Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858

Allan Kardec

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Janeiro

INTRODUÇÃO

A rapidez com que em todas as partes do mundo se propagaram os estranhos fenômenos das manifestações espíritas é uma prova do interesse que despertam. A princípio simples objeto de curiosidade, não tardaram em chamar a atenção de homens sérios que, desde o início, entreviram a inevitável influência que viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. Cada dia se tornam mais populares as ideias novas que deles surgem, e nada lhes barrará o progresso, pela simples razão de que estes fenômenos estão ao alcance de todos, ou de quase todos, e nenhum poder humano lhes impedirá a manifestação. Se os abafam num ponto, aparecem em cem outros. Aqueles, pois, que neles descobrissem um inconveniente qualquer, seriam constrangidos, pela mesma força dos fatos, a lhes sofrer as consequências, como acontece às indústrias novas que, de começo, ferem interesses particulares, mas, ao final das contas, todos se acomodam, porque não poderia ser de outro modo.

O que não foi feito e dito contra o magnetismo! Entretanto, todos os raios lançados contra ele, todas as armas com que foi ferido, inclusive o ridículo, esbarraram ante a realidade e apenas serviram para colocá-lo em maior evidência. É que o magnetismo é uma força natural, e ante as forças naturais o homem é um pigmeu, semelhante a esses cachorrinhos que ladram inutilmente contra tudo quanto lhes mete medo.

Dá-se com as manifestações espíritas o mesmo que com o sonambulismo: se elas não se produzirem à luz do dia e publicamente, ninguém impedirá que ocorram na intimidade, pois cada família pode descobrir um médium entre os seus membros, desde as crianças até os velhos, bem como pode encontrar um sonâmbulo. Assim, quem poderá impedir que o primeiro que encontre seja médium e sonâmbulo? Sem dúvida, os que o combatem não pensaram nisso. Insistimos: quando uma força está na natureza, pode ser paralisada por um instante, mas nunca aniquilada! Apenas poder-se-á desviar o seu curso. Ora, a força que se revela no fenômeno das manifestações, seja qual for a sua causa, está na natureza, assim como o magnetismo, e não será aniquilada, como o não será a força elétrica. O que é preciso é que seja observada e estudada em todas as suas fases, a fim de se deduzirem as leis que a regem. Se for um erro e uma ilusão, o tempo fará justiça; se for a verdade, esta é como o vapor: quanto mais comprimido, maior será a sua força de expansão.

Admiram-se de que enquanto na América só os Estados Unidos possuem dezessete jornais consagrados ao assunto, sem contar um sem-número de escritos não periódicos, a França, o país da Europa onde mais rapidamente as ideias se aclimataram, não possua nenhum*. Seria desnecessário contestar a utilidade de um órgão especial que ponha o público a par do progresso desta nova ciência e a premuna contra os exageros da credulidade, tanto quanto do cepticismo. É uma tal lacuna que nos propomos preencher com a publicação desta Revista, com o fito de oferecer um meio de comunicação a todos quantos se interessam por estas questões e de ligar, por um laço comum, os que compreendem a doutrina espírita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prática do bem e a caridade evangélica para com todos.


* Até agora não existe na Europa senão um jornal consagrado à doutrina espírita — o Journal de l’âme, publicado em Genebra pelo Dr. Boessinger. Na América o único Jornal em francês é o Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans, publicado por Barthès.


Se se tratasse apenas de uma coleta de fatos, fácil seria a tarefa. Eles se multiplicam em toda parte com tal rapidez que não faltaria matéria, mas os fatos, por si sós, tornam-se monótonos pela repetição e, principalmente, pela similitude. O que é necessário ao homem que pensa é algo que lhe fale à inteligência. Faz poucos anos que se manifestaram os primeiros fenômenos e já estamos longe das mesas girantes e falantes, que representaram sua infância. Hoje é uma ciência que descobre todo um mundo de mistérios; que patenteia as verdades eternas apenas pressentidas por nosso espírito. É uma doutrina sublime que mostra ao homem o caminho do dever e descobre o mais vasto campo jamais apresentado à observação do filósofo. Nossa obra seria, pois, incompleta e estéril se nos mantivéssemos nos estreitos limites de uma revista anedótica, cujo interesse em breve teria passado.

Talvez nos contestem a denominação de ciência que damos ao Espiritismo. Ele não teria, sem dúvida e em nenhum caso, as características de uma ciência exata e precisamente nisso está o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema de matemática; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em fatos, mas estes, por si sós, não constituem a ciência. Ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de ciência? Se se trata de uma ciência acabada, sem dúvida será prematuro responder afirmativamente, mas as observações já são hoje bastante numerosas para permitirem pelo menos deduzir os princípios gerais, onde começa a ciência.

O exame raciocinado dos fatos e das consequências deles decorrentes é, pois, um complemento, sem o qual nossa publicação seria de medíocre utilidade e apenas ofereceria um interesse secundário a quem reflete e quer dar-se conta do que vê. Contudo, como nosso objetivo é chegar à verdade, acolheremos todas as observações que nos forem dirigidas e, tanto quanto o permitir o estado dos conhecimentos adquiridos, procuraremos resolver as dúvidas e esclarecer os pontos ainda obscuros. Nossa Revista será, assim, uma tribuna, na qual, entretanto, a discussão jamais deverá afastar-se das normas das mais estritas conveniências. Numa palavra, discutiremos, mas não disputaremos. As inconveniências de linguagem jamais foram boas razões aos olhos da gente sensata: é a arma daqueles que não possuem algo melhor, e que se volta contra quem a maneja.

Embora os fenômenos de que nos ocupamos se tenham produzido, nos últimos tempos, de maneira mais geral, tudo prova que têm ocorrido desde as eras mais remotas. Não acontece com os fenômenos naturais o mesmo que acontece nas invenções que acompanham o progresso do espírito humano, pois desde que estão na ordem das coisas, sua causa é tão antiga quanto o mundo e os seus efeitos devem ter-se produzido em todas as épocas. Portanto, o que hoje testemunhamos não é uma descoberta moderna: é o despertar da antiguidade, mas da antiguidade desembaraçada do envoltório místico que gerou as superstições; da antiguidade esclarecida pela civilização e pelo progresso no campo das coisas positivas.

A consequência capital que decorre desses fenômenos é a comunicação que os homens podem estabelecer com os seres do mundo incorpóreo e, dentro de certos limites, o conhecimento que podem adquirir de seu estado futuro. O fato das comu­nicações com o mundo invisível acha-se, em termos inequívocos, nos livros bíblicos. Mas de um lado, para alguns cépticos, a Bíblia não é autoridade suficiente; do outro, para os crentes, são fatos sobrenaturais, suscitados por um favor especial da Divindade. Não representariam, então, para todo o mundo, uma prova da generalidade dessas manifestações, se as não encontrássemos em mil outras fontes diversas. A existência dos Espíritos e sua intervenção no mundo corpóreo é atestada e demonstrada, não como um fato excepcional, mas como um princípio geral, em Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo e São Gregório Nazianzeno e muitos outros Pais da Igreja. Esta crença forma, além disso, a base de todos os sistemas religiosos. Os mais sábios filósofos da antiguidade a admitiam: Platão, Zoroastro, Confúcio, Apuleio, Pitágoras, Apolônio de Tiana e tantos outros. Encontramo-la no mistério e nos oráculos, entre os gregos, os egípcios, os hindus, os caldeus, os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as vicissitudes dos povos, a todas as perseguições, e desafiar todas as revoluções físicas e morais da humanidade.

Mais tarde a encontramos entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Média; nos Willis e nas Valquírias dos escandinavos; nos Elfos dos teutões; nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos; nos Ourisks e nos Brownies da Escócia; nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretões; nos Cemis dos caraíbas; numa palavra, em toda a falange de ninfas, gênios bons e maus, silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais todas as nações encheram o espaço.

Encontramos a prática das evocações nos povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os índios da América do Norte ou os aborígines do México e do Peru, na Polinésia e até entre os estúpidos selvagens da Nova Holanda.

Não será por alguns absurdos de que essa crença se cercou ou se revestiu em vários tempos e lugares que se há de desconhecer que parte de um mesmo princípio, mais ou menos desfigurado. Ora, uma doutrina não se torna universal, não sobrevive a milhares de gerações, não se implanta de um polo a outro, entre os povos mais diversificados e em todos os graus da escala social, se não estiver fundada em algo de positivo.

O que será esse algo? É o que nos demonstram as recentes manifestações. Procurar as relações possivelmente existentes entre essas manifestações e todas essas crenças é buscar a verdade.

A história da doutrina espírita é, de certo modo, a história do espírito humano. Teremos que estudá-la em todas as fontes, que nos facultarão um veio inesgotável de observações tão instrutivas quão interessantes, sobre os fatos geralmente pouco conhecidos. Esta parte nos dará oportunidade de explicar a origem de uma porção de lendas e de crenças populares que participam da verdade, da alegoria e da superstição.

No que concerne às manifestações atuais, relataremos todos os fenômenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento, sempre que nos parecerem merecedores da atenção dos nossos leitores. Do mesmo modo o faremos em relação aos efeitos espontâneos, por vezes produzidos entre pessoas alheias às práticas espíritas, que ora revelam um poder oculto, ora a independência da alma. Tais são as visões, as aparições, a dupla vista, os pressentimentos, os avisos íntimos, as vozes secretas, etc.

Ao relato dos fatos juntaremos a explicação, tal qual ressalta do conjunto dos princípios. A este respeito faremos notar que esses princípios são decorrentes do ensino dado pelos Espíritos, e que faremos sempre abstração de nossas próprias ideias. Não se trata, pois, de uma teoria pessoal, mas da que nos foi comunicada e da qual seremos simples intérpretes.

Largo espaço será igualmente reservado às comunicações escritas ou verbais dos Espíritos, desde que tenham um fim útil, assim como às evocações de personagens antigas ou atuais, conhecidas ou obscuras, sem desprezar as evocações íntimas que, muitas vezes, nem por isso são menos instrutivas. Numa palavra: abarcaremos todas as fases das manifestações materiais e inteligentes do mundo incorpóreo.

A doutrina espírita oferece-nos enfim a solução possível e racional de uma porção de fenômenos morais e antropológicos que testemunhamos diariamente e cuja explicação inutilmente buscaríamos em todas as doutrinas conhecidas. Nesta categoria colocaremos, por exemplo, a simultaneidade de pensamentos, as anomalias de certos caracteres, as simpatias e antipatias, os conhecimentos intuitivos, as aptidões, as propensões, os destinos que parecem marcas da fatalidade e, num quadro mais geral, o caráter distintivo dos povos, seu progresso ou sua degenerescência, etc.

À citação dos fatos juntaremos a pesquisa das causas que poderiam tê-los produzido. Da apreciação dos atos brotarão, naturalmente, ensinamentos úteis, quanto à linha de conduta mais conforme à sã moral.

Em suas instruções os Espíritos superiores têm sempre o objetivo de despertar nos homens o amor do bem pela prática dos preceitos evangélicos, por isso mesmo traçam-nos o pensamento que deve presidir à redação desta coletânea.

Como se vê, nosso quadro compreende tudo quanto se liga ao conhecimento da parte metafísica do homem. Estudá-la-emos no seu estado presente e no futuro, pois estudar a natureza dos Espíritos é estudar o homem, porque este um dia participará do mundo dos Espíritos. Eis por que adicionamos, ao título principal, o subtítulo jornal de estudos psicológicos, a fim de dar a compreender toda a sua importância.

Nota: Por mais abundantes que sejam nossas observações pessoais e as fontes onde as colhemos, nem dissimulamos as dificuldades da tarefa, nem nossa insuficiência. Para suplementá-la, contamos com o concurso benévolo de todos quantos se interessam por esses problemas. Seremos, pois, gratos pelas comunicações que nos forem transmitidas sobre os diversos assuntos de nossos estudos. Neste propósito chamamos a atenção para os dez pontos seguintes, sobre os quais nos poderão fornecer documentos:

1.o) Manifestações materiais ou inteligentes obtidas em reuniões a que estiveram presentes;

2.o) Fatos de lucidez sonambúlica e de êxtase;

3.o) Fatos de segunda vista, previsões, pressentimentos, etc.;

4.o) Fatos relativos ao poder oculto atribuído, com ou sem razão, a certas pessoas;

5.o) Lendas e crenças populares;

6.o) Fatos de visões e aparições;

7.o) Fenômenos psicológicos particulares que por vezes ocorrem no momento da morte;

8.o) Problemas morais e psicológicos a resolver;

9.o) Fatos morais, atos notáveis de devotamento e abnegação cuja propagação pode servir de exemplo útil;

10.o) Indicações de obras antigas ou modernas, francesas ou estrangeiras, nas quais se encontrem fatos relativos à manifestação de inteligências ocultas com a designação e, se possível, a citação das passagens. O mesmo no que concerne à opinião emitida sobre a existência dos Espíritos e suas relações com os homens, por autores antigos ou modernos, cujo nome e saber lhes dão autoridade.

Só publicaremos o nome das pessoas que nos enviarem comunicações se recebermos formal autorização.

DIFERENTES FORMAS DE MANIFESTAÇÕES

Os Espíritos atestam sua presença de várias maneiras, con­forme sua aptidão, vontade e maior ou menor elevação. Todos os fenômenos de que teremos ocasião de tratar ligam-se, na­turalmente, a um ou outro desses modos de comunicação. Para facilitar a compreensão dos fatos julgamos, pois, um dever, abrir a série de nossos artigos com um quadro das diversas formas de manifestações. Podem ser assim resumidas:

1.º) Ação oculta, quando nada tem de ostensiva. Tais são, por exemplo, as inspirações ou sugestões de pensamentos, os avisos íntimos, a influência sobre os acontecimentos, etc.

2.º) Ação patente ou manifestação, quando é de qualquer maneira provável.

3.º) Manifestações físicas ou materiais; são as que se tra­duzem por fenômenos sensíveis, tais como ruídos, movimentos e deslocamentos de objetos. Essas manifestações não trazem fre­quentemente nenhuma mensagem; só têm por fim chamar atenção para qualquer coisa e convencer-nos da presença de um poder sobre-humano.

4.º) Manifestações visuais ou aparições, quando o Espírito se mostra sob uma forma qualquer, sem ter nenhuma das propriedades conhecidas da matéria.

5.º) Manifestações inteligentes, quando revelam um pensa­mento. Toda manifestação que tem sentido, mesmo quando não passa de simples movimento ou ruído, que acusa certa liberdade de ação, corresponde a um pensamento ou obedece a uma vontade, é uma manifestação inteligente. E as há em todos os graus.

6.º) As comunicações são manifestações inteligentes, que têm como objetivo uma troca de ideias entre o homem e os Espí­ritos.

A natureza dessas comunicações varia segundo a elevação ou a inferioridade, o saber ou a ignorância do Espírito que se manifesta e conforme a natureza do assunto de que se trata. Po­dem ser frívolas, grosseiras, sérias ou instrutivas.

As comunicações frívolas procedem de Espíritos levianos, zombeteiros e travessos, mais malandros que maus, e que ne­nhuma importância ligam ao que dizem.

As comunicações grosseiras traduzem-se por expressões que chocam o decoro. Procedem de Espíritos inferiores ou que ainda não se despojaram de todas as impurezas da matéria.

As comunicações sérias são graves quanto ao assunto e a maneira por que são feitas. A linguagem dos Espíritos supe­riores é sempre digna e isenta de trivialidade. toda comuni­cação que exclui a frivolidade e a grosseria e que tem um fim útil, mesmo de interesse particular, é por isso mesmo séria.

As comunicações instrutivas são as comunicações sérias, cujo principal objetivo é um ensinamento qualquer, dado pelo Espírito sobre as ciências, a moral, a filosofia, etc. São mais ou menos profundas e mais ou menos verdadeiras, con­forme o grau de elevação e de desmaterialização do Espírito. Para tirar proveito real destas comunicações, devem elas ser regulares e seguidas com perseverança. Os Espíritos sérios li­gam-se àqueles que querem instruir-se e os ajudam, ao passo que deixam aos Espíritos levianos a tarefa de divertir com suas facécias àqueles que não veem nessas manifestações senão um passatempo. Só pela regularidade e pela frequência das comunicações é que se pode apreciar o valor moral e intelectual dos Espíritos com os quais nos entretemos, bem como o grau de confiança que merecem. Se é necessário ter experiência para julgar os homens, mais ainda o é para julgar os Espíritos.

VÁRIOS MODOS DE COMUNICAÇÃO

As comunicações inteligentes entre os Espíritos e os homens podem dar-se por sinais, pela escrita e pela palavra.

Os sinais consistem no movimento significativo de certos objetos e, mais frequentemente, nos ruídos ou golpes vibrados. Quando esses fenômenos têm sentido, não permitem dúvidas quanto à intervenção de uma inteligência oculta, porquanto se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente.

Sob a influência de certas pessoas, designadas pelo nome de médiuns, e algumas vezes espontaneamente, um objeto qualquer pode executar movimentos convencionados, dar um determinado número de pancadas e assim responder, pelo sim e pelo não ou pela designação das letras do alfabeto.

As pancadas podem ser ouvidas sem nenhum movimento aparente e sem causa ostensiva, quer na superfície, quer nos próprios tecidos dos corpos inertes, numa parede, numa pedra, num móvel ou em qualquer outro objeto. De todos esses objetos, por serem os mais cômodos, dada a sua mobilidade e pela facilidade com que nos colocamos em sua volta, são as mesas os mais frequentemente utilizados, daí a designação geral do fenômeno pelas expressões triviais de mesas falantes e de dança das mesas, expressões que convém banir, primeiro pelo que têm de ridículo, depois porque podem induzir em erro, levando a crer que, nesse particular, as mesas tenham qualquer influência especial.

Daremos a este modo de comunicação o nome de sematologia espírita, expressão que dá uma perfeita ideia e compreende todas as variedades de comunicações por sinais, movimento de corpos ou pancadas. Um de nossos correspondentes propunha-nos se designasse especialmente este último meio, o das pancadas, pelo vocábulo tiptologia.

O segundo modo de comunicação é a escrita. Designá-lo-emos pelo nome de psicografia, igualmente empregado por um correspondente.

Para se comunicarem pela escrita, os Espíritos empregam como intermediários certas pessoas dotadas da faculdade de escrever sob a influência da força oculta que as dirige e que obedecem a um poder evidentemente estranho ao seu controle, pois não podem parar nem prosseguir à vontade e, na maioria dos casos, não têm consciência do que escrevem. A mão é agitada por um movimento involuntário, quase febril; tomam o lápis, malgrado seu, e assim o largam. Nem a vontade, nem o desejo podem fazê-los prosseguir, caso não devam. Eis a psicografia direta.

A escrita também é obtida pela só imposição das mãos sobre um objeto colocado de modo conveniente e munido de um lápis ou qualquer outro instrumento para escrever. Os objetos mais geralmente empregados são as pranchetas ou as cestas convenientemente preparadas. A força oculta que age sobre a pessoa transmite-se ao objeto, o qual se torna, destarte, uma espécie de apêndice da mão e lhe imprime um movimento necessário para traçar os caracteres. Eis a psicografia indireta.

As comunicações transmitidas pela psicografia são mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediadora. Uns apenas obtêm palavras; noutros a faculdade se desenvolve pelo exercício e escrevem frases completas e, por vezes, dissertações desenvolvidas sobre assuntos propostos ou abordados espontaneamente pelos Espíritos, sem que se lhes tenha feito qualquer pergunta.

Às vezes a escrita é clara e legível; outras vezes só é decifrável por quem a escreveu, e este então a lê por uma espécie de intuição ou dupla vista.

Pela mão da mesma pessoa, a escrita às vezes muda, em geral de maneira completa, com a inteligência oculta que se manifesta, e o mesmo tipo de letra se reproduz sempre que se manifesta a mesma entidade. Isto, entretanto, nada tem de absoluto.

Os Espíritos transmitem por vezes certas comunicações escritas sem intervenção direta. Neste caso os caracteres são traçados espontaneamente por um poder extrahumano, visível ou não. Como é útil que cada coisa tenha o seu nome, a fim de nos podermos entender, chamaremos esse modo de comunicação escrita de espiritografia, para distingui-la da psicografia, ou escrita obtida por um médium. A diferença desses dois vocábulos é fácil de apreender. Na psicografia, a alma do médium representa, necessariamente, um certo papel, pelo menos como intermediária, ao passo que na espiritografia é o Espírito que age diretamente, por si mesmo.

O terceiro modo de comunicação é a palavra. Certas pessoas sofrem nos órgãos vocais a influência de um poder oculto, semelhante ao que se faz sentir na mão dos que escrevem. Transmitem pela palavra tudo aquilo que os outros fazem pela escrita.

Como as comunicações escritas, as verbais se dão por vezes sem a mediação corpórea. Palavras e frases podem soar aos nossos ouvidos e em nosso cérebro sem causa física aparente. Os Espíritos também nos podem aparecer em sonho ou no estado de vigília e dirigir-nos a palavra, para nos darem avisos e instruções.

Para seguir o mesmo sistema de nomenclatura adotado para as comunicações escritas, deveríamos chamar a palavra transmitida pelo médium de psicologia e a que provém diretamente do Espírito de espiritologia. Mas o vocábulo psicologia já tem uma acepção conhecida e não a podemos transformar. Chamaremos, pois, todas as comunicações verbais de espiritologia: as primeiras serão a espiritologia mediata e as últimas a espiritologia direta.

Dos vários meios de comunicação, é a sematologia o mais incompleto. É muito lento e só dificilmente se presta a desenvolvimentos de certa extensão. Os Espíritos superiores não o empregam de boa vontade, já pela lentidão, já porque as respostas sim ou não são incompletas e sujeitas a erros. Para o ensino, preferem as mais rápidas: a escrita e a palavra.

A escrita e a palavra são, com efeito, meios mais completos para a transmissão do pensamento dos Espíritos, seja pela precisão das respostas, seja pela extensão do desenvolvimento que comportam. Tem a escrita a vantagem de deixar traços materiais e de ser um dos meios mais adequados de combate à dúvida. Aliás, não temos a liberdade de escolha: os Espíritos comunicam-se pelos meios que julgam adequados, e isto depende das aptidões.

RESPOSTAS DOS ESPÍRITOS A ALGUMAS PERGUNTAS

P. — Como podem os Espíritos agir sobre a matéria? Isto parece contrário a todas as ideias que fazemos da natureza dos Espíritos.

R. — Em vossa opinião, o Espírito nada é, e isto é um erro. Já vos dissemos que o Espírito é alguma coisa, e por isso pode agir por si mesmo, mas o vosso mundo é muito grosseiro para que ele possa fazê-lo sem um intermediário, isto é, sem um laço que una o Espírito à matéria.

Observação. — Sendo imaterial, ou pelo menos impalpável, o laço que une o Espírito à matéria, esta resposta não resolveria a questão se não tivéssemos o exemplo de forças igualmente imponderáveis que agem sobre a matéria: assim é que o pensamento é a causa primeira de todos os movimentos voluntários; que a eletricidade derruba, levanta e transporta massas inertes. Porque se lhe desconhece o móvel, seria ilógico concluir que não existe. Pode, pois, o Espírito ter suas alavancas, para nós desconhecidas. A natureza nos prova diariamente que seu poder não se limita ao testemunho dos nossos sentidos. Nos fenômenos espíritas, a causa imediata é incontestavelmente um agente físico, mas a causa primeira é uma inteligência que age sobre esse agente, como o nosso pensamento age sobre os nossos membros. Quando queremos bater, o nosso braço é que age; não é o pensamento que bate, mas é ele que dirige o braço.

P. — Entre os Espíritos que produzem efeitos materiais, os que costumamos chamar de batedores formam uma classe especial? ou são os mesmos que produzem os movimentos e os ruídos?

R. — O mesmo Espírito pode, por certo, produzir efeitos diversos, mas há os que se ocupam mais particularmente de certas coisas, assim como entre vós tendes os ferreiros e os carregadores.

P. — O Espírito que age sobre um corpo sólido, para mover ou para bater, penetra na substância do corpo ou age fora dela?

R. — Uma coisa e outra. Já dissemos que a matéria não é um obstáculo para os Espíritos, porque eles tudo penetram.

P. — As manifestações materiais, tais como os ruídos, os movimentos de objetos e todos os fenômenos que nos apraz provocar frequentemente, são produzidos indistintamente pelos Espíritos superiores e pelos inferiores?

R. — São apenas os Espíritos inferiores que se ocupam dessas coisas. Os Espíritos superiores por vezes os empregam como farias com um carregador, a fim de chamar a atenção. Podes crer que os Espíritos de uma categoria superior estejam às vossas ordens para vos divertir com travessuras? É como se perguntasses se, no teu mundo, são os homens sábios e sérios que fazem papel de palhaços e bufões.

Observação. — Os Espíritos que se revelam por efeitos materiais, em geral são de ordem inferior. Divertem ou espantam aqueles para quem os espetáculos visuais têm mais atração que o exercício da inteligência; são, de certo modo, os saltimbancos do mundo espírita. Por vezes agem espontaneamente; outras, por ordem de Espíritos superiores.

Se as comunicações dos Espíritos superiores oferecem um interesse mais sério, as manifestações físicas têm igualmente utilidade para o observador; revelam-nos forças desconhecidas da natureza, e dão-nos meios de estudar o caráter e, se assim podemos dizer, os costumes de todas as classes da população espírita.

P. — Como provar que o poder oculto que age nas manifestações espíritas está fora do homem? Não poderíamos pensar que reside em nós mesmos, isto é, que agimos sob o impulso do nosso próprio Espírito?

R. — Quando uma coisa é feita contra a tua vontade e o teu desejo, é que não és tu que a produzes, embora muitas vezes sejas a alavanca de que se serve o Espírito para agir, e tua vontade lhe venha em auxílio; podes ser para ele um instrumento mais ou menos cômodo.

Obsevação. — É sobretudo nas comunicações inteligentes que se patenteia a intervenção de um poder estranho. Quando espontâneas e estranhas ao nosso pensamento e ao nosso controle; quando respondem a perguntas cuja solução é desconhecida pelos assistentes, devemos procurar fora de nós a causa dessas comunicações. Isto se torna evidente para quem quer que observe os fatos com atenção e perseverança. As nuanças de detalhes escapam ao observador superficial.

P. — Todos os Espíritos são capazes de dar manifestações inteligentes?

R. — Sim, pois todos eles são inteligências. Como, porém, os há de todos os graus, como entre vós, uns dizem coisas sem sentido ou estúpidas, e outros coisas sensatas.

P. — Todos os Espíritos estão aptos a compreender as perguntas que se lhes fazem?

R. — Não. Os Espíritos inferiores são incapazes de compreender certas perguntas, o que não os impede de responderem certo ou errado. É ainda como entre vós.

Observação. — Por aí se vê quanto é essencial estar atento contra a crença no ilimitado saber dos Espíritos. Eles são como os homens; não basta interrogar o primeiro que aparece para ter uma resposta sensata: é preciso saber a quem nos dirigimos. Aquele que deseja conhecer os costumes de um povo deve estudá-los de um extremo a outro da escala. Ver apenas uma classe é fazer uma ideia falsa, pois se julga o todo pela parte. A população dos Espíritos é como a nossa; há de tudo: o bom, o mau, o sublime, o trivial, o saber e a ignorância. Quem não os houver observado seriamente, em todos os graus, não se pode gabar de conhecê-los. As manifestações físicas dão-nos a conhecer os Espíritos de camadas inferiores; são a rua e a choupana. As comunicações instrutivas e sábias põem-nos em contato com os Espíritos elevados; são a elite social: o castelo, o Instituto.

MANIFESTAÇÕES FÍSICAS

Lemos o seguinte no Le Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans, de fevereiro de 1857:

“Ultimamente perguntamos se todos os Espíritos, indistintamente, fazem mover as mesas, produzem ruídos, etc., e logo a mão de uma senhora, bastante séria para brincar com essas coisas, traçou violentamente estas palavras: “Quem faz dançarem os macacos pelas ruas? Serão os homens superiores?”

“Um amigo, de origem espanhola, espiritualista, falecido no verão passado, deu-nos diversas comunicações, numa das quais encontramos a seguinte passagem:

“As manifestações que buscais não se acham no número das que mais agradam aos Espíritos sérios e elevados. Não obstante, concordamos que têm sua utilidade, porque talvez mais que qualquer outra podem servir para convencer os homens de hoje. Para obter tais manifestações, é absolutamente preciso que se desenvolvam certos médiuns, cuja constituição física esteja em harmonia com os Espíritos que podem produzi-las. Não duvidamos de que as vejais mais tarde desenvolver-se entre nós: então não serão estas pancadinhas que ouvireis, mas ruídos semelhantes ao crepitar da fuzilaria entremeado do troar do canhão.”

“Num recanto da cidade acha-se uma casa habitada por uma família alemã. Nela se ouvem ruídos estranhos, enquanto certos objetos são deslocados. Foi o que nos asseguraram, pois não o verificamos. Pensando que o dono da casa nos pudesse esclarecer, convidamo-lo para algumas sessões dedicadas a esse gênero de manifestações e, mais tarde, a esposa desse honrado senhor não quis que ele continuasse entre nós porque, disse-nos ele, o barulho aumentou em sua casa. A este respeito, eis o que nos foi escrito pela mão da senhora . . .:

“Não podemos impedir que Espíritos imperfeitos façam barulho ou outras coisas aborrecidas e mesmo apavorantes; o fato de estarem em contato conosco, que somos bem intencionados, não diminui a influência que exercem sobre o médium em questão”.

Chamamos a atenção para a perfeita concordância que existe entre o que os Espíritos disseram em Nova Orléans, com relação à fonte de manifestações físicas, e o que nos foi dito a nós próprios. Com efeito, nada pintaria essa origem com mais vigor que esta resposta, ao mesmo tempo espiritual e profunda: “Quem faz dançarem os macacos pelas ruas? Serão os homens superiores?”

Teremos ocasião de transcrever de jornais da América numerosos exemplos desse tipo de manifestações, bem mais extraordinárias do que as que acabamos de citar. Sem dúvida responder-nos-ão com o provérbio: “A boa mentira vem de longe”. Quando coisas assim tão maravilhosas nos vêm de 2000 léguas, mas não as podemos verificar, a dúvida é admissível, mas esses fenômenos atravessaram os mares com o sr. Home, que deles nos deu provas. É verdade que o Sr. Home não foi para um teatro a fim de operar os seus prodígios e que nem todo mundo, pagando a entrada, pôde vê-los. Por isso, muitos o consideram um hábil prestidigitador, sem refletir que a fina flor da sociedade, testemunha desses fenômenos, não se prestaria de bom grado a lhe servir de parceira. Se o sr. Home fosse um charlatão, não teria tido o cuidado de recusar magníficas ofertas de muitos estabelecimentos públicos e ter-se-ia locupletado. Seu desinteresse é a resposta mais peremptória que se pode dar aos seus detratores. Um charlatanismo desinteressado seria uma insensatez e uma monstruosidade. Mais tarde falaremos pormenorizadamente do sr. Home e da missão que o conduziu à França. Enquanto isso, eis um fato de manifestação espontânea que nos relatou distinto médico, de toda a confiança, e que é tanto mais autêntico porque as coisas aconteceram com seu testemunho pessoal.

Uma distinta família tinha como empregada uma moça órfã, de catorze anos, cujo caráter, naturalmente bondoso e delicado, lhe havia granjeado a afeição dos patrões. No mesmo quarteirão morava uma família cuja senhora, não se sabe por que, havia tomado birra à mocinha, a ponto de torná-la objeto de toda sorte de atrevimentos. Um dia, ao chegar em casa, a vizinha apareceu furiosa, armada de uma vassoura, querendo bater-lhe. Apavorada, a moça atirou-se à porta tentando tocar a campainha, mas infelizmente o cordão estava partido e ela não o alcançava. Eis, porém, que a campainha tocou por si mesma e vieram abrir. Na perturbação, ela não se deu conta do que se havia passado, mas depois a campainha continuou tocando de vez em quando, sem uma causa conhecida, tanto de dia como à noite. Quando iam atender à porta, não encontravam ninguém. Os vizinhos do quarteirão foram acusados por essa pilhéria de mau gosto. A queixa foi levada ao comissário de polícia, que abriu inquérito e procurou ver se algum fio secreto se comunicava com o exterior, mas nada pôde descobrir. Entretanto, as coisas continuavam mais insistentemente, em detrimento do repouso de todos, e sobretudo da pequena criada, acusada como a causa do barulho. Depois de aconselhados, os patrões resolveram afastá-la, colocando-a em casa de amigos, no campo. Desde então a campainha ficou quieta, e nada de semelhante se produziu no novo domicílio da pequena órfã.

Este, como muitos outros fatos que teremos a relatar, não se deu nas margens do Missouri ou do Ohio, mas em Paris, na travessa dos Panoramas. Cabe agora explicá-lo. A mocinha não tocava a campainha, é claro; estava aterrada com o que se passava para pensar numa brincadeira, na qual fosse ela própria a primeira vítima. Não menos certo é que o toque da campainha era devido à sua presença, pois que o efeito cessou quando ela se foi. O médico que testemunhou o fato explica-o como uma poderosa ação magnética exercida inconscientemente pela mocinha. Esta explicação, de modo algum nos parece concludente: por que, ao partir, teria ela perdido tal poder? Diz ele que o terror inspirado pela presença da vizinha devia produzir na moça uma superexcitação de natureza a desenvolver a ação magnética, e que o efeito cessara com a causa. Confessamos que o argumento não nos convence. Se a intervenção de um poder oculto não está demonstrada peremptoriamente, pelo menos é provável, conforme casos análogos que conhecemos. Admitindo, pois, tal intervenção, diremos que nas circunstâncias em que o fato se produziu pela primeira vez, um Espírito protetor provavelmente quis subtrair a mocinha ao perigo que corria; que, a despeito da afeição que os patrões lhe tinham, talvez fosse de seu interesse que ela saísse daquela casa; eis porque o barulho continuou até que ela partisse.


OS DIABRETES

A intervenção dos seres incorpóreos nas coisas da vida particular faz parte das crenças populares de todos os tempos. Por certo não entra na mente das pessoas sensatas tomar ao pé da letra todas essas lendas, todas as histórias diabólicas e todos os contos ridículos que se repetem prazerosamente ao pé do fogo. Entretanto, esses fenômenos, dos quais somos testemunhas, provam que tais contos se baseiam em alguma coisa, pois aquilo que hoje se passa deve ter-se passado em outras épocas. Tire-se deles aquilo que de maravilhoso e fantástico lhes deu a superstição e ter-se-ão todos os caracteres, fatos e gestos de nossos Espíritos modernos: uns bons, benfeitores, obsequiosos, gostando de servir, como os bons Brownies; outros, mais ou menos maliciosos, brincalhões, caprichosos e mesmo maus, como os Gobelins da Normandia, que se encontram na Escócia sob o nome de Bogles, na Inglaterra como Bogherts, na Irlanda como Cluricaunes e na Alemanha como Pucks. Conforme a tradição popular, esses diabretes penetram nas casas onde procuram todas as ocasiões para as pilhérias de mau gosto. “Batem às portas, deslocam móveis, dão pancadas nos tonéis, marteladas no soalho e no forro, assoviam baixinho, soltam suspiros lamentosos, puxam as cortinas e os lençóis dos que estão deitados, etc.”

O Boghert dos ingleses exerce suas perversidades principalmente contra as crianças, às quais parece ter aversão. “Frequentemente toma-lhes a fatia de pão com manteiga ou a tigela de leite; durante a noite agita as cortinas do leito; sobe e desce escadas com grande ruído; atira pratos e causa estragos nas casas.”

Em certos lugares da França, os Gobelins são considerados como espécies de demônios familiares que se tem o cuidado de alimentar com as mais delicadas iguarias, porque trazem aos seus amos trigo roubado no celeiro alheio. É realmente curioso encontrar esta velha superstição da Gália antiga entre os Borussianos do século X (os prussianos de hoje). Seus Koltkys, ou demônios familiares, também iam roubar trigo nos celeiros e o traziam às pessoas afeiçoadas.

Quem não reconhece nessas diabruras — posta de lado a indelicadeza do trigo roubado, com que os faltosos se desculpavam à custa da reputação dos Espíritos — quem, dizíamos nós, não reconhece os Espíritos batedores e aqueles que, sem injúria, podem ser chamados de perturbadores? O fato semelhante descrito pouco acima, da mocinha da travessa dos Panoramas, se tivesse ocorrido no campo, sem dúvida seria levado à conta do Gobelin do lugar, depois ampliado pela imaginação fecunda das comadres; alguém mesmo teria visto o diabrete pendurado na campainha, dando risadas, fazendo macaquices para os bobos que fossem abrir a porta.



Evocações particulares.

Mamãe, aqui estou!

A sra . . . havia perdido, meses antes, a filha única, de catorze anos, objeto de toda a sua ternura e muito digna de seus lamentos, pelas qualidades que prometiam torná-la uma senhora perfeita. A moça falecera de longa e dolorosa enfermidade. Inconsolável com a perda, dia a dia a mãe via sua saúde alterar-se e repetia incessantemente que em breve iria reunir-se à filha. Informada da possibilidade de se comunicar com os seres de além-túmulo, a Sra... resolveu procurar, na conversa com a filha, um alívio para a sua pena. Uma senhora de seu conhecimento era médium, mas pouco afeitas uma e outra a semelhantes evocações, principalmente numa circunstância tão solene, pediram-me assistência. Éramos apenas três: a mãe, a médium e eu. Eis o resultado dessa primeira sessão.

A mãe: Em nome de Deus Todo-Poderoso, Espírito de Júlia, minha filha querida, peço-te que venhas, se Deus o permitir.

Júlia: Mamãe, aqui estou!

A mãe: És tu, minha filha, que me respondes? Como posso saber que és tu?

Júlia: Lili.

(Era o apelido familiar, dado à moça em sua infância. Nem a médium o sabia, nem eu, pois há muitos anos só a chamam Júlia. Com este sinal, a identidade era evidente. Não podendo dominar sua emoção, a mãe rompeu em soluços).

Júlia: Mãe, por que te afliges? Sou feliz, muito feliz. Não sofro mais e vejo-te sempre.

A mãe: Mas eu não te vejo! Onde estás?

Júlia: Aqui ao teu lado, com a minha mão sobre a sra. X (a médium) para que escreva o que te digo. Vê a minha letra (a letra era realmente a da moça).

A mãe: Dizes: minha mão. Então tens corpo?

Júlia: Não tenho mais o corpo que tanto me fez sofrer, mas tenho a sua aparência. Não estás contente porque não sofro mais e porque posso conversar contigo?

A mãe: Se eu te visse, te reconheceria, então?

Júlia: Sim, sem dúvida; e já me viste muitas vezes em teus sonhos.

A mãe: Eu realmente te revi nos meus sonhos, mas pensei que fosse efeito da imaginação, uma lembrança.

Júlia: Não. Sou eu mesma que estou sempre contigo e te procuro consolar; fui eu quem te inspirou a ideia de me evocar. Tenho muitas coisas a te dizer. Desconfia do sr. Z . . . Ele não é sincero.

(Esse senhor, conhecido apenas da mãe, citado assim espontaneamente, era uma nova prova de identidade do Espírito que se manifestava.)

A mãe: Que pode fazer contra mim o sr. Z?

Júlia: Não te posso dizer. Isto me é vedado. Posso apenas te advertir que desconfies dele.

A mãe: Estás entre os anjos?

Júlia: Oh! ainda não. Não sou bastante perfeita.

A mãe: Entretanto, não te conhecia nenhum defeito. Eras boa, meiga, amorosa e benevolente para com todos. Então isto não basta?

Júlia: Para ti, mãe querida, eu não tinha defeitos, e eu o acreditava, pois mo dizias tantas vezes! Mas agora vejo o que me falta para ser perfeita.

A mãe: Como conseguirás essas qualidades que te faltam?

Júlia: Em novas existências, que serão cada vez mais felizes.

A mãe: É na Terra que terás novas existências?

Júlia: Nada sei a respeito.

A mãe: Desde que não fizeste o mal em tua vida, por que sofreste tanto?

Júlia: Prova! Prova! Eu a suportei com paciência, pela minha confiança em Deus. Hoje sou muito feliz por isto. Até breve, querida mamãe!

Ante fatos como este, quem ousará falar do nada do túmulo, quando a vida futura se nos revela, por assim dizer, palpável? Essa mãe, minada pelo desgosto, experimenta hoje uma felicidade inefável em poder conversar com a filha; entre elas não há mais separação; suas almas se confundem e se expandem na intimidade espiritual, pela troca de seus pensamentos.

Apesar da discrição em que envolvemos este relato, não o teríamos publicado se não tivéssemos tido autorização formal. Aquela mãe nos dizia: Possam todos quantos perderam suas afeições terrenas experimentar a mesma consolação que experimento!

Acrescentaremos apenas uma palavra aos que negam a existência dos bons Espíritos. Perguntaremos como poderiam provar que o Espírito desta jovem era um demônio malfazejo!

Uma conversão.

Embora sob outro ponto de vista, não será menor o interesse oferecido pela evocação seguinte.

Um senhor, que designaremos pelo nome de Georges, farmacêutico numa cidade do Sul, há muito havia perdido o pai, objeto de toda a sua ternura e de profunda veneração. O velho Sr. Georges — o pai — aliava a uma instrução muito vasta todas as qualidades que marcam o homem de bem, embora professasse ideias materialistas. A esse respeito o filho partilhava das mesmas ideias, se não ultrapassava as do pai; duvidava de tudo: de Deus, da alma, da vida futura. O Espiritismo não se adaptava a tais pensamentos. A leitura de O Livro dos Espíritos, entretanto, provocou-lhe uma certa reação, corroborada por uma conversa direta que tivemos com ele. Ele dizia: “Se meu pai pudesse me responder, eu não duvidaria mais.” Foi então que se fez a evocação seguinte, na qual encontramos diversos ensinamentos.

1. Em nome do Todo-Poderoso, Espírito de meu pai, eu lhe peço que se manifeste. O senhor está junto de mim?

— Sim.

2. Por que o senhor não se manifesta diretamente a mim, quando tanto nos amamos?

— Mais tarde.

3. Poderemos nos encontrar um dia?

— Sim, breve.

4. Amar-nos-emos como nesta vida?

— Mais.

5. Em que meio o senhor se acha?

— Sou feliz.

6. O senhor reencarnou ou está errante?

— Errante por pouco tempo.

7. Que sensação experimentou ao deixar o envoltório corporal?

— De perturbação.

8. Quanto tempo durou a perturbação?

— Pouco para mim, muito para você.

9. Pode avaliar a sua duração, de acordo com o nosso modo de contar?

— Dez anos para você, dez minutos para mim

10. Mas não faz tanto tempo que eu o perdi. Não foi há apenas quatro meses?

— Se você, como vivo, estivesse em meu lugar, teria sentido aquele tempo.

11. Crê agora em um Deus justo e bom?

— Sim.

12. Quando vivo na Terra também acreditava?

— Eu tinha a presciência, mas não acreditava.

13. Deus é Todo-Poderoso?

— Não subi até ele para avaliar o seu poder. Só ele conhece os limites de seu poder, porque só ele é seu igual.

14. Ele se ocupa com os homens?

— Sim.

15. Seremos punidos ou recompensados de acordo com nossos atos?

— Se você fizer o mal, sofrerá.

16. Serei recompensado se fizer o bem?

— Avançará em seu caminho.

17. Estou no bom caminho?

— Faça o bem e estará.

18. Creio ser bom, mas seria melhor se um dia pudesse encontrá-lo, como recompensa.

— Que este pensamento o sustente e o encoraje.

19. Meu filho será bom como seu avô?

— Desenvolva suas virtudes e extirpe seus vícios.

20. Isto é tão maravilhoso que chego a não crer que nos comunicamos neste momento.

— De onde lhe vem a dúvida?

21. É que, partilhando de suas opiniões filosóficas, fui levado a atribuir tudo à matéria.

Você vê de noite aquilo que vê de dia?

22. Ó, meu pai! Então eu me acho na noite?

— Sim.

23. Que é o que o senhor vê de mais maravilhoso?

— Explique-se melhor.

24. Encontrou minha mãe, minha irmã e Ana, a boa Ana?

— Eu as revi.

25. O senhor volta a vê-las quando quer?

— Sim.

26. É penoso ou agradável para o senhor, que eu me comunique consigo?

— É uma felicidade para mim, se eu puder conduzi-lo ao bem.

27. Voltando para casa, que poderia fazer para me comunicar com o senhor, já que isto me dá prazer? Isto serviria para que me conduzisse melhor e me ajudaria a educar os meus filhos.

— Cada vez que um movimento o levar ao bem, siga-o. Eu o inspirarei.

28. Calo-me com receio de importuná-lo.

— Fale ainda, se quiser.

29. Já que o permite, farei mais algumas perguntas. De que afecção o senhor morreu?

— Minha prova havia chegado ao termo.

30. Onde o senhor contraiu o abscesso pulmonar que se manifestou?

— Pouco importa. O corpo nada é. O Espírito é tudo.

31. Qual a natureza da doença que me desperta tão frequentemente durante a noite?

— Sabê-lo-á mais tarde.

32. Considero minha afecção grave e queria ainda viver para os meus filhos.

— Ela não o é. O coração do homem é uma máquina de vida. Deixe a natureza agir.

33. Considerando-se que o senhor está aqui presente, sob que forma se acha?

— Sob a aparência de minha forma corpórea.

34. O senhor está num lugar determinado?

— Sim; por detrás de Ermance (a médium).

35. Poderia tornar-se visível?

— Não vale a pena. Vocês teriam medo.

36. O senhor tem uma opinião sobre cada um de nós, aqui presentes?

— Sim.

37. Quer dizer alguma coisa a cada um de nós?

— Em que sentido me faz esta pergunta?

38. Do ponto de vista moral.

— De outra vez. Por hoje basta.

O efeito que esta comunicação produziu no sr. Georges foi imenso, e uma luz inteiramente nova já parecia clarear-lhe as ideias. Numa sessão a que compareceu no dia seguinte, em casa da sra. Roger, sonâmbula, acabou de dissipar as poucas dúvidas que lhe poderiam restar. Eis um resumo da carta que a respeito nos escreveu:

“Essa senhora entrou espontaneamente comigo em detalhes tão precisos em relação a meu pai, minha mãe, meus filhos e minha saúde; descreveu com tal exatidão todas as circunstâncias de minha vida, lembrando mesmo fatos que de há muito me haviam sido varridos da memória; numa palavra, deu-me provas tão patentes dessa maravilhosa faculdade de que são dotados os sonâmbulos lúcidos, que desde então foi completa em mim a reação das ideias. Na evocação, meu pai havia revelado a sua presença. Na sessão de sonambulismo, por assim dizer, eu era testemunha ocular da vida extracorpórea, a vida da alma. Para descrever com tanta minúcia e exatidão, e a duzentas léguas de distância, aquilo que só de mim era conhecido, era preciso ver. Ora, de vez que isto não era possível com os olhos do corpo, havia então um laço misterioso, invisível, que ligava a sonâmbula às pessoas e às coisas ausentes que ela jamais tinha visto. Havia, pois, algo fora da matéria. Que podia ser essa coisa senão aquilo que se chama alma, o ser inteligente do qual o corpo é simples envoltório, mas cuja ação se estende muito além de nossa esfera de atividade?”

Atualmente o sr. Georges não só deixou de ser materialista, mas é um dos adeptos mais fervorosos e mais dedicados do Espiritismo, o que o faz duplamente feliz, pela confiança que agora tem no futuro e pelo prazer que experimenta em praticar o bem.

Esta evocação, inicialmente muito simples, não é menos notável em muitos aspectos. O caráter do velho Georges reflete-se nas respostas breves e sentenciosas que estavam em seus hábitos. Ele falava pouco; jamais dizia uma palavra inútil. Mas já não é o céptico que fala. Ele reconhece seu erro; seu Espírito é mais livre, mais clarividente, e retrata a unidade e o poder de Deus por estas palavras admiráveis: “Só ele é seu igual.” Ele, que em vida tudo atribuía à matéria, diz agora: “O corpo nada é. O Espírito é tudo.” E esta outra frase sublime: “Você vê de noite aquilo que vê de dia?”

Para o observador atento, tudo tem um alcance, e é assim que a cada passo ele encontra a confirmação das grandes verdades ensinadas pelos Espíritos.


OS MÉDIUNS JULGADOS

Os antagonistas da doutrina espírita agarraram-se solícitos a um artigo publicado pelo Scientific American de 11 de julho último, sob o título Les médiums jugés. Vários jornais franceses o reproduziram como um argumento irretorquível. Nós mesmos o reproduzimos, acrescentando algumas observações que lhe mostram o valor.

“Há algum tempo, por intermédio do Boston Courier, havia sido feita uma oferta de 500 dólares a quem quer que, em presença e conforme a vontade de um certo número de professores da Universidade de Cambridge, reproduzisse alguns desses fenômenos misteriosos que os espiritualistas dizem ter sido frequentemente produzidos por intermédio de agentes chamados médiuns.

“O desafio foi aceito pelo Dr. Gardner e por várias pessoas que se gabavam de estar em comunicação com os Espíritos. Os concorrentes reuniram-se no edifício Albion, em Boston, na última semana de junho, prontos para a prova de seu poder sobrenatural. Entre eles notavam-se as senhoritas Fox, que se haviam tornado célebres por sua proeminência nesse gênero. A comissão examinadora das pretensões dos aspirantes ao prêmio era composta pelos Professores Pierce, Agassiz, Gould e Horsford, de Cambridge, todos eles sábios de nomeada. As tentativas espiritualistas duraram vários dias. Jamais os médiuns tiveram tão bela oportunidade de evidenciar seu talento ou sua inspiração. Entretanto, como os sacerdotes de Baal nos dias de Elias, em vão invocaram suas divindades, como demonstra a seguinte passagem do relatório da comissão:

“A comissão declara que o Dr. Gardner, não tendo conseguido apresentar um agente ou “médium” que, da sala vizinha, revelasse a palavra pedida aos Espíritos; que lesse a palavra inglesa escrita no interior de um livro ou sobre uma folha de papel dobrada; que respondesse a uma pergunta que só as inteligências superiores podem saber; que fizesse soar um piano sem tocá-lo, ou mover-se uma pequena mesa de um só pé sem o auxílio das mãos; como se mostrou incapaz de dar à comissão o testemunho de um fenômeno que, mesmo com a mais elástica interpretação e a maior boa vontade, pudesse ser considerado como equivalente ao das provas pedidas; de um fenômeno para cuja produção fosse exigida a intervenção de um Espírito, supondo, ou pelo menos implicando tal intervenção; de um fenômeno até aqui desconhecido pela Ciência ou cuja causa não fosse palpável e imediatamente assinalada pela comissão, não tem o direito de exigir do Courier de Boston o pagamento da soma oferecida de 500 dólares.”

“A experiência feita nos Estados Unidos em relação aos médiuns lembra outra, feita na França há cerca de dez anos, pró ou contra os sonâmbulos lúcidos, isto é, magnetizados. A Academia de Ciências recebeu a incumbência de conferir um prêmio de 2.500 francos ao sensitivo magnético que lesse com os olhos vendados.

Habitualmente, todos os sonâmbulos faziam tais exercícios nos salões ou nos palcos: Liam em livros fechados e decifravam uma carta, sentando-se sobre ela ou pondo-a sobre o peito, fechada e bem dobrada; mas perante a Academia não leram absolutamente nada e o prêmio não foi conquistado por ninguém.”

Esta tentativa prova, mais uma vez, a absoluta ignorância, por parte dos nossos antagonistas, dos princípios sobre os quais repousam os fenômenos das manifestações espíritas. Eles têm a ideia fixa de que tais fenômenos devem obedecer à vontade e produzir-se com uma precisão mecânica. Eles esquecem completamente, ou antes, não sabem que a causa de tais fenômenos é inteiramente moral e que as inteligências que são os agentes imediatos não obedecem ao capricho de quem quer que seja — médiuns ou outras pessoas.

Os Espíritos agem quando lhes apraz e perante quem lhes agrada. Por vezes, quando menos se espera sua manifestação é que ela ocorre com mais energia, e quando a solicitamos ela não se verifica.

Os Espíritos têm maneiras de comportar-se para nós desconhecidas. O que está fora da matéria não pode submeter-se ao cadinho da matéria. Julgá-los do nosso ponto de vista é enganar-se. Se acharem útil manifestar-se por sinais particulares, fá-lo-ão, mas nunca à nossa vontade, nem para satisfazer uma vã curiosidade.

Além disso, deve-se levar em conta uma causa muito conhecida, que afasta os Espíritos: sua antipatia por certas pessoas, principalmente pelas que querem submeter à prova sua perspicácia, fazendo perguntas sobre coisas conhecidas. Pensam que quando uma coisa existe, eles devem saber; ora, é precisamente porque uma coisa nos é conhecida ou que nós temos meios de verificá-la que eles não se dão ao trabalho de responder. Tal suspeita os irrita e nada se obtém de satisfatório; ela afasta sempre os Espíritos sérios que de boa vontade não falam senão aos que se lhes dirigem com confiança e sem segundas intenções.

Não temos um exemplo diariamente entre nós? Homens superiores e que têm consciência de seu valor não gostam de responder a todas as perguntas ingênuas que visam submetê-los a um exame de primeiras letras. Que diriam se lhes objetássemos: “Mas se o senhor não responde é porque não sabe!” Voltar-nos-iam as costas. É o que fazem os Espíritos.

Então direis: Se assim é, qual o meio de nos convencermos? No próprio interesse da doutrina dos Espíritos, não devem eles desejar fazer prosélitos? Responderemos que é muito orgulho julgar-se alguém indispensável ao êxito de uma causa. Ora, os Espíritos não gostam dos orgulhosos. Eles convencem a quem querem; quanto aos que acreditam em sua importância pessoal, eles lhes provam o pouco caso que lhes fazem, não lhes dando ouvidos.

Vejamos, para finalizar, sua resposta a duas perguntas sobre o assunto:

P. — Pode-se pedir aos Espíritos provas materiais de sua existência e de seu poder?

R. — Sem dúvida podem provocar-se certas manifestações, mas nem todos estão aptos a isto, e muitas vezes aquilo que se pede não se alcança. Eles não se dobram aos caprichos dos homens.

P. — Mas, quando alguém pede provas para se convencer, não haveria conveniência em ser atendido, pois que seria um adepto a mais?

R. — Os Espíritos só fazem o que querem e o que lhes é permitido. Falando convosco e respondendo às vossas perguntas, atestam a sua presença: isto deve bastar à gente séria, que busca a verdade na palavra.

Os escribas e fariseus disseram a Jesus: “Mestre, gostaríamos de ver-te fazer algum prodígio”. Jesus respondeu: “Esta geração má e adúltera pede um prodígio, mas não lhe será dado prodígio outro que o do profeta Jonas.” (São Mateus.)

Acrescentaremos ainda que é conhecer muito pouco a natureza e a causa das manifestações, pensar em excitá-las por um prêmio qualquer. Os Espíritos desprezam a cupidez, tanto quanto o orgulho e o egoísmo. Esta condição única pode ser para eles um motivo para não se manifestarem. Sabei, portanto, que obtereis cem vezes mais de um médium desinteressado que daquele movido pelo engodo do lucro, e que um milhão não o levaria a fazer o que não deve. Se algo há para estranhar, é o fato de se encontrarem médiuns capazes de submeter-se a uma prova que tinha por objetivo uma soma em dinheiro.

VISÕES

Lemos no Courrier de Lyon:

“Na noite de 27 para 28 de agosto de 1857, um caso singular de visão intuitiva se passou em Croix-Rousse, nas seguintes condições:

“Há cerca de três meses o casal B. . ., dignos tecelões, movidos por louvável comiseração, recolheram em casa, como empregada, uma mocinha atoleimada, que vivia nas imediações de Bourgoing.

“Domingo passado, entre duas e três horas da manhã, o casal foi acordado pelos gritos lancinantes da empregada, que dormia num sótão contíguo ao quarto deles. Acendendo a lâmpada, a senhora subiu e encontrou a empregada debulhada em lágrimas e num indescritível estado de exaltação de espírito, torcendo os braços em terríveis convulsões e chamando por sua mãe que, dizia ela, acabara de ver morrer diante de seus olhos.

“Depois de haver consolado a pobrezinha como melhor lhe foi possível, a senhora voltou ao quarto. O incidente quase fora esquecido quando ontem, terça-feira, no período da tarde, o carteiro trouxe à senhora B. . . uma carta do tutor da mocinha, informando que na noite de domingo para segunda-feira, entre duas e três horas da manhã, sua mãe havia morrido em consequência de uma queda do alto de uma escada.

“A pobre idiota partiu ontem pela manhã para Bourgoing, acompanhada pelo sr. B. . ., seu patrão, a fim de receber o quinhão na herança de sua mãe, cujo fim deplorável vira tão tristemente em sonho.”

Os fatos desta natureza não são raros, e teremos frequentes ocasiões de descrever alguns de autenticidade incontestável. Por vezes se produzem durante o sono, como um sonho. Ora, como os sonhos não passam de um estado sonambúlico natural e incompleto, designaremos as visões que ocorrem nesse estado como visões sonambúlicas, para distingui-las das que se dão em vigília e a que chamaremos visões pela dupla vista. Por fim, chamaremos de visões extáticas as que se verificam no êxtase. Geralmente têm como objeto seres e coisas do mundo incorpóreo. O fato que segue pertence à segunda categoria.

Um armador nosso conhecido, residente em Paris, há poucos dias contou-nos o seguinte:

“No último mês de abril, sentindo-me indisposto, fui passear com meu sócio nas Tulherias. Estava um dia magnífico; o jardim regurgitava de gente. De repente a multidão desaparece ante os meus olhos; não sinto mais o meu corpo e sou como que transportado, e vejo distintamente um navio entrando no porto do Havre. Reconheço-o como sendo o Clémence, que esperávamos das Antilhas. Vi-o atracar ao cais e distinguia bem os mastros, as velas, os marinheiros e os menores detalhes, como se eu lá estivesse. Então disse ao meu companheiro: ‘Eis o Clémence que chega. Receberemos notícia ainda hoje. Sua travessia foi feliz’. Chegando em casa, entregaram-me um telegrama. Antes de o ler declarei: ‘É o aviso da chegada do Clémence, que entrou no Havre às três horas’. O telegrama realmente confirmava a entrada, exatamente à hora em que me encontrava nas Tulherias”.

Quando as visões têm como assunto seres do mundo incorpóreo, aparentemente poder-se-ia levá-las à conta da imaginação, classificando-as de alucinações, porque nada lhes poderia demonstrar a exatidão. Mas nos dois casos referidos aparece a realidade mais material e positiva. Desafiamos todos os fisiologistas e todos os filósofos a que no-los expliquem pelos sistemas comuns. Só a doutrina espírita pode fazê-lo, por meio da emancipação da alma que, escapando momentaneamente das fraldas materiais, transporta-se para além da esfera de atividade corporal. No primeiro caso descrito, é provável que a alma da mãe tivesse vindo ver a filha e avisá-la de sua morte, mas no segundo o que é certo é que o navio não veio encontrar o armador nas Tulherias. Há que concordar que foi a alma deste que foi vê-lo no Havre.

RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DOS ESPÍRITOS E DE SUAS MANIFESTAÇÕES

Se as primeiras manifestações espíritas fizeram numerosos adeptos, não só encontraram muita incredulidade, mas adversários encarniçados e, muitas vezes até, interessados no seu descrédito. Hoje os fatos falaram tão alto que é forçoso reconhecer a evidência, e se existem ainda incrédulos sistemáticos, podemos predizer-lhes com segurança que dentro de poucos anos dar-se-á com os Espíritos o mesmo que com a maioria das descobertas que foram por todos os modos combatidas e consideradas como utopia por aqueles cujo saber deveria tê-los tornado menos cépticos quanto ao que se relacionava com o progresso. Entre os que não quiseram aprofundar-se neste estranho fenômeno, já vemos muitos concordando que nosso século é tão fecundo em coisas extraordinárias e que a natureza tem tantas reservas desconhecidas, que seria mais que leviandade negar a possibilidade daquilo que a gente não compreende. Estes dão provas de sabedoria.

Eis uma autoridade contra a qual não se poderia levantar suspeita de levianamente aceitar uma mistificação: é um dos principais jornais eclesiásticos de Roma, o Civiltà Cattolica. Reproduzimos a seguir um artigo publicado por esse jornal no mês de março último, onde se vê que seria difícil provar a existência e a manifestação dos Espíritos por argumentos mais peremptórios. É verdade que divergimos quanto à natureza dos Espíritos, porque ele só admite a manifestação dos maus, ao passo que nós admitimos a dos bons e dos maus. É um ponto do qual trataremos mais tarde, com todo o desenvolvimento necessário. O reconhecimento das manifestações espíritas por uma autoridade tão grave e tão respeitável é ponto capital. Resta portanto julgar. É o que faremos no próximo número. Reproduzindo o artigo, L’Univers o precede das seguintes e sábias reflexões:

“Quando do aparecimento de uma obra publicada em Ferrara sobre a prática do magnetismo animal, referimos aos nossos leitores os sábios artigos que eram estampados na Civiltà Cattolica, de Roma, sobre a Necromancia moderna, reservando-nos para dar mais amplas informações. Damos hoje o último desses artigos, que contém nalgumas páginas as conclusões da revista romana.

“Além do interesse naturalmente ligado ao assunto e da confiança que deve inspirar um trabalho publicado no Civiltà, a oportunidade especial da questão, neste momento, dispensa-nos de chamar a atenção para uma matéria que muitas pessoas, na teoria como na prática, trataram de maneira tão pouco séria, a despeito da regra de vulgar prudência, a qual recomenda que os fatos sejam examinados com tanto maior circunspecção quanto mais extraordinários forem.”

Eis o artigo:

“De todas as teorias lançadas para explicar naturalmente os vários fenômenos conhecidos como espiritualismo americano, nenhuma atinge o objetivo e, ainda menos, consegue dar a razão de todos os fenômenos. Se uma ou outra dessas hipóteses basta para explicar alguns, muitos ficarão inexplicáveis. O embuste, a mentira, o exagero, as alucinações sem dúvida devem ter uma grande parte nos fatos referidos; mas, feito o desconto, resta ainda tal volume que, para lhes negar a realidade, seria preciso recusar fé à autoridade dos sentidos e ao testemunho humano.

“Entre os fatos em questão, um certo número se explica pela teoria mecânica ou mecânico-fisiológica; resta, porém, uma parte — e muito mais considerável — que de modo algum se presta a uma explicação deste gênero. A esta ordem de fatos ligam-se todos os fenômenos nos quais, dizem, os efeitos obtidos ultrapassam, evidentemente, a intensidade da força motriz que deveria produzi-los. Tais são:

“1º. Os movimentos, os sobressaltos violentos de massas pesadas e solidamente equilibradas, à simples pressão e leve toque das mãos;

“2º. Os efeitos e os movimentos produzidos sem nenhum contato, consequentemente sem qualquer impulso mecânico mediato ou imediato;

“3º. Esses outros efeitos, de natureza a manifestar, em quem os produz, uma inteligência e uma vontade distintas das dos experimentadores.

“Para dar a razão destas três ordens de fatos diversos, temos ainda a teoria do magnetismo. Mas, por maiores que sejam as concessões que estejamos dispostos a fazer, e mesmo admitindo, de olhos fechados, todas as hipóteses gratuitas sobre as quais se fundam; todos os erros e absurdos de que está repleta, bem como as faculdades miraculosas por ela atribuídas à vontade humana, ao fluido nervoso ou a quaisquer outros agentes magnéticos, jamais essa teoria poderá, com o auxílio de seus princípios, explicar como uma mesa magnetizada por um médium manifesta nos seus movimentos inteligência e vontade próprias, isto é, distintas das do médium e por vezes contrárias e superiores à sua inteligência e à sua vontade.

“Como dar a razão de semelhantes fenômenos? Queremos, também nós, recorrer não sabemos a que causas ocultas; a que forças ainda desconhecidas na Natureza; a explicações novas de certas faculdades, de certas leis até agora conservadas em inércia e como que adormecidas no seio da Criação? Isto equivaleria a confessar abertamente a nossa ignorância e levar o problema a aumentar o número dos enigmas cuja decifração o pobre espírito humano não pôde dar até o presente e não o poderá jamais. Aliás, não hesitamos em confessar nossa ignorância em relação a muitos dos fenômenos em apreço, cuja natureza é tão equívoca e tão obscura que a atitude mais inteligente, parece-nos, é não tentar explicá-los. Em compensação, há outros cuja explicação não nos parece difícil, posto seja impossível buscá-la em causas naturais. Por que então hesitaríamos em recorrer a causas pertencentes à ordem sobrenatural? Talvez fôssemos desviados pelas objeções contrapostas pelos cépticos e pelos que, negando essa ordem sobrenatural, nos digam que é impossível definir até onde chegam as forças da Natureza; que o campo ainda não descoberto pelas Ciências Físicas não tem limites; que ninguém conhece suficientemente os limites da ordem natural para poder indicar com precisão o ponto onde esta termina e onde a outra começa.

“Parece-nos fácil a resposta a semelhante objeção: admitindo que se não possa determinar de modo preciso o ponto de divisão destas duas ordens opostas, a natural e a sobrenatural, não se segue que jamais seja possível definir com certeza se um dado efeito pertence a esta ou àquela. Quem pode distinguir no arco-íris o ponto exato onde acaba uma das cores e começa a outra? Quem pode fixar o momento preciso em que termina o dia e começa a noite? Entretanto, não há ninguém tão bitolado para concluir que não se pode saber se tal zona do arco-íris é vermelha ou amarela, ou se a tal hora é dia ou noite. Quem não percebe que para conhecer a natureza de um fato, de modo algum é preciso ultrapassar o limite onde começa ou onde acaba a categoria à qual o mesmo pertence, e que basta constatar se tem os caracteres peculiares a essa mesma categoria?

“Apliquemos esta observação tão simples à seguinte questão: não podemos dizer até onde vão as forças da Natureza; não obstante, dando-se um fato, muitas vezes podemos, conforme seus caracteres, dizer com certeza que pertence à ordem sobrenatural. E para não sair do nosso problema, entre os fenômenos das mesas falantes há muitos que, em nossa opinião, manifestam esses caracteres da mais evidente maneira; tais são aqueles nos quais o agente que move as mesas age como causa inteligente e livre, ao mesmo tempo que mostra uma inteligência e uma vontade próprias, isto é, superiores ou contrárias à inteligência e à vontade dos médiuns, dos experimentadores, dos assistentes; numa palavra, distintas dessas, qualquer que seja a maneira por que tal distinção se afirme. Em casos tais, seja como for, somos forçados a admitir que esse agente é um Espírito e não é um espírito humano; e que assim, está fora desta ordem, dessas causas que costumamos chamar de naturais, dessas que dizemos ultrapassarem as forças do homem.

“São estes precisamente os fenômenos que, como dissemos acima, resistiram a qualquer teoria baseada em princípios puramente naturais, enquanto que na nossa, sua explicação é mais fácil e mais clara, pois todos sabem que o poder dos Espíritos sobre a matéria ultrapassa de muito as forças do homem, e porque não há efeito maravilhoso, entre os citados da necromancia moderna, que não possa ser atribuído à sua ação.

“Sabemos muito bem que alguns leitores, vendo-nos trazer à cena os Espíritos, sorrir-nos-ão com piedade. Sem falar dos que, como bons materialistas, não acreditam na existência dos Espíritos e consideram como fábula tudo quanto não seja matéria ponderável e palpável, como também os que, admitindo que existam Espíritos, lhes negam qualquer influência ou intervenção, no que respeita ao nosso mundo.

“Há em nossos dias muitas criaturas que, concedendo aos Espíritos o que nenhum bom católico lhes poderia recusar, isto é, a existência e a faculdade de interferir nos fatos da vida humana de modo oculto ou patente, ordinário ou extraordinário, não obstante parece que desmentem sua fé na prática e consideram como uma vergonha, como um excesso de credulidade, como uma superstição própria das mulheres velhas, admitir a ação desses mesmos Espíritos em certos casos especiais, contentando-se em não negá-la em tese.

“Realmente, há um século zombou-se tanto da simplicidade da Idade Média, quando por toda parte viam-se Espíritos maléficos e feiticeiros e tanto se deblaterou a tal respeito, que não é de admirar que tantas cabeças fracas, que querem parecer fortes, tenham, de então por diante, repugnância e uma espécie de vergonha em crer na intervenção dos Espíritos. Mas este excesso de incredulidade não é menos desarrazoado do que noutras épocas o foi a atitude contrária; e se, em assunto semelhante, a excessiva credulidade arrasta a vãs superstições, por outro lado nada querer admitir conduz diretamente à impiedade do naturalismo. O homem sensato, o cristão prudente deve, pois, evitar igualmente os dois extremos, mantendo-se firme na linha média, pois nela é que estão a verdade e a virtude. Agora, na questão das mesas falantes, para que lado nos inclinaria uma fé prudente?

“A primeira e mais sábia das regras impostas por essa prudência ensina que, para explicar os fenômenos que apresentam um caráter extraordinário, não devemos recorrer a causas sobrenaturais senão quando as de ordem natural não bastam para explicá-los. Disto decorre, por outro lado, a obrigação de admitir as primeiras quando as últimas são insuficientes. É justamente o nosso caso. Com efeito, entre os fenômenos de que falamos, uns há para os quais nenhuma teoria, nenhuma causa puramente natural seria suficiente para lhe dar a razão de ser. Assim, pois, não só é prudente, mas necessário mesmo, procurar sua explicação na ordem sobrenatural ou, por outras palavras, atribuí-los a puros Espíritos, pois fora e acima da Natureza não existe outra causa possível.

“Eis uma segunda regra, um criterium infalível para dizer, a respeito de um fato qualquer, se pertence à ordem natural ou à sobrenatural: é examinar bem os seus caracteres e, de acordo com eles, determinar a natureza da causa que o produziu. Ora, os mais maravilhosos fatos nesse gênero, que nenhuma outra teoria pode explicar, oferecem caracteres tais que não só demonstram uma causa inteligente e livre, mas ainda dotada de uma inteligência e de uma vontade que nada têm de humano. Então, essa causa não pode deixar de ser um puro Espírito.

“Assim, por dois caminhos, um indireto e negativo, que procede por exclusão, outro direto e positivo, fundado sobre a natureza mesma dos fatos observados, chegamos a idêntica conclusão, isto é: entre os fenômenos da necromancia moderna, há pelo menos uma categoria de fatos que, sem sombra de dúvida, são produzidos por Espíritos. Somos levados a tal conclusão por um raciocínio tão simples e tão natural que, aceitando-o, longe do temor de ceder a uma imprudente credulidade, julgaríamos, ao contrário, recusando admiti-lo, dar provas de uma fraqueza e de uma incoerência de espírito injustificável. Para confirmar a nossa assertiva, não faltam argumentos; faltam-nos, entretanto, espaço e tempo para aqui desenvolvê-los. O que até agora dissemos é suficiente e pode resumir-se nas quatro seguintes proposições:

“1.º) Entre os fenômenos em questão, postos de lado os que razoavelmente podem ser atribuídos à impostura, às alucinações e aos exageros, outros há, em grande número, de cuja realidade não é possível duvidar sem violar todas as leis de uma crítica sadia.

“2.º) Todas as teorias naturais que expusemos e discutimos acima são insuficientes para explicar satisfatoriamente todos esses fatos. Se explicam uns, deixam o maior número — e estes são os mais difíceis ─ absolutamente não explicados e inexplicáveis.

“3.º) Implicando a ação de uma causa inteligente fora do homem, os fenômenos desta última ordem só podem ser explicados pela intervenção dos Espíritos, seja qual for, aliás, o caráter desses Espíritos, assunto de que nos ocuparemos a seguir.

“4.º) Todos esses fatos podem dividir-se em quatro categorias: Muitos devem ser rejeitados como falsos ou como produtos da fraude. Quanto aos outros, os mais simples, os mais fáceis de compreender, tais como as mesas girantes, em determinadas circunstâncias admitem uma explicação puramente natural; por exemplo, a do impulso mecânico. Uma terceira classe compõe-se dos fenômenos mais extraordinários e mais misteriosos, sobre cuja natureza ficamos em dúvida, porque, embora pareçam ultrapassar as forças da Natureza, não apresentam contudo caracteres tais que, evidentemente, para explicá-los, devamos recorrer a uma causa sobrenatural. Enfim, agrupamos na quarta categoria os fatos que, oferecendo esses caracteres de maneira evidente, devem ser atribuídos à operação invisível de puros Espíritos.

“Mas, como são esses Espíritos? Bons ou maus? Anjos ou demônios? Almas felizes ou condenadas? A resposta a esta última parte do problema não pode oferecer dúvidas, por pouco que sejam considerados, de um lado, a natureza dos diversos Espíritos e do outro, o caráter de suas manifestações. É o que nos falta mostrar.”


HISTÓRIA DE JOANA D'ARC DITADA POR ELA PRÓPRIA À SENHORITA ERMANCE DUFAUX


É uma pergunta que nos tem sido feita muitas vezes, esta de saber se os Espíritos que respondem com maior ou menor precisão às perguntas que lhes são dirigidas poderiam fazer um trabalho de fôlego. A prova está na obra a que nos referimos, pois aqui já não se trata de uma série de perguntas e respostas, mas de uma narração completa e ordenada, como o faria um historiador, e contendo uma infinidade de detalhes pouco ou nada conhecidos sobre a vida da heroína.

Aos que poderiam crer que a senhorita Dufaux inspirou-se em conhecimentos pessoais, respondemos que ela escreveu o livro na idade de catorze anos; que sua instrução era a das meninas de família decente, educadas com cuidado, mas, ainda quando tivesse uma memória fenomenal, não seria nos livros clássicos que iria encontrar documentos íntimos, dificilmente encontradiços nos arquivos da época. Sabemos que os incrédulos farão sempre mil e uma objeções, mas para nós, que vimos a médium operar, a origem do livro não pode ser posta em dúvida.

Embora a faculdade da senhorita Dufaux se preste à evocação de qualquer Espírito, de que nós mesmos fizemos prova em comunicações pessoais que nos foram transmitidas, sua especialidade é a história. Ela escreveu do mesmo modo a de Luís XI e a de Carlos VIII que, como a de Joana d’Arc, serão publicadas.

Passou-se com ela um curioso fenômeno. A princípio, era boa médium psicógrafa e escrevia com grande facilidade. Pouco a pouco tornou-se médium falante e, à medida que essa nova faculdade se desenvolveu, a primeira se atenuou. Hoje escreve pouco e com dificuldade, mas o que é original é que, falando, sente a necessidade de estar com um lápis na mão e de fingir que escreve. É necessária outra pessoa para registrar suas palavras, como as da Sibila. Como todos os médiuns favorecidos pelos bons Espíritos, jamais recebeu comunicações que não fossem de ordem elevada.

Voltaremos à história de Joana d’Arc para explicar os fatos de sua vida, relacionados com o mundo invisível; então citaremos o que a respeito ela ditou ao seu mais notável intérprete. (1 vol. in-12, 3 fr.; Dentu, Palais-Royal.)


O LIVRO DOS ESPÍRITOS*

CONTENDO OS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA ESPÍRITA

Sobre a natureza do mundo incorpóreo, suas manifestações e suas relações com os homens; as leis morais, a vida presente, a vida futura e o futuro da humanidade.

ESCRITO DE ACORDO COM O DITADO
E PUBLICADO POR ORDEM DOS ESPÍRITOS SUPERIORES

Por Allan Kardec

Como o indica o título, esta obra não é uma doutrina pessoal: é o resultado do ensino direto dos próprios Espíritos sobre os mistérios do mundo onde estaremos um dia e sobre todas as questões que interessam à humanidade; eles nos dão de algum modo um código de vida, traçando-nos a rota da felicidade porvindoura. Como este livro não é fruto de nossas ideias, pois sobre muitos pontos importantes tínhamos uma maneira de ver bem diversa, nossa modéstia nada teria a sofrer com elogios. Preferimos, entretanto, deixar que falem os que estão inteiramente desinteressados por esta questão. Sobre este livro, o Courrier de Paris, de 11 de junho de 1857, estampou o seguinte artigo: —

A doutrina espírita.

"Faz pouco tempo publicou o editor Dentu uma obra deveras notável, diríamos mesmo muito curiosa, se não houvesse coisas às quais repugna qualquer classificação banal.

"O Livro dos Espíritos, do Sr. Allan Kardec, é uma página nova do próprio grande livro do infinito e, estamos persuadidos, uma marca será posta nessa página. Seria lamentável que pensassem estarmos aqui a fazer reclame bibliográfico: se tal se pudesse admitir, preferiríamos quebrar a pena. Não conhecemos absolutamente o autor, mas proclamamos bem alto que gostaríamos de conhecê-lo. Quem escreveu aquela introdução que abre O Livro dos Espíritos deve ter a alma aberta a todos os sentimentos nobres.

"Aliás, para que não se ponha em dúvida a nossa boa-fé e nos acusem de partidarismo, diremos com toda a sinceridade que jamais fizemos um estudo aprofundado das questões sobrenaturais. Apenas, se os fatos produzidos nos causaram admiração, pelo menos não nos levaram a dar de ombros. Somos um pouco da classe chamada dos sonhadores, porque não pensamos como todo o mundo. A vinte léguas de Paris, ao cair da tarde, quando em nossa volta tínhamos apenas algumas cabanas esparsas, pensamos naturalmente em coisas muito diversas da bolsa, do macadame dos bulevares ou nas corridas de Longchamp. Muitas vezes nos interrogávamos e, durante muito tempo, antes de ter ouvido falar em médiuns, a respeito do que se passava nas regiões que se convencionou chamar o Alto. Há tempos chegamos mesmo a esboçar uma teoria sobre os mundos invisíveis, guardando-a ciosamente para nós e nos sentimos muito felizes porque a encontramos, quase que por inteiro, no livro do sr. Allan Kardec.

"A todos os deserdados da Terra; a todos quantos marcham e que, nas suas quedas, regam com as lágrimas o pó da estrada, diremos: Lede o Livro dos Espíritos. Ele vos tornará mais fortes. Também aos felizes, aos que pelo caminho só encontram as aclamações e os sorrisos da fortuna, diremos: Estudai-o e ele vos tornará melhores.

"O corpo da obra, diz o sr. Allan Kardec, deve ser atribuído inteiramente aos Espíritos que o ditaram. Está admiravelmente dividido no sistema de perguntas e respostas. Por vezes estas últimas são sublimes, o que não nos surpreende. Mas não foi necessário um grande mérito a quem soube provocá-las?

"Desafiamos os mais incrédulos a rir quando lerem esse livro em silêncio e na solidão. Todos honrarão aquele que lhe escreveu o prefácio.

"A doutrina se resume em duas palavras: Não façais aos outros o que não quereis que vos façam. Lamentamos que o Sr. Allan Kardec não tivesse acrescentado: e fazei aos outros como quereríeis que vos fizessem. Aliás, o livro o diz claramente, sem o que a doutrina não seria completa. Não basta não fazer o mal; é preciso ainda que se faça o bem. Se fores apenas homem de bem, só terás cumprido a metade do dever. Sois um átomo imperceptível desta grande máquina chamada mundo, na qual nada é inútil. Não nos digam que é possível ser útil sem fazer o bem. Seríamos forçados a escrever um livro para responder.

"Lendo as admiráveis respostas dos Espíritos na obra do sr. Kardec, dissemos a nós mesmo que havia um belo livro a escrever. Logo verificamos, entretanto, o nosso engano. O livro já está escrito. Procurando completá-lo, apenas o estragaríamos.

"O senhor é homem de estudo e tem aquela boa-fé que apenas necessita instruir-se? Então leia o livro primeiro, sobre a doutrina espírita.

"O senhor está na classe das criaturas que apenas se ocupam consigo mesmas e que, como se costuma dizer, fazem os seus negócios muito tranquilamente e nada enxergam além dos próprios interesses? Leia as Leis morais.

"A desgraça o persegue encarniçadamente e a dúvida o tortura por vezes no seu abraço gelado? Estude o terceiro livro: Esperanças e Consolações.

"Todos quantos aninham pensamentos nobres no coração e acreditam no bem, leiam o livro da primeira à última página.

"Aos que encontrassem ali matéria para zombarias, o nosso sincero lamento.

"G. Du Chalard."

Das numerosas cartas que nos têm sido dirigidas desde a publicação do Livro dos Espíritos, citaremos apenas duas, porque, de certo modo, resumem a impressão produzida pelo livro e o fim essencialmente moral dos princípios que o mesmo encerra: —

"Bordéus, 25 de abril de 1857.

"Senhor,

"V. S.ª submeteu minha paciência a uma grande prova, pelo retardamento da publicação do Livro dos Espíritos, há tanto tempo anunciado. Felizmente não perdi com a espera, porque ele ultrapassa toda ideia que eu havia feito, baseado no prospecto. Impossível descrever o efeito em mim produzido. Sinto-me como um homem que saiu da escuridão. Parece-me que uma porta, até hoje fechada, abriu-se subitamente e minhas ideias ampliaram-se em poucas horas! Oh! Quanto a humanidade e todas essas miseráveis preocupações me parecem mesquinhas e pueris ao lado desse futuro de que não duvidava, mas que me era de tal modo obscurecido pelos preconceitos, que eu apenas o imaginava! Graças ao ensino dos Espíritos, agora ele se me apresenta sob uma forma definida, perceptível, mas grande, bela, e em harmonia com a majestade do Criador.

"Quem quer que leia esse livro meditando, como eu, nele encontrará inesgotável tesouro de consolações, pois que ele abarca todas as fases da existência. Em minha vida sofri perdas que me afetaram vivamente; hoje não me causam nenhum desgosto e toda a minha preocupação é empregar utilmente o tempo e minhas faculdades para acelerar meu progresso, pois agora para mim o bem tem uma finalidade e compreendo que uma vida inútil é uma vida egoística, que não nos ajudará a avançar na vida futura.

"Se todos os homens que pensam como eu e como o senhor, e que são muitos, ao que espero, para honra da humanidade, pudessem entender-se, reunir-se e trabalhar de comum acordo, que poder não teriam para apressar essa regeneração que nos é anunciada!

"Quando eu for a Paris terei a honra de procurá-lo e, se não for abusar do seu tempo, pedir-lhe-ei mais explicações sobre certos trechos e alguns conselhos sobre a aplicação das leis morais em certas circunstâncias que me são pessoais.

"Receba, senhor, a expressão de todo o meu reconhecimento, porque o senhor me proporcionou um grande bem, mostrando-me o único caminho da felicidade real neste mundo e, quiçá, além disso, um lugar melhor no outro.

"Seu dedicado,
"D. . .
Capitão reformado"

"Lyon, 4 de julho de 1857.

"Senhor,

"Não sei como lhe exprimir o meu reconhecimento pela publicação do Livro dos Espíritos, que acabo de reler. Como tudo quanto o senhor nos ensina é consolador para a nossa pobre humanidade! Por mim confesso que me sinto mais forte e mais encorajado para suportar as penas e os aborrecimentos ligados à minha pobre existência.

"Faço muitos amigos meus partilharem das convicções adquiridas na leitura de sua obra: todos se sentem muito felizes; compreendem agora as desigualdades das posições sociais e não murmuram contra a Providência; a esperança fundamentada num futuro mais feliz, desde que bem se conduzam, os conforta e lhes dá coragem.

"Queria eu, senhor, ser-lhe útil. Sou um simples filho do povo, que se criou numa posição insignificante pelo trabalho, mas a quem falta instrução, pois fui obrigado a trabalhar desde menino. Entretanto, sempre amei a Deus e fiz tudo quanto era possível para ser útil aos meus semelhantes. Eis por que procuro tudo que possa aumentar a felicidade de meus irmãos. Vamos nos reunir, diversos adeptos esparsos, e faremos esforços para ajudá-lo. O senhor levantou a bandeira e nossa obrigação é segui-lo. Contamos com o seu apoio e os seus conselhos.

"Subscrevo-me, senhor, se me permite chamá-lo de confrade, seu dedicado
"C. . ."

Muitas vezes nos foram dirigidas perguntas sobre a maneira por que foram obtidas as comunicações que constituem o Livro dos Espíritos. Resumimos aqui, com muito prazer, as respostas que temos dado a tais perguntas. É uma oportunidade para resgatarmos uma dívida de gratidão para com as pessoas que tiveram a boa vontade de nos prestar o seu concurso.

Como explicamos, as comunicações por meio de batidas, outrora chamadas tiptologia, são muito lentas e muito incompletas para um trabalho de fôlego, por isso tal recurso jamais foi utilizado. Tudo foi obtido pela escrita, por intermédio de diversos médiuns psicógrafos. Nós mesmos preparamos as perguntas e coordenamos o conjunto da obra. As respostas são, textualmente, as que nos deram os Espíritos. A maior parte delas foi escrita sob nossas vistas, outras foram tiradas de comunicações que nos foram remetidas por correspondentes ou que colhemos aqui e ali, onde estivemos fazendo estudos. Parece que para isso os Espíritos multiplicam aos nossos olhos os motivos de observação.

Os primeiros médiuns que concorreram para o nosso trabalho foram as senhoritas B. . ., cuja boa vontade jamais nos faltou. O livro foi quase todo escrito por seu intermédio e em presença de numeroso público que assistia às sessões, nas quais tinha o mais vivo interesse. Mais tarde os Espíritos recomendaram uma revisão completa em sessões particulares, tendo-se feito, então, todas as adições e correções que eles julgaram necessárias. Esta parte essencial do trabalho foi feita com o concurso da senhorita Japhet*, a qual se prestou com a melhor boa vontade e o mais completo desinteresse a todas as exigências dos Espíritos, porque eram eles que marcavam dia e hora para suas lições. O desinteresse não seria aqui um mérito especial, desde que os Espíritos reprovam qualquer tráfico que se possa fazer da sua presença, mas a senhorita Japhet, que é também uma notável sonâmbula, tinha seu tempo utilmente empregado, e compreendeu que também lhe daria uma aplicação proveitosa ao se consagrar à propagação da doutrina.

Quanto a nós, já o declaramos desde o princípio, e temos a satisfação de reafirmá-lo agora: jamais pensamos em fazer do Livro dos Espíritos objeto de especulação. Seu produto será aplicado a coisas de utilidade geral. Por isso seremos sempre gratos aos que, de coração e por amor ao bem, se associaram à obra a que nos consagramos.

Allan Kardec.


* Rua Tiquetonne, 14.

** Paris. Tipografia de Cosson & Cia., Rua do Four-Saint-Germain, 43.

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