Julho
DISSERTAÇÃO MORAL DITADA PELO ESPÍRITO DE SÃO LUÍS AO SR. D...─ Poderíeis dissipar minhas dúvidas, minha inquietação, relativamente à minha faculdade mediúnica, escrevendo por meu intermédio a dissertação que prometestes à Sociedade para terça-feira 1º de junho?
─ Sim. Fá-lo-ei de bom grado, para te tranquilizar.
Então foi ditado o trecho adiante. Salientamos que o Sr. D... se dirigia a São Luís com o coração puro e sincero, sem segundas intenções, condição indispensável a toda boa comunicação. Não era uma prova que fazia. Apenas duvidava de si mesmo e Deus permitiu que fosse atendido, para lhe dar meios de tornar-se útil. Hoje, o Sr. D... é um dos médiuns mais completos, não só pela grande facilidade de atuação, como por sua aptidão em servir de intérprete a todos os Espíritos, mesmo os das mais elevadas categorias, os quais por seu intermédio se exprimem facilmente e de boa vontade.
São essas, sobretudo, as qualidades que devemos procurar nos médiuns e que podem sempre ser adquiridas com paciência, vontade e exercício. O Sr. D... não necessitou de muita paciência; dispunha da vontade e do fervor, aliados à aptidão natural. Poucos dias bastaram para levar sua faculdade ao mais alto grau. Eis o ditado que recebeu sobre a inveja:
“Vede este homem. Seu Espírito está inquieto, sua infelicidade terrena chega ao auge: inveja o ouro, o luxo, a felicidade aparente ou fictícia de seus semelhantes; seu coração está devastado, sua alma surdamente consumida por essa luta incessante do orgulho, da vaidade não satisfeita. Ele carrega consigo, em todos os instantes de sua miserável existência, uma serpente que alimenta e que lhe sugere incessantemente os mais fatais pensamentos: “Terei essa volúpia, essa felicidade? Tenho tanto direito a isto quanto aqueles; sou um homem como eles, por que seria eu deserdado?”
Ele se debate na sua impotência, vítima do horrível suplício da inveja, feliz ainda se essas ideias funestas não o levam às bordas de um abismo. Entrando nessa via, a si mesmo pergunta se não deve obter pela violência aquilo que julga ser-lhe devido; se não irá expor aos olhos de todos o terrível mal que o devora. Se esse infeliz tivesse olhado somente para baixo de sua posição, teria visto a quantidade daqueles que sofrem sem um lamento e ainda bendizem o Criador, porque a desgraça é um benefício de que Deus se serve para fazer a pobre criatura avançar até o seu trono eterno.
Fazei das obras de caridade e de submissão, as únicas que vos podem dar entrada no seio de Deus, a vossa felicidade e o vosso verdadeiro tesouro na Terra. Essas obras no bem farão a vossa alegria e a vossa felicidade eternas. A inveja é uma das mais feias e tristes misérias do vosso globo. A caridade e a constante emissão da fé extirparão todos esses males, que desaparecerão, um a um, à medida que se multiplicarem os homens de boa vontade que virão depois de vós. Amém.”
UMA NOVA DESCOBERTA FOTOGRÁFICA
Vários jornais relataram o fato seguinte:
“O Sr. Badet, falecido a 12 de novembro último, após uma enfermidade de três meses, costumava, segundo o Union Bourguignonne, de Dijon, toda vez que lhe permitiam as forças, postar-se a uma janela do primeiro andar, com a face constantemente voltada para a rua, distraindo-se em ver os transeuntes. Há alguns dias a Sra. Peltret, cuja casa fica em frente à da Viúva Badet, percebeu numa vidraça da janela o próprio Sr. Badet, com seu boné de algodão, seu rosto emagrecido etc., enfim tal qual o vira durante a doença. Grande foi sua emoção, para não dizer mais nada.
“Não só chamou os vizinhos, cujo testemunho poderia ser suspeito, mas ainda homens respeitáveis, os quais viram mui distintamente a figura do Sr. Badet no vidro da janela à qual costumava ficar. Mostraram essa imagem à família do defunto, que imediatamente deu sumiço no vidro.
“Ficou todavia comprovado que no vidro estava reproduzida a imagem do doente, como que daguerreotipada, fenômeno só explicável se do lado oposto da janela houvesse uma outra, por onde os raios solares pudessem ter chegado ao Sr. Badet. Mas não existe tal janela. O quarto possui apenas uma. Esta a verdade nua e crua sobre esse caso admirável, cuja explicação deve ser pedida aos sábios.”
Confessamos que, ao ler a notícia, nosso primeiro impulso foi o de considerá-la vulgar, como se faz com as notícias apócrifas. A ela não ligamos a menor importância. Poucos dias depois, o Sr. Jobard, de Bruxelas assim nos escrevia:
“À leitura do fato que se segue” (o que acabamos de referir), “passado em minha terra e com um de meus parentes, dei de ombros ao ver o jornal que o relata remeter aos sábios a sua aplicação e ver que essa boa família retirara a vidraça, através da qual Badet olhava os transeuntes. Evoquem-no, para ver o que ele pensa.”
Esta confirmação do fato por um homem do caráter do Sr. Jobard, cujos méritos e honorabilidade todo mundo reconhece, e a circunstância especial de ser o herói um de seus parentes, não nos poderiam deixar dúvidas quanto à veracidade. Em consequência disto evocamos o Sr. Badet na sessão da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, a 15 de junho de 1858, terça-feira. Eis as explicações obtidas:
1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso permitir que venha comunicar-se conosco o Espírito do Sr. Badet, falecido em Dijon, a 11 de novembro último.
─ Eis-me aqui.
2. ─ É verdadeiro o fato que vos concerne e que acabamos de relembrar?
─ Sim, é verdadeiro.
3. ─ Poderíeis dar-nos a sua explicação?
─ Existem agentes físicos que são ainda desconhecidos, mas que mais tarde tornar-se-ão comuns. É um fenômeno muito simples, semelhante a uma fotografia produzida por forças que ainda não descobristes.
4. ─ Poderíeis, por vossas explicações, precipitar essa descoberta?
─ Eu gostaria, mas isto é tarefa de outros Espíritos e trabalho humano.
5. ─ Poderíeis reproduzir outra vez o mesmo fenômeno?
─ Não fui eu quem o produziu. Foram as condições físicas, independentes de mim.
6. ─ Por vontade de quem e com que objetivo produziu-se o fato?
─ Produziu-se quando eu era vivo, e independentemente de minha vontade. Um estado particular da atmosfera o revelou depois.
Tendo-se estabelecido uma discussão entre os assistentes, relativamente às causas prováveis do fenômeno, e emitidas várias opiniões sem que ao Espírito tivessem sido feitas outras perguntas, disse esse espontaneamente:
─ E não levais em conta a eletricidade e a galvanoplastia, que agem também sobre o perispírito?
7. ─ Ultimamente disseram-nos que os Espíritos não têm olhos. Ora, se essa imagem é a reprodução do perispírito, como foi possível reproduzir os órgãos da visão?
─ O perispírito não é o Espírito. A aparência, ou perispírito, tem olhos, mas o Espírito não tem. Bem que eu vos disse, falando do perispírito, que eu estava vivo.
OBSERVAÇÃO: Enquanto esperamos que essa nova descoberta seja feita, dar-lhe-emos o nome provisório de fotografia espontânea. Todo mundo lamentará que, por um sentimento difícil de compreender, hajam destruído o vidro sobre o qual se havia reproduzido a imagem do Sr. Badet. Tão curioso monumento teria facilitado as pesquisas e as observações para o adequado estudo da questão. Talvez tivessem visto nessa imagem uma arte do diabo. Em todo caso, se de alguma sorte o diabo está metido nisso, é seguramente na destruição do vidro, porque ele é inimigo do progresso.
Como se sabe, o perispírito é o envoltório semimaterial do Espírito. Não é apenas depois da morte que dele está revestido o Espírito; durante a vida está unido ao corpo; é o laço entre o corpo e o Espírito. A morte é apenas a destruição do envoltório mais grosseiro; o Espírito conserva o segundo, que mantém a aparência do primeiro, como se essa lhe guardasse a imagem. Geralmente o perispírito é invisível, entretanto, em certas circunstâncias, condensa-se e, combinando-se com outros fluidos, torna-se perceptível à vista e por vezes até mesmo tangível. É o que se vê nas aparições.
Sejam quais forem a sutileza e a imponderabilidade do perispírito, não deixa de ser uma espécie de matéria, cujas propriedades físicas ainda nos são desconhecidas. Uma vez que é matéria, pode agir sobre a matéria. Essa ação é patente nos fenômenos magnéticos. Ela revelou-se nos corpos inertes pela impressão que a imagem do Sr. Badet deixou no vidro. Tal impressão se deu enquanto ele estava vivo; conservou-se depois de sua morte, mas era invisível. Ao que parece, foi necessária a ação fortuita de um agente desconhecido, provavelmente atmosférico, para torná-la aparente.
Que há nisso de admirável?
Não se sabe que podemos, à vontade, fazer aparecer e desaparecer a imagem daguerreotipada?
Citamos isso como comparação, sem pretendermos estabelecer similitude de processos. Assim, teria sido o perispírito que, exteriorizando-se do corpo do Sr. Badet, teria lentamente, e sob o império de circunstâncias desconhecidas, exercido uma verdadeira ação química sobre a substância vítrea, análoga à da luz. Incontestavelmente a luz e a eletricidade devem representar um grande papel nesse fenômeno. Resta saber quais são os agentes e as circunstâncias. É o que provavelmente saberemos mais tarde, e não será essa uma das menos curiosas descobertas dos tempos modernos.
Se é um fenômeno natural, dirão aqueles que tudo negam, por que é a primeira vez que se produz? Nós lhes perguntamos, por nossa vez, por que as imagens daguerreotipadas só se fixaram depois de Daguerre, de vez que nem foi ele quem inventou a luz, nem as placas de cobre, nem a prata, nem os cloretos? Há muito tempo se conhecem os efeitos da câmara escura. Uma circunstância casual revelou o caminho para a fixação, depois, auxiliados pela genialidade, passo a passo, chegamos às obras-primas que hoje vemos. Provavelmente dar-se-á o mesmo com o estranho fenômeno que acaba de manifestar-se. Quem sabe se ele já não se produziu e passou despercebido, por falta de um observador atento?
A reprodução de uma imagem sobre um vidro é um fato comum, mas a fixação dessa imagem em condições diferentes daquelas da fotografia; o estado latente dessa imagem; depois a sua reaparição, eis o que deve ser marcado nos fastos da Ciência.
Se cremos nos Espíritos, devemos esperar muitas outras maravilhas, algumas das quais nos são indicadas por eles. Honra, pois, aos sábios suficientemente modestos para não julgarem que a Natureza lhes haja virado a última página de seu livro.
Se esse fenômeno se produziu uma vez, é possível repetir-se. É, possivelmente, o que se dará quando lhe possuirmos a chave. Enquanto esperamos, eis o que contava um dos membros da Sociedade na sessão a que nos referimos:
“Eu morava em Montrouge. Era verão e o sol dardejava pela janela. Na mesa havia uma botelha cheia d’água, sobre uma esteira de palha. De repente a palha pegou fogo. Se ninguém ali estivesse, poderia ter-se dado um incêndio, sem que se lhe soubesse a causa. Experimentei centenas de vezes produzir o mesmo efeito e jamais o consegui.”
A causa física da combustão é bem conhecida: a botelha produziu o efeito de um vidro ardente. Mas por que não se pode repetir a experiência? É que, independentemente da botelha e da água, houve o concurso de circunstâncias que agiam de modo excepcional, concentrando os raios solares: talvez o estado da atmosfera, dos vapores, as qualidades da água, a eletricidade, etc., e tudo isso, provavelmente, em certas proporções adequadas. Daí a dificuldade de se repetir exatamente as mesmas condições e a inutilidade das tentativas para produzir um efeito semelhante. Eis, pois, um fenômeno inteiramente do domínio da Física, cujo princípio conhecemos, mas que não podemos repetir à vontade.
Ocorrerá ao mais endurecido céptico negar o fato? Certamente, não. Por que, então, os mesmos cépticos negam a realidade dos fenômenos espíritas ─ falamos das manifestações em geral ─ pelo fato de não poderem manipulá-las à vontade? Não admitir que fora do conhecido possa haver agentes novos, regidos por leis especiais; negar esses agentes pelo fato de não obedecerem a leis que conhecemos é, em verdade, dar prova de pouca lógica e mostrar um espírito estreito.
Voltemos à imagem do Sr. Badet. Como o nosso colega da botelha, far-se-ão certamente numerosos ensaios infrutíferos, antes de obter qualquer êxito, até que um acaso feliz ou o esforço de um gênio poderoso possa dar a chave do mistério. Então isto se tornará, provavelmente, uma nova arte, com a qual a indústria se enriquecerá. Podemos ouvir desde já numerosas pessoas dizerem: Mas há um meio muito simples de arranjar esta chave. Por que não a pedem aos Espíritos?
É então o caso de acentuar um erro em que caem muitos dos que julgam a ciência espírita sem conhecê-la. Inicialmente lembremos o princípio fundamental de que todos os Espíritos estão longe de saber tudo, como outrora se pensava.
A escala espírita nos dá a medida de sua capacidade e de sua moralidade, e a experiência diariamente confirma as nossas observações a respeito. Os Espíritos, pois, nem tudo sabem, e alguns há que, em todos os sentidos, são muito inferiores a certos homens. Eis o que não se deve perder de vista.
O Espírito do Sr. Badet, autor involuntário do fenômeno que nos ocupa, revela, por suas respostas, uma certa elevação, mas não uma grande superioridade. Ele próprio se reconhece inábil para dar uma explicação completa. Diz ele: “Isto é obra de outros Espíritos e do trabalho humano”. Estas palavras constituem todo um ensinamento. Com efeito, seria demasiado cômodo não precisar mais do que perguntar aos Espíritos, para termos as mais maravilhosas descobertas. Onde, pois, estaria o mérito dos inventores se mão oculta lhes viesse preparar a tarefa e poupar o trabalho de pesquisa? Sem dúvida não faltaria pessoa sem escrúpulos para tirar no próprio nome uma patente de invenção, sem mencionar o verdadeiro inventor. Acrescente-se que semelhantes perguntas são sempre feitas visando interesses e na esperança de fortuna fácil, coisas estas que constituem péssima recomendação junto aos bons Espíritos. Esses, aliás, não se sujeitam jamais a servir de instrumentos para o tráfico.
O homem deve ter a sua iniciativa, sem o que se reduz à condição de máquina. Ele deve aperfeiçoar-se pelo trabalho. Esta é uma das condições de sua existência terrena. Também é necessário que cada coisa venha a seu tempo e pelos meios que a Deus agrada empregar. Os Espíritos não podem torcer os caminhos da Providência. Querer forçar a ordem estabelecida é pôr-se à mercê de Espíritos zombadores, que lisonjeiam a ambição, a cupidez, a vaidade, para depois se rirem das decepções que causam. De natureza muito pouco escrupulosa, eles dizem tudo o que a gente quer; dão todas as receitas que lhes pedem e, se necessário, as justificarão com fórmulas científicas, mesmo que elas não tenham mais valor que as receitas dos charlatães.
Desiludam-se aqueles que acreditavam que os Espíritos lhes abririam minas de ouro. A missão deles é mais séria. “Trabalhai, esforçai-vos! Eis na realidade o que vos falta”, disse um célebre moralista, do qual mostraremos em breve uma notável conversa de além-túmulo.
A essa máxima sábia, acrescenta a Doutrina Espírita: É a esses que os Espíritos sérios vêm ajudar pelas ideias que lhes sugerem ou por conselhos diretos e não aos preguiçosos que querem gozar sem fazer nada, nem aos ambiciosos que querem ter mérito sem esforço. Ajuda-te e o céu te ajudará.
Continuamos a citar a brochura do Sr. Blanck, redator do Journal de Bergzabern[1].
Sabe-se que no quarto onde dormia a menina, frequentemente as cadeiras e outros móveis eram revirados e as janelas abertas com fragor, à força de golpes repetidos. Há cinco semanas está ela instalada na sala comum onde, desde o cair da noite até a manhã seguinte, há sempre uma luz. Pode-se, pois, ver perfeitamente o que ali se passa.
Eis o que foi observado sexta-feira, 4 de março.
Filipina ainda não se havia deitado. Achava-se com algumas pessoas que conversavam sobre o Espírito batedor. De repente a gaveta de uma mesa grande e pesada que se achava no meio da sala foi puxada e empurrada ruidosamente e com extraordinária rapidez. Surpreenderam-se os assistentes com essa nova manifestação. No mesmo instante a própria mesa se pôs em movimento em todos os sentidos e avançou para a lareira, perto da qual estava sentada Filipina. Por assim dizer perseguida pelo móvel, ela teve de deixar o seu lugar e correr para o meio da sala; mas a mesa voltou-se nessa direção e parou a quinze centímetros da parede. Colocaram-na em seu lugar habitual, de onde não mais saiu, mas as botas que estavam debaixo dela, e que todos viam, foram atiradas no meio da sala, com grande espanto dos presentes. Uma das gavetas começou a correr nas corrediças, abrindo-se e fechando-se por duas vezes, a princípio muito rapidamente e depois com progressiva lentidão. Quando se achava completamente aberta era sacudida com fragor. Um pacote de fumo, deixado sobre a mesa, mudava continuamente de lugar. As pancadas e arranhaduras eram ouvidas sobre a mesa. Filipina, que então gozava de ótima saúde, achava-se no meio do grupo e de modo algum se mostrava inquieta com essas coisas estranhas que se repetiam todas as noites, desde sexta-feira.
Mas no domingo elas foram ainda mais notáveis. A gaveta foi por várias vezes aberta e fechada com violência. Depois de haver estado em seu antigo dormitório, Filipina foi subitamente tomada pelo sono magnético e deixou-se cair numa poltrona, onde por várias vezes foram ouvidas as arranhaduras. Suas mãos apoiavam-se nos joelhos e a cadeira se movia, ora para a direita, ora para a esquerda ou para a frente e para trás. Quando Filipina foi transportada para o meio da sala, tornou-se fácil observar esse novo fenômeno. Então, a uma palavra de ordem, a cadeira girava, avançava, recuava com maior ou menor rapidez, ora num sentido, ora noutro. Durante essa dança original, os pés da menina arrastavam-se no solo, como que paralisados; ela se queixava de dores de cabeça, gemia e punha as mãos na fronte. Depois, despertando de súbito, pôs-se a olhar para todos os lados, sem compreender a situação, mas havia passado o mal-estar. Deitou-se. Então as pancadas e arranhaduras antes produzidas na mesa, foram ouvidas na cama, batidas com força e de maneira alegre.
Pouco antes, tendo uma campainha soado espontaneamente, ocorreu a ideia de prendê-la à cama. Imediatamente ela começou a balançar e a tocar. O que houve de mais notável nessa circunstância foi que, tendo sido levantada e deslocada a cama, a campainha ficou imóvel e em silêncio. Quase à meia noite cessou todo ruído e a assistência retirou-se.
Segunda-feira à noite, 15 de maio, prenderam ao leito uma grande campainha. Imediatamente ouviu-se um barulho desagradável e ensurdecedor. No mesmo dia, à tarde, as janelas e a porta do quarto de dormir foram abertas, mas silenciosamente.
Devemos dizer que a poltrona em que se sentava Filipina na sexta-feira e no sábado, levada pelo velho Sänger para o meio da sala, pareceu-lhe muito mais leve que de costume. Dir-se-ia que uma força invisível a levantava. Querendo um dos assistentes empurrá-la, não encontrou resistência: a poltrona parecia deslizar por si mesma sobre o soalho.
O Espírito batedor ficou silencioso durante três dias da Semana Santa: quinta, sexta e sábado. Só no domingo de Páscoa recomeçaram os seus golpes na sineta: golpes ritmados, compondo uma ária. A 1.º de abril, ao ser trocada a guarnição, as tropas que deixavam a cidade marchavam puxadas pela banda de música. Ao passarem em frente à casa de Sänger, o Espírito batedor executou na cama, à sua maneira, a mesma peça que era tocada na rua. Pouco antes haviam escutado no quarto como que os passos de alguém e como se tivessem jogado areia no soalho.
Preocupado com os fatos que acabamos de relatar, o governo do Palatinato propôs a Sänger internar sua filha numa casa de saúde em Frankenthal, o que foi aceito. Estamos informados de que em sua nova residência, a presença de Filipina deu lugar aos prodígios de Bergzabern e que os médicos de Frankenthal, bem como os de nossa cidade, não lhes podem determinar a causa. Além disso, estamos informados de que só os médicos têm acesso à menina.
Por que tal medida? Ignoramo-lo e nada podemos censurar, mas se o que a motivou não é resultado de alguma circunstância particular, cremos que se nem todos poderiam ter acesso junto à interessante menina, pelo menos deveriam tê-lo as pessoas recomendáveis.”
OBSERVAÇÃO: Não tivemos notícia dos diversos fatos aqui expostos senão pelo relato publicado pelo Sr. Blanck. Uma circunstância, entretanto, acaba de nos pôr em contato com uma das pessoas que mais aparecem neste caso e que, a respeito, teve a gentileza de fornecer-nos documentos circunstanciados do mais alto interesse. Tivemos ainda, por evocação, explicações muito curiosas e instrutivas sobre esse Espírito batedor, dadas por ele próprio. Como tais documentos nos vieram um pouco tarde, adiaremos sua publicação para o próximo número.
[1] Devemos a tradução desta interessante brochura à gentileza de um de nossos amigos, o Sr. Alfred Pireaux, funcionário da administração dos Correios.
Tendo-se reunido em nossa casa algumas pessoas com o propósito de constatar certas manifestações, em diversas sessões produziram-se os fatos que se seguem, e deram lugar à conversa que vamos relatar, pois apresenta um grande interesse do ponto de vista do estudo.
Manifestou-se o Espírito por golpes, não batidos pelo pé da mesa, mas na própria contextura da madeira. A troca de ideias que então ocorreu entre os assistentes e o ser invisível não dá margem a dúvidas quanto à intervenção de uma inteligência oculta. Além das respostas a várias perguntas, ora pelo sim, ora pelo não, ou por meio da tiptologia alfabética, os golpes espontaneamente tocaram uma marcha qualquer; o ritmo de uma ária; imitavam a fuzilaria e o canhoneio de uma batalha; o barulho do tanoeiro ou do sapateiro; faziam eco com admirável precisão etc. Depois ocorreu o movimento de uma mesa e sua translação sem qualquer contato das mãos, pois os assistentes se mantinham afastados. Uma saladeira posta sobre a mesa, em vez de girar, deslizou em linha reta, também sem contato das mãos. Os golpes eram igualmente ouvidos em diversos móveis do quarto, algumas vezes simultaneamente, outras vezes como se fossem respostas.
O Espírito parecia ter uma predileção especial pelo rufo de tambor, pois o tocava a cada momento, independentemente de pedido. Muitas vezes, em lugar de responder a certas perguntas, tocava a generala ou o reunir. Interrogado sobre algumas particularidades de sua vida, disse chamar-se Célima, ter nascido em Paris, ter morrido aos quarenta e cinco anos e ter sido tambor.
Entre os assistentes, além do médium especial de influência física que produzia as manifestações, havia um excelente psicógrafo que pôde servir de intérprete do Espírito. Assim, obtivemos respostas mais explícitas. Tendo confirmado pela escrita o que havia dito pela tiptologia, quanto ao nome, lugar do nascimento e data de sua morte, foram-lhe feitas as perguntas que seguem e cujas respostas apresentam vários traços característicos e corroboram certas partes essenciais da teoria.
1. ─ Escreve-nos qualquer coisa, o que quiseres.
─ Ran plan plan, ran plan plan.
2. ─ Por que escreves isto?
─ Porque fui tambor.
3. ─ Tinhas alguma instrução?
─ Sim.
4. ─ Onde fizeste os teus estudos?
─ Nos “Ignorantins”
5. ─ Pareces alegre.
─ Sou bastante.
6. ─ Disseste, certa feita, que em vida gostavas demais de beber. É verdade?
─ Eu gostava de tudo o que era bom.
7. ─ Eras militar?
─ Claro que sim, pois eu era tambor.
8. ─ Sob que governo serviste?
─ Sob Napoleão, o Grande.
9. ─ Podes citar uma batalha na qual participaste?
─ A de Berezina.
10. ─ Foi nela que morreste?
─ Não.
11. ─ Estiveste em Moscou?
─ Não.
12. ─ Onde morreste?
─ Na neve.
13. ─ Em que corpo servias?
─ Nos fuzileiros da guarda.
14. ─ Gostavas de Napoleão, o Grande?
─ Como nós todos o amávamos, sem saber por quê!
15. ─ Sabes o que aconteceu depois da morte de Napoleão?
─ Depois da minha morte não me ocupei senão de mim mesmo.
16. ─ Reencarnaste?
─ Não, pois venho conversar convosco.
17. ─ Por que te manifestas por pancadas sem teres sido chamado?
─ É preciso barulho para aqueles cujo coração não acredita. Se ainda não foi suficiente, eu vos darei mais.
18. ─ Vieste bater por tua própria vontade ou foi outro Espírito que te obrigou?
─ Venho por mim mesmo e de boa vontade. Há um outro a quem chamais Verdade e que também me pode obrigar, mas há muito tempo eu queria vir.
19. ─ Com que propósito querias vir?
─ Para comunicar-me convosco. Era isso o que eu queria. Mas havia algo que me impedia. Fui forçado a isso por um Espírito familiar da casa, que me convenceu a tornar-me útil às pessoas que me fariam perguntas.
─ Então esse Espírito tem muito poder, uma vez que assim domina os outros.
─ Mais do que pensais, e só o emprega para o bem.
OBSERVAÇÃO: O Espírito familiar da casa dá-se a conhecer pelo nome alegórico de Verdade, circunstância que era ignorada pelo médium.
20. ─ O que era que te impedia?
─ Não sei. Alguma coisa que não compreendo.
21. ─ Deploras a vida?
─ Não. Nada deploro.
22. ─ Qual a que preferes: tua existência atual ou a vida terrena?
─ Prefiro a existência do Espírito à do corpo.
23. ─ Por quê?
─ Porque estamos bem melhor do que na Terra. A Terra é um purgatório, e todo o tempo que aí vivi sempre desejei a morte.
24. ─ Sofres em tua nova condição?
─ Não, mas ainda não sou feliz.
25. ─ Ficarias satisfeito se tivesses uma nova existência corpórea?
─ Sim, pois sei que devo elevar-me.
26. ─ Quem te disse isso?
─ Eu bem o sei.
27. ─ Reencarnarás brevemente?
─ Não sei.
28. ─ Vês outros Espíritos ao teu redor?
─ Sim, muitos.
29. ─ Como sabes que são Espíritos?
─ Entre nós, vemo-nos tais quais somos.
30. ─ Com que aparência os vês?
─ Como se podem ver Espíritos, mas não pelos olhos.
31. ─ E tu, sob que forma aqui estás?
─ Sob a que tinha quando vivo, isto é, como tambor.
32. ─ E vês os outros Espíritos com as formas que tinham em vida?
─ Não. Nós não tomamos uma aparência senão quando somos evocados. Fora disso vemo-nos sem forma.
33. ─ Tu nos vês claramente como quando vivias?
─ Sim, perfeitamente.
34. ─ É pelos olhos que nos vês?
─ Não. Temos uma forma, mas não temos os sentidos. Nossa forma não é senão aparente.
OBSERVAÇÃO: Seguramente os Espíritos têm sensações, pois que percebem. Do contrário seriam inertes. Mas as suas sensações não são localizadas, como quando têm um corpo. São inerentes a todo o seu ser.
35. ─ Dize-nos positivamente em que lugar estás aqui.
─ Perto da mesa, entre vós e o médium.
36. ─ Quando bates, estás sobre a mesa, debaixo dela ou na estrutura da madeira?
─ Fico ao lado. Eu não entro na madeira. Basta que eu toque na mesa.
37. ─ Como produzes os ruídos que fazes ouvir?
─ Creio que por uma espécie de concentração de nossa força.
38. ─ Poderias explicar-nos de que maneira se produzem os diversos ruídos que imitas, como, por exemplo, as arranhaduras?
─ Eu não poderia precisar bem a natureza dos ruídos. É difícil de explicar. Sei que arranho, mas não posso explicar como produzo esse ruído a que chamais arranhadura.
39. ─ Poderias produzir os mesmos ruídos com qualquer outro médium?
─ Não. Há especialidades em todos os médiuns. Nem todos podem agir do mesmo modo.
40. ─ Vês entre nós, além do jovem S... (o médium de influência física por cujo intermédio se manifesta o Espírito) alguém que te possa ajudar a produzir os mesmos efeitos?
─ No momento não vejo ninguém. Com ele estou bem aparelhado a fazer.
41. ─ Por que com ele e não com outrem?
─ Porque o conheço bastante e também por ser ele mais apto que qualquer outro para esse gênero de manifestações.
42. ─ Tu o conhecias há muito tempo; desde antes da presente existência?
─ Não. Eu o conheço há pouco tempo. Fui de certo modo atraído para ele, para que fosse meu instrumento.
43. ─ Quando a mesa se ergue no ar sem ponto de apoio, quem é que a sustenta?
─ Nossa vontade, que a obrigou a obedecer-nos e, ainda, o fluido que lhe transmitimos.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta vem em abono à teoria que apresentamos nos números 5 e 6 desta Revista, sobre as causas das manifestações físicas.
44. ─ Poderias fazê-lo?
─ Creio que sim. Tentarei quando o médium estiver presente. (No momento ele se achava ausente).
45. ─ De quem depende isso?
─ De mim, pois me sirvo do médium como de um instrumento.
46. ─ Mas a qualidade do instrumento não conta?
─ Sim. Ela me ajuda muito, pois, como disse, hoje não poderia fazê-lo com outros.
OBSERVAÇÃO: No curso da sessão tentamos levantar a mesa, mas sem resultado, talvez porque não tivesse havido suficiente perseverança. Houve esforços evidentes e movimentos de translação, sem contato nem imposição das mãos. Entre as experiências feitas está a da abertura da mesa, que era elástica. Mas como oferecia muita resistência, por defeito de construção, foi posta de lado, enquanto o Espírito conseguia abrir e fechar uma outra.
47. ─ Por que, outro dia, os movimentos da mesa cessavam cada vez que um de nós tomava de uma luz para examiná-la por baixo?
─ Porque eu queria punir a vossa curiosidade.
48. ─ De que te ocupas em tua existência de Espírito, de vez que certamente não passas o tempo a bater?
─ Muitas vezes tenho missões a cumprir. Devemos obedecer às ordens superiores e principalmente quando temos que fazer o bem por nossa influência sobre os humanos.
49. ─ Sem dúvida tua vida terrena não foi isenta de faltas. Tu as reconheces agora?
─ Sim. Justamente as expio, ficando estacionário entre os Espíritos inferiores. Não me poderei purificar bastante enquanto não tomar outro corpo.
50. ─ Quando davas pancadas sobre outro móvel ao mesmo tempo que sobre a mesa, eras tu ou outro Espírito?
─ Era eu.
51. ─ Então estavas sozinho?
─ Não, mas o trabalho de bater era só meu.
52. ─ Os outros Espíritos que aí se encontravam te ajudavam nalguma coisa?
─ Não para bater, mas para falar.
53. ─ Então não eram Espíritos batedores?
─ Não, a Verdade só a mim havia permitido bater.
54. ─ Os Espíritos batedores não se reúnem às vezes em grande número com o objetivo de terem mais força para produzirem certos fenômenos?
─ Sim, mas para o que eu queria fazer, eu me bastava.
55. ─ Em tua existência de Espírito estás sempre na Terra?
─ Mais frequentemente no espaço.
56. ─ Vais algumas vezes a outros mundos, isto é, a outros globos?
─ Não aos mais perfeitos. Só aos mundos inferiores.
57. ─ Algumas vezes te divertes a ver e a ouvir o que fazem os homens?
─ Não. Contudo, algumas vezes tenho piedade deles.
58. ─ Quais os que procuras de preferência?
─ Os que querem crer de boa-fé.
59. ─ Poderias ler os nossos pensamentos?
─ Não, não leio nas almas, pois para tanto não sou bastante perfeito.
60. ─ Entretanto, deves conhecer nossos pensamentos, já que vens ao nosso meio. Por outras palavras, como podes saber se cremos de boa-fé?
─ Não leio, mas compreendo.
OBSERVAÇÃO: A pergunta 58 visava saber para quem, espontaneamente, ia a sua preferência na vida de Espírito, sem ser evocado. Como Espírito de uma ordem pouco elevada, ele pode pela evocação ser constrangido a vir a um meio que lhe desagrada. Por outro lado, sem ler propriamente os nossos pensamentos, ele por certo poderia ver se as pessoas se reuniam com um objetivo sério e, pela natureza das perguntas e da conversa que ouvisse, julgar se a assembleia era composta de pessoas sinceramente desejosas de esclarecimento.
61. ─ No mundo dos Espíritos encontraste alguns dos teus companheiros de armas?
─ Sim, mas suas posições eram tão diferentes que não os reconheci a todos.
62. ─ Em que consistia essa diferença?
─ Na situação feliz ou infeliz de cada um.
─ Que disseste nesses encontros?
─ Eu lhes dizia: Nós vamos subir para Deus, que o permite.
63. ─ Como entendias essa subida para Deus?
─ Cada degrau transposto é um passo a mais em sua direção.
64. ─ Disseste que morreste na neve. Queres dizer que morreste de frio?
─ De frio e de fome.
65. ─ Tiveste consciência imediata de tua nova existência?
─ Não, mas já não sentia frio.
66. ─ Voltaste alguma vez ao local onde ficou o teu corpo?
─ Não. Ele me havia feito sofrer demais.
67. ─ Nós te agradecemos as explicações que tiveste a bondade de nos dar. Elas nos forneceram úteis pontos de observação para o nosso aperfeiçoamento na Ciência espírita.
─ Estou às vossas ordens.
OBSERVAÇÃO: Como se vê, este Espírito é pouco adiantado na hierarquia espírita. Ele próprio reconhece sua inferioridade. Seus conhecimentos são limitados, mas tem bom senso, sentimentos louváveis e benevolência. Como Espírito, sua missão é muito insignificante, pois desempenha o papel de Espírito batedor, para chamar os incrédulos à fé. Mas, como no teatro, a humilde vestimenta de comparsa não pode cobrir um coração bondoso? Suas respostas têm a simplicidade da ignorância, mas, embora não tenha a elevação da linguagem filosófica dos Espíritos superiores, nem por isso são menos instrutivas, como estudo dos costumes espíritas, se assim nos podemos exprimir. É somente estudando todas as classes desse mundo que nos espera que poderemos chegar a conhecê-lo e nele marcar, com certa antecipação, o lugar que cada um de nós poderá ocupar. Vendo a situação que, por seus vícios ou por suas virtudes, criaram os homens daqui de baixo, iguais a nós, sentimo-nos encorajados a nos elevarmos o máximo possível desde aqui. É o exemplo ao lado do preceito. Nunca seria demais repetir que a fim de bem conhecer uma coisa e dela fazer uma ideia isenta de ilusões, é preciso vê-la sob todos os seus aspectos, assim como o botânico não pode conhecer o reino vegetal senão observando desde o mais humilde criptógamo oculto sob o musgo, até o carvalho que se alça nos ares.
ESPÍRITOS IMPOSTORES
O FALSO PADRE AMBRÓSIO
Um dos escolhos apresentados pelas comunicações espíritas é o dos Espíritos impostores, que podem induzir em erro quanto a sua identidade e que, ao abrigo de um nome respeitável, tentam passar os mais grosseiros absurdos. Em muitas ocasiões esse perigo nos tem sido explicado; entretanto, ele nada é para quem perscruta tanto a forma quanto o conteúdo da linguagem dos seres invisíveis com os quais entra em comunicação.
Não é possível repetir aqui o que temos dito a tal respeito. Leia-se atentamente o que dizemos nesta Revista, em o Livro dos Espíritos e em nossa Instrução prática[1] e ver-se-á que nada é mais fácil do que se premunir contra fraudes semelhantes, por menor que seja nossa boa vontade. Reproduzimos apenas a comparação que segue, por nós citada alhures:
“Suponhamos que no quarto vizinho a este que ocupais estejam vários indivíduos desconhecidos e que não os possais ver, embora os escuteis perfeitamente. Não seria fácil, por sua conversa, reconhecer se se trata de ignorantes ou de sábios, de gente decente ou de malfeitores, de homens sérios ou de estouvados, de pessoas finas ou de gente rústica?”
Façamos outra comparação, sem sairmos de nossa Humanidade material. Suponhamos que se vos apresente alguém com o nome de um distinto literato. Ao ouvir o nome, recebê-lo-eis com toda a consideração devida ao seu suposto mérito, mas se ele se exprimir como um mariola, reconhecê-lo-eis imediatamente e o expulsareis como um impostor.
Dá-se o mesmo com os Espíritos. Eles são reconhecidos pela linguagem. A dos Espíritos superiores é sempre digna e em harmonia com a sublimidade dos pensamentos. Jamais uma trivialidade lhes macula a pureza. A grosseria das expressões baixas é peculiaridade dos Espíritos inferiores. Todas as qualidades e imperfeições dos Espíritos se revelam na sua linguagem. Pode-se, assim, e com razão, aplicar-lhes a frase de célebre escritor: O estilo é o homem.
Estas reflexões nos são sugeridas por um artigo do Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans, do mês de dezembro de 1857. É uma conversa estabelecida através de um médium, entre dois Espíritos, um dizendo-se o Padre Ambrósio, o outro Clemente XIV. O Padre Ambrósio foi um respeitável sacerdote, falecido em Louisiana, no século passado. Era um homem de bem, de grande inteligência e deixou uma memória venerada.
Nesse diálogo, onde o ridículo compete com o ignóbil, é impossível nos enganarmos quanto à qualidade dos interlocutores e é forçoso convir que aqueles Espíritos tomaram poucas precauções com o seu disfarce, pois qual seria a criatura de bom senso que, ao menos por um minuto, admitiria que o Padre Ambrósio e Clemente XIV tivessem podido descer àquelas trivialidades que mais parecem uma exibição de saltimbancos? Não se exprimiriam de modo diferente comediantes de última classe que parodiassem essas duas personagens.
Estamos convencidos de que o círculo de Nova Orléans, onde se passou o fato, o compreendeu como nós. Duvidar disso seria uma injúria. Apenas lamentamos que ao publicá-lo não o tivessem acompanhado de observação corretiva, no sentido de impedir que as criaturas superficiais o tomassem como modelo de estilo sério de Além-Túmulo. Apressemo-nos, entretanto, em declarar que esse círculo não recebe apenas comunicações de tal ordem; há outras de caráter muito diverso, nas quais encontramos toda a sublimidade do pensamento e da expressão dos Espíritos superiores.
Pensamos que a evocação do verdadeiro e do falso Padre Ambrósio poderia oferecer material útil para observações relativas aos Espíritos impostores. Foi o que fizemos, como se pode ver pela seguinte entrevista:
1. ─ Peço a Deus Todo-Poderoso permitir que o Espírito do verdadeiro Padre Ambrósio, falecido em Louisiana no século passado, e que deixou uma memória venerável, venha comunicar-se conosco.
─ Aqui estou.
2. ─ Teríeis a bondade de dizer se fostes realmente vós e Clemente XIV que tivestes a conversa relatada no Spiritualiste de la Nouvelle-Orléans, cuja leitura fizemos na sessão passada?
─ Lamento os homens que foram vítimas dos Espíritos, tanto quanto lamento a esses.
3. ─ Qual foi o Espírito que tomou o vosso nome?
─ Um pelotiqueiro.
4. ─ E o interlocutor era realmente Clemente XIV?
─ Era um Espírito semelhante ao que me tomou o nome.
5. ─ Como pudestes permitir coisas semelhantes em vosso nome? Por que não viestes desmascarar os impostores?
─ Porque nem sempre posso impedir que homens e Espíritos se divirtam.
6. ─ Compreendemo-lo quanto aos Espíritos. Mas, quanto às pessoas que recolheram as palavras, são gente séria; não buscavam divertimentos.
─ Uma razão a mais. Eles deviam pensar logo que tais palavras não poderiam deixar de ser a linguagem de Espíritos zombeteiros.
7. ─ Por que os Espíritos não ensinam em Nova Orleans, princípios perfeitamente idênticos aos que aqui ensinam?
─ Em breve lhes servirá a doutrina que vos é ditada. Haverá apenas uma.
8. ─ Desde que essa doutrina deverá ser ali ensinada mais tarde, parece-nos que se o fosse imediatamente aceleraria o progresso e evitaria que alguns tivessem dúvidas prejudiciais.
─ Os desígnios de Deus são sempre impenetráveis. Não há outras coisas que, à vista dos meios que ele emprega para atingir seus objetivos, parecem-vos incompreensíveis? É preciso que o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso. Nem todos poderiam receber a luz de um jacto sem serem ofuscados.
9. ─ Teríeis a bondade de nos dar vossa opinião pessoal relativamente à reencarnação?
─ Os Espíritos são criados ignorantes e imperfeitos. Uma única encarnação não bastaria para que tudo aprendessem. É necessário que reencarnem, a fim de gozarem a felicidade que Deus lhes reserva.
10. ─ Dá-se a reencarnação na Terra ou somente em outros globos?
─ A reencarnação se dá conforme o progresso do Espírito, em mundos mais perfeitos ou menos perfeitos.
11. ─ Isto não esclarece se pode ocorrer na Terra.
─ Sim, pode ocorrer na Terra, e se o Espírito a pede como missão, ser-lhe-á mais meritório do que se a pedisse para avançar mais rapidamente em mundos mais perfeitos.
12. ─ Rogamos a Deus Todo-Poderoso permita que o Espírito que tomou o nome do Padre Ambrósio venha comunicar-se conosco.
─ Aqui estou; mas não me queirais confundir.
13. ─ És realmente o Padre Ambrósio? Em nome de Deus te conjuro a dizer a verdade!
─ Não.
14. ─ Que pensas do que disseste em seu nome?
─ Penso como pensavam os que me escutavam.
15. ─ Por que te serviste de um nome respeitável para dizer semelhantes tolices?
─ Aos nossos olhos os nomes nada valem. As obras são tudo. Como pelo que eu dizia, podiam ver o que eu era realmente, não liguei importância à substituição do nome.
16. ─ Por que não sustentas a impostura em nossa presença?
─ Porque minha linguagem é uma pedra de toque, com a qual não vos podeis enganar.
OBSERVAÇÃO: Por diversas vezes nos foi dito que a impostura de certos Espíritos é uma prova para a nossa capacidade de julgar. É uma espécie de tentação permitida por Deus, a fim de que, como disse o Padre Ambrósio, o homem se habitue a distinguir o verdadeiro do falso.
17. ─ Que pensas de teu companheiro Clemente XIV?
─ Não merece mais do que eu. Ambos necessitamos de indulgência.
18. ─ Em nome de Deus Todo-Poderoso, eu lhe peço que ele venha.
─ Aqui estou, desde que chegou o falso Padre Ambrósio.
19. ─ Por que abusaste da credulidade de pessoas respeitáveis, para dar uma falsa ideia da Doutrina Espírita?
─ Por que nos inclinamos ao erro? Porque não somos perfeitos.
20. ─ Não pensastes ambos que um dia vosso embuste seria descoberto e que os verdadeiros Padre Ambrósio e Clemente XIV não se exprimiriam como vós?
─ Os embustes já eram conhecidos e castigados por aquele que nos criou.
21. ─ Pertenceis à mesma classe de Espíritos que chamamos batedores?
─ Não, pois ainda é necessário raciocínio para fazer o que fizemos em Nova Orleans.
22. (Ao verdadeiro Padre Ambrósio). ─ Estes impostores vos estão vendo aqui?
─ Sim. E sofrem com o meu olhar.
23. ─ São eles errantes ou reencarnados?
─ Errantes. Não seriam suficientemente perfeitos para o desprendimento, caso estivessem encarnados.
24. ─ E vós, Padre Ambrósio, em que estado vos encontrais?
─ Encarnado num mundo feliz e desconhecido para vós.
25. ─ Nós vos agradecemos os esclarecimentos que tivestes a bondade de nos dar. Teríeis a gentileza de voltar outras vezes, trazendo-nos boas palavras e deixando-nos um ditado que mostrasse a diferença entre o vosso estilo e o daquele que usurpou o vosso nome?
─ Estou com aqueles que buscam o bem na verdade.
[1] Obra esgotada, substituída pelo Livro dos médiuns. Entretanto, conforme os direitos concedidos a Caírbar Schutel, foi feita uma tradução brasileira para a Livraria Editora O Clarim, de Matão. (N. do T).
UMA LIÇÃO DE CALIGRAFIA POR UM ESPÍRITO
De modo geral, não são os Espíritos professores de caligrafia, pois de ordinário a escrita pelo médium não prima pela elegância. A respeito disso, um dos nossos médiuns, o Sr. D..., apresentou um fenômeno excepcional, o de escrever muito melhor sob a inspiração dos Espíritos do que por sua própria iniciativa. Sua caligrafia normal é muito má (do que não se envaidece dizendo ser isto uma característica dos grandes homens). Mas adquire um caráter especial, muito distinto, conforme o Espírito comunicante, e é sempre a mesma com o mesmo Espírito, porém, sempre mais nítida, mais legível e mais correta. Com alguns, tem um estilo inglês, traçado com certa ousadia. Um dos membros da Sociedade, o Dr. V..., teve a ideia de evocar distinto calígrafo, com o objetivo de observação, do ponto de vista da escrita. Ele conhecia um, chamado Bertrand, falecido há cerca de dois anos, com o qual tivemos, numa outra sessão, a seguinte conversa:
1. À fórmula de evocação, respondeu:
─ Eis-me aqui.
2. ─ Onde se achava quando o evocamos?
─ Já estava junto a vós.
3. ─ Sabe o principal objetivo que nos levou a pedir sua vinda?
─ Não, mas desejo sabê-lo.
OBSERVAÇÃO: O Espírito do Sr. Bertrand ainda se acha sob a influência da matéria, como seria de supor-se, dada a sua vida terrena. Sabe-se que tais Espíritos são menos aptos a ler o pensamento do que os já mais desmaterializados.
4. ─ Desejaríamos que o senhor reproduzisse, através do médium, uma escrita caligráfica com um daqueles caracteres que tinha em vida. É possível?
─ Eu posso.
OBSERVAÇÃO: A partir dessa palavra, o médium, que não se conduz conforme as regras ensinadas pelos professores de caligrafia, tomou, sem se aperceber, uma postura correta, tanto do corpo quanto da mão. Todo o resto da conversa foi escrito como o fragmento cujo fac-símile reproduzimos. Como termo de comparação, reproduzimos também a escrita normal do médium[1].
5. ─ Lembra-se das circunstâncias de sua vida terrena?
─ De algumas.
6. ─ Poderia dizer-nos em que ano faleceu?
─ Faleci em 1856.
7. ─ Com que idade?
─ Com 56 anos.
8. ─ Em que cidade morava?
─ Saint-Germain.
9. ─ Qual foi o seu gênero de vida?
─ Procurava satisfazer às necessidades do corpo.
10. ─ Cuidava um pouco das coisas de Além-Túmulo?
─ Quase nada.
11. ─ Lamenta não pertencer mais a este mundo?
─ Lamento não haver bem empregado a minha existência.
12. ─ É mais feliz do que na Terra?
─ Não. Eu sofro pelo bem que deixei de fazer.
13. ─ Que pensa do futuro que lhe está reservado?
─ Penso que me é necessária toda a misericórdia de Deus.
14. ─ Quais as suas relações no mundo em que se encontra?
─ Relações lamentáveis e infelizes.
15. ─ Quando vem à Terra, há lugares que frequenta, de preferência a outros?
─ Procuro as almas que se condoem de minhas penas ou que oram por mim.
16. ─ Vê as coisas terrenas com a mesma clareza de outrora?
─ Não me preocupo em vê-las. Se o fizesse seria mais uma causa de desgostos.
17. ─ Diz-se que em vida foi muito pouco tolerante. É verdade?
─ Eu era muito violento.
18. ─ Que pensa do objetivo de nossas reuniões?
─ Gostaria muito de tê-las conhecido em vida. Elas me teriam tornado melhor.
19. ─ Vê aí outros Espíritos?
─ Sim, mas me sinto muito confuso em sua presença.
20 ─ Rogamos a Deus que o tenha em sua santa misericórdia. Os sentimentos que acaba de externar devem permitir que ache graça diante dele. Não duvidamos que o ajudem em seu progresso.
─ Agradeço-vos. Deus vos protege. Bendito seja ele por isso. Espero que chegue a minha vez.
OBSERVAÇÃO: Os ensinamentos fornecidos pelo Espírito do Sr. Bertrand são absolutamente exatos e concordes com o gênero de vida e o caráter que lhe conheciam. Apenas ao confessar sua inferioridade e seus erros, a linguagem é mais séria e mais elevada do que se poderia esperar. Mais uma vez temos a prova da penosa situação dos que na Terra são muito apegados à matéria. É assim que os próprios Espíritos inferiores por vezes nos dão, pelo exemplo, valiosas lições de moral.
[1] A partir da segunda edição da Revista, Allan Kardec inseriu a seguinte nota: “Esse fac-símile, que foi anexado à primeira edição da Revista, não existe mais.” Noutras passagens, Kardec se refere à reprodução de desenhos. Esses não são mais encontrados na Revista. Teriam sido eliminados nas suas novas edições? (N. do T.).
Bruxelas, 15 de junho de 1858.
Meu caro senhor Kardec.
Não desanimeis, como eu não desanimo, ante a indiferença de vossos contemporâneos. O que está escrito, está escrito; o que está semeado germinará. A ideia de que a vida é uma afinação das almas, uma prova e uma expiação, é grande, consoladora, progressiva e natural. Os que a ela aderem são felizes em todas as posições. Em vez de se lamentarem dos sofrimentos físicos e morais que os abatem, devem regozijar-se ou, pelo menos, suportá-los com resignação cristã.
Para ser feliz, foge ao prazer: Eis do filósofo a divisa;
O esforço para o obter
Custa bem mais do que a camisa;
Mas cedo ou tarde o vamos ter,
Porque em surpresa se improvisa; É um terno que ao aparecer vale dez mil do lance e a pisa.
Espero passar em breve por Paris, onde tenho muitos amigos a ver e muitas coisas que fazer. Entretanto, tudo deixarei para vos procurar e levar um aperto de mãos.
JOBARD
Diretor do Museu Real da Indústria
Os elogios contidos na carta do Sr. Jobard nos teriam impossibilitado de publicá-la, se tivessem sido dirigidos pessoalmente a nós. Como, entretanto, ele reconhece a obra dos Espíritos, dos quais fomos apenas intérprete muito humilde, todo o mérito a eles pertence, e nossa modéstia não sofreria com uma comparação que provaria apenas uma coisa: que esse livro não pode ter sido ditado senão por Espíritos de uma ordem superior.
Respondendo ao Sr. Jobard, nós lhe havíamos pedido autorização para publicar sua carta; ao mesmo tempo tínhamos recebido da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas o encargo de lhe oferecer o título de membro honorário e correspondente. Eis a resposta que teve a bondade de nos enviar, e cuja reprodução temos o prazer de reproduzir.
Bruxelas, 22 de junho de 1858.
Com perífrases espirituais, perguntais se ouso confessar publicamente a minha crença nos Espíritos e no perispírito; se vos autorizo a publicar minhas cartas e se aceito o título de correspondente da Academia de Espiritismo que fundastes, o que seria, como se costuma dizer, ter a coragem de sua opinião.
Confesso que me sinto um pouco humilhado por vos ver empregando as mesmas fórmulas e as mesmas frases usadas para os tolos, pois deveis saber que toda a minha vida foi consagrada à sustentação da verdade e ao testemunho em seu favor, sempre que a encontrava, tanto em Física quanto em Metafísica. Bem sei que o papel do adepto das ideias novas nem sempre é isento de inconvenientes, mesmo no século das luzes e que se pode ser ridicularizado por dizer que é dia às doze horas, pois o menor risco é o de sermos considerados loucos. Como entretanto a Terra gira e o meio-dia chegará para todos, é muito necessário que os incrédulos cheguem à evidência. É também natural ouvirmos a existência do Espírito ser negada por aqueles que não creem, tanto quanto a existência da luz o é pelos que ainda se acham privados de seus raios.
É possível comunicarmo-nos com eles? Eis toda a questão. Vede e observai.
O tolo nega sempre o que não compreende; Para ele a maravilha é simples aparato; Não sabe nada, nada quer e nada aprende: Tal é do incrédulo o fiel retrato.
Eu disse para mim mesmo: Evidentemente o homem é duplo, pois a morte o desdobra. Quando uma metade fica aqui, a outra vai para algum lugar e conserva a sua individualidade. Está, pois, o Espiritismo, perfeitamente de acordo com as Escrituras, com o dogma e com a religião que tanto crê nos Espíritos maus que exorciza como nos bons que evoca. O Vade retro e o Veni Creator dão uma prova disso. A evocação é, portanto, uma coisa séria e não uma obra diabólica ou uma charlatanice como pensam alguns.
Eu sou curioso. Não nego coisa alguma, mas quero ver. Eu não disse: tragamme o fenômeno. Corri à sua procura, em vez de esperá-lo em minha poltrona, segundo um hábito ilógico.
A propósito do magnetismo, há mais de quarenta anos, fiz este raciocínio simples: é impossível que homens tão apreciáveis escrevam milhares de volumes para me fazerem crer na existência de uma coisa inexistente. Então fiz experiências por muito tempo, mas em vão, enquanto não tinha fé em obter aquilo que buscava. Fui, entretanto, bem recompensado por minha perseverança, pois consegui produzir todos os fenômenos de que ouvia falar. Depois fiz uma pausa de quinze anos. As mesas tinham surgido e eu quis ter uma ideia clara. Hoje surge o Espiritismo e eu ajo da mesma maneira.
Quando aparecer algo de novo, correrei com o mesmo ardor que emprego em acompanhar todas as descobertas modernas. É a curiosidade que me arrasta, e lamento que os selvagens não sejam curiosos, pois assim continuam selvagens. A curiosidade é a mãe da instrução.
Sei perfeitamente que essa febre de aprender, muito me prejudicou e que se tivesse ficado nessa respeitável mediocridade que conduz às honras e à fortuna, eu teria tirado a minha fatia, mas há muito tempo eu disse, de mim para mim, que me achava apenas de passagem neste albergue ordinário, onde não vale a pena fazer as malas. O que me fez suportar sem dor as adversidades, as injustiças e os roubos de que fui vítima privilegiada, foi a ideia de que aqui não existe uma felicidade ou uma desgraça pela qual valha a pena nos alegrarmos ou nos afligirmos.
Trabalhei, trabalhei, trabalhei, o que me deu força para fustigar os meus mais encarniçados adversários e impor respeito aos outros, de modo que agora sou mais feliz e mais tranquilo do que as pessoas que me escamotearam uma herança de vinte milhões. Lamento-os, porque não lhes invejo a posição no mundo dos Espíritos. Se lamento essa fortuna, não é por mim: não tenho estômago para comer vinte milhões, mas pelo bem que isso me impediu de fazer. Como uma alavanca nas mãos de um homem que a soubesse manejar, que impulso poderia ter dado à Ciência e ao progresso! Aqueles que têm fortuna frequentemente ignoram os verdadeiros gozos que se poderiam permitir.
Sabeis o que falta à Ciência Espírita para se propagar rapidamente? Um homem rico que a ela consagrasse sua fortuna, por puro devotamente, sem misturar orgulho e egoísmo; que fizesse as coisas com grandeza, sem parcimônia e sem mesquinharia. Tal homem faria a Ciência avançar meio século. Por que me foram tirados os meios de fazê-lo?
Este homem aparecerá. Algo me diz que sim. Honra lhe seja feita!
Vi evocar uma pessoa viva. Ela teve uma síncope até que seu Espírito voltou. Evocai-me, para ver o que vos direi. Evocai também o Dr. Mure, falecido no Cairo, a 4 de junho. Ele era um grande espírita e médico homeopata. Perguntai-lhe se ainda crê nos gnomos. Certamente está em Júpiter, pois era um grande Espírito, mesmo aqui na Terra; um verdadeiro profeta a ensinar, e meu melhor amigo. Estará ele contente com o artigo necrológico que lhe escrevi?
Direis que esta carta está muito longa, mas não é muito fácil ter-me como correspondente. Vou ler vosso último livro, que acabo de receber. Ao primeiro relance não duvido que fazeis muito bem em destruir uma porção de preconceitos, pois soubestes mostrar o lado grave da coisa. O caso Badet é muito interessante. Dele falaremos depois.
Sempre vosso,
Jobard.
Qualquer comentário seria supérfluo. Cada um apreciará o alcance e facilmente reconhecerá essa profundeza e essa sagacidade que, aliadas a pensamentos nobres, colocaram o autor em tão honrosa posição entre os seus contemporâneos. Podemos honrar-nos de ser loucos, (de acordo com o entendimento de nossos adversários), quando temos tais companheiros de infortúnio.
A esta observação do Sr. Jobard: “É possível comunicar-nos com os Espíritos? Eis toda a questão. Vede e observai”, podemos acrescentar: As comunicações com os seres do mundo invisível nem são uma descoberta, nem uma invenção moderna. Desde a mais alta Antiguidade foram praticadas por homens que foram nossos mestres em Filosofia e cujos nomes invocamos, diariamente, como autoridade. Por que aquilo que então se passava não pode repetir-se hoje?
* * *
Bordéus, 24 de junho de 1858.
Certamente permitireis a um dos vossos assinantes e um dos vossos leitores mais atentos vos dar este título, porque esta admirável doutrina deve ser um laço fraternal entre todos os que a compreendem e a praticam.
Num de vossos números anteriores falastes de desenhos notáveis, feitos pelo Sr. Victorien Sardou e que representam habitações no planeta Júpiter. A descrição que nos fazeis, como sem dúvida a muitos outros, insufla-nos o desejo de conhecêlos. Poderíeis dizer-nos se esse senhor tem o desejo de publicá-los? Não duvido que constituam um sucesso, à vista da extensão que dia a dia toma a crença espírita. Seria o complemento necessário da descrição tão sedutora que dão os Espíritos desse mundo feliz.
Direi a respeito, meu caro Senhor, que há cerca de dezoito meses evocamos em nosso pequeno círculo íntimo um antigo magistrado nosso antepassado, falecido em 1756, o qual foi em vida um modelo de todas as virtudes e um Espírito muito superior, embora não classificado na História. Disse-nos estar encarnado em Júpiter e deu-nos um ensinamento moral de admirável sabedoria e em tudo conforme ao que encerra o vosso precioso Livro dos Espíritos. Naturalmente tivemos a curiosidade de lhe pedir algumas informações relativas ao estado do mundo que ele habita, o que fez com extrema benevolência. Agora julgai a nossa surpresa e a nossa alegria quando lemos na vossa revista uma descrição absolutamente idêntica desse planeta, pelo menos nas suas linhas gerais, pois levamos as perguntas tão longe quanto vós. Tudo ali é idêntico, tanto fisicamente quanto moralmente, e até mesmo quanto à condição dos animais. Até foram mencionadas habitações aéreas, das quais não falais.
Como houvesse coisas que tínhamos dificuldade de compreender, nosso parente ajuntou estas palavras notáveis: “Não é de admirar que não compreendais coisas para as quais não foram feitos os vossos sentidos, mas, à medida que avançardes na Ciência, compreendê-las-eis melhor pelo pensamento e elas deixarão de vos parecer extraordinárias. Não está longe a época em que recebereis mais completos esclarecimentos sobre este ponto. Estão os Espíritos encarregados de vos instruir a respeito, a fim de vos dar um objetivo e de vos motivar para bem.” Lendo vossa descrição e o anúncio dos desenhos de que falais, naturalmente pensamos que era chegado o momento.
Sem dúvida, os incrédulos glosarão esse paraíso dos Espíritos, como glosam tudo, mesmo a imortalidade e as coisas mais santas. Bem sei que nada prova materialmente a veracidade dessa descrição, mas para todos os que acreditam na existência e nas revelações dos Espíritos, esta coincidência não conduz à reflexão? Fazemos uma ideia de países que nunca vimos, pela descrição dos viajantes, quando entre eles há coincidência. Por que não se daria o mesmo em relação aos Espíritos? Haverá no estado sob o qual nos descrevem Júpiter algo que repugne à razão? Não. Tudo está conforme à ideia que nos dão de existências mais perfeitas. Direi mais: está conforme às Escrituras, o que um dia terei empenho em demonstrar. A mim isto se afigura tão lógico e tão consolador, que será penoso renunciar à esperança de habitar um mundo afortunado, onde não haja nem maus, nem invejosos, nem inimigos, nem egoístas, nem hipócritas. Eis por que emprego todos os meus esforços para merecer ir para lá.
Quando, no nosso pequeno círculo, algum de nós parece ter pensamentos muito materiais, dizemos-lhe: “Tome cuidado, senão você não irá para Júpiter.” E somos felizes em pensar que esse futuro nos está reservado, senão na próxima etapa, pelo menos numa das seguintes. Obrigado a vós, meu caro irmão, por nos terdes aberto esta nova via de esperança.
Como obtivestes preciosas revelações sobre aquele mundo, deveis tê-las tido igualmente sobre os outros que compõem o nosso sistema planetário. Tendes intenção de publicá-las? Isto daria um conjunto dos mais interessantes. Olhando os astros, alegrar-nos-íamos em pensar nos seres tão variados que os povoam; o espaço nos pareceria menos vazio. Como é que, crendo no poder e na sabedoria de Deus, pôde o homem abrigar o pensamento de que esses milhões de globos sejam corpos inertes e sem vida? Que sejamos únicos neste minúsculo grão de areia que chamamos Terra? Direi que é impiedade. Semelhante ideia me entristece. Se assim fosse, pensaria estar num deserto.
Todo vosso, de coração,
MARIUS M.
Funcionário aposentado
Os sentimentos de nosso digno correspondente são impregnados de muita elevação para que não nos persuadamos de que entende a fraternidade tal qual deve ser, na sua mais larga acepção.
Somos felizes pela comunicação que nos promete a respeito de Júpiter. A coincidência que assinala não é a única, como podemos ver no artigo sobre o assunto. Ora, seja qual for a opinião que se tenha a respeito, não deixa de ser matéria de observação. O mundo espírita está cheio de mistérios que devem ser estudados com muito cuidado. As consequências morais que daí extrai o nosso correspondente são caracterizadas por uma lógica que a ninguém passará despercebida.
Com referência à publicação dos desenhos, o mesmo desejo nos tem sido expresso por vários assinantes. A complicação, no entanto, seria muito grande, pois a reprodução por gravura determinaria despesas excessivas e portanto impraticáveis; os próprios Espíritos haviam dito que ainda não havia chegado o momento de publicá-los, talvez por esse motivo. Felizmente a dificuldade está hoje superada. O médium desenhista, Sr. Victorien Sardou, tornou-se médium gravador, embora jamais tivesse pego num buril. Agora faz os desenhos diretamente sobre o cobre, o que permitirá sua reprodução sem o concurso de qualquer artista estranho. Assim, ficou minimizada a questão financeira e poderemos dar uma prova notável em nosso próximo número, acompanhada de uma descrição técnica, que ele terá a bondade de redigir, de acordo com os documentos que lhe forneceram os Espíritos.
Esses desenhos são muito numerosos e seu conjunto mais tarde formará um verdadeiro atlas. Conhecemos um outro médium desenhista por quem os Espíritos traçam não menos curiosos desenhos relativos a um outro mundo. Quanto ao estado dos diversos globos conhecidos, sobre alguns recebo ensinamentos gerais e sobre outros apenas alguns detalhes. Ainda não fixamos a época conveniente para a sua publicação.
ALLAN KARDEC[1]
[1] Paris – Tipografia de Cosson & Cia. Rua do Four-Saint-Germain, 43.