Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859

Allan Kardec

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Dezembro

Resposta ao Sr. Oscar Comettant

Senhor,

Consagrastes o folhetim do Le Siècle de 27 de outubro último aos Espíritos e aos seus partidários. Apesar do ridículo que lançais sobre um problema muito mais sério do que pensais, apraz-me reconhecer que, atacando o princípio, guardais as conveniências pela urbanidade da forma, pois não é possível dizer com mais polidez que a gente não tem bom-senso. Assim, não confundirei o vosso espirituoso artigo com as grosseiras diatribes que dão uma triste ideia do bom gosto de seus autores, aos quais fazem justiça todas as pessoas educadas, sejam ou não nossas partidárias.

Não tenho o hábito de responder às críticas. Assim, teria deixado passar o vosso artigo, como tantos outros, se não tivesse recebido dos Espíritos o encargo, primeiramente de vos agradecer por vos terdes ocupado deles, e depois de vos dar um conselho. Compreendereis, senhor, que de mim mesmo não o faria.

Desincumbo-me de minha tarefa. Eis tudo.

─ Como! – direis – Então os Espíritos se ocupam de um folhetim que escrevi sobre eles? É muita bondade de sua parte.

─ Certamente, pois estavam ao vosso lado quando escrevíeis. Um deles, que vos quer bem, chegou mesmo a tentar impedir que utilizásseis certas reflexões, que não eram por ele julgadas à altura da vossa sagacidade, temendo por vós a crítica, não dos Espíritos, com os quais vos ocupais muito pouco, mas daqueles que conhecem a extensão do vosso conhecimento.

Ficai certo de que eles estão por toda parte; que sabem tudo quanto se diz e se faz e que no momento em que lerdes estas linhas, estarão ao vosso lado, vos observando. Podeis dizer:

─ Não posso crer na existência desses seres que povoam o espaço mas que não vemos.

─ Credes no ar que não vedes e que, entretanto, nos envolve?

─ Isto é muito diferente. Eu creio no ar porque, embora não o veja, eu o sinto; eu o escuto rugir na tempestade e ressoar no tubo da lareira, e vejo os objetos por ele derrubados.

─ Pois então! Os Espíritos também se fazem ouvir; também movem os corpos sólidos, levantam-nos, transportam-nos, quebram-nos.

─ Ora esta, Sr. Allan Kardec! Apelai para a vossa razão. Como quereis que seres impalpáveis, ─ supondo que eles existam, o que só admitiria se os visse, ─ tenham tal poder? Como podem seres imateriais agir sobre a matéria? Isto não é razoável.

─ Credes na existência dessas miríades de animálculos que estão em vossa mão e que podem ser cobertos aos milhares pela ponta de uma agulha?

─ Sim, porque não os vejo com os olhos, mas o microscópio me permite vê-los.

─ Mas antes da invenção do microscópio, se alguém vos tivesse dito que tendes sobre a pele milhares de insetos que nela pululam; que uma límpida gota d’água encerra toda uma população; que os absorveis em massa com o ar mais puro que respirais, que teríeis respondido? Teríeis gritado contra o disparate e, se fôsseis folhetinista, não teríeis deixado de escrever um belo artigo contra os animálculos, o que não teria impedido que existissem. Hoje o admitis porque o fato é patente.

Antes, porém, teríeis declarado que era coisa impossível. Que há, pois, de mais irracional em crer que o espaço seja povoado de seres inteligentes que, embora invisíveis, não são microscópicos? Quanto a mim, confesso que a ideia de seres pequenos como uma parcela homeopática e, não obstante, providos de órgãos visuais, sensoriais, circulatórios, respiratórios, etc., me parece ainda mais extraordinária.

─ Concordo, mas ainda assim são seres materiais, são qualquer coisa, enquanto os vossos Espíritos, o que são? Não são nada. São seres abstratos, imateriais.

─ Para começar, quem vos disse que são imateriais? A observação, ─ peço-vos que peseis bem este vocábulo observação, que não quer dizer sistema, ─ a observação, dizia eu, demonstra que essas inteligências ocultas têm um corpo, um envoltório, invisível, é certo, mas não menos real. Ora, é por esse intermediário semimaterial que elas agem sobre a matéria. São apenas os corpos sólidos que têm força motriz? Não são, ao contrário, os corpos rarefeitos que possuem esse poder no mais alto grau, tal como o ar, o vapor, todos os gases, a eletricidade? Por que, então, o negareis à substância que constitui o envoltório dos Espíritos?

─ De acordo, mas se essas substâncias são invisíveis e impalpáveis em certos casos, a condensação pode torná-las visíveis e mesmo sólidas. Poderemos pegá-las, guardá-las, analisá-las, com o que sua existência ficaria irrecusavelmente demonstrada.

─ Ora! Essa é boa! Negais o Espírito porque não podeis metê-lo numa retorta e saber se são compostos de oxigênio, hidrogênio e nitrogênio. Dizei-me, por obséquio, se antes das descobertas da Química moderna eram conhecidas a composição do ar, da água, e as propriedades de uma porção de corpos invisíveis, de cuja existência nem suspeitávamos. Que teriam dito, então, a quem anunciasse todas as maravilhas que hoje admiramos? Tê-lo-iam tratado como charlatão e visionário.

Suponhamos que vos caia nas mãos um livro de um cientista de então, negando todas essas coisas e que, além do mais, tivesse tentado demonstrar-lhes a impossibilidade. Diríeis: Eis um cientista bem pretensioso, que se pronunciou muito levianamente, decidindo sobre o que não sabia. Para sua reputação teria sido melhor abster-se. Numa palavra, faríeis um juízo muito pouco lisonjeiro de sua opinião.

Então! Em alguns anos veremos o que se pensará daqueles que hoje tentam demonstrar que o Espiritismo é uma quimera.

É sem dúvida lamentável para certas pessoas, e para os amadores, que os Espíritos não possam ser postos dentro de um frasco, para serem observados à vontade. Não penseis, entretanto, que eles escapem aos nossos sentidos de maneira absoluta. Se a substância que constitui o seu envoltório é invisível em estado normal, também pode, em certos casos, como o do vapor, mas por outra causa, experimentar uma espécie de condensação ou, para ser mais exato, uma modificação molecular, que a torna momentaneamente visível e mesmo tangível. Podemos então vê-los, como nós nos vemos, tocá-los, apalpá-los. Eles podem pegar-nos e deixar marcas em nossos membros. Mas esse estado é temporário. Podem deixá-lo tão rapidamente quanto o tomaram, não em virtude de uma rarefação mecânica, mas por efeito da vontade, pois são seres inteligentes e não corpos inertes. Se a existência dos seres inteligentes que povoam o espaço está provada; se, como acabamos de ver, eles exercem ação sobre a matéria, que há de admirável em que possam comunicar-se conosco e transmitir seus pensamentos por meios materiais?

─ Se a existência desses seres for provada, sim. Aí, porém, é que está a questão.

─ Inicialmente, o importante é provar essa possibilidade. A experiência fará o resto. Se essa existência não está provada para vós, está para mim. Ouço daqui dizerdes intimamente: “Eis um argumento fraquíssimo.” Concordo que minha opinião pessoal tenha pouco valor, mas não estou só. Muitos outros, antes de mim, pensavam do mesmo modo. Eu não inventei nem descobri os Espíritos. Essa crença conta com milhões de aderentes, tanto ou mais inteligentes do que eu. Quem decidirá entre os que creem e os que não creem?

─ O bom-senso, direis vós.

─ Que seja. Acrescento, no entanto, que o tempo diariamente nos auxilia. Mas com que direito aqueles que não creem se arrogam o privilégio do bom-senso, quando principalmente os que acreditam são recrutados, não entre os ignorantes, mas entre gente esclarecida, cujo número cresce dia a dia? Eu o julgo por minha correspondência; pelo número de estrangeiros que me vêm ver; pela propagação de meu jornal, que completa o seu segundo ano e tem assinantes nas cinco partes do mundo, nas mais altas camadas da Sociedade e até nos tronos. Dizei-me, em sã consciência, se isto é a marcha de uma ideia oca, de uma utopia. Constatando esse fato capital no vosso artigo, dizeis que ele ameaça tomar as proporções de um flagelo e acrescentais:
“Já não tinha a espécie humana, ó bom Deus! tantas futilidades para lhe perturbar a razão, sem esta nova doutrina que vem apoderar-se de nosso pobre cérebro?”

Parece que não apreciais as doutrinas. Cada um tem o seu gosto. Nem todos gostam das mesmas coisas. Direi apenas que não sei a que papel intelectual o homem seria reduzido se, desde que se acha na face da Terra, não tivesse tido suas doutrinas que, fazendo-o refletir, o tiraram do estado passivo de bruto. Sem dúvida há doutrinas boas e más, justas e falsas, mas foi para discerni-las que Deus nos deu a razão.

Esquecestes uma coisa: a definição clara e precisa daquilo que classificais como futilidades. Há pessoas que assim qualificam todas as ideias de que não compartilham, mas vós tendes inteligência suficiente para acreditar que esta se tenha condensado apenas em vós. Há outras pessoas que dão esse nome a todas as ideias religiosas, e que olham a crença em Deus, na alma e na sua imortalidade, nas penas e recompensas futuras como boas somente para as beatas e para intimidar as crianças.

Não conheço vossa opinião a respeito, mas do ponto de vista do vosso artigo, alguém poderia inferir que aceitais um pouco essas ideias. Quer delas partilheis, quer não, eu me permitirei dizer, com muitos outros, que nelas estaria o verdadeiro flagelo, caso se propagassem. Com o materialismo; com a crença de que morremos como os animais e depois de nós será o nada, o bem não terá nenhuma razão de ser e os laços sociais nenhuma consistência. É a sanção do egoísmo. A lei penal será o único freio a impedir que o homem viva à custa de outrem. Se assim for, com que direito puniremos o homem que mata o seu semelhante para apoderar-se de seus bens? Porque isso seria um mal, direis vós. Mas por que é um mal? E ele vosresponderá: Depois de mim não há nada. Tudo se acaba. Nada receio. Quero viver aqui o melhor possível, e para isso, tomarei dos que têm. Quem mo proíbe? Vossa lei? Vossa lei terá razão se for mais forte, isto é, se me pegar. Mas se eu for mais esperto, se lhe escapar, a razão estará comigo.

Então vos perguntarei qual a Sociedade que poderá subsistir com semelhantes princípios?

Isto me recorda o seguinte fato: Um senhor que, como se diz vulgarmente, não acreditava em Deus nem no diabo, e não o ocultava, notou que vinha sendo roubado por seu criado. Um dia pilhou-o em flagrante e lhe perguntou:

─ Como ousas, infeliz, tomar o que não te pertence? Não crês em Deus?
O criado pôs-se a rir e respondeu:

─ Por que haveria eu de crer, se vós também não credes? Por que tendes mais do que eu? Se eu fosse rico e vós pobre, quem vos impediria de fazer o mesmo que faço? Desta vez não tive sorte, eis tudo. De outra, procurarei agir melhor.

Aquele senhor teria ficado mais contente se seu criado não tivesse tomado a crença em Deus como uma futilidade. É a essa crença e às que da mesma decorrem que deve o homem a sua verdadeira segurança social, muito mais do que à severidade da lei, pois a lei não pode tudo alcançar. Se a crença se arraigasse no coração de todos, nada deveriam temer uns dos outros. Atacá-la de frente é soltar as rédeas a todas as paixões e destruir todos os escrúpulos. Foi isto que levou recentemente um sacerdote, quando pediram sua opinião sobre o Espiritismo, a dizer estas palavras sensatas: “O Espiritismo conduz à crença em alguma coisa. Ora, eu prefiro aqueles que acreditam em alguma coisa aos que em nada acreditam, pois estes não creem nem mesmo na necessidade do bem”.

Com efeito, o Espiritismo é a destruição do materialismo. É a prova patente e irrecusável daquilo que certas pessoas chamam futilidades, a saber: Deus, a alma, a vida futura feliz ou infeliz. Este flagelo, como vós o chamais, tem outras consequências práticas. Se soubésseis, como eu, quantas vezes ele fez voltar a calma a corações ulcerados pela mágoa; que doce consolação espalha sobre as misérias da vida; quanto acalma o ódio e impede os suicídios, zombaríeis menos.

Suponde que um de vossos amigos venha dizer-vos: “Eu estava desesperado; ia estourar os miolos, mas hoje, graças ao Espiritismo, sei quanto isto me custaria, e desisto.” Se outra pessoa vos disser: “Eu invejava o vosso mérito e a vossa superioridade. O vosso sucesso tirava-me o sono. Queria vingar-me, derrotar-vos, arruinar-vos. Queria, mesmo, matar-vos. Confesso que correstes grande perigo.

Hoje, porém, que sou espírita, compreendo tudo quanto esses sentimentos possuem de ignóbil e os abjuro. Em vez de vos fazer mal, venho prestar-vos um obséquio.”

Provavelmente diríeis: “Ainda bem que existe algo de bom nessa loucura”. O que estou dizendo, senhor, não visa convencer-vos, nem vos converter às minhas ideias. Tendes convicções que vos bastam e que, para vós, resolvem todas as questões sobre o futuro. É, pois, muito natural que as conserveis. Mas vós me apresentais aos vossos leitores como o propagador de um flagelo. Eu precisava mostrar-lhes, pois, que seria desejável que nenhum flagelo produzisse um mal maior, a começar pelo materialismo. Conto com a vossa imparcialidade para transmitir-lhes a minha resposta.

Então direis:

─ Mas eu não sou materialista. Pode-se muito bem não ter essa opinião e não crer nas manifestações dos Espíritos.

─ Concordo. Então se é espiritualista sem ser espírita. Se me equivoquei quanto à vossa maneira de ver, é porque tomei ao pé da letra a profissão de fé do fim do vosso artigo. Dizeis: “Creio em duas coisas: no amor dos homens por tudo quanto é maravilhoso, mesmo quando esse maravilhoso é absurdo, e no editor que me vendeu o fragmento da sonata ditada pelo Espírito de Mozart, pelo preço de 2 francos.”

Se toda a vossa crença se limita a isso, ela me parece ser a prima irmã do ceticismo. Mas aposto que credes em algo mais do que no Sr. Ledoyen, que vos vendeu por 2 francos um fragmento de sonata. Credes no produto de vossos artigos, que, segundo presumo, salvo engano meu, não ofereceis mais pelo amor de Deus do que faz o Sr. Ledoyen com os seus livros. Cada um tem o seu ofício. O Sr. Ledoyen vende livros. O literato vende prosa e verso. Nosso pobre mundo não está suficientemente adiantado para que possamos morar, comer e vestir-nos de graça.

Talvez um dia os proprietários, os alfaiates, os açougueiros, os padeiros estejam bastante esclarecidos para compreender que é ignóbil para eles pedir dinheiro. Então os livreiros e os literatos serão arrastados pelo exemplo.

─ Com tudo isto, não me destes o conselho que me dão os Espíritos.

─ Ei-lo: É prudente não nos pronunciarmos muito levianamente sobre aquilo que não conhecemos. Imitemos a sábia reserva do sábio Arago, que dizia, a propósito do magnetismo animal: “Eu não poderia aprovar o mistério que hoje fazem os cientistas sérios quando vão assistir às experiências de sonambulismo. A dúvida é prova de modéstia e raramente prejudica o progresso das ciências. Já o mesmo não podemos dizer da incredulidade. Aquele que, fora das matemáticas puras, pronunciar o vocábulo impossível, denota falta de prudência. A reserva é um dever, principalmente quando se trata do organismo animal”. (Notícia sobre Bailly).

Respeitosamente,

ALLAN KARDEC

Efeitos da prece

Um dos nossos assinantes nos escreve de Lausanne:

“Há mais de quinze anos professo muito daquilo que a vossa Ciência Espírita hoje ensina. A leitura de vossas obras mais não faz do que reforçar esta crença.

Além disso, traz-me grandes consolações e lança uma viva claridade sobre uma parte que para mim era treva. Embora convicto de que minha existência deveria ser múltipla, não podia compreender em que se transformaria meu Espírito nesses intervalos.

“Mil vezes obrigado, senhor, por me haverdes iniciado nesses grandes mistérios, indicando-me a via única a seguir a fim de ganhar um lugar melhor no outro mundo. Abristes o meu coração à esperança e duplicastes a minha coragem para suportar as provas deste mundo. Vinde, pois, Senhor, em meu auxílio, para examinar uma verdade que me interessa em alto grau.

“Sou protestante e em nossa Igreja jamais se ora pelos mortos, porque o Evangelho não o ensina. Como dizeis, os Espíritos que evocais pedem frequentemente o auxílio de vossas preces. Estarão eles sob a influência das ideias adquiridas na Terra, ou é certo que Deus leva em conta as preces dos vivos para abreviar o sofrimento dos mortos?

“Senhor, esta questão é muito importante para mim e para outros correligionários meus que contraíram matrimônios católicos. A fim de ter uma resposta satisfatória, creio que seria necessário que o Espírito de um protestante esclarecido, como um dos nossos ministros, concordasse em manifestar-se em vossa sessão, em companhia de um dos vossos eclesiásticos.”

A pergunta é dupla: lº. ─ É a prece agradável àqueles por quem é feita? 2º ─ Élhes útil?

Para começar, ouçamos, sobre a primeira pergunta, o Rev. Pe. Félix, numa introdução notável a um pequeno livro intitulado “Les morts souffrants et délaissés”49:

“A devoção para com os mortos não é só a expressão de um dogma e a manifestação de uma crença. É um encanto da vida, um consolo para o coração.

Com efeito, que há de mais suave ao coração do que esse culto piedoso, que nos liga à memória e ao sofrimento dos mortos? Crer na eficácia da prece e das boas obras para aliviar aqueles que perdemos; crer, quando os choramos, que essas lágrimas que por eles derramamos ainda lhes podem servir de auxílio; crer, enfim, que mesmo nesse mundo invisível que habitam, o nosso amor pode ainda visitá-los em seu benefício; que doce, que suave crença! E nessa crença, que consolação para aqueles que viram a morte entrar sob o seu teto e feri-los no coração! Se esta crença e este culto não existissem, o coração humano, pela voz de seus mais nobres instintos, diz a todos que o compreendem que seria necessário inventá-los, quando mais não fosse para pôr doçura na morte e encanto até nos nossos funerais. Com efeito, nada transforma e transfigura o amor que ora sobre um túmulo ou chora nos funerais, como essa devoção à lembrança e ao sofrimento dos mortos. Essa mistura da religião e da dor, da prece e do amor, tem simultaneamente não sei quê de delicado e de enternecedor. A tristeza que chora se torna um auxiliar da piedade que reza. Por sua vez, a piedade se torna, para a tristeza, o mais delicioso aroma. A fé, a esperança e a caridade jamais se conjugam melhor para honrar a Deus consolando os homens e para fazer do alívio aos mortos a consolação dos vivos!

“Esse encanto suavíssimo que encontramos em nosso intercâmbio fraterno com os mortos, quanto ainda mais suave se torna quando nos persuadimos de que, sem dúvida, Deus não deixa esses entes queridos inteiramente ignorantes do bem que lhes fazemos. Quem não desejou, ao orar por um pai ou por um irmão falecido, que ele ali estivesse para escutar e que, quando fazia por ele os seus votos ali estivesse para ver? Quem não teria dito, ao enxugar uma lágrima junto ao féretro de um parente ou de um amigo perdido: Se ele ao menos pudesse ouvir-me! Quando meu amor lhe oferece com as lágrimas a prece e o sacrifício, se eu tivesse certeza de que ele o sabe e que seu amor compreende sempre o meu! Sim, se eu pudesse crer que não só o alívio que lhe envio chega até ele, mas se pudesse persuadir-me, também, de que Deus se digna destacar um de seus anjos para lhe contar, ao levar-lhe o meu benefício, que esse alívio vem de mim, oh! Deus, que sois bom para os que choram, que bálsamo em minha ferida! Que consolação em minha dor!

“A Igreja não nos obriga, é verdade, a crer que os nossos irmãos falecidos saibam, efetivamente, no Purgatório, aquilo que por eles fazemos aqui na Terra, mas também não o proíbe; ela o insinua e parece persuadir-nos pelo conjunto de seu culto e de suas cerimônias, e homens sérios e respeitáveis da Igreja não receiam afirmá-lo. Aliás, seja como for, se os mortos não têm o conhecimento presente e claro das preces e das boas obras que por eles fazemos, é certo que sentem os seus salutares efeitos. Esta crença firme não basta a um amor que deseja consolar-se da dor através do benefício e fecundar as lágrimas pelos sacrifícios?”

Isso que o Pe. Félix admite como hipótese, a Ciência Espírita admite como verdade incontestável, porque dá a sua prova patente. Com efeito, sabemos que o mundo invisível é composto dos que abandonaram seu envoltório corporal ou, por outras palavras, das almas dos que viveram na Terra. Essas almas ou esses Espíritos, o que é a mesma coisa, povoam o espaço. Estão em toda parte, tanto ao nosso lado quanto nas regiões mais distantes. Desembaraçados do pesado e incômodo fardo que os retinha na superfície do solo, tendo apenas um envoltório etéreo, semimaterial, transportam-se com a rapidez do pensamento.
A experiência prova que podem atender ao nosso apelo, mas, e isso é perfeitamente compreensível, vêm mais ou menos de boa vontade, com maior ou menor prazer, de acordo com a nossa intenção. A prece é um pensamento, um laço que a eles nos liga. É um apelo, uma verdadeira evocação. Ora, como a prece, eficaz ou não, é sempre um pensamento benévolo, não pode deixar de ser agradável àqueles a quem se dirige.

É-lhes útil? Esta é outra questão.

Os que contestam a eficácia da prece dizem: Os desígnios de Deus são imutáveis e ele não os derroga a pedido do homem.

─ Isto depende do objeto da prece, pois é muito certo que Deus não pode infringir suas leis a fim de satisfazer a todos os pedidos inconsiderados que lhe dirigimos. Encaremo-la apenas do ponto de vista do alívio das almas sofredoras. Para começar, afirmamos que, admitindo que a duração efetiva dos sofrimentos não possa ser abreviada, a comiseração e a simpatia são um abrandamento para aquele que sofre. Se um prisioneiro for condenado a vinte anos de prisão, não sofrerá mil vezes mais estando só, isolado, abandonado? Mas se uma alma caridosa e compassiva vier visitá-lo, consolá-lo, encorajá-lo, não terá o poder de quebrar suas cadeias antes de cumprida a pena? Não as tornará menos pesadas e os anos não parecerão mais curtos? Quem na Terra não encontra na compaixão um alívio às suas misérias, um consolo nas expansões da amizade?

Podem as preces abreviar os sofrimentos?

O Espiritismo responde: Sim, e o prova pelo raciocínio e pela experiência. Pela experiência, porque são as próprias almas sofredoras que vêm confirmá-lo e revelarnos a mudança de sua situação. Pelo raciocínio, considerando-se a sua maneira de
encarar os fatos.

As comunicações que temos com os seres de além-túmulo fazem passar aos nossos olhos todos os graus do sofrimento e da felicidade. Vemos, pois, seres infelizes, horrivelmente infelizes, e se o Espiritismo, de acordo com um grande número de teólogos, não admite o fogo senão como uma figura, como um símbolo das maiores dores, numa palavra, como um fogo moral, devemos convir que a situação de alguns não é muito melhor do que se estivessem no fogo material. O estado de felicidade ou de infelicidade após a morte não é, pois, uma quimera ou um verdadeiro fantasma. Mas o Espiritismo ensina que a duração do sofrimento depende, até certo ponto, da vontade do Espírito e este pode abreviá-lo pelos esforços que fizer para progredir. A prece, bem entendido, a prece real, de coração, ditada por uma verdadeira caridade, incita o Espírito ao arrependimento; desenvolve-lhe os bons sentimentos; esclarece-o; faz com que compreenda a felicidade dos que lhe são superiores; anima-o a fazer o bem, a tornar-se útil, porque os Espíritos podem fazer o bem e o mal. De certo modo, liberta-o do desencorajamento em que se entorpece e permite-lhe vislumbrar a luz. Por seus esforços pode, pois, sair do atoleiro em que está preso. É assim que a mão protetora que lhe estendemos pode abreviar-lhe os sofrimentos.

Nosso assinante pergunta se os Espíritos que solicitam preces não estariam ainda sob a influência das ideias terrenas. A isto respondemos que entre os Espíritos que se comunicam conosco há os que, em vida, professaram todos os cultos: católicos, protestantes, judeus, muçulmanos e budistas. À pergunta: Que podemos fazer que vos seja útil? Respondem: “Orai por mim”. ─ Uma prece segundo o rito que professastes será para vós mais útil ou mais agradável? ─ “O rito é a forma. A prece de coração não tem rito”.

Nossos leitores certamente se recordam da evocação da viúva do Malabar, inserta na Revista de dezembro de 1858. Quando lhe dissemos: “Pedis que oremos por vós, mas nós somos cristãos. Nossas preces poderiam agradar-vos? ela respondeu: “Só há um Deus para todos os homens”.

Os Espíritos sofredores ligam-se aos que oram por eles, como o ser reconhecido àquele que lhe faz bem. Essa mesma viúva do Malabar veio várias vezes às nossas reuniões, sem ser chamada. Segundo dizia, vinha para instruir-se. Chegava a nos acompanhar na rua, conforme o constatamos através de um médium vidente. O assassino Lemaire, cuja evocação publicamos em nosso número de março de 1858, evocação que, diga-se de passagem, excitou a veia trocista de alguns céticos, esse mesmo assassino, infeliz, abandonado, encontrou em um de nossos leitores um coração compassivo, que teve pena dele. Veio algumas vezes visitá-lo e procurou manifestar-se por todos os meios e modos até que essa pessoa, tendo ocasião de esclarecer-se quanto a essas manifestações, soube que era Lemaire que lhe queria demonstrar o seu reconhecimento. Quando lhe foi possível externar o seu pensamento, disse-lhe: “Obrigado, alma caridosa! Eu me achava só, com os remorsos de minha vida passada e tivestes piedade de mim. Estava abandonado e pensastes em mim. Estava no abismo e estendestes-me a mão. Vossas preces foram para mim como um bálsamo consolador. Compreendi a enormidade dos meus crimes e peço a Deus que me conceda a graça de repará-los numa nova existência, na qual possa fazer tanto bem quanto mal já fiz. Obrigado, mais uma vez! Obrigado!”

Para encerrar, eis aqui a opinião atual do ilustre pastor protestante, Sr. Adolphe Monod, falecido em abril de 1856, sobre os efeitos da prece:

“O Cristo disse aos homens: Amai-vos uns aos outros. Esta recomendação encerra a de empregar os meios possíveis de testemunhar afeição aos nossos semelhantes, sem entretanto entrar em detalhes quanto à maneira de atingir esse fim.

Se é certo que nada pode impedir o Criador de aplicar a justiça de que ele próprio é modelo, a todas as ações do Espírito, não é menos certo que a prece que lhe dirigis, em favor daquele por quem vos interessais, é para este último um testemunho de saudade, que poderá efetivamente contribuir para lhe aliviar os sofrimentos e o consolar. Desde que manifesta o menor arrependimento, e só então, é socorrido, mas nunca lhe permitem ignorar que uma alma simpática dele se ocupou. Este pensamento o incita ao arrependimento e o deixa na doce persuasão de que a intercessão dessa alma lhe foi útil. Disso resulta, necessariamente, de sua parte, um sentimento de reconhecimento e de afeto por quem lhe deu essa prova de amizade ou de piedade. Em consequência disso, o amor recomendado pelo Cristo aos homens cresceu entre eles. Ambos obedeceram à lei de amor e de união de todos os seres, lei de Deus, que deve conduzir à unidade, que é a finalidade do Espírito”.

─ Nada tendes a acrescentar a estas explicações?

─ Não. Elas encerram tudo.

─ Agradeço-vos por terdes vindo trazê-las.

─ Para mim é motivo de felicidade poder contribuir para a união das almas, união que os bons Espíritos procuram fazer prevalecer sobre todas as questões de dogma, que as dividem.

Um Espírito que não se acredita morto

Um dos nossos assinantes do departamento do Loiret, ótimo médium psicógrafo, escreve-nos o seguinte, relativamente a várias aparições que lhe ocorreram:

“Não querendo deixar no esquecimento nenhum dos fatos que vêm em abono da Doutrina Espírita, venho comunicar os novos fenômenos de que sou testemunha e médium, e que, como haveis de reconhecer, estão perfeitamente em concordância com tudo quanto haveis publicado em vossa Revista, relativamente aos vários estados do Espírito, depois que se separa do corpo.

“Há cerca de seis meses eu me ocupava de comunicações de Espíritos com algumas pessoas, quando me veio a ideia de perguntar se entre os assistentes se encontrava algum médium vidente. O Espírito respondeu afirmativamente, designou-me e acrescentou: ‘Tu já o és, mas em pequeno grau e apenas durante o sono. Mais tarde modificar-se-á o teu temperamento de tal maneira que te tornarás excelente médium vidente, mas pouco a pouco, e a princípio apenas durante o sono’.

“No decorrer deste ano passamos pela dor de perder três de nossos parentes.

Um deles, meu tio, apareceu-me em sonho, pouco depois de morto. Tivemos uma longa conversa e ele me conduziu ao lugar que habita e me disse que era o último grau da felicidade eterna. Era minha intenção dar-vos a descrição daquilo que admirei nessa morada incomparável. Tendo, porém, consultado o meu Espírito familiar a esse respeito, respondeu-me ele: ‘A alegria e a felicidade que experimentaste poderiam influenciar a descrição das maravilhosas belezas que admiraste e tua imaginação poderia criar coisas inexistentes. Espera até que teu Espírito esteja mais calmo’. Paro, então, em obediência ao meu guia, não me ocupando senão de duas outras visões mais positivas. Relatarei apenas as últimas palavras de meu tio. Quando eu tinha admirado aquilo que me era permitido ver, disse-me ele: ‘Agora vais voltar à Terra.’ Pedi-lhe que me deixasse ficar mais alguns instantes e ele retorquiu: ‘Não; são cinco horas e tu deves retomar o curso de tua existência’. No mesmo instante despertei. Meu relógio batia cinco horas.

“Minha segunda visão foi de um dos outros dois parentes falecidos durante o ano. Era um homem virtuoso, amável, bom pai de família, bom cristão que, embora doente há muito tempo, morreu quase subitamente e talvez quando menos se esperava. Seu rosto tinha uma expressão indefinível, séria, triste e ao mesmo tempo feliz. Ele me disse: ‘Expio as minhas faltas, mas tenho um consolo: o de ser protetor de minha família. Continuo a viver junto à minha mulher e meus filhos e lhes inspiro bons pensamentos. Orai por mim.’

“A terceira visão é mais característica e me foi confirmada por um fato material. É a do terceiro parente. Era um homem excelente, mas vivo, arrebatado, imperioso com os criados e, sobretudo, apegado além de qualquer medida aos bens do mundo. Além disso era cético e se ocupava mais desta vida do que da vida futura. Algum tempo depois de sua morte, veio à noite e pôs-se a sacudir as cortinas com impaciência, como se me quisesse despertar. Como lhe perguntasse: ─ És tu? respondeu-me:

─ Sim. Vim procurar-te porque és a única pessoa que me pode responder. Minha mulher e meu filho foram para Orléans. Quis acompanhá-los, mas ninguém quer obedecer-me. Disse a Pedro que fizesse a minha bagagem, mas ele não me escuta. Ninguém me dá atenção. Se tu pudesses vir atrelar os cavalos na outra carruagem e fazer as minhas malas, prestar-me-ias um grande obséquio, pois eu poderia ir juntar-me à minha mulher em Orléans.

─ Mas não podes fazê-lo tu mesmo?

─ Não. Não consigo levantar nada. Depois do sono que experimentei durante a doença, fiquei mudado. Não sei mais onde me encontro. Sinto-me num pesadelo.

─ De onde vens?

─ De B...

─ Do castelo?

─ Não! respondeu-me com um grito de horror, levando a mão à fronte. Venho do cemitério.
Depois de um gesto de desespero, acrescentou:

─ Olha, meu caro amigo, dize a todos os parentes que orem por mim, pois me sinto muito infeliz!

“A estas palavras fugiu. Perdi-o de vista.

“Quando me veio procurar e sacudir as cortinas com impaciência, seu rosto exprimia terrível alucinação. Quando lhe perguntei como tinha podido sacudir as cortinas, pois se ele me dizia nada poder levantar, respondeu bruscamente: ‘Com o meu sopro’.
“Soube no dia seguinte que, realmente, sua viúva e o filho tinham partido para Orléans”.

Esta última aparição é notável, sobretudo pela ilusão que têm certos Espíritos que se acreditam ainda vivos, e que neste se prolongou por muito mais tempo do que em casos análogos. Muito comumente essa ilusão dura apenas alguns dias, ao passo que ele ainda se julgava vivo depois de mais de três meses. Aliás, a situação é perfeitamente idêntica à que observamos muitas vezes. Ele vê tudo como quando vivo. Quer falar e se surpreende por não ser ouvido. Ocupa-se, ou julga ocupar-se com suas tarefas habituais. A existência do perispírito é aqui demonstrada de modo notável, abstração feita da visão. Uma vez que se julga vivo, ele se vê com um corpo semelhante ao que deixou. Esse corpo age como teria agido o outro. Para ele, nada mudou. Apenas não estudou ainda as propriedades de seu novo corpo. Julga-o denso e material como o primeiro, e espanta-se porque nada pode levantar. Não obstante, acha na sua situação algo de estranho, que não compreende. Ele supõe encontrar-se num pesadelo e toma a morte por um sono. É um estado misto entre a vida corpórea e a vida espírita, estado sempre penoso e cheio de ansiedade, que tem algo de ambas aquelas vidas. Como já dissemos, é o que ocorre de modo mais ou menos constante nas mortes instantâneas, tais como as que se dão por suicídio, apoplexia, suplício, combate, etc.

Sabemos que a separação entre o corpo e o perispírito se opera gradativamente, e não de modo brusco. Começa antes da morte, quando esta ocorre pela natural extinção das forças vitais, quer pela idade, quer pela doença e sobretudo nas pessoas que, ainda vivas, pressentem o seu fim e em pensamento se identificam com a existência futura, de tal sorte que, ao exalarem o último suspiro, a separação já está mais ou menos completa. Quando a morte surpreende de improviso um corpo cheio de vida, só nesse momento começa a separação, que não se completa senão paulatinamente. Enquanto existir uma ligação entre o corpo e o Espírito, este estará perturbado. Se entrar bruscamente no mundo dos Espíritos, experimentará um sobressalto, que não lhe permitirá, de início, reconhecer a sua situação, bem como as propriedades de seu novo corpo. É necessário movimentar-se de alguma maneira e é isso que o faz pensar que ainda está neste mundo.

Além das circunstâncias de morte violenta, outras há que tornam mais tenazes os laços entre o corpo e o Espírito, porque a ilusão de que falamos é igualmente observada em certos casos de morte natural. É quando o indivíduo viveu mais a vida material que a vida moral. Compreende-se que o seu apego à matéria o retenha ainda depois da morte, prolongando, assim, a ideia de que nada mudou para ele. Tal é o caso da pessoa de quem acabamos de falar.

Notemos a diferença existente entre a situação dessa criatura e a do segundo parente. Um ainda quer mandar; julga necessitar de suas malas, dos cavalos, da carruagem, para ir encontrar a esposa. Ele ainda não sabe que, como Espírito, pode fazê-lo instantaneamente, ou melhor, seu perispírito ainda é tão material que se julga submetido a todas as necessidades do corpo. O outro, que viveu a vida moral; que tinha sentimentos religiosos; que se havia identificado com a vida futura, embora surpreendido mais bruscamente que o primeiro, já está desprendido. Diz que vive no meio da família, mas sabe que é um Espírito. Fala à esposa e aos filhos, mas sabe que o faz por pensamento. Numa palavra, já não tem ilusões, ao passo que o primeiro ainda se acha perturbado e angustiado; tem um tal sentimento da vida real que viu a esposa e o filho que partiam, como de fato partiram no dia indicado, circunstância que era ignorada pelo parente a quem apareceu.

Notemos, além disso, uma expressão característica, que bem mostra a sua posição. À pergunta: “De onde vens?” respondeu indicando o lugar que habitava. A seguir, à pergunta: “Do castelo?” respondeu com pavor: “Não. Venho do cemitério”.

Ora, isto prova uma coisa: que não sendo completo o desprendimento, existia uma espécie de atração entre o Espírito e o corpo, que o levou a dizer que vinha do cemitério. Mas nesse momento parece que começou a compreender a verdade. A própria pergunta parece colocá-lo no caminho, chamando-lhe a atenção para seus despojos, por isso respondeu com pavor.

Os exemplos desta natureza são muito numerosos. Um dos mais expressivos é o do suicida da Samaritana, que relatamos no nosso número de junho de 1858.

Evocado alguns dias depois de sua morte, também afirmava estar vivo e dizia:

“Entretanto sinto que os vermes me roem”. Como fizemos notar no relato, não se tratava de uma lembrança, desde que em vida não era roído pelos vermes. Era então um sentimento atual, uma espécie de repercussão transmitida do corpo ao Espírito
pela comunicação fluídica ainda existente entre eles.

Essas comunicações nem sempre se traduzem da mesma maneira, entretanto, são sempre mais ou menos penosas e como um primeiro castigo para quem, quando vivo, muito se identificou com a matéria.

Que diferença da calma, da serenidade, da suave quietude dos que morrem sem remorsos, com a consciência de ter bem empregado seu tempo de estágio na Terra; dos que não se deixaram dominar por suas paixões! A passagem é curta e sem amargura, porque a morte é para eles o regresso do exílio para a verdadeira pátria. Há nisto uma teoria, um sistema? Não. É o quadro que nos oferecem todos os dias as nossas comunicações de além-túmulo, cujos aspectos variam ao infinito e nas quais cada um pode colher um ensinamento útil, porque encontra exemplos que poderá aproveitar, se quiser dar-se ao trabalho de consultá-las. É um espelho onde pode mirar-se quem quer que não esteja enceguecido pelo orgulho.

Doutrina da reencarnação entre os Hindus
Geralmente se pensa que os Hindus só admitem a reencarnação como uma expiação e que, na sua opinião, só se dá em corpos de animais. Entretanto, as linhas que seguem, extraídas da viagem da Sra. Ida Pfeiffer, parecem provar que os Indianos têm a esse respeito ideias mais claras.

Diz a Sra. Pfeiffer:

“Geralmente as meninas ficam noivas com um ano de idade. Se o noivo morrer, a menina é considerada viúva, ficando impedida de casar-se. A viuvez é considerada como uma grande infelicidade. Pensam eles que é a situação das mulheres cuja
conduta não foi irrepreensível numa vida anterior”.

Apesar da importância que não se pode recusar a estas últimas palavras, deve-se reconhecer que entre a metempsicose dos Hindus e a doutrina admitida pela Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas há uma diferença capital. Citemos o que diz Zimmermann sobre a religião hindu, no “Diário de Viagem” (Taschenbuch der Reisen).

“A base dessa religião é a crença num ser primeiro e supremo, na imortalidade da alma e na recompensa à virtude. O verdadeiro e único Deus é chamado Brahm, que não deve ser confundido com Brahma, criado por ele. É a verdadeira luz, que é a mesma, eterna, bem-aventurada em todos os tempos e lugares. Da essência imortal de Brahm emanou a deusa Bhavani, isto é, a Natureza, e uma legião de 1.180 milhões de Espíritos. Entre esses Espíritos, há três semi-deuses ou gênios superiores: Brahma, Vishnu e Shiva, a trindade dos Hindus. Durante muito tempo a concórdia e a felicidade reinaram entre os Espíritos. Com o tempo, entretanto, eclodiu entre eles uma revolta e alguns se recusaram a obedecer. Os rebeldes foram precipitados do alto do céu no abismo das trevas. Deu-se, então, a metempsicose: cada planta, cada ser foi animado por um anjo decaído. Esta crença explica a bondade dos Hindus para com os animais. Consideram-nos como seus semelhantes e não querem matar nenhum.

“Somos levados a crer que somente com o tempo tudo quanto existe de bizarro nessa religião mal compreendida e falseada na boca do povo, desceu até a insensata charlatanice. Basta indicar os atributos de algumas de suas principais divindades para explicar o estado atual de sua religião. Eles admitem 333 milhões de divindades inferiores: são as deusas dos elementos, dos fenômenos da Natureza, das artes, das doenças, etc. Além disso, existem os bons e os maus gênios. O número dos bons ultrapassa o dos maus em três milhões.

“O que é extremamente notável”, acrescenta Zimmermann, “é que entre os Hindus não se encontra uma só imagem do Ser Supremo, que para eles é imensamente grande. Toda a Terra, dizem eles, é o seu templo, e o adoram sob todas as formas”.

Assim, conforme os Hindus, as almas tinham sido criadas felizes e perfeitas, e sua falência resultou de uma rebelião. Sua encarnação em corpos de animais é uma punição. Conforme a Doutrina Espírita, as almas foram e são ainda criadas simples e ignorantes, e é pelas reencarnações sucessivas que chegam, graças a seus esforços e à misericórdia divina, à perfeição, único meio de alcançar a felicidade eterna. A alma, que deve progredir, pode, no entanto, ficar estacionária durante um período mais ou menos longo, mas não retrograda. O que adquiriu em conhecimento e em moralidade, ela não perde. Se não progride, também não recua. Eis por que não pode voltar a animar os seres inferiores à Humanidade.

Assim, a metempsicose dos Hindus está fundada sobre o princípio da degradação das almas. A reencarnação, segundo os Espíritos, está fundada no princípio da progressão contínua. Segundo os Hindus, a alma começou pela perfeição para chegar à abjeção. A perfeição é o começo e a abjeção, o resultado.

Segundo os Espíritos, a ignorância é o começo; a perfeição é o objetivo e o resultado.

Seria supérfluo procurar demonstrar qual destas duas doutrinas é a mais racional, qual a que dá mais elevada ideia da bondade e da justiça de Deus. É, pois, por uma completa ignorância de seus princípios que algumas pessoas as confundem.



Palestras familiares de além-túmulo

Sra. Ida Pfeiffer Célebre viajante

O relato seguinte foi extraído da Segunda Viagem ao Redor do Mundo, da Sra.
Ida Pfeiffer, pág. 345:

“Já que vou falar de coisas muito estranhas, é preciso mencionar um acontecimento enigmático, passado em Java, há alguns anos, e que causou tal sensação que chegou a chamar a atenção do governo.

“Na residência de Chéribon havia uma casinha, na qual, segundo dizia o povo, apareciam Espíritos. Ao cair da noite, chovia pedras no quarto, vindas de todas as direções e por todos os lados cuspiam siri.* Tanto as pedras quanto as cusparadas caiam junto às pessoas que estavam no aposento, mas nem as atingiam, nem as feriam. Parece que tudo isso era dirigido particularmente contra uma criança. Tanto se falou desse caso inexplicável que o governador holandês encarregou um oficial superior de sua confiança de examiná-lo.

* Preparação que os javaneses mascam continuamente e que dá à boca e à saliva a cor do sangue. O nome de siris, do hindustani siris e do sânscrito sirisa, é dado a várias plantas do gênero Albizzia, especialmente à A. Iebbek e à A. Julibrissin. (Nota original, complementada pelo Tradutor).

O oficial determinou que se postassem em torno da casa homens sérios e fiéis, com ordem de vedar a entrada e a saída de quem quer que fosse. Examinou tudo, escrupulosamente e, tomando em seu colo a criança designada, sentou-se na sala fatal. Ao anoitecer começou, como de costume, a chuva de pedras e de siri. Tudo caía perto do oficial e do menino, sem atingi-los. Novamente examinaram cada recanto, cada buraco. Nada, porém, foi descoberto. O oficial não podia compreender.

Mandou juntar as pedras, marcá-las e escondê-las num recanto bem afastado. Foi tudo em vão. As mesmas pedras caíram novamente na sala, à mesma hora.

“Por fim, e para pôr termo a essa história inconcebível, o governador mandou demolir a casa”.

A pessoa que colheu este fato em 1853 era uma senhora realmente superior, menos por sua instrução e por seu talento do que pela incrível energia de seu caráter.

Além dessa ardente curiosidade e dessa coragem indômita, que a tornaram a mais admirável viajante que jamais existiu, a Sra. Pfeiffer nada tinha de excêntrico. Era uma senhora de uma piedade suave e esclarecida e que provou muitas vezes estar longe de ser supersticiosa. Tinha como lei só contar aquilo que ela mesma tivesse visto, ou captado em fonte insupeita. (Veja-se a Revue de Paris, de 1º de setembro de 1856 e o Dictionnaire des Contemporains, de Vapereau).

1. ─ Evocação da Sra. Pfeiffer.
─ Aqui estou.

2. ─ Estais surpresa pelo nosso chamado e por vos encontrardes entre nós?
─ Estou surpresa com a rapidez da minha viagem.

3. ─ Como fostes prevenida de que desejávamos falar-vos?
─ Fui trazida aqui sem o perceber.

4. ─ Entretanto deveríeis ter recebido um aviso qualquer.
─ Um arrastamento irresistível.

5. ─ Onde estáveis quando do nosso chamado?
─ Junto a um Espírito que tenho a missão de guiar.

6. ─ Tivestes consciência dos lugares que atravessáveis para vir até aqui, ou aqui vos encontrastes subitamente, sem transição?
─ Subitamente.

7. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sim. Não se pode ser mais feliz.

8. ─ De onde vinha o vosso pronunciado gosto pelas viagens?
─ Eu havia sido marinheiro numa vida precedente. O gosto adquirido pelas viagens naquela existência refletiu-se nesta, a despeito do sexo que eu havia escolhido para me subtrair a isso.

9. ─ As viagens contribuíram para o vossa progresso como Espírito?
─ Sim, porque eu as fiz com espírito de observação, que me faltou na existência anterior, em que não me ocupei senão do comércio e das coisas materiais. Eis porque supunha que pudesse progredir mais numa vida sedentária. Mas Deus, tão bom e tão sábio em seus desígnios para nós impenetráveis, permitiu que eu utilizasse as minhas inclinações em favor do progresso que eu solicitava.

10. ─ Das nações que visitastes, qual a que vos pareceu mais adiantada e qual preferis? Não dissestes em vida que colocáveis certas tribos da Oceania acima das mais civilizadas nações?
─ Era uma ideia errada. Hoje prefiro a França, porque compreendo sua missão e prevejo o seu destino.

11. ─ Que destino prevedes para a França?
─ Não vos posso dizer o seu destino, mas sua missão é de semear o progresso e as luzes e, portanto, o Verdadeiro Espiritismo.

12. ─ Em que vos pareciam os selvagens da Oceania mais adiantados que os americanos?
─ Eu via neles, abstraídos os vícios do estado selvagem, qualidades sérias e sólidas que não encontrava em outros lugares.

13. ─ Confirmais o fato passado em Java e relatado numa de vossas obras?
─ Confirmo-o em parte. O caso das pedras marcadas e novamente atiradas merece uma explicação. Eram pedras semelhantes, mas não as mesmas.

14. ─ A que atribuís esse fenômeno?
─ Não sabia a que atribuí-lo. Eu me perguntava se o diabo existiria de fato, e respondia para mim mesma que não. Não passei disso.

15. ─ Agora que percebeis a causa, poderíeis dizer-nos de onde vinham essas pedras? Eram transportadas ou fabricadas especialmente pelos Espíritos?
─ Eram transportadas. Para eles era mais fácil trazê-las do que aglomerá-las51.

16. ─ E de onde vinha aquele siri? Era feito por eles?
─ Sim. Era mais fácil e mesmo inevitável, pois que impossível lhes era encontrá-lo já preparado.

17. ─ Qual era o objetivo dessas manifestações?
─ Como agora, atrair a atenção e fazer constatar um fato do qual se tinha de falar e procurar a explicação.

OBSERVAÇÃO: Alguém observa que tal constatação não poderia conduzir a nenhum resultado sério entre aquela gente. Pode-se responder que há um resultado real, pois que, pelo relato e testemunho da Sra. Pfeiffer, o mesmo chegou ao conhecimento de povos civilizados, que o comentam e lhe tiram as conclusões. Aliás, os holandeses é que foram chamados a constatá-los.

18. ─ Haveria nesse caso um motivo especial, sobretudo quanto à criança atormentada por esses Espíritos?
─ A criança possui uma influência favorável, eis tudo, pois pessoalmente não sofreu sequer um arranhão.

19. ─ Desde que esses fenômenos eram produzidos por Espíritos, por que cessaram quando a casa foi demolida?
─ Cessaram porque foi julgado inútil continuar, mas não iríeis decerto perguntar se eles teriam podido continuar.

20. ─ Agradecemos a vossa vinda e a bondade de responder às nossas perguntas.
─ Estou inteiramente às vossas ordens.


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* Preparação que os javaneses mascam continuamente, e que dá à boca e à saliva a cor do sangue.


PRIVAT D’ANGLEMONT

(PRIMEIRA PALESTRA, 2 DE SETEMBRO DE 1859).



Na edição de 15 ou 16 de agosto de 1859 de Le Pays, lê-se o seguinte necrológio de Privat d’Anglemont, homem de letras, falecido no Hospital Dubois:

“Suas fantasias jamais fizeram mal a ninguém: só a última foi má e voltou-se contra ele próprio. Entrando na casa de saúde onde acaba de extinguir-se, mas onde se extinguiu feliz de uma felicidade nova, Privat d’Anglemont imaginou dizer que era anabatista e da doutrina de Swedenborg. Em vida teria dito muitas outras! Desta vez, porém, a morte pegou-lhe a palavra e não lhe deixou tempo de se desdizer. A suprema consolação da cruz foi afastada de sua cabeceira; seu cortejo encontrou uma igreja e passou ao largo; a cruz não veio recebê-lo à porta do cemitério, Quando o féretro desceu ao túmulo, Édouard Fournier pronunciou tocantes palavras sobre esse corpo, mas não ousou desejar-lhe senão o sono; e todos os seus amigos se afastaram, admirados de que não o tivessem saudado, um por um, com aquela água que se parece com as lágrimas e que purifica. Fazei pois uma subscrição e tentai, depois de tudo isso, edificar alguma coisa sobre uma sepultura sem esperança! Pobre Privat! Eu não o confio menos àquele que conhece todas as misérias de nossa alma e que pôs o perdão como lei na efusão de um coração afetuoso”.

Faremos uma observação sobre esta notícia. Não haverá algo de atroz no pensamento de uma sepultura sem esperança e que nem merece a honra de um monumento? E possível que a vida de Privat tivesse podido ser mais meritória. É fora de dúvida que ele teve os seus erros. Mas ninguém dirá que foi um mau, que, como tantos outros, fazia o mal por gosto e sob o manto da hipocrisia. Devemos crer, pelo fato de, nos seus últimos momentos sobre a Terra ter sido privado das preces que se fazem pelos crentes, preces que também os seus amigos pouco caridosos não lhe deram, que Deus o condene para sempre e não lhe deixe como suprema esperança senão o sono da eternidade? Por outras palavras, que, aos olhos de Deus, não passe de um animal, ele que foi um homem de inteligência, é certo que despreocupado dos bens e dos favores do mundo, vivendo ao-deus-dará, despreocupado com o amanhã, mas, em definitivo, um homem de pensamento, senão um gênio transcendente? Se assim for deve ser tremendo o número dos que mergulham no nada! Convenhamos que os Espíritos nos dão de Deus uma ideia muito mais sublime, no-lo apresentando sempre pronto a estender a mão em socorro daquele que reconhece os seus erros, ao qual sempre deixa uma âncora de salvação.


1.(Evocação).
Eis-me aqui. Meus amigos, que desejais de mim?


2.Tendes consciência clara de vossa situação atual?
Não; não completamente. Mas espero tê-la sem tardança, porque, felizmente para mim, Deus não me parece querer afastar dele, apesar da vida quase inútil que levei na Terra, e mais tarde terei uma posição bastante feliz no mundo dos Espíritos.


3.Tivestes o conhecimento imediato de vossa situação, no momento da morte?
Fiquei perturbado, como se compreende, mas não tanto quanto se poderia supor. É que eu sempre gostei do que era etéreo, poético, sonhador.

4.Podeis descrever o que então se passou convosco?
Nada se passou de extraordinário e diferente daquilo que já sabeis. Inútil, pois, falar ainda disto.

5.Vedes as coisas claramente como quando vivo?
Não; ainda não; mas eu as verei.

6.Que impressão vos causa a visão atual dos homens e das coisas?
Meu Deus! Aquilo mesmo que sempre pensei.


7.Em que vos ocupais?
Eu nada faço; sou errante. Procuro, não uma posição social, mas uma posição espírita: outro mundo, outra ocupação. E a lei natural das coisas.

8. Podeis transportar-vos para qualquer parte, à vontade?
- Não; serei muito feliz, meu mundo é restrito.


9.Necessitais de um tempo apreciável para vos transportar de um a outro lugar?
Bastante apreciável.


10.Quando vivo, vossa individualidade era comprovada por meio do corpo. Agora que não tendes corpo, como a comprovais?
E esta! E estranho! Eis uma coisa em que ainda não tinha pensado. E bem certo dizer que se aprende alguma coisa todos os dias. Obrigado, caro confrade.

11.Então! Já que chamamos a vossa atenção para este ponto, refleti e respondei-nos.
Eu vos disse que estou limitado quanto ao espaço. Mas ah! eu que sempre tive uma imaginação viva, também estou limitado quanto ao pensamento. Responderei mais tarde.

12.Quando vivo, qual a vossa opinião sobre o estado da alma depois da morte?
Eu a supunha imortal, isto é evidente. Entretanto, para minha vergonha, confesso que não acreditava ou, pelo menos, não tinha uma opinião segura sobre a reencarnação.


13.Qual era a causa do caráter original que vos distinguia?
Não havia uma causa direta; uns são profundos, sérios, filósofos, eu era alegre, vivo, original, E uma variedade de caráter. Eis tudo.

14.Não teríeis podido, pelo vosso talento, libertar-vos dessa vida boêmia, que vos deixava preso às necessidades materiais, pois creio que muitas vezes vos faltava o necessário?
Muito frequentemente. Mas, que quereis? Eu vivia como ordenava o meu caráter. Depois, jamais me soube dobrar às tolas convenções do mundo. Eu não sabia o que era ir mendigar proteção. “Arte pela arte”, eis o meu principio.

15.Qual a vossa esperança para o futuro?
Ainda não sei.

16.Lembrai-vos da existência anterior a esta?
Foi boa.


OBSERVAÇÃO: Alguém lembra que estas últimas palavras poderiam ser tomadas como uma exclamação irônica, o que estaria muito conforme o caráter de Privat. Ele respondeu espontaneamente:

Peço-vos mil desculpas; mas não estava gracejando. É verdade que para vós sou um Espírito pouco instrutivo. Mas, enfim, não quero brincar com as coisas sérias. Terminemos. Não desejo falar mais. Até à vista.



(SEGUNDA PALESTRA 9 DE SETEMBRO DE 1859)


1.Evocação.
Vamos, amigos! Quando acabareis de fazer-me perguntas, muito sensatas, é certo, mas que não posso responder?


2. E sem dúvida por modéstia que assim dizeis. Pois a inteligência que mostrastes em vida e a maneira por que respondestes provam que o vosso Espírito paira acima do vulgo.
Lisonjeiro!

3. Não. Não lisonjeamos: dizemos aquilo que pensamos. Aliás, sabemos que a lisonja não teria cabimento para com os Espíritos. Por ocasião de vossa última palestra deixastes-nos bruscamente. Podeis explicar o motivo?
A razão, em toda a sua simplicidade, é a seguinte: Fazeis perguntas tão fora de minhas ideias que eu me sentia embaraçado para responder. Compreendeis, pois, o natural movimento de orgulho que eu devia experimentar, ao ficar calado.

4.Tendes outros Espíritos ao vosso lado?
Vejo-os em quantidade: aqui, ali, por todos, todos os lados!


5.Refletistes sobre a pergunta que vos fizemos e que prometestes responder de outra feita? Eu a repito: Quando vivo, vossa individualidade era comprovada por meio do corpo. Agora, que não tendes corpo, como a comprovais? Numa palavra: como vos distinguis dos outros seres espirituais, que vedes em vosso redor?
Se posso exprimir aquilo que me toca, dir-vos-ei que ainda conservo uma espécie de essência, dada por minha individualidade, e que nenhuma dúvida me deixa de que eu sou eu mesmo, embora morto para a Terra. Ainda estou num mundo novo, muito novo para mim... (Depois de alguma hesitação:) Enfim, constato a minha individualidade por meti perispírito, que é a forma que eu tinha neste mundo.


OBSERVAÇÃO: Pensamos que esta última resposta lhe foi soprada por outro Espírito, porque sua precisão contrasta com o embaraço que parecia demonstrar no começo.


6.Assististes aos vossos funerais?
Sim. Assisti; mas nem mesmo sei por quê.


7.Que sensação ele vos causou?
Vi com prazer, com muita satisfação, que deixando a Terra, nela deixava muitos desgostos.


8.De onde vos veio a ideia de vos dizerdes anabatista e swedenborguiano? Tínheis estudado a doutrina de Swedenborg?
Entre outras, é uma das minhas excentricidades.


9.Que pensais do pequeno necrológio que vos dedicou Le Pays?
Vós me confundis, acreditai. Se publicais essas comunicações na Revista e isso causa prazer a quem as escreveu, que direi eu, para quem elas foram feitas? Que são frases bonitas, nada mais que frases bonitas.


10.Ides algumas vezes rever os lugares que frequentáveis em vida, e os amigos que deixastes?
Sim. Ouso dizer que ainda encontro alguma satisfação. Quanto aos amigos, tinha poucos sinceros; muitos me apertavam a mão sem ousar dizer que eu era. excêntrico, e por detrás me censuravam e me tratavam de louco.


11.Onde pretendeis ir ao deixar-nos? Isto não é uma pergunta indiscreta, mas para a nossa instrução.
Onde irei?... Vejamos!... Ah! uma excelente ideia!... Vou ter uma pequena alegria... uma vez só não cria hábito. Vou dar um passeio, visitar um quartinho que me deixou em vida lembranças muito agradáveis... Sim: é uma boa ideia. Passarei a noite à cabeceira de um pobre diabo, um escultor que não jantou hoje... e que pediu ao sono o alivio para a fome... Quem dorme janta ... Pobre rapaz! Fica tranquilo: irei levar-te sonhos magníficos.



12.Não se poderia saber a morada desse escultor e ir em seu auxílio?
E uma pergunta que poderia ser indiscreta, se eu não conhecesse o louvável sentimento que a dita... Não posso responder à pergunta.


13.Teríeis a bondade de fazer um ditado sobre um assunto de vossa escolha? Vosso talento de literato deve tornar fácil a tarefa.
Ainda não. Entretanto, pareceis tão afáveis, tão compassivos, que prometo escrever alguma coisa. Talvez agora eu fosse um pouco eloquente; mas temo que minhas comunicações sejam ainda muito terrenas; deixai que minha alma se depure um pouco; esperai que ela deixe esse invólucro grosseiro que ainda a prende, para então vos prometer uma comunicação. uma coisa vos peço: rogai a Deus, nosso soberano senhor, que me conceda perdão e o esquecimento de minha inutilidade na Terra: pois cada homem tem a sua missão aqui em baixo. Infeliz daquele que não a desempenha com fé e religião! Orai! orai! Até outra vez.



(TERCEIRA PALESTRA)


muito tempo estou aqui. Prometi dizer alguma coisa e direi.

Sabeis, amigos, que nada é mais embaraçoso do que falar assim, sem preâmbulo e atacar um assunto sério. Um cientista não prepara suas obras senão após longa reflexão, depois de haver amadurecido longamente aquilo que vai dizer, aquilo que deve empreender. Quanto a mim eu o lamento ainda não encontrei um assunto digno de vós, Não vos poderia dizer senão puerilidades. Por isso prefiro pedir-vos um adiamento de oito dias, como se perante um tribunal. Talvez, então, eu tenha encontrado algo que possa interessar-vos e instruir-vos.

Tendo o médium insistido mentalmente para que ele dissesse alguma coisa, acrescentou:

Mas, meu caro, eu te acho admirável! Não: eu prefiro ficar como ouvinte. Não sabeis, então, que há para mim tanta instrução quanto para vós, em ouvir o que aqui se discute? Não; repito: fico apenas como ouvinte: é para mim um papel muito mais instrutivo. A despeito de tua insistência, não quero responder. Crês que para mim seria muito mais agradável que se dissesse: Ah! esta noite foi evocado Privat d’Anglemont? E verdade? Que disse ele? Nada, absolutamente nada! Obrigado! Prefiro que conservem de mim uma boa impressão. A cada um as suas ideias.



COMUNICAÇÃO ESPONTÂNEA DE PRIVAT D’ANGLEMONT

(QUARTA PALESTRA, 30 DE SETEMBRO DE 1859)



Eis que enfim o Espiritismo faz um grande barulho por toda parte; e eis que os jornais dele se ocupam, de maneira indireta, é verdade, citando fatos extraordinários de aparições, de batidas, etc. Meus ex-confrades citam os fatos sem comentários, dando assim prova de inteligência, porque jamais a doutrina espírita deverá ser mal discutida ou tomada como coisa má. Eles ainda não admitiram, entretanto, a veracidade do papel do médium. Duvidam. Mas eu lhes refuto as objeções dizendo simplesmente que eles mesmos são médiuns. Todos os escritores, grandes e pequenos, o são mais ou menos. E o são no sentido de que os Espíritos que estão em seu redor atuam sobre o seu sistema mental e muitas vezes lhes inspiram pensamentos. Certamente jamais aceitariam que eu, Privat d’Anglemont, Espírito leviano por excelência, tivesse resolvido esta questão. Entretanto, digo apenas a verdade e, como prova, dou uma coisa muito simples: como é que depois de haverem escrito durante algum tempo, eles se acham superexcitados e num estado febril pouco comum? E o esforço da atenção, direis. Mas quando estais muito atentos numa coisa, como, por exemplo, na contemplação de uma quadro, também sentis febre? Não, isso não. E, pois, necessário que haja outra causa. Pois bem, eu repito: a causa está no excesso de comunicação existente entre o cérebro do escritor e os Espíritos que o rodeiam. Agora, meus caros confrades, chicoteai o Espiritismo, se vos parece bem; ridicularizai-o, ride, mas seguramente zombais de vós mesmos, estais dando para mais tarde vergastadas em vós mesmos... Compreendeis?

PRIVAT D’ANGLEMONT


O médium que servira de intérprete a Privat d’Aglemont na Sociedade teve a ideia de evocá-lo particularmente. Obteve então a palestra que segue. Parece que o Espírito sentiu por ele uma certa afeição, seja porque o achasse um instrumento fácil, seja porque simpatia entre ambos. O médium é um estreante na carreira literária, e os seus promissores ensaios anunciam disposições que,. certamente, Privat terá prazer de encorajar.

1.Evocação.
—Eis-me aqui. Já estou contigo há algum tempo. Eu esperava que me evocasses. Fui eu que, faz pouco tempo, te inspirei alguns bons pensamentos. Meu caro amigo, isto era para te consolar um pouco e fazer-te suportar com mais coragem as penas deste mundo. Pensais então que eu também não tenha sofrido, mais do que imaginais, vós todos que sorríeis de minhas excentricidades? E, debaixo dessa couraça de indiferença, que eu sempre afetava, quantos pesares e quantas dores não ocultei! Mas eu tinha uma qualidade muito preciosa para um homem de letras e para um artista: sempre, não importa em que ocasião, temperei meus sofrimentos com a alegria. Quando sofria muito, fazia pilhérias, trocadilhos, e pregava peças. Quantas vezes a fome, a sede e o frio não me bateram à porta! E quantas vezes não lhes respondi com uma longa e alegre gargalhada! Gargalhada fingida, dirás tu. Oh! Não, meu amigo, confesso-te que eu era sincero. Que queres? Eu sempre tive o mais despreocupado caráter que se possa ter. Jamais me preocupei com o futuro, com o passado e com o presente. Vivi sempre como um verdadeiro boêmio, ao léu da vida: gastando cinco francos quando os tinha, e mesmo que não os tivesse; e não era mais rico quatro dias depois de ter recebido o ordenado, do que o era na véspera.

Certamente não desejo a ninguém que leve esta vida inútil, -incoerente e irracional. As excentricidades não são mais de nosso tempo. As idéias novas, por isso mesmo, fizeram rápidos progressos. É uma vida de que absolutamente não me vanglorio, e da qual por vezes me envergonho. A juventude deve ser estudiosa: deve pelo trabalho fortalecer a inteligência, a fim de melhor conhecer e apreciar os homens e as coisas.

Desiludi-vos, moços, se pensais que ao sair do colégio sois homens feitos ou sois sábios. Tendes a chave para tudo saber. Cabe-vos agora trabalhar e estudar; deveis entrar mais resolutamente no vasto campo que se vos oferece, e cujos caminhos foram aplainados por vossos estudos no colégio. Sei que a juventude necessita de distrações: o contrário seria anti-natural; não obstante, não as deve ter em demasia. Porque aquele que na primavera da vida só pensou no prazer, prepara para mais tarde terríveis remorsos. É então que a experiência e as necessidades do inundo lhe ensinam que os momentos perdidos jamais se recuperam. Os moços precisam de leituras sérias. Muitas vezes os autores antigos são os melhores, porque seus bons pensamentos sugerem outros. Eles devem sobretudo evitar os romances, que apenas excitam a imaginação e deixam o coração vazio. Os romances não deveriam ser tolerados se não como distração, uma vez ou outra, e para algumas destas senhoras que não têm mais o que fazer. Instrui-vos, instruí-vos! Aperfeiçoai a inteligência que Deus vos deu. Só a este preço somos dignos de viver.


P.Tua linguagem me espanta, meu caro Privat. Tu te apresentaste com aparências muito espirituais, não há dúvida: mas não como um Espírito profundo e, agora...

R.Basta, moço: paremos. Eu apareci, ou antes, a todos vós me comuniquei como um Espírito pouco profundo, é bem verdade, Mas é que eu ainda não estava completamente desprendido do meu envoltório terreno, e a condição de Espírito ainda não se havia revelado em toda a sua realidade. Agora, amigo, sou um Espírito e nada mais que um Espírito. Vejo, sinto e experimento tudo como os outros, e minha vida na Terra apenas se me afigura um sonho. E que sonho! Já estou em parte habituado a este mundo novo, que por algum tempo será a minha morada.


P.Quanto tempo pensas ficar como Espírito e o que fazes na tua nova existência? Quais são as tuas ocupações?

R.Ainda está nas mãos de Deus o tempo que devo ficar como Espírito; durará suponho tanto quanto posso conceber até que Deus julgue minha alma bastante depurada para encarnar numa região superior. Quanto às minhas ocupações, são quase nulas. Ainda estou errante e isto é uma consequência da vida que levei na Terra. Assim é que aquilo que me parecia um prazer no vosso mundo é agora uma pena para mim. Sim, é verdade, eu desejaria ter uma ocupação séria, interessar-me por alguém que merecesse a minha simpatia, inspirar-lhe bons pensamentos. Mas, meu caro amigo, já palestramos bastante, e se me dás licença, vou retirar-me. Até logo. Se tiveres necessidade de mim, não receies chamar-me: virei com prazer. Coragem! Se feliz!

Dirkse Lammers

Presente à sessão, o Sr. Van B..., de Haya, relata o seguinte fato pessoal: Numa reunião espírita a que assistia em Haya, um Espírito manifesta-se espontaneamente, dizendo chamar-se Dirkse Lammers. Interrogado sobre as particularidades que lhe dizem respeito, e sobre o motivo de sua visita a pessoas que o não conhecem e que não o chamaram, assim conta ele a sua história:

“Eu vivia em 1592 e enforquei-me no lugar onde estais agora, num estábulo existente no mesmo lugar onde agora fica esta casa. As circunstâncias foram estas: Eu tinha um cão e minha vizinha tinha galinhas. Meu cachorro estrangulou as galinhas e para vingar-se a vizinha envenenou meu cachorro. Na minha cólera, espanquei e feri aquela mulher. Ela levou-me à justiça e eu fui condenado a três meses de prisão e a uma multa de vinte e cinco florins. Embora a condenação fosse leve, nem por isso fiquei com menos ódio do advogado X..., que a havia provocado, e por isso resolvi vingar-me dele. Em consequência, esperei-o num caminho pouco frequentado, que ele fazia todas as tardes para ir a Loosduinen, perto de Haya.

Estrangulei-o e o pendurei numa árvore. Para fazer com que se acreditasse num suicídio, pus em seu bolso um papel previamente preparado como se por ele escrito, no qual dizia que ninguém deveria ser acusado de sua morte, visto que ele próprio se suicidara. Desde então o remorso me perseguiu e três meses depois enforquei-me, como já disse, no lugar onde estais. Impulsionado por uma força a que não posso resistir, venho fazer a confissão de meu crime, na esperança de que isto possa trazer algum alívio à pena que suporto desde então”.

Esta descrição, feita com tão detalhadas minúcias, causou admiração à assembleia. Foram tomadas informações, e pelas pesquisas feitas no Fórum verificou-se, com efeito, que em 1592 um advogado chamado X... se havia enforcado no caminho de Loosduinen.

Evocado na sessão da Sociedade a 11 de novembro de 1859, manifestou-se o Espírito de Dirkse Lammers, de maneira violenta, quebrando os lápis. Sua letra era grande, nervosa, quase ilegível, e o médium experimentou extrema dificuldade em traçar os caracteres.

1. (Evocação).
─ Eis-me aqui. Para quê?

2. ─ Reconheceis aqui uma pessoa com a qual vos comunicastes ultimamente?
─ Dei suficientes provas de minha lucidez e de minha boa vontade. Isto devia bastar.

3. ─ Com que fim vos comunicastes espontaneamente em casa do senhor Van
B...?
─ Não sei. Fui enviado para lá. Por mim mesmo não tinha muita vontade de contar aquilo que fui forçado a dizer.

4. ─ Quem vos obrigou a fazê-lo?
─ A força que nos conduz. Nada mais sei a respeito. Fui arrastado, malgrado meu, e forçado a obedecer aos Espíritos que tinham o direito de se fazerem obedecidos.

5. ─ Estais contrariado de atender ao nosso apelo?
─ Bastante. Aqui não é meu lugar.

6. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Bela pergunta!

7. ─ Que podemos fazer para vos sermos agradáveis?
─ Será que podeis fazer alguma coisa que me seja agradável?

8. ─ Certamente. Manda a caridade que nos tornemos úteis sempre que pudermos, tanto aos Espíritos como aos homens. Desde que sois infeliz, pediremos para vós a misericórdia de Deus. Iremos orar por vós.
─ Afinal, depois de séculos, são estas as primeiras palavras dessa natureza que me são dirigidas. Obrigado! Obrigado! Por Deus, que esta não seja uma promessa vã, eu vos peço.

Michel François

O ferrador Michel François, que vivia no fim do século XVII, dirigiu-se ao intendente de Provence e lhe anunciou que um espectro lhe aparecera e ordenara que fosse revelar ao Rei Luís XIV certas coisas consideradas as mais importantes e as mais secretas.

Mandaram-no para a corte no mês de abril de 1697. Dizem uns que ele falou ao rei; outros, que o rei se recusou a vê-lo.

O que é certo, acrescenta-se, é que em lugar de o mandarem para a prisão, deram-lhe dinheiro para a viagem, isenção de talha e de outros impostos reais.

1. (Evocação).
─ Aqui estou.

2. ─ Como soube que lhe desejamos falar?
─ Como fazeis esta pergunta? Não sabeis que estais rodeados de Espíritos, que avisam àqueles com quem desejais falar?

3. ─ Onde estava quando nós o chamamos?
─ No espaço, pois ainda estou errante.

4. ─ Está surpreendido de encontrar-se entre pessoas vivas?
─ Absolutamente. Encontro-me muitas vezes entre pessoas vivas.

5. ─ Lembra-se da sua existência em 1697, ao tempo de Luís XIV, quando era ferrador?
─ Muito confusamente...

6. ─ Lembra-se da revelação que queria fazer ao rei?
─ Lembro-me que tinha uma revelação a fazer-lhe.

7. ─ E fez essa revelação?
─ Sim.

8. ─ Disse-lhe que um espectro lhe havia aparecido e ordenado que fosse revelar certas coisas ao rei. Quem era o espectro?
─ Era o seu irmão.

9. ─ Quer dizer o nome?
─ Não. Vós me compreendeis.

10. ─ Era ele o homem designado pelo apelido de Máscara de Ferro?
─ Sim.

11. ─ Agora que já estamos muito distanciados daqueles tempos, poderia dizernos qual era o objetivo daquela revelação?
─ Era exatamente de informá-lo da sua morte.

12. ─ Da morte de quem? Do irmão dele?
─ É claro.

13. ─ Que impressão causou ao rei a sua revelação?
─ Um misto de tristeza e de satisfação. Aliás, isto ficou provado pela maneira como que ele me tratou.

14. ─ Como o tratou ele?
─ Com bondade e afabilidade.

15. ─ Dizem que uma coisa semelhante aconteceu a Luís XVIII. Sabe se isto é verdade?
─ Creio que houve qualquer coisa parecida, mas não estou bem informado.

16. ─ Por que aquele Espírito o escolheu para tal missão, sendo você um homem obscuro, em vez de escolher um personagem da corte, que poderia acercarse do rei mais facilmente?
─ Eu fui encontrado em seu caminho, dotado da faculdade que ele queria encontrar e que era necessária, e ainda porque um personagem da corte não seria capaz de fazer com que aceitassem a revelação. Teriam pensado que tivesse sido
informado por outros meios.

17. ─ Qual era o fim dessa revelação desde que o rei estaria necessariamente informado da morte de seu irmão, antes de sabê-la por seu intermédio?
─ Era para fazê-lo refletir sobre a vida futura e sobre a sorte a que se expunha e realmente se expôs. Seu fim foi manchado por ações com as quais supunha garantir um futuro que aquela revelação poderia tornar melhor.


Comunicações espontâneas em sessões da sociedade

Amai-vos uns aos outros, eis toda a lei, lei divina, pela qual Deus cria incessantemente e governa os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.

Não vos esqueçais nunca de que o Espírito, seja qual for o seu grau de adiantamento e a sua situação, seja numa reencarnação, seja na erraticidade, está sempre colocado entre um superior que o guia e aperfeiçoa, e um inferior, perante o qual tem os mesmos deveres a cumprir.

Sede pois caridosos, não somente dessa caridade que vos leva a tirar do bolso o óbolo que dais friamente àquele que ousa vo-lo pedir, mas ide à procura das misérias ocultas.

Sede indulgentes para com os erros dos vossos semelhantes. Em lugar de desprezar a ignorância e o vício, instruí-os e moralizai-os. Sede mansos e benevolentes para com tudo o que vos é inferior. Sede-o, mesmo perante os mais ínfimos seres da criação, e tereis obedecido à lei de Deus.

VICENTE DE PAULO

OBSERVAÇÃO: Os Espíritos considerados pelos homens como santos, geralmente não se apresentam com essa qualidade. Assim, São Vicente de Paulo assina simplesmente Vicente de Paulo; São Luís assina Luís. Ao contrário, aqueles que usurpam nome e qualidades que lhes não pertencem, muito comumente exibem falsos títulos, sem dúvida pensando impor-se mais facilmente. Contudo, essa máscara não pode enganar a quem quer que se dê ao trabalho de lhes estudar a linguagem. A dos Espíritos realmente superiores tem um cunho que não permite enganar-nos.
(18 DE NOVEMBRO DE 1859. MÉDIUM, SR. R.)

A união faz a força. Sede unidos e sereis fortes. O Espiritismo germinou; lançou raízes profundas; vai estender sobre a Terra seus ramos benfazejos. Deveis tornar-vos invulneráveis às setas envenenadas da calúnia e da negra falange dos ignorantes, dos egoístas e dos hipócritas. Para chegar a isso, que as vossas relações sejam presididas por uma indulgência e uma benevolência recíprocas. Que os vossos defeitos passem despercebidos e que só as vossas qualidades sejam notadas. Que o facho da santa amizade reúna, esclareça e aqueça os vossos corações. Assim, resistireis aos ataques impotentes do mal, como o rochedo inabalável ante a vaga furiosa.

VICENTE DE PAULO
(23 DE SETEMBRO DE 1859. MÉDIUM, SR. R.).

Até o presente não encarastes a guerra senão do ponto de vista material: guerras intestinas, guerras de povos contra povos. Nela não vistes mais do que conquistas, escravidão, sangue, morte e ruínas. É tempo de considerá-la do ponto de vista moralizador e progressivo. A guerra semeia em sua passagem a morte e as ideias. As ideias germinam e crescem. Depois de se haver retemperado na vida espírita, vem o Espírito fazê-las frutificar. Não carregueis, pois, com as vossas maldições, o diplomata que preparou a luta, nem o capitão que conduziu seus soldados à vitória. Grandes lutas se preparam. Lutas do bem contra o mal, das trevas contra a luz, do Espírito de progresso contra a ignorância estacionária. Esperai com paciência, porque nem as vossas maldições, nem os vossos louvores poderão mudar a vontade de Deus. Ele saberá sempre manter ou afastar do teatro dos acontecimentos os seus instrumentos, conforme tenham eles cumprido a sua missão ou dela abusado, a fim de servir a seus pontos de vista pessoais, do poder que tiverem adquirido por seu sucesso. Tendes o exemplo do César moderno e o meu. Por várias existências miseráveis e obscuras eu tive que expiar as minhas faltas e, da última vez, vivi na Terra com o nome de Luís IX.

JÚLIO CÉSAR

O menino e o regato (Parábola)

Um dia um menino chegou junto a um regato tão rápido que tinha quase a impetuosidade de uma torrente. A água descia de uma colina vizinha e engrossava, à medida que avançava pela planície. Pôs-se o menino a examinar a torrente, depois juntou toda sorte de pedras que podia carregar nos braços pequeninos. Tinha a cega presunção de construir um dique.

Apesar de todos os seus esforços e da sua cólera infantil, não o conseguiu.

Refletindo então mais seriamente, se é que tal expressão se pode atribuir a uma criança, subiu mais alto, abandonou sua primeira tentativa e quis fazer seu dique perto da própria fonte do regato. Mas, ah! Seus esforços ainda foram impotentes.
Desanimou e lá se foi chorando.

Estava-se ainda na bela estação e o regato não era muito rápido, em comparação com o seu curso no inverno. Engrossou, e o menino viu o seu progresso: a água lançava-se roncando com maior furor, derrubando tudo em sua passagem, e o próprio menino infeliz teria sido arrastado, se tivesse ousado aproximar-se, como da primeira vez.

Oh! Homem fraco! Oh, criança! Tu que queres levantar uma barragem, um obstáculo intransponível à marcha da verdade, não és mais forte do que aquela criança e tua infantil vontade não é mais forte que os seus pequenos braços. Ainda mesmo que queiras atingi-la em seu nascedouro, a verdade, com certeza, arrastar-teá inevitavelmente.
Basílio
Os três cegos (Parábola)

Um homem rico e generoso, que é coisa rara, encontrou em seu caminho três infelizes cegos, exaustos de fome e de fadiga. Ofereceu a cada um uma moeda de ouro. O primeiro, cego de nascença, amargurado pela miséria, nem mesmo abriu a mão. Jamais tinha visto, dizia ele, oferecer-se ouro a um mendigo. Isto era impossível.

O segundo estendeu maquinalmente a mão, mas logo repeliu a oferta que lhe faziam. Como seu amigo, considerava aquilo uma ilusão ou uma brincadeira de mau gosto. Numa palavra, para ele a moeda era falsa.

Ao contrário, o terceiro, cheio de fé em Deus e de inteligência, em quem o fino tato havia parcialmente substituído o sentido que lhe faltava, tomou a moeda, apalpou-a, levantou-se e, abençoando o benfeitor, partiu para a cidade vizinha, a fim de adquirir o que faltava à sua existência.

Os homens são os cegos. O Espiritismo é o ouro. Julgai a árvore por seus frutos.
Luc

(30 DE SETEMBRO DE 1859. MÉDIUM SRTA. H...).

Pedi a Deus que me permitisse estar por um instante entre vós, para vos dar o conselho de jamais participar de disputas religiosas. Não direi guerras religiosas, pois os tempos estão agora muito adiantados para isso. Mas no tempo em que vivi isso era uma desgraça geral e eu não pude evitá-la. A fatalidade arrastou-me e eu empurrei os outros, eu que deveria tê-los retido. Assim, tive a minha punição, a princípio na Terra, e há três séculos expio cruelmente o meu crime.

Sede mansos e pacientes para com aqueles a quem ensinardes. Se a princípio não querem aceitar, que o façam mais tarde, quando virem a vossa abnegação e o vosso devotamento.

Meus amigos, meus irmãos, nunca seria demais para mim recomendar-vos, pois nada há de mais horrível do que o estraçalhar recíproco em nome de um Deus clemente; em nome de uma religião santa, que não prega senão a misericórdia, a bondade e a caridade! Em vez disso, a gente se mata, se massacra a fim de forçar as criaturas que se quer converter a um Deus bom, conforme se diz. Em vez de acreditar em vossa palavra, os que sobrevivem se apressam em vos deixar, em se afastarem, como se fôsseis animais ferozes. Sede bons, eu vo-lo repito, e sobretudo cheios de amenidade para com aqueles que não creem como vós.

CARLOS IX

1. ─ Quereis ter a complacência de responder a algumas perguntas que desejamos dirigir-vos?
─ Terei prazer.

2. ─ Como expiastes as vossas faltas?
─ Pelo remorso.

3. ─ Tivestes outras existências corpóreas, depois daquela que conhecemos?
─ Tive uma. Reencarnei-me como um escravo das duas Américas. Sofri muito. Isso me impulsionou na minha purificação.

4. ─ Que aconteceu à vossa mãe, Catarina de Médicis?
─ Ela sofreu também. Encontra-se num outro planeta, onde leva uma vida de devotamento.

5. ─ Poderíeis escrever a história do vosso reino, como o fizeram Luís IX, Luís XI e outros?
─ Eu poderia, da mesma forma que...

6. ─ Quereis fazê-lo através do médium que neste momento vos serve de intérprete?
─ Sim, este médium pode servir-me, mas não começarei esta noite, pois não vim para isso.

7. ─ Também não vos pedimos que comeceis hoje. Esperamos que possais fazê-lo nas vossas folgas e nas do médium, pois isto seria um trabalho de muito fôlego, que requer certo lapso de tempo. Podemos contar com a vossa promessa?
─ Fá-lo-ei. Até logo.

Comunicações externas, lidas na Sociedade

A bondade do Senhor é eterna. Ele não quer a morte de seus filhos queridos. Mas, ó homens! Pensai que depende de vós apressar o Reino de Deus na Terra, bem como afastá-lo; que sois responsáveis uns pelos outros; que, melhorando-vos, trabalhais pela regeneração da Humanidade. A tarefa é grande; a responsabilidade pesa sobre cada um e ninguém pode escusar-se. Abraçai com fervor a gloriosa tarefa que o Senhor vos impõe, mas pedi-lhe que envie trabalhadores para os seus campos, porque, como vos disse o Cristo, a seara é grande e os trabalhadores pouco numerosos.

Mas eis que somos enviados como trabalhadores dos vossos corações. Nele semeamos o bom grão. Tende cuidado de não abafá-lo. Regai-o com as lágrimas do arrependimento e da alegria. Do arrependimento, por terdes vivido tanto tempo numa terra amaldiçoada pelos pecados do gênero humano, afastados do único Deus verdadeiro, adorando os falsos prazeres do mundo, que não deixam no fundo da taça senão desgostos e tristezas. Da alegria porque o Senhor vos concedeu graça; porque ele quer apressar a vinda dos filhos bem amados ao seio paternal; porque ele quer que todos vós sejais revestidos da inocência dos anjos, como se jamais dele vos tivésseis afastado.

O único que vos mostrou o caminho pelo qual remontareis a esta glória primitiva; o único ao qual não podeis censurar, porque nunca se enganou em seu ensino; o único justo perante Deus; o único, enfim, que vós deveríeis seguir a fim de serdes agradáveis a Deus, é o Cristo. Sim, o Cristo, vosso divino mestre, que esquecestes e desprezastes durante séculos. Amai-o, porque ele pede incessantemente por vós. Ele quer vir em vosso socorro. Como? A incredulidade ainda resiste! As maravilhas do Cristo não podem abatê-la! As maravilhas de toda a Criação ficam impotentes diante desses Espíritos zombadores; sobre esta poeira que não pode prolongar de um só minuto a sua miserável existência! Esses sábios que pensam ser os únicos a possuir todos os segredos da Criação não sabem de onde vêm; não sabem para onde irão e no entanto tudo negam e tudo desafiam. Porque conhecem algumas das leis mais vulgares do mundo material, pensam que podem julgar o mundo imaterial, ou antes, dizem que nada existe de imaterial; que tudo deve obedecer a essas mesmas leis materiais que chegaram a descobrir.

Mas vós, cristãos! sabeis que não podeis negar a nossa intervenção sem que, ao mesmo tempo, negueis o Cristo; sem que negueis toda a Bíblia, pois não há uma única página em que não encontreis traços do mundo visível em relação com o mundo invisível. Então! Dizei! Sois ou não sois cristãos?

REMBRAND
(OUTRA, OBTIDA PELO SR. PÊC...)

Cada pessoa tem em si aquilo que chamais uma voz interior. É o que o Espírito chama consciência, juiz severo que preside a todas as ações da vossa vida. Quando o homem está só, escuta essa consciência e pesa as coisas em seu justo valor. Frequentemente se envergonha de si mesmo e, nesse momento, reconhece Deus, mas a ignorância, conselheiro fatal, o impele e lhe afivela a máscara do orgulho. Ele se vos apresenta pleno de sua vacuidade e procura enganar-vos pelo aprumo que toma. Mas o homem de coração reto não tem a cabeça emproada. Ouve com proveito as palavras do sábio. Sente que não é nada e que Deus é tudo. Procura instruir-se no livro da Natureza, escrito pela mão do Criador. Eleva o seu Espírito e expele de seu envoltório as paixões materiais, que muito frequentemente vos transviam. Uma paixão que vos arrasta é um guia perigoso. Lembra-te disto, amigo. Deixa rir o cético, pois o seu riso se extinguirá. Em sua hora derradeira o homem torna-se crente. Assim, pensa sempre em Deus, pois só Ele não engana. Lembra-te de que há apenas um caminho que a Ele conduz: a fé e o amor aos seus semelhantes.

UM MEMBRO DA FAMÍLIA

Um antigo carreteiro

O excelente médium Sr. V... é um moço que geralmente se distingue pela pureza de suas relações com o mundo espírita. Contudo, depois que se mudou para os aposentos que atualmente ocupa, um Espírito inferior se intromete em suas comunicações, interpondo-se até em seus trabalhos pessoais.

Encontrando-se, na noite de 6 de setembro de 1859, em casa do Sr. Allan Kardec, com quem devia trabalhar, foi entravado por aquele Espírito, que lhe fazia traçar coisas incoerentes ou impedia que escrevesse.

Então o Sr. Allan Kardec, dirigindo-se ao Espírito, manteve com ele a seguinte conversa:

1. ─ Por que vens aqui sem ser chamado?
─ Quero atormentá-lo.

2. ─ Quem és tu? Dize o teu nome.
─ Não o direi.

3. ─ Qual o teu objetivo, intrometendo-te naquilo que não te diz respeito? Isto não te traz nenhum proveito.
─ Não, mas eu o impeço de ter boas comunicações e sei que isto o magoa muito.

4. ─ És um mau Espírito, pois que te alegras em fazer o mal. Em nome de Deus eu te ordeno que te retires e nos deixes trabalhar tranquilamente.
─ Pensas que metes medo com essa voz grossa?

5. ─ Se não é de mim que tens medo, tê-lo-ás sem dúvida de Deus, em nome de quem te falo e que poderá fazer que te arrependas de tua maldade.
─ Não nos zanguemos, burguês.

6. ─ Repito que és um mau Espírito, e mais uma vez te peço que não nos impeças de trabalhar.
─ Eu sou o que sou, é a minha natureza.
Tendo sido chamado um Espírito superior, ao qual foi pedido que afastasse o intruso, a fim de não ser interrompido o trabalho, o mau Espírito provavelmente se foi, porque durante o resto da noite não houve mais nenhuma interrupção.

Interrogado sobre a natureza desse Espírito, respondeu o superior: Esse Espírito, que é da mais baixa classe, é um antigo carreteiro, falecido perto da casa onde mora o médium. Escolheu para domicílio o próprio quarto deste, e há muito tempo é ele que o obsidia e o atormenta incessantemente. Agora que ele sabe que o médium deve, por ordem de Espíritos superiores, mudar de residência, atormenta-o mais do que nunca. É ainda uma prova de que o médium não escreve o seu próprio pensamento. Vês assim que há boas coisas, mesmo nas mais desagradáveis aventuras da vida. Deus revela o seu poder por todos os meios possíveis.

─ Qual era em vida o caráter desse homem?

─ Tudo o que mais se aproxima do animal. Creio que seus cavalos tinham mais inteligência e mais sentimento do que ele.

─ Por que meio pode o Sr. V... desembaraçar-se dele?

─ Há dois: o meio espiritual, pedindo a Deus; o meio material, deixando a casa onde está.

─ Então há realmente lugares assombrados por certos Espíritos?

─ Sim, Espíritos que ainda estão sob a influência da matéria ligam-se a certos locais.

─ Os Espíritos que assombram certos lugares podem torná-los fatalmente funestos ou propícios às pessoas que os habitam?

─ Quem poderia impedi-los? Mortos, exercem influência como Espíritos; vivos, exercem-na como homens.

─ Alguém que não fosse médium, que jamais tivesse ouvido falar de Espíritos e que nem acreditasse neles poderia sofrer tal influência e ser vítima de vexames de tais Espíritos?

─ Indubitavelmente. Isto acontece mais frequentemente do que pensais, e explica muitas coisas.

─ Há fundamento na crença de que os Espíritos frequentam de preferência as ruínas e as casas abandonadas?

─ Superstição.

─ Então os Espíritos assombrarão uma casa nova da Rua de Rivoli, do mesmo modo que um velho pardieiro?

─ Por certo. Eles podem ser atraídos antes para um lugar do que para outro, pela disposição de espírito dos seus moradores.
Tendo sido evocado, na Sociedade, o Espírito do carreteiro acima mencionado, por intermédio do Sr. R..., ele manifestou-se por sinais de violência, quebrando os lápis, enfiando-os com força no papel, e por uma escrita grosseira, trêmula, irregular e pouco legível.

1. (Evocação).
─ Aqui estou.

2. ─ Reconheceis o poder de Deus sobre vós?
─ Sim; e daí?

3. ─ Por que escolhestes o quarto do Sr. V..., e não um outro?
─ Porque isto me agrada.

4. ─ Ficareis ali muito tempo?
─ Tanto quanto me sentir bem.

5. ─ Então não tendes a intenção de melhorar?
─ Veremos. Eu tenho tempo.

6. ─ Estais contrariado porque vos chamamos?
─ Sim.

7. ─ Que fazíeis quando vos chamamos?
─ Estava na taberna.

8. ─ Então bebíeis?
─ Que tolice! Como posso beber?

9. ─ Então o que quisestes dizer quando falastes da taberna?
─ Quis dizer o que disse.

10. ─ Quando vivo, maltratáveis os vossos cavalos?
─ Sois da polícia municipal?

11. ─ Quereis que oremos por vós?
─ E faríeis isto?

12. ─ Certamente. Nós oramos por todos aqueles que sofrem, porque temos piedade dos infelizes e sabemos que a misericórdia de Deus é grande.
─ Oh! Bem, sois boa gente mesmo. Eu gostaria de poder vos dar um aperto de mão. Procurarei merecê-lo. Obrigado.

OBSERVAÇÃO: Esta conversa confirma o que a experiência já provou muitas vezes, relativamente à influência que podem os homens exercer sobre os Espíritos, e por meio da qual contribuem para a sua melhora. Mostra a influência da prece.

Assim, essa natureza bruta e quase indomável e selvagem encontra-se como que subjugada pela ideia das vantagens que se lhe pode oferecer. Temos numerosos exemplos de criminosos que vieram espontaneamente comunicar-se com médiuns que haviam orado por eles, testemunhando-nos assim o seu arrependimento.

Às observações acima juntaremos as considerações que seguem, relativas à evocação de Espíritos inferiores.
Temos visto médiuns, justamente ciosos de conservar suas boas relações de além-túmulo, recusarem-se a servir de intérpretes dos Espíritos inferiores que podem ser chamados. É de sua parte uma suscetibilidade mal entendida. Pelo fato de evocarmos um Espírito vulgar, e mesmo mau, não ficaremos sob a dependência dele.

Longe disso, e ao contrário, nós é que o dominaremos. Não é ele que vem impor-se, contra a nossa vontade, como nas obsessões. Somos nós que nos impomos. Ele não ordena, obedece. Nós somos o seu juiz, e não a sua presa. Além disso, podemos serlhes úteis por nossos conselhos e por nossas preces e eles nos ficam reconhecidos pelo interesse que lhes demonstramos. Estender-lhe a mão em socorro é praticar uma boa ação. Recusá-la é falta de caridade; ainda mais, é orgulho e egoísmo. Esses seres inferiores, aliás, são para nós um grande ensinamento. Foi por seu intermédio que pudemos conhecer as camadas inferiores do mundo espírita e a sorte que aguarda aqueles que aqui fazem mau emprego de sua vida.

Notemos, além do mais, que é quase sempre tremendo que eles vêm às reuniões sérias, onde dominam os bons Espíritos.
Ficam envergonhados e se mantêm à distância, ouvindo a fim de instruir-se. Muitas vezes vêm com esse objetivo, sem terem sido chamados.

Por que, pois, recusaríamos ouvi-los, quando muitas vezes seu arrependimento e seu sofrimento constituem motivo de edificação ou, pelo menos, de instrução?

Nada há que temer dessas comunicações, desde que visem o bem. Que seria dos pobres feridos se os médicos se recusassem a tocar em suas chagas?

Boletim

Leitura da ata da sessão de 23 de setembro.

Apresentação do Sr. S..., negociante, Cavaleiro da Legião de Honra, como membro efetivo. Adiamento de sua admissão para a próxima sessão particular.

Comunicações diversas:

1º. Leitura de uma comunicação espontânea dada ao Sr. R... pelo Espírito do Dr. Olivier. Essa comunicação é notável sob dois pontos de vista: o melhoramento moral do Espírito que, cada vez mais, reconhece o erro de suas opiniões terrenas e agora compreende sua posição; em segundo lugar, o fato de sua próxima reencarnação, cujos efeitos começa a sentir por um princípio de perturbação, o que confirma a teoria que foi dada sobre a maneira pela qual se opera tal fenômeno, e a fase que precede a reencarnação propriamente dita. Essa perturbação, consequência do laço fluídico que começa a estabelecer-se entre o Espírito e o corpo que deve ser por ele animado, torna a comunicação mais difícil do que em seu estado de completa liberdade. O médium escreve com mais lentidão e sente a mão pesada. As ideias do

Espírito são menos lúcidas. Essa perturbação, que vai sempre aumentando, da concepção ao nascimento, é completada ao aproximar-se esse último momento, e não se dissipa senão gradualmente, algum tempo depois.
Será publicada com as outras comunicações do mesmo Espírito.

2º. História da manifestação física espontânea ocorrida ultimamente em Paris, numa casa do bairro de Saint Germain, e relatada pelo Sr. A... Um piano se fez ouvir durante vários dias seguidos, sem que ninguém o tocasse. Todas as precauções tinham sido tomadas para assegurar-se de que o fato não era devido a nenhuma causa acidental.

Interrogado a respeito, um sacerdote achou que devia ser uma alma penada reclamando assistência e com vontade de comunicar-se.

3º. Assassínio cometido por um menino de sete anos e meio, com premeditação e todas as circunstâncias agravantes. Relatado por vários jornais, prova o fato que nesse menino o instinto assassino inato não pode ter sido desenvolvido nem pela educação, nem pelo meio em que se encontra, não podendo assim explicar-se senão por um estado anterior à existência atual.

Interrogado a respeito, respondeu São Luís que o Espírito do menino está quase no início do período humano. Não tem mais que duas encarnações na Terra. Antes de sua existência atual pertencia às tribos mais atrasadas das ilhas marítimas. Quis nascer num mundo mais adiantado, na esperança de progresso.

Ao questionamento para saber se a educação poderia modificar essa natureza, respondeu São Luís: “É difícil, mas possível. Seria preciso tomar grandes precauções; cercá-lo de boas influências; desenvolver a sua razão, mas temo que se faça exatamente o contrário”.

4º. Leitura de um trabalho em versos, escrito por uma jovem que começa a trabalhar como médium mecânica. Reconheceu-se que os versos não eram inéditos e eram da autoria de poeta falecido há alguns anos. O estado de instrução da médium, que escreveu um grande número de poesias desse gênero, não permite supor seja realmente um produto de sua memória. Daí deve-se concluir que o Espírito que se manifestou trouxe, ele mesmo, essas produções já feitas e que são estranhas à médium.

Vários fatos análogos provam que isto é possível, entre outros o de um médium da Sociedade ao qual um Espírito ditou uma passagem escrita pelo Sr. Allan Kardec e que ele não tinha ainda mostrado a ninguém.

Estudos:

1º. Evocação do negro que serviu de alimento aos seus companheiros no naufrágio do navio Le Constant.

2º. Perguntas diversas e problemas morais dirigidos a São Luís sobre o fato precedente. A respeito estabeleceu-se uma discussão entre vários membros da Sociedade.

3º. Três comunicações espontâneas foram obtidas simultaneamente, através de três médiuns diferentes: a primeira, pelo Sr. R..., assinada São Vicente de Paulo; a segunda, pelo Sr. Ch..., assinada Privat d’Anglemont; a terceira, pela Srta. H..., assinada Carlos IX.

4º. Perguntas diversas dirigidas a Carlos IX. Ele promete escrever a história de seu reinado, a exemplo de Luís XI.
(Essas diversas comunicações são publicadas).

SEXTA-FEIRA, 7 DE OUTUBRO DE 1859
(SESSÃO PARTICULAR)

Leitura da ata dos trabalhos da sessão de 30 de setembro. Apresentações e admissões:

Srta. S... e Sr. Conde de R..., oficial de marinha, apresentados como candidatos ao título de membros efetivos.

Admissão dos cinco candidatos apresentados na sessão de 23 de setembro e da Srta. S...

O senhor presidente observou, a respeito dos novos membros apresentados, que para a Sociedade é muito importante assegurar-se das suas disposições. Não basta, diz ele, que sejam partidários do Espiritismo em geral. É necessário que concordem com a sua maneira de ver. A homogeneidade de princípios é condição sem a qual uma sociedade qualquer não poderia ter vitalidade. É, pois, necessário conhecer a opinião dos candidatos, a fim de não permitir que sejam introduzidos elementos de discussões ociosas, que acarretariam perda de tempo e poderiam degenerar em
dissensões.

A Sociedade não visa de modo algum ao aumento indefinido de seus membros. Antes de mais nada, objetiva ela prosseguir seus trabalhos com calma e recolhimento. Por isso deve evitar tudo o que possa perturbá-la.

Sendo seu objetivo o estudo da Ciência, é evidente que cada um é perfeitamente livre para discutir os pontos controvertidos e emitir sua opinião pessoal. Outra coisa, porém, é dar conselho ou chegar com ideias sistemáticas e preconcebidas, em oposição às bases fundamentais.

Nós nos reunimos para o estudo e a observação e não para transformar nossas sessões numa arena de controvérsias. Aliás, em relação a esses pontos devemos reportar-nos aos conselhos que nos foram dados, em múltiplas circunstâncias pelos Espíritos que nos assistem e que incessantemente nos recomendam a união como condição essencial para atingir o objetivo a que nos propomos e obter o seu concurso. “A união faz a força, dizem-nos eles. Sede pois unidos se quiserdes ser fortes. Do contrário arriscai-vos a atrair os Espíritos levianos, que vos enganarão.” É por isso que nunca seria demasiada a atenção dispensada aos elementos que introduzimos em nosso meio.

Designação de três novos comissários para as três próximas sessões gerais. Comunicações diversas:

1º. O Sr. Tug transmite uma nota sobre um fato curioso de manifestação física contado pela Sra. Ida Pfeiffer no relato de sua viagem a Java.

2º. O Sr. Pêch... relata um caso pessoal de comunicação espontânea com o Espírito de uma mulher que em vida era lavadeira e tinha o pior caráter. Como Espírito, seus sentimentos não mudaram e ela continua a mostrar uma maldade verdadeiramente cínica. Entretanto, os sábios conselhos do médium parece que exercem sobre ela uma influência benéfica, pois suas ideias modificam-se sensivelmente.

3º. O Sr. R... apresenta uma folha na qual obteve a escrita direta, produzida à noite, em sua casa, espontaneamente, depois de em vão tê-la solicitado durante o dia.

Aliás, a folha contém apenas duas palavras: Deus, Fénelon. Estudos:

1º. Evocação da Sra. Ida Pfeiffer, célebre viajante.

2º. Os três cegos, parábola de São Lucas, dada em comunicação espontânea.

3º. O Sr. L. G... escreve de São Petersburgo dizendo que é médium intuitivo e pede à Sociedade o obséquio de obter de um Espírito superior alguns conselhos a seu respeito, a fim de esclarecê-lo sobre a natureza e extensão de sua faculdade, para que possa guiar-se de acordo com os mesmos. Um Espírito dá espontaneamente, e sem perguntas prévias, os conselhos que deverão ser transmitidos ao Sr. G...

O senhor presidente avisa que, a pedido de vários membros que moram muito longe, as sessões começarão de ora em diante às oito horas, a fim de que sejam terminadas mais cedo.

Leitura da ata dos trabalhos da sessão de 7 de outubro.

Apresentações:

O Sr. A..., livreiro, e o Sr. de la R..., proprietário, são apresentados como membros efetivos. Adiamento da admissão para a próxima sessão particular.

O Sr. J..., fiscal de rendas no departamento do Alto Reno é apresentado e admitido como membro correspondente.

Comunicações diversas:

1º. O Sr. Col... divulga um extrato da obra intitulada “Ciel et Terre”, do Sr. Jean Raynaud, onde o autor emite ideias inteiramente de acordo com a doutrina espírita e com o que ultimamente disse o Espírito sobre o futuro papel da França.

2º. O conde de R... informa de uma comunicação espontânea de Savonarola, monge dominicano, obtida numa sessão particular. Essa comunicação é notável porque esse personagem, embora desconhecido dos assistentes, indicou com precisão a data de sua morte, ocorrida em 1498, a sua idade e os seus suplícios.

Admite-se que poderia ser instrutiva a evocação desse Espírito.

3º. Explicação dada por um Espírito sobre o papel dos médiuns, ao Sr. P..., antigo reitor da Academia e também médium. Para comunicar-se entre si, os Espíritos não necessitam da palavra. Basta-lhes o pensamento. Quando querem comunicar-se com os homens, devem traduzir seu pensamento em signos humanos, isto é, em palavras. Tiram essas palavras do vocabulário do médium de que se servem, de certo modo como de um dicionário. Por isso é mais fácil ao Espírito exprimir-se na língua familiar do médium, mesmo podendo fazê-lo numa língua que o médium não conheça. Mas então o trabalho seria mais difícil, por isso o evita, quando não é necessário.

O Sr. P... acha nessa teoria a explicação de vários fatos que lhe são pessoais e relativos a comunicações que lhe foram dadas por diversos Espíritos em latim e em grego.

4º. Fato relatado pelo mesmo, de um Espírito que assiste ao enterro de seu próprio corpo e que, não se julgando morto, não pensava que o enterro lhe dissesse respeito. Dizia ele: Não fui eu que morri. Depois, quando viu os parentes, acrescentou: Começo a pensar que talvez você tenha razão, e que é bem possível que eu não seja mais deste mundo, mas isto me é indiferente.

5º. O Sr. S... relata um fato notável de advertência de além-túmulo, referido pelo La Patrie de 16 de dezembro de 1858.

6º. Carta do Sr. Bl... de La... que, levando em consideração o que leu na Revista sobre o fenômeno do desprendimento da alma durante o sono, pergunta se a Sociedade teria a bondade de evocá-lo um dia, juntamente com sua filha, que perdeu há dois anos, a fim de, como Espírito, ter com ela uma conversa que ainda não conseguiu como médium.

Estudos:

1º. Evocação de Savonarola, proposta pelo conde de R...

2º. Evocação simultânea por dois médiuns diferentes, do Sr. Bl... de La... (vivo) e de sua filha falecida há dois anos. Conversa do pai com a filha.

3º. Duas comunicações espontâneas são obtidas simultaneamente, a primeira de São Luís, pelo Sr. L... e a segunda da Srta. Clary, por seu irmão.

SEXTA-FEIRA. 21 DE OUTUBRO DE 1859
(SESSÃO PARTICULAR)

Leitura da ata dos trabalhos da sessão de 14 de outubro.

Apresentações e admissões:

O Sr. Lem..., negociante, e o Sr. Pâq..., doutor em direito, foram apresentados como membros efetivos. A Srta. H... foi apresentada como membro honorário, à vista do concurso dado à Sociedade como médium, e que promete dar ainda para o futuro.

Admissão dos dois candidatos apresentados na sessão de 14 de outubro e da Srta. H...

O Sr. S... propõe que no futuro as pessoas que desejarem fazer parte da Sociedade o solicitem por escrito e que lhes seja enviado um exemplar do regulamento.

Leitura de uma carta do Sr. Th..., que faz proposição análoga, motivada pela necessidade de se admitirem na Sociedade apenas pessoas já iniciadas no objetivo de seus trabalhos e que professem os mesmos princípios. Ele pensa que um pedido feito por escrito e com assinatura de dois apresentantes é uma garantia maior das intenções sérias do candidato do que um simples pedido verbal.

Esta proposição foi adotada por unanimidade, nos seguintes termos:

Toda pessoa que deseje fazer parte da Sociedade Parisiense de Estudos

Espíritas deverá fazer o pedido por escrito ao Presidente. Esse pedido deverá ser assinado por dois apresentantes e relatar: lº. ─ que o postulante tomou conhecimento do regulamento e se compromete a observá-lo; 2º. ─ as obras lidas sobre Espiritismo e sua adesão aos princípios da Sociedade, que são os do Livro dos Espíritos.

O senhor Presidente assinala a conduta pouco conveniente de dois assistentes admitidos na última sessão geral, os quais perturbaram a tranquilidade dos vizinhos, por sua conversação e por palavras fora de propósito. A respeito, lembra os artigos do regulamento, relativos aos ouvintes, e novamente concita os senhores membros da Sociedade a uma excessiva reserva na escolha das pessoas às quais dão cartões de ingresso e, sobretudo, que se abstenham de modo absoluto de dar tais cartões a todo aquele que seja atraído por simples curiosidade e também aos que, não tendo nenhuma noção prévia do Espiritismo, sejam por isso mesmo impossibilitados de compreender aquilo que se faz na Sociedade. As sessões da Sociedade não são um espetáculo. Devem ser assistidas com recolhimento. Aqueles que só buscam distrações não devem vir procurá-las numa reunião séria.

O Sr. Th... propõe a nomeação de uma comissão de dois membros, encarregada de examinar a questão das entradas concedidas às pessoas estranhas e propor as medidas necessárias a fim de evitar a repetição de abusos. Foram designados os Srs.

Th... e Col... para composição dessa comissão.

Estudos:

1º. Problemas morais e perguntas diversas dirigidas a São Luís.

2º. O Sr. R... propõe a evocação de seu pai, por considerações de utilidade geral e não particulares, presumindo que disto possam advir ensinamentos. Interrogado sobre a possibilidade dessa evocação, responde São Luís: Vós podereis fazê-lo perfeitamente. Entretanto eu observaria, meus amigos, que essa evocação requer uma grande tranquilidade de espírito. Esta noite discutistes longamente negócios administrativos. Julgo que seria bom adiá-la para outra sessão, visto que pode ser muito instrutiva.

3º. O Sr. Leid... propõe a evocação de um de seus amigos que foi padre. Interrogado, responde São Luís: “Não, porque, para começar, o tempo é escasso. Em segundo lugar, como Presidente espiritual da Sociedade, eu não vejo nisso nenhum motivo de instrução. Seria preferível fazer essa evocação na intimidade”.

O Sr. S... pede que se mencione na ata o título de Presidente espiritual, que São Luís aceitou de bom grado.

SEXTA-FEIRA, 28 DE OUTUBRO DE 1859 (SESSÃO GERAL)

Leitura da ata dos trabalhos da sessão de 21 de outubro. Apresentação de cinco novos candidatos, como membros efetivos, a saber: Sr. N..., negociante, de Paris; Sra. Émilie N..., esposa do precedente; Sra. G..., viúva, de Paris; Srta. de P..., de Estocolmo; Srta. L..., de Estocolmo. Leitura dos artigos do regimento relativos aos ouvintes e de uma notícia para instrução das pessoas estranhas à Sociedade, a fim de que as mesmas não se equivoquem quanto ao objetivo dos trabalhos.
Comunicações:

1º. Leitura de um artigo do Sr. Oscar Comettant sobre o mundo dos Espíritos, publicado no Le Siècle de 27 de outubro. Refutação de certas passagens desse artigo.

2º. Leitura de um artigo de um novo jornal intitulado Girouette, publicado em Saint Etienne. O artigo é escrito de forma benevolente para com o Espiritismo.

3º. Oferta de quatro poemas do Sr. de Porry, de Marselha, autor de Uranie, dosquais foram lidos alguns fragmentos. São eles: La Captive Chrétienne, Les Bohémiens, Poltawa e Le Prisonnier du Caucase. Serão enviados agradecimentos ao Sr. de Porry. As obras serão depositadas na biblioteca da Sociedade.

4º. Leitura de uma carta do Sr. Det..., membro efetivo, contendo diversas observações sobre o papel dos médiuns, a propósito da teoria exposta na sessão de 14 de outubro, e segundo a qual o Espírito retiraria suas palavras do vocabulário do médium. Ele combate tal teoria, pelo menos do ponto de vista absoluto, por fatos que a contradizem. Solicita que a questão seja examinada cuidadosamente. Ela será incluída na ordem do dia.

5º. Leitura de um artigo da Revue Française do mês de abril de 1858, pág. 416, onde é relatada uma conversa de Béranger, da qual resulta que em vida suas opiniões eram favoráveis às ideias espíritas.

6º. O Sr. Presidente transmite à Sociedade a despedida da Sra. Br..., membro titular que partiu para Havana.

Estudos:

1º. Proposta a evocação da Sra. Br..., que partiu para Havana, e que no momento se encontra no mar, a fim de obter as suas próprias notícias. Interrogado a respeito, responde São Luís: Seu Espírito está muito preocupado esta noite porque o vento sopra com violência (era na ocasião de grandes tempestades noticiadas pelos jornais) e o instinto de conservação toma-lhe todo o pensamento. No momento o perigo não é grande, mas não poderá tornar-se grande?

Só Deus o sabe.

2º. Evocação do pai do Sr. de R..., proposta na sessão de 21 de outubro. Resultaria dessa evocação que o cavaleiro de R..., seu tio, do qual não há notícias há cinquenta anos, não estaria morto. Habitaria uma ilha da Oceania Meridional, onde estaria identificado com os costumes de seus habitantes e de onde não teve possibilidade de dar notícias. Será publicada.

3º. Evocação do rei de Kanala, Nova Caledônia, falecido a 24 de maio de 1858. Essa evocação revela que é um Espírito de relativa superioridade, apresentando a característica notável de uma grande dificuldade de escrever, apesar da aptidão do médium. Anuncia que com o hábito escreverá mais facilmente, o que é confirmado
por São Luís.

4º. Evocação de Mercure Jean, aventureiro, que apareceu em Lyon em 1478 e foi apresentado a Luís XI. Ele fornece esclarecimentos sobre as faculdades sobrenaturais de que o supunham dotado e dá indicações curiosas sobre o mundo que atualmente habita. Será publicada.

SEXTA-FEIRA, 4 DE NOVEMBRO DE 1859 (SESSÃO PARTICULAR)

Leitura da ata dos trabalhos da sessão de 28 de outubro.

Admissão de sete candidatos apresentados nas duas sessões precedentes. Projeto apresentado pela comissão encarregada de estudar as medidas a serem tomadas para admissão de ouvintes.

Depois de uma discussão em que participam vários membros, é resolvido que a proposição seja adiada e que provisoriamente se obedeça às disposições do regulamento. Os senhores membros são convidados a uma rigorosa obediência aos dispositivos que regulam a admissão de ouvintes e a abster-se de modo absoluto de dar cartas de ingresso a quem quer que tenha em vista apenas a curiosidade e não possua nenhuma noção prévia da Ciência Espírita.

A Sociedade adota, então, as duas seguintes medidas:

1º. Os assistentes não serão admitidos às sessões depois das oito horas e um quarto. Os cartões de ingresso mencionarão isso.

2º. Anualmente, no início do ano social, os membros honorários serão submetidos a novo voto de admissão, a fim de serem eliminados os que não mais estiverem nas condições requeridas, e que a Sociedade decida que não deve manter. O senhor administrador tesoureiro da Sociedade apresenta o balanço semestral de primeiro de abril a primeiro de outubro, assim como os comprovantes das despesas. Observa-se, pelo balanço, que a Sociedade tem um saldo suficiente para fazer face às suas necessidades. A Sociedade aprova as contas do tesoureiro e emite seu parecer favorável.

Comunicações diversas:

Carta do Sr. Bl... de La... em resposta à remessa da evocação de sua filha e da sua própria. Ele constata um fato, que confirma uma das circunstâncias da evocação.

Carta do Sr. Dumas, de Sétif, na Argélia, membro efetivo, remetendo à Sociedade um certo número de comunicações por ele obtidas.

Estudos:

1º. O Sr. P... e o Sr. de R... chamam a atenção para uma nova versão do naufrágio do navio Le Constant, publicada no Le Siècle. Vê-se por aí que o negro morto para ser comido não se teria oferecido voluntariamente, como consta do primeiro relato. Assim, haveria uma contradição com as palavras do Espírito do negro. O Sr. Col... não vê contradição, pois o mérito atribuído ao negro foi constatado por São Luís, e o negro nem mesmo disto se prevaleceu.

2º. Exame de uma pergunta proposta pelo Sr. Les... sobre o espanto dos Espíritos depois da morte. Pensa ele que o Espírito, já tendo vivido na condição de Espírito, não deveria espantar-se. É-lhe respondido que esse espanto é apenas temporário; que depende do estado de perturbação que se segue à morte e que cessa à medida que o Espírito se desprende da matéria e recupera suas faculdades de Espírito.

3º. Pergunta sobre os sonâmbulos lúcidos, que confundem os Espíritos com os seres corporais. O fato é confirmado e explicado por São Luís.

4º. Evocação de Urbain Grandier. Como as respostas são muito lacônicas, por causa da falta de hábito do médium, o Espírito disse que seria mais explícito através de outro intérprete. Por isso a evocação foi transferida para outra sessão.

SEXTA-FEIRA, 11 DE NOVEMBRO DE 1859 (SESSÃO GERAL)56

Leitura da ata.

Apresentação do Sr. Pierre D..., escultor em Paris, como membro efetivo. Comunicações diversas:

1º. Carta do Sr. de T..., contendo fatos muito interessantes de manifestações visuais e verbais que confirmam o estado de certos Espíritos que duvidam de sua morte. Um dos casos referidos oferece a particularidade de que o Espírito em questão ainda permanecia nessa ilusão mais de três meses após a morte. Essa descrição será publicada.

2º. Fatos de notável precisão referidos pelo Sr. Van Br..., de Haya, e de caráter pessoal. Jamais tinha ele ouvido falar dos Espíritos e de sua comunicação quando, por acaso e inopinadamente, foi conduzido a uma sessão espírita em Dordrecht. As comunicações obtidas em sua presença o surpreenderam tanto mais quanto ele era estranho àquela cidade e desconhecido dos membros da reunião.

Disseram-lhe sobre a sua pessoa, sua posição e sua família uma porção de particularidades de que só ele tinha conhecimento.

Tendo evocado sua mãe e lhe perguntado, como prova de identidade, se ela havia tido vários filhos, ela respondeu: “Não sabes, meu filho, que eu tive onze filhos?” E o Espírito designou todos por seus prenomes e pelas datas de nascimento.

Desde então esse senhor é um adepto fervoroso, e sua filha, uma jovem de quatorze anos, tornou-se uma boa médium, mas sua mediunidade apresenta particularidades bizarras. A maior parte do tempo escreve às avessas, de modo que para ler-se o que recebe é preciso pôr as folhas diante de um espelho. Muitas vezes, também, a mesa de que se serve para escrever inclina-se diante dela como uma carteira e fica nessa posição equilibrada e sem calços até que ela acabe de escrever. O Sr. Van Br... relata outro fato notável de precisão por um Espírito que com ele se comunica espontaneamente, com o nome Dirkse Lammers e que se enforcou no próprio local onde dava sua comunicação, em circunstâncias cuja exatidão foi verificada.

Esse relato será publicado, bem como a evocação dele decorrente.

Estudos:

1º. Exame da pergunta feita pelo Sr. Det.... sobre a fonte em que os Espíritos buscam seu vocabulário.

2º. Pergunta sobre a obsessão de certos médiuns.

3º. Evocação de Michel François, o ferreiro que fez uma revelação a Luís XIV.

4º. Evocação de Dirkse Lammers, cuja história foi contada anteriormente.

5º. Três comunicações espontâneas foram obtidas simultaneamente. A primeira 56 No original lê-se 11 de novembro de 1854, visível engano tipográfico. Nesse ano não existia ainda a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. (N. do T.) pelo Sr. R..., assinada por Lamennais; a segunda pelo Sr. D... fils: o Menino e o Regato, parábola assinada por São Basílio; a terceira pela Srta. L. J..., assinada por Orígenes.

6º. A Srta. J..., médium desenhista, traça espontaneamente um admirável conjunto de figuras, assinado pelo Espírito de Lebrun. Todas as perguntas e comunicações acima serão publicadas.

SEXTA-FEIRA, 18 DE NOVEMBRO DE 1859 (SESSÃO PARTICULAR)

Leitura da ata.

Admissão do Sr. Pierre D..., apresentado na última sessão. Comunicações diversas:

1º. Leitura de uma comunicação espontânea obtida pelo Sr. P..., membro da Sociedade, ditada pelo Espírito de sua filha.

2º. Detalhes sobre a Srta. Désiré Godu, residente em Hennebont, Morbihan, dotada de notável faculdade mediadora. Ela passou por todas as fases da mediunidade. A princípio teve as mais extraordinárias manifestações físicas; depois tornou-se sucessivamente médium auditiva, falante, vidente e escrevente. Hoje todas as suas faculdades estão concentradas na cura dos doentes, que trata a conselho dos Espíritos. Opera curas que noutros tempos seriam consideradas miraculosas.

Os Espíritos anunciam que sua faculdade se desenvolverá ainda mais. Ela começa a ver as doenças internas, por efeito da segunda vista, sem estar em sonambulismo.

Sobre esse assunto admirável, daremos notícias oportunamente. Estudos:

1º. Pergunta sobre a faculdade da Srta. Désiré Godu.

2º. Evocação de Lamettrie.

3º. Quatro comunicações espontâneas obtidas simultaneamente, a primeira pelo Sr. R..., assinada por São Vicente de Paulo; a segunda pelo Sr. Col..., assinada por Platão; a terceira pelo Sr. D... filho, assinada por Lamennais; a quarta pela Srta. H... assinada Margarida, chamada a rainha Margot.

25 DE NOVEMBRO DE 1859

(SESSÃO GERAL)

Leitura da ata.

Comunicações diversas:

O Sr. Dr. Morhéry dá de presente à Sociedade uma brochura intitulada Système pratique d’organisation agricole. Conquanto essa obra seja sobre assunto estranho aos trabalhos da Sociedade, será levada para a biblioteca e serão mandados agradecimentos ao autor.

Carta do Sr. T..., completando informações sobre visões e aparições por ele relatadas na sessão de 11 de novembro.

Carta do Sr. Conde de R..., membro titular, ausente devido a uma indisposição, e que se põe à disposição da Sociedade para que esta faça com ele todas as experiências que julgar convenientes, com referência à evocação de pessoas vivas.

Estudos:

1º. Evocação de Jardin, falecido em Nevers, que havia conservado os restos de sua esposa num genuflexório. Será publicada.
3º. Evocação do Sr. Conde de R... Essa evocação, de uma importância notável pela extensão dos desenvolvimentos dados, com uma perfeita precisão e grande clareza de ideias, lança uma grande luz sobre o estado do Espírito separado do corpo, e resolve numerosos problemas psicológicos. Será publicada na Revista de janeiro de 1860.

4º. Quatro comunicações espontâneas foram obtidas simultaneamente, a saber: A primeira de uma alma sofredora, pela Sra. B...; a segunda do Espírito de Verdade, pelo Sr. R...; a terceira de Paulo, o Apóstolo, pelo Sr. Col... Esta comunicação está assinada em grego. A quarta pelo Sr. Did... filho, assinada Charlet, o pintor, que anuncia uma série de comunicações que devem formar um todo.

Os convulsionários de Saint-Médard

1. ─ (A São Vicente de Paulo). Na última sessão evocamos o diácono Pâris, que teve a bondade de vir. Desejaríamos ter a vossa opinião pessoal sobre ele como Espírito.
─ É um Espírito cheio de boas intenções, porém mais elevado moralmente do que noutros sentidos.

2. ─ Ele estava realmente alheio, como diz, ao que se fazia junto ao seu túmulo?
─ Completamente.

3. ─ Poderíeis dizer-nos como considerais aquilo que se passava com os convulsionários? Era um bem ou um mal?
─ Era antes um mal que um bem. É fácil sabermos disto pela impressão geral produzida por esses fatos sobre os contemporâneos esclarecidos e sobre os seus sucessores.

4. ─ A esta pergunta dirigida a Pâris: “Se a autoridade tinha mais poder que os Espíritos, por que pôs fim aos prodígios?”, sua resposta não nos pareceu satisfatória. Que pensais?
─ Ele deu uma resposta mais ou menos conforme à verdade. Os fatos eram produzidos por Espíritos pouco elevados e a autoridade pôs termo a isso interditando aos seus promotores a continuação dessa espécie de saturnais.

5. ─ Entre os convulsionários, alguns se submetiam a torturas atrozes. Qual era o resultado disto sobre os seus Espíritos depois da morte?
─ Praticamente nulo. Não havia nenhum mérito em atos sem resultado útil.

6. ─ Os que sofriam tais torturas pareciam insensíveis à dor. Eram simplesmente resignados ou realmente insensíveis?
─ Insensibilidade completa.

7. ─ Qual a causa dessa insensibilidade?
─ Um efeito magnético.

8. ─ Elevada a um certo grau, não poderia a superexcitação moral aniquilar-lhes a sensibilidade física?
─ Isto acontecia nalguns deles e os predispunha a sofrer a influência de um estado que noutros tinha sido provocado artificialmente, pois nesses fatos estranhos um grande papel foi representado pelo charlatanismo.

9. ─ Desde que esses Espíritos operavam curas, prestavam um serviço. Então, como podiam ser de uma ordem inferior?
─ Não vedes isto todos os dias? Não recebeis por vezes excelentes conselhos e ensinos úteis de certos Espíritos pouco elevados e até levianos? Não podem eles procurar fazer algo que tenha o bem como resultado final, com vistas a um melhoramento moral?

10. ─ Nós vos agradecemos as explicações que tivestes a bondade de nos dar.
─ Sempre vosso.

Aforismos Espíritas e pensamentos avulsos

Os bons Espíritos aprovam aquilo que acham bom, mas não fazem elogios exagerados. Os elogios excessivos, como tudo o que denota lisonja, são sinais de inferioridade da parte dos Espíritos.

* * *

Os bons Espíritos não lisonjeiam preconceitos de qualquer espécie, nem políticos, nem religiosos. Podem não atacá-los bruscamente, porque sabem que isso aumentaria a resistência. Há, porém, uma grande diferença entre essa atitude que poderíamos chamar de precaução oratória e a aprovação absoluta dada a ideias muitas vezes as mais falsas, de que se servem os Espíritos obsessores para captar a confiança daqueles a quem querem subjugar, explorando-lhes o ponto fraco.

* * *

Há pessoas que têm uma mania singular: encontram uma ideia perfeitamente elaborada por outro; esta lhes parece boa e, sobretudo, proveitosa; dela se apropriam, dão-na como própria e acabam tendo a ilusão de que são realmente seus autores, chegando a declarar que lhes foi roubada.

* * *

Um dia, um homem viu a realização uma experiência de eletricidade e tentou reproduzi-la. Como não tivesse nem o conhecimento necessário, nem os instrumentos indispensáveis, a experiência falhou. Então, sem ir mais longe e sem procurar saber se a causa do insucesso poderia estar em si mesmo, declarou inexistente a eletricidade e que ia escrever para demonstrá-lo. Que pensar da lógica de quem assim raciocinasse? Não se parece tal criatura ao cego que, não podendo ver, começasse a escrever contra a luz e contra a faculdade de ver? Entretanto, é este o raciocínio que ouvimos a propósito dos Espíritos, por um homem que passa por espirituoso. Vá lá que tenha espírito, mas capacidade julgadora é outra coisa. Ele procura escrever como médium, e porque não o consegue, conclui que não existe mediunidade. Ora, na sua opinião, se a mediunidade é uma faculdade ilusória, os Espíritos só podem existir nas cabeças fracas. Que sagacidade!
ALLAN KARDEC

NOTA: Com o número do mês de janeiro de 1860, a REVISTA ESPÍRITA começará o seu terceiro ano.58

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