convicção. Eis por que muitas pessoas que não se tinham convencido pelos mais extraordinários fatos, o foram desde que puderam saber o porquê e o como. Acrescentemos que para muitos, estas explicações fazem desaparecer o maravilhoso, colocando os fatos, por mais insólitos que sejam, na ordem das coisas naturais. Isto significa que não se trata de derrogações das leis da Natureza e que com isso o diabo nada tem a ver. Quando ocorrem espontaneamente, como na Rua des Noyers, quase sempre oferecem ocasião de fazer algum bem e de aliviar alguma alma.

Sabe-se que em 1849, fatos semelhantes ocorreram na Rua des Grès, perto da Sorbonne. O Sr. Lerible, que foi a vítima, acaba de dar um desmentido pelos jornais que o acusaram de fraude, arrastando-o aos tribunais. Os considerandos de sua declaração merecem ser analisados:

“Ano de 1860, nove de julho, a requerimento do Sr. Lerible, antigo negociante de carvão e lenha, proprietário, residente em Paris, na Rua de Grenelle-Saint- Germain, 64, com domicílio em sua propriedade;

Eu, Aubin Jules Demonchy, meirinho do tribunal civil do Sena, sediado em Paris, e residente na Rua des Fossés Saint-Victor, 43, abaixo assinado, notifico ao Sr. Garat, gerente do jornal la Patrie, nos escritórios do dito jornal, sitos em Paris, Rua du Croissant, onde, falando a uma senhora de confiança, assim declarei:

Ter que inserir, em resposta ao artigo publicado a 27 de junho último, nos Fatos do jornal la Patrie a citação seguinte, feita pelo requerente ao gerente do jornal le Droit, com a oferta que faz o requerente de pagar os gastos da publicação, caso sua resposta exceda o número de linhas que a lei autoriza a publicar:

“No ano de 1860, a cinco de julho, a requerimento do Sr. Lerible, antigo negociante de carvão e lenha, proprietário, residente em Paris, na Rua de Grenelle-Saint-Germain, 64, com domicílio em sua propriedade;

“Eu, Aubin-Jules Demonchy, meirinho do Tribunal Civil do Sena, sediado em Paris e residente na Rua des Fossés-Saint-Victor, 43;

“Citei o Sr. François, em seu nome e como gerente do jornal le Droit, nos escritórios do dito jornal, sito em Paris, na Praça Dauphine, onde estava e dirigindolhe a palavra...

“A comparecer no dia 8 de agosto de 1860 à audiência perante os senhores presidentes e juízes componentes da sexta câmara do tribunal de primeira instânciado Sena, estatuindo em matéria de polícia correcional, no Palácio da Justiça de Paris, às dez horas da manhã, para:

“Visto que em seu número de 26 de junho último e por ocasião dos fatos que se teriam passado numa casa da Rua des Noyers, o jornal le Droit diz que fatos análogos teriam ocorrido em 1847, numa casa da Rua des Grès;

“Que o redator acompanha suas observações de explicações tendentes a fazer crer que os ataques de que a casa da Rua des Grès era objeto em 1847 emanavam do próprio inquilino, que os praticava de má fé, a fim de obter, por meio de uma especulação desonesta, a rescisão do contrato de aluguel.

“Visto que os fatos referidos pelo jornal le Droit realmente ocorreram, não em 1847, mas em 1849, na casa que o requerente ocupava nessa época, na Rua des Grès;

“Que embora o nome do requerente não seja indicado no artigo do le Droit senão por uma inicial, a designação exata de sua indústria, a dos locais que habitava e, enfim, a indicação de que os fatos de que se trata foram colhidos pelo próprio jornal, assinalam suficientemente o requerente como autor das manobras atribuídas à pessoa que ocupava a casa da Rua des Grès;

“Visto que essas imputações são de natureza a atingir a honra e a consideração do requerente;

“Que são tanto mais repreensíveis, visto que nenhuma verificação dos acontecimentos de que se trata teria sido realizada e que, a exemplo daqueles de que parece ter sido teatro a Rua des Noyers, esses acontecimentos ficaram sem explicação;

“Que, por outro lado, o requerente era proprietário, desde 1847, da casa e do terreno que ocupava na Rua des Grès;

“Que a suposição a que chegou o diretor do le Droit não tem qualquer razão de ser e jamais foi formulada;

“Visto que os termos empregados pelo jornal le Droit constituem uma difamação e estão sujeitos às penas estabelecidas por lei;

“Que todos os jornais de Paris se aproveitaram do artigo do le Droit e que a honra do requerente sofreu pelo fato dessa publicidade uma ofensa cuja reparação lhe é devida;

“Por estes motivos:

“Submete-se o Sr. François à aplicação das penas estabelecidas por lei e decidese condená-lo pessoalmente a apagar ao requerente os danos e perdas que este se reserva para reclamar em audiência, os quais declara, no momento, empregar em favor dos pobres, e ainda que o julgamento a ser feito seja inserto em todos os jornais de Paris, por conta do citado, e se considera condenado às custas, sob todas as reservas;

“E, para que o citado não o ignore, eu lhe deixei em domicílio, nos termos acima mencionados, cópia do presente.

“Custas: 3,55 francos.

“Assinado: DEMONCHY

“Registrado em Paris, a 6 de julho de 1860. Recebidos: 2,20 francos.

“Assinado: DUPERRON

“Declarando ao citado que se não satisfizer à presente intimação, o requerente recorrerá às vias de direito;

“E, a domicílio e falando como acima, eu lhe deixei esta cópia.

“Custas: 9,10 francos.
“DEMONCHY”



Palestras familiares de além-túmulo

Thilorier, o físico

Thilorier ocupava-se ativamente na procura de um motor destinado a substituir o vapor e pensou tê-lo encontrado com o ácido carbônico, que chegara a condensar.


Então o vapor era considerado como um meio de locomoção grosseiro e antiquado.


A esse respeito, lê-se a seguinte notícia na crônica do Patrie de 22 de setembro de 1859. Se Thilorier tivesse achado um motor de potência sem igual e ao lado do qual o vapor não passasse de uma traquinagem, ainda teria de regular a sua força, e três ou quatro vezes os ensaios que ele havia tentado lhe foram funestos. As explosões dos aparelhos tinham coberto de ferimentos o mártir da Ciência e provocado uma surdez quase completa.


Entrementes, pareceu a propósito renovar-se a experiência da condensação do ácido carbônico no Colégio de França. Por imprudência ou acaso funesto, o aparelho quebrou-se, explodiu, feriu gravemente várias pessoas, custou a vida a um ajudante do professor e arrancou um dedo de Thilorier.


Não foi o dedo que ele lamentou, mas o desfavor lançado sobre o novo motor que havia descoberto. O medo apoderou-se de todos os cientistas e eles se recusaram a render-se a todos estes ingênuos argumentos de Thilorier: “Eis que vinte vezes meu aparelho de condensação estoura em minhas mãos e é a primeira que mata alguém! Nunca fez mais do que me ferir!” Só o nome do ácido carbônico afugentava todo o Instituto, sem contar a Sorbonne e o Colégio de França.


Um pouco triste, Thilorier encerrou-se em seu laboratório mais do que habitualmente. Os que o amavam notaram desde logo que profunda mudança se operava em seus hábitos. Passava dias inteiros sem ao menos pensar em pôr o seu gato sobre os joelhos. Andava a grandes passadas e não tocava mais em suas retortas e alambiques. Quando por acaso saía de casa, parava de súbito, no meio da rua, sem atentar para a curiosidade e o espanto que excitava nos transeuntes.


Como era um homem de fisionomia suave e distinta, com bonitos cabelos que começavam a encanecer, e que levava na lapela do sobretudo azul a insígnia da Legião de Honra, olhavam-no sem muita zombaria. Movida pela compaixão, uma jovem o tomou pelo braço um dia, tirou-o do meio da rua e levou para a calçada. Ele nem sonhou em agradecer à sua gentil benfeitora. Passava ao lado dos melhores amigos sem vê-los e sem responder quando lhe dirigiam a palavra. A ideia fixa se havia apoderado dele, a ideia fixa, essa nuança sutil que separa o gênio da loucura.


Um dia, conversando no laboratório com um de seus amigos ele disse:
─ Então, finalmente resolvi o meu problema. Como sabes, há algumas semanas meu aparelho de condensação quebrou-se na Sorbonne...
─ Algumas semanas? interrompi. Mas isto foi há vários anos!
─ Ah! continuou ele sem se desconcertar, então levei tanto tempo para resolver meu problema? Algumas semanas ou alguns anos, o que importa, se afinal de contas tenho a minha solução! Sim, meu amigo, não só uma explosão é impossível, mas, ainda, essa força terrível, eu a domino. Dela faço o que quero. É minha escrava!


Posso empregá-la à vontade para arrastar massas enormes, para dar vida a máquinas gigantescas, ou obrigá-la a brincar, sem os quebrar, com os mais delicados e frágeis dispositivos!


E como eu o encarasse estupefato, gritou rindo:
─ Valha-me Deus, ele duvida do que digo! Mas olha estes planos, estes desenhos; e se não acreditas em teus olhos, escuta-me!
Então, com uma lucidez que não deixava qualquer dúvida, mesmo para um homem estranho aos arcanos da Ciência, explicou os meios de que dispunha para realizar sua obra. Não se lhe podia fazer uma só objeção. Em todos os pontos, sua teoria era irrefutável.
─ Preciso de três dias para fabricar meu aparelho, continuou ele. Quero eu mesmo construí-lo inteiramente com as próprias mãos. Vem ver-me depois de amanhã... E tu, que não me abandonaste, tu que não duvidaste de mim, tu, cuja pena me defendeu, serás o primeiro a gozar de meu sucesso e dele compartilhar.
Assim fui fiel, com efeito.


Quando passei pela portaria, a encarregada me chamou.
─ Ah! Senhor, me disse ela, que grande desgraça, não? Um homem tão bom!
Um homem nascido para a bondade! Morrer tão depressa!
─ Mas, quem?
─ O Sr. Thilorier. Morreu agora mesmo.


Ah! Ela dizia a verdade. Fora atingido de morte súbita, no laboratório, o meu infeliz amigo.


Que aconteceu à sua descoberta? Não foi encontrado um traço dos desenhos que me havia mostrado; suas notas, se as deixou, também se perderam. Teria resolvido o grande problema que o preocupava? Só Deus sabe! Deus, que não lhe tinha permitido transmitir seu pensamento sublime ou louco senão a um profano incapaz de discernir o verdadeiro do falso e, sobretudo, de se lembrar da teoria sobre a qual o inventor a baseava.


Seja como for, hoje a condensação do ácido carbônico não passa de experiência curiosa, que os professores raramente demonstram em seus cursos. Se Thilorier tivesse vivido mais alguns dias, talvez o ácido carbônico tivesse transformado a face do mundo.
SAM.


Thilorier teria ou não achado o que buscava? Em todo o caso, seria interessante saber o que a respeito pensava como Espírito.


1. Evocação.
─ Eis-me muito alegre em vosso meio.


2. ─ Desejamos conversar convosco, porque pensamos lucrar numa conversa com o Espírito de um cientista, como fostes em vida.
─ O Espírito de um cientista, por vezes é mais elevado na Terra do que no Céu. Contudo, quando a Ciência for companheira da probidade, isto será uma garantia da superioridade espírita.


3. ─ Como físico, vos ocupastes especialmente na procura de um motor para substituir o vapor e pensáveis havê-lo encontrado no ácido carbônico condensado. O que pensais disso agora?
─ Minha ideia era de tal modo fixa nesse assunto, que eu havia tido um sonho, na véspera de minha morte ou, para ser mais exato, no momento de minha ressurreição espiritual.


4. ─ Alguns dias antes de morrer pensáveis haver encontrado a solução da dificuldade prática. Achastes realmente esse meio?
─ Digo-vos que a superexcitação da imaginação me havia proporcionado um sonho fantástico, que enunciei desperto. Era, em termos exatos, aquilo a que chamais loucura. O que eu sonhei não era absolutamente aplicável.


5. ─ Estáveis aqui quando foi lida a notícia que vos concerne?
─ Sim.


6. ─ Que pensais dela?
─ Pouca coisa. Eu repouso no seio do meu anjo da guarda, porque minha pobre alma saiu muito chocada de meu corpo miserável.


7. ─ Não obstante, poderíeis responder a algumas perguntas sobre as ciências?
─ Sim. Por um momento, quero mesmo entrar no emaranhado da Ciência.


8. ─ Pensais que um dia a máquina a vapor será substituída por outro motor?
─ Este já é bem aperfeiçoado. Contudo, creio ver no futuro que a inteligência humana achará um meio de simplificá-lo ainda mais.


9. ─ Que pensais do ar comprimido, como propulsor?
─ O ar comprimido é excelente propulsor, mais leve que o vapor e mais econômico. Quando se souber dirigir o seu emprego, terá mais força, portanto mais velocidade.


10. ─ Que pensais agora do ácido carbônico condensado, usado para tal fim?
─ Eu ainda estava muito atrasado. Serão necessárias numerosas experiências, bem como difíceis estudos para chegar a um resultado satisfatório. A Ciência ainda tem tanto a fazer!


11. ─ Dos vários motores de que se ocupam, qual o que, na vossa opinião, triunfará?
─ Agora, o vapor; mais tarde, o ar comprimido.


12. ─ Voltastes a ver Arago?
─ Sim.


13. ─ Conversais sobre as ciências?
─ Algumas vezes temos as faculdades de nossa inteligência voltadas para os estudos humanos. Gostamos muito de assistir às experiências que são feitas. Mas quando se volta ao Céu não se pensa mais nisto. Depois, no momento, como disse, estou repousando.


14. ─ Ainda uma pergunta, por favor, mas muito séria; se não puderdes respondê-la por vós mesmo, tende a bondade de usar a assistência de um Espírito mais competente. Sempre nos disseram que os Espíritos costumam sugerir ideias aos homens e que muitas descobertas têm essa origem. Mas como nem todos os Espíritos sabem tudo e alguns procuram instruir-se, podeis dizer se alguns fazem pesquisas e descobertas na condição de Espíritos?
─ Sim. Quando um Espírito alcançou um grau bem avançado, Deus lhe confia uma missão e o encarrega de ocupar-se de tal ou qual ciência útil aos homens. É então que essa inteligência, obediente a Deus, busca nos segredos da Natureza, que Deus lhe permite entrever, tudo quanto deve aprender para isto. Quando estudou bastante, dirige-se a um homem capaz de apreender aquilo que, por sua vez, pode ensinar. De repente esse homem é obsidiado por um pensamento; só pensa nisso; disso fala a todo instante; sonha dia e noite com a coisa; ouve vozes celestes que lhe falam. Depois, quando tudo está bem desenvolvido em sua cabeça, esse homem anuncia ao mundo uma descoberta ou um aperfeiçoamento. É assim que têm sido inspirados os grandes homens, em sua maioria.


15. ─ Nós vos agradecemos a bondade das respostas e por haverdes deixado por nós, um instante, o vosso repouso.
─ Pedirei a Deus que vele por vós e vos inspire.


NOTA: A Sra. G..., que às vezes vê os Espíritos, descreve as impressões recebidas durante a evocação de Thilorier. Ela viu um Espírito que julga ser o dele.


16. (A São Luís). ─ Teríeis a bondade de dizer se realmente foi o Espírito de Thilorier que a Sra. G... viu?
─ Não é precisamente esse Espírito que essa senhora acaba de ver. Mais tarde seus olhos estarão habituados a distinguir a forma ou perispírito e ela os distinguirá perfeitamente. No momento é uma espécie de miragem.


NOTA: As perguntas complementares que seguem também foram dirigidas a São Luís.


17. ─ Se os autores de descobertas são assistidos por Espíritos que lhes sugerem ideias, como é que alguns homens creem inventar e nada inventam, ou só inventam quimeras?
─ É que são iludidos por Espíritos enganadores que, achando seu cérebro aberto ao erro, deles se apoderam.


18. ─ Como se explica que o Espírito tão frequentemente escolha homens incapazes de levar a termo uma descoberta?
─ São os cérebros desprovidos de previdência humana os mais capazes de receber a perigosa semente do desconhecido. O Espírito não escolhe tal homem por ser incapaz; é o homem que não sabe fazer frutificar a semente que lhe é dada.


19. ─ Mas então é a Ciência que sofre, e isto não explica por que o Espírito não se dirige de preferência a um homem capaz.
─ A Ciência nada sofre, porque o que um esboça um outro termina, e, durante o intervalo, a ideia amadurece.


20. ─ Quando uma descoberta é prematura, obstáculos providenciais podem opor-se à sua divulgação?
─ Nada jamais detém o desenvolvimento de uma ideia útil. Deus não o permitiria. É preciso que ela siga o seu curso.


21. ─ Quando Papin descobriu a força motriz do vapor, numerosos ensaios foram feitos para utilizá-lo e obtiveram-se resultados bastante satisfatórios, mas ficaram no estado de teoria. Como se explica que tão grande descoberta tenha ficado adormecida tanto tempo, desde que se possuíam os seus elementos e não faltavam homens capazes de fecundá-la? Isto foi devido à insuficiência dos conhecimentos ou não era ainda chegado o momento da revolução que ela deveria operar na indústria?
─ Para a comunicação das descobertas que transformam o aspecto exterior das coisas, Deus deixa a ideia amadurecer, como as espigas cujo desenvolvimento o inverno não impede, mas apenas retarda. A ideia deve germinar bastante tempo a fim de nascer quando todos a solicitam. Dá-se o mesmo com as ideias morais, que primeiro germinam e só se implantam quando chegam à maturidade. Por exemplo, neste momento em que o Espiritismo tornou-se uma necessidade, será acolhido como um benefício, porque inutilmente foram tentadas todas as outras filosofias para satisfazer as aspirações do homem.

São Luís

O suicida da rua Quincampoix

No ano passado os jornais noticiaram um exemplo de suicídio em circunstâncias especiais. Foi no começo da guerra da Itália. Um pai de família, que desfrutava de estima geral dos vizinhos, tinha um filho que o sorteio militar havia chamado às armas. Achando-se, por sua posição, impossibilitado de livrá-lo do serviço, teve a ideia de suicidar-se, para isentá-lo, como filho único de viúva.


A morte foi uma prova para o pai ou para a mãe? Em todo caso, é provável que Deus tenha levado em conta, a favor desse homem, a sua dedicação, e que o suicídio não tivesse para ele as mesmas consequências que outros motivos acarretariam.


(A São Luís) ─ Podeis dizer-nos se podemos evocar o homem de quem acabamos de falar?
─ Sim. Ele ficará muito feliz por isso, porque será um pouco aliviado.


1. Evocação.


2. ─ Oh! Obrigado! Sofro muito, mas... é justo. Contudo, ele me perdoará.


OBSERVAÇÃO: O Espírito escreve com muita dificuldade. Os caracteres são irregulares e muito mal traçados. Depois da palavra mas, ele para, em vão tenta escrever e faz apenas uns traços indecifráveis e pontos. É evidente que foi a palavra
Deus que não pôde escrever.


2. ─ Preenchei a lacuna que deixastes.
─ Sou indigno disto.


3. ─ Dizeis sofrer. Sem dúvida errastes, praticando o suicídio, mas o motivo que vos levou a isto não vos merece alguma indulgência?
─ Minha punição será menos longa, mas a ação não é menos má.


4. ─ Poderíeis descrever-nos a punição que sofreis, dando o máximo de detalhes para a nossa instrução?
─ Sofro duplamente, na alma e no corpo; sofro neste último, embora não mais o possua, como o amputado sofre no membro ausente.


5. ─ Vossa ação teve por único motivo salvar o filho ou fostes levado por outra causa?
─ Só o amor paterno me guiou, mas guiou mal. Por isso minha pena será abreviada.


6. ─ Prevedes o termo dos vossos sofrimentos?
─ Não sei o termo, mas tenho certeza de que o termo existe, o que me é um alívio.


7. ─ Há pouco não pudestes escrever a palavra Deus. Contudo, vimos Espíritos bastante sofredores escrevê-la. Isto faz parte de vossa punição?
─ Eu o poderei, com grandes esforços de arrependimento.


8. ─ Muito bem! Fazei grandes esforços e tentai escrevê-la. Estamos convictos de que se o conseguirdes, isto vos dará alívio.
O Espírito acaba escrevendo, em caracteres irregulares, trêmulos e grandes:
“Deus é muito bom.”


9. ─ Somos gratos por terdes vindo ao nosso apelo e oraremos por vós a Deus, para que sua misericórdia caia sobre vós.
─ Sim, por favor.


10. (A São Luís) ─ Quereis dar-nos vossa apreciação pessoal sobre o ato do Espírito que acabamos de evocar?
─ Esse Espírito sofre justamente, porque perdeu a confiança em Deus, o que é sempre uma falta punível. A punição seria longa e terrível se ele não tivesse, em seu favor, um motivo louvável, qual o de impedir o filho de marchar para a morte. Deus, que vê o fundo dos corações, e que é justo, não o punirá senão segundo as suas obras.


OBSERVAÇÃO: Por sua ação, esse homem talvez tenha impedido a realização do destino do filho. Para começar, não é certo que ele seria morto na guerra e talvez essa carreira lhe fornecesse oportunidade de fazer algo de útil ao seu progresso. Sem dúvida tal consideração não será estranha à severidade do castigo que lhe é infringido. Certamente sua intenção era boa e isto lhe foi levado em conta. A intenção atenua o mal e merece indulgência, mas não impede que aquilo que é mal seja mal. Sem isto, a favor da intenção se poderiam desculpar todos os malefícios e até se poderia matar, sob pretexto de uma boa intenção. Poder-se-ia acreditar, por exemplo, que fosse permitido matar um homem sem esperança de cura, a fim de abreviar os seus sofrimentos? Não, porque agindo assim abreviamos a prova que deve sofrer e lhe fazemos mais mal do que bem. A mãe que mata o filho na crença de que o manda direto para o Céu, será menos culpada porque o fez com boa intenção? Baseados neste sistema justificaríamos todos os crimes que um fanatismo cego produziu nas guerras religiosas.




Variedades

O Prisioneiro de Limoges

O fato seguinte foi comunicado à Sociedade pelo Sr. Achille R..., um de seus membros, conforme uma carta de um de seus amigos de Limoges, datada de 18 de julho:

“No momento, nossa cidade se ocupa de um fato interessante para os espíritas, e que me apresso a fazer passar ao Sr. Kardec por vosso intermédio. Eu mesmo colhi as mais circunstanciadas informações junto a testemunhas do fato em questão, isto é, na prisão onde se acha, no momento, o herói da aventura.

“Um soldado do primeiro regimento de infantaria, chamado Mallet, foi condenado a um mês de prisão por ter desviado a quantia de três francos pertencentes a um de seus camaradas. Sua pena expirará dentro de sete dias. Esse jovem militar perdeu um irmão de dezenove anos, doméstico, há cerca de oito anos, e há sete anos ele vê, ao menos quatro noites em oito, depois da meia noite, uma grande chama em meio à qual se destaca um cordeirinho. A visão o apavorava, mas ele não ousava falar disso. Quando ficou sozinho na prisão, ficou ainda mais apavorado e suplicou ao carcereiro que lhe desse companheiros. Foram para junto dele quatro soldados do segundo regimento de caçadores montados. À uma hora da madrugada, tendo-se levantado Mallet, as quatro testemunhas também viram a chama e o cordeiro sobre ela. “Como eu vos disse, a aparição se repete muitas vezes; o pobre rapaz fica tão afetado que chora, fica desolado e não mais se alimenta. O oficial médico do regimento quis assegurar-se do fato, mas não ficou bastante tempo e a visão só ocorreu uma hora e meia após a sua saída. Um padre de Saint-Michel, o Sr. F..., foi mais feliz, ao que parece, pois tomou notas. Far-lhe-ei uma visita para lhe perguntar o que pensa.

“Mas isto não é tudo. O carcereiro me disse ter visto várias vezes a porta da prisão aberta pela manhã, embora na véspera tivesse cuidadosamente passado os ferrolhos. Aconselharam a Mallet que interrogasse o cordeirinho, o que fez na noite passada, e a resposta foram estas palavras, que dele ouvi textualmente: Manda rezar um “de profundis” e missas; sou teu irmão; não voltarei mais. Tal é a descrição exata dos fatos; eu as entrego ao Sr. Kardec, para que faça o uso que julgar conveniente.”

Perguntas de um Espírita de Sétif ao Sr. Oscar Comettant

A carta seguinte nos foi dirigida por um de nossos assinantes de Sétif, Argélia, onde há numerosos adeptos que recebem notáveis comunicações, com as quais já brindamos os nossos leitores.
“Senhor,

“O Sr. Dumas já vos falou de um fenômeno extraordinário que se passou há algum tempo com meu filho de dezesseis anos, médium de um gênero singular.

Cada vez que se faz uma evocação, ele adormece sem magnetismo e nesse estado responde a todas as perguntas que, por seu intermédio, são dirigidas ao Espírito. Ao despertar, ele de nada se lembra. Ele responde até em latim, inglês e alemão, línguas das quais não tem nenhum conhecimento. É um fato que muitas pessoas puderam constatar e que eu asseguro, pelo que tenho de mais sagrado, mesmo ao Sr. Oscar Comettant. Tenho em mãos um relato deste último, de 27 de outubro de 1859, onde ele escreve: “Mas em que acreditais? talvez me pergunte o Sr. Allan Kardec.” Eu, senhor, não lhe perguntarei se crê nalguma coisa, primeiro porque isto pouco me importa; depois, porque há homens que em nada acreditam. O Sr. Oscar Comettant apoia-se na autoridade de Voltaire, que não acreditava no que a razão não podia compreender. Ele está errado porque, malgrado o imenso saber que Deus havia dado a Voltaire, há milhares de coisas hoje conhecidas e de que a sua razão jamais suspeitou. Ora, ao negar um fato cuja realidade não se quer constatar, pergunto, em consciência, de que lado está o absurdo.

“Dirijo-me diretamente ao Sr. Comettant e lhe digo: Admitamos não sejam os Espíritos que nos falam. Então dai-nos uma explicação lógica do fato citado. Se o negais a priori, eu vos chamo ao tribunal da razão, que invocais; se me pilhais em flagrante delito de mentira, concordo em fazer uma confissão pública ou em passar por louco. Caso contrário, estou pronto a entrar em luta convosco, no terreno dos fatos. Mas antes de entabular a discussão, eu vos perguntarei:
1.º ─ Se acreditais no sonambulismo natural e se vistes indivíduos nesse estado.
2.º ─ Vistes sonâmbulos a escrever?
3.º ─ Vistes sonâmbulos respondendo a perguntas mentais?
4.º ─ Vistes sonâmbulos respondendo em línguas que desconhecem?
Preciso de um sim ou um não puro e simples a todas estas perguntas. Se for sim, passaremos a outra coisa; se for não, encarrego-me de vos fazer ver, e então podereis explicar-me a coisa à vossa maneira. Recebei, etc.
COURTOIS

Em relação à carta acima faremos as seguintes reflexões. É provável que o Sr. Comettant não responda ao Sr. Courtois, assim como não respondeu a outras pessoas que lhe escreveram sobre o mesmo assunto. Se ele entabulasse uma polêmica, certamente seria no terreno do sarcasmo, terreno no qual sempre se diz a última palavra, e sobre o qual nenhum homem sério quereria acompanhá-lo. Que o Sr. Courtois o deixe, pois, na momentânea quietude de sua incredulidade, desde que esta lhe basta e ele se contenta em ser matéria. Desde que ele só tem piadas a opor, é que nada tem de melhor a dizer. Ora, como as piadas não são razões, aos olhos da gente sensata isso é confessar-se vencido.

O Sr. Courtois não tem razão em levar muito a sério as negações dos incrédulos. Os materialistas não acreditam sequer ter uma alma e se reduzem ao modesto papel de autômatos. Como podem admitir Espíritos fora deles quando não acreditam tê-los em si mesmos? Falar-lhes de Espíritos e de suas manifestações é começar por onde se deveria terminar. Não admitindo a causa primeira, não podem admitir as consequências. Dir-se-á, por certo, que se têm raciocínio, devem ceder à evidência. É verdade, mas é precisamente esse raciocínio que lhes falta. Aliás, sabese que não há pior cego do que aquele que não quer ver. Deixemo-los, pois, em paz, porque suas negações não impedirão a verdade de espalhar-se, assim como não impediriam a água de correr.




Ditados espontâneos e dissertações espíritas

Desenvolvimento das ideias

A propósito da evocação de Thilorier (Médium, Sra. Costel)

Vou falar-vos a propósito da necessidade de reunir elementos diversos do Espírito para formar um todo. É ilusão comum pensar que para se desenvolver uma aptidão especial não se necessite senão de estudo especial. Não. O Espírito humano, como um rio, se avoluma com todos os afluentes. O homem não deve isolar-se no seu trabalho, isto é, deve, pelos contrastes os mais opostos, fazer brotar a força das ideias. A originalidade é o contraste das ideias-mães; é uma das mais raras superioridades. Desde a infância ela é abafada pela regra absurda, que rebaixa todos os Espíritos ao mesmo nível. Vou explicar minha ideia. Thilorier, que acabam de evocar, era um inventor apaixonado, uma inteligência ativa, mas se havia fechado na esfera da invenção, isto é, na ideia fixa. Jamais se postava à janela para ver passarem as ideias dos outros. Assim, ficou prisioneiro de seu próprio cérebro. O gênio flutuava ao seu redor. Encontrando todas as saídas fechadas, deixou a loucura, sua irmã, penetrar e invadir o lugar tão bem guardado. Thilorier, que teria deixado um nome imortal, vive apenas na lembrança de alguns cientistas.
Georges (Espírito Familiar)

Mascaradas humanas (Médium, Sra. Costel)

Falarei da necessidade singular dos melhores Espíritos de imiscuir-se sempre nas coisas que não lhes competem. Por exemplo: um excelente comerciante não duvidará um instante de sua aptidão política, e o maior diplomata porá o amorpróprio na decisão das mais frívolas questões. Este defeito, comum a todos, não tem outro móvel senão a vaidade, e a vaidade só tem necessidades artificiais. Para a toalete, para o espírito, para o próprio coração, ela busca, antes de mais nada, o que é falso; vicia o instinto do belo e do verdadeiro; leva as mulheres a desnaturar sua beleza; persuade os homens a buscar precisamente o que lhes é mais prejudicial. Se os franceses e as francesas não tivessem esse defeito, eles seriam os mais inteligentes do mundo e elas as mais sedutoras Evas conhecidas. Não tenhamos, pois, essa absurda fraqueza; tenhamos a coragem de sermos nós mesmos; de levar a cor do nosso Espírito, como a dos nossos cabelos. Mas os tronos ruirão, as repúblicas se estabelecerão, antes que um francês leviano renuncie às suas pretensões de gravidade e uma francesa às suas pretensões de firmeza. Hipocrisia continuada, em que cada um veste uma roupa de outra época, ou apenas a do vizinho. Hipocrisia política, máscara religiosa, em que todos, arrastados pela vertigem, vos buscais apaixonadamente, sem encontrar nesse tumulto nem o ponto de partida, nem o vosso objetivo.

DELPHINE DE GIRARDIN

O saber dos Espíritos (Médium, Srta. Huet)

No estudo do Espiritismo há um grave erro, que cada dia mais se propaga e que se torna quase o móvel que faz os outros virem a nós: é o de nos julgarem infalíveis nas respostas. Pensam que tudo devemos saber, tudo ver, tudo prever. Erro! Grande erro! Certamente, nossa alma não mais estando encerrada num corpo material, como um pássaro numa gaiola, lança-se no espaço; os sentidos dessa alma tornam-se mais sutis, mais desenvolvidos; vemos e ouvimos melhor, mas não podemos saber tudo, estar em toda parte, porque não temos o dom da ubiquidade. Que diferença haveria, então, entre nós e Deus, se nos fosse permitido conhecer o futuro e anunciá-lo pontualmente? Isto é impossível. Sabemos mais que os homens, certamente; por vezes podemos ler no pensamento e no coração dos que nos falam, mas aí se detém a nossa ciência espírita. Corrigi-vos, pois, da ideia de nos interrogar unicamente para saber o que se passa em tal ou qual parte do vosso globo, em relação a uma descoberta material, comercial, ou para serdes advertidos do que se passará amanhã, nos negócios políticos ou industriais. Nós vos informaremos sempre sobre o nosso estado, sobre nossa existência extracorpórea, sobre a bondade e a grandeza de Deus, enfim, sobre tudo quanto possa servir à vossa instrução e à vossa felicidade presente e futura, mas não nos pergunteis o que não podemos nem devemos dizer-vos.

CHANNING

Origens (Médium, Sra. Costel)

No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus. Assim se anuncia no Evangelho de São João. Isto é, no começo estava o princípio e o princípio era Deus, o Criador de todas as coisas, que não hesitou mais na formação do homem do que na do globo.

Ele o criou tal qual é hoje, dando-lhe, ao sair de suas mãos, o livre-arbítrio e o poder de progredir. Deus disse ao mar: Não irás mais longe. Aos homens, ao contrário, mostrando-lhe o Universo disse: Tudo isto é para vós; trabalhai, desenvolvei, descobri os tesouros em germe semeados por toda parte, no ar, nas ondas, no seio da terra. Trabalhai e amai. Não duvideis de vossa origem divina, pois ela é direta. Não sois o fruto de uma lenta progressão; não passastes pela fieira animal; positivamente sois filhos de Deus. Então de onde provém o pecado? O pecado foi criado por vossas próprias faculdades; é o avesso e o exagero delas.

Não houve um primeiro homem, pai do gênero humano, assim como não houve apenas um sol para iluminar o Universo. Deus abriu sua grande mão e espalhou com a mesma profusão a raça humana sobre os mundos quanto as estrelas no céu.

Espíritos animados por seu sopro logo revelaram sua existência aos homens, muito antes dos profetas que conheceis. Outros enviados desconhecidos haviam arroteado as almas ignorantes de si mesmas. Ao mesmo tempo que os homens, foram criados os animais. Estes dotados de instinto, mas não de inteligência progressiva. Assim, conservaram o tipo primitivo e, salvo a educação individual, são os mesmos do tempo dos patriarcas. Os cataclismos dos dilúvios ─ pois não houve um único, mas vários ─ fizeram desaparecer raças inteiras de homens e de animais. São consequências geológicas que ainda vos ameaçam.

Os homens descobrem, mas nada inventam. Assim, as crenças mitológicas não eram meras ficções, mas revelações de Espíritos inferiores. Os sátiros e os faunos eram Espíritos secundários, que habitavam os bosques e os campos, como ainda hoje. Então era-lhes permitido manifestar-se mais vezes aos olhos dos homens, porque o materialismo não se tinha depurado pelo Cristianismo e pelo conhecimento de um Deus único. O Cristo destruiu o império dos Espíritos inferiores, para estabelecer o do espírito sobre a Terra. Isto é a verdade, que afirmo em nome de Deus Todo-Poderoso.

LÁZARO

O futuro (Médium, Sr. Coll...)

O Espiritismo é a ciência de toda a luz. Feliz da sociedade que o puser em prática! Somente então a idade de ouro, ou melhor, a era do pensamento celeste reinará entre vós. Não penseis que por isto tereis menos satisfações terrenas. Muito pelo contrário, tudo será felicidade para vós, porque nesse tempo a luz vos fará ver a verdade sob um aspecto mais agradável. O que os homens ensinarão não será mais essa ciência capciosa, que vos faz ver, sob a enganadora máscara do bem geral ou de um bem futuro no qual, muitas vezes, o próprio mestre não tem nenhuma confiança.

Não será a mentira e a cupidez; a vontade de tudo ter, em proveito de uma seita e por vezes até em proveito de um só. Certamente os homens não serão perfeitos, mas então o equívoco será tão restrito e os maus terão tão pouca influência que serão felizes na sua minoria. Nesses tempos os homens compreenderão o trabalho e todos chegarão à riqueza, porque não desejarão o supérfluo senão para fazer grandes obras em proveito de todos. O amor, esta palavra tão divina, não mais terá essa acepção impura que lhe emprestais. Todo sentimento pessoal desaparecerá, ante esse ensinamento tão suave, contido nestas palavras do Cristo: Amai-vos uns aos outros, como a vós mesmos.

Chegando a esta crença, todos sereis médiuns. Desaparecerão todos os vícios que degradam a vossa Sociedade. Tudo se tornará luz e verdade. O egoísmo, esse verme roedor e retardatário do progresso, que abafa todo sentimento fraterno, não terá mais domínio sobre as vossas almas. Vossas ações não mais terão por móvel a cupidez e a luxúria. Amareis vossa mulher porque ela terá uma alma boa e vos quererá; porque verá em vós o homem escolhido por Deus para proteger a sua fraqueza e porque ambos vos auxiliareis a suportar as provas terrenas e sereis os instrumentos votados à propagação de seres destinados a melhorar-se, a progredir, a fim de chegarem a mundos melhores, onde podereis, por um trabalho ainda mais inteligente, elevar-vos na direção do nosso supremo Benfeitor. Ide, espíritas! Perseverai. Fazei o bem pelo bem. Desprezai suavemente os gracejadores. Lembrai-vos de que tudo é harmonia na Natureza; que a harmonia está nos mundos superiores e que, malgrado certos Espíritos fortes, tereis também a vossa harmonia relativa.

São Luís

A eletricidade espiritual (Médium, Sr. Didier Filho)

O homem é, ao mesmo tempo, um ser muito singular e muito fraco. É singular no sentido de que, mesmo em meio aos fenômenos que o cercam, não deixa de seguir a sua rotina, espiritualmente falando. É fraco porque, depois de ter visto e ter-se convencido, ri porque seu vizinho riu e não pensa mais naquilo. E notai que aqui falo, não de seres vulgares, sem reflexão e sem experiência. Não. Falo de gente inteligente e, na maioria, esclarecida. De onde vem tal fenômeno? Porque refletindo bem, é um fenômeno moral. Mas que! O Espírito começou a agir sobre a matéria pelo magnetismo e pela eletricidade; a seguir entrou no próprio coração do homem, e o homem não se deu conta disso. Estranha cegueira! Cegueira não produzida por uma causa estranha, mas voluntária, oriunda do Espírito. Em seguida veio o Espiritismo, que produziu uma comoção no mundo, e o homem publicou livros muito sérios, dizendo: é uma causa natural, é simplesmente eletricidade, uma lei física, etc. E o homem ficou satisfeito; mas estai certos, o homem terá ainda muitos livros a escrever, antes de poder compreender o que está escrito no livro da Natureza, o livro de Deus. A eletricidade, essa nuança entre o tempo e o que não é mais o tempo, entre o finito e o infinito, o homem ainda não conseguiu definir. Por que? Sabei-o. Não podeis defini-la senão pelo magnetismo, essa manifestação material do Espírito. Não conheceis ainda senão a eletricidade material. Mais tarde conhecereis também a eletricidade espiritual, que não é senão o reino eterno da ideia.
Lamennais

Desenvolvimento sobre a comunicação precedente

1.º ─ Teríeis a bondade de fazer alguns esclarecimentos sobre certas passagens do vosso último ditado, que nos parecem um pouco obscuras?
─ Farei o que for possível no momento.

2.º ─ Dizeis: “A eletricidade, essa nuança entre o tempo e o que não é maistempo, entre o finito e o infinito”. Esta frase não nos parece muito clara. Teríeis a bondade de desenvolvê-la?
─ Eu a explico assim, da maneira mais simples que posso. Para vós o tempo existe, não? Para nós, não existe. Assim defini a eletricidade: “essa nuança entre o tempo e o que não é mais tempo”, porque essa parte do tempo de que outrora vos devíeis servir para vos comunicardes de um a outro extremo do mundo, essa porção do tempo, digo eu, não existe mais. Mais tarde virá essa eletricidade que não será outra coisa senão o pensamento do homem, transpondo o espaço. Com efeito, não é esta a imagem mais surpreendente sobre o finito e o infinito, sobre o pequeno meio e o grande meio? Numa palavra, quero dizer que a eletricidade suprime o tempo.

3.º ─ Mais adiante dizeis: “Não conheceis senão a eletricidade material. Mais tarde conhecereis também a eletricidade espiritual.” Entendeis por isto os meios de comunicação de homem a homem, por via mediúnica?
─ Sim, como progressos médios; outra coisa virá mais tarde; dai aspirações ao homem: a princípio, ele adivinha; depois, vê.


Instrução prática sobre as manifestações espíritas

Esta obra está inteiramente esgotada e não será reimpressa. Será substituída pelo novo trabalho ora no prelo, que sairá muito mais completo e obedecerá a um outro plano.

ALLAN KARDEC

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