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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859 > Outubro
Outubro
Os milagresCom o título de Um Milagre, o Sr. Mathieu, antigo farmacêutico do Exército, acaba de publicar uma relação de vários fatos de escrita direta, dos quais foi testemunha. Os fatos se produziram em circunstâncias mais ou menos idênticas aos que foram por nós relatados no número de agosto. Não apresentam nada de mais característico, pelo que não os relataremos. Mencionamo-los apenas para mostrar que os fenômenos espíritas não são privilégio de ninguém e aproveitamos a ocasião para felicitar o Sr. Mathieu pelo zelo com que os propaga. Várias outras pequenas brochuras e artigos do mesmo autor, publicadas em diversos jornais, são prova disto.
O Sr. Mathieu é um homem de ciência que, como tantos outros, e como nós próprio, passou pela fieira da incredulidade. Cedeu, porém, à evidência, porque diante dos fatos é necessário depor as armas. Permitimo-nos tão somente criticar o título dado à sua última publicação, não por uma questão de jogo de palavras, mas porque acreditamos que o assunto tem uma certa importância e merece um exame sério.
Em sua acepção primitiva e pela etimologia, o vocábulo milagre significa, coisa extraordinária, coisa admirável de ver. Como tantos outros, entretanto, afastou-se do sentido originário e, conforme a Academia, hoje se diz de um ato do poder divino, contrário às leis comuns da Natureza. Tal é, com efeito, sua acepção usual, e só por comparação e por metáfora é que se aplica às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja causa é desconhecida.
O fenômeno relatado pelo Sr. Mathieu tem o caráter de um milagre, no verdadeiro sentido do vocábulo? Certamente não. O milagre, já o dissemos, é uma derrogação das leis da Natureza. Não entra absolutamente em nossa cogitação examinar se Deus julgou útil, em determinadas circunstâncias, derrogar as leis por ele próprio estabelecidas. Nosso objetivo é unicamente demonstrar que o fenômeno da escrita direta, por mais extraordinário que seja, não derrogando absolutamente essas leis, não tem nenhum caráter miraculoso. O milagre não se explica; a escrita direta, ao contrário, explica-se da maneira mais racional, como vimos no nosso artigo sobre a matéria. Não é, pois, um milagre, mas simples fenômeno que tem sua razão de ser nas leis gerais. Tem o milagre ainda outro caráter: o de ser insólito e isolado. Ora, desde que um fato se repete, por assim dizer, à vontade e por intermédio de diversas pessoas, não pode ser milagre.
A Ciência diariamente faz milagres aos olhos dos ignorantes. Eis porque outrora aqueles que tinham mais conhecimento que o vulgo passavam por feiticeiros, e como se acreditava que toda Ciência vinha do diabo, eles eram queimados. Hoje, que estamos muito mais civilizados, contentamo-nos em mandá-los para o hospício.
Depois de deixarmos que os inventores morram de fome, erigimo-lhes estátuas e os proclamamos benfeitores da Humanidade.
Deixemos, porém, essas tristes páginas da nossa História e voltemos ao assunto.
Deixemos, porém, essas tristes páginas da nossa História e voltemos ao assunto.
Se um homem realmente morto for chamado à vida por uma intervenção divina, haverá um verdadeiro milagre, porque isto é contrário às leis da Natureza. Mas se esse homem tiver apenas a aparência da morte; se lhe restar vitalidade latente; se a Ciência ou uma simples ação magnética conseguir reanimá-lo, para as pessoas esclarecidas isto será um fenômeno natural, mas aos olhos do vulgo ignorante o fato passará por miraculoso e o autor será apedrejado ou venerado, conforme o caráter das pessoas. Se em determinados campos um físico empinar um papagaio elétrico e fizer cair um raio sobre uma árvore, esse novo Prometeu certamente será olhado como se fosse dotado de um poder diabólico; e, diga-se de passagem, Prometeu parece que se adiantou singularmente a Franklin.
A escrita direta é um dos fenômenos que demonstram da maneira mais patente a ação das inteligências ocultas. O fato de ser produzido por seres ocultos, no entanto, não significa que é mais miraculoso do que todos os outros fenômenos devidos a agentes invisíveis, pois esses seres ocultos que povoam os espaços são uma das potências da Natureza, potência cuja ação é incessante sobre o mundo material, tanto quanto sobre o mundo moral. Esclarecendo-nos acerca dessa potência, dá-nos o Espiritismo a chave de uma porção de coisas inexplicáveis por qualquer outro meio, e que, em tempos remotos, foram consideradas como prodígios. Como o magnetismo, ele revela uma lei, senão desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, melhor dizendo, conheciam-se os efeitos, porque se produziam em todos os tempos, mas não se conhecia a lei, e foi a ignorância dessa lei que engendrou a superstição. Conhecida essa lei, cessa o maravilhoso e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais. Eis porque os espíritas não fazem milagres quando fazem girar uma mesa ou os mortos escreverem, do mesmo modo que não o faz o médico quando revive um moribundo, ou o físico quando faz cair um raio.
É por isso que repelimos com todas as nossas forças a qualificação empregada pelo Sr. Mathieu, conquanto estejamos persuadidos de que ele não quis dar ao vocábulo nenhum sentido místico, mas porque as pessoas que não descem ao fundo
das coisas ─ e estas são em maior número ─ poderiam enganar-se e crer que alguns adeptos do Espiritismo a si mesmos se atribuem um poder sobrenatural. Aquele que, ajudado por essa ciência, pretendesse operar milagres, ou seria um ignorante do
assunto ou um mistificador. Não se deve dar armas aos que riem de tudo, inclusive daquilo que desconhecem, pois isto seria entregar-se de boa vontade ao ridículo.
das coisas ─ e estas são em maior número ─ poderiam enganar-se e crer que alguns adeptos do Espiritismo a si mesmos se atribuem um poder sobrenatural. Aquele que, ajudado por essa ciência, pretendesse operar milagres, ou seria um ignorante do
assunto ou um mistificador. Não se deve dar armas aos que riem de tudo, inclusive daquilo que desconhecem, pois isto seria entregar-se de boa vontade ao ridículo.
Assim como os fenômenos magnéticos, os fenômenos espíritas, antes que se lhes conhecesse a causa, puderam ser considerados como prodígios. Ora, como os céticos, os espíritos fortes, isto é, aqueles que, na sua opinião, têm o privilégio exclusivo da razão e do bom-senso, não acreditam que uma coisa seja possível pelo fato de não a compreenderem. Eis porque todos os fatos considerados prodigiosos são para eles objeto de zombaria. Como a religião contém um grande número de fatos desse gênero, não acreditam na religião. Daí à incredulidade absoluta há apenas um passo. Explicando a maioria desses fatos, o Espiritismo lhes dá uma razão de ser.
Ele vem, portanto, em auxílio à religião, demonstrando a possibilidade de certos fatos que, por não terem mais o caráter miraculoso, nem por isso são menos extraordinários. Pelo fato de não haver derrogado suas leis, Deus não é menor nem menos poderoso.
De quantas graçolas não foram objeto as levitações de São Cupertino? Ora, a suspensão etérea dos corpos sólidos é um fato demonstrado e explicado pelo Espiritismo. Nós mesmo fomos testemunha ocular e o Sr. Home, bem como outras pessoas de nossas relações, repetiram várias vezes o fenômeno produzido por São Cupertino. Esse fenômeno integra, portanto, a categoria das coisas naturais. Entre os fatos desse gênero deve colocar-se em primeira linha a aparição, por ser o mais frequente. A aparição de Salete, que divide o próprio clero, nada tem de insólito.
Certamente não podemos afirmar que o fato ocorreu, pois não temos a sua prova material, mas para nós ele é possível, desde que milhares de fatos análogos recentes são do nosso conhecimento. Cremos neles não só porque sua realidade é constatada
por nós, mas sobretudo porque sabemos perfeitamente de que maneira eles se produzem. Consulte-se a teoria que demos das aparições e ver-se-á que esse fenômeno se torna tão simples e tão plausível quanto uma porção de fenômenos físicos considerados prodigiosos apenas porque nos falta a sua chave.
por nós, mas sobretudo porque sabemos perfeitamente de que maneira eles se produzem. Consulte-se a teoria que demos das aparições e ver-se-á que esse fenômeno se torna tão simples e tão plausível quanto uma porção de fenômenos físicos considerados prodigiosos apenas porque nos falta a sua chave.
Quanto à pessoa que se apresentou em Salete, é outra questão. De modo algum está demonstrada sua identidade. Constatamos apenas que ocorreu uma aparição. O resto não é da nossa competência.
Nosso objetivo também não é examinar se Deus pode derrogar as suas leis fazendo milagres, no verdadeiro sentido do vocábulo. Isto é uma questão de Teologia que não entra nas nossas cogitações. Cada um, portanto, guarde as suas convicções a este respeito, pois o Espiritismo não tem que se preocupar com isto.
Dizemos apenas que os fatos produzidos pelo Espiritismo nos revelam leis novas e dão a chave de uma porção de coisas que pareciam sobrenaturais. Se alguns desses fatos que eram considerados miraculosos encontram aqui uma explicação lógica e
uma razão de ser, é mais um motivo para não nos apressarmos em negar aquilo que não compreendemos.
uma razão de ser, é mais um motivo para não nos apressarmos em negar aquilo que não compreendemos.
Certas pessoas nos criticam por expormos teorias espíritas que elas consideram prematuras. Esquecem que os fatos do Espiritismo são contestados por muitos precisamente porque lhes parecem fora da lei comum, e porque não se explicam.
Demo-lhes uma base racional e a dúvida cessará. Digamos a alguém, pura e simplesmente, que vamos mandar um telegrama de Paris à América e receber a resposta em poucos minutos, e esse alguém nos rirá na cara. Explicai o mecanismo do processo e ele acreditará, mesmo sem ver a operação.
Neste século em que não se poupam as palavras, a explicação é um poderoso motivo de convicção. Assim, vemos diariamente pessoas que não foram testemunhas de nenhum fato, que nem viram uma mesa mover-se ou um médium escrever, e que se acham tão convencidas quanto nós, unicamente porque leram e compreenderam.
Se só devêssemos acreditar naquilo que vimos com os próprios olhos, nossas convicções estariam reduzidas a muito pouca coisa.
O magnetismo reconhecido pelo poder judicíario
Na Revista Espírita de outubro de 1858 publicamos dois artigos intitulados Emprego Oficial do Magnetismo Animal e O Magnetismo e o Sonambulismo Ensinados pela Igreja. No primeiro, ocupamo-nos do tratamento magnético aconselhado ao Rei Oscar, da Suécia, por seus próprios médicos; no segundo citamos várias perguntas e respostas extraídas de uma obra intitulada Curso elementar de instrução cristã para uso dos catecismos e escolas cristãs, publicada em 1853 pelo Abade Marotte, vigário geral da diocese de Verdun, no qual o magnetismo e o sonambulismo são claramente definidos e reconhecidos. Eis que agora a Justiça lhes vem dar uma sanção retumbante, pelo julgamento do Tribunal Correcional de Douai, a 27 de agosto último. Como todos os jornais noticiaram esse julgamento, seria inútil repeti-lo. Assim, relataremos sumariamente as circunstâncias.
Um jovem que só conhecia o magnetismo de nome e jamais o tinha praticado, consequentemente ignorando as medidas de prudência que a experiência aconselha, propôs-se um dia magnetizar o sobrinho do maître d’hôtel onde jantava. Depois de alguns passes, o menino caiu em sonambulismo, mas o magnetizador improvisado não soube como haver-se para fazê-lo sair daquele estado, que foi seguido de crises nervosas persistentes. Daí uma queixa à Justiça, apresentada pelo tio contra o magnetizador. Dois médicos foram chamados como peritos. Eis o extrato de seu depoimento, que é mais ou menos idêntico, pelo menos quanto à conclusão. Depois de haver descrito e comprovado o estado sonambúlico do menino, acrescenta o primeiro médico:
“Não creio absolutamente na existência de um fluido novo, de um agente físico mais ou menos semelhante ao magnetismo terrestre, desenvolvendo-se no homem sob a influência de passes, de toques, etc., que produziria nas pessoas influenciadas efeitos algumas vezes milagrosos.
“A existência de um tal fluido nunca foi cientificamente demonstrada. Longe disto, todas as vezes que homens difíceis de enganar, membros da Academia das Ciências ou médicos eminentes, quiseram verificar os fatos alegados, os príncipes do magnetismo recuaram; subtraíram-se escudados em pretextos muito claros, e nem a questão do fato, nem, muito menos e com mais forte razão, a questão de doutrina puderam ser elucidadas. Para o mundo científico, portanto, não existe magnetismo animal. Entretanto, daí não se segue que as práticas dos magnetizadores não produzam efeito, e se, com boas razões, se nega o magnetismo, não se pode admitir a magnetização?
“Estou convencido de que, se as imaginações nervosas e impressionáveis são todos os dias abaladas fortemente pelas manobras de que se trata, é nelas mesmas que devemos ver os fenômenos que apresentam e não numa espécie de radiação da parte do experimentador. Esta explicação se aplicaria ao caso Jourdain, se os ataques que se seguiram ao primeiro, supondo que esse primeiro tenha sido determinado pela magnetização, fossem se espaçando e enfraquecendo, porquanto um impulso único deve logicamente produzir efeitos decrescentes. Ora, no presente caso dá-se justamente o contrário: à medida que o tempo passa, os ataques se aceleram e aumentam de intensidade. Esta circunstância me confunde. Evidentemente está em jogo uma influência indeterminada. Qual será ela? Os antecedentes e o comportamento de Jourdain em relação à sua saúde não me são suficientemente conhecidos para que os possa atribuir ao seu temperamento. Devo declarar que não sei estabelecer a causa.”
Neste ponto, o menino tem um de seus ataques. Assim como o seu colega, a testemunha constata contrações musculares gerais e intermitentes; nenhuma insensibilidade na pele e nos olhos, que se esquivam sob a ação da luz, quando se abrem as pálpebras; ausência de espuma na boca; ausência de flexão dos polegares sobre a palma da mão. Não houve o grito inicial; ademais, o acesso termina gradativamente, passando pelo período sonambúlico. Os médicos declaram que o menino não é epiléptico e menos ainda cataléptico. Interpelada relativamente ao vocábulo sonambulismo, com o objetivo de saber se tudo isso não se explicaria admitindo-se que o paciente, antes sonâmbulo, teria tido, no dia 15 de agosto, um acesso dessa espécie de doença, a testemunha respondeu que “para começar, não ficou estabelecido que o menino fosse sonâmbulo e que, além disso, o referido fenômeno teria ocorrido em condições inteiramente insólitas, pois em vez de ocorrer à noite, durante o sono natural, teria vindo em pleno meio-dia e em plena vigília. Os passes magnéticos, segundo me parecem, são a causa do estado atual do menino. Não vejo outra causa”. Assim depõe o segundo médico:
“Vi o pequeno doente a 13 de outubro de 1858. Ele estava em estado sonambúlico, gozando de locomoção voluntária. Recitava o catecismo. Meu filho o viu na noite de 15. Estava no mesmo estado e conjugava o verbo poder. Só algum tempo depois é que eu soube que ele havia sido magnetizado, e que um viajante teria dito: se não for desmagnetizado, talvez fique assim por toda a vida. Conheci em minha juventude um estudante no mesmo estado e que, tendo sido curado sem recursos médicos, tornou-se um homem notável na profissão que abraçou. Os acidentes experimentados pelo doente são apenas distúrbios nervosos. Não há qualquer sintoma de epilepsia, nem de catalepsia”. O tribunal pronunciou a seguinte sentença:
“Considerando que resulta dos debates que, a 15 de agosto de 1858, exercendo imprudentemente sobre a pessoa do jovem Jourdain, de 13 anos de idade, toques e aproximações qualificados como passes magnéticos, e pelo menos impressionando com esse aparato e por essas manobras não costumeiras a fraca imaginação desse menino, o acusado produziu sobre o paciente uma superexcitação, uma desordem nervosa, e enfim uma lesão ou doença, cujos acessos se repetiram desde então com diversos intervalos;
“Considerando que as manobras imprudentes que provocaram a dita lesão ou doença constituem delito previsto no Art. 320 do Código Penal;
“Considerando que o referido fato ocasionou à parte civil um prejuízo que deve ser reparado;
“Considerando que existem circunstâncias atenuantes;
“O Tribunal condena o acusado a 25 francos de multa; a 1.200 francos de perdas e danos e às custas do processo”.
Nada temos a dizer quanto ao julgamento em si. O Tribunal teve ou não teve razão de condenar? A pena é muito forte ou muito fraca? Isto não nos interessa. A justiça pronunciou-se e nós respeitamos a sua decisão, mas examinaremos as consequências do julgamento, que têm um alcance capital. Houve condenação, portanto, houve delito. Como foi cometido esse delito? Diz a sentença: Por toques e aproximações qualificadas como passes magnéticos. Portanto, os toques e passes magnéticos têm uma ação e não são simples gesticulações. Esses toques e esses passes diferem, de certo modo, dos toques e gestos ordinários. Mas como distinguilos?
Eis uma coisa importante, porque, se não houvesse uma diferença, não seria possível tocar a primeira pessoa que encontramos ou lhe fazer sinais, sem nos expormos a fazê-la entrar em crise e sem nos sujeitarmos a uma multa.
Não é ao Tribunal que nos cabe ensinar e, ainda menos, dizer como os passes e toques, quando têm o caráter magnético, podem produzir um efeito qualquer. Ele constata o fato de um acidente e a causa do mesmo. Sua tarefa é apreciar o dano e determinar a devida reparação. Mas os peritos chamados a esclarecer o Tribunal certamente nos vão ensinar a respeito. Mesmo sem terem feito um curso sobre a matéria, eles devem fundamentar sua opinião, como se faz em todos os casos demedicina legal, provando que falam com conhecimento de causa, pois isto é a primeira condição a ser preenchida por um perito. Ora, ficamos chocados com a lógica desses senhores. Seu depoimento revela completa ignorância daquilo sobre o que devem opinar. Eles não só desconhecem o magnetismo, como os fatos do sonambulismo natural não lhes são familiares. É por isso que pensam ─ um deles pelo menos ─ que estes só se podem produzir à noite e durante o sono natural, o que é contrariado pela experiência.
Não é, porém, aí que está a parte mais notável do depoimento, pelo menos da primeira testemunha. Diz ela: “Se com boas razões se nega o magnetismo, não se pode admitir a magnetização?” Na verdade, não sei se se trata de uma força de lógica, mas confesso muito humildemente que isto ultrapassa a minha inteligência e que muita gente está na mesma situação que eu, porque seria o mesmo que dizer que é possível magnetizar sem magnetismo, ou que um homem pode receber bengaladas sem existir a bengala com que foi batido. Ora, nós acreditamos firmemente, de acordo com um velho ditado, e até prova em contrário, que para dar bengaladas é necessária a bengala e, por analogia, para magnetizar é preciso magnetismo, do mesmo modo que para purgar é preciso o purgante. Nossa inteligência não chega ao ponto de compreender efeito sem causa.
Direis que não nego o efeito; ao contrário, eu o constato; o que nego é a causa a que atribuís o efeito. Dizeis que entre os vossos dedos e o paciente existe algo invisível, a que chamais fluido magnético. Eu digo que não há tal coisa; que esse fluido não existe. Ora, o que existe é o magnetismo e vossos gestos são a magnetização. ─ De acordo. Admitis portanto que simples gestos sem intermediário podem produzir crises nervosas, efeitos sonambúlicos, catalépticos e outros, unicamente porque a imaginação foi tocada. Vá lá, que seja. ─ Quero que uma pessoa seja impressionada por meio desses gestos, e que essa impressão chegue a ponto de fazê-la dormir em pleno dia, e contra a sua vontade, o que ─ haveis de concordar ─ já seria um fato muito notável. Mas esse sono seria um sono natural, causado pela monotonia dos movimentos, como querem alguns? Nesse caso, como explicaríeis a instantaneidade do sono produzido em alguns segundos? Por que não despertais facilmente essa pessoa adormecida, apenas lhe sacudindo o braço?
Ponhamos de lado, por motivos óbvios, muitos outros fenômenos também pouco explicáveis pelo vosso sistema. Há um, no entanto, cuja solução sem dúvida podereis dar, porque não creio que tenhais construído uma teoria sobre assunto tão importante, sem vos terdes assegurado de que ela resolve todos os casos, teoria essa que deve ser tão pouco arriscada que a enunciais em pleno tribunal. Deveis, portanto, estar bem seguros. Pois bem! Eu vos peço, em benefício da instrução do público e de todas as pessoas bastante simples para acreditarem na existência de um fluido magnético, a gentileza de resolver pelo vosso sistema as duas perguntas seguintes:
1. ─ Se os efeitos atribuídos ao fluido magnético não são mais que o resultado de uma imaginação excitada e fortemente impressionada, como se produzem eles à revelia da pessoa, quando é magnetizada durante o sono natural, ou quando se encontra num compartimento vizinho, sem ver o magnetizador e sem saber que é magnetizada?
2. ─ Se os toques ou passes magnéticos podem produzir crises nervosas e estados sonambúlicos, como podem esses mesmos toques e passes produzir o efeito contrário; destruir o que fizeram e acalmar as mais violentas crises nervosas que eles ocasionaram; fazer cessar o estado sonambúlico subitamente e como que por encanto? Isto se daria por um efeito da imaginação, posto que a pessoa nem vê, nem ouve o que se passa ao seu redor? Ou seria preciso admitir que se pode agir sobre a imaginação sem o concurso da imaginação, o que seria perfeitamente possível, já que se pode magnetizar sem magnetismo? Isto me lembra uma pequena anedota. Um imprudente manejava um fuzil. Disparando um tiro, matou outro indivíduo. O perito chamado para examinar a arma declarou que o indivíduo tinha sido morto por um tiro de fuzil, mas que o fuzil não estava carregado. Não está aí o caso do nosso magnetizador, que fere ao magnetizar, mas sem magnetismo? Com toda certeza o Tribunal de Douai, na sua alta sabedoria, não se atrapalhou com estas contradições, sobre as quais não tinha que se pronunciar. Como vimos, ele só considerou o efeito produzido e declarou-o produzido por toques e passes magnéticos. Não tinha que decidir se existe ou não um fluido magnético. O julgamento não deixa de constatar de modo autêntico que o magnetismo é uma realidade, do contrário não seria condenado por ter feito gestos insignificantes. Que isto sirva de lição aos imprudentes, que brincam com aquilo que desconhecem. Na opinião que emitiram, esses senhores não perceberam que chegavam a um resultado diametralmente oposto ao seu objetivo, o de atribuir aos magnetizadores um poder que eles estão longe de reivindicar. Com efeito, os magnetizadores afirmam que só agem com a ajuda de um intermediário; que, quando esse intermediário lhes falta, nula é a sua ação. Não se atribuem o poder de dar bengaladas sem bengalas, nem de matar a tiros com um fuzil descarregado. Muito bem. Com a sua teoria, esses senhores chegam a fazer outro prodígio, porque agem sem ter nada nas mãos nem no bolso. Realmente, há coisas que não podem ser levadas a sério. Pedimos muitas desculpas, mas isto não lhes diminui o mérito. Eles podem ser muito hábeis e, como médicos, muito preparados. Foi por isso que o Tribunal os consultou. Só nos permitimos criticar a sua opinião no que se refere ao magnetismo. Terminamos por uma observação importante.
Se o magnetismo é uma realidade, por que a Faculdade não o reconheceu oficialmente? A esse respeito haveria muitas coisas a dizer. Limitamo-nos, entretanto, a uma única consideração, perguntando por que as descobertas hoje mais aceitas não o foram, logo no início, pelas organizações científicas? Deixo a outros o encargo de responderem. A classe médica está dividida relativamente ao magnetismo, assim como à homeopatia, à alopatia, à frenologia, ao tratamento do cólera, aos purgantes e às sangrias, bem como a uma porção de outras coisas. Assim, uma opinião pró ou contra é sempre individual e não tem força de lei. O que vale é a opinião geral, que se estabelece sobre fatos, a despeito de toda oposição, e que sobre os recalcitrantes exerce uma pressão irresistível. É isto o que acontece com o magnetismo, bem como com o Espiritismo, e não é avançar muito dizer que metade dos médicos hoje reconhecem e admitem o magnetismo, e que três quartas partes dos magnetizadores são médicos. Dá-se o mesmo com o Espiritismo que conta com uma porção de médicos e homens de Ciência em suas fileiras. Que importa, pois, a opinião sistemática ou mais ou menos interessada de alguns? Deixemos passar o tempo, que varre o amor próprio ferido e as mesquinhas preocupações! A verdade pode ser discutida, mas não destruída, e a posteridade registra o nome dos que a combateram ou a sustentaram. Se o magnetismo fosse uma utopia, há muito dele não mais cogitariam, ao passo que como o seu irmão, o Espiritismo, lança raízes por todos os lados. Lutai, pois, contra as ideias que invadem o mundo inteiro, de alto a baixo da escala social!
Médiuns inertes
No número das questões importantes ligadas à Ciência Espírita, foi motivo de muitas controvérsias o papel dos médiuns. O Sr. Brasseur, diretor do Centro Industrial, expendeu a respeito ideias particulares, numa série de artigos muito bem redigidos, no Moniteur de la Toilette,* principalmente no mês de agosto último, do qual extraímos as passagens transcritas adiante. Ele nos honra com o pedido de nossa opinião. Nós lha daremos com toda a sinceridade, sem pretender que o nosso ponto de vista se converta em lei. Deixemos que os nossos leitores e observadores julguem a questão. Aliás, basta resumir o que a respeito dissemos em várias ocasiões, quando tratamos do assunto com muito mais desenvolvimento do que aqui podemos fazer, pois não é possível repetir o que se acha em nossos vários escritos. Eis aqui as principais passagens de um dos artigos do Sr. Brasseur, seguidas de nossas respostas:
“Que é um médium? O médium é ativo ou passivo?” Tais são as perguntas que visam elucidar um assunto que preocupa vivamente as pessoas desejosas de instruirse sobre as coisas do além-túmulo e, consequentemente, sobre as suas relações com este mundo.
“A 18 de maio último dirigi ao senhor presidente da Société Spirite uma nota intitulada: Do Médium e dos Espíritos. A 15 de julho o Sr. Allan Kardec publicou um novo livro sob o título: O que é o Espiritismo? Abrindo-o, supunha encontrar uma resposta categórica, mas em vão. O autor persiste em seus erros: Os médiuns, diz ele à pág. 75, são AS PESSOAS aptas a receber, de maneira patente, a impressão dos Espíritos e a servir de INTERMEDIÁRIOS entre o mundo visível e o mundo invisível.”
A obra citada não é um curso de Espiritismo. É uma exposição sumária dos princípios dessa Ciência, para uso das pessoas desejosas de adquirir as suas primeiras noções. O exame das questões de detalhe e das diversas opiniões não pode entrar num espaço tão restrito e que tem uma finalidade específica. Quanto à definição que damos dos médiuns, parece-nos perfeitamente clara, e é com essa definição que respondemos à pergunta do Sr. Brasseur: “O que é um médium?” É possível que ela não corresponda à sua opinião pessoal. Quanto a nós, entretanto, até agora não temos qualquer motivo para modificá-la.
“O Sr. Allan Kardec não reconhece o médium inerte. Fala muito de caixas, cartões ou pranchetas, mas não vê nessas coisas (pág. 62) senão apêndices da mão, cuja inutilidade teria sido reconhecida...”
“Compreendamos bem”.
“Na vossa opinião, o médium é um intermediário entre o mundo visível e o invisível. Mas é absolutamente necessário que esse intermediário seja uma pessoa? Não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar?”
A isto responderemos simplesmente que não. Não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar, pois lhe falta o concurso fluídico de uma pessoa, e essa pessoa é, para nós, o verdadeiro médium. Se ao Espírito bastasse dispor de um instrumento qualquer, veríamos cestas e pranchetas escrevendo sozinhas, o que jamais aconteceu. A escrita direta, aparentemente o fato mais independente de qualquer cooperação, só se produz sob a influência de médiuns dotados de uma aptidão especial. Uma consideração poderosa vem corroborar nossa opinião. Segundo o Sr. Brasseur, o instrumento é a coisa principal, e a pessoa é acessória. Em nossa opinião, é justamente o contrário. Se assim não fosse, por que as pranchetas não se moveriam com qualquer um? Se, pois, para fazêlas mover-se é necessário sermos dotados de uma aptidão especial, o papel da pessoa não é meramente passivo. É por isto que essa pessoa é para nós o verdadeiro médium. O instrumento não é, repetimos, mais do que um apêndice da mão, do qual nos podemos privar. Isto é tão verdadeiro que toda pessoa que escreve por meio da prancheta pode fazê-lo diretamente com a mão, sem prancheta, e mesmo sem lápis, de vez que pode traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a prancheta não escreve sem uma pessoa. Aliás, todas as variedades de médiuns, bem como seu papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidos em nossa Instrução Prática Sobre as Manifestações.
A isto responderemos simplesmente que não. Não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar, pois lhe falta o concurso fluídico de uma pessoa, e essa pessoa é, para nós, o verdadeiro médium. Se ao Espírito bastasse dispor de um instrumento qualquer, veríamos cestas e pranchetas escrevendo sozinhas, o que jamais aconteceu. A escrita direta, aparentemente o fato mais independente de qualquer cooperação, só se produz sob a influência de médiuns dotados de uma aptidão especial. Uma consideração poderosa vem corroborar nossa opinião. Segundo o Sr. Brasseur, o instrumento é a coisa principal, e a pessoa é acessória. Em nossa opinião, é justamente o contrário. Se assim não fosse, por que as pranchetas não se moveriam com qualquer um? Se, pois, para fazêlas mover-se é necessário sermos dotados de uma aptidão especial, o papel da pessoa não é meramente passivo. É por isto que essa pessoa é para nós o verdadeiro médium. O instrumento não é, repetimos, mais do que um apêndice da mão, do qual nos podemos privar. Isto é tão verdadeiro que toda pessoa que escreve por meio da prancheta pode fazê-lo diretamente com a mão, sem prancheta, e mesmo sem lápis, de vez que pode traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a prancheta não escreve sem uma pessoa. Aliás, todas as variedades de médiuns, bem como seu papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidos em nossa Instrução Prática Sobre as Manifestações.
“Separada da matéria pela dissolução do corpo, a alma não tem mais nenhum elemento físico da humanidade”.
E que fazeis do perispírito? O perispírito é o laço que une a alma ao corpo, o envoltório semimaterial que ela possui em vida e que conserva depois da morte. É através desse envoltório que ela se mostra nas aparições. Esse envoltório é também matéria, que embora eterizada, pode adquirir as propriedades da tangibilidade.
“Sustentando o lápis diretamente, observou-se que a pessoa mistura os seus sentimentos e as suas ideias com ideias e sentimentos do invisível, de modo que assim apenas são dadas comunicações mistas, ao passo que empregando as caixas, cartões e pranchetas, sob as mãos de duas pessoas em conjunto, essas pessoas absolutamente não intervêm na manifestação, que então é só do invisível. Por isso declaro este último meio superior e preferível ao da Sociedade Espírita”.
Esta opinião poderia ser verdadeira, se não fosse contraditada pelos milhares de fatos observados, quer na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, quer alhures, os quais provam com incontestável evidência que os médiuns inspirados, mesmo intuitivos, e com mais forte razão os médiuns mecânicos, podem ser instrumentos absolutamente passivos e gozar da mais completa independência de pensamento. No médium mecânico, o Espírito age sobre a mão, que recebe um impulso inteiramente involuntário e desempenha o papel daquilo que o Sr. Brasseur chama de médium inerte, quer esteja ela só ou provida de um lápis, quer apoiada sobre um objeto móvel munido de lápis.
No médium intuitivo o Espírito age sobre o cérebro, transmitindo através do sistema nervoso o movimento ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a menor consciência daquilo que produz. O ato precede o pensamento. No médium intuitivo, o pensamento acompanha o ato e por vezes o precede. É, portanto, o pensamento do Espírito que atravessa o cérebro do médium, e se por vezes parece que se confundem, sua independência não é menos manifesta quando, por exemplo, o médium escreve, mesmo por intuição, coisas que não pode saber, ou inteiramente contrárias às suas ideias, à sua maneira de ver, às suas próprias convicções. Numa palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Além disto, há tantos fatos espontâneos e imprevistos, que não é possível a dúvida naqueles que os observaram.
O papel do médium é, nesse caso, o de um intérprete que recebe um pensamento estranho; transmite-o; deve compreendê-lo a fim de transmiti-lo, mas que não o assimila. É assim que as coisas se passam com os médiuns falantes, que recebem um impulso sobre os órgãos da palavra, como outros o recebem sobre o braço ou a mão, e também com os médiuns auditivos, que escutam claramente uma voz a lhes falar, ditando o que devem escrever. E o que direis dos médiuns videntes, aos quais os Espíritos se mostram sob a forma que tinham em vida, médiuns que os veem circular em volta de nós, indo e vindo como a multidão que temos aos nossos olhos? E dos médiuns impressionáveis que sentem os toques ocultos, a impressão dos dedos e até das unhas, as quais marcam a pele e deixam sinal? Isto pode acontecer com um ser que nada mais tem de matéria? E os médiuns de dupla vista que, perfeitamente despertos, em pleno dia, veem claramente aquilo que se passa à distância? Não é uma faculdade própria, um gênero de mediunidade? A mediunidade é a faculdade dos médiuns. Os médiuns são pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e que lhes podem servir de intermediários. Tal é a definição que se encontra no pequeno Dicionário dos dicionários franceses abreviado, de Napoléon Landais, e até agora parece que nos dá a ideia muito exatamente.
Não contestamos a utilidade dos instrumentos que o Sr. Brasseur designa com o nome de médiuns inertes, nome para cuja escolha tem perfeita liberdade, se julga conveniente fazer tal distinção. Incontestavelmente eles têm uma vantagem, como resultado da experiência, para as pessoas que nada viram ainda. Como, porém, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas se constitui de pessoas que não estão mais no início, cujas convicções já se formaram, e não faz nenhuma experiência visando satisfazer a curiosidade do público; que não faz convites para as suas sessões, a fim de não ser perturbada nas suas pesquisas e observações, estes meios primitivos nada de novo lhe ensinariam. Eis porque prefere outros mais expeditos, de vez que possui uma experiência bastante grande no assunto para saber distinguir perfeitamente a natureza das comunicações que recebe.
Não acompanharemos o Sr. Brasseur em todos os raciocínios sobre os quais apoia sua teoria, pois tememos enfraquecê-los, truncando-os. Na impossibilidade de reproduzi-los na íntegra, preferimos remeter os leitores que deles quiserem tomar conhecimento, ao jornal que ele redige com incontestável talento, no qual se encontram sobre o mesmo assunto artigos do Sr. Jules de Neuville, muito bem escritos, mas que aos nossos olhos têm apenas uma falha: não terem sido precedidos de um estudo suficientemente aprofundado da matéria, pelo que envolvem muitas questões supérfluas.
Em resumo, e nisso de comum acordo com a Sociedade Espírita, persistimos em considerar as pessoas como os verdadeiros médiuns, que podem ser passivos ou ativos, segundo a sua natureza e a sua aptidão. Chamemos os instrumentos, se assim o quiserem, de médiuns inertes. É uma distinção que talvez seja útil. Cometeríamos, entretanto, um erro se lhes atribuíssemos o papel e as propriedades dos seres animados, nas comunicações inteligentes. Dizemos inteligentes por ser necessário, além disso, fazer a distinção de certas manifestações espontâneas puramente físicas. É um assunto de que já tratamos amplamente na Revista.
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* Journal des salons. – Modes. – Litératture. – Théâtres. Rue de l’Echiquier, 45.
Boletim - Da sociedade pariense de estudos espíritas
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão anterior.
Comunicações:
Fatos curiosos de previsões de morte e avisos de além-túmulo, ocorridos, um com os senhores de Chamissot e de Brunoy, emigrados que residiam em Coblença em 1794; outro com a Condessa Ch... (Serão publicados). Observações microscópicas e analíticas da matéria da escrita direta (Vide o número de agosto de 1859). Leitura de uma carta em resposta à remessa da evocação do Sr. J... (de La Sarthe), feita na sessão de 22 de julho.
Estudos:
Estudos:
Perguntas complementares relativas ao repouso dos Espíritos. As respostas não parecem à altura do Espírito evocado, pois não se reconhecem nem a clareza nem a precisão habituais. A Sociedade não as leva em consideração, desde que não dão uma solução satisfatória. Perguntas dirigidas a François Arago relativamente às respostas equívocas acima referidas. Diz ele que o Espírito que as respondeu não foi o Espírito evocado. Esse Espírito, acrescenta ele, não é mau, mas é pouco adiantado e incapaz de resolver certas questões. Permitimos que ele respondesse para vos exercitar na apreciação das respostas, e ao mesmo tempo para dar a ele uma lição. Perguntas ao mesmo Espírito sobre a análise química da matéria da escrita direta.
Perguntas, ainda ao mesmo Espírito, sobre as tempestades e o papel dos Espíritos nos fenômenos da Natureza (Publicadas no número de setembro). Segunda evocação do Sr. J... (de La Sarthe), depois da carta acima referida
(Publicada no número de setembro, sob o título Morte de Um Espírita. Evocação de Jacques Arago (Será publicada).
SEXTA-FEIRA, 2 DE SETEMBRO DE 1859
(SESSÃO PARTICULAR)
(SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão anterior. Negócios administrativos: Apresentação e admissão de dois novos membros efetivos e de um membro correspondente em Madri.
Comunicações:
Carta do Sr. Det..., membro da Sociedade, citando uma passagem notável extraída do Tableau de Paris, de Mercier, edição de 1788, 12.º volume, intitulada Espiritualistas.40. Essa passagem atesta a existência, naquela época, de uma Sociedade formada em Paris, tendo por objetivo as comunicações com os Espíritos. Fornece assim mais uma prova de que o Espiritismo não é uma criação moderna, e que era aceito pelos homens mais representativos (Publicada a seguir).
O Sr. S... observa, a propósito, que naquela época um tal Martinez Pascalis havia fundado a seita dos Martinistas, a qual também pretendia estar em relação com os Espíritos, por meios que os iniciados deviam manter em segredo.
Carta do Dr. B..., de Nova Iorque, agradecendo à Sociedade o título de correspondente que lhe havia sido conferido, e dando interessantes detalhes relativos à exploração mercantil do Espiritismo na América.
Leitura de várias cartas do Sr. Dumas, membro efetivo da Sociedade em Sétif, Argélia, contendo um grande número de evocações, muitas das quais de grande interesse do ponto de vista do estudo. Elas informam que vários médiuns se desenvolveram naquele país e que o Espiritismo é objeto de grande preocupação. Entre os fatos citados destaca-se principalmente o seguinte: Um carvoeiro pouco letrado, tendo experimentado escrever como médium, a princípio obteve apenas traços irregulares, com os quais encheu seguidamente seis páginas. A seguir, teve a ideia de colocar essas páginas uma depois da outra e achou que os traços combinavam, formando um conjunto. Depois, essa mesma pessoa escreveu páginas inteiras com grande facilidade. Mas a abundância, a prolixidade e a natureza de certas comunicações fazem recear uma obsessão.
O Sr. Allan Kardec ressalta um fato de manifestação espontânea, produzida em sua casa numa reunião e em circunstâncias notáveis. Presente à reunião, a Princesa
S... manifestou desejo de evocar o Dr. Beaufils, seu médico, falecido há sete ou oito meses. Três médiuns, entre os quais a filha da princesa, que também é muito boa médium, foram tomados de movimentos convulsivos violentos, quebrando os lápis e rasgando o papel. Intimado a se dar a conhecer, o Espírito acabou dizendo, depois de alguma hesitação, que não ousava declinar o nome. Premido pelas perguntas, respondeu que sabiam o seu nome pelos jornais; que era um miserável; que havia matado; que era ajudante de açougueiro, assassino da Rua “de la Roquette”, executado recentemente. Interrogado sobre os motivos de sua presença sem ter sido chamado, disse que havia sido mandado por outros Espíritos, a fim de convencer que os médiuns não escrevem o seu próprio pensamento... Termina pedindo que orem por ele, porque se arrepende de sua conduta e porque sofre. Retirou-se, depois da promessa de que seu desejo seria satisfeito, e de lhe terem dado alguns conselhos.
Veio então o Dr. Beaufils, que respondeu com muita calma e lucidez às várias perguntas que lhe foram dirigidas.
Com efeito, esta comunicação é prova manifesta da independência dos médiuns, porque todos os membros da reunião estavam preocupados com a evocação do doutor, e ninguém pensava naquele homem que veio surpreender a todos manifestando-se por sinais idênticos através de três médiuns diferentes, que não dispunham de cartões nem de pranchetas.
Leitura de uma comunicação espontânea, obtida pelo Sr. R..., membro da Sociedade, sobre a antiguidade das crenças espíritas e sobre os vestígios por elas deixados em todas as religiões (Publicada a seguir).
Estudos:
Evocação de Privat d’Anglemont. (Será publicada). Evocação do milionário avarento de Lyon, conhecido pela alcunha de Père
Crépin (Será publicada).
Crépin (Será publicada).
SEXTA-FEIRA, 9 DE SETEMBRO DE 1859 (SESSÃO GERAL) Leitura da ata e dos trabalhos da sessão anterior.
Comunicações:
Leitura de uma comunicação espontânea recebida pelo Visconde de H..., médium recentemente desenvolvido, e transmitida pelo Sr. D..., membro da Sociedade, que reside em Lille (Será publicada).
Leitura de uma comunicação espontânea de Lamennais, obtida pelo Sr. R..., membro da Sociedade. (Será publicada).
Outra comunicação espontânea obtida pelo mesmo, de parte do Dr. Olivier, que se apresentou sem ter sido chamado. Essa comunicação tem isto de notável: mostra aquele Espírito numa situação idêntica à de Voltaire, tal como este último a descreve nas suas confissões publicadas na Revista de setembro. Ele duvida de tudo, até mesmo de Deus. Errante, não encontra ninguém para esclarecê-lo, o que o mergulha numa ansiedade tanto mais penosa quanto menos lhe vê o termo. As palavras de consolo dirigidas pelo médium são para ele um raio de luz e um alívio. Promete voltar. (Será publicada).
O Sr. Allan Kardec relata um fato notável de obsessão por parte de um Espírito brutal, antigo carreteiro, sobre a pessoa do Sr. C..., ótimo médium. Além disto, o fato confirma a possibilidade de lugares assombrados por certos Espíritos. (Será publicada).
Os Espíritos barulhentos de Madri. Relato de um fato noticiado sem comentários por um jornal de Madri, relativamente a uma casa daquela cidade, inabitável pelo barulho e pelas desordens noturnas, tendo sido ineficazes as investigações e as medidas tomadas pela polícia.
Estudos:
Questões sobre a avareza, a propósito da evocação do Père Crépin, de Lyon. (Serão publicadas em seguida à publicação dessa evocação).
Evocação de Privat d’Anglemont, segunda conversa. (Será publicada).
Evocação do Sr. Julien S..., feita a pedido do Sr. B., de Bouxhors.
Evocação do Sr. Adrien de S..., feita por um visitante que assistia à sessão. Essa evocação, conquanto de interesse puramente pessoal, oferece um traço característico quanto à influência exercida pelos Espíritos errantes sobre os encarnados.
O jazigo de Saint-Leu. Procurando a sepultura do grande chanceler Pasquier na Igreja de Saint-Leu, em Paris, a 27 de julho de 1859, os operários fizeram um buraco numa parede e encontraram em baixo do coro uma sepultura de cinco metros de comprimento por quatro de altura e dois de largura, hermeticamente fechada por uma laje. Nessa sepultura achavam-se de quinze a vinte esqueletos sem esquife e em diferentes posições, o que mostrava que não tinham sido ali sepultados. Na parede
haviam gravado com um instrumento pontiagudo: Marvé, 1733; Chenest, 1733; Marx, coroinha, 1727; Charles Remy, 1721; Gabriel, 1727; Thiévan, 1723; Maupain, 1728 e vários nomes ilegíveis.
haviam gravado com um instrumento pontiagudo: Marvé, 1733; Chenest, 1733; Marx, coroinha, 1727; Charles Remy, 1721; Gabriel, 1727; Thiévan, 1723; Maupain, 1728 e vários nomes ilegíveis.
O Espírito de São Luís foi interrogado sobre a possibilidade de evocar-se um dos Espíritos cujos nomes se acham na sepultura, a fim de obter-se esclarecimentos relativos a essa descoberta. Respondeu: “Aconselho-vos a deixar isso de lado. Há crimes nesse caso, que é recente demais para se exumar algo que lhe diga respeito”.
Verteuil, antigo autor dramático e ator do teatro de la Cité. Era um jovem inteligente, de uma beleza notável e possuía uma grande fortuna. Em pouco tempo perdeu todos os seus bens numa bancarrota, depois a fala, a audição e a visão.
Morreu em Bicêtre, onde ficou vinte anos surdo, mudo e cego. Não recebia comunicações senão quando lhe riscavam os caracteres na palma da mão. Então, respondia por escrito. Essa situação excepcional parecia oferecer interessante tema para um estudo psicológico. Consultado a respeito, respondeu o Espírito de São Luís: “Não o evoqueis, pois está encarnado”. A seguir, forneceu diversas informações sobre os antecedentes desse jovem e as causas e circunstâncias de sua enfermidade. Os detalhes dessa história tocante podem ser lidos no La Patrie, de 26 de julho de 1859.
Evocação do antigo carreteiro, de cujas comunicações já demos notícia. Ele se manifesta por sinais de violência, quebrando o lápis, que força sobre o papel; por uma escrita grosseira, irregular e pouco legível. Esta evocação apresenta um caráter notável, sobretudo do ponto de vista da influência que o homem pode exercer sobre certos Espíritos inferiores, por meio da prece e dos bons conselhos. (Será publicada).
SEXTA-FEIRA, 16 DE SETEMBRO DE 1859 (SESSÃO PARTICULAR)
Leitura da ata e dos trabalhos da sessão de 9 de setembro.
Comunicações:
Leitura de um artigo do l’Illustration, de 1853, remetido pelo Sr. R..., e intitulado As Mesas Volantes. Este artigo demonstra, segundo o jornal russo Sjevernava Plschela, de 27 de abril de 1853, e conforme documentos fornecidos pelo Sr. Tscherepanoff, que o fenômeno das mesas girantes é conhecido e praticado, desde tempos imemoriais, na China, na Sibéria e entre os Kalmouks da Rússia meridional. Principalmente entre estes últimos, esse meio é utilizado para encontrar objetos perdidos. (Publicado a seguir).
O Sr. Dorgeval remete à Sociedade um poema intitulado Uranie, do Sr. de Porry, de Marselha, no qual os pontos fundamentais da Doutrina Espírita são enunciados claramente, embora na época de sua composição o autor não tivesse nenhuma noção dessa ciência. Não menos digno de nota é que o Sr. de Porry parece ter escrito seu poema por uma espécie de faculdade mediúnica. É no início da noite, quando está sonolento, que os versos se formam em seu pensamento e ele os escreve ao despertar, no dia seguinte. São lidos vários fragmentos desse poema, que será publicado nesta Revista.
Carta do Sr. P..., de Marselha, contendo a comunicação de um Espírito que se dá a conhecer pelo nome de Paulo, e uma outra de São Luís, notável por diversas respostas de grande profundeza.
Leitura de comunicação espontânea dada ao Sr. R..., membro da Sociedade, pelo açougueiro assassino da Rua de la Roquette, de que tratamos na sessão de 2 de setembro, e que veio interpor-se numa reunião havida em casa do Sr. Allan Kardec. Esse Espírito vem agradecer as preces feitas a seu favor, conforme havia pedido.
Esta comunicação é notável pelos bons pensamentos que encerra, e lança uma luz nova sobre a assistência que pode ser dada aos Espíritos sofredores. (Será publicada).
Estudos:
Perguntou-se ao Espírito de São Luís se, independentemente dos assuntos preparados com antecedência, os Espíritos poderiam dar-nos comunicações espontâneas sobre um assunto de sua escolha. Respondeu afirmativamente e disse que, na próxima vez, César escreverá por intermédio do Sr. R..., com o consentimento deste último.
Presente à sessão, como ouvinte, o Sr. Col... pergunta se lhe permitem fazer a evocação de seu filho, cuja morte é para sua mãe uma causa de sofrimento que nada atenua. Devendo ir encontrá-la no dia seguinte, gostaria de relatar-lhe a conversa como um motivo de consolação. Esta evocação não será publicada por ser de interesse puramente pessoal.
Exame da teoria do Sr. Brasseur sobre os médiuns. Ele considera as caixas, as pranchetas e outros instrumentos como os únicos verdadeiros médiuns, que denomina médiuns inertes, visto que, diz ele, nos médiuns animados há sempre uma participação, em maior ou menor grau, de opiniões pessoais. Vários membros entram na discussão e são concordes em combater a opinião do Sr. Brasseur, fundada, ao que dizem, sobre uma observação incompleta, pois a independência absoluta do médium animado está provada por fatos irrefutáveis. Um dos argumentos contrapostos à opinião do Sr. Brasseur é de que os cartões e as pranchetas jamais falam por si sós, de onde resulta que não passam de instrumentos ou, como já ficou dito, de apêndices dispensáveis; são os acessórios e não o principal. A prancheta munida de lápis e influenciada pela pessoa não é mais médium que o lápis colocado diretamente na mão da pessoa.
O Sr. Sanson lê alguns versos por ele escritos em homenagem a São Luís e em agradecimento pela cura de que ele foi objeto. Como não se julga poeta, pergunta qual o Espírito que os inspirou. A resposta é que foi o seu próprio Espírito tomado de um justo reconhecimento por aquilo que aliviou as suas dores.
Evocação de Swedenborg. À evocação feita pelo Sr. Allan Kardec, ele responde:
─ Fala, meu velho amigo.
─ Honrais-me com o título de vosso velho amigo. Estamos, entretanto, longe de ser contemporâneos, pois só vos conheço pelos vossos escritos.
─ É verdade, mas eu te conheço há muito tempo.
─ Desejamos fazer várias perguntas sobre diversos pontos de vossa doutrina, mas a hora está adiantada e nosso objetivo é apenas perguntar se poderíeis fazê-lo na próxima sessão.
─ Com prazer. Deixai-me, porém, desde já, fazer nos meus escritos uma correção importante para mim. Quando escrevi minha doutrina eu afirmava, por orientação dos conselheiros do mundo celeste que a ditavam, que cada povo se achava, no céu, numa esfera separada, e que o caráter distintivo de cada nação ainda se mantinha, não por indivíduos, mas em grandes famílias. Convenceu-me a experiência de que isso não é assim.
─ Não há outros pontos sujeitos a contestação?
─ Sim, muitos outros, mas este é um dos mais importantes.
─ Temos aqui vários médiuns. Preferis algum para vos comunicardes conosco?
─ Não... ou melhor, sim. Eu escolheria um médium mecânico, como os chamais, e ao mesmo tempo rápido.
─ Fala, meu velho amigo.
─ Honrais-me com o título de vosso velho amigo. Estamos, entretanto, longe de ser contemporâneos, pois só vos conheço pelos vossos escritos.
─ É verdade, mas eu te conheço há muito tempo.
─ Desejamos fazer várias perguntas sobre diversos pontos de vossa doutrina, mas a hora está adiantada e nosso objetivo é apenas perguntar se poderíeis fazê-lo na próxima sessão.
─ Com prazer. Deixai-me, porém, desde já, fazer nos meus escritos uma correção importante para mim. Quando escrevi minha doutrina eu afirmava, por orientação dos conselheiros do mundo celeste que a ditavam, que cada povo se achava, no céu, numa esfera separada, e que o caráter distintivo de cada nação ainda se mantinha, não por indivíduos, mas em grandes famílias. Convenceu-me a experiência de que isso não é assim.
─ Não há outros pontos sujeitos a contestação?
─ Sim, muitos outros, mas este é um dos mais importantes.
─ Temos aqui vários médiuns. Preferis algum para vos comunicardes conosco?
─ Não... ou melhor, sim. Eu escolheria um médium mecânico, como os chamais, e ao mesmo tempo rápido.
SEXTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 1859
(SESSÃO GERAL)
(SESSÃO GERAL)
Leitura da ata da sessão do dia 16.
Apresentação de quatro candidatos como membros efetivos. Sua admissão será discutida na próxima sessão particular do dia 7 de outubro e proclamada a aceitação, se for o caso.
Comunicações:
Leitura de uma carta de Ruão, que relata um fato autêntico ocorrido na família da pessoa que escreve, da aparição de sua avó no momento da morte. Outro fato recente de aparição e aviso de além-túmulo. O Sr. D..., de Paris, doutor em Medicina, havia tratado durante algum tempo uma jovem senhora que sofria de uma moléstia incurável e que no momento não morava mais em Paris. Há cerca de aproximadamente 15 dias, o Sr. D... foi despertado por pancadas à porta de seu quarto de dormir. Supondo que viessem chamá-lo para atender a algum doente, perguntou: “Quem é?” No mesmo instante viu aquela senhora em pé, à sua frente, que lhe disse com uma voz muito clara:
“Sou eu, Sr. D... Venho dizer-vos que morri”. Tomando informações, foi verificado que aquela senhora havia morrido na mesma noite de sua aparição. Fato curioso de separação momentânea entre alma e corpo aconteceu há alguns dias ao Sr. C..., médium da Sociedade. (Será publicada com a explicação dada pelos Espíritos).
Leitura de uma comunicação admirável do Espírito de Privat d’Anglemont ao Sr. Ch..., médium da Sociedade. (Será publicada com outras comunicações do mesmo Espírito).
Leitura de uma comunicação admirável do Espírito de Privat d’Anglemont ao Sr. Ch..., médium da Sociedade. (Será publicada com outras comunicações do mesmo Espírito).
Estudos:
Três comunicações espontâneas tinham sido prometidas para esta sessão: uma de César, uma de Swedenborg e uma de Privat d’Anglemont. Foram escritas simultaneamente por três médiuns, todos mecânicos.
Em seguida, diversas perguntas foram dirigidas a Swedenborg sobre alguns pontos de sua doutrina, que ele reconhece errôneos. Fez-se a leitura prévia de uma notícia biográfica sobre Swedenborg, preparada pela Sra. P..., membro da Sociedade. (Serão publicadas).
O Sr. Det..., membro da Sociedade, havia preparado uma série de perguntas muito inteligentes, a respeito de César, mas as explicações espontâneas dadas por esse Espírito tornaram supérflua a maior parte delas. Não obstante, serão examinadas e escolhidas as que forem julgadas convenientes para ulterior proposição.
O Sr. Dumas, de Sétif, membro efetivo da Sociedade, presente à sessão, pede que sejam evocados alguns Espíritos que a ele se manifestaram, a fim de ter um controle das comunicações obtidas na Argélia. O resultado dessas evocações é idêntico e confirma as respostas que lhe haviam sido dadas. Quando quis saber se poderia colaborar eficazmente na propagação do Espiritismo na África, não só lhe foi respondido que pode, mas também que deve.
Sociedade Espírita no século XVIII
AO SR. PRESIDENTE DA SOCIEDADE PARISIENSE DE ESTUDOS ESPÍRITAS
“Senhor Presidente,
Não é de 1853, época em que os Espíritos começaram a manifestar-se pelo movimento das mesas e por pancadas, que data a renovação das evocações. No histórico do Espiritismo, que lemos em vossas obras, não mencionais uma Sociedade como a nossa, cuja existência, com grande surpresa minha, me foi revelada por Mercier, em seu Tableau de Paris, edição de 1788, no capítulo intitulado Espiritualistas, do 12.º volume. Eis o que ele diz:
“Por que a Teologia, a Filosofia e a História mencionam várias aparições de Espíritos, de gênios ou de demônios? A crença de uma parte na Antiguidade era a de que cada homem tinha dois Espíritos, um bom, que convidava à virtude, outro mau, que incitava ao mal.
“Uma nova seita acredita na volta dos Espíritos a este mundo. Ouvi várias pessoas que estavam realmente persuadidas de que existem meios de evocá-los. Somos rodeados por um mundo que não percebemos. Em volta de nós estão seres dos quais não fazemos a mínima ideia. Dotados de uma natureza intelectual superior, eles nos veem. Nenhum vazio existe no Universo, eis o que asseguram os adeptos da ciência nova.
“Assim, a volta das almas dos mortos, aceita desde a mais remota Antiguidade, e de que zombava a nossa Filosofia, é hoje aceita por homens que nem são ignorantes, nem supersticiosos. Todos esses Espíritos, aliás chamados nas Escrituras de Príncipes do Ar, estão sempre sob as ordens do Senhor da Natureza. Diz Aristóteles que os Espíritos aparecem frequentemente aos homens porque uns necessitam dos outros. Nada mais faço aqui do que reportar o que dizem os partidários da existência dos gênios.
“Se cremos na imortalidade da alma, devemos admitir que essa multidão de Espíritos deve manifestar-se depois da morte. Entre essa profusão de prodígios de que estão cheios todos os países da Terra, se um só ocorreu de fato, a incredulidade está em um erro. Creio, pois, que não haveria menos temeridade em negar do que em sustentar a veracidade das aparições.
Estamos num mundo desconhecido”. Mercier não será acusado de incredulidade e de ignorância. No extrato que precede vemos que ele não rejeita a priori as manifestações dos Espíritos, embora não tenha tido ocasião de presenciá-las. Entretanto, como homem prudente, suspendia seu julgamento até melhores informações. A propósito do magnetismo, ele já havia dito: “Isto é tão misterioso, tão profundo e tão incrível que devemos rir ou cair de joelhos. Eu não faço uma coisa nem outra: observo e espero”.
Seria interessante saber por que essas evocações, retomadas em 1788, foram interrompidas até 1853. Teriam os membros da Sociedade que a elas se dedicavam perecido durante a revolução? É lamentável que Mercier não tenha declinado o nome do presidente daquela Sociedade. Recebei, etc.
DET...
Membro titular da Sociedade
Membro titular da Sociedade
OBSERVAÇÃO: O fato relatado por Mercier tem uma importância capital e um alcance que ninguém poderá desconhecer. Prova que, desde aquela época, homens recomendáveis pela inteligência se ocupavam seriamente com a Ciência Espírita. Quanto à causa que determinou a extinção dessa sociedade, é mais provável que as perturbações que se seguiram tivessem grande papel nisso. Mas não é certo dizer que as evocações foram interrompidas até 1853. Cerca dessa última época, é verdade que as manifestações tiveram o maior desenvolvimento, mas está provado que elas nunca cessaram. Em 1818, tivemos em mãos uma notícia manuscrita sobre a Sociedade dos Teósofos, existente no começo deste século, a qual pretendia que, pelo recolhimento e pela prece, era possível entrar em comunicação com os Espíritos. Talvez fosse a continuação da Sociedade de que nos fala Mercier. Desde o ano de 1800 o célebre Abade Faria, de acordo com um cônego seu amigo, antigo missionário no Paraguai, ocupava-se com evocações e obtinha comunicações escritas. Diariamente ficamos sabendo de algumas pessoas que as obtinham em Paris, muito antes que se cogitasse dos Espíritos na América.
Mas convém esclarecer que antes dessa época todos aqueles que possuíam tal conhecimento faziam mistério. Hoje, que é do domínio público, ele se vulgariza. Eis toda a diferença. E se fosse uma quimera não se teria implantado apenas em alguns anos nas cinco partes do mundo. Já o bom-senso lhe teria feito justiça, precisamente porque cada um está em condições de ver e de compreender. Certamente ninguém contestará o progresso que diariamente fazem essas ideias, mesmo nas camadas mais esclarecidas da Sociedade. Ora, uma ideia que exige raciocínio, que cresce e se ilumina pela discussão e pelo exame, não tem as características de uma utopia.
Palestras familiares de além-túmulo
O pai Crépin
Recentemente os jornais anunciaram a morte de um homem que vivia em Lyon, onde era conhecido pela alcunha de Pai Crépin. Era multimilionário e de uma avareza pouco comum. Nos últimos tempos de sua vida fora morar com o casal Favre, que tinha assumido a obrigação de alimentá-lo mediante trinta cêntimos por dia, feita a dedução de dez cêntimos para o seu tabaco. Ele possuía nove casas e antes morava em uma delas, numa espécie de nicho que tinha mandado construir debaixo da escada. Na ocasião de receber os aluguéis, arrancava cartazes das ruas e os utilizava para fazer os recibos. O decreto municipal que prescrevia a caiação das casas lhe causava um tremendo desespero; inutilmente fez diligências com o objetivo de conseguir isenção. Gritava que estava arruinado. Se tivesse uma só casa, ter-se-ia resignado, mas, acrescentava, ele tinha nove.
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui. Que quereis de mim? Oh! Meu ouro! Meu ouro! Que fizeram dele?
─ Eis-me aqui. Que quereis de mim? Oh! Meu ouro! Meu ouro! Que fizeram dele?
2. ─ Tendes saudades da vida terrena?
─ Oh! Sim!
─ Oh! Sim!
3. ─ Por que tendes saudades?
─ Não posso mais tocar no meu ouro, contá-lo e guardá-lo.
─ Não posso mais tocar no meu ouro, contá-lo e guardá-lo.
4. ─ Em que empregais o vosso tempo?
─ Ainda estou muito preso à Terra e é difícil arrepender-me.
─ Ainda estou muito preso à Terra e é difícil arrepender-me.
5. ─ Vindes muitas vezes rever o vosso querido tesouro e as vossas casas?
─ Tantas vezes quanto posso.
─ Tantas vezes quanto posso.
6. ─ Quando vivo nunca pensastes que não levaríeis nada disto para o outro
mundo?
─ Não. Minha única ideia estava ligada às riquezas, visando acumulá-las.
Jamais pensei em separar-me delas.
mundo?
─ Não. Minha única ideia estava ligada às riquezas, visando acumulá-las.
Jamais pensei em separar-me delas.
7. ─ Qual era o vosso objetivo amontoando essas riquezas que não serviam para nada, nem para vós mesmo, pois vivíeis em privações?
─ Eu experimentava a volúpia de tocá-las.
─ Eu experimentava a volúpia de tocá-las.
8. ─ De onde vos vinha tão sórdida avareza?
─ Do prazer experimentado por meu Espírito e por meu coração por ter muito dinheiro. Aqui na Terra não tive outra paixão.
─ Do prazer experimentado por meu Espírito e por meu coração por ter muito dinheiro. Aqui na Terra não tive outra paixão.
9. ─ Compreendeis o que era a avareza?
─ Sim, compreendo agora que eu era um miserável. Entretanto, meu coração ainda é muito terreno e ainda experimento certo prazer em ver o meu ouro. Mas não posso apalpá-lo, e isto é um começo de punição na vida em que estou.
─ Sim, compreendo agora que eu era um miserável. Entretanto, meu coração ainda é muito terreno e ainda experimento certo prazer em ver o meu ouro. Mas não posso apalpá-lo, e isto é um começo de punição na vida em que estou.
10. ─ Não experimentáveis nenhum sentimento de piedade pelos infelizes que sofriam na miséria? Nunca vos ocorreu a ideia de aliviá-los?
─ Por que eles não tinham dinheiro? Pior para eles!
─ Por que eles não tinham dinheiro? Pior para eles!
11. ─ Tendes lembrança da vossa existência anterior a esta que acabais de deixar?
─ Sim, eu era pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração.
─ Sim, eu era pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração.
12. ─ Quais foram os vossos primeiros pensamentos, quando vos reconhecestes no mundo dos Espíritos?
─ Meu primeiro pensamento foi o de procurar as minhas riquezas e, sobretudo, o meu ouro. Quando não vi mais do que o espaço, senti-me muito infeliz. Meu coração ficou dilacerado e o remorso começou a apoderar-se de mim. Parece que quanto mais tempo se passar, mais sofrerei por minha avareza terrena.
─ Meu primeiro pensamento foi o de procurar as minhas riquezas e, sobretudo, o meu ouro. Quando não vi mais do que o espaço, senti-me muito infeliz. Meu coração ficou dilacerado e o remorso começou a apoderar-se de mim. Parece que quanto mais tempo se passar, mais sofrerei por minha avareza terrena.
13. ─ Qual é agora a consequência de vossa vida terrena?
─ Inútil para os meus semelhantes, inútil diante da eternidade, mas infeliz para mim perante Deus.
─ Inútil para os meus semelhantes, inútil diante da eternidade, mas infeliz para mim perante Deus.
14. ─ Podeis prever uma nova existência corpórea?
─ Não sei.
─ Não sei.
15. ─ Se devêsseis ter brevemente uma nova existência corpórea, qual escolheríeis?
─ Escolheria uma existência em que pudesse tornar-me útil aos meus semelhantes.
─ Escolheria uma existência em que pudesse tornar-me útil aos meus semelhantes.
16. ─ Quando vivo não tínheis amigos na Terra, pois um avarento como vós não pode tê-los. Tende-os entre os Espíritos?
─ Jamais rezei por alguém. Meu anjo da guarda, a quem muito ofendi, é o único que tem piedade de mim.
─ Jamais rezei por alguém. Meu anjo da guarda, a quem muito ofendi, é o único que tem piedade de mim.
17. ─ Ao entrar no mundo dos Espíritos, alguém vos veio receber?
─ Sim, minha mãe.
─ Sim, minha mãe.
18. ─ Já fostes evocado por outras pessoas?
─ Uma vez, por uma pessoa a quem maltratei.
─ Uma vez, por uma pessoa a quem maltratei.
19. ─ Não estivestes na África, num centro onde se ocupam com os Espíritos?
─ Sim, mas toda aquela gente não tinha nenhuma pena de mim. Isto é muito triste. Aqui sois compassivos.
─ Sim, mas toda aquela gente não tinha nenhuma pena de mim. Isto é muito triste. Aqui sois compassivos.
20. ─ Nossa evocação vos será proveitosa?
─ Muito.
─ Muito.
21. ─ Como adquiristes fortuna?
─ Ganhei um pouco honestamente, mas explorei muito e roubei um pouco dos meus semelhantes.
─ Ganhei um pouco honestamente, mas explorei muito e roubei um pouco dos meus semelhantes.
22. ─ Podemos fazer alguma coisa por vós?
─ Sim. Um pouco de vossa piedade para uma alma em sofrimento.
─ Sim. Um pouco de vossa piedade para uma alma em sofrimento.
(SOCIEDADE, 9 DE SETEMBRO DE 1859)
PERGUNTAS DIRIGIDAS A SÃO LUÍS A RESPEITO DO PAI CRÉPIN
PERGUNTAS DIRIGIDAS A SÃO LUÍS A RESPEITO DO PAI CRÉPIN
1. ─ O Pai Crépin que evocamos ultimamente era um raro tipo de avarento. Não nos pôde dar explicações sobre a fonte de sua paixão. Teríeis a bondade de nolas ministrar? Ele nos disse que tinha sido pastor, muito infeliz de corpo, mas feliz de coração. Nada vemos nisso que lhe pudesse desenvolver esta avareza sórdida. Poderíeis dizer-nos o que provocou o seu começo?
─ Ele era ignorante e inexperiente. Pediu a riqueza e ela lhe foi concedida, mas como punição para o seu pedido. Tende certeza de que ele não a pedirá mais.
─ Ele era ignorante e inexperiente. Pediu a riqueza e ela lhe foi concedida, mas como punição para o seu pedido. Tende certeza de que ele não a pedirá mais.
2. ─ O Pai Crépin nos oferece o tipo da avareza ignóbil, mas essa paixão tem gradações. Assim, há pessoas que só são avarentas para os outros. Perguntamos qual é o mais culpável: aquele que acumula pelo prazer de acumular e se priva até do necessário, ou aquele que, de nada se privando é avaro quando se trata do menor sacrifício pelo próximo?
─ É evidente que o último é mais culpado, porque é profundamente egoísta. O primeiro é louco.
─ É evidente que o último é mais culpado, porque é profundamente egoísta. O primeiro é louco.
3. ─ Nas provas que deve sofrer para chegar à perfeição, deve o Espírito passar por todos os gêneros de tentação? Poder-se-ia dizer que, para o Pai Crépin, a vez da avareza chegou por meio das riquezas que estavam à sua disposição, e que ele sucumbiu?
─ Isto não é regra geral, mas é exato no seu caso particular. Sabeis que há muitos que desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas.
─ Isto não é regra geral, mas é exato no seu caso particular. Sabeis que há muitos que desde o começo tomam um caminho que os exime de muitas provas.
SRA. E. DE GIRARDIN, MÉDIUM
Extraímos o artigo seguinte da crônica do Paris-Journal n.º 44. Não há necessidade de comentários. Ele mostra que se os partidários do Espiritismo são loucos, como o dizem pouco delicadamente as pessoas que se arrogam sem cerimônia o privilégio do bom-senso, podemos consolar-nos e até mesmo sentir-nos honrados de ir para os hospícios em companhia de inteligências da têmpera da Sra. de Girardin e de tantos outros.
“Outro dia eu vos prometi a história da Sra. de Girardin e de um célebre doutor. Contá-la-ei hoje, porque obtive permissão para fazê-lo. É uma história muito curiosa. Ficaremos ainda no sobrenatural, com o qual nos ocupamos mais do que nunca, nós que, por dever, tomamos o pulso de Paris e sentimos que ele está um tanto febril. Decididamente, para a imaginação humana há uma certa necessidade de saber o futuro e penetrar os mistérios da Natureza. Quando se veem inteligências como a de Delphine Gay entregar-se a essas práticas que consideramos pueris, não lhes podemos recusar uma certa importância, sobretudo quando apoiadas em testemunhos irrefutáveis, tais como este de que vos falo e que ireis conhecer. Refirome ao testemunho, mas não ao doutor ─ notai bem.
“A Sra. de Girardin tinha uma pequena prancheta e um lápis. Consultava-os incessantemente. Obtinha, assim, conversas com muitas celebridades da História, sem contar o diabo, que nelas também se metia. Certa noite, ele veio revelar-se a uma importante pessoa que não teve medo, pois que seu papel é o de expulsá-lo. Nada fazia a grande Delphine sem consultar a prancheta. Pedia-lhe conselhos literários, que esta não lhe recusava. Para a ilustre poetisa, era até mesmo de uma severidade magistral. Assim, incessantemente reiterava-lhe o pedido para que não escrevesse mais tragédias sem nenhuma consideração pelos versos maravilhosos de sua peça Judith e Cleópatra. Quem é que vai assistir à representação de uma tragédia? Os fanáticos da poesia dramática. Que buscam eles numa tragédia? Os belos versos que os comovem e emocionam, e Judith e Cleópatra fervilha desses pensamentos de mulher, expressos por uma mulher de um espírito e de um coração eminentes, cujo talento ninguém contesta. Numa palavra, a prancheta não queria mais tragédias; obstinava-se na prosa e na comédia; colaborava nos desenlaces e corrigia a prolixidade.
“Delphine não só lhe confiava seus trabalhos literários, como ainda lhe contava os sofrimentos e pedia orientações para a sua saúde. Ah! essas orientações, ditadas pela imaginação da doente ou pelo demônio, contribuíram para afastá-la de nós. Ela tomava remédios incríveis como fatias de pão com manteiga e pimenta, pimentões e todas as invencionices prejudiciais a uma natureza inflamável como a sua. Disto foram encontradas provas depois de sua morte, da qual os seus amigos e admiradores jamais se consolarão.
“Todo mundo conhece Chasseriau, arrebatado também na flor da idade. De memória, fez um soberbo retrato da bela defunta. Fizeram dele uma gravura, que hoje está em toda parte. Ele levou o retrato ao doutor em questão e lhe perguntou se estava contente. Este último fez alguns ligeiros reparos. O pintor ia consentir nessas modificações, quando os dois tiveram a ideia de se dirigir ao próprio modelo. Colocaram as mãos sobre a prancheta e assim a Sra. de Girardin revelou-se quase que imediatamente. Compreende-se qual teria sido a emoção deles. Interrogada sobre o retrato, disse que não estava perfeito, mas que não deviam retocá-lo, pois se arriscariam a estragá-lo, sendo a semelhança muito difícil de captar, quando não se tem outro guia além da memória. Fizeram-lhe outras perguntas. Recusou-se a responder a algumas delas, mas atendeu a outras.
“Perguntaram o lugar onde se encontrava.
“─ Não quero dizê-lo, retrucou.
“Apesar de todos os pedidos nada puderam obter a esse respeito.
“─ Sois feliz?
“─ Não.
“─ Por quê?
“─ Porque não posso mais ser útil àqueles a quem amo.
“Ficou obstinadamente muda enquanto lhe falaram da outra vida e não deu nenhuma explicação. Também não disse se assim procedia por lhe ser proibido ou se por vontade própria. Depois de uma longa conversa, foi-se embora. Lavrou-se a ata dessa sessão. As duas testemunhas ficaram tão impressionadas que não trataram mais do caso. O doutor podia agora evocar aquele que o ajudava naquele dia, e ter esses dois grandes Espíritos na sua prancheta. Como tudo passa neste mundo! E que ensinamento nestes fatos estranhos, se os considerarmos do ponto de vista filosófico e religioso!”
As mesas volantes
Com este título encontramos o artigo seguinte no Illustration de 1853, precedido das indispensáveis piadas que oferecemos aos nossos leitores.
“Trata-se das mesas girantes! Eis as mesas volantes! E não é de hoje que o fenômeno se produz. Existe há longos anos. Perguntais onde? Palavra que é um pouco longe, na Sibéria. Um jornal russo, Sjevernava Plschela, que quer dizer A Abelha do Norte, em seu número de 27 de abril último, contém sobre o assunto um artigo do Sr. Tscherepanoff, que viajou pela região dos Kalmuks. Eis um trecho:
“Deve-se saber que os Lamas, sacerdotes da religião budista à qual aderem todos os mongóis e os buretas russos41, da mesma forma que os sacerdotes do antigo Egito, não revelam os segredos que descobriram, servindo-se deles, entretanto, para aumentar a influência que exercem sobre o povo naturalmente supersticioso. É assim que pretendem ter o poder de encontrar os objetos roubados, para o que se servem da mesa volante. As coisas se passam da maneira seguinte:
“A vítima do roubo dirige-se ao Lama, pedindo-lhe que revele o local onde os objetos estão escondidos. O sacerdote de Buda pede dois ou três dias a fim de se preparar para essa grave cerimônia. Expirado o prazo, ele se senta no chão, coloca em sua frente uma pequena mesa quadrada, põe as mãos sobre ela e começa a ler algo obscuro. Isto dura meia hora. Depois de haver balbuciado as orações, levantase, mantendo a mão na mesma posição inicial, e a mesa se ergue no ar. O Lama se empertiga e põe as mãos acima da cabeça. A mesa sobe até a altura das mãos. O lama dá um passo à frente e o móvel, no ar, segue o seu exemplo. O lama recua e a mesa faz o mesmo. Enfim, a mesa se posiciona em várias direções e acaba por cair no chão. É na direção principal que a mesa tomou que se encontra o objeto procurado. A crer no que dizem os habitantes da região, houve casos em que a mesa foi cair exatamente no lugar onde se encontrava oculto o objeto roubado.
“Na experiência que o Sr. Tscherepanoff presenciou, a mesa voou a distância de 15 toesas. O objeto roubado não foi encontrado imediatamente, mas na direção indicada pelo móvel morava um camponês russo, que notou o sinal. No mesmo dia suicidou-se. Sua morte súbita levantou suspeitas. Fizeram-se pesquisas em sua residência, na qual encontraram o objeto procurado.
“O viajante viu três outras experiências que não deram resultado. A mesa não quis mover-se. Aliás, os Lamas não tiveram dificuldades em explicar tal imobilidade. Se o móvel não se movia, é que os objetos não podiam ser encontrados.
“O Sr. Tscherepanoff testemunhou esse fenômeno em 1831, na aldeia de Jélany. ‘Eu não acreditava no que viam os meus olhos, diz ele, mas estava persuadido de que ali existia alguma escamoteação e que o meu Lama se servia de uma corda habilmente dissimulada ou de um arame para levantar a mesa no ar. Olhando de perto, entretanto, não percebi qualquer traço de cordão ou de arame. A mesa era uma prancha fina de pinheiro, não pesando mais que uma libra e meia. Hoje estou persuadido de que o fenômeno é produzido pelas mesmas causas da dança das mesas’.
“Assim, os chefes da seita dos Espíritas, que acreditavam ter inventado a tablemoving, não fizeram mais do que espalhar uma invenção há muito conhecida entre outros povos. Nihil sub sole novi, dizia Salomão. Quem sabe se ao tempo do próprio Salomão não era conhecida a maneira de fazer girar as mesas!... Que digo eu? Esse processo era conhecido muito antes do digno filho de David. Leia-se o North China Herald, citado pela Gazette d’Ausbourg de 11 de maio, e ver-se-á que os habitantes do celeste império se divertem com esse jogo desde tempos imemoriais”. Já dissemos centenas de vezes que o Espiritismo, pertencendo à Natureza, é uma das suas forças. Os fenômenos dele decorrentes devem ter-se produzido em todos os tempos e entre todos os povos, interpretados, comentados e vestidos segundo os respectivos costumes e grau de instrução. Jamais pretendemos que fosse uma invenção moderna. Quanto mais avançarmos, mais iremos descobrindo os traços que ele deixou por toda parte e em todas as épocas. Os modernos não têm outro mérito senão o de tê-lo despido do misticismo, do exagero e das ideias supersticiosas dos tempos de ignorância. É impressionante que a maior parte das pessoas que dele falam tão levianamente jamais se tenham dado ao trabalho de estudá-lo. Julgam-no pela primeira impressão, a maior parte das vezes por ouvir dizer, sem conhecimento de causa, e ficam surpreendidas quando lhes mostramos, no fundo de tudo isto, um do princípios referentes aos mais graves interesses da Humanidade. E não se pense que aqui tratamos apenas do interesse com as coisas do outro mundo. Quem não se detém na superfície vê sem dificuldade que ele diz respeito a todas as questões vitais do mundo atual. Quem teria pensado outrora que de uma rã dançando num prato ao contato de uma colher de prata nasceria um meio de nos comunicarmos, em alguns segundos, de um a outro extremo da Terra; de dirigir o raio; de produzir uma luz semelhante à do Sol? Paciência, senhores zombadores! De uma mesa que dança poderá muito bem sair um gigante para pôr de escanteio os galhofeiros. No ritmo em que vão as coisas, isto não começa mal.
ALLAN KARDEC