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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859 > Julho
Julho
Sociedade pariense de estudos EspíritasSenhores,
No momento em que expira o vosso ano social, permiti que vos apresente um curto resumo da marcha e dos trabalhos da Sociedade.
Conheceis
a sua origem. Ela se formou sem um desígnio premeditado, sem um projeto
preconcebido. Alguns amigos se reuniam em minha casa num pequeno grupo;
pouco a pouco esses amigos me pediram permissão para me apresentar seus
amigos. Então não havia um presidente. Eram saraus íntimos, de oito ou
dez pessoas, como os há às centenas, em Paris e alhures. Era natural,
entretanto, que em minha casa eu tivesse a direção do que ali se fazia,
já como dono, já em consequência dos estudos especiais que havia feito e
que me davam certa experiência na matéria.
O interesse despertado
por essas reuniões foi crescendo, embora não nos ocupássemos senão de
coisas muito sérias. Pouco a pouco, um a um foi crescendo o número dos
assistentes e minha modesta sala, muito pouco adequada para uma
assembleia, tornou-se insuficiente. Foi então que alguns de entre vós
propuseram se procurasse outra mais cômoda e que nos cotizássemos a fim
de cobrir as despesas, pois não achavam justo que tudo corresse por
minha conta, como até então.
Mas para nos reunirmos regularmente,
além de um certo número de pessoas e num local diferente, era necessário
nos conformássemos às exigências legais, ter um regulamento e,
consequentemente, um presidente titulado. Enfim, era necessário
constituir-se uma sociedade. Foi o que aconteceu, com o assentimento da
autoridade, cuja benevolência não nos faltou. Era também necessário
imprimir aos trabalhos uma direção metódica e uniforme, e houvestes por
bem encarregar-me de continuar aquilo que fazia em minha casa, nas
nossas reuniões particulares. Dei às minhas funções, que posso chamar de
laboriosas, toda a exatidão e todo o devotamento de que fui capaz. Do
ponto de vista administrativo, esforcei-me por manter nas sessões uma
ordem rigorosa e por lhes dar um caráter de seriedade, sem o qual logo
teria desaparecido o prestígio de assembleia séria. Agora, que minha
tarefa está terminada e que o impulso foi dado, devo comunicar-vos a
resolução que tomei de renunciar, para o futuro, a qualquer função na
Sociedade, mesmo a de diretor de estudos. Não ambiciono nenhum título, a
não ser o de simples membro titular, com o qual me sentirei sempre
feliz e honrado. O motivo de minha decisão está na multiplicidade de
meus trabalhos, que aumentam dia a dia, pela extensão de minhas relações
e porque, além daqueles que conheceis, preparo outros trabalhos mais
consideráveis, que exigem longos e laboriosos estudos e que não
absorverão menos de dez anos26. Ora, os trabalhos da Sociedade não
deixam de tomar muito tempo, quer na preparação, quer na coordenação e
redação final. Além disso, reclamam uma assiduidade por vezes
prejudicial às minhas ocupações pessoais e tornam indispensável a
iniciativa quase exclusiva que me conferistes. É por este motivo,
senhores, que tantas vezes tive de tomar a palavra, muitas delas
lamentando que membros eminentes e esclarecidos nos privassem de suas
luzes. Há muito tempo eu desejava demitir-me de minhas funções. Em
várias circunstâncias externei esse desejo de maneira explícita, tanto
aqui quanto particularmente, a diversos colegas, notadamente ao Sr.
Ledoyen. Tê-lo-ia feito mais cedo, sem receio de causar perturbação na
Sociedade, retirando-me ao meio do ano, mas poderia parecer uma
defecção. E era necessário não dar esse prazer aos nossos adversários.
Tive, pois, que cumprir a minha tarefa até o fim. Hoje, porém, que não
mais existem esses motivos, apresso-me em vos comunicar a minha
resolução, a fim de não entravar a escolha que deveis fazer. É justo que
cada um participe dos encargos e das honras.
Num ano a Sociedade viu
sua importância crescer rapidamente. O número de seus membros titulares
triplicou em alguns meses. Tendes numerosos correspondentes nos dois
continentes e a quantidade de ouvintes ultrapassaria o limite do
possível, se não houvéssemos estabelecido como freio o estrito
cumprimento do regulamento. Entre estes últimos, notastes a presença das
mais altas notabilidades sociais e muitas figuras das mais ilustres. A
pressa que há em solicitar admis são às vossas sessões demonstra o
interesse que elas despertam, não obstante a ausência de qualquer
experimentação destinada a satisfazer a curiosidade e, talvez, em
virtude mesmo da sua simplicidade. Se nem todos saem convencidos, o que
seria pretender o impossível, as pessoas sérias, as que não vêm com a
ideia preconcebida de denegrir, levam da seriedade dos vossos trabalhos
uma impressão que as predispõe a aprofundar essas questões. Aliás, não
podemos senão aplaudir as restrições feitas à admissão de ouvintes
estranhos. Assim evitamos uma multidão de curiosos importunos. A medida
com a qual limitastes a admissão de estranhos a certas sessões,
reservando as outras exclusivamente aos membros da Sociedade, teve como
resultado vos dar mais liberdade nos estudos, que poderiam ser
entravados pela presença de pessoas ainda não iniciadas e cuja simpatia
não estivesse garantida.
Essas restrições parecerão muito naturais
aos que conhecem a finalidade de nossa instituição e sabem que somos,
antes de tudo, uma Sociedade de estudo e de pesquisas e não um veículo
de propaganda. É por isto que não admitimos em nossas fileiras aqueles
que, não possuindo as primeiras noções da ciência, nos fariam perder
tempo em demonstrações elementares, incessantemente renovadas. Sem
dúvida todos nós desejamos a propaganda das ideias que professamos,
porque as julgamos úteis, e cada um de nós para isso contribui. Sabemos,
porém, que só se adquire convicção através de observações contínuas e
nunca por alguns fatos isolados, sem continuidade e sem raciocínio,
contra os quais a incredulidade sempre poderá levantar objeções.
Dir-se-á que um fato é sempre um fato. É um argumento irretorquível, sem
dúvida, desde que não seja contestado nem contestável. Quando um fato
sai do círculo de nossas ideias e de nossos conhecimentos, à primeira
vista parece impossível. Quanto mais extraordinário, mais objeção
levanta. Eis por que o contestam. Aquele que lhe sonda a causa e a
descobre, encontra-lhe uma base e uma razão de ser; compreende a sua
possibilidade e desde então não mais o rejeita.
Muitas vezes um fato
só é inteligível por sua ligação com outros fatos. Tomado isoladamente
pode parecer estranho, incrível e até absurdo. Mas se for um dos elos da
cadeia; se tiver uma base racional; se se puder explicá-lo,
desaparecerá qualquer anomalia.
Ora, para conceber esse encadeamento,
para apreender esse conjunto a que somos conduzidos de consequência em
consequência, é necessário, em todas as coisas ─ e talvez ainda mais no
Espiritismo ─ uma série de observações racionais. O raciocínio é, pois,
poderoso elemento de convicção, hoje mais do que nunca, porque as ideias
positivas nos levam a saber o porquê e o como de cada coisa.
Admiramo-nos
da persistência da incredulidade em matéria de Espiritismo, por parte
de pessoas que viram, enquanto outras que nada viram são crentes firmes.
Dirse-ia que são superficiais e que aceitam sem exame tudo quanto se
lhes diz? Muito pelo contrário. As primeiras viram, mas não compreendem;
as últimas não viram, mas compreendem, e compreendem porque raciocinam.
O
conjunto de raciocínios sobre os quais se apoiam os fatos constitui a
ciência, ciência ainda imperfeita, é certo, cujo apogeu ninguém pretende
ter atingido, mas, enfim, é uma ciência em início e vossos estudos se
dirigem para a pesquisa de tudo quanto pode alargá-la e constituí-la.
Eis
o que importa seja bem sabido fora deste recinto, a fim de que não haja
equívocos quanto aos nossos objetivos; a fim de que, ao virem aqui, não
esperem vir a um espetáculo dado pelos Espíritos. A curiosidade tem um
limite. Quando satisfeita, procura uma nova distração. Aquele que não
para na superfície, que vê além do efeito material, sempre acha o que
aprender. Para ele o raciocínio é uma fonte inesgotável, sem limites.
Nossa linha de conduta não poderia ser mais bem traçada do que pelas
admiráveis palavras que o Espírito de São Luís nos dirigiu, e que jamais
deveríamos esquecer: “Zombaram das mesas girantes, mas não zombarão
jamais da filosofia, da sabedoria, da caridade que brilham nas
comunicações sérias.
Que alhures se veja; que alhures se escute, mas que entre vós haja compreensão e amor”.
A
expressão “que entre vós haja compreensão” é todo um ensinamento. Nós
devemos compreender, e procuramos compreender, porque não queremos crer
como cegos. O raciocínio é o facho que nos guia. Mas o raciocínio de um
só pode transviar-se. Eis porque nos quisemos reunir em sociedade, a fim
de nos esclarecermos mutuamente pelo concurso recíproco de nossas
ideias e observações.
Colocados neste terreno, assemelhamo-nos a
todas as demais instituições científicas, e nossos trabalhos produzirão
mais prosélitos sérios do que se passássemos o tempo a fazer que as
mesas se movessem e dessem pancadas. Em breve estaríamos fartos disso.
Nosso pensamento requer um alimento mais sólido e, por isso, buscamos
penetrar os mistérios do mundo invisível, cujos primeiros indícios são
esses fenômenos elementares. Os que sabem ler se divertem a repetir sem
cessar o alfabeto? Talvez tivéssemos maior afluência de curiosos,
sucedendo-se em nossas sessões como personagens de um panorama mutável.
Mas esses curiosos, que não poderiam adquirir uma convicção improvisada
por verem um fenômeno para eles inexplicável que julgariam sem
aprofundá-lo, seriam antes um obstáculo aos nossos trabalhos. Eis
porque, não querendo desviar-nos do nosso caráter científico, afastamos
todo aquele que nos procura sem um objetivo sério.
O Espiritismo tem
consequências de tal gravidade; toca em questões de tal alcance; dá a
chave de tantos problemas; oferece-nos, enfim, tão profundo ensino
filosófico, que ao lado de tudo isso uma mesa girante é pura
infantilidade.
A observação dos fatos, sem o raciocínio, dizíamos
nós, é insuficiente para dar completa convicção. Poderíamos taxar de
leviano aquele que se declarasse convencido por um fato que não tivesse
compreendido. Esta maneira de proceder, entretanto, tem outro
inconveniente que deve ser assinalado e do qual cada um de nós pode dar
testemunho: é a mania de experimentação, como consequência natural
disso.
Aquele que vê um fato espírita sem lhe haver estudado todas as
suas implicações, geralmente não vê mais que o fato material. Então o
julga do ponto de vista de suas próprias ideias, sem pensar que fora das
leis comuns pode e deve haver leis desconhecidas. Julga poder
manobrá-lo à sua vontade; impõe condições e não se convencerá, conforme
diz, se o fato não se repetir de uma certa maneira, e não de outra.
Imagina que se fazem experiências com os Espíritos como se fossem uma
pilha elétrica. Desconhecendo sua natureza e sua maneira de ser, pois
não as estudou, pensa que lhes pode impor a sua vontade, e imagina que
eles devem agir a um simples sinal, pelo simples prazer de convencê-lo.
Porque se dispõe a ouvi-los durante quinze minutos, supõe que devam
ficar às suas ordens.
São erros em que não caem aqueles que se dão ao
trabalho de aprofundar os estudos. Conhecem os obstáculos e não pedem o
impossível. Em lugar de quererem convencer do seu ponto de vista os
Espíritos, coisa a que eles não se submetem voluntariamente, colocam-se
no ponto de vista dos Espíritos, com o que os fenômenos mudam de
aspecto. Para isto são necessárias paciência, perseverança e firme
vontade, sem o que nada se alcança.
Aquele que realmente quer saber,
deve submeter-se às condições da coisa em si, e não querer que esta se
submeta às suas próprias condições.
Por isto a Sociedade não se
presta a experimentações que não dariam resultado, pois sabe, por
experiência, que o Espiritismo, como qualquer outra ciência, não se
aprende de um jacto e em poucas horas. Como uma sociedade séria, não
quer tratar senão com gente séria, que compreende as obrigações impostas
por tal estudo, desde que se queira fazê-lo conscienciosamente. Ela não
reconhece como sérios os que dizem: Deixem-me ver um fato e eu me
convencerei.
Significa isto que desprezamos os fatos?
Muito pelo
contrário, pois toda a nossa ciência está baseada nos fatos. Pesquisamos
com interesse todos aqueles que nos oferecem matéria de estudo ou
confirmam princípios admitidos. Quero apenas dizer que não perdemos
tempo em reproduzir os fatos que já conhecemos, do mesmo modo que um
físico não se diverte em repetir incessantemente as experiências que
nada de novo lhe ensinam.
Dirigimos nossa investigação a tudo quanto
possa iluminar nossos caminhos, preferindo as comunicações inteligentes,
fonte da filosofia espírita e cujo campo ilimitado é muito mais vasto
que o das manifestações puramente materiais, de interesse apenas
momentâneo.
Dois sistemas igualmente preconizados e praticados se
apresentam na maneira de receber as comunicações de além-túmulo: uns
preferem esperar as comunicações espontâneas; outros as provocam por um
apelo direto a este ou àquele Espírito.
Pretendem os primeiros que na
ausência de controle para estabelecer a identidade dos Espíritos,
esperando a sua boa vontade, ficamos menos expostos a ser induzidos em
erro. Desde que o Espírito fala é porque está presente e quer falar, ao
passo que não temos certeza de que aquele que chamamos possa vir e
responder. Os outros objetam que deixar falar o primeiro que apareça é
abrir a porta tanto aos bons quanto aos maus. A incerteza da identidade
não é objeção séria, pois muitas vezes dispomos de meios de constatá-la,
sendo que essa constatação é, além do mais, objeto de um estudo ligado
aos próprios princípios da ciência. O Espírito que fala espontaneamente
limita-se quase sempre às generalidades, enquanto as perguntas lhe
traçam um quadro mais positivo e mais instrutivo.
Quanto a nós,
apenas condenamos a exclusividade de sistemas. Sabemos que ótimas coisas
são obtidas de um e de outro modo. Se preferimos o segundo, é que a
experiência nos ensina que nas comunicações espontâneas os Espíritos
mistificadores não deixam de enfeitar-se com nomes respeitáveis, tanto
quanto nas evocações. Têm mesmo o campo mais livre, ao passo que com as
perguntas nós os dominamos muito mais facilmente, sem contar que as
perguntas têm incontestável utilidade nos estudos. É a esta maneira de
investigar que devemos a quantidade de observações recolhidas
diariamente e que nos permitem penetrar mais profundamente nesses
extraordinários mistérios. Quanto mais avançamos, mais se nos alarga o
horizonte, mostrando quanto é vasto o campo que devemos ceifar.
As
numerosas evocações que temos feito permitiram lançássemos o olhar
investigador sobre o mundo invisível, de um a outro extremo, isto é,
tanto naquilo que há de mais ínfimo quanto no que há de mais sublime. A
incontável variedade de fatos e de caracteres que brotaram desses
estudos realizados com profunda calma, com atenção contínua e com a
prudente circunspecção de observadores sérios, abriunos os arcanos desse
mundo para nós tão novo.
A ordem e o método aplicado em vossas pesquisas eram elementos indispensáveis ao sucesso.
Com
efeito, sabeis por experiência que não basta chamar, ao acaso, o
Espírito desta ou daquela pessoa. Os Espíritos não vêm assim, à nossa
vontade ou capricho, e não respondem a tudo quanto a fantasia nos leva a
lhes perguntar. Com os seres de além-túmulo são necessárias habilidade e
uma linguagem adequada à sua natureza; às suas qualidades morais; a seu
grau de inteligência; à posição que ocupam. Com eles, e segundo as
circunstâncias, devemos ser dominadores ou submissos; compassivos com os
que sofrem; humildes e respeitosos com os superiores; firmes com os
maus e com os teimosos que só dominam aqueles que os escutam
complacentemente. Enfim, é necessário saber formular e encadear
metodicamente as perguntas, para que se obtenham respostas mais
explícitas; captar nas respostas as nuanças que, por vezes, constituem
traços característicos, revelações importantes e que escapam ao
observador superficial, inexperiente ou ocasional.
A maneira de conversar com os Espíritos é, pois, uma verdadeira arte, que exige tato, conhecimento do terreno que pisamos e constitui, a bem dizer, o Espiritismo prático. Convenientemente dirigidas, as evocações podem ensinar muito.
A maneira de conversar com os Espíritos é, pois, uma verdadeira arte, que exige tato, conhecimento do terreno que pisamos e constitui, a bem dizer, o Espiritismo prático. Convenientemente dirigidas, as evocações podem ensinar muito.
Elas oferecem um poderoso elemento de interesse, de
moralidade e de convicção. De interesse porque nos dão a conhecer o
estado do mundo que a todos espera, do qual por vezes fazemos uma ideia
extravagante; de moralidade porque nelas podemos ver, por analogia, a
nossa sorte futura; de convicção, porque temos nessas conversas íntimas a
prova manifesta da existência e da individualidade dos Espíritos, que
nada mais são do que as nossas próprias almas, desprendidas da matéria
terrena.
Desde que esteja formada a vossa opinião geral sobre o
Espiritismo, não tendes necessidade de fundamentar as vossas convicções
na prova material das manifestações físicas. Por outro lado,
aconselhados pelos Espíritos, quisestes limitarvos ao estudo dos
princípios e dos problemas morais, sem que para isso fosse negligenciado
o exame dos fenômenos que podem auxiliar na pesquisa da verdade.
A
crítica sistemática censurou-nos por aceitarmos muito facilmente as
doutrinas de certos Espíritos, sobretudo no que concerne a questões
científicas. Essas pessoas mostram, por isso mesmo, que não conhecem o
verdadeiro escopo da Ciência Espírita, nem aquele a que nos propomos,
com o que nos dão o direito de lhes devolver a censura de leviandade de
julgamento.
Certamente não será a vós que pode ser ensinada a reserva
com que deve ser acolhido aquilo que vem dos Espíritos. Estamos longe
de aceitar tudo quanto eles dizem como artigos de fé. Sabemos que há
entre eles todas as nuanças de saber e de moralidade. Para nós são toda
uma população, que apresenta variedades cem vezes mais numerosas que as
que percebemos entre os homens. O que queremos é estudar essa população;
é chegar a conhecê-la e compreendê-la. Para tanto, estudamos as
individualidades; observamos as diferenças sutis; procuramos identificar
os traços distintivos de seus costumes, de seus hábitos, de seu
caráter. Queremos, finalmente, identificar-nos, tanto quanto possível,
com o estado desse mundo. Antes de ocupar uma habitação gostamos de
saber como é ela; se ali estaremos confortavelmente.
Queremos
conhecer os hábitos dos vizinhos; o tipo de sociedade que poderemos
frequentar. Pois então! É a nossa morada futura. São os costumes da
gente em cujo meio iremos viver que os Espíritos nos dão a conhecer.
Mas,
assim como entre nós há pessoas ignorantes e de vistas curtas, que
fazem uma ideia incompleta do nosso mundo material e do meio que lhes é
estranho, também os Espíritos de horizonte moral limitado não podem
apreender o conjunto e ainda se acham sob o império dos preconceitos e
dos sistemas. Não podem, portanto, instruir-nos sobre tudo quanto se
relaciona com o mundo espírita, do mesmo modo que um camponês não
poderia fazê-lo em relação à alta sociedade parisiense ou ao mundo da
Ciência. Seria, pois, fazer um triste juízo do nosso raciocínio, se
pensassem que escutamos todos os Espíritos como se fossem oráculos.
Os
Espíritos são o que são e nós não podemos alterar a ordem das coisas.
Como nem todos são perfeitos, não aceitamos suas palavras senão com
reservas e jamais com a credulidade das crianças. Julgamos, comparamos e
tiramos conclusões do que observamos. Até mesmo os erros dos Espíritos
constituem ensinamentos para nós, uma vez que não renunciamos ao nosso
discernimento.
Estas observações aplicam-se igualmente a todas as
teorias científicas que os Espíritos podem dar. Seria muito cômodo se
bastasse interrogá-los para se encontrar a Ciência acabada e possuir
todos os segredos da indústria. Não conquistamos a Ciência senão à custa
de trabalho e de pesquisas. A missão dos Espíritos não é livrar-nos
dessa obrigação. Nós sabemos, além disso, não apenas que nem todos os
Espíritos sabem tudo, como também que há entre eles pseudossábios, assim
como entre nós, os quais pensam saber aquilo que não sabem e falam
daquilo que ignoram com a mais imperturbável audácia.
Um Espírito
poderia, pois, dizer que é o Sol que gira, e não a Terra. Sua teoria não
seria mais exata pelo fato de provir de um Espírito. Saibam, pois,
aqueles que nos atribuem uma credulidade tão pueril, que tomamos toda
opinião emitida por um Espírito como uma opinião pessoal; que não a
aceitamos senão depois de havê-la submetido ao controle da lógica e dos
meios de investigação fornecidos pela própria Ciência Espírita, meios
que vós todos conheceis.
Tal é, senhores, o fim a que se propõe a
Sociedade. Não cabe a mim, por certo, vo-lo dizer, posto me agrade
recordá-lo aqui, a fim de que se minhas palavras repercutirem lá fora,
ninguém se equivoque quanto ao seu verdadeiro sentido. De minha parte
sinto-me feliz por não ter tido senão que vos acompanhar neste caminho
sério, que eleva o Espiritismo à altura das ciências filosóficas. Vossos
trabalhos já produziram frutos, porém os que se produzirão mais tarde
são incalculáveis, desde que ─ e disso não tenho dúvidas ─ mantenhais as
condições propícias a fim de atraírdes os bons Espíritos ao vosso meio.
O
concurso dos bons Espíritos, tal é, com efeito, a condição sem a qual
não se pode esperar a Verdade. Ora, depende de nós obter esse concurso. A
primeira de todas as condições para merecermos a sua simpatia é o
recolhimento e a pureza das intenções. Os Espíritos sérios vão aonde são
chamados seriamente, com fé, fervor e confiança. Eles não gostam de ser
usados em experiências, nem de dar espetáculo.
Ao contrário, gostam
de instruir aqueles que os interrogam sem ideias preconcebidas. Os
Espíritos levianos, que se divertem de todos os modos, vão a toda parte e
de preferência aos lugares onde encontram ocasião para mistificar. Os
maus são atraídos pelos maus pensamentos, e por maus pensamentos devemos
compreender todos aqueles que não se conformam com os princípios da
caridade evangélica. Assim, pois, quem quer que traga a uma reunião
sentimentos contrários a esses preceitos, traz consigo Espíritos
desejosos de semear a perturbação, a discórdia e os desafetos.
A
comunhão de pensamentos e de sentimentos para o bem é, assim, uma
condição primordial e não é possível encontrar essa comunhão num meio
heterogêneo, onde têm acesso paixões inferiores como o orgulho, a inveja
e o ciúme, paixões que sempre se revelam pela malevolência e pela
acrimônia da linguagem, por mais espesso que seja o véu com que se
procure encobri-las. Eis o abc da Ciência Espírita. Se quisermos fechar a
porta desse recinto aos maus Espíritos, comecemos por fechar-lhes a
porta de nossos corações e evitemos tudo quanto lhes possa conferir
poder sobre nós. Se algum dia a Sociedade se tornasse joguete dos
Espíritos enganadores, é que a ela teriam sido atraídos. Por quem? Por
aqueles nos quais eles encontram eco, pois eles vão apenas aonde sabem
que são escutados. É conhecido o provérbio: Dize-me com quem andas e
dir-te-ei quem és. Podemos parodiá-lo em relação aos nossos Espíritos
simpáticos, dizendo: Dize-me o que pensas e dir-te-ei com quem andas.
Ora,
os pensamentos se traduzem por atos. Se admitirmos que a discórdia, o
orgulho, a inveja e o ciúme não podem ser inspirados senão por maus
Espíritos, aqueles que aqui trouxessem elementos de desunião suscitariam
entraves, com o que indicariam a natureza de seus satélites ocultos.
Então só poderíamos lamentar sua presença no seio da Sociedade. Queira
Deus - e assim o espero - que isto nunca aconteça, e que, auxiliados
pelos bons Espíritos, se a estes nos tornarmos favoráveis, a Sociedade
se consolide, tanto pela consideração que tiver merecido, quanto pela
utilidade de seus trabalhos.
Se tivéssemos em mira apenas
experiências para satisfação de nossa curiosidade, a natureza das
comunicações seria mais ou menos indiferente, pois nelas veríamos
somente o que elas são. Como, porém, em nossos estudos não buscamos uma
diversão para nós, nem para o público, mas o que queremos são
comunicações verdadeiras, para isso necessitamos da simpatia dos bons
Espíritos, e essa simpatia só é conseguida pelos que afastam os maus com
a sinceridade de seu coração.
Dizer que Espíritos levianos jamais se
introduziram em nosso meio, para encobrirmos qualquer ponto vulnerável
de nossa parte, seria muita presunção de perfeição. Os Espíritos
superiores podem até mesmo permiti-lo, a fim de experimentar a nossa
perspicácia e o nosso zelo na busca da verdade. Entretanto, o nosso
raciocínio deve pôr-nos em guarda contra as ciladas que nos podem ser
armadas e em todos os casos dá-nos os meios de evitá-las.
O objetivo
da Sociedade não é apenas a pesquisa dos princípios da Ciência Espírita.
Ela vai mais longe. Estuda também as suas consequências morais, pois é
principalmente nestas que está a sua verdadeira utilidade.
Ensinam os
nossos estudos que o mundo invisível que nos circunda reage
constantemente sobre o mundo visível e no-lo mostram como uma das forças
da Natureza. Conhecer os efeitos dessa força oculta que nos domina e
nos subjuga malgrado nosso, não será ter a chave de muitos problemas, as
explicações de uma porção de fatos que passam despercebidos? Se esses
efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do mal não é ter um meio de
preservar-se contra ele, assim como o conhecimento das propriedades da
eletricidade nos deu o meio de atenuar os desastrosos efeitos do raio?
Se então sucumbirmos, não nos poderemos queixar senão de nós mesmos,
porque a ignorância não nos servirá de desculpa. O perigo está no
império que os maus Espíritos exercem sobre as pessoas, o que não é
apenas uma coisa funesta do ponto de vista dos erros de princípios que
eles podem propagar, como ainda do ponto de vista dos interesses da vida
material. Ensina a experiência que jamais nos abandonamos impunemente
ao domínio dos maus Espíritos, porque suas intenções jamais podem ser
boas. Uma de suas táticas para alcançar os seus fins é a desunião, pois
sabem muito bem que podem facilmente dominar quem estiver sem apoio.
Assim, o seu primeiro cuidado, quando querem apoderar-se de alguém, é
sempre inspirar-lhe a desconfiança e o isolamento, a fim de que ninguém
possa desmascará-los esclarecendo-o com conselhos salutares. Uma vez
senhores do terreno, podem à vontade fascinar a pessoa com promessas
sedutoras; subjugá-la por meio da lisonja às suas inclinações, para o
que aproveitam o lado fraco que descobrem a fim de melhor fazê-la
sentir, depois, a amargura das decepções; feri-la nas suas afeições;
humilhá-la no seu orgulho e, muitas vezes, elevá-la por um instante
apenas para precipitá-la de mais alto.
Eis, senhores, o que nos
mostram os exemplos que a cada momento se desdobram aos nossos olhos,
tanto no mundo dos Espíritos quanto no mundo corpóreo, circunstância que
podemos aproveitar para nós próprios, ao mesmo tempo que procuramos
torná-la proveitosa aos outros. Entretanto, perguntarão se não
atrairemos os maus Espíritos, evocando homens que foram o rebotalho da
Sociedade.
Não, porque jamais sofremos a sua influência. Só haverá
perigo quando é o Espírito que se impõe; nunca, porém, quando nos
impomos ao Espírito. Sabeis que tais Espíritos não atendem ao vosso
chamado senão constrangidos e forçados; que em geral se acham tão
deslocados em vosso meio que têm pressa em retirar-se. Para nós sua
presença é um estudo, porque para conhecer é necessário ver tudo. O
médico não chega ao apogeu do conhecimento senão sondando as mais
hediondas chagas.
Ora, essa comparação do médico é tanto mais justa
quanto mais sabeis das chagas que temos curado e dos sofrimentos que
temos aliviado. Nosso dever é nos mostrarmos caridosos e benevolentes
para com os seres de além-túmulo, assim como para com os nossos
semelhantes.
Senhores, pessoalmente eu desfrutaria de um privilégio
extraordinário se tivesse ficado isento de crítica. Não nos pomos em
evidência sem nos expormos aos dardos dos que não pensam como nós. Há,
porém, duas espécies de crítica: uma que é malévola, acerba, envenenada,
na qual o ciúme se trai a cada palavra; a outra, que visa a sincera
procura da verdade, tem características absolutamente diversas. A
primeira só merece o desdém. Jamais com ela me preocupei. Só a outra é
discutível.
Algumas pessoas disseram que fui muito precipitado nas
teorias espíritas; que ainda não havia chegado o tempo de
estabelecê-las, pois as observações não estavam completas.
Permiti-me algumas palavras sobre o assunto.
Duas coisas há que considerar no Espiritismo: a parte experimental e a filosófica ou teórica.
Abstração
feita do ensino dos Espíritos, pergunto se, em meu nome, não tenho,
como tantos outros, o direito de elucubrar um sistema filosófico. Não
está o campo da opinião aberto a todo mundo? Por que, então, não posso
dar a conhecer o meu?
Cabe ao público julgar se ele tem ou não tem sentido.
Mas essa teoria, em vez de me conferir qualquer mérito, se mérito ela tem, eu declaro que emana inteiramente dos Espíritos.
─ Vá lá que seja, dirão alguns, mas isto é ir muito longe.
─
Aqueles que pretendem dar a chave dos mistérios da Criação; desvendar o
princípio das coisas e a natureza infinita de Deus, não vão mais longe
do que eu, que declaro, em nome dos Espíritos, que não é dado ao homem
aprofundar essas coisas sobre as quais só podemos fazer conjecturas mais
ou menos prováveis.
─ Andais muito depressa.
─ Mas seria erro tomar a dianteira a certas pessoas? Aliás, quem as impede de andar?
─ Os fatos não foram ainda suficientemente observados.
─
Como não? Certo ou errado, eu creio tê-los observado suficientemente.
Devo esperar as boas disposições dos que ficam para trás? Minhas
publicações não barram o caminho a ninguém.
─ Sendo os Espíritos sujeitos a erro, quem vos diz que aqueles que vos deram instruções não se tenham enganado?
─
Com efeito, toda a questão reside nisto, pois a objeção de precipitação
é muito pueril. Ora! Eu devo dizer em que se funda a minha confiança na
veracidade e na superioridade dos Espíritos que me instruíram. Para
começar direi que, conforme o seu conselho, nada aceito sem controle e
sem exame. Só adoto uma ideia quando ela me parece racional, lógica e
concorde com os fatos e as observações, desde que nada de sério venha
contradizê-la. Entretanto, meu julgamento não poderá ser um critério
infalível. O assentimento que encontrei por parte de pessoas mais
esclarecidas do que eu dá-me a primeira garantia. Mas eu encontro outra
não menos preponderante no caráter das comunicações que foram feitas,
desde que me ocupo de Espiritismo. Jamais ─ posso dizê-lo ─ escapou uma
única dessas palavras, um só desses sinais pelos quais sempre se traem
os Espíritos inferiores, mesmo os mais astuciosos. Jamais dominação;
jamais conselhos equívocos ou contrários à caridade e à benevolência;
jamais prescrições ridículas. Longe disso, neles só encontrei
pensamentos grandes, nobres, sublimes, isentos de pequenez e de
mesquinharia.
Numa palavra, suas relações comigo, nas menores como
nas maiores coisas, foram sempre tais que, se tivesse sido um homem que
me falasse, eu o teria considerado o melhor, o mais sábio, o mais
prudente, o mais moralizado e o mais esclarecido. Senhores, aqui estão
os motivos de minha confiança, corroborada pela identidade do ensino
dado a uma porção de outras pessoas, antes e depois da publicação de
minhas obras. O futuro dirá se estou certo ou errado. Enquanto isto,
creio ter ajudado o progresso do Espiritismo, colocando algumas pedras
em seu edifício. Mostrando que os fatos podem assentar-se no raciocínio,
terei contribuído para fazê-lo sair do caminho frívolo da curiosidade, a
fim de fazê-lo entrar na via séria da demonstração, a única apta a
satisfazer aos homens que pensam e que não se detêm na superfície.
Termino, meus senhores, pelo rápido exame de uma questão atual.
Fala-se de outras sociedades que desejam rivalizar com a nossa.
Dizem
que uma delas já conta com 300 membros e que possui recursos
financeiros consideráveis. Quero crer que não seja uma fanfarronada, tão
pouco elogiável para os Espíritos que a tiverem suscitado quanto para
aqueles que lhe fazem eco. Se for uma realidade, nós a felicitamos
sinceramente, desde que ela obtenha a necessária unidade de sentimentos
para frustrar a influência dos maus Espíritos e consolidar a sua
existência.
Desconheço completamente quais são os elementos da
sociedade ou das sociedades que dizem em formação. Farei apenas uma
observação geral.
Há em Paris e alhures uma porção de reuniões
íntimas, como outrora foi a nossa, onde se trata mais ou menos
seriamente das manifestações espíritas, sem falar dos Estados Unidos,
onde elas se contam aos milhares. Conheço algumas nas quais as evocações
são feitas nas melhores condições e onde são obtidas coisas notáveis. É
a consequência natural do número crescente de médiuns que se
desenvolvem de todos os lados, a despeito dos sarcasmos. E quanto mais
avançarmos, mais se multiplicarão esses centros.
Formados
espontaneamente de elementos muito pouco numerosos e variáveis, esses
centros nada têm de fixo nem de regular e não constituem sociedades
propriamente ditas. Para uma sociedade regularmente organizada são
necessárias condições de vitalidade completamente diversas, em razão do
próprio número de pessoas que as compõem, de sua estabilidade e de sua
permanência. A primeira dessas condições é a homogeneidade de princípios
e da maneira de ver. Toda sociedade formada de elementos heterogêneos
traz em si o germe da dissolução. Podemos considerá-la natimorta, seja
qual for o seu objetivo: político, religioso, científico ou econômico.
Uma sociedade espírita requer outra condição ─ a assistência dos bons Espíritos
─ se quisermos obter comunicações sérias, porque dos maus, caso lhes permitamos tomarem pé, nada obteremos senão mentiras, decepções e mistificação. Este é o preço de sua própria existência, pois que os maus serão os primeiros agentes de sua destruição. Eles a minarão pouco a pouco, caso não a derrubem logo de início.
─ se quisermos obter comunicações sérias, porque dos maus, caso lhes permitamos tomarem pé, nada obteremos senão mentiras, decepções e mistificação. Este é o preço de sua própria existência, pois que os maus serão os primeiros agentes de sua destruição. Eles a minarão pouco a pouco, caso não a derrubem logo de início.
Sem homogeneidade não
haverá comunhão de pensamentos e, portanto, não serão possíveis nem
calma nem recolhimento. Ora, os bons só se apresentam onde encontram
tais condições. Como encontrá-las numa reunião onde as crenças são
divergentes, onde alguns nem mesmo creem e, por conseguinte, onde domina
incessantemente o espírito de oposição e de controvérsia? Eles só
assistem aos que desejam ardentemente esclarecer-se para o bem, sem
segundas intenções, e não para satisfazer uma vã curiosidade.
Querer
formar uma sociedade espírita fora destas condições seria dar provas da
mais absoluta ignorância dos princípios mais elementares do Espiritismo.
Seríamos nós, pois, os únicos capazes de reuni-las? Seria muito
impertinente e além do mais muito ridículo de nossa parte assim pensar.
Aquilo que nós fizemos, outros seguramente podem fazê-lo. Que outras
sociedades se ocupem, então, de trabalhos iguais aos nossos, prosperem e
se multipliquem. Tanto melhor; mil vezes melhor, porque será um sinal
de progresso nas ideias morais. Tanto melhor, sobretudo, se forem bem
assistidas e se tiverem boas comunicações, das quais não pretendemos
possuir o privilégio. Como só visamos a nossa instrução pessoal e o
interesse da Ciência, que a nossa sociedade não oculte nenhuma ideia e
especulação direta ou indireta, nenhuma ambição e que sua existência não
repouse sobre uma questão de dinheiro. Que as outras sociedades sejam
consideradas como nossas irmãs e não concorrentes. Se formos invejosos,
provaremos que somos assistidos por maus Espíritos. Se uma delas se
constituísse para nos criar rivalidades, com a ideia preconcebida de nos
suplantar, por seu objetivo revelaria a própria natureza dos Espíritos
que presidiram à sua formação, desde que um tal pensamento nem seria
bom, nem caridoso, e os bons Espíritos não simpatizam com os sentimentos
de ódio, ciúme e ambição.
Aliás, nós possuímos um meio infalível
para não temer nenhuma rivalidade. É o que nos dá São Luís: Que haja
entre vós compreensão e amor, disse-nos ele.
Trabalhemos, pois, para
nos compreendermos. Lutemos com os outros, mas lutemos com caridade e
com abnegação. Que o amor ao próximo esteja inscrito em nossa bandeira e
seja a nossa divisa. Com isto desafiaremos a zombaria e a influência
dos maus Espíritos. Neste particular poderão igualar-nos, e assim será
melhor, pois serão irmãos que nos chegam. De nós depende, entretanto,
não sermos nunca ultrapassados.
Mas, dirão, vós tendes uma maneira de
ver que não é a nossa. Não podemos simpatizar com princípios que não
admitimos, porque nada prova que estejais com a verdade. A isto
responderei: nada prova que estejais mais certos do que nós, pois que
ainda duvidais, e a dúvida não é uma doutrina. A gente pode divergir de
opinião sobre pontos da Ciência, sem se morder nem atirar pedras, o que
seria pouco digno e pouco científico. Pesquisai, pois, do vosso lado,
como nós pesquisamos do nosso. O futuro dará razão a quem de direito.
Se nos enganarmos, não teremos o tolo amorpróprio de persistir em ideias
falsas. Há, porém, princípios sobre os quais temos a certeza de não
estar enganados: o amor ao bem, a abnegação e a abjuração de todo
sentimento de inveja e de ciúme.
Estes são os nossos princípios, com
os quais sempre é possível simpatizar sem comprometimento. É o laço que
deve unir todos os homens de bem, seja qual for a sua divergência de
opinião. Só o egoísmo põe entre eles uma barreira intransponível.
São estas, meus senhores, as observações que acreditei dever apresentar-vos ao deixar as funções que me confiastes. Do fundo do coração agradeço a todos aqueles que me testemunharam simpatia. Aconteça o que acontecer, minha vida está consagrada à obra que empreendemos e eu me sentirei feliz se meus esforços puderem ajudar a fazê-la entrar no caminho sério que é a sua essência, o único que lhe pode assegurar o futuro.
São estas, meus senhores, as observações que acreditei dever apresentar-vos ao deixar as funções que me confiastes. Do fundo do coração agradeço a todos aqueles que me testemunharam simpatia. Aconteça o que acontecer, minha vida está consagrada à obra que empreendemos e eu me sentirei feliz se meus esforços puderem ajudar a fazê-la entrar no caminho sério que é a sua essência, o único que lhe pode assegurar o futuro.
A finalidade do Espiritismo é melhorar aqueles que o compreendem.
Procuremos dar o exemplo e mostrar que para nós a doutrina não é letra morta.
Numa
palavra, sejamos dignos dos bons Espíritos, se quisermos que eles nos
assistam. O bem é uma couraça contra a qual virão sempre quebrar-se as
armas da malevolência.
ALLAN KARDEC.
Boletim - Da sociedade pariense de estudos espíritas
Doravante publicaremos regularmente o relato das sessões da Sociedade.
Contávamos fazê-lo a partir deste número, mas o excesso de matéria nos obriga a adiá-lo para a próxima edição.
Os sócios residentes fora de Paris e os membros correspondentes poderão, assim, acompanhar os trabalhos da Sociedade. Por hoje nos limitamos a dizer que apesar da intenção do Sr. Allan Kardec, expressa no seu discurso de encerramento, de renunciar à presidência, quando da renovação administrativa, foi ele reeleito por unanimidade, menos um voto e uma cédula em branco.
Julgou ele inconveniente persistir na recusa do cargo, diante de um testemunho tão lisonjeiro. Contudo, só o aceitou condicionalmente e sob a reserva expressa de demitir-se de suas funções no momento em que a Sociedade estiver em condições de oferecer a presidência a alguém cujo nome e posição social sejam de natureza a lhe oferecer maior relevo. Seu desejo era poder consagrar todo o seu tempo aos trabalhos e estudos que vem fazendo.
Palestras familiares de além-túmulo
Notícias da guerraO governo permitiu que os jornais apolíticos dessem notícias da guerra. Como, porém, são abundantes os relatos sob todas as formas, seria inútil repeti-los aqui. A maior novidade para os nossos leitores é uma história vinda do outro mundo.
Embora não seja extraída da fonte oficial do Moniteur, nem por isso oferece menos interesse do ponto de vista dos nossos estudos. Assim, pensamos interrogar algumas das gloriosas vítimas da vitória, presumindo que daí pudéssemos extrair alguma instrução útil. Semelhantes temas de estudo, e principalmente de atualidade, não se apresentam a cada passo. Não conhecendo pessoalmente nenhum dos participantes da última batalha, rogamos aos Espíritos que nos assistem que nos enviassem alguém. Chegamos a pensar que a presença de um estranho seria preferível à de amigos ou de parentes dominados pela emoção. Dada uma resposta afirmativa, obtivemos as seguintes comunicações.
O zuavo de Magenta
1. ─ Rogamos a Deus Todo Poderoso permita ao Espírito de um militar morto na batalha de Magenta vir comunicar-se conosco.
─ Que quereis saber?
─ Que quereis saber?
2. ─ Onde vos encontráveis quando vos chamamos?
─ Não saberia dizer.
─ Não saberia dizer.
3. ─ Quem vos preveniu que desejávamos conversar convosco?
─ Alguém mais sagaz do que eu.
─ Alguém mais sagaz do que eu.
4. ─ Quando em vida duvidáveis que os mortos pudessem vir conversar com os vivos?
─ Oh! Isso não.
5. ─ Que sensação experimentais por estardes aqui?
─ Isto me causa prazer. Segundo me dizem, tendes grandes coisas a fazer.
─ Isto me causa prazer. Segundo me dizem, tendes grandes coisas a fazer.
6. ─ A que corpo do exército pertencíeis? (Alguém diz a meia-voz: Pela linguagem parece um zuzu27.)
─ Ah! Bem o dizes!
─ Ah! Bem o dizes!
7. ─ Qual era o vosso posto?
─ O de todo o mundo.
─ O de todo o mundo.
8. ─ Como vos chamáveis?
─ Joseph Midard.
─ Joseph Midard.
9. ─ Como morrestes?
─ Quereis saber tudo sem pagar nada?
─ Quereis saber tudo sem pagar nada?
10. ─ Ainda bem que não perdestes a jovialidade. Dizei, dizei; nós pagaremos depois. Como morrestes?
─ De uma ameixa que recebi28.
─ De uma ameixa que recebi28.
11. ─ Ficastes contrariado com a morte?
─ Palavra que não! Estou bem aqui.
─ Palavra que não! Estou bem aqui.
12. ─ No momento da morte percebestes o que houve?
─ Não. Eu estava tão atordoado que não podia acreditar.
─ Não. Eu estava tão atordoado que não podia acreditar.
NOTA: Isto está de acordo com o que temos observado nos casos de morte violenta. Não se dando conta imediatamente da sua situação, o Espírito não se julga morto. Este fenômeno se explica muito facilmente. É análogo ao dos sonâmbulos, que não acreditam que estejam dormindo. Realmente, para o sonâmbulo, a ideia de sono é sinônima de suspensão das faculdades intelectuais. Ora, como ele pensa, não acredita que dorme. Só mais tarde se convence, quando familiarizado com o sentido ligado a esse vocábulo.
Dá-se o mesmo com um Espírito surpreendido por uma morte súbita, quando nada está preparado para a separação do corpo. Para ele, a morte é sinônimo de destruição, de aniquilamento. Ora, desde que ele vive, sente e pensa, entende que não está morto. É preciso algum tempo para reconhecer-se.
13. ─ No momento de vossa morte, a batalha não havia terminado. Seguistes as suas peripécias?
─ Sim, pois como vos disse, não me julgava morto. Eu queria continuar batendo nos outros cães29.
─ Sim, pois como vos disse, não me julgava morto. Eu queria continuar batendo nos outros cães29.
14. ─ Que sensação experimentastes então?
─ Eu estava encantado, pois me sentia muito leve.
─ Eu estava encantado, pois me sentia muito leve.
15. ─ Víeis os Espíritos dos vossos camaradas deixando os corpos?
─ Eu nem pensava nisso, pois não me acreditava morto.
─ Eu nem pensava nisso, pois não me acreditava morto.
16. ─ Em que se transformava, nesse momento, a multidão de Espíritos que perdia a vida no tumulto da batalha?
─ Creio que faziam o mesmo que eu.
─ Creio que faziam o mesmo que eu.
17. ─ Encontrando-se reunidos nesse mundo dos Espíritos, que pensavam aqueles que se batiam mais encarniçadamente? Ainda se atiravam uns contra os outros?
─ Sim. Durante algum tempo, e conforme o seu caráter.
─ Sim. Durante algum tempo, e conforme o seu caráter.
18. ─ Reconhecei-vos melhor agora?
─ Sem isto não me teriam mandado aqui.
─ Sem isto não me teriam mandado aqui.
19. ─ Poderíeis dizer-nos se entre os Espíritos de soldados mortos há muito tempo ainda se encontravam alguns interessados no resultado da batalha? (Rogamos a São Luís que o ajudasse nas respostas, a fim de que, para nossa instrução, fossem tão explícitas quanto possível).
─ Em grande quantidade. É bom que saibais que esses combates e suas consequências são preparados com muita antecedência e que os nossos adversários não se envolveriam em crimes, como fizeram, se a isto não tivessem sido compelidos em razão das consequências futuras, que não tardareis a conhecer.
─ Em grande quantidade. É bom que saibais que esses combates e suas consequências são preparados com muita antecedência e que os nossos adversários não se envolveriam em crimes, como fizeram, se a isto não tivessem sido compelidos em razão das consequências futuras, que não tardareis a conhecer.
20. ─ Deveria haver ali Espíritos que se interessavam no sucesso dos austríacos. Haveria então dois campos de batalha entre eles?
─ Evidentemente.
─ Evidentemente.
OBSERVAÇÃO: Não parece que estamos vendo aqui os deuses de Homero tomando partido, uns pelos Gregos, outros pelos Troianos? Na verdade, quem eram esses deuses do paganismo, senão os Espíritos que os Antigos haviam transformado em divindade? Não temos razão quando dizemos que o Espiritismo é uma luz que esclarecerá diversos mistérios, a chave de numerosos problemas?
21. ─ Eles exerciam alguma influência sobre os combatentes?
─ Muito considerável.
─ Muito considerável.
22. ─ Podeis descrever-nos de que maneira eles exerciam tal influência?
─ Da mesma maneira que todas as influências dos Espíritos se exercem sobre os homens.
─ Da mesma maneira que todas as influências dos Espíritos se exercem sobre os homens.
23. ─ Que esperais fazer agora?
─ Estudar mais do que o fiz em minha última etapa.
─ Estudar mais do que o fiz em minha última etapa.
24. ─ Ides voltar como espectador aos combates que ainda serão travados?
─ Ainda não sei. Tenho afeições que me prendem no momento. Contudo, espero de vez em quando dar uma fugida, para me divertir com as surras subsequentes.
─ Ainda não sei. Tenho afeições que me prendem no momento. Contudo, espero de vez em quando dar uma fugida, para me divertir com as surras subsequentes.
25. ─ Que gênero de afeição vos retém ainda?
─ Uma velha mãe doente e sofredora, que chora por mim.
─ Uma velha mãe doente e sofredora, que chora por mim.
26. ─ Peço que me desculpeis o mau pensamento que me atravessou o espírito,
relativamente à afeição que o retém.
─ Não tem importância. Digo bobagens para vos fazer rir um pouco. É natural que não me tomeis por grande coisa, tendo em vista o regimento medíocre a que pertenci. Ficai tranquilos, eu só me engajei por causa dessa pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado a vós.
relativamente à afeição que o retém.
─ Não tem importância. Digo bobagens para vos fazer rir um pouco. É natural que não me tomeis por grande coisa, tendo em vista o regimento medíocre a que pertenci. Ficai tranquilos, eu só me engajei por causa dessa pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado a vós.
27. ─ Quando vos encontráveis entre os Espíritos, ouvíeis o rumor da batalha? Víeis as coisas tão claramente como em vida?
─ A princípio eu a perdi de vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as artimanhas.
─ A princípio eu a perdi de vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as artimanhas.
28. ─ Pergunto se escutáveis o troar do canhão.
─ Sim.
─ Sim.
29. ─ No momento da ação, pensáveis na morte e naquilo em que vos tornaríeis, caso fosseis morto?
─ Eu pensava no que seria de minha mãe.
─ Eu pensava no que seria de minha mãe.
30. ─ Era a primeira vez que entráveis em fogo?
─ Não, não. E a África?
─ Não, não. E a África?
31. ─ Vistes a entrada dos franceses em Milão?
─ Não.
─ Não.
32. ─ Aqui sois o único dos que morreram na Itália?
─ Sim.
─ Sim.
33. ─ Pensais que a guerra durará muito tempo?
─ Não. É fácil e por isso mesmo pouco meritório fazer tal predição.
─ Não. É fácil e por isso mesmo pouco meritório fazer tal predição.
34. ─ Quando vedes, entre os Espíritos, um dos vossos chefes, ainda o reconheceis como vosso superior?
─ Se ele o for, sim; se não, não.
─ Se ele o for, sim; se não, não.
OBSERVAÇÃO: Na sua simplicidade e no seu laconismo, esta resposta é eminentemente profunda e filosófica. No mundo espírita, a superioridade moral é a única reconhecida. Quem não a teve na Terra, fosse qual fosse a sua posição, não tem, de fato, superioridade nenhuma. Lá o chefe pode estar abaixo do soldado e o patrão abaixo do servidor. Que lição para o nosso orgulho!
35. ─ Pensais na justiça de Deus e vos inquietais por isso?
─ Quem não pensaria nisso? Felizmente não tenho muito o que temer. Eu resgatei, por algumas ações que Deus considerou boas, as poucas leviandades que cometi como zuzu, como dizeis.
─ Quem não pensaria nisso? Felizmente não tenho muito o que temer. Eu resgatei, por algumas ações que Deus considerou boas, as poucas leviandades que cometi como zuzu, como dizeis.
36. ─ Assistindo a um combate, poderíeis proteger um de vossos companheiros e desviar dele um golpe fatal?
─ Não. Não podemos fazer isso. A hora da morte é marcada por Deus. Se tem que acontecer, nada o impedirá, do mesmo modo ninguém poderá atingi-la se sua hora não tiver soado.
─ Não. Não podemos fazer isso. A hora da morte é marcada por Deus. Se tem que acontecer, nada o impedirá, do mesmo modo ninguém poderá atingi-la se sua hora não tiver soado.
37. ─ Vedes o General Espinasse?
─ Não o vi ainda. Mas espero vê-lo em breve.
─ Não o vi ainda. Mas espero vê-lo em breve.
SEGUNDA CONVERSA
(17 DE JUNHO DE 1859)
38. (Evocação).
─ Presente! Firme! Em frente!
(17 DE JUNHO DE 1859)
38. (Evocação).
─ Presente! Firme! Em frente!
39. ─ Lembrai-vos de ter vindo aqui há oito dias?
─ Como não?!
─ Como não?!
40. ─ Disseste-nos que ainda não tínheis visto o General Espinasse. Como poderíeis reconhecê-lo, já que ele não levou consigo seu uniforme de general?
─ Não, mas eu o conheço de vista. Ademais, não temos uma porção de amigos junto a nós, prontos a nos revelar a senha? Aqui não é como no quartel. A gente não tem medo de dar um encontrão com alguém, e eu vos garanto que só os velhacos ficam sozinhos.
─ Não, mas eu o conheço de vista. Ademais, não temos uma porção de amigos junto a nós, prontos a nos revelar a senha? Aqui não é como no quartel. A gente não tem medo de dar um encontrão com alguém, e eu vos garanto que só os velhacos ficam sozinhos.
41. ─ Sob que aparência aqui vos encontrais?
─ Zuavo.
─ Zuavo.
42. ─ Se vos pudéssemos ver, como o veríamos?
─ De turbante e culote.
─ De turbante e culote.
43. ─ Pois bem! Suponhamos que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas, desde que deixastes as vossas no campo de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas lenho um alfaiate que mas arranja.
─ Ora, ora! Não sei como é isto mas lenho um alfaiate que mas arranja.
44. ─ De que são feitos o turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.
OBSERVAÇÃO: Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.
45. ─ Sabeis a razão pela qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?
─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.
─ Acredito que vossos óculos estão muito fracos.
46. ─ Não seria por essa mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.
─ Sim, mas ele não o veste todos os dias.
47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.
─ Ora essa! Quando o chamam ao palácio.
48. ─ Por que estais aqui vestido de zuavo se não vos podemos ver?
─ Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.
─ Simplesmente porque ainda sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós. Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.
49. ─ Falais da Lua e de Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?
─ Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis compreender.
─ Não. Não estais me entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma metamorfose que não podeis compreender.
50. ─ Revistes o corpo deixado no campo de batalha?
─ Sim. Ele não está bonito.
─ Sim. Ele não está bonito.
51. ─ Que impressão vos deixou essa vista?
─ De tristeza.
─ De tristeza.
52. ─ Tendes conhecimento de vossa existência anterior?
─ Sim, mas não é suficientemente gloriosa para que possa me pavonear.
─ Sim, mas não é suficientemente gloriosa para que possa me pavonear.
53. ─ Dizei-nos apenas o gênero de vida que tínheis.
─ Simples mercador de peles de animais selvagens.
─ Simples mercador de peles de animais selvagens.
54. ─ Nós vos agradecemos a bondade de ter vindo pela segunda vez.
─ Até breve. Isto me diverte e me instrui. Já que sou bem tolerado aqui, voltarei de boa vontade.
─ Até breve. Isto me diverte e me instrui. Já que sou bem tolerado aqui, voltarei de boa vontade.
Um oficial superior morto em Magenta
1. ─ (Evocação).
─ Eis-me aqui.
2. ─ Poderíeis dizer como atendestes tão prontamente ao nosso apelo?
─ Eu estava prevenido do vosso desejo.
3. ─ Por quem fostes prevenido?
─ Por um emissário de Luís.
4. ─ Tínheis conhecimento da existência de nossa sociedade?
─ Vós o sabeis.
OBSERVAÇÃO: O oficial em questão tinha realmente ajudado a sociedade a ser registrada.
5. ─ Sob que ponto de vista consideráveis a nossa sociedade, quando ajudastes na sua formação?
─ Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a crer. Sem os acontecimentos que sobrevieram, certamente teria ido instruir-me no vosso círculo.
6. ─ Há muitas grandes notabilidades que comungam as ideias espíritas, mas não o confessam de público. Seria desejável que pessoas influentes arvorassem abertamente essa bandeira?
─ Paciência. Deus o quer, e desta vez a expressão corresponde à verdade.
7. ─ De que classe influente da sociedade pensais que deverá partir o exemplo?
─ De todas as classes. Inicialmente de algumas, depois de todas.
8. ─ Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos, embora morto mais ou menos na mesma época em que foi morto o zuavo que há pouco aqui esteve, se vossas ideias são mais lúcidas do que as dele?
─ Muito. Aquilo que ele vos pôde dizer testemunhando uma certa elevação foilhe soprado. Ele é muito bom, mas muito ignorante, e um pouco leviano.
9. Ainda vos interessais pelo sucesso das nossas armas?
─ Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o objetivo.
10. ─ Podeis definir o vosso pensamento? O objetivo sempre foi confessado publicamente e, sobretudo em vossa posição, deveríeis conhecê-lo?
─ O objetivo estabelecido por Deus, vós o conheceis?
OBSERVAÇÃO: Ninguém ignorará a gravidade e a profundidade desta resposta. Quando vivo, ele conhecia o objetivo dos homens, Como Espírito, vê o que há de providencial nos acontecimentos.
11. ─ De um modo geral, que pensais da guerra?
─ Meu desejo é que progridais rapidamente, para que ela se torne tão impossível quanto inútil.
12. ─ Credes que chegará o dia em que ela será impossível e inútil?
─ Penso que sim, e não duvido. Posso dizer-vos que esse momento não está tão longe quanto pensais, embora não vos dê a esperança de que o vejais.
13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?
─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.
14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr... também morto na última batalha?
─ Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
OBSERVAÇÃO: Assim, o conhecimento do Espiritismo auxilia no desprendimento da alma após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que se encontra.
15. ─ Assististes à entrada de nossas tropas em Milão?
─ Sim, e com alegria. Fiquei encantado com a ovação que acolheu as nossas tropas, a princípio por patriotismo, depois, pelo futuro que as aguarda.
16. ─ Como Espírito podeis exercer alguma influência sobre os planos estratégicos?
─ Credes que isto não tenha sido feito desde o princípio e tendes dificuldades de imaginar por quem?
17. ─ Como foi que os austríacos abandonaram tão rapidamente uma praça forte como Pavia?
─ Por medo.
18. ─ Então estão desmoralizados?
─ Completamente. Ademais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.
OBSERVAÇÃO: Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos é inequívoca. Eles preparam as vias para a realização dos desígnios da Providência. Os Antigos teriam dito que era obra dos Deuses. Nós dizemos que é obra dos Espíritos, por ordem de Deus.
19. ─ Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista?
─ Pobre, pobre general!
20. ─ Voltaríeis com prazer se vos pedíssemos?
─ Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem o vosso chamado. Deveis acreditar que a simpatia que tinha por vós não pode senão aumentar. Adeus.
─ Eis-me aqui.
2. ─ Poderíeis dizer como atendestes tão prontamente ao nosso apelo?
─ Eu estava prevenido do vosso desejo.
3. ─ Por quem fostes prevenido?
─ Por um emissário de Luís.
4. ─ Tínheis conhecimento da existência de nossa sociedade?
─ Vós o sabeis.
OBSERVAÇÃO: O oficial em questão tinha realmente ajudado a sociedade a ser registrada.
5. ─ Sob que ponto de vista consideráveis a nossa sociedade, quando ajudastes na sua formação?
─ Eu não estava ainda inteiramente decidido, mas me inclinava muito a crer. Sem os acontecimentos que sobrevieram, certamente teria ido instruir-me no vosso círculo.
6. ─ Há muitas grandes notabilidades que comungam as ideias espíritas, mas não o confessam de público. Seria desejável que pessoas influentes arvorassem abertamente essa bandeira?
─ Paciência. Deus o quer, e desta vez a expressão corresponde à verdade.
7. ─ De que classe influente da sociedade pensais que deverá partir o exemplo?
─ De todas as classes. Inicialmente de algumas, depois de todas.
8. ─ Do ponto de vista do estudo, poderíeis dizer-nos, embora morto mais ou menos na mesma época em que foi morto o zuavo que há pouco aqui esteve, se vossas ideias são mais lúcidas do que as dele?
─ Muito. Aquilo que ele vos pôde dizer testemunhando uma certa elevação foilhe soprado. Ele é muito bom, mas muito ignorante, e um pouco leviano.
9. Ainda vos interessais pelo sucesso das nossas armas?
─ Muito mais do que nunca, pois hoje conheço o objetivo.
10. ─ Podeis definir o vosso pensamento? O objetivo sempre foi confessado publicamente e, sobretudo em vossa posição, deveríeis conhecê-lo?
─ O objetivo estabelecido por Deus, vós o conheceis?
OBSERVAÇÃO: Ninguém ignorará a gravidade e a profundidade desta resposta. Quando vivo, ele conhecia o objetivo dos homens, Como Espírito, vê o que há de providencial nos acontecimentos.
11. ─ De um modo geral, que pensais da guerra?
─ Meu desejo é que progridais rapidamente, para que ela se torne tão impossível quanto inútil.
12. ─ Credes que chegará o dia em que ela será impossível e inútil?
─ Penso que sim, e não duvido. Posso dizer-vos que esse momento não está tão longe quanto pensais, embora não vos dê a esperança de que o vejais.
13. ─ No momento da morte vos reconhecestes imediatamente?
─ Reconheci-me quase que imediatamente, graças às vagas noções que tinha do Espiritismo.
14. ─ Podeis dizer algo a respeito do Sr... também morto na última batalha?
─ Ele ainda está nas redes da matéria. Tem mais trabalho em se desvencilhar. Seus pensamentos não se tinham voltado para este lado.
OBSERVAÇÃO: Assim, o conhecimento do Espiritismo auxilia no desprendimento da alma após a morte e abrevia o período de perturbação que acompanha a separação. Isto é compreensível, pois o Espírito conhecia antecipadamente o mundo em que se encontra.
15. ─ Assististes à entrada de nossas tropas em Milão?
─ Sim, e com alegria. Fiquei encantado com a ovação que acolheu as nossas tropas, a princípio por patriotismo, depois, pelo futuro que as aguarda.
16. ─ Como Espírito podeis exercer alguma influência sobre os planos estratégicos?
─ Credes que isto não tenha sido feito desde o princípio e tendes dificuldades de imaginar por quem?
17. ─ Como foi que os austríacos abandonaram tão rapidamente uma praça forte como Pavia?
─ Por medo.
18. ─ Então estão desmoralizados?
─ Completamente. Ademais, se agimos sobre os nossos num sentido, deveis pensar que sobre eles age uma influência de outra natureza.
OBSERVAÇÃO: Aqui a intervenção dos Espíritos nos acontecimentos é inequívoca. Eles preparam as vias para a realização dos desígnios da Providência. Os Antigos teriam dito que era obra dos Deuses. Nós dizemos que é obra dos Espíritos, por ordem de Deus.
19. ─ Podeis dar a vossa opinião sobre o General Giulay como militar, pondo de lado qualquer sentimento nacionalista?
─ Pobre, pobre general!
20. ─ Voltaríeis com prazer se vos pedíssemos?
─ Estou à vossa disposição e prometo vir, mesmo sem o vosso chamado. Deveis acreditar que a simpatia que tinha por vós não pode senão aumentar. Adeus.
Resposta à réplica do abade chesnel em "L 'Univers"
Em seu número de 28 de maio último, o jornal L’Univers inseriu a resposta que demos ao artigo do Abade Chesnel sobre o Espiritismo, fazendo-a seguir de uma réplica do abade. A esse segundo artigo, que reedita os argumentos do primeiro, sem a urbanidade da forma a que todo mundo concordou em fazer justiça, não poderíamos responder senão repetindo quanto já tínhamos dito, o que nos parece completamente inútil. O Abade Chesnel não mede esforços para provar que o Espiritismo é, deve ser e não pode deixar de ser senão um religião nova, porque dele decorre uma filosofia e porque nele nos ocupamos da constituição física e moral dos mundos. Sob esse aspecto, todas as filosofias seriam religiões. Ora, como são abundantes os sistemas e que têm partidários mais ou menos numerosos, isto restringiria singularmente o círculo do catolicismo. Não sabemos até que ponto seria imprudente e perigoso proclamar uma tal doutrina, por que seria provocar uma cisão que não existe. É pelo menos dar a ideia. Observai bem a que consequências chegais. Quando a Ciência contestou o sentido do texto bíblico dos seis dias da Criação, lançaram anátemas; disseram que era um ataque à religião. Hoje, que os fatos deram razão à Ciência; que já não há meios de contestá-los, a não ser negando a luz, a Igreja se pôs de acordo com a Ciência. Suponhamos que então se tivesse dito que aquela teoria científica era uma religião nova, uma seita, porque parecia em contradição com os livros sagrados; porque destruía uma interpretação dada há séculos. Disso resultaria que não era possível ser católico e adotar essas ideias novas.
Pensemos, pois, a que se reduziria o número dos católicos, se fossem excluídos todos os que não acreditam que Deus tenha feito a Terra em seis vezes vinte e quatro horas.
Dá-se o mesmo com o Espiritismo. Se o considerardes como uma religião nova, é que aos vossos olhos ele não é católico. Ora, acompanhai o meu raciocínio. De duas uma: ou é uma realidade, ou é uma utopia. Se for uma utopia, não há preocupação, porque cairá por si mesmo. Se for uma realidade, nem todos os raios o impedirão de ser, do mesmo modo que outrora a Terra não foi impedida de girar. Se há verdadeiramente um mundo invisível que nos circunda; se podemos comunicarnos com esse mundo e dele obter ensinamentos sobre o estado de seus habitantes ─ e nisto está todo o Espiritismo ─ em pouco tempo isto parecerá tão natural como ver o Sol ao meio-dia ou encontrar milhares de seres vivos e invisíveis numa gota de água cristalina. Essa crença será tão vulgarizada que sereis forçados a vos render à evidência. Se aos vossos olhos essa crença é uma religião nova, ela está fora do catolicismo, pois não pode ser simultaneamente a religião católica e uma religião nova. Se pela força das coisas e da evidência ela se generaliza, e não pode deixar de ser assim, pois se trata de uma lei da Natureza, do vosso ponto de vista não haverá mais católicos e vós mesmos não sereis mais católico, porque sereis forçado a agir
como todos.
como todos.
Eis, senhor abade, o terreno para o qual nos arrasta a vossa doutrina, e ela é tão absoluta que já me gratificais com o título de sumossacerdote dessa religião, honra de que, realmente, eu não suspeitava. Mas ides mais longe. Na vossa opinião, todos os médiuns são os sacerdotes dessa religião. Aqui eu vos detenho em nome da lógica. Até aqui me havia parecido que as funções sacerdotais eram facultativas; que se era sacerdote apenas por um ato da própria vontade; que não se era malgrado seu e em virtude de uma faculdade natural. Ora, a faculdade dos médiuns é uma faculdade natural que depende da sua organização, como a faculdade sonambúlica; que não requer sexo, nem idade, nem instrução, pois a encontramos nas crianças, nas senhoras e nos velhos; entre os sábios, como entre os ignorantes. Seria compreensível que rapazes e moças fossem sacerdotes sem o querer e sem o saber?
Realmente, senhor abade, é abusar do direito de interpretar as palavras. Como eu disse, o Espiritismo está fora de todas as crenças dogmáticas, com as quais não se preocupa. Nós o consideramos uma ciência filosófica, que nos explica uma porção de coisas que não compreendemos e, por isto mesmo, em vez de abafar as ideias religiosas, como certas filosofias, fá-las brotar naqueles em que elas não existem. Se, entretanto, quiserdes elevá-lo a todo custo ao plano de uma religião, vós o atirais num caminho novo. É o que compreendem perfeitamente muitos eclesiásticos que, longe de empurrar para o cisma, esforçam-se por conciliar as coisas, em virtude deste raciocínio: se há manifestações do mundo invisível, isto não pode ser senão pela vontade de Deus e nós não podemos ir contra a sua vontade, a menos se dissermos que neste mundo acontece alguma coisa sem a sua permissão, o que seria uma impiedade. Se eu tivesse a honra de ser sacerdote, disso me serviria em favor da religião. Faria disso uma arma contra a incredulidade e diria aos materialistas e ateus: Pedis provas? Ei-las, é Deus que as manda.
Variedades
Lord Castlereagh e Bernadotte
Há cerca de quarenta anos aconteceu a seguinte aventura ao Marquês de Londonderry, mais tarde Lord Castlereagh. Fora visitar um gentil-homem das relações de um de seus amigos, que habitava, no Norte da Irlanda, um desses velhos castelos a que os romancistas dão preferência para teatro das aparições. O aspecto do apartamento do marquês estava em perfeita harmonia com o edifício. Com efeito, o madeiramento ricamente esculpido e enegrecido pelo tempo; o enorme arco da chaminé, semelhante à entrada de um túmulo; a tapeçaria pesada e cheia de pó, que tapava todas as aberturas e circundava o leito, eram bem de molde a dar uma feição melancólica aos pensamentos.
Lord Londonderry examinou o seu quarto e travou conhecimento com os antigos senhores do castelo que pareciam esperar a sua saudação de pé, retratados nas telas fixadas nas paredes. Depois de ter despedido o criado de quarto, foi deitarse.
Apenas apagara a vela, logo percebeu um raio de luz que iluminava a abóbada de seu leito. Convencido de que não havia fogo na grelha; de que as cortinas estavam fechadas e de que, minutos antes, o quarto se achava mergulhado na mais completa escuridão, supôs que um intruso ali houvesse penetrado. Voltando-se rapidamente para o lado de onde vinha a luz, com grande espanto viu a figura de uma bela criança, cercada de um halo.
Persuadido da integridade de suas faculdades, mas desconfiando de uma mistificação de um dos numerosos hóspedes do castelo, Lord Londonderry avançou para a aparição, que se afastava diante dele. À medida que ele se aproximava ela recuava. Chegando ao sombrio arco da imensa lareira, sumiu no chão. Lord Londonderry não dormiu a noite inteira.
Resolveu não fazer nenhuma alusão ao que lhe tinha acontecido, até poder examinar atentamente as feições de todas as pessoas da casa. Ao café, procurou em vão surpreender alguns sorrisos disfarçados, olhares de conivência e piscar de olhos que geralmente denunciam os autores dessas conspirações domésticas.
A conversação seguiu seu curso ordinário. Estava animada e nada revelava uma mistificação. Por fim o marquês não pôde resistir ao desejo de contar o que ele tinha visto. O senhor do Castelo observou que o relato de Lord Londonderry deveria parecer muito estranho aos que, desde longa data, não visitavam aquele castelo e não conheciam as lendas da família. Então, voltando-se para Lord Londonderry, disse:
“Vistes a criança brilhante... Alegrai-vos, pois é presságio de muita sorte. Entretanto eu preferiria que não se tratasse dessa aparição”.
Em outra ocasião, Lord Castlereagh viu a criança brilhante na Câmara dos Comuns. No dia de seu suicídio teve ele uma aparição semelhante.* Sabe-se que esse Lord, um dos principais membros do Ministério Harrowby e o mais encarniçado perseguidor de Napoleão durante o seu revés, seccionou a carótida a 22 de agosto de 1823, morrendo instantaneamente.
Dizem que a sorte espantosa de Bernadotte lhe havia sido predita por uma necromante famosa, que também anunciara a de Napoleão I e que desfrutava da confiança da Imperatriz Josefina.
Bernadotte estava convencido de que uma espécie de divindade tutelar se dedicava à sua proteção. Talvez as tradições maravilhosas que cercavam o seu berço não fossem estranhas a esse pensamento que jamais o abandonava. Na verdade conta-se na sua família uma crônica antiga, segundo a qual uma fada, esposa de um de seus antepassados, havia predito que um rei ilustraria a sua posteridade.
Eis um fato que prova quanto o maravilhoso havia conservado o seu domínio sobre o espírito do Rei da Suécia. Ele queria cortar à espada as dificuldades que lhe opunha a Noruega e enviar o seu filho Oscar à frente de um exército para submeter os rebeldes. O Conselho de Estado fez viva oposição a esse projeto. Um dia em que Bernadotte acabara de ter uma discussão acalorada sobre o assunto, montou a cavalo e afastou-se da Capital a galope. Depois de um longo percurso chegou às orlas de uma espessa floresta. De repente apresentou-se aos seus olhos uma velha vestida de modo muito bizarro e com os cabelos desgrenhados.
─ “Que quereis?” perguntou bruscamente o rei.
A feiticeira respondeu sem se desconcertar:
A feiticeira respondeu sem se desconcertar:
─ “Se Oscar combater nesta guerra que premeditas, não dará os primeiros golpes, mas os receberá.”
Tocado pela aparição e por suas palavras, Bernadotte voltou ao palácio. No dia seguinte, tendo ainda no rosto os sinais de uma longa vigília cheia de agitação, apresentou-se ao Conselho e disse: “Mudei de ideia. Negociaremos a paz, mas quero condições honrosas”.
Em sua Vie de M. de Rancé, fundador da Ordem da Trapa, conta Chateaubriand que um dia esse homem célebre passeava pela avenida do Castelo de Veretz, quando lhe pareceu ver um grande incêndio que consumia o aviário. Voou para lá. O fogo diminuía à medida que ele se aproximava. A certa distância o braseiro transformouse num lago de fogo, no meio do qual erguia-se a meio corpo uma mulher devorada pelas chamas.
Tomado de pavor, voltou correndo para casa. Chegou exausto e atirou-se semimorto sobre a cama.
Só muito tempo depois ele contou essa visão, cuja simples lembrança o fazia empalidecer.
Esses mistérios pertencem à loucura? Parece que o Sr. Brière de Boismont os atribui a uma ordem mais elevada de coisas, com o que estou de acordo. Isto não desagrada ao meu amigo Dr. Lélut. Prefiro acreditar no gênio familiar de Sócrates e nas vozes de Joana d’Arc do que na demência do filósofo e na da virgem de Domrémy.
Há fenômenos que ultrapassam a inteligência; que desconcertam as ideias recebidas, mas diante de cuja evidência é preciso que se incline, humilde, a lógica humana. Nada é tão brutal e principalmente irrecusável como um fato. Tal é a nossa opinião e principalmente a de Guizot:
“Qual a grande questão, a questão suprema que hoje preocupa os Espíritos? É a questão colocada entre os que reconhecem e os que não reconhecem uma ordem sobrenatural, verdadeira e soberana, embora impenetrável à razão humana; a questão levantada, para dar às coisas o seu verdadeiro nome, entre o supernaturalismo e o racionalismo. De um lado os incrédulos, os panteístas, os céticos de toda espécie, os puros racionalistas; do outro os cristãos.
“Para a nossa salvação presente e futura é necessário que a fé na ordem sobrenatural; que o respeito e submissão à ordem sobrenatural penetrem no mundo e na alma humana; nos grandes Espíritos como nos Espíritos simples; nas regiões mais elevadas como nas mais humildes. A influência real, verdadeiramente eficaz e regeneradora das crenças religiosas tem essa condição. Fora daí são superficiais e estão muito perto de tornar-se vãs”. (Guizot)
Não, a morte não separa para sempre, mesmo neste mundo, os eleitos que Deus recebeu em seu seio e os exilados que ficaram neste vale de lágrimas, In hac lacrymarum valle, para empregar as palavras melancólicas da Salve Rainha. Há horas misteriosas e benditas em que os mortos bem-amados se debruçam sobre os que choram e lhes murmuram ao ouvido palavras de consolo e de esperança. Guizot, esse Espírito severo e metódico, tem razão de proclamar: “Fora daí as crenças religiosas são superficiais e estão muito perto de tornar-se vãs”. SAM. (Extraído do La Patrie de 5 de junho de 1859)
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* Forbes Winslow – Anatomy of suicide, 1 vol. in-8o, p. 242. London, 1840.
O que é o Espiritismo?
INTRODUÇÃO AO CONHECIMENTO DO MUNDO INVISÍVEL OU DOS ESPÍRITOS, CONTENDO OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DOUTRINA ESPÍRITA E A RESPOSTA A ALGUMAS OBJEÇÕES PREJUDICIAIS.
por ALLAN KARDEC
Autor de O Livro dos Espíritos e diretor da Revista Espírita. Grand in-8 - Preço: 60 c. *
INTRODUÇÃO AO CONHECIMENTO DO MUNDO INVISÍVEL OU DOS ESPÍRITOS, CONTENDO OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA DOUTRINA ESPÍRITA E A RESPOSTA A ALGUMAS OBJEÇÕES PREJUDICIAIS.
por ALLAN KARDEC
Autor de O Livro dos Espíritos e diretor da Revista Espírita. Grand in-8 - Preço: 60 c. *
As pessoas que só possuem do Espiritismo um conhecimento superficial são naturalmente levadas a fazer certas perguntas, cujo estudo completo lhes daria sem dúvida a solução, mas lhes falta tempo e muitas vezes vontade para se entregarem a observações seguidas. Desejariam, antes de empreender essa tarefa, ao menos saber do que se trata e se vale a pena se ocuparem com isso. Assim, pareceu-nos útil apresentar, num quadro restrito, a resposta a algumas perguntas fundamentais que nos são dirigidas diariamente. Para o leitor será uma primeira iniciação e para nós, tempo ganho pela dispensa de constantes repetições das mesmas coisas. A forma de diálogo pareceu-nos mais conveniente, porque não tem a aridez da forma puramente dogmática.
Terminamos esta introdução por um resumo que permitirá, numa leitura rápida, apreender o conjunto dos princípios fundamentais da Ciência. Aqueles que depois desta curta exposição julgarem o assunto digno de sua atenção, poderão aprofundálo com conhecimento de causa. Na maioria das vezes as objeções nascem das ideias falsas que adquirimos a priori sobre aquilo que não conhecemos. Retificar tais ideias é antecipar-se às objeções. Eis o objetivo a que nos propusemos ao publicar este opúsculo.
As pessoas estranhas ao Espiritismo nele encontrarão os meios de, em pouco tempo e com pouca despesa, adquirir uma ideia do assunto; as que já são iniciadas, a maneira de resolver as principais dificuldades que lhes são propostas. Contamos com o concurso de todos os amigos desta ciência, auxiliando na divulgação desse curto resumo.
ALLAN KARDEC
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* Todas as obras do Sr. Allan Kardec se acham nas casas Ledoyen, Dentu e na redação da Revista.