Formação primária dos seres vivos.
Esta última suposição é a mais provável. Pode-se mesmo dizer que ressalta da observação. Com efeito, o estudo das camadas geológicas atesta, nos terrenos de idêntica formação, e em proporções enormes, a presença das mesmas espécies em pontos do globo muito afastados uns dos outros. Essa multiplicação tão generalizada e, de certo modo, contemporânea, fora impossível com um único tipo primitivo.
Doutro lado, a vida de um indivíduo, sobretudo de um indivíduo nascente, está sujeita a tantas vicissitudes, que toda uma criação poderia ficar comprometida sem a pluralidade dos tipos, o que implicaria uma imprevidência inadmissível da parte do Criador supremo. Aliás, se, num ponto, um tipo se pode formar, em muitos outros pontos ele se poderia formar igualmente, por efeito da mesma causa.
Tudo, pois, concorre a provar que houve criação simultânea e múltipla dos primeiros casais de cada espécie animal e vegetal.
A combinação de dois corpos para formar um terceiro exige especial concurso de circunstâncias: seja um determinado grau de calor, de sequidão, ou de umidade; seja o movimento ou o repouso; seja uma corrente elétrica, etc. Se essas circunstâncias não se verificarem, a combinação não se operará.
Por exemplo: o oxigênio, combinado em certas proporções, com o carbono, o enxofre, o fósforo, forma os ácidos carbônico, sulfúrico, fosfórico; o oxigênio e o ferro formam o óxido de ferro ou ferrugem; o oxigênio e o chumbo, ambos inofensivos, dão origem aos óxidos de chumbo, tais como o itargírio, o alvaiade, o mínio, que são venenosos. O oxigênio, com os metais chamados cálcio, sódio, potássio, forma a cal, a soda, a potassa. A cal, unida ao ácido carbônico, forma os carbonatos de cal ou pedras calcáreas, tais como o mármore, a cré, as estalactites das grutas; unida ao ácido sulfúrico, forma o sulfato de cálcio ou gesso e o alabastro; ao ácido fosfórico, o fosfato de cal, base sólida, dos ossos; o cloro e o hidrogênio formam o ácido clorídrico ou hidroclórico; o cloro e o sódio formam o cloreto de sódio ou sal marinho.
Em sua origem, a Terra não continha essas matérias em combinação, mas, apenas, volatilizados, seus princípios constitutivos. Quando as terras calcáreas e outras, tornadas pedrosas com o tempo, se lhe depositaram na superfície, aquelas matérias não existiam inteiramente formadas; porém, no ar se encontravam, em estado gasoso, todas as substâncias primitivas. Precipitadas por efeito do resfriamento, essas substâncias, sob o império de circunstâncias favoráveis, se combinaram, segundo o grau de suas afinidades moleculares. Foi então que se formaram as diversas variedades de carbonatos, de sulfatos, etc., a princípio em dissolução nas águas, depositadas, depois, na superfície do solo.
Suponhamos que, por uma causa qualquer, a Terra voltasse ao estado primitivo de incandescência: tudo se decomporia; os elementos se separariam; todas as substâncias fusíveis se fundiriam; todas as que são volatilizáveis se volatilizariam. Depois, outro resfriamento determinaria nova precipitação e de novo se formariam as antigas combinações.
11. Na formação dos corpos sólidos, um dos mais notáveis fenômenos é o da cristalização, que consiste na forma regular que assumem certas substâncias, ao passarem do estado líquido, ou gasoso, ao estado sólido. Essa forma, que varia de acordo com a natureza da substância, é geralmente a de sólidos geométricos, tais como o prisma, o romboide, o cubo, a pirâmide. Toda gente conhece os cristais de açúcar cândi; os cristais de rocha, ou sílica cristalizada, são prismas de seis faces que terminam em pirâmide igualmente hexagonal. O diamante é carbono puro, ou carvão cristalizado. Os desenhos que no inverno se produzem sobre as vidraças são devidos à cristalização do vapor d’água durante a congelação, sob a forma de agulhas prismáticas.
A disposição regular dos cristais corresponde à forma particular das moléculas de cada corpo. Essas partículas, para nós infinitamente pequenas, mas que não deixam por isso de ocupar um certo espaço, solicitadas umas para as outras pela atração molecular, se arrumam e justapõem segundo o exigem suas formas, de maneira a tomar cada uma o seu lugar em torno do núcleo ou primeiro centro de atração e a constituir um conjunto simétrico.
A cristalização só se opera em certas circunstâncias favoráveis, fora das quais ela não pode dar-se. São condições essenciais o grau da temperatura e o repouso absoluto. Compreende-se que um calor muito forte, mantendo afastadas as moléculas, não lhes permitiria condensarem-se e que a agitação, impossibilitando-lhes um arranjo simétrico, não lhes consentiria formar senão uma massa confusa e irregular, donde o não haver cristalização propriamente dita.
A análise química mostra que todas as substâncias vegetais e animais são compostas dos mesmos elementos que os corpos inorgânicos. Desses elementos, são o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono os que desempenham papel principal. Os outros entram acessoriamente. Como no reino mineral, a diferença de proporções na combinação dos referidos elementos produz todas as variedades de substâncias orgânicas e suas diversas propriedades, tais como: os músculos, os ossos, o sangue, a bílis, os nervos, a matéria cerebral, a gordura, nos animais; a seiva, a madeira, as folhas, os frutos, as essências, os óleos, as resinas, etc., nos vegetais. Assim, na formação dos animais e das plantas, nenhum corpo especial entra que igualmente não se encontre no reino mineral.*
Carbono |
Hidrogênio |
Oxigênio |
Nitrogênio |
|
Açúcar de cana |
42.470 |
6.900 |
50.530 |
- |
Açúcar de uva |
36.710 |
6.780 |
56.510 |
- |
Alcool |
51.980 |
13.700 |
34.320 |
- |
Azeite de oliveira |
77.210 |
13.360 |
9.430 |
- |
Óleo de nozes |
79.774 |
10.570 |
9.122 |
0,534 |
Gordura |
78.996 |
11.700 |
9.304 |
- |
Fibrina |
53.360 |
7.021 |
19.686 |
19.934 |
No pão e nos legumes que se comem, não há certamente carne, nem sangue, nem osso, nem bílis, nem matéria cerebral; entretanto, esses mesmos alimentos, decompondo-se e recompondo-se pelo trabalho da digestão, produzem aquelas diferentes substâncias tão só pela transmutação de seus elementos constitutivos.
Na semente de uma árvore, tampouco há madeiras, folhas, flores ou frutos e fora erro pueril crer-se que a árvore inteira, sob microscópica forma, ali se encontra. Quase não há, sequer, na semente, oxigênio, hidrogênio e carbono em quantidade necessária a formar uma folha da árvore. Ela contém um gérmen que desabrocha, em sendo favoráveis as condições. Esse gérmen se desenvolve por efeito dos sucos que haure da terra e dos gases que aspira do ar. Tais sucos, que não são lenho, nem folhas, nem flores, nem frutos, infiltrando-se na planta, lhe formam a seiva, como nos animais formam o sangue. Levada pela circulação a todas as partes do vegetal, a seiva, conforme o órgão a que vai ter e onde sofre uma elaboração especial, se transforma em lenho, folhas e frutos, como o sangue se transforma em carne, osso, bílis, etc. Contudo, são sempre os mesmos elementos: oxigênio, hidrogênio, azoto e carbono, diversamente combinados.
Visto que são os mesmos os elementos constitutivos dos seres orgânicos e inorgânicos; que os sabemos a formar incessantemente, em dadas circunstâncias, as pedras, as plantas e os frutos, podemos concluir daí que os corpos dos primeiros seres vivos se formaram, como as primeiras pedras, pela reunião das moléculas elementares, em virtude da lei de afinidade, à medida que as condições da vitalidade do globo foram propícias a esta ou àquela espécie.
A semelhança de forma e de cores, na reprodução dos indivíduos de cada espécie, pode comparar-se à semelhança de forma de cada espécie de cristal. Justapondo-se, sob a ação da mesma lei, as moléculas produzem conjunto análogo.