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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859 > Janeiro
Janeiro
A S. A. O Príncipe G.
Príncipe,
Deu-me Vossa Alteza a honra de me dirigir várias perguntas relativas ao Espiritismo. Tentarei respondê-las até onde o permite o estado atual dos conhecimentos sobre a matéria, resumindo em poucas palavras aquilo que a respeito aprendemos pelo estudo e pela observação. As questões em causa baseiam-se nos próprios princípios da Ciência. Para dar mais clareza à solução, é necessário ter em mente esses princípios. Permita-me, pois, considerar o assunto de um plano um pouco mais alto, e estabelecer como preliminares certas proposições fundamentais, que servirão, aliás, de resposta a algumas dessas perguntas.
Fora do mundo corpóreo visível existem seres invisíveis, que constituem o mundo dos Espíritos.
Fora do mundo corpóreo visível existem seres invisíveis, que constituem o mundo dos Espíritos.
Os Espíritos não são seres à parte, mas as próprias almas dos que viveram na Terra, ou em outras esferas, e que se despojaram de seus envoltórios materiais.
Os Espíritos apresentam todos os graus de desenvolvimento intelectual e moral. Consequentemente, há Espíritos bons e maus, esclarecidos e ignorantes, levianos e mentirosos, velhacos e hipócritas, que procuram enganar e induzir ao mal, assim como os há em tudo muito superiores, que não procuram senão fazer o bem. Esta distinção é um ponto capital.
Os Espíritos rodeiam-nos incessantemente. Malgrado nosso, dirigem os nossos pensamentos e as nossas ações, assim influindo sobre os acontecimentos e sobre os destinos da Humanidade.
Os Espíritos por vezes revelam sua presença por meio de efeitos materiais. Esses efeitos nada têm de sobrenatural; só nos parecem sobrenaturais porque repousam sobre bases fora das leis conhecidas da matéria. Uma vez conhecidas essas bases, os efeitos entram na categoria dos fenômenos naturais. É assim que os Espíritos podem agir sobre os corpos inertes e movê-los sem o concurso dos nossos agentes externos. Negar a existência de agentes desconhecidos, pelo simples fato de que não os compreendemos, seria traçar limites ao poder de Deus e crer que a Natureza nos tenha dito a sua última palavra.
Todo efeito tem uma causa; ninguém o contesta. É, pois, ilógico negar a causa pelo simples fato de que é desconhecida.
Se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente deve ter uma causa inteligente. Quando vemos as peças do aparelho telegráfico produzirem sinais que correspondem ao pensamento, não concluímos que elas sejam inteligentes, mas que são movidas por uma inteligência. Dá-se o mesmo com os fenômenos espíritas. Se a inteligência que os produz não é a nossa, evidentemente está fora de nós. Nos fenômenos das ciências naturais agimos sobre a matéria inerte e a manejamos à nossa vontade. Nos fenômenos espíritas agimos sobre inteligências que dispõem do livre-arbítrio e não se submetem à nossa vontade. Há, pois, entre os fenômenos comuns e os fenômenos espíritas uma diferença radical quanto ao princípio. Eis por que a ciência vulgar é incompetente para julgá-los.
O Espírito encarnado tem dois envoltórios: um material, que é o corpo; outro semimaterial e indestrutível, que é o perispírito. Deixando o primeiro, ao desencarnar, conserva o segundo, que constitui uma espécie de segundo corpo, mas de propriedades essencialmente diferentes. Em seu estado normal ele é invisível para nós, mas pode tornar-se momentaneamente visível e mesmo tangível. Tal a causa do fenômeno das aparições.
Os Espíritos não são, pois, seres abstratos, indefinidos, mas seres reais e limitados, com existência própria, que pensam e agem em virtude de seu livrearbítrio. Estão por toda parte, em volta de nós; povoam os espaços e se transportam com a rapidez do pensamento.
Os homens podem entrar em relação com os Espíritos e receber comunicações diretas pela escrita, pela palavra ou por outros meios. Estando ao nosso lado, ou podendo vir ao nosso apelo, é possível, por certos meios, estabelecer comunicações frequentes com os Espíritos, assim como um cego pode fazê-lo com as pessoas que ele não vê.
Certas pessoas são mais dotadas que outras de uma aptidão especial para transmitir comunicações dos Espíritos. São os médiuns. O papel do médium é o de um intérprete; é um instrumento de que se serve o Espírito; esse instrumento pode ser mais ou menos perfeito, donde as comunicações mais ou menos fáceis.
Os fenômenos espíritas são de duas ordens: as manifestações físicas e materiais e as comunicações inteligentes. Os efeitos físicos são produzidos por Espíritos inferiores; os Espíritos elevados não se ocupam dessas coisas, do mesmo modo que os nossos sábios não se entregam a trabalhos pesados; seu papel é instruir pelo raciocínio.
As comunicações tanto podem provir de Espíritos inferiores quanto de superiores. Como os homens, os Espíritos podem ser reconhecidos por sua linguagem: a dos Espíritos superiores é sempre séria, digna, nobre e cheia de benevolência; toda expressão trivial ou inconveniente, todo pensamento que choca a razão e o bom-senso, que denota orgulho, acrimônia ou malevolência emana necessariamente de um Espírito inferior.
Os Espíritos elevados só ensinam boas coisas. Sua moral é a do Evangelho. Só pregam a união e a caridade e jamais enganam. Os Espíritos inferiores dizem absurdos, mentiras e por vezes até grosserias.
A boa qualidade de um médium não está apenas na facilidade das comunicações, mas sobretudo na natureza das comunicações que recebe. Um bom médium é o que simpatiza com os bons Espíritos e não recebe senão boas comunicações.
Todos nós temos um Espírito familiar que se liga a nós desde o nascimento, que nos guia, aconselha e protege. Este é sempre um Espírito bom.
Além do Espírito familiar, há outros que atraímos graças à sua simpatia por nossas qualidades e defeitos ou em virtude de antigas afeições terrenas. Daí se segue que em toda reunião há uma porção de Espíritos mais ou menos bons, conforme a natureza do meio.
Os Espíritos podem revelar o futuro?
Os Espíritos só conhecem o futuro proporcionalmente à sua elevação. Os inferiores nem o seu próprio futuro conhecem e, muito menos ainda, o dos outros. Os Espíritos superiores o conhecem, mas nem sempre lhes é permitido revelá-lo. Em princípio, e por um sábio desígnio da Providência, o futuro nos deve ser oculto. Se o conhecêssemos, nosso livre-arbítrio seria entravado. A certeza do êxito nos tiraria a vontade de fazer qualquer coisa, porque não veríamos a necessidade de nos darmos a esse trabalho; a certeza de uma desgraça nos desencorajaria. Contudo, casos há em que o conhecimento do futuro pode ser útil; entretanto, jamais poderemos ser juízes de tais casos. Os Espíritos no-los revelam quando o julgam conveniente e quando têm a permissão de Deus. Então o fazem espontaneamente, e nunca a nosso pedido.
Devemos esperar a oportunidade com confiança e, sobretudo, não insistir no caso de recusa, pois do contrário arriscar-nos-íamos a tratar com Espíritos levianos, que se divertem à nossa custa.
Os Espíritos podem guiar-nos mediante conselhos diretos nas coisas da vida? Sim, podem e o fazem de boa vontade. Diariamente tais conselhos nos chegam pelos pensamentos que nos sugerem. Com frequência fazemos coisas cujo mérito atribuímos a nós mesmos, quando realmente não passam de uma inspiração que nos foi transmitida. Ora, como somos rodeados de Espíritos que nos influenciam, estes num sentido, aqueles em outro, temos sempre o nosso livre-arbítrio para guiar-nos na escolha, e é para nós uma felicidade quando damos preferência ao nosso gênio bom.
Além dos conselhos ocultos, podemos obter outros conselhos diretamente, através de um médium. Mas cabe aqui relembrar os princípios fundamentais que acabamos de emitir. A primeira coisa a considerar é a qualidade do médium, quando não formos nós próprios. Um médium que só recebe boas comunicações e que, por suas qualidades pessoais, só se afina com os bons Espíritos, é um ser precioso, do qual podem esperar-se grandes coisas, desde que o secundemos pela pureza de suas próprias instruções, a elas vinculando-nos convenientemente. Direi mais: é um instrumento providencial.
O segundo ponto, não menos importante, consiste na natureza dos Espíritos a quem nos dirigimos. Não devemos crer que o primeiro que se apresente possa guiarnos adequadamente. Enganar-se-ia redondamente aquele que nas comunicações espíritas visse apenas um meio de adivinhação e no médium um leitor de “buenadicha”.
É preciso considerar que no mundo dos Espíritos temos amigos que por nós se interessam e que são mais sinceros e mais devotados do que aqueles que assim se consideram aqui na Terra, os quais não têm nenhum interesse em nos adular ou enganar. São, além do nosso Espírito protetor, parentes ou pessoas que nos foram afeiçoadas, ou Espíritos que nos querem bem, por simpatia. Esses, quando chamados, vêm de boa vontade e até mesmo sem serem chamados. Muitas vezes os temos ao nosso lado sem o suspeitarmos. É a eles que podemos pedir conselhos diretamente, através dos médiuns, e que no-los dão até mesmo espontaneamente.
Fazem-no sobretudo na intimidade, no silêncio e quando não perturbados por qualquer influência estranha. São, aliás, muito prudentes e nenhuma indiscrição devemos temer de sua parte: calam-se quando há ouvidos demais. Fazem-no ainda mais espontaneamente quando em comunicação frequente conosco. Como dizem apenas coisas adequadas e oportunas, devemos esperar sua boa vontade e nunca imaginar que apressadamente venham satisfazer todos os nossos pedidos. Querem assim provar que não se acham às nossas ordens.
A natureza das respostas depende muito da maneira de fazer as perguntas. É necessário aprender a conversar com os Espíritos, assim como aprendemos a conversar com os homens. Em tudo é preciso experiência. Por outro lado, o hábito faz que os Espíritos se identifiquem conosco e com o médium; que os fluidos se combinem e as comunicações sejam mais fáceis; então entre eles e nós se estabelecem conversas realmente familiares. Aquilo que não dizem hoje, dirão amanhã; habituam-se à nossa maneira de ser, como nós à deles; ficamos reciprocamente mais à vontade. Quanto à interferência de maus Espíritos e de Espíritos enganadores ─ o que constitui o grande obstáculo ─ a experiência nos ensina a combatê-los e podemos sempre evitá-los. Se não lhes damos guarida, eles não vêm porque sabem que vão perder o seu tempo. Qual poderá ser a utilidade da propagação das ideias espíritas? Sendo o Espiritismo a prova palpável e evidente da existência, da individualidade e da imortalidade da alma, é a destruição do materialismo, essa negação de toda religião, essa chaga de toda a Sociedade. O número de materialistas que ele conduziu a ideias mais sadias é considerável e aumenta todos os dias. Só isto representa um benefício social. Ele não somente prova a existência da alma e a sua imortalidade, como ainda mostra o seu estado feliz ou desgraçado, conforme os méritos desta vida. As penas e recompensas futuras deixam de ser uma teoria, para tornar-se um fato patente aos nossos olhos. Ora, como não há religião possível sem a crença em Deus, na imortalidade da alma e nas penas e recompensas futuras, o Espiritismo reaviva essas crenças nas pessoas às quais ela estava apagada. Resulta daí que ele é o mais poderoso auxiliar das ideias religiosas. Ele dá religião aos que não a possuem; fortifica-a nos que a têm vacilante; consola pela certeza do futuro; faz suportar com paciência e resignação as tribulações desta vida e desvia o pensamento do suicídio, ideia que naturalmente repelimos quando lhe vemos as consequências. É por isso que os que penetraram em seus mistérios sentem-se felizes. Para esses o Espiritismo é uma luz que dissipa as trevas e as angústias da dúvida.
Se considerarmos, dessa maneira, a moral ensinada pelos Espíritos superiores, veremos que ela é totalmente evangélica, pois basta dizer que prega a caridade cristã em toda a sua sublimidade; ela faz mais, porque mostra a sua necessidade, tanto para a felicidade presente como para a futura, pois as consequências do bem e do mal que fazemos estão aí, diante dos nossos olhos. Reconduzindo os homens aos sentimentos de seus deveres recíprocos, o Espiritismo neutraliza o efeito das doutrinas subversoras da ordem social.
Essas crenças não poderiam representar um perigo para a razão? As ciências todas não forneceram o seu contingente para os asilos de alienados? Por isto devem ser condenadas? Não estão largamente representadas entre elas as crenças religiosas? Seria justo, por isto, proscrever a religião? Conhecemos o número de loucos produzidos pelo medo do diabo? Todas as grandes preocupações intelectuais conduzem à exaltação e podem reagir prejudicialmente sobre um cérebro fraco. Teríamos razão de ver no Espiritismo um perigo especial, se ele fosse a causa única ou mesmo preponderante dos casos de loucura. Faz-se um grande barulho em torno de dois ou três casos que, noutras circunstâncias, teriam passado despercebidos. E, além disso, não se levam em conta as causas predisponentes anteriores. Eu poderia citar outros casos em que as ideias espíritas bem compreendidas sustaram o desenvolvimento da loucura. Em resumo, o Espiritismo não oferece, a tal respeito, mais perigo do que as mil e uma causas que a produzem diariamente. Direi mais: ele as oferece em número muito menor, pois traz em si o corretivo e, pela direção que dá às ideias, pela calma que proporciona ao espírito dos que o compreendem, pode neutralizar o efeito das causas estranhas. Uma dessas causas é o desespero. Ora, o Espiritismo, fazendo-nos encarar as coisas mais desagradáveis com sangue frio e resignação, dá-nos a força de suportá-las com coragem e resignação e atenua os funestos efeitos do desespero. As crenças espíritas não são a consagração das ideias supersticiosas da Antiguidade e da Idade Média e não irão aboná-las?
As pessoas sem religião não taxam de superstição a maior parte das crenças religiosas? Uma ideia só é supersticiosa pelo fato de ser falsa; deixa de ser, quando se torna uma verdade. Está provado que no fundo da maioria das superstições existe uma verdade amplificada ou desnaturada pela imaginação. Ora, tirar dessas ideias todo o seu conteúdo fantástico e deixar apenas a realidade é destruir a superstição. Tal é o efeito da ciência espírita, que põe a nu o que há de verdadeiro e de falso nas crenças populares.
Durante muito tempo as aparições foram consideradas como crendices. Hoje, que são um fato comprovado e, mais ainda, perfeitamente explicado, elas entraram para o domínio dos fenômenos naturais. Não adianta condená-las, porque não impediremos que continuem a produzir-se. Entretanto, aqueles que as compreendem não só não se apavoram, mas ficam satisfeitos. E isto a tal ponto que aqueles que não têm essas ideias desejam tê-las. Deixando o campo livre à imaginação, os fenômenos incompreendidos são a fonte de uma porção de ideias acessórias e absurdas que degeneram em superstições. Mostre-se a realidade, explique-se a causa e a imaginação se detém no limite do possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem, e com eles a superstição. Tais são, entre outras, as práticas cabalísticas; a virtude dos signos e das palavras mágicas; as fórmulas sacramentais; os amuletos; os dias nefastos; as horas diabólicas e tantas outras coisas cujo ridículo o Espiritismo bem compreende e demonstra.
Tais são, Príncipe, as respostas que me pareceram devidas às perguntas com que Vossa Alteza me honrou. Sentir-me-ei feliz se elas vierem corroborar as ideias que Vossa Alteza já possui sobre essa matéria e induzirem Vossa Alteza a aprofundar uma questão de tão elevado interesse. Mais feliz ainda se meu concurso ulterior puder ser de alguma utilidade.
Com o mais profundo respeito, sou, de Vossa Alteza, muito humilde e muito obediente servidor.
ALLAN KARDEC.
ALLAN KARDEC.
Adrien, médium vidente II
Desde a publicação de nosso artigo sobre o médium vidente Sr. Adrien, grande número de fatos nos são comunicados confirmando nossa opinião de que essa faculdade, bem como outras faculdades mediúnicas, é mais comum do que se pensa.
Nós já a tínhamos observado numa porção de casos particulares e sobretudo no estado sonambúlico. O fenômeno das aparições é hoje um fato comprovado e, podemos dizer, frequente, sem falar dos numerosos exemplos oferecidos pela História profana e pelas Sagradas Escrituras. Muitos dos que têm sido relatados ocorreram pessoalmente com os nossos informantes. São, porém, quase todos fortuitos e acidentais. Ainda não tínhamos visto ninguém em quem tal faculdade fosse, de algum modo, um estado normal. No Sr. Adrien ela é permanente. Por toda parte onde ele se ache, a população oculta que formiga em volta de nós lhe é visível, sem que ele a chame. Ele representa para nós o papel de um vidente em meio a uma população de cegos; vê os seres que poderíamos chamar de duplicata do gênero humano, indo e vindo, misturando-se em nossas ações e ocupados em seus negócios, se assim podemos dizer.
Dirão os incrédulos que se trata de uma alucinação, vocábulo sacramental e com o qual se pretende explicar aquilo que não se compreende. Gostaríamos que nos explicassem o que é uma alucinação e, principalmente, qual a sua causa. Entretanto no Sr. Adrien ela tem um caráter absolutamente insólito: o da permanência. Até aqui aquilo que se tem convencionado chamar de alucinação é um fato anormal e quase sempre consequência de um estado patológico. Mas não é este o caso. E nós, que temos estudado essa faculdade, que a observamos diariamente em seus mínimos detalhes, chegamos mesmo a constatar-lhe a realidade. Para nós ela não é objeto de dúvida e, como veremos, prestou notável auxílio em nossos estudos espíritas. Ela nos permitiu introduzir o escalpelo da investigação na vida extracorporal. Ela é um facho na escuridão.
O Sr. Home, dotado de notável faculdade como médium de efeitos físicos, produziu resultados surpreendentes. O Sr. Adrien nos inicia na causa de tais efeitos, porque os vê produzir-se e vai muito além daquilo que fere os nossos sentidos.
A realidade da vidência do Sr. Adrien é provada pelo retrato que faz de pessoas que jamais viu e cuja descrição é reconhecida como exata. Seguramente quando ele descreve, com rigorosa minúcia, os mínimos traços de um parente ou de um amigo que evocamos por seu intermédio, temos a certeza de que ele vê, pois não pode ser coisa de sua imaginação, mas há pessoas cuja prevenção as leva a negar a própria evidência. O que é mais esquisito é que, para refutar aquilo que não querem admitir, explicam-no por causas ainda mais difíceis de compreender do que as que lhes apresentamos.
Os retratos do Sr. Adrien, entretanto, nem sempre são infalíveis. Nisto, como em toda ciência, quando se apresenta uma anomalia, é necessário procurar-lhe a causa, pois a causa de uma exceção frequentemente confirma a regra geral. Para compreender esse fato não devemos perder de vista quanto já dissemos sobre a forma aparente dos Espíritos. Essa forma depende do perispírito, cuja natureza, essencialmente flexível, se presta a todas as modificações que lhe queira dar o Espírito. Deixando o envoltório material, o Espírito leva consigo o seu envoltório etéreo, que constitui uma outra espécie de corpo. Em seu estado normal, esse corpo tem uma forma humana, mas não calcada traço a traço sobre aquele que ficou, principalmente se foi deixado há algum tempo. Nos primeiros instantes que se seguem à morte e enquanto existe um laço entre as duas existências, maior é a semelhança. Essa semelhança, porém, apaga-se à medida que se opera o desprendimento e que o Espírito se torna mais estranho ao seu último envoltório.
Contudo, ele pode sempre retomar essa primeira aparência, quer quanto às feições, quer quanto às roupas, quando julga útil para dar-se a conhecer. Em geral, porém, isto requer um grande esforço da vontade. Não é, pois, de admirar que em certos casos não haja semelhança em cada detalhe: bastam-lhe os traços principais. Também para o médium essa investigação não é feita sem certo esforço, que se torna penoso, quando muito repetido. As visões comuns não lhe causam nenhuma fadiga, porque ele não se preocupa senão com as generalidades. É o que acontece quando vemos uma multidão: vemos tudo; todos os indivíduos se destacam aos nossos olhos com seus traços distintivos, sem que, entretanto, esses traços nos impressionem tanto que possamos descrevê-los. Para precisá-los, seria necessário concentrar nossa atenção sobre os menores detalhes que desejássemos analisar, apenas com a diferença que, em circunstâncias ordinárias, fixamos o olhar sobre uma forma material e invariável, enquanto na visão ele repousa sobre uma forma essencialmente móvel, que o mais simples efeito da vontade pode modificar.
Saibamos, pois, tomar as coisas como elas são; consideremo-las em si mesmas e em função de suas propriedades. Não esqueçamos que no Espiritismo não lidamos com a matéria inerte, mas com inteligências que possuem o livre-arbítrio e que, consequentemente, não podemos submeter ao nosso capricho nem fazê-las agir de acordo com a nossa vontade, como se movêssemos um pêndulo. Toda vez que quisermos tomar nossas ciências exatas como ponto de partida nas observações espíritas, extraviar-nos-emos. Por isso a ciência comum é incompetente em tal assunto; é exatamente como um músico que quisesse julgar a arquitetura do ponto de vista musical.
Revela-nos o Espiritismo uma nova ordem de ideias, de novas forças, de novos elementos, de fenômenos que absolutamente não se baseiam naquilo que conhecemos. Saibamos, pois, a fim de julgá-lo, despojar-nos de nossos preconceitos e de qualquer ideia preconcebida. Sobretudo, compenetremo-nos desta verdade: fora daquilo que conhecemos pode existir algo mais, se não quisermos cair no absurdo, fruto de nosso orgulho, de acreditar que Deus não tenha mais segredos para nós. De acordo com isto, compreende-se que delicadas influências podem agir sobre a produção dos fenômenos espíritas. Outras há, entretanto, que merecem uma atenção não menos séria.
Despojado de seu corpo, dizemos nós, o Espírito conserva toda a sua vontade e uma liberdade de pensar bem maior do que quando vivo; tem susceptibilidades que dificilmente compreenderíamos; aquilo que, muita vez, nos parece simples e natural, o melindra e lhe desagrada; uma pergunta imprópria o choca e magoa; eles nos mostram sua independência não fazendo aquilo que queremos, ao passo que por vezes fazem aquilo que nem teríamos tido a lembrança de pedir. É por esta razão que os pedidos de provas e de curiosidade são essencialmente antipáticos aos Espíritos, os quais raramente respondem de modo satisfatório. Sobretudo os Espíritos sérios a isto não se prestam e de modo algum querem servir de divertimento. Compreendesse, assim, que a intenção pode influir muito sobre a sua disposição de se apresentar aos olhos de um médium vidente sob esta ou aquela aparência; e como, em última análise, eles não revestem uma determinada aparência senão quando lhes convém, só o fazem quando para isso existe um motivo sério e útil.
Há outra razão que de certo modo liga-se ao que poderíamos chamar de fisiologia espírita. A visão do Espírito pelo médium se dá por uma espécie de radiação fluídica que parte do Espírito e se dirige ao médium; este, por assim dizer, absorve os raios e os assimila. Se estiver só, ou cercado de pessoas simpáticas, unidas pela intenção e pelo pensamento, sobre ele concentram-se aqueles raios; então a visão é clara e precisa e é em tais condições que as figuras são de notável exatidão. Se, ao contrário, tem em seu redor influências antipáticas e pensamentos divergentes e hostis; se não há recolhimento, os raios fluídicos se dispersam e são absorvidos pelo meio ambiente; daí uma espécie de nuvem que se projeta sobre o Espírito e não permite que se lhes distingam as nuanças. O mesmo aconteceria com uma luz com ou sem refletor. Uma outra comparação menos material pode ainda nos dar conta do fenômeno. Todos sabemos que a verve de um orador é estimulada pela simpatia e pela atenção do auditório e se, ao contrário, ele for distraído pelos rumores, pela desatenção e pela má vontade, seus pensamentos já não serão livres: dispersam-se e os seus recursos escasseiam. Um Espírito influenciado por um meio absorvente encontra-se no mesmo caso: ao invés de sua radiação se dirigir para um ponto único, dissemina-se e perde a sua força.
Às considerações precedentes devemos acrescentar uma, cuja importância será facilmente compreendida por todos os que conhecem a marcha dos fenômenos espíritas. Sabe-se que várias causas podem impedir que um Espírito atenda ao nosso apelo no momento em que o evocamos: pode estar reencarnado ou ocupado alhures.
Ora, entre os Espíritos que se apresentam quase sempre simultaneamente, deve o médium distinguir aquele que desejamos e, caso aí não esteja, pode confundi-lo com um outro Espírito, igualmente simpático à pessoa que evoca. Descreve o Espírito que ele está vendo, sem entretanto poder afirmar com certeza se é um ou outro. Entretanto, se o Espírito que se apresenta for sério, não enganará quanto à sua identidade. Interrogado a respeito, poderá explicar a causa do equívoco e dizer quem ele é.
Um meio pouco propício será também prejudicial por outra razão. Cada um tem, como companheiros, Espíritos que simpatizam com os seus defeitos e com as suas qualidades. Tais Espíritos são bons ou maus, conforme os indivíduos. Quanto maior for o número de pessoas reunidas, maior será a variedade de Espíritos e maiores as possibilidades de encontrar antipatias. Se, pois, na reunião houver pessoas hostis, quer por pensamentos maliciosos, quer pelo caráter leviano ou por sua incredulidade sistemática, por isso mesmo atrairão Espíritos pouco benevolentes, que por vezes entravam as manifestações de qualquer natureza, tanto escritas quanto visuais. Daí a necessidade de nos colocarmos nas mais favoráveis condições, se quisermos manifestações sérias: Os fins justificam os meios. As manifestações espíritas não são coisas com as quais possamos brincar impunemente. Se quiserdes coisas sérias, sede sérios na mais rigorosa acepção do vocábulo, do contrário sereis joguetes de Espíritos levianos, que se divertirão às vossas custas.
O duende de Bayonne
Em nosso número passado dissemos algumas palavras relativamente a essa estranha manifestação. As informações nos haviam sido dadas muito sucintamente e de viva voz por um de nossos assinantes, amigo da família onde ocorreram aqueles fatos. Tinha ele prometido detalhes mais circunstanciados e devemos à sua colaboração a disponibilização das cartas que contêm referências detalhadas dos fatos.
A família reside perto de Bayonne e as cartas foram escritas pela própria mãe da menina, uma criança de dez anos, a seu filho que mora em Bordéus, pondo-o ao corrente do que se passava em casa. Este último teve o trabalho de transcrevê-las para nós, a fim de que se lhes não pudesse contestar a autenticidade. Por essa gentileza nós lhe somos infinitamente reconhecidos.
Compreende-se a reserva com que cercamos os nomes das pessoas, reserva que para nós é sempre uma lei a observar, a não ser que recebamos autorização formal. Nem todos gostam de atrair multidões de curiosos. Àqueles para quem tal reserva constitui motivo de suspeitas diremos que é necessário estabelecer uma diferença entre um jornal eminentemente sério e os que apenas visam distrair o público. Nosso objetivo não é contar casos para encher páginas, mas iluminar a Ciência. Se fôssemos enganados, sê-lo-íamos de boa-fé. Quando aos nossos olhos uma coisa não é formalmente demonstrada, damo-la apenas a título de registro. Já o mesmo não se dá quando se trata de pessoas respeitáveis, cuja honorabilidade conhecemos e que, longe de ter interesse em induzir-nos em erro, também querem instruir-se. A primeira carta é a do filho ao nosso assinante, enviando-lhe as cartas de sua mãe.
“Saint-Esprit, 20 de novembro de 1858.
“Meu caro amigo,
“Chamado para junto de minha família por motivo da morte de um de meus irmãos menores, que Deus houve por bem tirar-nos, esta circunstância, afastando-me por algum tempo de minha casa, é o motivo do atraso de minha resposta. Ficaria muito triste se vos fizesse passar por um contador de histórias junto ao Sr. Allan Kardec, por isso quero dar-vos alguns pormenores sumários sobre as coisas que se passam em minha família. Penso que já vos disse que as aparições cessaram há algum tempo e não mais se manifestam à minha irmã. Aí vão as cartas que a respeito me escreveu minha mãe. Devo observar que muitos dos fatos foram omitidos, embora não sejam os menos interessantes. Escreverei novamente para completar a história, caso não o possais fazer recordando-vos daquilo que vos disse de viva voz.”
23 de abril de 1855.
Há cerca de três meses, uma tarde, tua irmã X teve necessidade de sair para fazer uma compra. Como sabes, o corredor da casa é longo e nunca iluminado; mas o velho hábito que temos de percorrê-lo sem luz faz com que jamais tropecemos nos degraus da escada. X já nos havia dito que cada vez que saía ouvia uma voz a lhe dizer coisas que a princípio não compreendia, mas que depois se tornaram inteligíveis. Algum tempo depois ela viu uma sombra e, no trajeto, não cessava de ouvir a mesma voz. As palavras ditas por esse ser invisível tendiam sempre a tranquilizá-la e a lhe dar sábios conselhos. Uma boa moral constituía a essência de tais palavras. X ficava muito perturbada e, segundo nos disse, por vezes não tinha forças para prosseguir. “Criança”, dizia-lhe o invisível cada vez que ela se perturbava, “nada temas, pois quero apenas o teu bem.” Ensinou-lhe um lugar onde por vários dias ela encontrou algumas moedas; de outras vezes nada encontrou. X conformou-se com a recomendação que lhe foi dada, e durante muito tempo ou encontrava dinheiro ou alguns brinquedos que verás. Certamente esses presentes lhe eram dados com o fito de encorajá-la. Não eras esquecido na conversa desse ser. Muitas vezes ele falava de ti e nos dava as tuas notícias por intermédio de tua irmã. Várias vezes ele nos pôs a par do que fazias à noite. Viu-te a ler em teu quarto; outras vezes nos disse que os teus amigos estavam reunidos em tua casa; enfim ele nos acalmava, sempre que a preguiça te impedia de nos escrever. De algum tempo para cá, X tem contatos quase que contínuos com o invisível. Durante o dia ela nada vê. Ouve sempre a mesma voz que lhe dirige palavras sensatas, não cessando de estimulá-la ao trabalho e ao amor a Deus. À noite ela vê, na direção de onde parte a voz, uma luz rósea que não ilumina, mas que, em sua opinião, poderia ser comparada ao faiscar de um diamante na sombra. Agora ela perdeu o medo completamente. Se lhe manifesto dúvidas, diz-me: “Mamãe, é um anjo que me fala; e se, para te convenceres, te armares de coragem, ele me pede para dizer-te que esta noite fará com que te levantes. Se te falar, deverás responder. Vai ao lugar que ele te indicar; verás alguém em tua frente, mas não temas.” Eu não quis pôr à prova a minha coragem. Tive medo e a impressão que me ficou impediu-me de dormir. Muitas vezes, à noite, parecia-me ouvir um sopro à cabeceira de meu leito. As cadeiras moviam-se sem que ninguém as tocasse. Depois de algum tempo meus terrores desapareceram completamente e eu lamento muito não ter me submetido à prova que me fora proposta para ter ligações diretas com o invisível e também para não ter que lutar continuamente contra as dúvidas. Aconselhei
23 de abril de 1855.
Há cerca de três meses, uma tarde, tua irmã X teve necessidade de sair para fazer uma compra. Como sabes, o corredor da casa é longo e nunca iluminado; mas o velho hábito que temos de percorrê-lo sem luz faz com que jamais tropecemos nos degraus da escada. X já nos havia dito que cada vez que saía ouvia uma voz a lhe dizer coisas que a princípio não compreendia, mas que depois se tornaram inteligíveis. Algum tempo depois ela viu uma sombra e, no trajeto, não cessava de ouvir a mesma voz. As palavras ditas por esse ser invisível tendiam sempre a tranquilizá-la e a lhe dar sábios conselhos. Uma boa moral constituía a essência de tais palavras. X ficava muito perturbada e, segundo nos disse, por vezes não tinha forças para prosseguir. “Criança”, dizia-lhe o invisível cada vez que ela se perturbava, “nada temas, pois quero apenas o teu bem.” Ensinou-lhe um lugar onde por vários dias ela encontrou algumas moedas; de outras vezes nada encontrou. X conformou-se com a recomendação que lhe foi dada, e durante muito tempo ou encontrava dinheiro ou alguns brinquedos que verás. Certamente esses presentes lhe eram dados com o fito de encorajá-la. Não eras esquecido na conversa desse ser. Muitas vezes ele falava de ti e nos dava as tuas notícias por intermédio de tua irmã. Várias vezes ele nos pôs a par do que fazias à noite. Viu-te a ler em teu quarto; outras vezes nos disse que os teus amigos estavam reunidos em tua casa; enfim ele nos acalmava, sempre que a preguiça te impedia de nos escrever. De algum tempo para cá, X tem contatos quase que contínuos com o invisível. Durante o dia ela nada vê. Ouve sempre a mesma voz que lhe dirige palavras sensatas, não cessando de estimulá-la ao trabalho e ao amor a Deus. À noite ela vê, na direção de onde parte a voz, uma luz rósea que não ilumina, mas que, em sua opinião, poderia ser comparada ao faiscar de um diamante na sombra. Agora ela perdeu o medo completamente. Se lhe manifesto dúvidas, diz-me: “Mamãe, é um anjo que me fala; e se, para te convenceres, te armares de coragem, ele me pede para dizer-te que esta noite fará com que te levantes. Se te falar, deverás responder. Vai ao lugar que ele te indicar; verás alguém em tua frente, mas não temas.” Eu não quis pôr à prova a minha coragem. Tive medo e a impressão que me ficou impediu-me de dormir. Muitas vezes, à noite, parecia-me ouvir um sopro à cabeceira de meu leito. As cadeiras moviam-se sem que ninguém as tocasse. Depois de algum tempo meus terrores desapareceram completamente e eu lamento muito não ter me submetido à prova que me fora proposta para ter ligações diretas com o invisível e também para não ter que lutar continuamente contra as dúvidas. Aconselhei
X a interrogar o invisível quanto à sua natureza. Eis a conversa de ambos:
X. ─ Quem és tu?
Inv. ─ Sou teu irmão Eliseu.
Inv. ─ Sou teu irmão Eliseu.
X. ─ Meu irmão morreu há doze anos.
Inv. ─ É verdade. Teu irmão morreu há doze anos, mas havia nele, como há em todos os seres, uma alma que não morre e que neste mesmo instante se acha em tua presença, te ama e protege a todos.
Inv. ─ É verdade. Teu irmão morreu há doze anos, mas havia nele, como há em todos os seres, uma alma que não morre e que neste mesmo instante se acha em tua presença, te ama e protege a todos.
X. ─ Gostaria de ver-te.
Inv. ─ Estou à tua frente.
Inv. ─ Estou à tua frente.
X. ─ Contudo nada vejo.
Inv. ─ Tomarei uma forma visível para ti. Depois da cerimônia religiosa descerás; então tu me verás e eu te abraçarei.
Inv. ─ Tomarei uma forma visível para ti. Depois da cerimônia religiosa descerás; então tu me verás e eu te abraçarei.
X. ─ Mamãe também gostaria de conhecer-te.
Inv. ─ Tua mãe é minha mãe. Ela me conhece. Preferiria manifestar-me a ela do que a ti. Esse era o meu dever, mas não me posso mostrar a muitas pessoas, pois Deus não o permite. Lamento que mamãe não tenha tido coragem. Prometo dar-te provas de minha existência, e então desaparecerão todas as dúvidas.
Inv. ─ Tua mãe é minha mãe. Ela me conhece. Preferiria manifestar-me a ela do que a ti. Esse era o meu dever, mas não me posso mostrar a muitas pessoas, pois Deus não o permite. Lamento que mamãe não tenha tido coragem. Prometo dar-te provas de minha existência, e então desaparecerão todas as dúvidas.
À tarde, à hora marcada, X foi à porta do templo. Um rapaz apresentou-se a ele e disse: “Eu sou o teu irmão. Disseste que me querias ver. Estás satisfeita? Abraça-me, porque não posso conservar por muito tempo a forma que tomei.”
Como bem compreendes, a presença desse ser deveria ter espantado X a ponto de impedi-la de fazer qualquer observação. Assim que a abraçou, ele desapareceu no ar.
Na manhã seguinte, aproveitando o momento em que X deveria sair, o invisível se manifestou novamente e lhe disse:
“Deverias ter ficado muito surpreendida com o meu desaparecimento. Pois bem, eu te quero ensinar a elevar-te nos ares, para que me possas acompanhar.”
Qualquer outra que não X teria ficado com medo de tal proposta. Ela, porém, aceitou-a com entusiasmo e logo sentiu que se elevava como uma andorinha. Em pouco tempo chegou a um lugar onde havia uma multidão considerável. Segundo nos contou, viu ouro, diamantes e tudo quanto na Terra satisfaz a nossa imaginação.
Ninguém considerava essas coisas mais do que nós consideramos as pedras das calçadas por onde andamos. Reconheceu várias crianças de sua idade que moravam na nossa rua e que faleceram há muito tempo. Num apartamento ricamente decorado, onde não havia ninguém, o que mais lhe chamou a atenção foi uma grande mesa na qual, de espaço a espaço, havia um papel. Diante de cada papel havia um tinteiro. Ela via as penas molharem-se por si sós e traçarem caracteres sem que qualquer mão as movesse.
Quando voltou, censurei-a por se ter ausentado sem minha autorização e a proibi expressamente de retomar tais excursões. O invisível lhe manifestou pesar por me haver contrariado e lhe prometeu formalmente que, de então em diante, não a convidaria mais para ausentar-se sem que eu fosse avisada.
26 de abril.
O invisível transformou-se aos olhos de X. Tomou tua forma tão bem que tua irmã pensou que estivesses na sala. Para certificar-se, ela lhe pediu que tomasse sua forma primitiva. Pois assim que desapareceste, foste substituído por mim. Seu espanto foi grande: perguntou como eu me achava ali, sendo que a porta do salão estava fechada a chave. Então ocorreu uma nova transformação: ele tomou a forma do irmão morto e disse a X: “Tua mãe e todos os membros da família não veem sem espanto e mesmo sem um certo receio todos os fatos que se realizam por minha intervenção. Meu desejo não é amedrontar; contudo, quero provar minha existência e te pôr ao abrigo da incredulidade de todos, pois que poderiam tomar como mentira tua o que seria da parte deles uma obstinação em não se renderem à evidência. A senhora C. é lojista; sabes que é preciso comprar botões; iremos ambos comprá-los. Eu me transformarei em teu irmãozinho (ele tinha então nove anos) e quando voltares para casa pedirás à mamãe que mande perguntar à senhora C. quem estava contigo no momento em que os botões foram comprados.” X observou as instruções. Eu mandei perguntar à senhora C. e ela respondeu que tua irmã estava com teu irmão, a quem muito elogiou, dizendo que, em sua idade, ninguém poderia pensar que tivesse respostas tão fáceis e, sobretudo, tão pouca timidez. É bom que saibas que o pequeno estava no colégio desde cedo e que só voltaria às sete horas. Além disso, é muito tímido e não tem aquela facilidade que lhe querem atribuir. É muito curioso, não achas? Creio que a mão de Deus não é estranha a essas coisas inexplicáveis.
7 de maio de 1855.
Não sou mais crédula do que se deve ser e não me deixo dominar por ideias supersticiosas. Contudo não posso recusar-me a crer em fatos que se realizam sob minhas vistas. Eram-me necessárias provas muito evidentes para não mais infligir à tua irmã os castigos que lhe dava, às vezes com pesar, receando que nos quisesse ludibriar e abusar de nossa confiança. Ontem, por volta das cinco horas, o invisível disse a X: “É provável que a mamãe te mande a algum lugar, para dar um recado. No caminho serás agradavelmente surpreendida pela chegada da família de teu tio”. Imediatamente X me transmitiu o que o invisível lhe havia dito. Eu estava longe de esperar tal visita e fiquei ainda mais surpresa por ficar sabendo dessa maneira. Tua irmã saiu e as primeiras pessoas que encontrou foram realmente meu irmão, sua mulher e seus filhos, que nos vinham ver. X apressou-se em dizer que eu tinha uma prova a mais da veracidade de tudo quanto ela me dizia.
l0 de maio de 1855.
Hoje não posso mais duvidar de que algo de extraordinário acontece em casa. Vejo sem medo se realizarem todos esses fatos singulares, dos quais, entretanto, não posso extrair nenhum ensinamento, porque esses mistérios me são inexplicáveis.
26 de abril.
O invisível transformou-se aos olhos de X. Tomou tua forma tão bem que tua irmã pensou que estivesses na sala. Para certificar-se, ela lhe pediu que tomasse sua forma primitiva. Pois assim que desapareceste, foste substituído por mim. Seu espanto foi grande: perguntou como eu me achava ali, sendo que a porta do salão estava fechada a chave. Então ocorreu uma nova transformação: ele tomou a forma do irmão morto e disse a X: “Tua mãe e todos os membros da família não veem sem espanto e mesmo sem um certo receio todos os fatos que se realizam por minha intervenção. Meu desejo não é amedrontar; contudo, quero provar minha existência e te pôr ao abrigo da incredulidade de todos, pois que poderiam tomar como mentira tua o que seria da parte deles uma obstinação em não se renderem à evidência. A senhora C. é lojista; sabes que é preciso comprar botões; iremos ambos comprá-los. Eu me transformarei em teu irmãozinho (ele tinha então nove anos) e quando voltares para casa pedirás à mamãe que mande perguntar à senhora C. quem estava contigo no momento em que os botões foram comprados.” X observou as instruções. Eu mandei perguntar à senhora C. e ela respondeu que tua irmã estava com teu irmão, a quem muito elogiou, dizendo que, em sua idade, ninguém poderia pensar que tivesse respostas tão fáceis e, sobretudo, tão pouca timidez. É bom que saibas que o pequeno estava no colégio desde cedo e que só voltaria às sete horas. Além disso, é muito tímido e não tem aquela facilidade que lhe querem atribuir. É muito curioso, não achas? Creio que a mão de Deus não é estranha a essas coisas inexplicáveis.
7 de maio de 1855.
Não sou mais crédula do que se deve ser e não me deixo dominar por ideias supersticiosas. Contudo não posso recusar-me a crer em fatos que se realizam sob minhas vistas. Eram-me necessárias provas muito evidentes para não mais infligir à tua irmã os castigos que lhe dava, às vezes com pesar, receando que nos quisesse ludibriar e abusar de nossa confiança. Ontem, por volta das cinco horas, o invisível disse a X: “É provável que a mamãe te mande a algum lugar, para dar um recado. No caminho serás agradavelmente surpreendida pela chegada da família de teu tio”. Imediatamente X me transmitiu o que o invisível lhe havia dito. Eu estava longe de esperar tal visita e fiquei ainda mais surpresa por ficar sabendo dessa maneira. Tua irmã saiu e as primeiras pessoas que encontrou foram realmente meu irmão, sua mulher e seus filhos, que nos vinham ver. X apressou-se em dizer que eu tinha uma prova a mais da veracidade de tudo quanto ela me dizia.
l0 de maio de 1855.
Hoje não posso mais duvidar de que algo de extraordinário acontece em casa. Vejo sem medo se realizarem todos esses fatos singulares, dos quais, entretanto, não posso extrair nenhum ensinamento, porque esses mistérios me são inexplicáveis.
Ontem, depois de ter arrumado toda a casa, e sabes que é uma coisa a que ligo especial atenção, o invisível disse a X que, a despeito das provas que havia dado de sua intervenção em todos os fatos curiosos que te contei, eu ainda tinha dúvidas que ele queria eliminar por completo. Sem que se tivesse ouvido qualquer ruído, um minuto foi bastante para pôr os quartos em completa desordem. Uma substância vermelha, que acredito fosse sangue, tinha sido derramada no soalho. Se tivessem sido apenas algumas gotas, eu teria pensado que X se tivesse cortado ou sangrado pelo nariz; mas fica sabendo que o soalho ficou inundado. Esta prova esquisita deu-nos um trabalho considerável para restituir ao piso do salão o seu primitivo brilho.
Antes de abrir as cartas que nos escreves, X conhece o conteúdo. É o invisível quem lho transmite.
16 de maio de 1855.
X não aceitou uma observação que a irmã lhe fez, não sei a propósito de quê. Deu uma resposta inconveniente e teve a merecida reprimenda. Castiguei-a e ela foi deitar-se sem jantar. Antes de dormir ela tem o hábito de rezar a Deus. Essa noite ela esqueceu. Mas alguns instantes depois de deitada o invisível lhe apareceu. Exibiu-lhe um castiçal e um livro de orações semelhante ao que ela habitualmente usava, e lhe disse que, apesar da punição que ela merecera, não devia esquecer-se de cumprir sua obrigação. Então ela se levantou, fez o que ele ordenara e tudo desapareceu quando a prece terminou.
16 de maio de 1855.
X não aceitou uma observação que a irmã lhe fez, não sei a propósito de quê. Deu uma resposta inconveniente e teve a merecida reprimenda. Castiguei-a e ela foi deitar-se sem jantar. Antes de dormir ela tem o hábito de rezar a Deus. Essa noite ela esqueceu. Mas alguns instantes depois de deitada o invisível lhe apareceu. Exibiu-lhe um castiçal e um livro de orações semelhante ao que ela habitualmente usava, e lhe disse que, apesar da punição que ela merecera, não devia esquecer-se de cumprir sua obrigação. Então ela se levantou, fez o que ele ordenara e tudo desapareceu quando a prece terminou.
Na manhã seguinte, depois de me haver abraçado, X me perguntou se o castiçal que se achava sobre a mesa no andar superior do seu quarto tinha sido retirado. Ora, esse castiçal, semelhante ao que lhe havia sido apresentado na véspera, não tinha mudado de lugar, assim como o seu livro de preces.
4 de junho de 1855.
De algum tempo para cá nenhum fato digno de menção ocorreu, a não ser o seguinte: Eu estava resfriada nestes últimos dias; anteontem todas as tuas irmãs estavam ocupadas e eu não dispunha de ninguém para mandar comprar um unguento. Disse a X que quando ela tivesse acabado a sua tarefa seria bom ir à farmácia mais próxima comprar-me alguma coisa. Ela esqueceu minha recomendação e eu mesma não pensei mais no caso. Tenho certeza de que ela não saiu, nem deixou o trabalho senão para ir buscar uma sopeira de que necessitávamos.
4 de junho de 1855.
De algum tempo para cá nenhum fato digno de menção ocorreu, a não ser o seguinte: Eu estava resfriada nestes últimos dias; anteontem todas as tuas irmãs estavam ocupadas e eu não dispunha de ninguém para mandar comprar um unguento. Disse a X que quando ela tivesse acabado a sua tarefa seria bom ir à farmácia mais próxima comprar-me alguma coisa. Ela esqueceu minha recomendação e eu mesma não pensei mais no caso. Tenho certeza de que ela não saiu, nem deixou o trabalho senão para ir buscar uma sopeira de que necessitávamos.
Com grande surpresa, ao abri-la encontramos um pacote de balas de cevada que o invisível tinha trazido, para poupar uma caminhada e também para satisfazer um desejo meu, que havia sido olvidado.
Evocamos esse Espírito numa das sessões da Sociedade e lhe dirigimos as perguntas abaixo. O Sr. Adrien o viu com a fisionomia de um menino de l0 a 12 anos: bela cabeça, cabelos negros e ondulados, olhos negros e vivos, pálido, lábios irônicos, caráter leviano, mas bondoso. O Espírito disse ignorar por que o evocavam.
Nosso correspondente estava presente à sessão e disse que seus traços correspondem perfeitamente aos que a menina lhe descreveu em várias circunstâncias.
1 ─ Ouvimos contar a história de tuas manifestações numa família de Bayonne e, a tal respeito, gostaríamos de fazer-te algumas perguntas.
─ Façam e eu responderei. Mas façam rapidamente, pois tenho pressa de ir embora.
─ Façam e eu responderei. Mas façam rapidamente, pois tenho pressa de ir embora.
2 ─ Onde apanhaste o dinheiro que davas à tua irmã?
─ Tirei do bolso dos outros. Os senhores compreendem que eu não me iria divertir em cunhar moedas. Pego daqueles que podem dá-las.
─ Tirei do bolso dos outros. Os senhores compreendem que eu não me iria divertir em cunhar moedas. Pego daqueles que podem dá-las.
3 ─ Por que te ligaste àquela menina?
─ Por grande simpatia.
─ Por grande simpatia.
4 ─ É certo que foste seu irmão, falecido aos quatro anos?
─ Sim.
─ Sim.
5 ─ Por que és visível para ela e não para tua mãe?
─ Minha mãe deve estar impedida de ver-me, mas minha irmã não necessita de punição. Aliás foi por concessão especial que lhe apareci.
─ Minha mãe deve estar impedida de ver-me, mas minha irmã não necessita de punição. Aliás foi por concessão especial que lhe apareci.
6 ─ Poderias explicar como, à vontade, te tornas visível ou invisível?
─ Não sou suficientemente elevado e estou muito preocupado com o que me atrai, para que possa responder a tal pergunta.
─ Não sou suficientemente elevado e estou muito preocupado com o que me atrai, para que possa responder a tal pergunta.
7 ─ Se quisesses poderias aparecer em nosso meio, assim como te mostraste à dona da loja?
─ Não.
─ Não.
8 ─ Nesse estado serias sensível à dor, se apanhasses?
─ Não.
─ Não.
9 ─ Que aconteceria se a dona da loja te houvesse batido?
─ Teria batido no vácuo.
─ Teria batido no vácuo.
l0 ─ Sob que nome podemos te designar, quando falarmos de ti?
─ Podem chamar-me de Duende, se quiserem. Mas deixem-me ir; é preciso que
eu vá.
─ Podem chamar-me de Duende, se quiserem. Mas deixem-me ir; é preciso que
eu vá.
11 ─ (A São Luís). Seria útil termos às nossas ordens um Espírito assim?
─ Muitas vazes os tendes junto a vós, a vos assistir sem que o suspeiteis.
─ Muitas vazes os tendes junto a vós, a vos assistir sem que o suspeiteis.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O DUENDE DE BAYONNE
Se compararmos estes fatos com os de Bergzabern, dos quais os nossos leitores não perderam a lembrança, veremos uma diferença capital. O de Bergzabern era mais que um Espírito batedor; era — e o é ainda neste momento — um Espírito perturbador, em toda a acepção do vocábulo. Sem fazer mal, é um hóspede muito incômodo e muito desagradável, sobre o qual voltaremos, em nosso próximo número, à vista de novas e recentes proezas. Ao contrário, o de Bayonne é eminentemente benévolo e obsequiador; é o tipo desses bons Espíritos serviçais, cujos feitos nos são transmitidos pelas lendas alemãs, nova prova de que nas histórias lendárias pode haver um fundo de verdade. Aliás é de convir que a imaginação pouco teria a fazer para colocar estes fatos no plano de uma lenda e que os mesmos poderiam ser tomados como uma história medieval se não se passassem, por Assim dizer, aos nossos olhos.
Um dos traços mais notáveis do Espírito a quem demos o nome de Duende de Bayonne são as suas transformações. Que dirão agora da fábula de Proteu? Entre o de Bayonne e o de Bergzabern há ainda a diferença de que este último só se mostrou em sonhos, enquanto que o nosso diabrete se tornava visível e tangível, como uma pessoa real, não só para a irmã, como para estranhos; testemunha-o a compra de botões na lojista. Por que não se mostrava a todos e a toda hora? Eis o que ignoramos. Parece que não tem tal poder e que mesmo não podia ficar muito em tal estado. Talvez que para isso fosse necessário um trabalho intimo, um poder da vontade acima de suas forças.
Novos detalhes prometidos permitirão que voltemos ao assunto.
Um dos traços mais notáveis do Espírito a quem demos o nome de Duende de Bayonne são as suas transformações. Que dirão agora da fábula de Proteu? Entre o de Bayonne e o de Bergzabern há ainda a diferença de que este último só se mostrou em sonhos, enquanto que o nosso diabrete se tornava visível e tangível, como uma pessoa real, não só para a irmã, como para estranhos; testemunha-o a compra de botões na lojista. Por que não se mostrava a todos e a toda hora? Eis o que ignoramos. Parece que não tem tal poder e que mesmo não podia ficar muito em tal estado. Talvez que para isso fosse necessário um trabalho intimo, um poder da vontade acima de suas forças.
Novos detalhes prometidos permitirão que voltemos ao assunto.
Palestras familiares de além-túmulo
Duclos
1 ─ Evocação.
─ Eis-me aqui.
O Sr. Adrien, médium vidente que jamais o vira em vida, fez-lhe o seguinte retrato, considerado muito exato pelas pessoas presentes que o haviam conhecido:
Rosto comprido; faces cavadas; fronte arqueada e com rugas; nariz um pouco longo e ligeiramente aquilino; olhos cinzentos e um pouco à flor das órbitas; boca mediana e trocista; tez um pouco pálida; cabelos grisalhos e longa barba: estatura mais para grande do que para pequena. Paletó de tecido azul, todo esgarçado e com rasgões; calças pretas, velhas e em frangalhos; colete claro; lenço de uma cor indefinida, amarrado como gravata.
2 ─ Lembra-se de sua última existência terrena?
─ Perfeitamente.
─ Perfeitamente.
3 ─ Que motivo o levou a viver a vida excêntrica que levou?
─ Estava cansado da vida e tinha pena dos homens e de suas motivações.
─ Estava cansado da vida e tinha pena dos homens e de suas motivações.
4 ─ Dizem que era por vingança e para humilhar um parente de alta posição. É
verdade?
─ Não só por isso. Humilhando aquele homem, humilhava muitos outros.
verdade?
─ Não só por isso. Humilhando aquele homem, humilhava muitos outros.
5 ─ Se era uma vingança, custava-lhe caro, porque, durante longos anos, privou-se de todos os prazeres sociais para satisfazê-la. Não acha isto um tanto duro?
─ Eu me alegrava de outra maneira.
─ Eu me alegrava de outra maneira.
6 ─ Havia, ao lado disso, um pensamento filosófico? É por isto que o comparavam a Diógenes?
─ Havia alguma relação com a parte menos sadia da filosofia desse homem.
─ Havia alguma relação com a parte menos sadia da filosofia desse homem.
7 ─ O que pensa de Diógenes?
─ Pouca coisa: em menor medida, é o mesmo que penso de mim. Diógenes tinha sobre nós a vantagem de ter feito alguns séculos mais cedo aquilo que eu fiz e em meio a homens menos civilizados do que aqueles em cujo meio eu vivia.
─ Pouca coisa: em menor medida, é o mesmo que penso de mim. Diógenes tinha sobre nós a vantagem de ter feito alguns séculos mais cedo aquilo que eu fiz e em meio a homens menos civilizados do que aqueles em cujo meio eu vivia.
8 ─ Entretanto há uma diferença entre você e Diógenes: para ele a conduta era consequência de seu sistema filosófico, enquanto a sua teve por princípio a vingança.
─ Em mim a vingança conduziu a filosofia.
─ Em mim a vingança conduziu a filosofia.
9 ─ Você sofria por se ver assim isolado e por ser objeto de desprezo e de asco e porque sua educação o isolava dos mendigos e dos vagabundos e você era repelido pelas pessoas educadas?
─ Eu sabia que não temos amigos na Terra. Ah! como eu o havia provado!
─ Eu sabia que não temos amigos na Terra. Ah! como eu o havia provado!
10 ─ Quais as suas ocupações atuais e onde passa o tempo?
─ Percorro mundos melhores e instruo-me... Lá existem muitas almas boas que nos revelam a ciência celeste dos Espíritos!
─ Percorro mundos melhores e instruo-me... Lá existem muitas almas boas que nos revelam a ciência celeste dos Espíritos!
11 ─ Você vem algumas vezes ao Palais-Royal, depois de sua morte?
─ Que me importa o Palais-Royal?!
─ Que me importa o Palais-Royal?!
12 ─ Entre as pessoas que aqui se acham, reconhece algumas que tivesse conhecido em suas peregrinações no Palais-Royal?
─ Como não as reconheceria?
─ Como não as reconheceria?
13 ─ É com prazer que as revê?
─ Com prazer; com o maior prazer mesmo. Elas foram boas para mim.
─ Com prazer; com o maior prazer mesmo. Elas foram boas para mim.
14 ─ Revê o seu amigo Charles Nodier?
─ Sim. Principalmente depois de sua morte.
─ Sim. Principalmente depois de sua morte.
15 ─ Ele está errante ou encarnado?
─ Errante, como eu.
─ Errante, como eu.
16 ─ Por que escolheu o Palais-Royal, o lugar então mais frequentado de Paris, para os seus passeios? Não seria isso contrário a seus gostos de misantropo?
─ Lá eu via todo mundo, todas as tardes.
─ Lá eu via todo mundo, todas as tardes.
17 ─ Não haveria de sua parte um sentimento de orgulho?
─ Sim, infelizmente. O orgulho teve importante participação em minha vida.
─ Sim, infelizmente. O orgulho teve importante participação em minha vida.
18 ─ É agora mais feliz?
─ Oh! Sim!
─ Oh! Sim!
19 ─ Entretanto, seu gênero de vida não deve ter contribuído para o seu aperfeiçoamento.
─ Esta existência terrena? Muito mais do que imaginais! Não experimentava eu momentos sombrios quando entrava em casa, sozinho e desolado? Ali tinha tempo de ruminar muitos pensamentos.
─ Esta existência terrena? Muito mais do que imaginais! Não experimentava eu momentos sombrios quando entrava em casa, sozinho e desolado? Ali tinha tempo de ruminar muitos pensamentos.
20 ─ Se tivesse que escolher outra existência, qual seria ela?
─ Não em vossa Terra. Hoje, posso esperar coisa melhor.
─ Não em vossa Terra. Hoje, posso esperar coisa melhor.
21 ─ Lembra-se de sua penúltima existência?
─ Sim, e de outras também.
─ Sim, e de outras também.
22 ─ Onde viveu essas existências?
─ Na Terra e em outros mundos.
─ Na Terra e em outros mundos.
23 ─ E a penúltima?
─ Na Terra.
─ Na Terra.
24 ─ Pode dá-la a conhecer?
─ Não. Era uma vida obscura e oculta.
─ Não. Era uma vida obscura e oculta.
25 ─ Sem nos revelar tal existência, poderia dizer que relação tem ela com a que conhecemos, de vez que uma deve ser consequência da outra?
─ Não exatamente uma consequência, mas um complemento. Eu tinha uma vida infeliz, em razão dos vícios e defeitos que muito se modificaram antes que eu viesse habitar o corpo que conhecestes.
─ Não exatamente uma consequência, mas um complemento. Eu tinha uma vida infeliz, em razão dos vícios e defeitos que muito se modificaram antes que eu viesse habitar o corpo que conhecestes.
26 ─ Poderemos fazer-lhe algo de útil ou de agradável?
─ Ah! Pouco. Hoje estou muito acima da Terra.
─ Ah! Pouco. Hoje estou muito acima da Terra.
Diógenes
1 ─ Evocação.
─ Ah! Como venho de longe!
2 ─ Podeis aparecer ao Sr. Adrien, nosso médium vidente, tal qual éreis na vossa existência que conhecemos?
─ Sim. E até, se quiserdes, virei com a lanterna.
─ Sim. E até, se quiserdes, virei com a lanterna.
Retrato:
Fronte larga e de ossos frontais bem pronunciados; nariz fino e aquilino; boca grande e séria; olhos pretos e encovados; olhar penetrante e zombeteiro. Rosto um pouco alongado, magro e enrugado; tez amarela; bigodes e barba incultos; cabelos grisalhos e ralos.
Roupa branca e muito suja; pernas e braços nus; corpo magro e ossudo. Sandálias estragadas, amarradas com cordas nas pernas.
3 ─ Dissestes que vínheis de longe. De que mundo vindes?
─ Não o conheceis.
─ Não o conheceis.
4 ─ Teríeis a bondade de responder a algumas perguntas?
─ Com prazer.
─ Com prazer.
5 ─ A existência em que vos conhecemos sob o nome de Diógenes, o Cínico, foi proveitosa à vossa felicidade futura?
─ Muito. Enganai-vos ridicularizando-a, como o fizeram meus contemporâneos. Admiro-me mesmo de que a História se haja inteirado tão pouco da minha existência e que a posteridade, pode-se dizer, tenha sido injusta comigo.
─ Muito. Enganai-vos ridicularizando-a, como o fizeram meus contemporâneos. Admiro-me mesmo de que a História se haja inteirado tão pouco da minha existência e que a posteridade, pode-se dizer, tenha sido injusta comigo.
6 ─ Que bem pudestes fazer, de vez que vossa existência foi muito pessoal?
─ Trabalhei para mim, mas podiam aprender muito comigo.
─ Trabalhei para mim, mas podiam aprender muito comigo.
7 ─ Quais as qualidades que gostaríeis de ter encontrado no homem que procuráveis com a lanterna?
─ Firmeza.
─ Firmeza.
8 ─ Se em vosso caminho tivésseis encontrado Chaudruc-Duclos, o homem que acabamos de invocar, tê-lo-íeis tomado pelo homem que procuráveis? Ele também renunciava voluntariamente a tudo quanto fosse supérfluo?
─ Não.
─ Não.
9 ─ Que pensais dele?
─ Sua alma transviou-se na Terra. Quantos são como ele e não o sabem!... Ele pelo menos o sabia.
─ Sua alma transviou-se na Terra. Quantos são como ele e não o sabem!... Ele pelo menos o sabia.
10 ─ Pensáveis possuir as qualidades que procuráveis no homem?
─ Sem dúvida. Eu tinha o meu critério.
─ Sem dúvida. Eu tinha o meu critério.
11 ─ Qual dos filósofos do vosso tempo tem a vossa preferência?
─ Sócrates.
─ Sócrates.
12 ─ Qual o que preferis agora?
─ Sócrates.
─ Sócrates.
13 ─ E o que dizeis de Platão?
─ Muito duro. Sua filosofia é muito severa. Eu admitia os poetas, ele, não!
─ Muito duro. Sua filosofia é muito severa. Eu admitia os poetas, ele, não!
14 ─ É verdade aquilo que se conta de vossa entrevista com Alexandre?
─ Realíssimo. A História até a truncou.
─ Realíssimo. A História até a truncou.
15 ─ Em que a História a truncou?
─ Refiro-me a outras conversas entre nós dois. Pensais que ele me tivesse vindo ver para só me dizer uma palavra?
─ Refiro-me a outras conversas entre nós dois. Pensais que ele me tivesse vindo ver para só me dizer uma palavra?
16 ─ É verdadeiro o dito que se lhe atribui, de que se ele não fosse Alexandre gostaria de ser Diógenes?
— Talvez o tenha dito, mas não em minha presença. Alexandre era um jovem maluco, vão e orgulhoso; aos seus olhos eu não passava de um mendigo. Como poderia o tirano se dizer instruído pelo miserável?
— Talvez o tenha dito, mas não em minha presença. Alexandre era um jovem maluco, vão e orgulhoso; aos seus olhos eu não passava de um mendigo. Como poderia o tirano se dizer instruído pelo miserável?
17 ─ Reencarnastes na Terra depois de vossa existência em Atenas?
─ Não, mas em outros mundos. Atualmente pertenço a um mundo em que não somos escravos. Isso quer dizer que se vos evocassem em estado de vigília, não poderíeis atender ao chamado, como entretanto o faço esta noite.
─ Não, mas em outros mundos. Atualmente pertenço a um mundo em que não somos escravos. Isso quer dizer que se vos evocassem em estado de vigília, não poderíeis atender ao chamado, como entretanto o faço esta noite.
18 ─ Poderíeis traçar-nos um quadro das qualidades que buscáveis no homem, tais quais as concebíeis então e tais quais as concebeis atualmente?
OUTRORA: Coragem, ousadia, segurança de si mesmo e poder sobre os homens, pela inteligência.
AGORA: Abnegação, doçura e poder sobre os homens, pelo coração.
Os anjos da guarda
COMUNICAÇÃO ESPONTÂNEA OBTIDA PELO SR. L.,
UM DOS MÉDIUNS DA SOCIEDADE
Há uma doutrina que deveria converter os mais incrédulos, por seu encanto e por sua doçura: a dos anjos da guarda. Pensar que tendes sempre junto a vós seres que vos são superiores; que aí estão sempre para vos aconselhar, para vos sustentar, para vos ajudar a escalar a áspera montanha do bem; que são amigos mais certos e mais dedicados do que as mais íntimas ligações que possais estabelecer na Terra, não é uma ideia consoladora? Esses seres aí estão por ordem de Deus. Foi ele que os pôs ao vosso lado. Aí se acham por amor a ele e realizam bela e penosa missão. Sim, onde quer que estejais, estarão convosco. Os calabouços, os hospitais, os lugares de deboche, a solidão, nada vos separa desses amigos que não vedes, mas cujos suaves impulsos vossa alma sente, como lhes escuta os sábios conselhos.
Se conhecêsseis melhor esta verdade, quantas vezes ela vos ajudaria nos momentos de crise! Quantas vezes ela vos salvaria das mãos dos maus Espíritos! Mas, aos olhos de todos, esse anjo do bem muitas vezes vos poderá dizer: “Eu não te disse? E tu não o fizeste. Não te mostrei o abismo? E nele te precipitaste. Não te fiz ouvir na consciência a voz da verdade? No entanto seguiste os conselhos da mentira.” Ah! interrogai os vossos anjos da guarda; estabelecei com eles essa terna intimidade que reina entre os melhores amigos. Nada penseis ocultar-lhes, pois eles têm o olhar de Deus e não podeis enganá-los. Pensai no futuro e procurai avançar nesta vida. Vossas provas serão assim mais curtas e vossas existências mais felizes. Eia! Homens, coragem! Lançai para longe, de uma vez por todas, os preconceitos e os pensamentos ocultos. Entrai na nova via que se abre à vossa frente. Marchai, marchai, pois tendes guias a quem deveis seguir. A meta não vos pode frustrar porque essa meta é o próprio Deus.
Aos que pensassem ser impossível a Espíritos realmente elevados ater-se a uma tarefa tão laboriosa e de todos os instantes, diremos que influenciamos vossas almas mesmo estando a milhões de léguas de vós. Para nós, nada é o espaço, e mesmo vivendo num outro mundo, nossos Espíritos conservam suas ligações com o vosso. Desfrutamos de qualidades que não podeis compreender, mas ficai certos de que Deus não nos impôs uma tarefa acima de nossas forças e de que não vos abandonou na Terra sem amigos e sem apoio. Cada anjo da guarda tem o seu protegido, sobre o qual vela como um pai sobre o filho. É feliz quando o vê seguir o bom caminho e sofre quando seus conselhos são desprezados.
Não temais fatigar-nos com as vossas perguntas. Ao contrário, ficai sempre em contato conosco, pois assim sereis mais fortes e mais felizes. São estas comunicações de cada um com seu Espírito familiar que fazem todos os homens médiuns ─ médiuns hoje ignorados, mas que se manifestarão mais tarde e que se espalharão como um oceano sem limites para afugentar a incredulidade e a ignorância. Homens instruídos, instruí; homens de talento, educai os vossos irmãos. Não sabeis que obra assim realizais. É a obra do Cristo, que Deus vos impõe. Por que Deus vos deu a inteligência e a ciência, senão para as repartirdes com os vossos irmãos e adiantá-los no caminho da ventura e da felicidade eterna!?
São Luís e Santo Agostinho
OBSERVAÇÃO: A doutrina dos anjos da guarda, que velam sobre os seus protegidos, apesar da distância que separa os mundos, nada tem de surpreendente. É, ao contrário, grandiosa e sublime. Não vemos na Terra um pai velar por seu filho, mesmo a distância, ajudando-o com seus conselhos por correspondência? Que haveria, pois, de estranho em que os Espíritos pudessem guiar os que tomam sob sua proteção, de um outro mundo, de vez que para eles a distância que separa os mundos é menor que aquela que na Terra separa os continentes?
Uma noite esquecida ou a feiticeira Manuza
(Ditada pelo Espírito de Frédéric Soulé (2ª publicação)
OBSERVAÇÃO: Os algarismos romanos marcam as interrupções no ditado.
Muitas vezes o trabalho só era recomeçado após duas ou três semanas e, apesar disto, conforme já observamos, o relato se desenvolve como se tivesse sido escrito de um jacto. E isto não constitui um dos menos curiosos caracteres desta produção de além-túmulo. Seu estilo é correto e perfeitamente apropriado ao assunto.
Repetimos para aqueles que poderiam ver nisto uma futilidade que não o publicamos como obra filosófica, mas como estudo. Para o observador nada é inútil. Ele sabe aproveitar-se de tudo para aprofundar a ciência que estuda.
III
Nada, entretanto, poderia perturbar a nossa felicidade. Tudo era calma em volta de nós. Vivíamos em perfeita segurança, quando uma noite, no momento em que mais seguros nos julgávamos, apareceu de repente aos nossos lados (posso assim dizer porque estávamos numa rotunda para onde convergiam várias aleias) de repente e aos nossos lados, portanto, apareceu o sultão, acompanhado de seu grãovizir.
Tinham ambos uma expressão apavorante: a cólera havia alterado a sua fisionomia. Estavam ─ principalmente o sultão ─ numa exasperação facilmente compreensível. O primeiro pensamento do sultão foi mandar matar-me, mas sabendo a que família pertenço e a sorte que o aguardava se ousasse tirar um único cabelo de minha cabeça, fingiu não me haver notado, de vez que, à sua chegada, eu me havia posto à margem. Mas precipitou-se como um furioso sobre Nazara, a quem jurou que não tardaria o castigo que ela merecia. Levou-a consigo, sempre acompanhado do vizir. De minha parte, passado o primeiro momento de susto, apressei-me a voltar ao meu palácio, a fim de procurar um meio de subtrair a estrela de minha vida das mãos daquele selvagem que provavelmente ia destroçar essa preciosa existência.
─ E depois, que fizeste?, perguntou Manuza. Porque, afinal de contas, não vejo razão de te atormentares tanto para tirar tua amante da dificuldade em que a meteste por tua própria falta. Dás-me a impressão de um pobre homem que não tem coragem nem força de vontade quando se trata de coisas difíceis.
─ Manuza! Antes de condenar, deves escutar. Venho a ti depois de haver examinado todos os meios ao meu alcance. Fiz ofertas ao sultão; prometi-lhe ouro, joias, camelos, até palácios, se ele me entregasse a minha suave gazela. Tudo ele desprezou. Vendo repelidos os meus sacrifícios, fiz ameaças; elas foram desprezadas, como o resto. Ele riu de tudo e zombou de mim. Também tentei penetrar no palácio; corrompi escravos; cheguei ao interior dos quartos, mas, a despeito de todos os meus esforços, não cheguei até a bem-amada.
─ Tu és franco, Nureddin. Tua sinceridade merece uma recompensa e terás aquilo que vens buscar. Vou fazer-te ver uma coisa terrível. Se tiveres a força de suportar a prova pela qual te farei passar, podes estar certo de que reencontrarás tua antiga felicidade. Dou-te cinco minutos para te decidires. Passados os cinco minutos, Nureddin disse a Manuza que estava pronto a fazer tudo o que ela quisesse, a fim de salvar Nazara. Então, levantando-se, disse-lhe a feiticeira: “Está bem. Venha!” Depois, abrindo uma porta ao fundo da sala, o fez passar à frente. Atravessaram um pátio sombrio, cheio de objetos horríveis: serpentes, sapos que passeavam gravemente em companhia de gatos pretos, com ar de superioridade entre os animais imundos.
IV
Na extremidade desse pátio havia outra porta que Manuza também abriu. Tendo feito passar Nureddin, entraram numa sala baixa, apenas iluminada do alto: a luz vinha de um zimbório muito alto, guarnecido de vidros multicores, formando toda sorte de arabescos. No meio dessa sala havia um rescaldo aceso e num tripé, sobre o rescaldo, um grande vaso de bronze, no qual fervia uma porção de ervas aromáticas, cujo odor, de tão forte, mal se podia suportar. Ao lado desse vaso havia uma espécie de poltrona grande, em veludo negro e de aparência incomum. Quando nela se sentava, a gente desaparecia imediatamente. Tendo Manuza se acomodado nela,
Nureddin a procurou em vão durante alguns instantes, mas não conseguia vê-la. De repente ela reapareceu e lhe perguntou:
─ Ainda estás disposto?
─ Sim, respondeu Nureddin.
─ Então senta-te naquela poltrona e espera.
─ Ainda estás disposto?
─ Sim, respondeu Nureddin.
─ Então senta-te naquela poltrona e espera.
Nem bem Nureddin sentara na poltrona e tudo mudou de aspecto. A sala povoou-se de uma multidão de figuras brancas, a princípio apenas visíveis e que depois pareciam de um rubro sanguíneo ou se diriam homens cobertos de feridas sanguinolentas, dançando uma ronda infernal, e no meio deles, Manuza, de cabelos esparsos, olhos chamejantes, vestes em tiras, tendo à cabeça uma coroa de serpentes.
Na mão, à guisa de cetro, brandia uma tocha acesa que lançava chamas, cujo odor apertava a garganta. Depois de haverem dançado durante um quarto de hora, pararam de repente, a um sinal de sua rainha que, para isto, lançara a tocha numa caldeira fervente. Quando todas essas figuras se postaram em volta da caldeira, Manuza fez aproximar-se o mais velho, que podia ser reconhecido por sua longa barba branca, e lhe disse:
─ Vem cá, tu que segues o diabo. Devo encarregar-te de missão muito delicada. Nureddin quer Nazara e eu prometi que dar-lha-ia. É um negócio difícil. Tanapla, conto com o teu auxílio. Nureddin suportará todas as provas necessárias. Avante, pois! Sabes o que quero; faze como o entenderes, mas faze. Treme se fracassares. Eu recompenso a quem me obedece, mas ai daquele que não me faz a vontade!
─ Tua vontade será feita, disse Tanapla. Podes contar comigo.
─ Então vai e trabalha!
V
Assim que ela disse estas palavras, tudo mudou aos olhos de Nureddin. Os objetos tornaram-se o que eram antes e Manuza achou-se a sós com ele.
Agora, disse ela, vai para casa e espera. Eu te mandarei um dos meus gnomos dizer o que deves fazer. Obedece, e tudo irá bem.
Nureddin sentiu-se feliz com estas palavras e mais feliz ainda por deixar o antro da feiticeira. Atravessou novamente o pátio e a sala por onde havia entrado, depois ela o acompanhou até a porta da rua. Aí, tendo Nureddin perguntado se devia voltar, ela respondeu:
─ Não. Por enquanto seria inútil. Se for necessário eu te avisarei.
─ Não. Por enquanto seria inútil. Se for necessário eu te avisarei.
Nureddin apressou-se a voltar ao seu palácio. Estava impaciente por saber se algo de novo se tinha passado desde que saíra. Encontrou tudo no mesmo estado.
Apenas na sala de mármore, sala de repouso para o verão, usada pelos habitantes de Bagdá, viu, perto do tanque4 existente no meio da sala, uma espécie de anão de fealdade repugnante. Vestido de amarelo, com bordados vermelhos e azuis, tinha uma corcunda monstruosa; pernas muito curtas; rosto grande, de olhos verdes e vesgos; uma boca rasgada até as orelhas e cabelos de um ruivo que rivalizava com o sol.
Nureddin perguntou-lhe como chegara até ali e o que vinha fazer.
─ Sou o enviado de Manuza, disse ele, para te entregar tua amante. Chamo-me Tanapla.
─ Se és realmente o enviado de Manuza, estou pronto a obedecer-te. Mas aviate. Aquela a quem amo está acorrentada e tenho pressa em libertá-la.
─ Se tens pressa, conduze-me ao teu quarto e eu te direi o que é preciso fazer.
─ Segue-me, então, disse Nureddin.
─ Sou o enviado de Manuza, disse ele, para te entregar tua amante. Chamo-me Tanapla.
─ Se és realmente o enviado de Manuza, estou pronto a obedecer-te. Mas aviate. Aquela a quem amo está acorrentada e tenho pressa em libertá-la.
─ Se tens pressa, conduze-me ao teu quarto e eu te direi o que é preciso fazer.
─ Segue-me, então, disse Nureddin.
VI
Depois de haver atravessado pátios e jardins, Tanapla chegou nos aposentos do jovem. Fechou todas as portas e lhe disse:
─ Sabes que tens de fazer tudo o que eu te disser, sem objeção. Vais vestir trajes de mercador. Levarás às costas um pacote contendo os objetos que nos são necessários. Vou vestir-me de escravo e carregarei o outro pacote.
Com grande estupefação, Nureddin viu dois enormes embrulhos ao lado do anão, embora não tivesse visto nem ouvido ninguém trazê-los.
Com grande estupefação, Nureddin viu dois enormes embrulhos ao lado do anão, embora não tivesse visto nem ouvido ninguém trazê-los.
─ Depois, disse Tanapla, iremos à casa do Sultão. Mandarás dizer-lhe que tens objetos raros e curiosos; que se ele quiser oferecê-los à sultana favorita, nenhuma huri jamais terá usado outros iguais. Conheces a sua curiosidade. Ele terá vontade de nos ver. Uma vez em sua presença, não terás dificuldade em mostrar a tua mercadoria e lhe venderás tudo quanto lhe levamos: são vestidos maravilhosos, que transformam as pessoas que os vestem. Assim que o sultão e a sultana os vestirem, todo o palácio os tomará por nós e a nós por eles: a ti, pelo sultão e a mim por Ozara, a nova sultana. Operada essa metamorfose, estaremos livres para agir à vontade e libertarás Nazara.
Tudo se passou como Tanapla havia previsto: a venda ao sultão e a transformação. Depois de alguns minutos de horrível furor da parte do sultão, que queria expulsar os importunos e fazia um barulho terrível, Nureddin chamou vários escravos, conforme as ordens de Tanapla; mandou prender o sultão e Ozara como escravos rebeldes e ordenou a seguir que o levassem à presença da prisioneira
Nazara. Queria verificar, dizia ele, se ela estava disposta a confessar seu crime e se estava preparada para morrer. Também quis que a favorita Ozara viesse com ele, a fim de assistir ao suplício que ele infligia às mulheres infiéis. Dito isto, marchou, precedido pelo chefe dos eunucos, durante um quarto de hora, por um sombrio corredor, ao fim do qual havia uma porta de ferro, pesada e maciça. Tomando uma chave, o escravo abriu três fechaduras; entraram num grande gabinete, comprido e de apenas três ou quatro côvados de altura. Ali, sobre uma esteira de palha, estava sentada Nazara, com uma bilha de água e algumas tâmaras ao lado. Não era mais a brilhante Nazara de outrora: estava bela, como sempre, mas pálida e emagrecida. Ao ver aquele que ela tomara por seu senhor, estremeceu de medo, pensando que tivesse chegado a sua hora.
Aforismos Espíritas
Sob este título daremos, de tempos em tempos, pensamentos avulsos que, em poucas palavras, resumirão certos princípios essenciais do Espiritismo.
I ─ Aqueles que pensam preservar-se da ação dos maus Espíritos abstendo-se das comunicações espíritas, são como crianças que julgam evitar o perigo colocando uma venda nos olhos. Seria o mesmo que afirmar que é preferível não saber ler nem escrever para não se expor à leitura de maus livros ou a escrever tolices.
II ─ Aquele que recebe más comunicações espíritas, orais ou escritas, está sob uma influência má. Essa influência se exerce sobre ele, quer escreva, quer não. A escrita oferece-lhe um meio de assegurar-se da natureza dos Espíritos que atuam sobre ele. Se estiver bastante fascinado, a ponto de não compreendê-los, outros poderão abrir-lhe os olhos.
III ─ É necessário ser médium para escrever absurdos? Quem diz que entre todas as coisas ridículas ou más que se imprimem não há aquelas em que o escritor, impulsionado por algum Espírito zombeteiro ou malévolo, representou, ao escrever, sem o saber, o papel de médium obsedado?
IV ─ Os Espíritos bons, mas ignorantes, confessam sua insuficiência a respeito daquilo que não sabem. Os maus dizem que sabem tudo.
V ─ Os Espíritos adiantados provam sua superioridade por suas palavras e pela constante sublimidade de seus pensamentos, mas não se vangloriam. Desconfiai daqueles que dizem enfaticamente estar no mais alto grau da perfeição e entre os eleitos. Para os Espíritos, assim como entre os homens, a bazófia é sempre sinal de mediocridade.
Sociedade pariense de estudos Espíritas - Aviso
As sessões que se realizavam às terças-feiras passaram agora para as sextasfeiras, na nova sede da Sociedade, na Rua Montpensier, 12, no Palais-Royal, às 8 horas da noite. Os estranhos só serão admitidos nas segundas e nas quartas sextasfeiras, mediante cartões nominais de apresentação.
Em relação a tudo quanto diz respeito à Sociedade, dirigir-se ao Sr. Allan Kardec, rue des Martyrs, 8, ou ao Sr. Ledoyen, livreiro, Galeria d’Orléans, 31, Palais-Royal.
ALLAN KARDEC
ALLAN KARDEC