Você está em:
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1858 > Novembro
Novembro
Perguntaram-nos muitas vezes por que não respondíamos, em nossa revista, aos ataques de certas folhas contra o Espiritismo em geral, contra os seus partidários e por vezes mesmo contra nós. Cremos que em certos casos é o silêncio a melhor resposta. Além do mais, há um gênero de polêmica do qual tomamos por norma nos abstermos: a que pode degenerar em personalismo. Isto não só nos repugna, como nos tomaria um tempo que não podemos empregar inutilmente, além de ser muito pouco interessante para os nossos leitores, que assinam a revista para sua instrução e não para ler diatribes mais ou menos espirituosas. Ora, uma vez nesse caminho, difícil seria dele sair. Por isto preferimos nele não entrar. Parece-nos que com isto o Espiritismo só teria a ganhar em dignidade. Até aqui só temos que aplaudir a nossa própria moderação, da qual não nos arredaremos. Jamais daremos satisfação aos amantes de escândalos.
Entretanto, há polêmica e polêmica. Há uma ante a qual jamais recuaremos ─ é a discussão séria dos princípios que professamos. Contudo, aqui também deve ser feita uma distinção. Se se trata apenas de ataques gerais, dirigidos contra a doutrina, sem um fim determinado, além do de criticar, e se partem de pessoas que rejeitam sistematicamente tudo quanto não compreendem, não merecem a nossa atenção. O terreno diariamente ganho pelo Espiritismo é resposta peremptória e lhes deve provar que os sarcasmos não têm produzido grande resultado. Ainda há a notar que as intermináveis pilhérias de que eram vítimas os partidários da doutrina vão se extinguindo pouco a pouco. É o caso de perguntar se há motivos para rir de tantas pessoas eminentes, pelo fato de adotarem as ideias novas. Hoje alguns esboçam um sorriso apenas por hábito, enquanto outros absolutamente não riem mais e esperam.
Notemos ainda que entre os críticos há muita gente que fala sem conhecimento de causa e sem se ter dado ao trabalho de aprofundar-se. Para lhes responder fora necessário, incessantemente, recomeçar as mais elementares explicações e repetir aquilo que já escrevemos, o que nos parece inútil. Já o mesmo não se dá com os que estudaram e nem tudo compreenderam e com os que realmente querem esclarecerse, que levantam objeções de boa-fé e com conhecimento de causa. Neste terreno aceitamos a controvérsia, sem nos gabarmos de resolver todas as dificuldades, o que seria demasiada pretensão. A ciência espírita está em seu início e ainda não nos revelou todos os seus segredos, por maiores que sejam as maravilhas já desveladas. Qual a ciência que não mais possui fatos misteriosos e inexplicados? Confessaremos, pois, sem nenhum acanhamento, a nossa insuficiência sobre os pontos que ainda não podemos explicar. Assim, longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as solicitamos, desde que não sejam irrelevantes e não nos façam inutilmente perder tempo com futilidades, pois que é esse um meio de nos esclarecermos.
É a isto que denominamos polêmica útil, e será útil sempre que ocorrer entre gente séria, que se respeita o bastante para não perder o decoro. Podemos pensar de modo diverso sem diminuirmos a estima recíproca.
Afinal de contas, que buscamos todos nessa palpitante e fecunda questão do Espiritismo? Esclarecermo-nos. Antes de mais nada buscamos a luz, venha de onde vier, e se externamos a nossa maneira de ver, não se trata de uma opinião pessoal, que pretendamos impor aos outros. Entregamo-la à discussão e estamos dispostos a renunciá-la, se nos demonstrem que estamos em erro.
Essa polêmica, nós a sustentamos diariamente, em nossa Revista, através das respostas ou das refutações coletivas que publicamos a propósito deste ou daquele artigo. Aqueles que nos honram com suas cartas encontrarão sempre a resposta ao que nos perguntam, toda vez que não nos é possível responder em carta particular, o que nem sempre é materialmente possível. Suas perguntas e objeções constituem outros tantos assuntos de estudo, de que nos aproveitamos pessoalmente; e nos sentimos felizes por estender esse proveito aos leitores, à medida que se apresentam fatos em conexão com as mesmas. Também sentimos prazer em dar explicações verbais às pessoas que nos honram com a sua visita e nas conferências caracterizadas por um cunho de entendimento, nas quais nos esclarecemos mutuamente.
Entretanto, há polêmica e polêmica. Há uma ante a qual jamais recuaremos ─ é a discussão séria dos princípios que professamos. Contudo, aqui também deve ser feita uma distinção. Se se trata apenas de ataques gerais, dirigidos contra a doutrina, sem um fim determinado, além do de criticar, e se partem de pessoas que rejeitam sistematicamente tudo quanto não compreendem, não merecem a nossa atenção. O terreno diariamente ganho pelo Espiritismo é resposta peremptória e lhes deve provar que os sarcasmos não têm produzido grande resultado. Ainda há a notar que as intermináveis pilhérias de que eram vítimas os partidários da doutrina vão se extinguindo pouco a pouco. É o caso de perguntar se há motivos para rir de tantas pessoas eminentes, pelo fato de adotarem as ideias novas. Hoje alguns esboçam um sorriso apenas por hábito, enquanto outros absolutamente não riem mais e esperam.
Notemos ainda que entre os críticos há muita gente que fala sem conhecimento de causa e sem se ter dado ao trabalho de aprofundar-se. Para lhes responder fora necessário, incessantemente, recomeçar as mais elementares explicações e repetir aquilo que já escrevemos, o que nos parece inútil. Já o mesmo não se dá com os que estudaram e nem tudo compreenderam e com os que realmente querem esclarecerse, que levantam objeções de boa-fé e com conhecimento de causa. Neste terreno aceitamos a controvérsia, sem nos gabarmos de resolver todas as dificuldades, o que seria demasiada pretensão. A ciência espírita está em seu início e ainda não nos revelou todos os seus segredos, por maiores que sejam as maravilhas já desveladas. Qual a ciência que não mais possui fatos misteriosos e inexplicados? Confessaremos, pois, sem nenhum acanhamento, a nossa insuficiência sobre os pontos que ainda não podemos explicar. Assim, longe de repelir as objeções e as perguntas, nós as solicitamos, desde que não sejam irrelevantes e não nos façam inutilmente perder tempo com futilidades, pois que é esse um meio de nos esclarecermos.
É a isto que denominamos polêmica útil, e será útil sempre que ocorrer entre gente séria, que se respeita o bastante para não perder o decoro. Podemos pensar de modo diverso sem diminuirmos a estima recíproca.
Afinal de contas, que buscamos todos nessa palpitante e fecunda questão do Espiritismo? Esclarecermo-nos. Antes de mais nada buscamos a luz, venha de onde vier, e se externamos a nossa maneira de ver, não se trata de uma opinião pessoal, que pretendamos impor aos outros. Entregamo-la à discussão e estamos dispostos a renunciá-la, se nos demonstrem que estamos em erro.
Essa polêmica, nós a sustentamos diariamente, em nossa Revista, através das respostas ou das refutações coletivas que publicamos a propósito deste ou daquele artigo. Aqueles que nos honram com suas cartas encontrarão sempre a resposta ao que nos perguntam, toda vez que não nos é possível responder em carta particular, o que nem sempre é materialmente possível. Suas perguntas e objeções constituem outros tantos assuntos de estudo, de que nos aproveitamos pessoalmente; e nos sentimos felizes por estender esse proveito aos leitores, à medida que se apresentam fatos em conexão com as mesmas. Também sentimos prazer em dar explicações verbais às pessoas que nos honram com a sua visita e nas conferências caracterizadas por um cunho de entendimento, nas quais nos esclarecemos mutuamente.
Das diversas doutrinas professadas pelo Espiritismo, a mais controvertida é, inquestionavelmente, a da reencarnação ou da pluralidade das existências corpóreas. Embora seja esta opinião atualmente partilhada por grande número de pessoas e que já tenha sido abordada por nós em várias ocasiões, julgamos um dever aqui examiná-la mais minuciosamente, à vista de sua extraordinária importância e para responder a diversas objeções que foram levantadas.
Antes de entrar a fundo na questão, devemos fazer algumas observações que se nos afiguram indispensáveis.
Para muitas pessoas o dogma da reencarnação não é novo: é ressuscitado de Pitágoras. Nós jamais dissemos que a Doutrina Espírita é uma invenção moderna. Decorrendo de uma lei natural, o Espiritismo deve ter existido desde a origem dos tempos, e sempre nos esforçamos por provar que os seus traços são encontrados na mais alta Antiguidade.
Como se sabe, Pitágoras não é o autor do sistema da metempsicose. Ele bebeu-o nos filósofos indianos e entre os egípcios, onde ela existia desde tempos imemoriais. Assim, a ideia da transmigração das almas era uma crença vulgar, admitida pelas mais eminentes personalidades.
De onde ela veio? Pela revelação ou pela intuição? Não o sabemos. Mas, seja como for, uma ideia não atravessa as idades e não é aceita pelas inteligências de escol se não tiver um lado sério. Sua antiguidade, pois, seria antes uma prova do que uma objeção.
Contudo, como é também sabido, há entre a metempsicose dos Antigos e a moderna doutrina da reencarnação esta grande diferença: os Espíritos repelem de modo absoluto a transmigração da alma do homem para os animais e vice-versa.
Sem dúvida, dizem alguns contraditores, vós estáveis imbuídos de tais ideias e por isso os Espíritos concordaram com vossa maneira de ver. É um erro que prova, mais uma vez, o perigo dos julgamentos apressados e sem exame. Se, antes de julgar, tais pessoas se tivessem dado ao trabalho de ler o que escrevemos sobre o Espiritismo, ter-se-iam poupado ao trabalho de uma objeção tão leviana. Repetiremos, pois, o que já dissemos a respeito, isto é, que quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe de nosso pensamento, que havíamos construído um sistema completamente diferente sobre os antecedentes da alma, sistema aliás partilhado por muitas pessoas. Sobre este ponto, a doutrina dos Espíritos nos surpreendeu. Diremos mais: ela nos contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias. Como se vê, estava longe de ser um reflexo delas.
Isto não é tudo. Nós não cedemos ao primeiro choque. Combatemos; defendemos a nossa opinião; levantamos objeções e só nos rendemos ante a evidência e quando notamos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as questões relativas a esse problema.
Aos olhos de algumas pessoas, talvez pareça singular o uso do termo evidência, em semelhante assunto, entretanto não será impróprio para quem se habituou a perscrutar os fenômenos espíritas. Para o observador atento há fatos que, embora não sejam de natureza absolutamente material, nem por isso deixam de constituir verdadeira evidência, pelo menos uma evidência moral.
Não é aqui o lugar para explicar esses fatos, só compreensíveis através de um estudo contínuo e perseverante. Nosso objetivo era apenas refutar a ideia de que esta doutrina não passa de uma tradução do nosso pensamento.
Outra refutação devemos fazer ainda: é que não somente a nós foi ela ensinada; que foi ventilada em muitos lugares, tanto na França quanto no estrangeiro: na Alemanha, na Holanda, na Rússia, etc., e isto mesmo antes da publicação do Livro dos Espíritos.
Acrescentemos ainda que desde que nos entregamos ao Espiritismo, temos tido comunicações de mais de cinquenta médiuns escreventes, falantes, videntes, etc., mais ou menos esclarecidos; de inteligência normal mais ou menos limitada; alguns até completamente iletrados e por isso mesmo completamente alheios aos assuntos filosóficos e que, em nenhum caso, os Espíritos se desmentiram sobre este ponto. O mesmo se dá em todos os círculos que conhecemos, onde tal princípio é professado. Bem sabemos que este argumento não é irretorquível e, por isso mesmo, não insistiremos senão pelo raciocínio.
Examinemos a questão sob outro ponto de vista, com abstração de qualquer intervenção dos Espíritos, os quais momentaneamente deixaremos de lado. Suponhamos que esta teoria não lhes diga respeito; suponhamos até que jamais se houvesse cogitado de Espíritos. Assim, coloquemo-nos momentaneamente num terreno neutro, admitindo para uma e outra das hipóteses o mesmo grau de probabilidade, isto é: a pluralidade e a unicidade das existências corporais, e vejamos de que lado estarão a razão e o nosso próprio interesse.
A certas pessoas repugna a ideia da reencarnação, pelo único motivo de lhes não convir. Dizem que uma existência é bastante e que não desejam recomeçar numa outra. Conhecemos algumas pessoas para quem a ideia de reaparecer na Terra as deixa enfurecidas. Queremos apenas lhes perguntar se Deus teria tomado o seu conselho ou consultado o seu gosto antes de criar o Universo.
Ora, de duas, uma: ou há, ou não há reencarnação. Se há, ficarão contrariadas, mas terão que submeter-se a ela, sem que Deus lhes peça permissão. Até parece que estamos ouvindo um doente dizer: “Hoje eu sofri muito; não quero mais sofrer amanhã”. Seja qual for o seu humor, não sofrerá menos amanhã e nos dias seguintes, até curar-se. Assim, pois, se tiverem que reviver corporalmente, reviverão; reencarnar-se-ão. Não adianta revoltar-se como um menino que não quer ir à escola ou um condenado que não quer ir para a prisão: terão que ir para lá. Semelhantes objeções, de tão pueris, não merecem exame sério. Diremos, entretanto, para acalmá-las, que a Doutrina Espírita sobre a reencarnação não é tão terrível quanto elas pensam e que se a tivessem estudado a fundo ela não lhes infundiria tanto pavor. Elas saberiam que as condições de uma nova existência depende de si mesmas; ela será feliz ou infeliz, conforme o que hajam feito aqui na Terra; e elas podem desde esta vida elevar-se tanto que não mais temerão a recaída no lamaçal.
Supomos falar a pessoas que acreditam num futuro qualquer após a morte, e não àqueles que têm o nada como perspectiva ou que desejam mergulhar a alma num todo universal, sem individualidade, como gotas de chuva no oceano, o que vem a ser praticamente o mesmo. Se, portanto, acreditais num futuro qualquer, não admitireis, sem dúvida, que ele seja igual para todos, pois, de outra forma, qual seria a utilidade do bem? Por que constranger-se? Por que não satisfazer a todas as paixões, a todos os desejos, mesmo que em detrimento de outros, sendo que isso não teria a menor importância?
Acreditais que esse futuro será mais ou menos feliz, de acordo com o que tivermos feito durante a vida? Tendes então o desejo de que ele seja tão feliz quanto possível, de vez que isso é para toda a eternidade? Teríeis por acaso a pretensão de ser um dos homens mais perfeitos que jamais existiram na Terra e de ter assim a primazia, o direito à suprema felicidade dos eleitos? Não. Então admitis que haja homens que valem mais do que vós e que têm direito a um lugar melhor, sem que, entretanto, por isto sejais condenados.
Pois bem! Colocai-vos por um instante, em pensamento, na situação média, que será a vossa, pois que com isso concordastes, e suponde que alguém vos venha dizer:
─ Sofreis; não sois felizes quanto o poderíeis; entretanto, tendes à vossa frente seres que desfrutam de uma felicidade pura. Quereis trocar a vossa situação pela deles?
─ Sem dúvida! respondereis. Que devemos fazer?
─ Nada menos que recomeçar aquilo que fizestes mal, procurando fazê-lo melhor.
─ Teríeis dúvida em aceitá-lo, mesmo à custa de várias existências de prova?
Façamos uma comparação mais prosaica. Se a um homem que, embora não estivesse na mais extrema das misérias, experimentasse privações em consequência da falta de recursos viessem dizer: “Eis uma imensa fortuna; podereis desfrutá-la, mas para isso deveis trabalhar arduamente durante um minuto.” Ainda que ele fosse o maior preguiçoso da Terra, diria sem hesitar: “Trabalhemos um minuto, dois, uma hora, um dia se for preciso. Que representa isto, se minha vida vai acabar na abundância?” Ora, que é a duração da vida corporal em relação à Eternidade? Menos de um minuto, menos de um segundo.
Temos ouvido o seguinte raciocínio: Como é que Deus, soberanamente bom, pode impor ao homem recomeçar uma série de misérias e de tribulações? Acaso acharia ele que há mais bondade em condenar o homem a um sofrimento perpétuo em consequência de alguns momentos de erro do que lhe dar os meios de reparar as próprias faltas?
“Dois fabricantes tinham cada qual um operário que podia aspirar tornar-se sócio do patrão. Aconteceu que certo dia esses operários empregaram muito mal a sua jornada e mereceram ser postos na rua. Um dos fabricantes despediu o empregado, a despeito de suas súplicas. Não tendo encontrado trabalho, ele morreu na miséria. O outro disse ao seu: Você perdeu um dia e me deve um em compensação; fazendo mal a sua tarefa, deve-me uma reparação. Eu lhe permito recomeçar. Procure trabalhar bem e eu o conservarei, e você poderá sempre aspirar à posição superior que lhe prometi”.
Será necessário perguntar qual dos dois fabricantes foi o mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais inexorável que esse homem?
O pensamento de que a nossa sorte esteja para sempre fixada por alguns anos de prova, quando nem sempre dependeu de nós atingir a perfeição na Terra, tem algo de pungente, ao passo que a ideia contrária é eminentemente consoladora, pois nos dá a esperança.
Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das existências; sem preferir uma a outra hipótese, diremos que se nos fosse dado escolher, ninguém preferiria um julgamento sem apelo.
Disse um filósofo que se Deus não existisse seria preciso inventá-lo, para a felicidade do gênero humano. O mesmo se poderia dizer da pluralidade das existências. Mas, como dissemos, Deus não nos pede permissão; não consulta o nosso gosto. Ou é, ou não é.
Vejamos de que lado estão as probabilidades e encaremos o problema sob outro ponto de vista, sempre fazendo abstração do ensino dos Espíritos, considerando-o apenas como estudo filosófico.
É evidente que sem reencarnação haverá apenas uma existência corporal. Se nossa existência corporal atual for a única, cada alma é criada ao nascer, a menos que se admita a sua anterioridade. Neste caso é de perguntar-se o que seria a alma antes do nascimento e se esse estado não constituiria uma existência, sob uma forma qualquer. Não há meio termo: ou a alma existia ou não existia antes do corpo. Se existia, qual seria a sua situação? Tinha ou não consciência de si mesma? Se não tinha consciência, é como se não existisse; se tinha sua individualidade, era progressiva ou estacionária? Num caso como no outro, em que grau ela chegou ao corpo? Admitindo, segundo a crença vulgar, que a alma nascesse com o corpo, ou, o que dá no mesmo, que anteriormente à sua encarnação tivesse apenas faculdades negativas, levantamos as seguintes questões:
Antes de entrar a fundo na questão, devemos fazer algumas observações que se nos afiguram indispensáveis.
Para muitas pessoas o dogma da reencarnação não é novo: é ressuscitado de Pitágoras. Nós jamais dissemos que a Doutrina Espírita é uma invenção moderna. Decorrendo de uma lei natural, o Espiritismo deve ter existido desde a origem dos tempos, e sempre nos esforçamos por provar que os seus traços são encontrados na mais alta Antiguidade.
Como se sabe, Pitágoras não é o autor do sistema da metempsicose. Ele bebeu-o nos filósofos indianos e entre os egípcios, onde ela existia desde tempos imemoriais. Assim, a ideia da transmigração das almas era uma crença vulgar, admitida pelas mais eminentes personalidades.
De onde ela veio? Pela revelação ou pela intuição? Não o sabemos. Mas, seja como for, uma ideia não atravessa as idades e não é aceita pelas inteligências de escol se não tiver um lado sério. Sua antiguidade, pois, seria antes uma prova do que uma objeção.
Contudo, como é também sabido, há entre a metempsicose dos Antigos e a moderna doutrina da reencarnação esta grande diferença: os Espíritos repelem de modo absoluto a transmigração da alma do homem para os animais e vice-versa.
Sem dúvida, dizem alguns contraditores, vós estáveis imbuídos de tais ideias e por isso os Espíritos concordaram com vossa maneira de ver. É um erro que prova, mais uma vez, o perigo dos julgamentos apressados e sem exame. Se, antes de julgar, tais pessoas se tivessem dado ao trabalho de ler o que escrevemos sobre o Espiritismo, ter-se-iam poupado ao trabalho de uma objeção tão leviana. Repetiremos, pois, o que já dissemos a respeito, isto é, que quando a doutrina da reencarnação nos foi ensinada pelos Espíritos, ela estava tão longe de nosso pensamento, que havíamos construído um sistema completamente diferente sobre os antecedentes da alma, sistema aliás partilhado por muitas pessoas. Sobre este ponto, a doutrina dos Espíritos nos surpreendeu. Diremos mais: ela nos contrariou, porque derrubou as nossas próprias ideias. Como se vê, estava longe de ser um reflexo delas.
Isto não é tudo. Nós não cedemos ao primeiro choque. Combatemos; defendemos a nossa opinião; levantamos objeções e só nos rendemos ante a evidência e quando notamos a insuficiência de nosso sistema para resolver todas as questões relativas a esse problema.
Aos olhos de algumas pessoas, talvez pareça singular o uso do termo evidência, em semelhante assunto, entretanto não será impróprio para quem se habituou a perscrutar os fenômenos espíritas. Para o observador atento há fatos que, embora não sejam de natureza absolutamente material, nem por isso deixam de constituir verdadeira evidência, pelo menos uma evidência moral.
Não é aqui o lugar para explicar esses fatos, só compreensíveis através de um estudo contínuo e perseverante. Nosso objetivo era apenas refutar a ideia de que esta doutrina não passa de uma tradução do nosso pensamento.
Outra refutação devemos fazer ainda: é que não somente a nós foi ela ensinada; que foi ventilada em muitos lugares, tanto na França quanto no estrangeiro: na Alemanha, na Holanda, na Rússia, etc., e isto mesmo antes da publicação do Livro dos Espíritos.
Acrescentemos ainda que desde que nos entregamos ao Espiritismo, temos tido comunicações de mais de cinquenta médiuns escreventes, falantes, videntes, etc., mais ou menos esclarecidos; de inteligência normal mais ou menos limitada; alguns até completamente iletrados e por isso mesmo completamente alheios aos assuntos filosóficos e que, em nenhum caso, os Espíritos se desmentiram sobre este ponto. O mesmo se dá em todos os círculos que conhecemos, onde tal princípio é professado. Bem sabemos que este argumento não é irretorquível e, por isso mesmo, não insistiremos senão pelo raciocínio.
Examinemos a questão sob outro ponto de vista, com abstração de qualquer intervenção dos Espíritos, os quais momentaneamente deixaremos de lado. Suponhamos que esta teoria não lhes diga respeito; suponhamos até que jamais se houvesse cogitado de Espíritos. Assim, coloquemo-nos momentaneamente num terreno neutro, admitindo para uma e outra das hipóteses o mesmo grau de probabilidade, isto é: a pluralidade e a unicidade das existências corporais, e vejamos de que lado estarão a razão e o nosso próprio interesse.
A certas pessoas repugna a ideia da reencarnação, pelo único motivo de lhes não convir. Dizem que uma existência é bastante e que não desejam recomeçar numa outra. Conhecemos algumas pessoas para quem a ideia de reaparecer na Terra as deixa enfurecidas. Queremos apenas lhes perguntar se Deus teria tomado o seu conselho ou consultado o seu gosto antes de criar o Universo.
Ora, de duas, uma: ou há, ou não há reencarnação. Se há, ficarão contrariadas, mas terão que submeter-se a ela, sem que Deus lhes peça permissão. Até parece que estamos ouvindo um doente dizer: “Hoje eu sofri muito; não quero mais sofrer amanhã”. Seja qual for o seu humor, não sofrerá menos amanhã e nos dias seguintes, até curar-se. Assim, pois, se tiverem que reviver corporalmente, reviverão; reencarnar-se-ão. Não adianta revoltar-se como um menino que não quer ir à escola ou um condenado que não quer ir para a prisão: terão que ir para lá. Semelhantes objeções, de tão pueris, não merecem exame sério. Diremos, entretanto, para acalmá-las, que a Doutrina Espírita sobre a reencarnação não é tão terrível quanto elas pensam e que se a tivessem estudado a fundo ela não lhes infundiria tanto pavor. Elas saberiam que as condições de uma nova existência depende de si mesmas; ela será feliz ou infeliz, conforme o que hajam feito aqui na Terra; e elas podem desde esta vida elevar-se tanto que não mais temerão a recaída no lamaçal.
Supomos falar a pessoas que acreditam num futuro qualquer após a morte, e não àqueles que têm o nada como perspectiva ou que desejam mergulhar a alma num todo universal, sem individualidade, como gotas de chuva no oceano, o que vem a ser praticamente o mesmo. Se, portanto, acreditais num futuro qualquer, não admitireis, sem dúvida, que ele seja igual para todos, pois, de outra forma, qual seria a utilidade do bem? Por que constranger-se? Por que não satisfazer a todas as paixões, a todos os desejos, mesmo que em detrimento de outros, sendo que isso não teria a menor importância?
Acreditais que esse futuro será mais ou menos feliz, de acordo com o que tivermos feito durante a vida? Tendes então o desejo de que ele seja tão feliz quanto possível, de vez que isso é para toda a eternidade? Teríeis por acaso a pretensão de ser um dos homens mais perfeitos que jamais existiram na Terra e de ter assim a primazia, o direito à suprema felicidade dos eleitos? Não. Então admitis que haja homens que valem mais do que vós e que têm direito a um lugar melhor, sem que, entretanto, por isto sejais condenados.
Pois bem! Colocai-vos por um instante, em pensamento, na situação média, que será a vossa, pois que com isso concordastes, e suponde que alguém vos venha dizer:
─ Sofreis; não sois felizes quanto o poderíeis; entretanto, tendes à vossa frente seres que desfrutam de uma felicidade pura. Quereis trocar a vossa situação pela deles?
─ Sem dúvida! respondereis. Que devemos fazer?
─ Nada menos que recomeçar aquilo que fizestes mal, procurando fazê-lo melhor.
─ Teríeis dúvida em aceitá-lo, mesmo à custa de várias existências de prova?
Façamos uma comparação mais prosaica. Se a um homem que, embora não estivesse na mais extrema das misérias, experimentasse privações em consequência da falta de recursos viessem dizer: “Eis uma imensa fortuna; podereis desfrutá-la, mas para isso deveis trabalhar arduamente durante um minuto.” Ainda que ele fosse o maior preguiçoso da Terra, diria sem hesitar: “Trabalhemos um minuto, dois, uma hora, um dia se for preciso. Que representa isto, se minha vida vai acabar na abundância?” Ora, que é a duração da vida corporal em relação à Eternidade? Menos de um minuto, menos de um segundo.
Temos ouvido o seguinte raciocínio: Como é que Deus, soberanamente bom, pode impor ao homem recomeçar uma série de misérias e de tribulações? Acaso acharia ele que há mais bondade em condenar o homem a um sofrimento perpétuo em consequência de alguns momentos de erro do que lhe dar os meios de reparar as próprias faltas?
“Dois fabricantes tinham cada qual um operário que podia aspirar tornar-se sócio do patrão. Aconteceu que certo dia esses operários empregaram muito mal a sua jornada e mereceram ser postos na rua. Um dos fabricantes despediu o empregado, a despeito de suas súplicas. Não tendo encontrado trabalho, ele morreu na miséria. O outro disse ao seu: Você perdeu um dia e me deve um em compensação; fazendo mal a sua tarefa, deve-me uma reparação. Eu lhe permito recomeçar. Procure trabalhar bem e eu o conservarei, e você poderá sempre aspirar à posição superior que lhe prometi”.
Será necessário perguntar qual dos dois fabricantes foi o mais humano? Deus, que é a própria clemência, seria mais inexorável que esse homem?
O pensamento de que a nossa sorte esteja para sempre fixada por alguns anos de prova, quando nem sempre dependeu de nós atingir a perfeição na Terra, tem algo de pungente, ao passo que a ideia contrária é eminentemente consoladora, pois nos dá a esperança.
Assim, sem nos pronunciarmos pró ou contra a pluralidade das existências; sem preferir uma a outra hipótese, diremos que se nos fosse dado escolher, ninguém preferiria um julgamento sem apelo.
Disse um filósofo que se Deus não existisse seria preciso inventá-lo, para a felicidade do gênero humano. O mesmo se poderia dizer da pluralidade das existências. Mas, como dissemos, Deus não nos pede permissão; não consulta o nosso gosto. Ou é, ou não é.
Vejamos de que lado estão as probabilidades e encaremos o problema sob outro ponto de vista, sempre fazendo abstração do ensino dos Espíritos, considerando-o apenas como estudo filosófico.
É evidente que sem reencarnação haverá apenas uma existência corporal. Se nossa existência corporal atual for a única, cada alma é criada ao nascer, a menos que se admita a sua anterioridade. Neste caso é de perguntar-se o que seria a alma antes do nascimento e se esse estado não constituiria uma existência, sob uma forma qualquer. Não há meio termo: ou a alma existia ou não existia antes do corpo. Se existia, qual seria a sua situação? Tinha ou não consciência de si mesma? Se não tinha consciência, é como se não existisse; se tinha sua individualidade, era progressiva ou estacionária? Num caso como no outro, em que grau ela chegou ao corpo? Admitindo, segundo a crença vulgar, que a alma nascesse com o corpo, ou, o que dá no mesmo, que anteriormente à sua encarnação tivesse apenas faculdades negativas, levantamos as seguintes questões:
1. ─ Por que mostra a alma aptidões tão diversas e independentes das ideias adquiridas pela educação?
2. ─ De onde vem, nas crianças em tenra idade, a aptidão supranormal para tal arte ou tal ciência, enquanto outras ficam medíocres ou inferiores por toda a vida?
3. ─ De onde vêm as ideias inatas, que uns apresentam e outros não?
4. ─ De onde, em certas crianças, instintos precoces de vícios ou de virtudes; sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o meio onde nasceram?
5. ─ Por que, abstração feita da educação, certos homens são mais adiantados que outros?
6. ─ Por que há selvagens e civilizados? Se tomardes um hotentote nos cueiros e o educardes nos mais afamados liceus, fareis dele um Laplace ou um Newton?
2. ─ De onde vem, nas crianças em tenra idade, a aptidão supranormal para tal arte ou tal ciência, enquanto outras ficam medíocres ou inferiores por toda a vida?
3. ─ De onde vêm as ideias inatas, que uns apresentam e outros não?
4. ─ De onde, em certas crianças, instintos precoces de vícios ou de virtudes; sentimentos inatos de dignidade ou de baixeza, contrastando com o meio onde nasceram?
5. ─ Por que, abstração feita da educação, certos homens são mais adiantados que outros?
6. ─ Por que há selvagens e civilizados? Se tomardes um hotentote nos cueiros e o educardes nos mais afamados liceus, fareis dele um Laplace ou um Newton?
Perguntamos qual é a Filosofia ou a Teosofia[1]
que poderá resolver tais problemas. Ou as almas são iguais ao nascer, ou não
são, não resta dúvida. Se são iguais, por que tão diversas aptidões? Dir-se-á
que isto depende do organismo. Mas isto será então a mais monstruosa e a mais
imoral das doutrinas. O homem não passaria de uma máquina e de um joguete da
matéria; não teria a responsabilidade de seus atos; poderia tudo lançar à conta
de suas imperfeições físicas. Se são desiguais, é que Deus assim as criou. Mas
então por que essa superioridade inata concedida a alguns? Será tal
parcialidade conforme à justiça de Deus e ao amor que dedica igualmente a todas
as criaturas?
Admitamos, ao contrário, uma série de anteriores existências
progressivas, e tudo ficará explicado. Ao nascerem, trazem os homens a intuição
daquilo que adquiriram. São mais ou menos adiantados, conforme o número de
existências percorridas e conforme se achem mais ou menos afastados do ponto de
partida. Absolutamente como numa reunião
de indivíduos de todas as idades, cada um terá um desenvolvimento proporcional
ao número de anos que tiver vivido. As existências sucessivas serão para a vida
da alma o que são os anos para a vida do corpo.
Reuni um dia mil indivíduos de um a oitenta anos. Suponde
que um véu seja lançado sobre todo o seu passado e que, em vossa ignorância,
pensais que todos eles nasceram no mesmo dia. Naturalmente perguntareis como é
que uns são grandes e outros pequenos, uns velhos e outros moços, uns
instruídos e outros ignorantes. Mas, se for retirada a nuvem que vos oculta o
passado e se souberdes que uns viveram mais do que outros, tudo ficará
explicado.
Em sua justiça, Deus não poderia ter criado algumas almas
mais perfeitas que outras; entretanto, com a pluralidade das existências, a
desigualdade que vemos nada mais conterá de contrário à mais rigorosa equidade.
É que vemos o presente e não o passado. Repousará tal argumento sobre um
sistema ou suposição gratuita? Não. Nós partimos de um fato patente e
incontestável: a desigualdade de aptidões e de desenvolvimento intelectual e
moral, fato que achamos inexplicável por todas as teorias ora em curso, ao passo
que sua explicação é simples, natural e lógica por uma outra teoria. Será
natural preferir a que não explica à que explica?
Relativamente à sexta questão, dir-se-á, sem dúvida, que o
hotentote é de uma raça inferior. Então perguntamos se ele é ou não é homem? Se
for, por que Deus o teria deserdado, e à sua raça, dos privilégios concedidos à
raça caucásica? Se não é homem, por que procurar fazê-lo cristão? A Doutrina
Espírita é mais ampla do que tudo isto. Para ela não existem várias espécies de
homens; simplesmente existem homens cujo Espírito é mais ou menos atrasado,
susceptível, entretanto, de progredir. Não será isto mais conforme à justiça de
Deus?
Acabamos de ver a alma no seu passado e no seu presente. Se
a considerarmos em seu futuro, encontraremos as mesmas dificuldades.
1. ─ Se é unicamente a nossa existência presente que deve decidir o nosso porvir, qual será, na vida futura, a posição respectiva do selvagem e do homem civilizado? Estarão no mesmo nível ou distanciados na soma de felicidades eternas?
2. ─
O homem que durante toda sua vida trabalhou para se melhorar estará no mesmo
nível daquele que permaneceu inferior, não por falta sua, mas porque não teve
nem tempo nem possibilidades de melhorar-se?
3. ─ O homem que pratica o mal porque não teve possibilidade de esclarecer-se está sujeito a circunstâncias que não dependeram dele?
3. ─ O homem que pratica o mal porque não teve possibilidade de esclarecer-se está sujeito a circunstâncias que não dependeram dele?
4. ─
Trabalha-se para esclarecer os homens, moralizá-los, civilizá-los; mas para
cada um que se esclarece, há milhões que morrem diariamente, antes que a luz
chegue até eles. Qual é o destino desses? São eles tratados como réprobos? Se
não o são, o que fizeram para serem mantidos na mesma classe dos outros?
5. ─ Qual a sorte das crianças que morrem em tenra idade, antes de poderem fazer o bem ou o mal? Se se acham entre os eleitos, por que este favor, quando nada fizeram por merecê-lo? Por que privilégio foram liberadas das tribulações da vida?
5. ─ Qual a sorte das crianças que morrem em tenra idade, antes de poderem fazer o bem ou o mal? Se se acham entre os eleitos, por que este favor, quando nada fizeram por merecê-lo? Por que privilégio foram liberadas das tribulações da vida?
Existe uma doutrina que pode resolver estas questões? Admiti
as existências sucessivas e tudo estará explicado conforme à justiça de Deus.
Aquilo que não se pode fazer numa existência, far-se-á em outra. Assim, ninguém
escapará à lei do progresso e todos serão recompensados segundo o mérito real e ninguém será excluído da
felicidade suprema a que pode aspirar, sejam quais forem os obstáculos
encontrados em sua rota.
Estas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, pois inumeráveis são os problemas morais e psicológicos cuja solução só é encontrada na pluralidade das existências. Nós nos limitamos aos mais gerais. Seja como for, talvez digam que a doutrina da reencarnação não é admitida pela Igreja; que isto seria a derrubada da religião. Não é objetivo nosso abordar este problema no momento: basta-nos haver demonstrado que ela é eminentemente moral e racional. Mais tarde demonstraremos que a religião se acha menos afastada dela do que se pensa e que com isto não sofreria ela mais do que sofreu com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos que, à primeira vista, pareciam desmentir os textos sagrados. O ensino dos Espíritos é eminentemente cristão. Apoia-se sobre a imortalidade da alma, as penas e recompensas futuras, o livre-arbítrio do homem e a moral do Cristo. Não é, portanto, antirreligioso.
Como ficou dito, raciocinamos fazendo abstração de todo o ensino espírita que, para certas criaturas, não tem autoridade. Se, como tantos outros, adotamos a opinião da pluralidade das existências, não foi apenas porque ela nos veio dos Espíritos, mas porque nos pareceu a mais lógica e a única que resolve problemas até aqui insolúveis.
Tivesse ela vindo de um simples mortal, e nós a teríamos adotado, não hesitando em renunciar às nossas próprias ideias. Desde o momento em que um erro fica demonstrado, o amor-próprio terá mais a perder do que a ganhar com a teimosa persistência numa ideia falsa.
Do mesmo modo, nós a teríamos repelido, mesmo que viesse dos Espíritos, se nos tivesse parecido contrária à razão, como procedemos com muitas outras, de vez que sabemos, por experiência, que se não deve aceitar cegamente tudo quanto vem de sua parte, bem como aquilo que vem da parte dos homens.
Resta-nos, pois, examinar a questão da pluralidade das existências do ponto de vista do ensino dos Espíritos; de que maneira devemos entendê-la e, enfim, responder às mais sérias objeções que lhe possam opor. É o que faremos em um próximo artigo.
Estas questões poderiam ser multiplicadas ao infinito, pois inumeráveis são os problemas morais e psicológicos cuja solução só é encontrada na pluralidade das existências. Nós nos limitamos aos mais gerais. Seja como for, talvez digam que a doutrina da reencarnação não é admitida pela Igreja; que isto seria a derrubada da religião. Não é objetivo nosso abordar este problema no momento: basta-nos haver demonstrado que ela é eminentemente moral e racional. Mais tarde demonstraremos que a religião se acha menos afastada dela do que se pensa e que com isto não sofreria ela mais do que sofreu com a descoberta do movimento da Terra e dos períodos geológicos que, à primeira vista, pareciam desmentir os textos sagrados. O ensino dos Espíritos é eminentemente cristão. Apoia-se sobre a imortalidade da alma, as penas e recompensas futuras, o livre-arbítrio do homem e a moral do Cristo. Não é, portanto, antirreligioso.
Como ficou dito, raciocinamos fazendo abstração de todo o ensino espírita que, para certas criaturas, não tem autoridade. Se, como tantos outros, adotamos a opinião da pluralidade das existências, não foi apenas porque ela nos veio dos Espíritos, mas porque nos pareceu a mais lógica e a única que resolve problemas até aqui insolúveis.
Tivesse ela vindo de um simples mortal, e nós a teríamos adotado, não hesitando em renunciar às nossas próprias ideias. Desde o momento em que um erro fica demonstrado, o amor-próprio terá mais a perder do que a ganhar com a teimosa persistência numa ideia falsa.
Do mesmo modo, nós a teríamos repelido, mesmo que viesse dos Espíritos, se nos tivesse parecido contrária à razão, como procedemos com muitas outras, de vez que sabemos, por experiência, que se não deve aceitar cegamente tudo quanto vem de sua parte, bem como aquilo que vem da parte dos homens.
Resta-nos, pois, examinar a questão da pluralidade das existências do ponto de vista do ensino dos Espíritos; de que maneira devemos entendê-la e, enfim, responder às mais sérias objeções que lhe possam opor. É o que faremos em um próximo artigo.
[1] Em 1858 ainda não existia a doutrina teosófica, que só apareceu em 1875. Kardec alude à Teosofia como forma imprecisa de ocultismo então em voga. (N. da equipe revisora Edicel).
PROBLEMAS MORAIS
SOBRE O SUICÍDIO
PERGUNTAS DIRIGIDAS A SÃO LUÍS ATRAVÉS DO SR. C..., MÉDIUM FALANTE E VIDENTE, NA SESSÃO DE 12 DE OUTUBRO DE 1858 DA SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS
1. ─ Por que motivo o homem que tem a firme intenção de se matar revoltar-se-ia contra a ideia de ser morto por outro e defender-se-ia contra os ataques, no mesmo instante em que vai cumprir o seu desígnio?
─ Porque o homem tem sempre medo da morte. Quando se suicida, está superexcitado, com a cabeça transtornada, e realiza esse ato sem coragem nem medo e, por assim dizer, sem ter conhecimento do que faz, ao passo que se lhe fosse dado raciocinar, não veríamos tantos suicídios. O instinto do homem leva-o a defender a própria vida e, durante o tempo que decorre entre o momento em que o seu semelhante se aproxima para matá-lo e o momento em que o ato é cometido, tem ele sempre um movimento de repulsa instintiva da morte, que o leva a repelir esse fantasma que só é apavorante para o Espírito culpado. O homem que se suicida não experimenta tal sentimento porque se acha cercado de Espíritos que o impelem, que o ajudam em seus desejos e lhe fazem perder completamente a lembrança do que não seja ele mesmo, isto é, dos pais, daqueles que o amam e de outra existência. Nesse momento o homem é todo egoísmo.
2. ─ Aquele que está desgostoso da vida mas não quer suicidar-se e deseja que sua morte sirva para alguma coisa será culpado se a buscar no campo de batalha, defendendo o seu país?
─ Sempre. O homem deve seguir o impulso que lhe é dado. Seja qual for a carreira que abrace; seja qual for a vida que leve, é sempre assistido por Espíritos que o conduzem e o dirigem, malgrado seu. Ora, procurar agir contra os seus conselhos é um crime, porque eles aí estão para nos dirigir e quando queremos agir por nós mesmos, esses bons Espíritos estão prontos a ajudar-nos. Entretanto, se o homem, arrastado por seu próprio Espírito, quer deixar esta vida, é abandonado. Mais tarde reconhece sua falta, quando se vê obrigado a recomeçar numa outra existência. Para elevar-se, deve o homem ser provado. Impedir sua ação e pôr um entrave em seu livre-arbítrio seria ir contra Deus e neste caso as provas tornar-se-iam inúteis, porque os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante. Para chegar às esferas felizes, é necessário que ele progrida e que se eleve em conhecimento e sabedoria, e é somente na adversidade que ele adquire um coração elevado e melhor compreende a grandeza de Deus.
3. ─ Um dos assistentes observou que notava uma contradição entre estas últimas palavras de São Luís e as precedentes, quando disse que o homem pode ser arrastado ao suicídio pelos Espíritos que a isto o excitam. Neste caso cederia a um impulso estranho.
─ Não existe contradição. Quando eu disse que o homem impelido ao suicídio era cercado de Espíritos que a isto o solicitavam, não me referia aos bons Espíritos, que fazem todo esforço para dissuadi-lo; isto deveria estar subentendido. Sabemos todos que temos um anjo da guarda ou, se preferis, um guia familiar. Ora, o homem tem o seu livre-arbítrio; se, a despeito dos bons conselhos que lhe são dados, persevera nessa ideia criminosa, ele a realiza, no que é ajudado pelos Espíritos levianos e impuros, que o cercam e que se sentem felizes por ver que ao homem, ou Espírito encarnado, também falta a coragem para seguir conselhos de seu bom guia e por vezes de Espíritos de parentes mortos que o rodeiam, sobretudo em circunstâncias semelhantes.
─ Porque o homem tem sempre medo da morte. Quando se suicida, está superexcitado, com a cabeça transtornada, e realiza esse ato sem coragem nem medo e, por assim dizer, sem ter conhecimento do que faz, ao passo que se lhe fosse dado raciocinar, não veríamos tantos suicídios. O instinto do homem leva-o a defender a própria vida e, durante o tempo que decorre entre o momento em que o seu semelhante se aproxima para matá-lo e o momento em que o ato é cometido, tem ele sempre um movimento de repulsa instintiva da morte, que o leva a repelir esse fantasma que só é apavorante para o Espírito culpado. O homem que se suicida não experimenta tal sentimento porque se acha cercado de Espíritos que o impelem, que o ajudam em seus desejos e lhe fazem perder completamente a lembrança do que não seja ele mesmo, isto é, dos pais, daqueles que o amam e de outra existência. Nesse momento o homem é todo egoísmo.
2. ─ Aquele que está desgostoso da vida mas não quer suicidar-se e deseja que sua morte sirva para alguma coisa será culpado se a buscar no campo de batalha, defendendo o seu país?
─ Sempre. O homem deve seguir o impulso que lhe é dado. Seja qual for a carreira que abrace; seja qual for a vida que leve, é sempre assistido por Espíritos que o conduzem e o dirigem, malgrado seu. Ora, procurar agir contra os seus conselhos é um crime, porque eles aí estão para nos dirigir e quando queremos agir por nós mesmos, esses bons Espíritos estão prontos a ajudar-nos. Entretanto, se o homem, arrastado por seu próprio Espírito, quer deixar esta vida, é abandonado. Mais tarde reconhece sua falta, quando se vê obrigado a recomeçar numa outra existência. Para elevar-se, deve o homem ser provado. Impedir sua ação e pôr um entrave em seu livre-arbítrio seria ir contra Deus e neste caso as provas tornar-se-iam inúteis, porque os Espíritos não cometeriam faltas. O Espírito foi criado simples e ignorante. Para chegar às esferas felizes, é necessário que ele progrida e que se eleve em conhecimento e sabedoria, e é somente na adversidade que ele adquire um coração elevado e melhor compreende a grandeza de Deus.
3. ─ Um dos assistentes observou que notava uma contradição entre estas últimas palavras de São Luís e as precedentes, quando disse que o homem pode ser arrastado ao suicídio pelos Espíritos que a isto o excitam. Neste caso cederia a um impulso estranho.
─ Não existe contradição. Quando eu disse que o homem impelido ao suicídio era cercado de Espíritos que a isto o solicitavam, não me referia aos bons Espíritos, que fazem todo esforço para dissuadi-lo; isto deveria estar subentendido. Sabemos todos que temos um anjo da guarda ou, se preferis, um guia familiar. Ora, o homem tem o seu livre-arbítrio; se, a despeito dos bons conselhos que lhe são dados, persevera nessa ideia criminosa, ele a realiza, no que é ajudado pelos Espíritos levianos e impuros, que o cercam e que se sentem felizes por ver que ao homem, ou Espírito encarnado, também falta a coragem para seguir conselhos de seu bom guia e por vezes de Espíritos de parentes mortos que o rodeiam, sobretudo em circunstâncias semelhantes.
Palestras familiares de além-túmulo
MEHEMET-ALI
SEGUNDA COMUNICAÇÃO[1]
1. ─ Em nome de Deus Todo-Poderoso, peço ao Espírito de Mehemet-Ali que venha comunicar-se conosco.
─ Sim; sei a razão.
2. ─ Prometestes vir até nós, a fim de instruir-nos. Teríeis a bondade de ouvir-nos e de nos responder?
─ Não prometo, pois não assumi esse compromisso.
3. ─ Substituamos o prometestes por fizeste-nos esperar.
─ Quereis dizer: para satisfazer à vossa curiosidade. Não importa! Prestar-me-ei um pouco.
4. ─ Considerando-se que vivestes ao tempo dos faraós, poderíeis dizer-nos com que fim foram construídas as pirâmides?
─ São sepulcros; sepulcros e templos. Ali se davam grandes manifestações.
5. ─ Tinham elas também um objetivo científico?
─ Não. O interesse religioso absorvia tudo.
6. ─ Era necessário que os egípcios fossem muito adiantados nas artes mecânicas a fim de realizarem trabalhos que exigiam forças tão consideráveis. Poderíeis dar-nos uma ideia dos meios empregados?
─ Massas de homens gemeram sob o peso dessas pedras que atravessaram os séculos. A máquina era o homem.
7. ─ Que classe de homens eram ocupados nesses grandes trabalhos?
─ Aqueles a quem chamais de povo.
8. ─ Estava o povo em estado de escravidão ou recebia um salário?
─ A força.
9. ─ De onde tiravam os egípcios o gosto pelas coisas colossais, em vez das coisas graciosas que distinguiam os gregos, embora tivessem a mesma origem?
─ O egípcio era tocado pela grandeza de Deus. Procurava igualá-lo, superando suas próprias forças. Sempre o homem!
10. ─ Desde que naquela época éreis sacerdote, tende a bondade de nos dizer algo a respeito da religião dos egípcios. Qual era a crença do povo relativamente à Divindade?
─ Corrompidos, eles acreditavam em seus sacerdotes. Seus deuses eram aqueles que os mantinham sob o jugo.
11. ─ Que pensavam da alma após a morte?
─ Acreditavam no que diziam os sacerdotes.
12. ─ Sob o duplo ponto de vista de Deus e da alma, tinham os sacerdotes ideias mais sãs que o povo?
─ Sim. Eles tinham a luz em suas mãos e conquanto a escondessem dos outros, ainda a viam.
13. ─ Os grandes do Estado partilhavam das crenças do povo ou da dos sacerdotes?
─ Estavam entre as duas.
14. ─ Qual a origem do culto prestado aos animais?
─ Eles queriam desviar o homem de Deus e rebaixá-lo sob si próprio, dando-lhe como deuses seres inferiores.
15. ─ Até certo ponto compreende-se o culto dos animais úteis; mas não se compreende o de animais imundos e prejudiciais, como as serpentes, os crocodilos etc.!
─ O homem adora aquilo que teme. Era um jugo para o povo. Os sacerdotes não podiam crer em deuses feitos por suas mãos!
16. ─ Não é estranho que ao mesmo tempo que adoravam o crocodilo e os répteis, adorassem o ichneumon[2] e o íbis, que os destruíam?
─ Aberração do espírito. O homem procura deuses em toda parte para esconder o que é.
17. ─ Por que Osíris era representado com a cabeça de um gavião e Anúbis com a cabeça de um cão?
─ O egípcio gostava de personificar sob a forma de emblemas claros: Anúbis era bom; o gavião que estraçalha representava o cruel Osíris.
18. ─ Como conciliar o respeito dos egípcios pelos mortos com o seu desprezo e o horror que tinham por aqueles que os enterravam e mumificavam?
─ O cadáver era um instrumento de manifestações. Segundo pensavam, o Espírito voltava ao corpo que havia animado. Como um dos instrumentos do culto, o cadáver era sagrado e o desprezo perseguia aquele que ousava violar a santidade da morte.
19. ─ A conservação do corpo permitia maior quantidade de manifestações?
─ Mais longas, isto é, o Espírito voltava por mais tempo, desde que o instrumento fosse dócil.
20. ─ Não seria também a conservação dos corpos uma causa de salubridade, à vista da inundação do Nilo?
─ Sim, para os do povo.
21. ─ No Egito a iniciação aos mistérios era feita através de práticas tão rigorosas quanto na Grécia?
─ Ainda mais rigorosas.
22. ─ Com que fim eram impostas aos iniciados condições tão difíceis de preencher?
─ Para não haver senão almas superiores. Estas sabiam compreender e calar.
23. ─ O ensino dado nos mistérios tinha por fim único a revelação das coisas extra-humanas ou também eram ensinados os preceitos da moral e do amor ao próximo?
─ Tudo isto estava muito corrompido. O propósito dos sacerdotes era dominar e não instruir.
[1] Vide Revista Espírita do mês de abril. (N. do T.).
[2] Voz grega que significa rastejar. É aplicada em entomologia para algumas variedades de insetos. Neste caso, porém, a referência é a uma espécie de fuinha, um mamífero carnívoro, do gênero Herpestes, o Herpestes Ichneumon do Egito, que, dizia-se, devorava os ovos dos crocodilos. (N. do T.).
SEGUNDA COMUNICAÇÃO[1]
1. ─ Em nome de Deus Todo-Poderoso, peço ao Espírito de Mehemet-Ali que venha comunicar-se conosco.
─ Sim; sei a razão.
2. ─ Prometestes vir até nós, a fim de instruir-nos. Teríeis a bondade de ouvir-nos e de nos responder?
─ Não prometo, pois não assumi esse compromisso.
3. ─ Substituamos o prometestes por fizeste-nos esperar.
─ Quereis dizer: para satisfazer à vossa curiosidade. Não importa! Prestar-me-ei um pouco.
4. ─ Considerando-se que vivestes ao tempo dos faraós, poderíeis dizer-nos com que fim foram construídas as pirâmides?
─ São sepulcros; sepulcros e templos. Ali se davam grandes manifestações.
5. ─ Tinham elas também um objetivo científico?
─ Não. O interesse religioso absorvia tudo.
6. ─ Era necessário que os egípcios fossem muito adiantados nas artes mecânicas a fim de realizarem trabalhos que exigiam forças tão consideráveis. Poderíeis dar-nos uma ideia dos meios empregados?
─ Massas de homens gemeram sob o peso dessas pedras que atravessaram os séculos. A máquina era o homem.
7. ─ Que classe de homens eram ocupados nesses grandes trabalhos?
─ Aqueles a quem chamais de povo.
8. ─ Estava o povo em estado de escravidão ou recebia um salário?
─ A força.
9. ─ De onde tiravam os egípcios o gosto pelas coisas colossais, em vez das coisas graciosas que distinguiam os gregos, embora tivessem a mesma origem?
─ O egípcio era tocado pela grandeza de Deus. Procurava igualá-lo, superando suas próprias forças. Sempre o homem!
10. ─ Desde que naquela época éreis sacerdote, tende a bondade de nos dizer algo a respeito da religião dos egípcios. Qual era a crença do povo relativamente à Divindade?
─ Corrompidos, eles acreditavam em seus sacerdotes. Seus deuses eram aqueles que os mantinham sob o jugo.
11. ─ Que pensavam da alma após a morte?
─ Acreditavam no que diziam os sacerdotes.
12. ─ Sob o duplo ponto de vista de Deus e da alma, tinham os sacerdotes ideias mais sãs que o povo?
─ Sim. Eles tinham a luz em suas mãos e conquanto a escondessem dos outros, ainda a viam.
13. ─ Os grandes do Estado partilhavam das crenças do povo ou da dos sacerdotes?
─ Estavam entre as duas.
14. ─ Qual a origem do culto prestado aos animais?
─ Eles queriam desviar o homem de Deus e rebaixá-lo sob si próprio, dando-lhe como deuses seres inferiores.
15. ─ Até certo ponto compreende-se o culto dos animais úteis; mas não se compreende o de animais imundos e prejudiciais, como as serpentes, os crocodilos etc.!
─ O homem adora aquilo que teme. Era um jugo para o povo. Os sacerdotes não podiam crer em deuses feitos por suas mãos!
16. ─ Não é estranho que ao mesmo tempo que adoravam o crocodilo e os répteis, adorassem o ichneumon[2] e o íbis, que os destruíam?
─ Aberração do espírito. O homem procura deuses em toda parte para esconder o que é.
17. ─ Por que Osíris era representado com a cabeça de um gavião e Anúbis com a cabeça de um cão?
─ O egípcio gostava de personificar sob a forma de emblemas claros: Anúbis era bom; o gavião que estraçalha representava o cruel Osíris.
18. ─ Como conciliar o respeito dos egípcios pelos mortos com o seu desprezo e o horror que tinham por aqueles que os enterravam e mumificavam?
─ O cadáver era um instrumento de manifestações. Segundo pensavam, o Espírito voltava ao corpo que havia animado. Como um dos instrumentos do culto, o cadáver era sagrado e o desprezo perseguia aquele que ousava violar a santidade da morte.
19. ─ A conservação do corpo permitia maior quantidade de manifestações?
─ Mais longas, isto é, o Espírito voltava por mais tempo, desde que o instrumento fosse dócil.
20. ─ Não seria também a conservação dos corpos uma causa de salubridade, à vista da inundação do Nilo?
─ Sim, para os do povo.
21. ─ No Egito a iniciação aos mistérios era feita através de práticas tão rigorosas quanto na Grécia?
─ Ainda mais rigorosas.
22. ─ Com que fim eram impostas aos iniciados condições tão difíceis de preencher?
─ Para não haver senão almas superiores. Estas sabiam compreender e calar.
23. ─ O ensino dado nos mistérios tinha por fim único a revelação das coisas extra-humanas ou também eram ensinados os preceitos da moral e do amor ao próximo?
─ Tudo isto estava muito corrompido. O propósito dos sacerdotes era dominar e não instruir.
[1] Vide Revista Espírita do mês de abril. (N. do T.).
[2] Voz grega que significa rastejar. É aplicada em entomologia para algumas variedades de insetos. Neste caso, porém, a referência é a uma espécie de fuinha, um mamífero carnívoro, do gênero Herpestes, o Herpestes Ichneumon do Egito, que, dizia-se, devorava os ovos dos crocodilos. (N. do T.).
O DOUTOR MUHR[3]
1. Evocação.
─ Eis-me aqui.
2. ─ Teríeis a bondade de nos dizer onde vos achais?
─ Estou errante.
3. ─ Vossa morte ocorreu a 4 de junho deste ano?
─ Não. Do ano passado.
4. ─ Tendes lembrança de vosso amigo Sr. Jobard?
─ Sim, frequentemente estou a seu lado.
5. ─ Quando eu lhe transmitir esta resposta ele terá prazer, pois que sempre vos teve uma grande afeição.
─ Eu sei. É um dos Espíritos que me são mais simpáticos.
6. ─ Em vida, que pensáveis que fossem os gnomos?
─ Supunha que fossem seres capazes de materializar-se e de tomar formas fantásticas.
7. ─ Ainda acreditais nisso?
─ Mais do que nunca. Agora tenho certeza. Mas gnomo é um vocábulo que lembra muito a magia. Agora prefiro dizer Espírito em vez de gnomo.
NOTA: Em vida ele acreditava nos Espíritos e em sua manifestação. Apenas os chamava de gnomos, ao passo que agora prefere a denominação genérica de Espíritos.
8. ─ Ainda credes que os Espíritos que em vida chamáveis gnomos possam tomar fantásticas formas materiais?
─ Sim, mas sei que isto nem sempre acontece, porque há pessoas que poderiam ficar loucas se vissem as aparências que tais Espíritos podem tomar.
9. ─ Que aparências podem ser essas?
─ De animais, de diabos.
10. ─ Uma aparência material tangível ou uma pura aparência, como em sonhos e visões?
─ Um pouco mais material que nos sonhos. As aparições que nos poderiam amedrontar não podem ser tangíveis. Deus não o permitiria.
11. ─ A aparição do Espírito de Bergzabern, sob a forma de homem ou de animal, seria dessa natureza?
─ Sim, é desse gênero.
NOTA: Não sabemos se em vida ele admitia que os Espíritos pudessem tomar uma forma tangível, mas é evidente que agora se refere à forma vaporosa e impalpável das aparições.
12. ─ Acreditais que ireis reencarnar em Júpiter?
─ Irei para um mundo que ainda não se iguala a Júpiter.
13. ─ É por vossa própria escolha que ides para um mundo inferior a Júpiter ou porque ainda não mereceis ir para esse planeta?
─ Prefiro acreditar que não mereço e desempenhar uma missão em um mundo menos adiantado. Sei que alcançarei a perfeição e por isso prefiro ser modesto.
NOTA: Esta resposta é prova da superioridade desse Espírito e está em concordância com o que nos diz o Padre Ambrósio: Há mais mérito em pedir uma missão num mundo inferior do que querer adiantar-se muito num mundo superior.
14. ─ O Sr. Jobard pediu-nos que vos perguntássemos se havíeis ficado contente com o vosso necrológio, escrito por ele.
─ Jobard deu-me nova prova de simpatia escrevendo aquilo. Agradeço e desejo que o quadro um tanto exagerado que fez de minhas virtudes e habilidades possa servir entre vós de exemplo aos que percorrem a senda do progresso.
15. ─ Considerando-se que em vida fostes homeopata, o que pensais agora da homeopatia?
─ A homeopatia é o começo da descoberta dos fluidos latentes. Muitas outras descobertas igualmente preciosas serão feitas e virão formar um todo harmonioso que conduzirá vosso globo à perfeição.
16. ─ Que valor atribuís ao vosso livro Le Médecin du Peuple?
─ É a pedra do operário que levei à obra.
NOTA: A resposta que o Espírito deu sobre a homeopatia vem em apoio à ideia dos fluidos latentes, que já nos foi dada pelo Espírito do Sr. Badet, a respeito de sua imagem fotografada[4]. Depreende-se que há fluidos cujas propriedades nos são desconhecidas ou que nos passam despercebidas, porque sua ação não é ostensiva, embora não seja menos real. A Humanidade se enriquece de conhecimentos novos à medida que as circunstâncias tornam conhecidas as suas propriedades.
[3] Diz-se que foi um Espírito muito elevado. Era médico homeopata, um verdadeiro apóstolo espírita. Faleceu no Cairo a 4 de junho de 1857. Deve encontrar-se em Júpiter. Evocado a pedido do Sr. Jobard. (Vide, na Revista de julho, referência feita em carta de Jobard de 22.06.58, na seção Correspondência. A diferença de grafia vem do original. Entretanto, parece preferível a forma Muhr. (N. do T.).
[4] Vide a Revista Espírita do mês de julho.
1. Evocação.
─ Eis-me aqui.
2. ─ Teríeis a bondade de nos dizer onde vos achais?
─ Estou errante.
3. ─ Vossa morte ocorreu a 4 de junho deste ano?
─ Não. Do ano passado.
4. ─ Tendes lembrança de vosso amigo Sr. Jobard?
─ Sim, frequentemente estou a seu lado.
5. ─ Quando eu lhe transmitir esta resposta ele terá prazer, pois que sempre vos teve uma grande afeição.
─ Eu sei. É um dos Espíritos que me são mais simpáticos.
6. ─ Em vida, que pensáveis que fossem os gnomos?
─ Supunha que fossem seres capazes de materializar-se e de tomar formas fantásticas.
7. ─ Ainda acreditais nisso?
─ Mais do que nunca. Agora tenho certeza. Mas gnomo é um vocábulo que lembra muito a magia. Agora prefiro dizer Espírito em vez de gnomo.
NOTA: Em vida ele acreditava nos Espíritos e em sua manifestação. Apenas os chamava de gnomos, ao passo que agora prefere a denominação genérica de Espíritos.
8. ─ Ainda credes que os Espíritos que em vida chamáveis gnomos possam tomar fantásticas formas materiais?
─ Sim, mas sei que isto nem sempre acontece, porque há pessoas que poderiam ficar loucas se vissem as aparências que tais Espíritos podem tomar.
9. ─ Que aparências podem ser essas?
─ De animais, de diabos.
10. ─ Uma aparência material tangível ou uma pura aparência, como em sonhos e visões?
─ Um pouco mais material que nos sonhos. As aparições que nos poderiam amedrontar não podem ser tangíveis. Deus não o permitiria.
11. ─ A aparição do Espírito de Bergzabern, sob a forma de homem ou de animal, seria dessa natureza?
─ Sim, é desse gênero.
NOTA: Não sabemos se em vida ele admitia que os Espíritos pudessem tomar uma forma tangível, mas é evidente que agora se refere à forma vaporosa e impalpável das aparições.
12. ─ Acreditais que ireis reencarnar em Júpiter?
─ Irei para um mundo que ainda não se iguala a Júpiter.
13. ─ É por vossa própria escolha que ides para um mundo inferior a Júpiter ou porque ainda não mereceis ir para esse planeta?
─ Prefiro acreditar que não mereço e desempenhar uma missão em um mundo menos adiantado. Sei que alcançarei a perfeição e por isso prefiro ser modesto.
NOTA: Esta resposta é prova da superioridade desse Espírito e está em concordância com o que nos diz o Padre Ambrósio: Há mais mérito em pedir uma missão num mundo inferior do que querer adiantar-se muito num mundo superior.
14. ─ O Sr. Jobard pediu-nos que vos perguntássemos se havíeis ficado contente com o vosso necrológio, escrito por ele.
─ Jobard deu-me nova prova de simpatia escrevendo aquilo. Agradeço e desejo que o quadro um tanto exagerado que fez de minhas virtudes e habilidades possa servir entre vós de exemplo aos que percorrem a senda do progresso.
15. ─ Considerando-se que em vida fostes homeopata, o que pensais agora da homeopatia?
─ A homeopatia é o começo da descoberta dos fluidos latentes. Muitas outras descobertas igualmente preciosas serão feitas e virão formar um todo harmonioso que conduzirá vosso globo à perfeição.
16. ─ Que valor atribuís ao vosso livro Le Médecin du Peuple?
─ É a pedra do operário que levei à obra.
NOTA: A resposta que o Espírito deu sobre a homeopatia vem em apoio à ideia dos fluidos latentes, que já nos foi dada pelo Espírito do Sr. Badet, a respeito de sua imagem fotografada[4]. Depreende-se que há fluidos cujas propriedades nos são desconhecidas ou que nos passam despercebidas, porque sua ação não é ostensiva, embora não seja menos real. A Humanidade se enriquece de conhecimentos novos à medida que as circunstâncias tornam conhecidas as suas propriedades.
[3] Diz-se que foi um Espírito muito elevado. Era médico homeopata, um verdadeiro apóstolo espírita. Faleceu no Cairo a 4 de junho de 1857. Deve encontrar-se em Júpiter. Evocado a pedido do Sr. Jobard. (Vide, na Revista de julho, referência feita em carta de Jobard de 22.06.58, na seção Correspondência. A diferença de grafia vem do original. Entretanto, parece preferível a forma Muhr. (N. do T.).
[4] Vide a Revista Espírita do mês de julho.
MADAME DE STAËL
A 28 de setembro de 1858, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, comunicou-se espontaneamente e sem ter sido chamado, o Espírito de Madame de Staël, o qual, pela mão da Srta. E..., médium psicógrafa, deixou as seguintes palavras:
“Viver é sofrer, sim, mas a esperança não segue ao sofrimento? Não pôs Deus maior dose de esperança no coração dos infelizes? Criança, o prazer e a decepção acompanham o nascimento, mas à sua frente marcha a Esperança, que lhe diz: Avança! No fim está a felicidade. Deus é clemente.
Por que, perguntam os Espíritos fortes, por que vir ensinar-nos uma nova religião, quando o Cristo estabeleceu as bases de uma tão grandiosa caridade; de uma felicidade tão certa? Não pretendemos alterar aquilo que o grande reformador ensinou. Não. Nós vimos apenas fortalecer nossa consciência e aumentar nossas esperanças.
Quanto mais se civiliza o mundo, mais deveria ele ter confiança e mais ainda temos necessidade de sustentá-lo. Não queremos mudar a face do Universo. Vimos ajudar a torná-lo melhor. Se neste século não viermos em auxílio do homem, ele será muito infeliz, pela falta de confiança e de esperança.
Sim, homem sábio que lês nos outros; que procuras conhecer aquilo que pouco te importa e que afastas aquilo que te concerne, abre os olhos e não te desesperes. Não digas que o nada pode ser possível, quando, em teu coração, deverias sentir o contrário. Vem assentar-te a esta mesa e espera, pois nela serás instruído quanto ao teu futuro e serás feliz. Aqui há pão para todos. Espírito, tu te desenvolverás; corpo, tu te alimentarás; sofrimento, tu te acalmarás; esperança, tu florescerás e embelezarás a verdade para torná-la suportável.
STAËL
NOTA: O Espírito aludia à mesa onde estavam os médiuns.
─ Perguntai e eu responderei às vossas perguntas.
1. ─ Não estávamos esperando vossa visita, por isso não temos um assunto preparado.
─ Sei muito bem que perguntas especiais não podem ser respondidas por mim. Há, porém, coisas gerais que podem ser perguntadas até mesmo a uma mulher que teve um pouco de espírito e agora tem muito coração!
Nesse momento, uma senhora que assistia à sessão teve um como que desfalecimento, mas era apenas um êxtase que, longe de ser penoso, foi-lhe antes muito agradável. Alguém se ofereceu para magnetizá-la; então o Espírito de Madame de Staël disse espontaneamente:
─ Não. Deixai-a tranquila. É necessário deixar agir a influência.
Depois, dirigindo-se à senhora, disse:
─ Tende confiança, pois um coração vela junto a vós; ele deseja falar-vos; chegará o dia... não precipitemos as emoções.
Então o Espírito que se comunicava por aquela senhora, que era o de sua irmã, escreveu espontaneamente: “Eu voltarei.”
Dirigindo-se ainda àquela senhora, Madame de Staël escreveu:
─ Uma palavra de consolação a um coração que sofre. Por que essas lágrimas de mulher para uma irmã? Por que essa volta ao passado, quando todos os vossos pensamentos deveriam dirigir-se para o futuro? Vosso coração sofre, vossa alma tem necessidade de se expandir. Então! Que essas lágrimas sejam um alívio e não produzidas pela mágoa! Aquela que vos ama e que chorais é feliz e venturosa! Esperai, que um dia estareis juntas. Vós não a vedes, mas para ela não existe separação, pois que pode estar constantemente ao vosso lado.
2. ─ Poderíeis dizer-nos o que pensais atualmente de vossos escritos?
─ Uma só palavra esclarecer-vos-á. Se eu voltasse e pudesse recomeçar, modificaria dois terços e conservaria apenas um.
3. ─ Poderíeis assinalar aquilo que desaprovais?
─ Não sou muito exigente, pois aquilo que não for justo, outros escritores mudarão. Eu fui muito masculina para uma mulher.
4. ─ Qual a causa primeira desse caráter viril que demonstrastes em vida?
─ Isso depende da fase de nossa existência.
Na sessão seguinte, a 12 de outubro, foram-lhe dirigidas as seguintes perguntas, através do Sr. D..., médium psicógrafo.
5. ─ No outro dia viestes espontaneamente, por intermédio da Srta. E... Poderíeis dizer qual o motivo que vos levou a favorecer-nos com a vossa presença, sem que vos tivéssemos chamado?
─ A simpatia que sinto por todos vós. É ao mesmo tempo o cumprimento de um dever que me é imposto em minha atual existência, ou antes, em minha existência passageira, pois que sou chamada a reviver: este é, aliás, o destino de todos os Espíritos.
6. ─ É para vós mais agradável vir espontaneamente ou ser evocada?
─ Prefiro ser evocada, pois é uma prova de que pensam em mim, mas também sabeis que é agradável a um Espírito liberto poder vir conversar com o Espírito do homem. Por isso não vos deveis admirar que tivesse vindo de repente ao vosso meio.
7. ─ Haverá vantagem em evocar os Espíritos, em vez de esperar que venham por sua iniciativa?
─ Evocando, tem-se um objetivo. Deixando que venham, corre-se grande risco de ter comunicações imperfeitas sob muitos aspectos, porque tanto vêm os maus quanto os bons.
8. ─ Já vos comunicastes em outros centros?
─ Sim, mas têm-me feito aparecer mais do que eu queria. Por outras palavras, muitas vezes tomaram o meu nome.
9. ─ Teríeis a bondade de vir, algumas vezes, ditar-nos alguns de vossos belos pensamentos, que teríamos o prazer de reproduzir para a instrução geral?
─ De boa vontade. Sinto prazer em estar entre os que trabalham seriamente a sua instrução. Minha vinda no outro dia é uma prova disto.
A 28 de setembro de 1858, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, comunicou-se espontaneamente e sem ter sido chamado, o Espírito de Madame de Staël, o qual, pela mão da Srta. E..., médium psicógrafa, deixou as seguintes palavras:
“Viver é sofrer, sim, mas a esperança não segue ao sofrimento? Não pôs Deus maior dose de esperança no coração dos infelizes? Criança, o prazer e a decepção acompanham o nascimento, mas à sua frente marcha a Esperança, que lhe diz: Avança! No fim está a felicidade. Deus é clemente.
Por que, perguntam os Espíritos fortes, por que vir ensinar-nos uma nova religião, quando o Cristo estabeleceu as bases de uma tão grandiosa caridade; de uma felicidade tão certa? Não pretendemos alterar aquilo que o grande reformador ensinou. Não. Nós vimos apenas fortalecer nossa consciência e aumentar nossas esperanças.
Quanto mais se civiliza o mundo, mais deveria ele ter confiança e mais ainda temos necessidade de sustentá-lo. Não queremos mudar a face do Universo. Vimos ajudar a torná-lo melhor. Se neste século não viermos em auxílio do homem, ele será muito infeliz, pela falta de confiança e de esperança.
Sim, homem sábio que lês nos outros; que procuras conhecer aquilo que pouco te importa e que afastas aquilo que te concerne, abre os olhos e não te desesperes. Não digas que o nada pode ser possível, quando, em teu coração, deverias sentir o contrário. Vem assentar-te a esta mesa e espera, pois nela serás instruído quanto ao teu futuro e serás feliz. Aqui há pão para todos. Espírito, tu te desenvolverás; corpo, tu te alimentarás; sofrimento, tu te acalmarás; esperança, tu florescerás e embelezarás a verdade para torná-la suportável.
STAËL
NOTA: O Espírito aludia à mesa onde estavam os médiuns.
─ Perguntai e eu responderei às vossas perguntas.
1. ─ Não estávamos esperando vossa visita, por isso não temos um assunto preparado.
─ Sei muito bem que perguntas especiais não podem ser respondidas por mim. Há, porém, coisas gerais que podem ser perguntadas até mesmo a uma mulher que teve um pouco de espírito e agora tem muito coração!
Nesse momento, uma senhora que assistia à sessão teve um como que desfalecimento, mas era apenas um êxtase que, longe de ser penoso, foi-lhe antes muito agradável. Alguém se ofereceu para magnetizá-la; então o Espírito de Madame de Staël disse espontaneamente:
─ Não. Deixai-a tranquila. É necessário deixar agir a influência.
Depois, dirigindo-se à senhora, disse:
─ Tende confiança, pois um coração vela junto a vós; ele deseja falar-vos; chegará o dia... não precipitemos as emoções.
Então o Espírito que se comunicava por aquela senhora, que era o de sua irmã, escreveu espontaneamente: “Eu voltarei.”
Dirigindo-se ainda àquela senhora, Madame de Staël escreveu:
─ Uma palavra de consolação a um coração que sofre. Por que essas lágrimas de mulher para uma irmã? Por que essa volta ao passado, quando todos os vossos pensamentos deveriam dirigir-se para o futuro? Vosso coração sofre, vossa alma tem necessidade de se expandir. Então! Que essas lágrimas sejam um alívio e não produzidas pela mágoa! Aquela que vos ama e que chorais é feliz e venturosa! Esperai, que um dia estareis juntas. Vós não a vedes, mas para ela não existe separação, pois que pode estar constantemente ao vosso lado.
2. ─ Poderíeis dizer-nos o que pensais atualmente de vossos escritos?
─ Uma só palavra esclarecer-vos-á. Se eu voltasse e pudesse recomeçar, modificaria dois terços e conservaria apenas um.
3. ─ Poderíeis assinalar aquilo que desaprovais?
─ Não sou muito exigente, pois aquilo que não for justo, outros escritores mudarão. Eu fui muito masculina para uma mulher.
4. ─ Qual a causa primeira desse caráter viril que demonstrastes em vida?
─ Isso depende da fase de nossa existência.
Na sessão seguinte, a 12 de outubro, foram-lhe dirigidas as seguintes perguntas, através do Sr. D..., médium psicógrafo.
5. ─ No outro dia viestes espontaneamente, por intermédio da Srta. E... Poderíeis dizer qual o motivo que vos levou a favorecer-nos com a vossa presença, sem que vos tivéssemos chamado?
─ A simpatia que sinto por todos vós. É ao mesmo tempo o cumprimento de um dever que me é imposto em minha atual existência, ou antes, em minha existência passageira, pois que sou chamada a reviver: este é, aliás, o destino de todos os Espíritos.
6. ─ É para vós mais agradável vir espontaneamente ou ser evocada?
─ Prefiro ser evocada, pois é uma prova de que pensam em mim, mas também sabeis que é agradável a um Espírito liberto poder vir conversar com o Espírito do homem. Por isso não vos deveis admirar que tivesse vindo de repente ao vosso meio.
7. ─ Haverá vantagem em evocar os Espíritos, em vez de esperar que venham por sua iniciativa?
─ Evocando, tem-se um objetivo. Deixando que venham, corre-se grande risco de ter comunicações imperfeitas sob muitos aspectos, porque tanto vêm os maus quanto os bons.
8. ─ Já vos comunicastes em outros centros?
─ Sim, mas têm-me feito aparecer mais do que eu queria. Por outras palavras, muitas vezes tomaram o meu nome.
9. ─ Teríeis a bondade de vir, algumas vezes, ditar-nos alguns de vossos belos pensamentos, que teríamos o prazer de reproduzir para a instrução geral?
─ De boa vontade. Sinto prazer em estar entre os que trabalham seriamente a sua instrução. Minha vinda no outro dia é uma prova disto.
Nem todos podem ser convencidos pelo mesmo gênero de manifestações espíritas, por isso foi preciso que se desenvolvessem médiuns de vários tipos. Nos Estados Unidos há os que fazem retratos de pessoas falecidas há muito tempo e que jamais haviam visto. E como a semelhança é notada imediatamente, as pessoas sensatas que o testemunham não deixam de se converter. O mais notável desses médiuns é talvez o Sr. Rogers, que já citamos (Vol. 1, pág. 239[1]), residente em Columbus, onde exercia a profissão de alfaiate. Devemos acrescentar que não possuía qualquer outra habilitação profissional.
Aos homens instruídos que têm dito e repetido, a propósito da teoria espiritualista: “Recorrer aos Espíritos não passa de hipótese; um exame atento prova que nem é a mais racional, nem a mais verossímil”, a esses, sobretudo, oferecemos a tradução que segue, abreviadamente, de um artigo publicado a 27 de julho último pelo Sr. Lafayette R. Gridley, de Attica, Indiana, para os editores do Spiritual Age, que a publicaram na íntegra na edição de 14 de agosto.
Em maio último, o Sr. E. Rogers, de Cardington - Ohio, conhecido médium pintor que faz retratos de pessoas que não mais se encontram neste mundo, veio passar alguns dias em minha casa. Durante sua rápida visita foi influenciado por um artista invisível, que deu o nome de Benjamin West. Ele pintou alguns belos retratos, em tamanho natural, assim como alguns outros de qualidade algo inferior.
Eis algumas particularidades relativas a dois desses retratos.
Foram pintados pelo dito E. Rogers, num quarto escuro, em minha casa, no curto espaço de uma hora e meia, tempo este do qual meia hora mais ou menos decorreu sem que o médium tivesse sido influenciado e que aproveitei para examinar o seu trabalho, ainda não concluído. Rogers caiu novamente em transe e terminou esses retratos.
Então, embora nenhuma indicação tivesse sido dada quanto às pessoas representadas, um dos retratos foi imediatamente reconhecido como sendo de meu avô, Elias Gridley. Minha esposa, minha irmã, a Sra. Chaney, e em seguida meu pai e minha mãe, todos foram unânimes em reconhecer a grande semelhança: é um facsímile do velho, com todas as particularidades de sua cabeleira, de sua camisa, etc.
Quanto ao outro retrato, nenhum de nós o reconheceu. Eu o pendurei no meu armazém, à vista dos transeuntes, onde ficou uma semana sem ser reconhecido. Esperávamos que alguém nos dissesse que era qualquer antigo residente de Attica. Já perdia a esperança de saber de quem seria o retrato quando uma tarde, numa sessão espírita reunida em minha casa, um Espírito manifestou-se e me deu a comunicação seguinte:
“Meu nome é Horace Gridley. Há mais de cinco anos deixei meus despojos. Morei muitos anos em Natchez, no Mississipi, onde ocupei o cargo de sheriff. Minha única filha mora lá. Eu sou primo de vosso pai. Outras informações a meu respeito podem ser obtidas dirigindo-se ao vosso tio, o Sr. Gridley, de Brownsville, no Tennessee. O retrato que tendes em vosso armazém é o meu, da época em que vivia na Terra, pouco tempo antes de passar a esta outra existência, mais elevada, melhor e mais feliz. Ele se parece comigo, pelo menos tanto quanto me foi possível retomar a fisionomia de então, pois que isto é indispensável quando nos pintam. Nós fazemos o mais que podemos para dela nos recordarmos, conforme o permitam as condições do momento. O retrato em questão não está acabado como eu o desejava. Há umas ligeiras imperfeições que o Sr. West diz provirem das condições em que se achava o médium. Apesar disso, mande o retrato para Natchez, a fim de ser examinado. Acredito que o identificarão”.
Os fatos mencionados nesta comunicação eram inteiramente ignorados por mim e por todos os habitantes das redondezas. Conquanto há muitos anos certa vez tivesse ouvido falar que meu pai tinha um parente naqueles lados do vale do Mississipi, nenhum de nós sabia o nome dele; o lugar onde tinha vivido; nem mesmo se havia morrido. Só muitos dias depois é que soube por meu pai, que morava em Delphi, a quarenta milhas daqui, qual havia sido o lugar de residência de seu primo, de quem há cerca de sessenta anos ele quase não ouvira mais falar.
Nem tínhamos pensado em pedir retratos de família. Eu apenas tinha posto em frente ao médium uma nota com os nomes de cerca de vinte antigos moradores de Attica, não mais deste mundo, de alguns dos quais desejávamos obter o retrato.
Assim, penso que as pessoas sensatas admitirão que nem o retrato, nem a comunicação de Horace Gridley possam ser resultado de uma transmissão de nosso pensamento ao médium. Aliás, é sabido que o Sr. Rogers jamais conheceu qualquer dos homens cujo retrato pintou e dos quais provavelmente jamais ouvira falar, porque é inglês nato; veio para a América há dez anos e jamais viajou para o Sul além de Cincinnati, ao passo que Horace Gridley, ao que eu saiba, nunca andou para o Norte além de Memphis, no Tennessee, nos últimos trinta e cinco anos de vida terrena. Ignoro que algum dia tenha visitado a Inglaterra, entretanto, isto poderia ter ocorrido antes do nascimento de Rogers, pois ele não tem mais que vinte e oito a trinta anos. Quanto a meu avô, falecido há cerca de dezenove anos, jamais saiu dos Estados Unidos e seu retrato jamais fora feito de qualquer maneira.
Depois que recebi a comunicação acima transcrita, escrevi ao Sr. Gridley, de Brownsville. Sua resposta veio confirmar quanto havíamos ouvido através da comunicação do Espírito. Consegui ainda o nome do único rebento de Horace Gridley, que é a Sra. L. M. Patterson, ainda residente em Natchez, onde seu pai morou muitos anos. Ele faleceu, na opinião de meu tio, há cerca de seis anos, em Houston, no Texas.
Então escrevi à Sra. Patterson, minha prima recém descoberta, e lhe mandei uma cópia daguerreotipada do retrato que, segundo nos diziam, era de seu pai. Na carta ao meu tio de Brownsville eu nada disse relativamente ao principal objetivo de minhas pesquisas, como nada disse à Sra. Patterson: nem a razão de lhe enviar o retrato, nem como o havia obtido, nem quem era a pessoa que o mesmo representava. Apenas perguntei a minha prima se nele reconhecia alguém. Respondeu-me que ao certo não poderia dizer de quem era o retrato, mas me assegurava de que era parecido com seu pai, na época de sua morte. Depois eu lhe escrevi que nós o havíamos também tomado como se fosse de seu pai, sem lhe dizer, entretanto, como o havíamos obtido. A resposta de minha prima dizia, em suma, que na cópia remetida todos haviam reconhecido seu pai, antes que eu lhe tivesse dito quem o retrato representava. Entretanto, ficou muito surpreendida de que eu tivesse um retrato de seu pai, quando ela mesma não tinha nenhum e seu pai nunca lhe havia dito que algum dia tivesse mandado fazer seu próprio retrato, fosse por quem fosse. Ela pensava que não existisse nenhum e ficou muito satisfeita com a minha remessa, sobretudo por causa de seus filhos, que tinham grande veneração pela memória do avô.
Então eu lhe mandei o retrato original, autorizando-a a ficar com ele, caso lhe agradasse, mas não lhe disse como o havia obtido. São estas as principais passagens de sua resposta:
“Recebi sua carta e o retrato de meu pai, que permite fique comigo, se for bastante semelhante. Na verdade, é muito parecido, e como jamais tive outro dele, fico com este, já que o permite, e o aceito muito reconhecida, embora me pareça que meu pai fosse mais bonito, quando gozava de saúde”.
Antes da recepção das duas últimas cartas da Sra. Patterson, quis o acaso que o Sr. Hedges, atualmente de Delphi, mas antigo morador de Natchez, e o Sr. Ewing, recém vindo de Vicksbourg, no Mississipi, vissem o retrato em questão e o reconhecessem como sendo de Horace Gridley, com quem ambos tinham tido relações.
Acho que estes fatos são muito significativos para serem mantidos no silêncio e julguei-me na obrigação de revelá-los, a fim de se lhes dar publicidade. Assegurovos que escrevendo este artigo, tive todo o cuidado com a absoluta correção”.
NOTA: Já conhecemos os médiuns desenhistas. Além dos admiráveis desenhos dos quais demos um espécime, mas que representam coisas cuja exatidão é impossível verificar, vimos médiuns absolutamente estranhos a essa arte executarem sob nossas vistas esboços facilmente reconhecíveis de pessoas falecidas que eles não haviam conhecido. Mas daí a um retrato acabado, de acordo com todas as regras, vai muita distância. Esta faculdade se liga a um fenômeno muito curioso, do qual somos testemunha neste momento. A ele nos reportaremos proximamente.
[1] Vol. I, pág. 239 do “Spiritualist” de Nova Orleans.
Aos homens instruídos que têm dito e repetido, a propósito da teoria espiritualista: “Recorrer aos Espíritos não passa de hipótese; um exame atento prova que nem é a mais racional, nem a mais verossímil”, a esses, sobretudo, oferecemos a tradução que segue, abreviadamente, de um artigo publicado a 27 de julho último pelo Sr. Lafayette R. Gridley, de Attica, Indiana, para os editores do Spiritual Age, que a publicaram na íntegra na edição de 14 de agosto.
Em maio último, o Sr. E. Rogers, de Cardington - Ohio, conhecido médium pintor que faz retratos de pessoas que não mais se encontram neste mundo, veio passar alguns dias em minha casa. Durante sua rápida visita foi influenciado por um artista invisível, que deu o nome de Benjamin West. Ele pintou alguns belos retratos, em tamanho natural, assim como alguns outros de qualidade algo inferior.
Eis algumas particularidades relativas a dois desses retratos.
Foram pintados pelo dito E. Rogers, num quarto escuro, em minha casa, no curto espaço de uma hora e meia, tempo este do qual meia hora mais ou menos decorreu sem que o médium tivesse sido influenciado e que aproveitei para examinar o seu trabalho, ainda não concluído. Rogers caiu novamente em transe e terminou esses retratos.
Então, embora nenhuma indicação tivesse sido dada quanto às pessoas representadas, um dos retratos foi imediatamente reconhecido como sendo de meu avô, Elias Gridley. Minha esposa, minha irmã, a Sra. Chaney, e em seguida meu pai e minha mãe, todos foram unânimes em reconhecer a grande semelhança: é um facsímile do velho, com todas as particularidades de sua cabeleira, de sua camisa, etc.
Quanto ao outro retrato, nenhum de nós o reconheceu. Eu o pendurei no meu armazém, à vista dos transeuntes, onde ficou uma semana sem ser reconhecido. Esperávamos que alguém nos dissesse que era qualquer antigo residente de Attica. Já perdia a esperança de saber de quem seria o retrato quando uma tarde, numa sessão espírita reunida em minha casa, um Espírito manifestou-se e me deu a comunicação seguinte:
“Meu nome é Horace Gridley. Há mais de cinco anos deixei meus despojos. Morei muitos anos em Natchez, no Mississipi, onde ocupei o cargo de sheriff. Minha única filha mora lá. Eu sou primo de vosso pai. Outras informações a meu respeito podem ser obtidas dirigindo-se ao vosso tio, o Sr. Gridley, de Brownsville, no Tennessee. O retrato que tendes em vosso armazém é o meu, da época em que vivia na Terra, pouco tempo antes de passar a esta outra existência, mais elevada, melhor e mais feliz. Ele se parece comigo, pelo menos tanto quanto me foi possível retomar a fisionomia de então, pois que isto é indispensável quando nos pintam. Nós fazemos o mais que podemos para dela nos recordarmos, conforme o permitam as condições do momento. O retrato em questão não está acabado como eu o desejava. Há umas ligeiras imperfeições que o Sr. West diz provirem das condições em que se achava o médium. Apesar disso, mande o retrato para Natchez, a fim de ser examinado. Acredito que o identificarão”.
Os fatos mencionados nesta comunicação eram inteiramente ignorados por mim e por todos os habitantes das redondezas. Conquanto há muitos anos certa vez tivesse ouvido falar que meu pai tinha um parente naqueles lados do vale do Mississipi, nenhum de nós sabia o nome dele; o lugar onde tinha vivido; nem mesmo se havia morrido. Só muitos dias depois é que soube por meu pai, que morava em Delphi, a quarenta milhas daqui, qual havia sido o lugar de residência de seu primo, de quem há cerca de sessenta anos ele quase não ouvira mais falar.
Nem tínhamos pensado em pedir retratos de família. Eu apenas tinha posto em frente ao médium uma nota com os nomes de cerca de vinte antigos moradores de Attica, não mais deste mundo, de alguns dos quais desejávamos obter o retrato.
Assim, penso que as pessoas sensatas admitirão que nem o retrato, nem a comunicação de Horace Gridley possam ser resultado de uma transmissão de nosso pensamento ao médium. Aliás, é sabido que o Sr. Rogers jamais conheceu qualquer dos homens cujo retrato pintou e dos quais provavelmente jamais ouvira falar, porque é inglês nato; veio para a América há dez anos e jamais viajou para o Sul além de Cincinnati, ao passo que Horace Gridley, ao que eu saiba, nunca andou para o Norte além de Memphis, no Tennessee, nos últimos trinta e cinco anos de vida terrena. Ignoro que algum dia tenha visitado a Inglaterra, entretanto, isto poderia ter ocorrido antes do nascimento de Rogers, pois ele não tem mais que vinte e oito a trinta anos. Quanto a meu avô, falecido há cerca de dezenove anos, jamais saiu dos Estados Unidos e seu retrato jamais fora feito de qualquer maneira.
Depois que recebi a comunicação acima transcrita, escrevi ao Sr. Gridley, de Brownsville. Sua resposta veio confirmar quanto havíamos ouvido através da comunicação do Espírito. Consegui ainda o nome do único rebento de Horace Gridley, que é a Sra. L. M. Patterson, ainda residente em Natchez, onde seu pai morou muitos anos. Ele faleceu, na opinião de meu tio, há cerca de seis anos, em Houston, no Texas.
Então escrevi à Sra. Patterson, minha prima recém descoberta, e lhe mandei uma cópia daguerreotipada do retrato que, segundo nos diziam, era de seu pai. Na carta ao meu tio de Brownsville eu nada disse relativamente ao principal objetivo de minhas pesquisas, como nada disse à Sra. Patterson: nem a razão de lhe enviar o retrato, nem como o havia obtido, nem quem era a pessoa que o mesmo representava. Apenas perguntei a minha prima se nele reconhecia alguém. Respondeu-me que ao certo não poderia dizer de quem era o retrato, mas me assegurava de que era parecido com seu pai, na época de sua morte. Depois eu lhe escrevi que nós o havíamos também tomado como se fosse de seu pai, sem lhe dizer, entretanto, como o havíamos obtido. A resposta de minha prima dizia, em suma, que na cópia remetida todos haviam reconhecido seu pai, antes que eu lhe tivesse dito quem o retrato representava. Entretanto, ficou muito surpreendida de que eu tivesse um retrato de seu pai, quando ela mesma não tinha nenhum e seu pai nunca lhe havia dito que algum dia tivesse mandado fazer seu próprio retrato, fosse por quem fosse. Ela pensava que não existisse nenhum e ficou muito satisfeita com a minha remessa, sobretudo por causa de seus filhos, que tinham grande veneração pela memória do avô.
Então eu lhe mandei o retrato original, autorizando-a a ficar com ele, caso lhe agradasse, mas não lhe disse como o havia obtido. São estas as principais passagens de sua resposta:
“Recebi sua carta e o retrato de meu pai, que permite fique comigo, se for bastante semelhante. Na verdade, é muito parecido, e como jamais tive outro dele, fico com este, já que o permite, e o aceito muito reconhecida, embora me pareça que meu pai fosse mais bonito, quando gozava de saúde”.
Antes da recepção das duas últimas cartas da Sra. Patterson, quis o acaso que o Sr. Hedges, atualmente de Delphi, mas antigo morador de Natchez, e o Sr. Ewing, recém vindo de Vicksbourg, no Mississipi, vissem o retrato em questão e o reconhecessem como sendo de Horace Gridley, com quem ambos tinham tido relações.
Acho que estes fatos são muito significativos para serem mantidos no silêncio e julguei-me na obrigação de revelá-los, a fim de se lhes dar publicidade. Assegurovos que escrevendo este artigo, tive todo o cuidado com a absoluta correção”.
NOTA: Já conhecemos os médiuns desenhistas. Além dos admiráveis desenhos dos quais demos um espécime, mas que representam coisas cuja exatidão é impossível verificar, vimos médiuns absolutamente estranhos a essa arte executarem sob nossas vistas esboços facilmente reconhecíveis de pessoas falecidas que eles não haviam conhecido. Mas daí a um retrato acabado, de acordo com todas as regras, vai muita distância. Esta faculdade se liga a um fenômeno muito curioso, do qual somos testemunha neste momento. A ele nos reportaremos proximamente.
[1] Vol. I, pág. 239 do “Spiritualist” de Nova Orleans.
Há muitas pessoas que, aceitando hoje perfeitamente o magnetismo, durante muito tempo contestaram a lucidez sonambúlica. É que, na verdade, essa faculdade veio derrubar todas as noções que tínhamos a respeito da percepção das coisas do mundo exterior. Entretanto, de há muito tínhamos o exemplo dos sonâmbulos naturais, gozando de faculdades análogas que, por um contraste bizarro, jamais foram aprofundadas. Hoje a clarividência sonambúlica é um fato estabelecido, e se ainda é contestado por algumas pessoas, é que as ideias novas custam a lançar raízes, principalmente quando é preciso renunciar às que embalamos durante muito tempo.
Muita gente acreditou, como o faz ainda hoje com as manifestações espíritas, que o sonambulismo pudesse ser experimentado como uma máquina, sem que se levasse em conta as condições especiais do fenômeno. Eis por que, não tendo obtido resultados satisfatórios no momento oportuno, concluíram pela negação. Fenômenos tão delicados exigem uma observação longa, assídua e perseverante, a fim de se lhes captarem as nuanças, por vezes fugidias. É igualmente em consequência da incompleta observação dos fatos que certas pessoas admitem a clarividência dos sonâmbulos, mas contestam a sua independência. Para eles, sua visão não vai além do pensamento dos que os interrogam. Alguns até chegam a admitir que não há visão, mas simples intuição e transmissão do pensamento, e citam numerosos exemplos em apoio a essas ideias.
Ninguém duvida que o sonâmbulo, captando o pensamento, possa traduzi-lo e por vezes ser-lhe o próprio eco. Também não contestamos que, em certos casos, o pensamento possa influenciá-lo. Admitindo que no fenômeno houvesse apenas isso, já não seria um fato curioso e digno de observação? O problema não é, pois, saber se o sonâmbulo é ou pode ser influenciado por um pensamento estranho, o que não é posto em dúvida, mas se é sempre influenciado, e isto é resultado de experiências.
Se o sonâmbulo nunca diz senão aquilo que sabeis, é incontestável que traduz o vosso pensamento. Mas se, em certos casos, diz aquilo que não sabeis; se contraria a vossa opinião e vossa maneira de ver, torna-se evidente a sua independência e que apenas segue seu próprio impulso. Nesse gênero, um único fato bem caracterizado seria suficiente para provar que a sujeição do sonâmbulo ao pensamento alheio não é coisa absoluta. Ora, há milhares de exemplos, e dentre aqueles que são de nosso conhecimento citaremos os dois seguintes:
O Sr. Marillon, que morava em Bercy, na Rua Charenton, 43, desapareceu em 13 de janeiro último. Foram infrutíferas todas as pesquisas para descobrir traços seus. Nenhuma das pessoas que ele costumava frequentar habitualmente o tinham visto. Nenhum negócio podia motivar uma ausência prolongada. Por outro lado, o seu caráter, a sua posição e o seu estado mental afastavam qualquer ideia de suicídio. Restava a hipótese de que tivesse sido vítima de um crime ou de um acidente. Mas, neste último caso, poderia ter sido facilmente identificado e reconduzido ao seu domicílio ou, pelo menos, levado ao necrotério. Todas as probabilidades apontavam, pois, para um crime. Foi sobre essa ideia que se detiveram, tanto mais por acreditarem que ele havia saído para fazer um pagamento. Mas onde e como teria sido cometido o crime? É o que todos ignoravam. Então sua filha recorreu a uma sonâmbula, a Sra. Roger, que em muitas outras circunstâncias idênticas havia dado provas de uma lucidez notável, que nós mesmos tivemos ocasião de constatar.
A Sra. Roger seguiu o Sr. Marillon desde que ele saiu de casa, às três horas da tarde, até cerca de sete horas da noite, momento em que se dispunha a regressar; viuo descer às margens do Sena, para uma necessidade imperiosa; aí foi acometido de um ataque de apoplexia e, disse ela, vi-o cair sobre uma pedra, abrir uma brecha na fronte, depois rolar para a água. Não houve, pois, nem suicídio, nem crime. Vejo ainda o seu dinheiro e uma chave no bolso do paletó. Indicou o local do acidente, mas declarou que o corpo lá não mais estava, pois tinha sido arrastado pela correnteza; que seria encontrado num determinado lugar.
Realmente isto se deu. Ele tinha a ferida indicada na fronte; a chave e o dinheiro estavam no bolso e a posição das roupas indicava claramente que a sonâmbula não se havia enganado quanto ao motivo que o levara à barranca do rio.
Diante de tantos detalhes, perguntamos onde pode ser encontrada a transmissão de um pensamento qualquer!
Eis outro fato no qual não é menos evidente a independência sonambúlica.
O casal Belhomme, chacareiros em Rueil, na Rua Saint-Denis, 19, tinha uma economia de cerca de 800 a 900 francos. Para maior segurança, a Sra. Belhomme os guardou num armário, do qual uma parte era reservada para as roupas velhas e outra para a roupa nova. Foi neste último que o dinheiro foi colocado. Nesse momento entrou alguém e a Sra. Belhomme apressou-se em fechar o armário. Algum tempo depois, necessitando de dinheiro, estava certa de que o havia posto entre a roupa velha, pois tal havia sido a sua intenção, admitindo que essas tentariam menos os ladrões. Mas, na sua precipitação, com a chegada da visita, o havia posto no outro compartimento. De tal modo estava convencida de havê-lo posto entre os trapos, que nem lhe ocorreu procurar noutro lugar. Achando o lugar vazio e recordando-se da visita, acreditou que tinha sido vista e roubada e, assim persuadida, suas suspeitas recaiam naturalmente sobre o visitante.
Acontece que a Sra. Belhomme conhecia a Srta. Marillon, de quem falamos acima, e lhe contou seu infortúnio. Ela lhe disse como seu pai foi encontrado e aconselhou-a a procurar a mesma sonâmbula, antes de tomar qualquer outra providência. O casal Belhomme procurou a Sra. Roger, convencidos ambos de que tinham sido roubados e na esperança de que lhes fosse indicado o ladrão que, em sua opinião, não podia deixar de ser a visita. Tal era, pois, seu único pensamento.
Ora, depois de minuciosa descrição do local, a sonâmbula lhes disse: “Não fostes roubados; vosso dinheiro está intacto em vosso armário; apenas pensais tê-lo posto entre a roupa velha, quando o pusestes entre a roupa nova. Ide para casa, que o encontrareis”. Foi realmente o que aconteceu.
Relatando estes dois casos, ─ e poderíamos aduzir muitos outros ─ nosso objetivo foi provar que a clarividência sonambúlica nem sempre é reflexo de um pensamento estranho. Assim, o sonâmbulo pode ter uma lucidez própria, absolutamente independente. Disso decorrem consequências de alta significação do ponto de vista psicológico. Aqui temos a chave de mais de um problema que examinaremos ulteriormente, quando tratarmos das relações que existem entre o sonambulismo e o Espiritismo, as quais lançam uma luz inteiramente nova sobre a questão.
Muita gente acreditou, como o faz ainda hoje com as manifestações espíritas, que o sonambulismo pudesse ser experimentado como uma máquina, sem que se levasse em conta as condições especiais do fenômeno. Eis por que, não tendo obtido resultados satisfatórios no momento oportuno, concluíram pela negação. Fenômenos tão delicados exigem uma observação longa, assídua e perseverante, a fim de se lhes captarem as nuanças, por vezes fugidias. É igualmente em consequência da incompleta observação dos fatos que certas pessoas admitem a clarividência dos sonâmbulos, mas contestam a sua independência. Para eles, sua visão não vai além do pensamento dos que os interrogam. Alguns até chegam a admitir que não há visão, mas simples intuição e transmissão do pensamento, e citam numerosos exemplos em apoio a essas ideias.
Ninguém duvida que o sonâmbulo, captando o pensamento, possa traduzi-lo e por vezes ser-lhe o próprio eco. Também não contestamos que, em certos casos, o pensamento possa influenciá-lo. Admitindo que no fenômeno houvesse apenas isso, já não seria um fato curioso e digno de observação? O problema não é, pois, saber se o sonâmbulo é ou pode ser influenciado por um pensamento estranho, o que não é posto em dúvida, mas se é sempre influenciado, e isto é resultado de experiências.
Se o sonâmbulo nunca diz senão aquilo que sabeis, é incontestável que traduz o vosso pensamento. Mas se, em certos casos, diz aquilo que não sabeis; se contraria a vossa opinião e vossa maneira de ver, torna-se evidente a sua independência e que apenas segue seu próprio impulso. Nesse gênero, um único fato bem caracterizado seria suficiente para provar que a sujeição do sonâmbulo ao pensamento alheio não é coisa absoluta. Ora, há milhares de exemplos, e dentre aqueles que são de nosso conhecimento citaremos os dois seguintes:
O Sr. Marillon, que morava em Bercy, na Rua Charenton, 43, desapareceu em 13 de janeiro último. Foram infrutíferas todas as pesquisas para descobrir traços seus. Nenhuma das pessoas que ele costumava frequentar habitualmente o tinham visto. Nenhum negócio podia motivar uma ausência prolongada. Por outro lado, o seu caráter, a sua posição e o seu estado mental afastavam qualquer ideia de suicídio. Restava a hipótese de que tivesse sido vítima de um crime ou de um acidente. Mas, neste último caso, poderia ter sido facilmente identificado e reconduzido ao seu domicílio ou, pelo menos, levado ao necrotério. Todas as probabilidades apontavam, pois, para um crime. Foi sobre essa ideia que se detiveram, tanto mais por acreditarem que ele havia saído para fazer um pagamento. Mas onde e como teria sido cometido o crime? É o que todos ignoravam. Então sua filha recorreu a uma sonâmbula, a Sra. Roger, que em muitas outras circunstâncias idênticas havia dado provas de uma lucidez notável, que nós mesmos tivemos ocasião de constatar.
A Sra. Roger seguiu o Sr. Marillon desde que ele saiu de casa, às três horas da tarde, até cerca de sete horas da noite, momento em que se dispunha a regressar; viuo descer às margens do Sena, para uma necessidade imperiosa; aí foi acometido de um ataque de apoplexia e, disse ela, vi-o cair sobre uma pedra, abrir uma brecha na fronte, depois rolar para a água. Não houve, pois, nem suicídio, nem crime. Vejo ainda o seu dinheiro e uma chave no bolso do paletó. Indicou o local do acidente, mas declarou que o corpo lá não mais estava, pois tinha sido arrastado pela correnteza; que seria encontrado num determinado lugar.
Realmente isto se deu. Ele tinha a ferida indicada na fronte; a chave e o dinheiro estavam no bolso e a posição das roupas indicava claramente que a sonâmbula não se havia enganado quanto ao motivo que o levara à barranca do rio.
Diante de tantos detalhes, perguntamos onde pode ser encontrada a transmissão de um pensamento qualquer!
Eis outro fato no qual não é menos evidente a independência sonambúlica.
O casal Belhomme, chacareiros em Rueil, na Rua Saint-Denis, 19, tinha uma economia de cerca de 800 a 900 francos. Para maior segurança, a Sra. Belhomme os guardou num armário, do qual uma parte era reservada para as roupas velhas e outra para a roupa nova. Foi neste último que o dinheiro foi colocado. Nesse momento entrou alguém e a Sra. Belhomme apressou-se em fechar o armário. Algum tempo depois, necessitando de dinheiro, estava certa de que o havia posto entre a roupa velha, pois tal havia sido a sua intenção, admitindo que essas tentariam menos os ladrões. Mas, na sua precipitação, com a chegada da visita, o havia posto no outro compartimento. De tal modo estava convencida de havê-lo posto entre os trapos, que nem lhe ocorreu procurar noutro lugar. Achando o lugar vazio e recordando-se da visita, acreditou que tinha sido vista e roubada e, assim persuadida, suas suspeitas recaiam naturalmente sobre o visitante.
Acontece que a Sra. Belhomme conhecia a Srta. Marillon, de quem falamos acima, e lhe contou seu infortúnio. Ela lhe disse como seu pai foi encontrado e aconselhou-a a procurar a mesma sonâmbula, antes de tomar qualquer outra providência. O casal Belhomme procurou a Sra. Roger, convencidos ambos de que tinham sido roubados e na esperança de que lhes fosse indicado o ladrão que, em sua opinião, não podia deixar de ser a visita. Tal era, pois, seu único pensamento.
Ora, depois de minuciosa descrição do local, a sonâmbula lhes disse: “Não fostes roubados; vosso dinheiro está intacto em vosso armário; apenas pensais tê-lo posto entre a roupa velha, quando o pusestes entre a roupa nova. Ide para casa, que o encontrareis”. Foi realmente o que aconteceu.
Relatando estes dois casos, ─ e poderíamos aduzir muitos outros ─ nosso objetivo foi provar que a clarividência sonambúlica nem sempre é reflexo de um pensamento estranho. Assim, o sonâmbulo pode ter uma lucidez própria, absolutamente independente. Disso decorrem consequências de alta significação do ponto de vista psicológico. Aqui temos a chave de mais de um problema que examinaremos ulteriormente, quando tratarmos das relações que existem entre o sonambulismo e o Espiritismo, as quais lançam uma luz inteiramente nova sobre a questão.
UMA NOITE ESQUECIDA OU MANUZA, A FEITICEIRA
Milésima segunda noite dos contos árabes
DITADA PELO ESPÍRITO DE FRÉDÉDIC SOULIÉ
PREFÁCIO DO EDITOR
Milésima segunda noite dos contos árabes
DITADA PELO ESPÍRITO DE FRÉDÉDIC SOULIÉ
PREFÁCIO DO EDITOR
No corrente ano de 1856 as experiências de manifestações espíritas, realizadas em casa do Sr. B., à rua Lamartine, atraíram uma seleta e numerosa assistência. Os Espíritos que se comunicavam nesse círculo eram mais ou menos sérios; alguns ali disseram coisas de admirável sabedoria, de uma profundeza notável, como se pode julgar pelo O Lívro dos Espíritos, ali começado e realizado em grande parte. Outros eram menos sérios: seu humor jovial facilmente se prestava a pilhérias, mas pilhérias finas e que jamais se afastavam das conveniências. Neste número estava Frédéric Soulié, que veio livremente e sem convite, mas cujas visitas inesperadas eram sempre um passatempo a todos agradável. Sua conversação era espirituosa, fina, mordente, a propósito e jamais desmentiu o autor das Mémoires du diable; aliás ele jamais se deu importância; e, quando lhe dirigiam perguntas complexas de Filosofia confessava francamente sua insuficiência para as resolver, dizendo-se ainda muito ligado à matéria e que preferia as coisas alegres às sérias.
O médium que lhe servia de intérprete era Srta. Carolina B., uma das filhas do dono da casa, do gênero absolutamente passivo, que não tinha a menor consciência do que escrevia, podendo rir e conversar a torto e a direito, o que fazia de bom grado, enquanto a mão corria sobre o papel. O meio mecânico empregado foi, durante muito tempo a cesta de bico, descrita em o Livro DOS MÉDIUNS. Mais tarde a médium serviu-se da psicografia direta.
Perguntarão que prova temos de que o Espírito comunicante fosse o de Frédéric Soulié e não um outro qualquer. Não é aqui o lugar para tratar da questão de identidade dos Espíritos: diremos somente que a de Soulié se confirmou por mil e um detalhes que não podem escapar a uma observação atenta; muitas vezes uma palavra, um gesto, um fato pessoal referido, vinham confirmar que era ele mesmo; por diversas vezes deixou a sua assinatura, que foi confrontada com as originais. Um dia pediram-lhe o seu retrato e o médium, que não sabe desenhar e que jamais o viu, fez um esboço de uma semelhança impressionante.
Ninguém na reunião tinha tido relações com ele em vida. Por que, então, vinha sem ser chamado? É que se tinha ligado a um dos assistentes sem ter jamais querido revelar o motivo: só aparecia quando esta pessoa se achava presente; entrava com ela e com ela saía; de sorte que quando esta não estava também não vinha e — coisa interessante! — quando ele estava era difícil, senão impossível, haver comunicações de outros Espíritos; o próprio Espírito familiar da casa cedia-lhe o lugar, dizendo que, por delicadeza deveria fazer as honras em sua casa.
Um dia anunciou que nos daria um romance à sua maneira. Realmente, pouco tempo depois começou uma história cujo inicio era muito promissor; o assunto era druídico e a cena se desenrolava na Armórica, ao tempo do domínio romano. Infelizmente parece que se apavorou ante a tarefa empreendida, pois, força é confessá-lo, o seu forte não eram os trabalhos assíduos e ele mesmo se achava muito bem na vida preguiçosa. Depois de ditadas algumas páginas, parou o romance, mas disse que escreveria um outro, o qual lhe daria menos trabalho. Foi então que escreveu o conto cuja publicação iniciamos, Mais de trinta pessoas assistiram a essa produção e podem atestar-lhe a origem. Não a damos como uma obra de alto valor filosófico, mas como mostra original de um trabalho de fôlego obtido dos Espíritos.
Notar-se-á como tudo é urdido, como tudo se encadeia com uma arte admirável, O que há de mais extraordinário é que o tema foi retomado em cinco ou seis ocasiões diferentes e por vezes após interrupções de duas ou três semanas. Ora, em cada reinicio o assunto continuava como se tivesse sido escrito de um jacto, sem rasuras ou entrelinhas e sem que houvesse necessidade de recordar o que já fora dito. Damo-lo tal qual saiu do lápis do médium, sem ter mudado coisa alguma — nem no estilo, nem nas ideias, nem no encadeamento dos fatos. Algumas repetições de palavras ou pecadilhos ortográficos foram notados; então Soulié nos encarregou, em pessoa, de os corrigir, dizendo que nos assistiria no caso. Quando tudo estava terminado, ele quis rever o conjunto, ao qual fez alguns retoques sem importância e autorizou a publicá-lo como quiséssemos, abrindo mão, dizia ele, de boa vontade dos seus direitos autorais. Contudo, julgamos melhor não inseri-lo na Revista sem o consentimento formal de seu amigo póstumo, a quem pertence de direito, pois que é por sua presença e sua solicitação que agradecemos esta produção de além-túmulo. O título foi dado pelo próprio espírito de Frédéric Soulié. A. K.
O médium que lhe servia de intérprete era Srta. Carolina B., uma das filhas do dono da casa, do gênero absolutamente passivo, que não tinha a menor consciência do que escrevia, podendo rir e conversar a torto e a direito, o que fazia de bom grado, enquanto a mão corria sobre o papel. O meio mecânico empregado foi, durante muito tempo a cesta de bico, descrita em o Livro DOS MÉDIUNS. Mais tarde a médium serviu-se da psicografia direta.
Perguntarão que prova temos de que o Espírito comunicante fosse o de Frédéric Soulié e não um outro qualquer. Não é aqui o lugar para tratar da questão de identidade dos Espíritos: diremos somente que a de Soulié se confirmou por mil e um detalhes que não podem escapar a uma observação atenta; muitas vezes uma palavra, um gesto, um fato pessoal referido, vinham confirmar que era ele mesmo; por diversas vezes deixou a sua assinatura, que foi confrontada com as originais. Um dia pediram-lhe o seu retrato e o médium, que não sabe desenhar e que jamais o viu, fez um esboço de uma semelhança impressionante.
Ninguém na reunião tinha tido relações com ele em vida. Por que, então, vinha sem ser chamado? É que se tinha ligado a um dos assistentes sem ter jamais querido revelar o motivo: só aparecia quando esta pessoa se achava presente; entrava com ela e com ela saía; de sorte que quando esta não estava também não vinha e — coisa interessante! — quando ele estava era difícil, senão impossível, haver comunicações de outros Espíritos; o próprio Espírito familiar da casa cedia-lhe o lugar, dizendo que, por delicadeza deveria fazer as honras em sua casa.
Um dia anunciou que nos daria um romance à sua maneira. Realmente, pouco tempo depois começou uma história cujo inicio era muito promissor; o assunto era druídico e a cena se desenrolava na Armórica, ao tempo do domínio romano. Infelizmente parece que se apavorou ante a tarefa empreendida, pois, força é confessá-lo, o seu forte não eram os trabalhos assíduos e ele mesmo se achava muito bem na vida preguiçosa. Depois de ditadas algumas páginas, parou o romance, mas disse que escreveria um outro, o qual lhe daria menos trabalho. Foi então que escreveu o conto cuja publicação iniciamos, Mais de trinta pessoas assistiram a essa produção e podem atestar-lhe a origem. Não a damos como uma obra de alto valor filosófico, mas como mostra original de um trabalho de fôlego obtido dos Espíritos.
Notar-se-á como tudo é urdido, como tudo se encadeia com uma arte admirável, O que há de mais extraordinário é que o tema foi retomado em cinco ou seis ocasiões diferentes e por vezes após interrupções de duas ou três semanas. Ora, em cada reinicio o assunto continuava como se tivesse sido escrito de um jacto, sem rasuras ou entrelinhas e sem que houvesse necessidade de recordar o que já fora dito. Damo-lo tal qual saiu do lápis do médium, sem ter mudado coisa alguma — nem no estilo, nem nas ideias, nem no encadeamento dos fatos. Algumas repetições de palavras ou pecadilhos ortográficos foram notados; então Soulié nos encarregou, em pessoa, de os corrigir, dizendo que nos assistiria no caso. Quando tudo estava terminado, ele quis rever o conjunto, ao qual fez alguns retoques sem importância e autorizou a publicá-lo como quiséssemos, abrindo mão, dizia ele, de boa vontade dos seus direitos autorais. Contudo, julgamos melhor não inseri-lo na Revista sem o consentimento formal de seu amigo póstumo, a quem pertence de direito, pois que é por sua presença e sua solicitação que agradecemos esta produção de além-túmulo. O título foi dado pelo próprio espírito de Frédéric Soulié. A. K.
UMA NOITE ESQUECIDA
I
I
Havia em Bagdá uma mulher do tempo de Aladim. Vou contar a sua história.
Num dos bairros de Bagdá, não longe do palácio da sultana Sheherazade, morava uma velha chamada Manuza. Essa velha senhora era motivo de horror em toda a cidade, pois era feiticeira e das mais terríveis. À noite, em sua casa, passavam-se coisas tão espantosas que, assim que o sol se punha, ninguém se aventurava a passar por sua porta, salvo algum amante à procura de um filtro para sua amante rebelde, ou alguma mulher abandonada em busca de um bálsamo para pôr na ferida que, ao abandoná-la, lhe havia feito o amante.
Certo dia em que o sultão estava mais triste do que de costume e em que a cidade era presa de grande desolação, porque ele queria mandar matar a sultana favorita e que, por seu exemplo, todos os maridos eram infiéis, um jovem saiu de seu solar magnífico, situado ao lado do palácio da sultana. Vestia o moço uma túnica e um turbante de cores sombrias, mas sob esses hábitos simples apresentava um ar de grande distinção. Ele procurava ocultar-se ao longo das casas, como um ladrão ou como um amante que teme ser surpreendido. Dirigia-se para os lados da casa de Manuza, a feiticeira. Uma grande ansiedade estava estampada em seu rosto, que denunciava a preocupação que o agitava. Atravessou as ruas e praças rapidamente, embora com muitas precauções.
Chegando junto à porta, hesitou por uns instantes, depois resolveu bater. Durante um quarto de hora sofreu uma angústia mortal, pois ouvia barulhos que o ouvido humano jamais escutara: uma matilha de cães latindo ferozmente; gritos lamentosos e cantos de homens e mulheres ao final de uma orgia e, para iluminar todo esse tumulto, luzes corriam de alto a baixo da casa, como fogos fátuos de todas as cores. Depois, como que por encanto, tudo cessou. As luzes se extinguiram e a porta se abriu.
Num dos bairros de Bagdá, não longe do palácio da sultana Sheherazade, morava uma velha chamada Manuza. Essa velha senhora era motivo de horror em toda a cidade, pois era feiticeira e das mais terríveis. À noite, em sua casa, passavam-se coisas tão espantosas que, assim que o sol se punha, ninguém se aventurava a passar por sua porta, salvo algum amante à procura de um filtro para sua amante rebelde, ou alguma mulher abandonada em busca de um bálsamo para pôr na ferida que, ao abandoná-la, lhe havia feito o amante.
Certo dia em que o sultão estava mais triste do que de costume e em que a cidade era presa de grande desolação, porque ele queria mandar matar a sultana favorita e que, por seu exemplo, todos os maridos eram infiéis, um jovem saiu de seu solar magnífico, situado ao lado do palácio da sultana. Vestia o moço uma túnica e um turbante de cores sombrias, mas sob esses hábitos simples apresentava um ar de grande distinção. Ele procurava ocultar-se ao longo das casas, como um ladrão ou como um amante que teme ser surpreendido. Dirigia-se para os lados da casa de Manuza, a feiticeira. Uma grande ansiedade estava estampada em seu rosto, que denunciava a preocupação que o agitava. Atravessou as ruas e praças rapidamente, embora com muitas precauções.
Chegando junto à porta, hesitou por uns instantes, depois resolveu bater. Durante um quarto de hora sofreu uma angústia mortal, pois ouvia barulhos que o ouvido humano jamais escutara: uma matilha de cães latindo ferozmente; gritos lamentosos e cantos de homens e mulheres ao final de uma orgia e, para iluminar todo esse tumulto, luzes corriam de alto a baixo da casa, como fogos fátuos de todas as cores. Depois, como que por encanto, tudo cessou. As luzes se extinguiram e a porta se abriu.
II
O visitante hesitou por um momento, sem saber se devia entrar no sombrio corredor que se estirava aos seus olhos. Por fim, armando-se de coragem, penetrou ousadamente. Depois de haver dado uns trinta passos tateando, encontrou-se em frente a uma porta que dava para uma sala apenas iluminada por uma lâmpada de cobre de três bicos, pendente do centro do teto.
A casa que, a julgar pelo barulho que ouvira da rua, deveria ser habitada por muita gente, tinha agora um ar deserto. A sala imensa, que por sua construção devia ser a base do edifício, estava vazia, se excetuarmos os animais empalhados de toda espécie que a guarneciam.
No meio da sala havia uma pequena mesa coberta de livros de magia e diante da mesa, numa grande poltrona, estava assentada uma velhinha de apenas dois côvados de altura, de tal modo envolvida entre xales e turbantes que mal se divisavam os seus traços. À aproximação do estranho, levantou a cabeça e mostrou a seus olhos o mais terrível rosto que se possa imaginar.
─ Aqui estás, senhor Nuredin, ─ disse ela fixando uns olhos de hiena sobre o jovem que acabava de entrar. ─ Aproxima-te! Há vários dias que o meu crocodilo de olhos de rubi anunciou-me a tua visita. Dize-me se é filtro que te falta ou se é uma fortuna. Mas, que digo eu? Uma fortuna! A tua não causa inveja ao próprio sultão? Não és o mais rico, assim como és o mais belo? Provavelmente é um filtro que vens procurar. Qual é, pois, a mulher que ousa ser cruel para contigo? Enfim, nada devo dizer. Nada sei. Estou pronta a escutar-te as penas e a te dar os necessários remédios, desde que minha ciência tenha o poder de te ser útil. Mas por que me olhas assim e não te adiantas? Tens medo? Porventura causo-te pavor? Vês-me assim, mas outrora fui bela; a mais bela de todas as mulheres então existentes em Bagdá. Foram os sofrimentos que me tornaram tão feia. Mas em que te interessam os meus sofrimentos? Aproxima-te, que eu te escuto. Apenas não te posso conceder mais que dez minutos, portanto, avia-te!
Nuredin não se sentia seguro. Contudo, não querendo mostrar aos olhos da velha a perturbação que o agitava, avançou e lhe disse:
─ Mulher, venho por uma coisa séria. De tua resposta depende a sorte de minha vida. Vais decidir da minha felicidade ou da minha morte. Trata-se do seguinte:
“O sultão quer mandar matar Nazara, e eu a amo. Vou contar-te de onde vem este amor e venho pedir-te forneças o remédio não à minha dor, mas à sua posição infeliz, pois não quero que ela morra. Sabes que meu palácio é vizinho ao palácio do Sultão, e que os nossos jardins se limitam. Há cerca de seis luas, uma noite eu passeava nesses jardins e ouvi uma música encantadora acompanhando a mais deliciosa voz feminina que jamais ouvi. Desejando saber de onde provinha, aproximei-me do jardim vizinho e verifiquei que era de um caramanchão de verdura, ocupado pela sultana favorita.
“Fiquei vários dias absorvido por aqueles sons melodiosos. Dia e noite sonhava com a bela desconhecida, cuja voz me havia seduzido, pois, devo dizer-te, em minha mente ela não podia deixar de ser bela. Todas as noites eu passeava nas mesmas aleias onde tinha ouvido aquela encantadora harmonia. Durante cinco dias, tudo foi em vão. Enfim, no sexto dia, ouvi a música novamente. Então, não podendo mais me conter, aproximei-me do muro e vi que com pouco esforço o escalaria. Após alguns momentos de hesitação, tomei uma importante decisão: passei do meu para o jardim vizinho.
“Aí vi, não uma mulher, mas uma huri, a huri favorita de Maomé, enfim, uma maravilha! À minha vista ela espantou-se muito pouco, mas, lançando-me aos seus pés, concitei-a a não ter receios e a me escutar. Disse-lhe que seu canto me havia atraído e lhe assegurei que minhas atitudes seriam profundamente respeitosas. Ela teve a bondade de ouvir-me.
“Passamos a primeira noite a falar de música. Também cantei e ofereci-me para acompanhá-la. Ela consentiu e marcamos um encontro para o dia seguinte, à mesma hora.
“Então ela estava mais tranquila. O sultão estava em seu conselho e a vigilância era menor. As duas ou três primeiras noites foram inteiramente dedicadas à música. Mas a música é a voz dos amantes e, desde o quarto dia, não mais éramos estranhos um ao outro. Nós nos amávamos. Como era bela! Como era bela também a sua alma! Muitas vezes projetamos a fuga. Ah! Por que não a realizamos? Eu seria menos infeliz e ela não estaria prestes a sucumbir. Essa bela flor não estaria a ponto de ser cortada pela foice que irá arrebatá-la à luz.
A casa que, a julgar pelo barulho que ouvira da rua, deveria ser habitada por muita gente, tinha agora um ar deserto. A sala imensa, que por sua construção devia ser a base do edifício, estava vazia, se excetuarmos os animais empalhados de toda espécie que a guarneciam.
No meio da sala havia uma pequena mesa coberta de livros de magia e diante da mesa, numa grande poltrona, estava assentada uma velhinha de apenas dois côvados de altura, de tal modo envolvida entre xales e turbantes que mal se divisavam os seus traços. À aproximação do estranho, levantou a cabeça e mostrou a seus olhos o mais terrível rosto que se possa imaginar.
─ Aqui estás, senhor Nuredin, ─ disse ela fixando uns olhos de hiena sobre o jovem que acabava de entrar. ─ Aproxima-te! Há vários dias que o meu crocodilo de olhos de rubi anunciou-me a tua visita. Dize-me se é filtro que te falta ou se é uma fortuna. Mas, que digo eu? Uma fortuna! A tua não causa inveja ao próprio sultão? Não és o mais rico, assim como és o mais belo? Provavelmente é um filtro que vens procurar. Qual é, pois, a mulher que ousa ser cruel para contigo? Enfim, nada devo dizer. Nada sei. Estou pronta a escutar-te as penas e a te dar os necessários remédios, desde que minha ciência tenha o poder de te ser útil. Mas por que me olhas assim e não te adiantas? Tens medo? Porventura causo-te pavor? Vês-me assim, mas outrora fui bela; a mais bela de todas as mulheres então existentes em Bagdá. Foram os sofrimentos que me tornaram tão feia. Mas em que te interessam os meus sofrimentos? Aproxima-te, que eu te escuto. Apenas não te posso conceder mais que dez minutos, portanto, avia-te!
Nuredin não se sentia seguro. Contudo, não querendo mostrar aos olhos da velha a perturbação que o agitava, avançou e lhe disse:
─ Mulher, venho por uma coisa séria. De tua resposta depende a sorte de minha vida. Vais decidir da minha felicidade ou da minha morte. Trata-se do seguinte:
“O sultão quer mandar matar Nazara, e eu a amo. Vou contar-te de onde vem este amor e venho pedir-te forneças o remédio não à minha dor, mas à sua posição infeliz, pois não quero que ela morra. Sabes que meu palácio é vizinho ao palácio do Sultão, e que os nossos jardins se limitam. Há cerca de seis luas, uma noite eu passeava nesses jardins e ouvi uma música encantadora acompanhando a mais deliciosa voz feminina que jamais ouvi. Desejando saber de onde provinha, aproximei-me do jardim vizinho e verifiquei que era de um caramanchão de verdura, ocupado pela sultana favorita.
“Fiquei vários dias absorvido por aqueles sons melodiosos. Dia e noite sonhava com a bela desconhecida, cuja voz me havia seduzido, pois, devo dizer-te, em minha mente ela não podia deixar de ser bela. Todas as noites eu passeava nas mesmas aleias onde tinha ouvido aquela encantadora harmonia. Durante cinco dias, tudo foi em vão. Enfim, no sexto dia, ouvi a música novamente. Então, não podendo mais me conter, aproximei-me do muro e vi que com pouco esforço o escalaria. Após alguns momentos de hesitação, tomei uma importante decisão: passei do meu para o jardim vizinho.
“Aí vi, não uma mulher, mas uma huri, a huri favorita de Maomé, enfim, uma maravilha! À minha vista ela espantou-se muito pouco, mas, lançando-me aos seus pés, concitei-a a não ter receios e a me escutar. Disse-lhe que seu canto me havia atraído e lhe assegurei que minhas atitudes seriam profundamente respeitosas. Ela teve a bondade de ouvir-me.
“Passamos a primeira noite a falar de música. Também cantei e ofereci-me para acompanhá-la. Ela consentiu e marcamos um encontro para o dia seguinte, à mesma hora.
“Então ela estava mais tranquila. O sultão estava em seu conselho e a vigilância era menor. As duas ou três primeiras noites foram inteiramente dedicadas à música. Mas a música é a voz dos amantes e, desde o quarto dia, não mais éramos estranhos um ao outro. Nós nos amávamos. Como era bela! Como era bela também a sua alma! Muitas vezes projetamos a fuga. Ah! Por que não a realizamos? Eu seria menos infeliz e ela não estaria prestes a sucumbir. Essa bela flor não estaria a ponto de ser cortada pela foice que irá arrebatá-la à luz.
(Continua no próximo número).
O GENERAL MARCEAU
A Gazette de Cologne publica a seguinte história, que lhe é remetida por seu correspondente em Coblença, e que é atualmente tema obrigatório em todas as conversas. O fato é relatado pelo Patrie de l0 de outubro de 1858.
“Sabe-se que abaixo do Forte do Imperador Francisco, perto da estrada de Colônia, encontra-se o monumento do general francês Marceau, que tombou em Altenkirchen e foi sepultado em Coblença, no Monte São Pedro, onde se acha a parte principal do forte. O monumento do general, que é uma pirâmide truncada, foi mais tarde removido, quando começaram a fortificação de Coblença. Contudo, por ordem expressa do falecido rei Frederico III, ele foi reconstruído no local onde se encontra atualmente.
“O Sr. de Stramberg, que em seu Reinischen antiquarius dá uma biografia muito detalhada de Marceau, conta que muitas pessoas alegam ter visto à noite, e por várias vezes, o general montado num cavalo, com o seu manto branco dos caçadores franceses.
“Já de algum tempo dizia-se em Coblença que Marceau saía do túmulo e muitas pessoas garantiam tê-lo visto. Há alguns dias, um soldado que dava sentinela no Petersberg (Monte São Pedro), viu aproximar-se um cavaleiro branco, cavalgando um ginete branco. Ele gritou: “Quem vem lá?” Não tendo recebido resposta a três interpelações, atirou e caiu sem sentidos.
“Ouvindo o estampido, uma patrulha correu e encontrou o sentinela desacordado. Levado ao hospital, onde ficou gravemente doente, pôde, entretanto, fazer o relato do que havia visto. Diz uma outra versão que o soldado morreu em consequência da aventura. Eis a história tal qual pode ser atestada por toda a cidade de Coblença”.
ALLAN KARDEC[1]
“Sabe-se que abaixo do Forte do Imperador Francisco, perto da estrada de Colônia, encontra-se o monumento do general francês Marceau, que tombou em Altenkirchen e foi sepultado em Coblença, no Monte São Pedro, onde se acha a parte principal do forte. O monumento do general, que é uma pirâmide truncada, foi mais tarde removido, quando começaram a fortificação de Coblença. Contudo, por ordem expressa do falecido rei Frederico III, ele foi reconstruído no local onde se encontra atualmente.
“O Sr. de Stramberg, que em seu Reinischen antiquarius dá uma biografia muito detalhada de Marceau, conta que muitas pessoas alegam ter visto à noite, e por várias vezes, o general montado num cavalo, com o seu manto branco dos caçadores franceses.
“Já de algum tempo dizia-se em Coblença que Marceau saía do túmulo e muitas pessoas garantiam tê-lo visto. Há alguns dias, um soldado que dava sentinela no Petersberg (Monte São Pedro), viu aproximar-se um cavaleiro branco, cavalgando um ginete branco. Ele gritou: “Quem vem lá?” Não tendo recebido resposta a três interpelações, atirou e caiu sem sentidos.
“Ouvindo o estampido, uma patrulha correu e encontrou o sentinela desacordado. Levado ao hospital, onde ficou gravemente doente, pôde, entretanto, fazer o relato do que havia visto. Diz uma outra versão que o soldado morreu em consequência da aventura. Eis a história tal qual pode ser atestada por toda a cidade de Coblença”.
ALLAN KARDEC[1]
[1] Paris. Tipografia de Cosson & Cia. Rua do Four-Saint-Germain, 43.