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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1859 > Setembro
Setembro
Processos para afastar os maus espíritosA intromissão dos Espíritos enganadores nas comunicações escritas é uma das maiores dificuldades do Espiritismo. Sabe-se, por experiência, que eles não têm nenhum escrúpulo em tomar nomes supostos e até mesmo nomes respeitáveis. Há meios de afastá-los? Eis a questão. Para isto, certas pessoas empregam aquilo que poderíamos chamar processos, isto é, fórmulas particulares de evocação, ou espécies de exorcismo, como por exemplo fazê-los jurar em nome de Deus que dizem a verdade, fazê-los escrever alguma coisa, etc. Conhecemos alguém que, a cada frase, obriga um Espírito a assinar o nome. Se é o verdadeiro, escreve-o sem dificuldade; se não o é, para ao meio, sem poder concluí-lo. Vimos essa pessoa receber comunicações as mais ridículas, de Espíritos que assinavam um nome falso com grande aprumo. Outras pessoas pensam que um meio eficaz é fazer confessar Jesus encarnado ou outros princípios da religião.
Pois bem, declaramos que se alguns Espíritos um pouco mais escrupulosos se detêm ante a ideia de um perjúrio ou de uma profanação, outros juram tudo o que quisermos, assinam todos os nomes, riem-se de tudo e afrontam a presença dos mais venerados signos, de onde se conclui que entre as coisas que podem ser chamadas processos não há nenhuma fórmula e nenhum expediente material que possa servir de preservativo eficaz.
Neste caso dir-se-á que nada há a fazer, senão deixar de escrever. Este meio não seria melhor. Longe disto, em muitos casos seria pior. Dissemos, e nunca seria demais repeti-lo, que a ação dos Espíritos sobre nós é incessante e não é menos real pelo fato de ser oculta. Se ela deve ser má, será ainda mais perniciosa pelo simples fato de que o inimigo estará escondido. Pelas comunicações escritas ele se revela, se desmascara; ficamos sabendo com quem tratamos e podemos combatê-lo.
Mas, se não há nenhum meio de afastá-lo, que fazer então? Não dissemos que não haja nenhum meio, mas unicamente que a maior parte dos meios empregados são ineficazes. Eis a tese que nos propomos desenvolver.
É preciso não perder de vista que os Espíritos constituem todo um mundo, toda uma população que enche o espaço; que circula ao nosso lado; que se imiscui em tudo quanto fazemos. Se fosse levantado o véu que no-los oculta, vê-los-íamos em redor de nós, indo e vindo; seguindo-nos ou nos evitando, segundo o grau de simpatia, uns indiferentes, verdadeiros vagabundos do mundo oculto; outros muito ocupados, quer consigo mesmos, quer com os homens aos quais se ligam, com um propósito mais ou menos louvável, segundo as qualidades que os distinguem. Numa palavra, veríamos uma réplica do gênero humano, com suas boas e más qualidades, com suas virtudes e seus vícios. Esse envolvimento, do qual não podemos escapar, porque não há recanto suficientemente escondido a ponto de tornar-se inacessível aos Espíritos, exerce sobre nós, malgrado nosso, uma influência permanente. Alguns nos impelem para o bem, outros para o mal, e muitas vezes as nossas atitudes são resultado de suas sugestões. Felizes de nós quando temos juízo bastante para discernir o bom ou o mau caminho por onde nos procuram arrastar.
Dado que os Espíritos nada mais são do que os próprios homens despojados do seu envoltório grosseiro, ou almas que sobrevivem aos corpos, segue-se que há Espíritos desde que há seres humanos no Universo. São uma das forças da Natureza
e não esperaram que houvesse médiuns escreventes para agir. A prova disso é que, em todos os tempos, os homens cometeram inconsequências, razão por que dizemos que sua influência independe da faculdade de escrever. Essa faculdade é um meio de reconhecer tal influência; de saber quais são os que vagueiam em redor de nós e que se ligam a nós. Pensar que nos podemos subtrair a isso, abstendo-nos de escrever, é fazer como as crianças que fechando os olhos pensam escapar de um perigo. Ao nos revelar aqueles que temos por companheiros, como amigos ou inimigos, a escrita nos oferece, por isso mesmo, uma arma para combater estes últimos, pelo que devemos agradecer a Deus. Em lugar da visão para reconhecer os Espíritos, temos as comunicações escritas, pelas quais eles mostram o que são. Isto para nós é um sentido que nos permite julgá-los. Repelir esse sentido é comprazer-se em ficar cego e exposto ao engano sem controle.
e não esperaram que houvesse médiuns escreventes para agir. A prova disso é que, em todos os tempos, os homens cometeram inconsequências, razão por que dizemos que sua influência independe da faculdade de escrever. Essa faculdade é um meio de reconhecer tal influência; de saber quais são os que vagueiam em redor de nós e que se ligam a nós. Pensar que nos podemos subtrair a isso, abstendo-nos de escrever, é fazer como as crianças que fechando os olhos pensam escapar de um perigo. Ao nos revelar aqueles que temos por companheiros, como amigos ou inimigos, a escrita nos oferece, por isso mesmo, uma arma para combater estes últimos, pelo que devemos agradecer a Deus. Em lugar da visão para reconhecer os Espíritos, temos as comunicações escritas, pelas quais eles mostram o que são. Isto para nós é um sentido que nos permite julgá-los. Repelir esse sentido é comprazer-se em ficar cego e exposto ao engano sem controle.
A intromissão dos maus Espíritos nas comunicações escritas não é, portanto, um perigo do Espiritismo, pois, se perigo há, continua e continuará sempre existindo, independentemente dele. Disto é preciso que nos convençamos: é apenas uma dificuldade, mas sobre a qual é fácil triunfar, se a isto nos dedicarmos da maneira conveniente.
Podemos estabelecer como princípio que os maus Espíritos só vão aonde alguma coisa os atrai. Assim, quando se intrometem nas comunicações, é que encontram simpatias no meio onde se apresentam ou, pelo menos, pontos fracos dos quais esperam tirar proveito. Em todo caso está visto que não encontram uma força moral suficiente para os repelir. Entre as causas que os atraem devemos colocar, em primeiro lugar, as imperfeições morais de toda espécie, porque o mal sempre simpatiza com o mal; em segundo lugar, a demasiada confiança com que são acolhidas as suas palavras.
Quando uma comunicação denota uma origem má, seria ilógico inferir daí uma paridade necessária entre o Espírito e os evocadores. Frequentemente vemos pessoas muito honestas expostas às velhacarias dos Espíritos enganadores, como acontece no mundo com as pessoas decentes, enganadas pelos patifes; mas quando tomamos precauções, os patifes nada têm a fazer. É o que acontece também com os Espíritos.
Quando uma pessoa honesta é por eles enganada, pode sê-lo por duas causas: a primeira é uma confiança absoluta, que a leva a prescindir de todo exame; a segunda é que as melhores qualidades não excluem certos pontos fracos que dão entrada aos maus Espíritos desejosos de descobrir as menores falhas da couraça. Não falamos do orgulho e da ambição, que são mais do que entraves. Falamos de uma certa fraqueza de caráter e sobretudo das ideias preconcebidas que esses Espíritos sabem explorar com habilidade, lisonjeando-as. É por isto que eles usam todas as máscaras, a fim de inspirar mais confiança.
As comunicações francamente grosseiras são as menos perigosas, pois a ninguém podem enganar. As que mais enganam são as que têm uma falsa aparência de sabedoria ou de seriedade, numa palavra, a dos Espíritos hipócritas e pseudossábios. Uns podem enganar de boa-fé, por ignorância, ou por fatuidade; outros só agem por astúcia. Vejamos qual o meio de nos desembaraçarmos deles.
A primeira coisa é não atraí-los e evitar tudo quanto lhes possa dar acesso. Como vimos, as disposições morais são uma causa preponderante. Entretanto, abstração feita dessa causa, o modo empregado não deixa de ter influência. Há pessoas que têm por princípio jamais fazer evocações e esperar a primeira comunicação espontânea saída do lápis do médium. Ora, se nos recordarmos daquilo que ficou dito sobre a massa muito variada dos Espíritos que nos cercam, compreenderemos sem dificuldade que isso é colocar-se à disposição do primeiro que vier, bom ou mau. Como nessa multidão os maus predominam em número sobre os bons, há mais oportunidade para os maus. É exatamente como se abríssemos a porta a todos os que passam pela rua, ao passo que pela evocação fazemos a escolha e, cercando-nos de bons Espíritos, impomos silêncio aos maus, que poderão, apesar disto, procurar por vezes insinuar-se. Os bons chegam mesmo a permiti-lo a fim de exercitar a nossa sagacidade em reconhecê-los. Neste caso sua influência será nula.
As comunicações espontâneas têm uma grande utilidade quando temos certeza da qualidade dos Espíritos que nos rodeiam. Nesse caso, devemos felicitar-nos por deixar a iniciativa aos Espíritos. O inconveniente está apenas no sistema absoluto, que consiste em nos abstermos do apelo direto e das perguntas. Entre as causas que influem poderosamente sobre a qualidade dos Espíritos que frequentam os Centros, não deve ser omitida a natureza das coisas com que ali nos ocupamos. Aqueles que se propõem um fim sério e útil atraem, por isso mesmo, Espíritos sérios; os que não visam senão satisfazer uma vã curiosidade ou a seus interesses pessoais, expõem-se pelo menos a mistificações, senão a algo pior. Em resumo, das comunicações espíritas podemos tirar os mais sublimes e os mais úteis ensinamentos, desde que saibamos dirigi-los. Todo o segredo está em não nos deixarmos levar pela astúcia dos Espíritos zombadores ou malévolos. Ora, para isto o essencial é saber com quem tratamos. Para começar, ouçamos a respeito os conselhos que o Espírito de São Luís dava à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, através do Sr. R..., um dos seus bons médiuns. Trata-se de uma comunicação espontânea, recebida em sua casa, com a missão de transmiti-la à Sociedade:
“Por maior que seja a legítima confiança que vos inspiram os Espíritos que presidem os vossos trabalhos, é recomendação nunca por demais repetida que deveis ter sempre presente em vossa mente, quando vos entregardes aos vossos estudos: pesai e refleti. Submetei ao controle da mais severa razão todas as comunicações que receberdes. Desde que uma resposta vos pareça duvidosa ou obscura, não vos esqueçais de pedir os necessários esclarecimentos para vos orientardes. “Sabeis que a revelação existiu desde os tempos mais remotos, mas foi sempre apropriada ao grau de adiantamento dos que a recebiam. Hoje não se trata de vos falar por imagens e parábolas. Deveis receber nossos ensinamentos de uma maneira clara, precisa e sem ambiguidades. Seria muito cômodo, entretanto, limitar-se a questionar para receber esclarecimentos. Aliás, isto seria fugir às leis do progresso, que presidem à evolução universal. Não vos admireis, pois, se, para vos deixar o mérito da escolha e do trabalho, e também para punir as infrações que possais cometer contra os nossos conselhos, seja por vezes permitido que certos Espíritos, mais ignorantes que mal intencionados, venham responder, em certos casos, às vossas perguntas. Em vez de ser isto um motivo de desencorajamento, deve ser um poderoso excitante para que procureis ardentemente a verdade. Ficai, pois, bem convictos de que seguindo este caminho, não podereis deixar de chegar a resultados felizes. Sede unidos pelo coração e pelas intenções; trabalhai todos; buscai, buscai sempre e achareis”. LUÍS
A linguagem dos Espíritos sérios e bons traz um cunho que torna impossível nos enganarmos, por menos que tenhamos de tato, de raciocínio e de hábito de observação. Por mais que disfarcem as suas torpezas com o véu da hipocrisia, os maus Espíritos jamais podem representar indefinidamente o seu papel. Deixam sempre, de alguma forma, as unhas de fora. Do contrário, se sua linguagem fosse imaculada, seriam bons Espíritos. A linguagem dos Espíritos nos dá, pois, o verdadeiro critério pelo qual podemos julgá-los. Sendo a linguagem a expressão do pensamento, tem sempre um reflexo das boas ou más qualidades do indivíduo. Não é também pela linguagem que julgamos as pessoas que não conhecemos? Se recebermos vinte cartas de vinte pessoas que jamais vimos, não ficaríamos diversamente impressionados por sua leitura? Não será pela qualidade do estilo, pela escolha das expressões, pela natureza dos pensamentos e até por certos detalhes de forma que reconheceremos naquele que nos escreve o homem rústico ou bem educado, o sábio ou o ignorante, o orgulhoso ou o modesto? Dá-se absolutamente o mesmo com os Espíritos.
Façamos de conta que são homens que nos escrevem, e julguemo-los da mesma maneira. Julguemo-los severamente, pois os bons Espíritos de modo algum se sentirão ofendidos com esta escrupulosa investigação, porque são eles próprios que a recomendam como meio de controle. Sabemos que podemos ser enganados.
Portanto, nosso primeiro sentimento deve ser o de desconfiança. Os maus Espíritos, que nos procuram induzir em erro, podem temer o exame porque, longe de provocálo, querem ser acreditados sob palavra.
Deste princípio decorre muito natural e logicamente o meio mais eficaz de afastar os maus Espíritos e de nos premunirmos contra as suas maldades. O homem que não é ouvido deixa de falar; aquele que vê constantemente descobertas as suas astúcias vai praticá-las alhures; o ladrão ciente de que permanecemos em estado de alerta não faz tentativas inúteis. Assim os Espíritos enganadores abandonam o jogo quando sabem que nada podem fazer, ou quando encontram pessoas vigilantes que repelem tudo quanto lhes parece suspeito.
Para terminar, resta passar em revista os principais caracteres que denotam a origem das comunicações espíritas.
1. ─ Como já dissemos em várias ocasiões, os Espíritos superiores têm uma linguagem sempre digna, nobre, elevada, sem qualquer mistura de trivialidade. Dizem tudo com simplicidade e modéstia; jamais se gabam; nunca fazem exibição de sua sabedoria nem de sua posição entre os demais. A dos Espíritos inferiores ou vulgares tem sempre algum reflexo das paixões humanas. Toda expressão que demonstra baixeza, presunção, arrogância, jactância ou acrimônia é indício característico de inferioridade e de embuste, desde que o Espírito se apresente com um nome respeitável e venerado.
2. ─ Os bons Espíritos só dizem o que sabem. Calam-se ou confessam sua ignorância relativamente ao que não sabem. Os maus falam de tudo com segurança, sem se importarem com a verdade. Toda heresia científica notória e todo princípio que choca a razão e o bom-senso revelam fraude, desde que o Espírito se julgue um ser esclarecido.
3. ─ A linguagem dos Espíritos elevados é sempre idêntica, senão na forma, pelo menos no conteúdo. Os pensamentos são os mesmos, em qualquer tempo e lugar. Podem ser mais ou menos desenvolvidos, conforme as circunstâncias, as necessidades e as facilidades de comunicação, mas não serão contraditórios. Se duas comunicações com a mesma assinatura se encontrarem em oposição, uma delas será evidentemente apócrifa, e a verdadeira será aquela onde coisa alguma desminta o caráter conhecido do personagem. Quando uma comunicação apresenta um caráter de sublimidade e de elevação, sem nenhuma falha, emana de um Espírito elevado, seja qual for o seu nome. Se contiver uma mistura de coisas boas e ruins, será de um Espírito comum, se ele se apresentar como é; será de um Espírito impostor, se ele se apresentar com um nome que não pode justificar.
4. ─ Os bons Espíritos jamais ordenam. Eles não impõem, mas aconselham e, se não forem ouvidos, retiram-se. Os maus são imperiosos. Dão ordens e querem ser obedecidos. Todo Espírito que se impõe trai a sua origem.
5. ─ Os bons Espíritos não adulam. Aprovam quando se faz o bem, mas sempre com reservas. Os maus fazem elogios exagerados, estimulam o orgulho e a vaidade, mesmo pregando a humildade, e procuram exaltar a importância pessoal daqueles a quem querem apanhar.
6. ─ Os Espíritos superiores se sobrepõem às puerilidades formais em todas as coisas. Para eles, o pensamento é tudo, a forma nada vale. Só os Espíritos vulgares podem ligar importância a certos detalhes incompatíveis com as ideias realmente elevadas. Toda prescrição meticulosa é sinal certo de inferioridade e de embuste da parte do Espírito que toma um nome importante.
7. ─ É preciso desconfiar dos nomes bizarros e ridículos que tomam certos Espíritos, desejosos de impor-se à credulidade. Seria supremo absurdo levar a sério esses nomes.
8. ─ Deve-se igualmente desconfiar daqueles que se apresentam com muita facilidade com nomes extremamente venerados, e não aceitar suas palavras senão com as maiores reservas. Nesses casos, principalmente, é indispensável um severo controle, porque em geral é uma máscara que adotam para nos fazer acreditar em supostas relações íntimas com Espíritos de grande elevação. Por este meio lisonjeiam a vaidade, que exploram, a fim de induzir com frequência a atitudes lamentáveis ou ridículas.
9. ─ Os bons Espíritos são muito escrupulosos no tocante às providências que podem aconselhar. Em todos os casos elas têm sempre um objetivo sério e eminentemente útil. Devemos, pois, considerar como suspeitas todas aquelas que não tiverem esse caráter, e refletir maduramente antes de adotá-las.
10. ─ Os bons Espíritos só prescrevem o bem. Toda máxima, todo conselho que não estiver estritamente conforme a pura caridade evangélica não pode ser obra de bons Espíritos. O mesmo acontece com toda insinuação malévola, tendente a excitar ou alimentar sentimentos de ódio, de ciúme ou de egoísmo.
11. ─ Os bons Espíritos só aconselham coisas perfeitamente razoáveis. Toda recomendação que se afaste da linha reta do bom-senso ou das leis imutáveis da Natureza denota um Espírito limitado e ainda sob a influência dos preconceitos terrenos, consequentemente, pouco digno de confiança.
12. ─ Os Espíritos maus ou simplesmente imperfeitos se traem também por sinais materiais, com os quais não nos poderíamos enganar. Sua ação sobre o médium é por vezes violenta, e provoca na sua escrita movimentos bruscos e irregulares; uma agitação febril e convulsiva que contrasta com a calma e a suavidade dos bons Espíritos.
13. ─ Outro sinal de sua presença é a obsessão. Os bons Espíritos jamais obsidiam. Os maus se impõem em todos os momentos. É por isso que todo médium deve desconfiar da irresistível necessidade de escrever que dele se apodera nos mais inoportunos momentos. Jamais se trata de um bom Espírito, e ele não deve jamais ceder.
14. ─ Entre os Espíritos imperfeitos que se imiscuem nas comunicações, há os que, por assim dizer, se insinuam furtivamente, como para fazer uma brincadeira, mas que se retiram tão facilmente como vieram, e isto na primeira intimação.
Outros, ao contrário, são tenazes. Agarram-se ao indivíduo e só cedem à custa de constrangimento e persistência. Apoderam-se dele, subjugam-no e o fascinam a ponto de induzi-lo a aceitar os mais grosseiros absurdos, como se fossem coisas admiráveis. Feliz dele quando criaturas de sangue frio conseguem abrir-lhe os olhos, o que nem sempre é fácil, porque esses Espíritos têm a habilidade de inspirar a desconfiança e o afastamento de quem quer que possa desmascará-los. Daí se segue que devemos ter por suspeito de inferioridade e de más intenções todo Espírito que prescreve o afastamento das pessoas que podem dar bons conselhos. O amor próprio vem em seu auxílio, porque nos é difícil confessar que fomos vítimas de uma mistificação e reconhecer um velhaco naquele sob cujo patrocínio sentíamos a honra de nos colocarmos. Essa ação do Espírito é independente da faculdade de escrever.
Na falta da escrita, o Espírito malévolo tem mil e um modos de agir e enganar. Para ele a escrita é um meio de persuasão, mas não é uma causa; para o médium, é um meio de esclarecer-se.
Passando todas as comunicações espíritas pelo controle das considerações precedentes, reconheceremos facilmente a sua origem e poderemos destruir a malícia dos Espíritos enganadores, que só se dirigem àqueles que se deixam enganar facilmente. Se percebem que caímos na sua conversa, disso tiram partido, assim como fariam os simples mortais. A nós, pois, cabe provar-lhes que perdem o seu tempo. Acrescentemos que para isso a prece é poderoso auxílio; por ela atraímos a assistência de Deus e dos bons Espíritos, aumentando nossa própria força. É conhecido o preceito: Ajuda-te e o céu te ajudará. Deus quer assistir-nos, mas com a condição de que, de nossa parte, façamos aquilo que é necessário.
A esse preceito juntemos um exemplo. Um dia veio ver-me um senhor que eu não conhecia, e me disse que era médium. Recebia comunicações de um Espírito muito elevado, que o tinha encarregado de vir a mim, fazer uma revelação relativa a uma trama que, na sua opinião, era urdida contra mim, por parte de inimigos secretos que designou. E acrescentou: “Quer que escreva em sua presença?” Com prazer, respondi eu. Mas, para começar, devo dizer-lhe que esses inimigos são menos temíveis do que o senhor supõe. Sei que os tenho. Quem não os tem? Os mais encarniçados em geral são aqueles a quem mais beneficiamos. Tenho consciência de jamais ter feito voluntariamente mal a alguém. Aqueles que me fizerem mal não poderão dizer o mesmo, e entre nós, Deus será juiz. Contudo, vejamos o conselho que o Espírito quer dar-me. Então aquele senhor escreveu o seguinte:
“Ordenei a C... (nome daquele senhor), que é facho de luz dos bons Espíritos, dos quais recebeu a missão de a espalhar entre os seus irmãos, que fosse à casa do Sr. Allan Kardec, o qual deverá crer cegamente no que eu lhe disser, porque estou entre os eleitos prepostos por Deus para velar pela salvação dos homens, e porque lhe venho anunciar a verdade...”
É bastante, disse-lhe eu; não vale a pena continuar. Este exórdio é suficiente para mostrar o tipo do Espírito com quem o senhor está tratando. Direi apenas uma palavra: para um Espírito que quer ser astucioso, ele está muito desajeitado.
Esse senhor pareceu bastante escandalizado do pouco caso que eu fazia do seu Espírito, que tivera a ingenuidade de tomar por algum arcanjo ou, pelo menos, por algum santo de primeira classe, vindo especialmente para ele. Disse-lhe eu: “Esse Espírito põe as unhas de fora nas poucas palavras que acaba de escrever.
Convenhamos que não sabe muito bem esconder o seu jogo. Para começar, ordena. Portanto, quer ter o senhor na sua dependência, o que é característico dos Espíritos obsessores; chama-o facho de luz dos bons Espíritos, linguagem sofrivelmente enfática e ambígua, muito distanciada da simplicidade que caracteriza a dos bons Espíritos; por ela lisonjeia o seu orgulho, exalta a sua importância, o que basta para torná-lo suspeito. Ele se coloca sem nenhuma cerimônia entre os eleitos prepostos de Deus. Isto é jactância indigna de um Espírito realmente superior. Por fim me disse que devo crer cegamente. Isto coroa a obra. Eis aí o estilo desses Espíritos mentirosos, que querem que neles acreditemos sob palavra, pois sabem que num exame sério tudo têm a perder. Com um pouco mais de perspicácia poderia ter visto que não me vergo às belas palavras e que agia muito mal prescrevendo-me uma confiança cega. Daí concluo que o senhor é joguete de um Espírito que o mistifica e abusa da sua boa-fé. Aconselho-o a prestar muita atenção a isto, porque, se o senhor não se guardar, poderá ser vítima de uma ação prejudicial”.
Não sei se o cavalheiro aproveitou o aviso, porque não o vi mais, nem ao seu Espírito. Eu não terminaria nunca se fosse contar todas as comunicações desse gênero que me têm sido submetidas, por vezes muito seriamente, como emanando dos maiores santos, da Virgem Maria e do próprio Cristo. Seria realmente curioso ver as torpezas atribuídas a esses nomes venerados. É preciso ser cego para enganarse quanto à sua origem, quando, muitas vezes, uma única palavra equívoca, um único pensamento contraditório bastam a quem se dá ao trabalho de refletir para descobrir a mentira. Como exemplos notáveis, em apoio a isto, aconselhamos os nossos leitores a lerem os artigos publicados nos números da Revista Espírita dos meses de julho e outubro de 1858.
Confissão de Voltaire
A propósito da entrevista de Voltaire e de Frederico, que publicamos no último número da Revista, um dos nossos correspondentes de Boulogne nos envia a seguinte comunicação, que publicamos com tanto maior satisfação quanto apresenta um aspecto eminentemente instrutivo do ponto de vista espírita. Nosso correspondente fez algumas reflexões prévias, que não queremos omitir.
“Se existe um homem, mais que qualquer outro, que deve sofrer castigos eternos, esse homem é Voltaire. A cólera e a vingança de Deus persegui-lo-ão para sempre. É o que nos dizem os teólogos da velha escola.
“Que dizem agora os mestres da Teologia moderna? É possível, dizem eles, que desconheçais o homem, não menos que o Deus de que falais. Evitai as paixões inferiores do ódio e da vingança e não maculeis o vosso Deus com isso. Se Deus se inquieta com esse pobre pecador, se toca nesse inseto, será para arrancar-lhe o ferrão, para endireitar-lhe a cabeça exaltada e o coração transviado. Digamos ainda que Deus, que lê nos corações de modo diverso de vós, encontra o bem onde encontrais o mal. Se dotou aquele homem de um grande gênio foi em benefício da raça, e não em seu prejuízo. Que importa, então, as suas primeiras extravagâncias e as suas atitudes de franco atirador entre vós? Uma alma dessa têmpera não poderia proceder de outro modo: a mediocridade era-lhe impossível, fosse no que fosse.
Agora que se orientou; que jogou fora as patas e os dentes de potro indomável na sua pastagem terrena; que vem a Deus como um dócil corcel, mas sempre grande, é tão soberbo para o bem quanto era para o mal.
“No artigo que segue veremos de que maneira se operou essa transformação. Veremos nosso garanhão dos desertos, com a crina ondulante, as narinas ao vento, correndo através dos espaços do Universo. É que lá, com o pensamento solto, encontrou essa liberdade que era a sua essência e que sorveu a plenos pulmões, com essa respiração com que se haure a vida!
“E o que lhe aconteceu?
“Perdeu-se e confundiu-se. O grande pregador do nada achou, enfim, o nada, mas não como o compreendia. Humilhado, agastado consigo mesmo, transtornado com a sua pequenez, ele que se julgava tão grande foi aniquilado diante de seu Deus.
Ei-lo de rosto no chão, à espera de sua sentença. Essa sentença diz: ‘Levanta-te, meu filho!’, ou ‘Vai-te, miserável!’ O veredicto será encontrado na comunicação que se segue.
“Esta confissão de Voltaire terá mais valor na Revista Espírita, visto que ela nola mostra em seu duplo aspecto. Vimos que alguns Espíritos naturalistas e materialistas, de cabeça tão virada quanto seu mestre, mas sem o sentimento dele, persistiam em vangloriar-se, no seu cinismo. Que fiquem no seu inferno enquanto lhes aprouver desafiar o céu e menoscabar tudo o que constitui a felicidade do homem, é lógico, pois aí é o seu merecido lugar. Mas também achamos lógico que aqueles que reconhecem os seus erros sejam recompensados. Assim, creio que não nos arvoramos em apologistas do velho Voltaire. Aceitamo-lo apenas no seu novo papel e nos alegramos com a sua conversão, que glorifica Deus e não pode deixar de impressionar vivamente aqueles que ainda hoje se deixam arrastar pelos seus escritos. Lá está o veneno. Aqui está o antídoto.
“Esta comunicação, traduzida do inglês, foi extraída da obra do juiz Edmonds, publicada nos Estados Unidos. Tem a forma de uma conversa entre Voltaire e Wolsey, o célebre cardeal inglês do tempo de Henrique VIII. Dois médiuns atuaram na recepção do diálogo”
Voltaire ─ Que imensa revolução ocorreu no pensamento humano desde que deixei a Terra!
Wolsey ─ Com efeito, essa infidelidade de que vos censuravam então, cresceu desmesuradamente desde aquela época. Não que ela tenha hoje tantas pretensões, mas é mais profunda e mais universal, e a menos que consigam detê-la, ameaça tragar a Humanidade no materialismo, mais do que o fez durante séculos. Voltaire ─ Infidelidade em que e para com a quem? Com referência à lei de
Deus e do homem? Pretendes acusar-me de infidelidade porque não me foi possível submeter-me aos acanhados preconceitos das seitas que me cercavam? É que a minha alma buscava maior amplidão de pensamento e um raio de luz que fosse além das doutrinas humanas. Sim, minha alma entenebrecida tinha sede de luz. Wolsey ─ Eu também só queria falar da infidelidade que vos era atribuída, mas, infelizmente, não sabeis quanto essa imputação ainda vos pesa. Eu não vos quero censurar, mas apenas manifestar-vos o meu pesar, porque o vosso desprezo pelas doutrinas em voga, que eram apenas materiais e inventadas pelos homens, não poderia prejudicar um Espírito da envergadura do vosso. Mas essa mesma causa que agia sobre o vosso Espírito, operava igualmente sobre outros, demasiado fracos e pequenos para chegarem aos mesmos resultados que vós. Eis, pois, como aquilo que em vós era apenas uma negação dos dogmas dos homens se traduzia nos outros pela negação de Deus. Dessa fonte é que se espalhou com rapidez terrível a dúvida sobre o futuro do homem. Eis também por que o homem, limitando a este mundo todas as suas aspirações, caiu cada vez mais no egoísmo e no ódio ao próximo. É a causa, sim, a causa desse estado de coisas que deve ser procurada, pois uma vez encontrada, o remédio será relativamente fácil. Dizei-me: conheceis essa causa? Voltaire ─ Na verdade, havia nas minhas opiniões, tais como foram dadas ao mundo, um sentimento de amargura e de sátira. Mas notai que então eu tinha o Espírito dilacerado, por assim dizer, por uma luta interior. Eu olhava a Humanidade como se me fosse inferior em inteligência e em perspicácia. Via apenas marionetes que podiam ser conduzidas por qualquer homem dotado de vontade forte e me indignava ao ver que esta Humanidade, arrogando-se uma existência imortal, era modelada com elementos ignóbeis. Seria possível crer que um ser dessa espécie fizesse parte da Divindade e que pudesse com suas mesquinhas mãos assenhorear-se da imortalidade? Essa lacuna entre duas existências tão desproporcionadas me chocava e eu não podia preenchê-la. No homem eu via apenas o animal e não o Deus.
Reconheço que em alguns casos minhas opiniões tiveram influência nefasta. Tenho, porém, a convicção de que, sob outros aspectos, tiveram seu lado bom. Elas puderam levantar várias almas que se haviam degradado na escravidão. Quebraram as cadeias do pensamento e deram asas a grandes aspirações. Mas, ah! Eu também, que planava tão alto, perdi-me como os outros.
Se em mim a parte espiritual se houvesse desenvolvido tão bem quanto a material, eu teria podido raciocinar com mais discernimento. Confundindo-as, perdi de vista essa imortalidade da alma, que tanto procurava e desejava encontrar. Assim, tão empolgado me achava nessa luta com o mundo, que cheguei, quase contra minha vontade, a negar a existência de um futuro. A oposição que fazia às tolas opiniões, à cega credulidade dos homens, impelia-me a negar e ao mesmo tempo a contradizer todo o bem que a religião cristã poderia fazer. Contudo, por mais descrente que fosse, sentia que era superior aos meus adversários; sim, muito além do alcance da sua inteligência. A bela face da Natureza revelava-me o Universo, inspirava-me o sentimento de uma vaga veneração, misturada ao desejo de uma liberdade sem limites, sentimento que eles jamais experimentavam, agachados que estavam nas trevas da escravidão.
Minhas obras tiveram, pois, seu lado bom, porque sem elas o mal que teria atingido a Humanidade, por falta de qualquer oposição, teria sido pior. Muitos homens não aceitavam mais a servidão; entre eles, muitos se libertaram. Se aquilo que eu pregava lhes deu um único pensamento elevado, ou lhes fez dar um único passo no caminho da Ciência, não era isto abrir-lhes os olhos para a sua verdadeira condição? O que eu lamento é ter vivido tanto tempo na Terra sem saber o que teria podido ser e o que teria podido fazer. O que não teria feito se tivesse sido abençoado por essas luzes do Espiritismo, que se derramam hoje sobre os Espíritos dos homens!
Descrente e vacilante, entrei no mundo espírita. Minha presença, por si só, bastava para espantar qualquer clarão que tivesse podido iluminar a minha alma obscurecida; era a parte material de meu ser que se havia desenvolvido na Terra.
Quanto à parte espiritual, esta se havia perdido em meio aos meus transviamentos, na busca da luz; encontrava-se como que encerrada numa prisão de ferro. Altivo e zombeteiro, ali me iniciava, nem conhecendo, nem procurando conhecer esse futuro que tanto havia combatido quando no corpo. Mas anotemos aqui esta confissão: houve sempre em minha alma uma débil voz que se fazia ouvir através dos grilhões materiais e que pedia luz. Era uma luta incessante entre o desejo de saber e uma obstinação em não saber. Assim, pois, minha entrada estava longe de ser agradável. Não acabava eu de descobrir a falsidade e o nada das opiniões que havia sustentado com todas as forças de minhas faculdades? Depois de tudo, o homem se reconhecia imortal e eu não podia deixar de ver que, igualmente, deveria existir um Deus, um Espírito imortal que estava à frente e que governava esse espaço ilimitado que me circundava.
Como viajava incessantemente, sem me conceder nenhum repouso, a fim de me convencer de que este mundo onde eu me encontrava bem que poderia ainda ser um mundo material, minha alma lutou contra a verdade que me esmagava! Eu não pude me realizar como um Espírito que acabara de deixar a sua morada mortal! Não houve ninguém com quem pudesse estabelecer relações, porque eu tinha recusado a todos a imortalidade. Não havia repouso para mim. Eu estava sempre andando a esmo e duvidando. Em mim o Espírito, tenebroso e amargo, era como um maníaco, incapaz de seguir uma orientação ou de se deter.
Foi assim, zombeteiro e desafiador, como já disse, que abordei o mundo espírita. A princípio fui levado para longe das habitações dos Espíritos, e percorri o espaço imenso. A seguir foi-me permitido lançar o olhar sobre as construções maravilhosas habitadas pelos Espíritos e, com efeito, elas me pareceram surpreendentes. Fui arrastado de um lado para o outro por uma força irresistível. Era obrigado a ver, e ver até que a minha alma ficasse deslumbrada pelos esplendores e esmagada ante o poder que controlava tais maravilhas. Por fim, tive ímpetos de esconder-me e de alojar-me nas cavidades das rochas, mas não o consegui.
Foi então que o meu coração começou a sentir a necessidade de expandir-se. Tornava-se urgente uma companhia qualquer, porque eu me sentia queimar pelo desejo de confessar o quanto tinha sido induzido em erro, não pelos outros, mas por meus próprios sonhos. Não me restava mais nenhuma ilusão sobre a minha importância pessoal, porque sentia imensamente a minha pequenez neste grande mundo dos Espíritos. Eu tinha, enfim, caído de tal modo no cansaço e na humilhação, que me foi permitido reunir-me a alguns habitantes. Foi a partir desse momento que pude avaliar a posição em que me havia colocado na Terra e a que disso resultara para mim no mundo espírita. Imaginai se esta apreciação podia ser risonha.
Uma revolução completa, uma transformação de ponta a ponta ocorreu no meu organismo espírita e, de mestre que eu era, tornei-me o mais ardente dos discípulos.
Com a expansão intelectual que em mim encontrava, que progresso eu pude fazer! Minha alma se sentia iluminada e abrasada pelo amor divino. Suas aspirações à imortalidade, de constrangidas que eram, tomaram gigantesca expansão. Eu via quão grandes tinham sido os meus erros e quão maior devia ser a reparação para expiar tudo quanto tinha feito ou dito e que tivesse podido seduzir ou enganar a Humanidade. Como são magníficas essas lições da sabedoria e da beleza celeste!
Ultrapassam tudo quanto na Terra teria podido imaginar.
Em resumo, vivi bastante para reconhecer na minha existência terrena uma guerra encarniçada entre o mundo e a minha natureza espiritual. Lamentei profundamente as opiniões que expendi e que desviaram muita gente; mas, ao mesmo tempo, é penetrado de gratidão ao Criador, o infinitamente sábio, que sinto ter sido um instrumento para auxiliar os Espíritos dos homens a voltar-se para o exame e o progresso.
OBSERVAÇÃO: Nenhum comentário adicionaremos a esta comunicação, cuja profundeza e cujo alcance todos apreciarão, e na qual se encontra toda a superioridade do gênio. É possível que jamais tenha sido dado um quadro tão grandioso e impressionante do mundo espírita e da influência das ideias terrenas sobre as ideias de além-túmulo. Na conversa que publicamos em nosso número anterior encontra-se o mesmo lastro de ideias, embora menos desenvolvidas e expressas menos poeticamente. Aqueles que apenas apreciam a forma talvez digam que não reconhecem essas duas comunicações como sendo do mesmo Espírito, e que sobretudo a última não lhes parece à altura de Voltaire. Disso concluirão que uma delas não é dele.
Certamente, quando o chamamos, ele não nos trouxe o seu registro civil, mas quem quer que veja além da superfície ficará tocado pela identidade de pontos de vista e de princípios existentes entre essas duas comunicações, obtidas em épocas diversas, a uma enorme distância e em línguas diferentes. Se o estilo não é o mesmo, não há contradição de pensamento, e isto é o essencial. Mas se foi o mesmo Espírito que falou nas duas comunicações, por que é tão explícito e poético em uma delas, quanto lacônico e vulgar na outra? É preciso não ter estudado os fenômenos espíritas para não o compreender. O fato se deve à mesma causa que leva um Espírito a dar encantadoras poesias por um médium e não poder ditar um único verso por outro.
Conhecemos médiuns que absolutamente não fazem versos, mas recebem poesias admiráveis, assim como há outros que jamais aprenderam desenho e que no entanto desenham coisas maravilhosas. É necessário, pois, reconhecer que, abstração feita das qualidades intelectuais, há nos médiuns aptidões especiais que os tornam, para certos Espíritos, instrumentos mais ou menos flexíveis e mais ou menos cômodos.
Para certos Espíritos, dissemos, porque eles também têm suas preferências, fundadas em razões que nem sempre conhecemos. Assim, o mesmo Espírito será mais ou menos explícito, segundo o médium que lhe serve de intérprete e, sobretudo, segundo o hábito que tenha de utilizá-lo. Além disso, é certo que um Espírito que se comunica frequentemente pela mesma pessoa o faz com mais facilidade que outro que venha pela primeira vez. A emissão do pensamento pode, pois, ser entravada por várias causas; mas, quando é o mesmo Espírito, o fundo do pensamento é o mesmo, embora a forma seja diferente, e o observador atento poderá reconhecê-lo com facilidade por certos traços característicos.
A propósito, relataremos o fato seguinte:
O Espírito de um soberano, que representou no mundo um papel preponderante, foi chamado a uma de nossas reuniões. Começou por um ato de cólera, rasgando o papel e quebrando o lápis. Sua linguagem estava longe de ser benevolente, porque sentia-se humilhado por estar entre nós. Ele perguntou se julgávamos que ele deveria rebaixar-se a ponto de responder às nossas perguntas. Contudo concordava que, se o fazia, era como que fosse constrangido e obrigado por uma força superior à sua; mas que, se isto dele dependesse, não o faria.
Um dos nossos correspondentes na África, que não tinha nenhum conhecimento do fato, escreveu-nos que, numa reunião em que tomara parte, quiseram evocar o mesmo Espírito. Em todos os pontos sua linguagem foi idêntica. Disse ele: “Credes que eu viria voluntàriamente a esta casa de negociantes, que talvez um dos meus criados não quisesse habitar? Não vos respondo. Isto me lembra o meu reino, onde era feliz e tinha autoridade sobre todo o meu povo. Agora devo submeter-me.” O Espírito de uma rainha, que em vida não se distinguira pela bondade, assim respondeu no mesmo grupo: “Não me interrogueis mais, pois me aborreceis. Se ainda tivesse o poder que tinha na Terra, eu vos faria arrepender-se muito, mas agora que nada posso sobre vós, zombais de mim e da minha miséria. Sou muito infeliz !“ Não temos aqui um curioso estudo dos costumes espíritas?
Palestras familiares de além-túmulo
Um oficial do exército da Itália
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui. Falai.
2. ─ Prometestes voltar a ver-nos e aproveitamos a ocasião para vos pedir algumas explicações complementares.
─ Com prazer.
3. ─ Depois da vossa morte assististes a alguns combates?
─ Sim, ao último.
4. ─ Quando, como Espírito, sois testemunha de um combate e vedes os homens se estraçalharem, experimentais algum sentimento de horror, como nós experimentaríamos se assistíssemos a cenas semelhantes?
─ Sim, eu o experimentava, mesmo como homem, mas então o respeito humano recalcava esse sentimento como indigno de um soldado.
5. ─ Há Espíritos que sentem prazer vendo essas carnificinas?
─ Poucos.
6. ─ Ao verem isso, que sentimentos experimentam os Espíritos de uma ordem superior?
─ Grande compaixão; quase desprezo. Aquilo que vós mesmos experimentais ao verdes os animais se dilacerarem entre si.
7. ─ Assistindo a um combate e vendo homens morrerem, testemunhais a separação entre a alma e o corpo?
─ Sim.
8. ─ Nesse momento vedes dois indivíduos, o Espírito e o corpo?
─ Não. Que é então o corpo?
─ Mas nem por isso o corpo deixa de estar lá, e ele deve ser distinto do Espírito.
─ Um cadáver, sim, mas não é mais um ser.
9. ─ Qual a aparência que tem então o Espírito?
─ Leve.
10. ─ O Espírito afasta-se imediatamente do corpo? Peço-vos a fineza de descrever tão explicitamente quanto possível as coisas como se passam e como nós as veríamos, se fôssemos testemunhas.
─ Há poucas mortes realmente instantâneas. A maior parte do tempo o Espírito cujo corpo foi atingido por uma bala ou uma granada, diz a si mesmo: “Vou morrer, pensemos em Deus e no céu. Adeus, Terra que eu amava”. Depois desse primeiro
sentimento, a dor o arranca do corpo, e é então que podemos distinguir o Espírito que se move ao lado do cadáver. Isto parece tão natural que a vista do corpo morto não produz efeito desagradável. Tendo sido toda a vida transportada para o Espírito, só ele chama a atenção; é com ele que conversamos; a ele é que damos ordens.
OBSERVAÇÃO: Poderíamos comparar esse efeito ao que é produzido por um grupo de banhistas. O espectador não presta nenhuma atenção às roupas que deixaram à beira d’água.
11. ─ Geralmente, surpreendido por uma morte violenta, durante algum tempo o homem não se julga morto. Como se explica a sua situação, e como pode ele ter ilusões, desde que deve sentir muito bem que o seu corpo não é mais material e resistente?
─ Ele o sabe e não tem ilusão.
OBSERVAÇÃO: Isto não é perfeitamente exato. Sabemos que há Espíritos que em certos casos têm essa ilusão e julgam não estar mortos.
12. ─ No fim da batalha de Solferino desabou uma violenta tempestade. Foi por uma circunstância fortuita ou por um desígnio providencial?
─ Toda circunstância fortuita é resultado da vontade de Deus.
13. ─ Essa tempestade tinha um objetivo? Qual seria ele?
─ Sim, por certo: cessar o combate.
14. ─ Foi provocada no interesse de uma das partes beligerantes? Qual delas?
─ Sim, sobretudo para os nossos inimigos.
─ Por quê? Poderíeis explicar-vos mais claramente?
─ Perguntais-me por quê? Não sabeis que, sem essa tempestade, nossa artilharia não teria deixado escapar nenhum austríaco?
15. ─ Se essa tempestade foi provocada, deve ter tido agentes que a provocaram. Quais foram eles?
─ A eletricidade.
16. ─ Esse é o agente material, mas há Espíritos que têm por atribuição conduzir os elementos?
─ Não. Basta a vontade de Deus. Ele não necessita de auxiliares tão comuns. (Vide mais adiante o artigo sobre as tempestades).
1. (Evocação).
─ Eis-me aqui. Falai.
2. ─ Prometestes voltar a ver-nos e aproveitamos a ocasião para vos pedir algumas explicações complementares.
─ Com prazer.
3. ─ Depois da vossa morte assististes a alguns combates?
─ Sim, ao último.
4. ─ Quando, como Espírito, sois testemunha de um combate e vedes os homens se estraçalharem, experimentais algum sentimento de horror, como nós experimentaríamos se assistíssemos a cenas semelhantes?
─ Sim, eu o experimentava, mesmo como homem, mas então o respeito humano recalcava esse sentimento como indigno de um soldado.
5. ─ Há Espíritos que sentem prazer vendo essas carnificinas?
─ Poucos.
6. ─ Ao verem isso, que sentimentos experimentam os Espíritos de uma ordem superior?
─ Grande compaixão; quase desprezo. Aquilo que vós mesmos experimentais ao verdes os animais se dilacerarem entre si.
7. ─ Assistindo a um combate e vendo homens morrerem, testemunhais a separação entre a alma e o corpo?
─ Sim.
8. ─ Nesse momento vedes dois indivíduos, o Espírito e o corpo?
─ Não. Que é então o corpo?
─ Mas nem por isso o corpo deixa de estar lá, e ele deve ser distinto do Espírito.
─ Um cadáver, sim, mas não é mais um ser.
9. ─ Qual a aparência que tem então o Espírito?
─ Leve.
10. ─ O Espírito afasta-se imediatamente do corpo? Peço-vos a fineza de descrever tão explicitamente quanto possível as coisas como se passam e como nós as veríamos, se fôssemos testemunhas.
─ Há poucas mortes realmente instantâneas. A maior parte do tempo o Espírito cujo corpo foi atingido por uma bala ou uma granada, diz a si mesmo: “Vou morrer, pensemos em Deus e no céu. Adeus, Terra que eu amava”. Depois desse primeiro
sentimento, a dor o arranca do corpo, e é então que podemos distinguir o Espírito que se move ao lado do cadáver. Isto parece tão natural que a vista do corpo morto não produz efeito desagradável. Tendo sido toda a vida transportada para o Espírito, só ele chama a atenção; é com ele que conversamos; a ele é que damos ordens.
OBSERVAÇÃO: Poderíamos comparar esse efeito ao que é produzido por um grupo de banhistas. O espectador não presta nenhuma atenção às roupas que deixaram à beira d’água.
11. ─ Geralmente, surpreendido por uma morte violenta, durante algum tempo o homem não se julga morto. Como se explica a sua situação, e como pode ele ter ilusões, desde que deve sentir muito bem que o seu corpo não é mais material e resistente?
─ Ele o sabe e não tem ilusão.
OBSERVAÇÃO: Isto não é perfeitamente exato. Sabemos que há Espíritos que em certos casos têm essa ilusão e julgam não estar mortos.
12. ─ No fim da batalha de Solferino desabou uma violenta tempestade. Foi por uma circunstância fortuita ou por um desígnio providencial?
─ Toda circunstância fortuita é resultado da vontade de Deus.
13. ─ Essa tempestade tinha um objetivo? Qual seria ele?
─ Sim, por certo: cessar o combate.
14. ─ Foi provocada no interesse de uma das partes beligerantes? Qual delas?
─ Sim, sobretudo para os nossos inimigos.
─ Por quê? Poderíeis explicar-vos mais claramente?
─ Perguntais-me por quê? Não sabeis que, sem essa tempestade, nossa artilharia não teria deixado escapar nenhum austríaco?
15. ─ Se essa tempestade foi provocada, deve ter tido agentes que a provocaram. Quais foram eles?
─ A eletricidade.
16. ─ Esse é o agente material, mas há Espíritos que têm por atribuição conduzir os elementos?
─ Não. Basta a vontade de Deus. Ele não necessita de auxiliares tão comuns. (Vide mais adiante o artigo sobre as tempestades).
O general Hoche
1. (Evocação)
─ Estou convosco.
2. ─ A Sra. J... nos disse que vos tínheis comunicado espontaneamente com ela. Com que intenção o fizestes, uma vez que ela não vos havia chamado?
─ Ela é que me traz até aqui. Eu desejava ser chamado por vós e sabia que indo à casa dela seríeis informados e provavelmente me evocaríeis.
3. ─ Dissestes a ela que estáveis acompanhando as operações militares na Itália. Isto é natural. Poderíeis dizer-nos o que pensais a respeito?
─ Elas produziram grandes resultados. Em meu tempo a gente se batia mais longamente.
4. ─ Assistindo a essa guerra, tendes um papel ativo?
─ Não, simples espectador.
5. ─ Outros generais do vosso tempo lá estiveram convosco?
─ Sim, bem o podeis supor.
6. ─ Poderíeis apontar alguns?
─ Seria inútil.
7. ─ Dizem-nos que Napoleão I estava presente, o que não é difícil de acreditar. Quando das primeiras guerras da Itália, ele era simples general. Poderíeis dizer-nos se nessa guerra ele via as coisas do ponto de vista do general ou do imperador?
─ De ambos, além de um terceiro: do diplomata.
8. ─ Quando vivo, vosso posto era quase igual ao dele. Como depois da vossa morte ele subiu muito, poderíeis dizer-nos se, como Espírito, o considerais como vosso superior?
─ Aqui reina a igualdade. O que quereis saber com isso?
OBSERVAÇÃO: Sem dúvida ele entende como igualdade que os Espíritos não levam em conta as distinções terrenas, com as quais de fato pouco se preocupam e que nada vale entre eles, mas a igualdade moral está longe de existir ali. Há entre eles uma hierarquia e uma subordinação, baseadas nas qualidades adquiridas, e ninguém pode subtrair-se ao ascendente daqueles que são mais elevados e mais puros.
9. ─ Acompanhando as peripécias da guerra, prevíeis a paz tão próxima?
─ Sim.
10. ─ Isto era para vós simples previsão ou tínheis um conhecimento prévio e
certo?
─ Não; me haviam dito.
11. ─ Sois sensível à lembrança que de vós guardamos?
─ Sim, mas eu fiz tão pouco.
12. ─ Vossa viúva acaba de morrer. Vós a encontrastes imediatamente?
─ Eu a esperava. Hoje vou deixá-la. A existência me chama.
13. ─ É na Terra que deveis ter uma nova existência?
─ Não.
14. ─ O mundo para onde devereis ir nos é conhecido?
─ Sim. Mercúrio.
15. ─ Esse mundo é moralmente superior ou inferior à Terra?
─ Inferior. Eu o elevarei. Contribuirei para fazê-lo classificar-se melhor.
16. ─ Já conheceis esse mundo para onde deveis ir?
─ Sim, muito bem. Talvez melhor do que o conhecerei quando habitá-lo.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta é perfeitamente lógica. Como Espírito, ele vê o mundo na sua plenitude. Como encarnado, vê-lo-á do ponto de vista restrito da sua personalidade e da posição social que ocupar.
17. ─ Do ponto de vista físico, os habitantes desse mundo são tão materiais quanto os da Terra?
─ Sim, completamente. E mais ainda.
18. ─ Fostes vós que escolhestes esse mundo para vossa nova existência?
─ Não, não. Eu teria preferido uma terra calma e feliz. Lá encontrarei torrentes de mal a combater e os furores do crime a punir.
OBSERVAÇÃO: Quando nossos missionários cristãos vão aos povos bárbaros para tentar fazer que neles penetrem os germes da civilização, não desempenham uma função análoga? Por que então nos admirarmos de que um Espírito elevado vá a um mundo atrasado, com o fito de fazê-lo progredir?
19. ─ Essa existência vos é imposta por constrangimento?
─ Não. Foi-me aconselhada. Fizeram-me compreender que o destino, a Providência, se assim quiserdes, ali me chamava. É como a morte antes de subir ao Céu. É preciso sofrer e, infelizmente, eu não sofri o bastante.
20. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sim, sem dificuldades.
21. ─ Quais foram as vossas ocupações como Espírito, desde o momento em que deixastes a Terra?
─ Visitei o mundo, a Terra inteira. Isto exigiu um período de alguns anos. Aprendi as leis que Deus emprega para conduzir todos os fenômenos que contribuem para a vida terrena. Depois, fiz o mesmo em diversas outras esferas.
22. ─ Nós vos agradecemos por terdes de bom grado atendido ao nosso apelo.
─ Adeus. Não me vereis mais.
1. (Evocação)
─ Estou convosco.
2. ─ A Sra. J... nos disse que vos tínheis comunicado espontaneamente com ela. Com que intenção o fizestes, uma vez que ela não vos havia chamado?
─ Ela é que me traz até aqui. Eu desejava ser chamado por vós e sabia que indo à casa dela seríeis informados e provavelmente me evocaríeis.
3. ─ Dissestes a ela que estáveis acompanhando as operações militares na Itália. Isto é natural. Poderíeis dizer-nos o que pensais a respeito?
─ Elas produziram grandes resultados. Em meu tempo a gente se batia mais longamente.
4. ─ Assistindo a essa guerra, tendes um papel ativo?
─ Não, simples espectador.
5. ─ Outros generais do vosso tempo lá estiveram convosco?
─ Sim, bem o podeis supor.
6. ─ Poderíeis apontar alguns?
─ Seria inútil.
7. ─ Dizem-nos que Napoleão I estava presente, o que não é difícil de acreditar. Quando das primeiras guerras da Itália, ele era simples general. Poderíeis dizer-nos se nessa guerra ele via as coisas do ponto de vista do general ou do imperador?
─ De ambos, além de um terceiro: do diplomata.
8. ─ Quando vivo, vosso posto era quase igual ao dele. Como depois da vossa morte ele subiu muito, poderíeis dizer-nos se, como Espírito, o considerais como vosso superior?
─ Aqui reina a igualdade. O que quereis saber com isso?
OBSERVAÇÃO: Sem dúvida ele entende como igualdade que os Espíritos não levam em conta as distinções terrenas, com as quais de fato pouco se preocupam e que nada vale entre eles, mas a igualdade moral está longe de existir ali. Há entre eles uma hierarquia e uma subordinação, baseadas nas qualidades adquiridas, e ninguém pode subtrair-se ao ascendente daqueles que são mais elevados e mais puros.
9. ─ Acompanhando as peripécias da guerra, prevíeis a paz tão próxima?
─ Sim.
10. ─ Isto era para vós simples previsão ou tínheis um conhecimento prévio e
certo?
─ Não; me haviam dito.
11. ─ Sois sensível à lembrança que de vós guardamos?
─ Sim, mas eu fiz tão pouco.
12. ─ Vossa viúva acaba de morrer. Vós a encontrastes imediatamente?
─ Eu a esperava. Hoje vou deixá-la. A existência me chama.
13. ─ É na Terra que deveis ter uma nova existência?
─ Não.
14. ─ O mundo para onde devereis ir nos é conhecido?
─ Sim. Mercúrio.
15. ─ Esse mundo é moralmente superior ou inferior à Terra?
─ Inferior. Eu o elevarei. Contribuirei para fazê-lo classificar-se melhor.
16. ─ Já conheceis esse mundo para onde deveis ir?
─ Sim, muito bem. Talvez melhor do que o conhecerei quando habitá-lo.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta é perfeitamente lógica. Como Espírito, ele vê o mundo na sua plenitude. Como encarnado, vê-lo-á do ponto de vista restrito da sua personalidade e da posição social que ocupar.
17. ─ Do ponto de vista físico, os habitantes desse mundo são tão materiais quanto os da Terra?
─ Sim, completamente. E mais ainda.
18. ─ Fostes vós que escolhestes esse mundo para vossa nova existência?
─ Não, não. Eu teria preferido uma terra calma e feliz. Lá encontrarei torrentes de mal a combater e os furores do crime a punir.
OBSERVAÇÃO: Quando nossos missionários cristãos vão aos povos bárbaros para tentar fazer que neles penetrem os germes da civilização, não desempenham uma função análoga? Por que então nos admirarmos de que um Espírito elevado vá a um mundo atrasado, com o fito de fazê-lo progredir?
19. ─ Essa existência vos é imposta por constrangimento?
─ Não. Foi-me aconselhada. Fizeram-me compreender que o destino, a Providência, se assim quiserdes, ali me chamava. É como a morte antes de subir ao Céu. É preciso sofrer e, infelizmente, eu não sofri o bastante.
20. ─ Sois feliz como Espírito?
─ Sim, sem dificuldades.
21. ─ Quais foram as vossas ocupações como Espírito, desde o momento em que deixastes a Terra?
─ Visitei o mundo, a Terra inteira. Isto exigiu um período de alguns anos. Aprendi as leis que Deus emprega para conduzir todos os fenômenos que contribuem para a vida terrena. Depois, fiz o mesmo em diversas outras esferas.
22. ─ Nós vos agradecemos por terdes de bom grado atendido ao nosso apelo.
─ Adeus. Não me vereis mais.
Morte de um Espírita
O Sr. J..., negociante do departamento de La Sarthe, falecido a 15 de julho de 1859, era, sob todos os pontos de vista, um homem de bem e de uma caridade sem limites. Tinha feito um estudo sério do Espiritismo e era um de seus fervorosos adeptos. Como assinante da Revista Espírita, estava em contato indireto conosco, sem que nos tivéssemos visto. Evocando-o, temos como objetivo não só corresponder ao desejo de seus parentes e amigos, como de lhe dar pessoalmente um testemunho de nossa simpatia e agradecer-lhe as gentilezas que ele dizia e pensava a nosso respeito. Além disso, era para nós motivo de estudo interessante, do ponto de vista da influência que pode ter o conhecimento aprofundado do Espiritismo sobre o estado da alma depois da morte.
1. ─ (Evocação).
─ Aqui estou há muito tempo.
2. ─ Jamais tive o prazer de ver-vos. Não obstante, vós me reconheceis?
─ Reconheço-vos muito bem, visto que frequentemente vos visitei e tive mais de uma conversa convosco, como Espírito, durante a minha vida.
OBSERVAÇÃO: Isto confirma o fato muito importante, do qual temos numerosos exemplos, das comunicações que entre si têm os homens, sem o saberem, durante a vida. Assim, durante o sono do corpo, os Espíritos viajam e se visitam reciprocamente. Despertando, conservam intuição das ideias que adquiriram nessas conversas ocultas, e cuja fonte ignoram. Desta maneira, temos durante a vida uma existência dupla: a corporal, que nos dá a vida de relação exterior, e a espírita, que nos dá a vida de relação oculta.
3. ─ Sois mais feliz do que na Terra?
─ E sois vós que me perguntais?
4. ─ Compreendo. Entretanto, desfrutáveis de uma fortuna honradamente adquirida, que vos proporcionava os prazeres da vida. Tínheis a estima e a consideração granjeadas pela vossa bondade e vossa beneficência. Poderíeis dizernos em que consiste a superioridade de vossa felicidade atual?
─ Consiste naturalmente na satisfação que me proporciona a lembrança do pouco bem que fiz, e na certeza do futuro que ele me promete. Além disso, não levais em conta a ausência das inquietudes e dificuldades da vida; dos sofrimentos corporais e de todos esses tormentos que nós criamos para satisfazer às necessidades do corpo? Durante a vida, a agitação, a ansiedade, as angústias incessantes, mesmo em meio à fortuna. Aqui a tranquilidade e o repouso. É a calma depois da tempestade.
5. ─ Seis semanas antes de morrer, dizíeis ter ainda que viver cinco anos. De onde vinha essa ilusão, quando tantas pessoas pressentem a morte próxima?
─ Um Espírito benevolente queria afastar da minha mente esse momento que, sem o confessar, eu tinha a fraqueza de temer, embora soubesse do futuro do Espírito.
6. ─ Havíeis mergulhado profundamente na ciência espírita. Poderíeis dizer-nos se, ao entrar no mundo dos Espíritos, encontrastes as coisas como as imagináveis?
─ Quase exatamente iguais, exceto por algumas questões de detalhes que eu havia compreendido mal.
7. ─ A leitura atenta que fazíeis da Revista Espírita e do Livro dos Espíritos vos ajudaram bastante nisso?
─ Incontestavelmente. Foi isso principalmente o que preparou a minha entrada na verdadeira vida.
8. ─ Sentistes algum espanto quando vos encontrastes no mundo dos Espíritos?
─ Impossível que fosse de outro modo. Contudo, espanto não é bem o termo. Melhor seria dizer admiração. Estais muito longe de conceber uma ideia do que significa isto!
OBSERVAÇÃO: Aquele que antes de mudar-se para uma região a estudou nos livros; identificou-se com os costumes dos seus habitantes; verificou sua topologia e seu aspecto por meio de desenhos, de plantas e de descrições, fica sem dúvida menos
surpreso do que outro que não tem nenhuma ideia disso. Entretanto, a realidade lhe mostra uma porção de detalhes que não tinha previsto e que o impressionam. Devese dar o mesmo no mundo dos Espíritos, cujas maravilhas não podemos compreender totalmente, porque há coisas que ultrapassam o nosso entendimento.
9. ─ Deixando o corpo, vistes e reconhecestes imediatamente alguns Espíritos junto a vós?
─ Sim, e Espíritos queridos.
10. ─ Que pensais agora do futuro do Espiritismo?
─ Um futuro mais belo do que pensais, apesar da vossa fé e do vosso desejo.
11. ─ Vossos conhecimentos relativos a assuntos espíritas sem dúvida vos permitirão responder com precisão a algumas perguntas. Poderíeis descrever claramente o que se passou convosco no momento em que o corpo deu o último suspiro e o vosso Espírito se achou livre?
─ Pessoalmente, acho muito difícil encontrar um meio de vos explicar de maneira diferente da que já foi feita, isto é, comparando a sensação que a gente experimenta ao despertar de um sono profundo. Esse despertar é mais ou menos lento e difícil, na razão direta da situação moral do Espírito, e nunca deixa de ser fortemente influenciado pelas circunstâncias que acompanham a morte.
OBSERVAÇÃO: Isto está de acordo com todas as observações feitas sobre o estado do Espírito no momento de separar-se do corpo. Vimos sempre as circunstâncias morais e materiais que acompanham a morte reagirem poderosamente sobre o estado do Espírito, nos primeiros momentos.
12. ─ Vosso Espírito conservou a consciência de sua existência até o último momento e a recobrou imediatamente? Houve um momento de falta de lucidez? Qual foi a sua duração?
─ Houve um instante de perturbação, quase que imperceptível para mim.
13. ─ O momento de despertar teve algo de penoso?
─ Não, pelo contrário. Eu me sentia, se assim posso falar, alegre e disposto, como se respirasse ar puro ao sair de uma sala cheia de fumaça.
OBSERVAÇÃO: Comparação engenhosa, que só pode ser a pura expressão da verdade.
14. ─ Lembrai-vos da existência que tivestes antes desta que acabais de deixar? Como foi ela?
─ Lembro-me dela da melhor forma possível. Eu era um bom criado junto de um bom senhor que, em companhia de outros, me recebeu, à minha entrada neste mundo bem-aventurado.
15. ─ Creio que o vosso irmão se ocupa menos das questões espíritas do que vos ocupáveis.
─ Sim, eu farei alguma coisa para que ele tenha mais interesse, caso me seja permitido. Se ele soubesse o que a gente ganha com isso, dar-lhe-ia mais importância.
16. ─ O vosso irmão pediu ao Sr. D... que me comunicasse a vossa morte. Ambos esperam ansiosos o resultado de nossa conversa. Ficarão, entretanto, mais sensibilizados com uma mensagem direta de vossa parte, se quiserdes confiar-me algumas palavras para eles ou para outras pessoas que sentem a vossa falta.
─ Por vosso intermédio dir-lhes-ei o que eu mesmo teria dito, mas receio muito não ter mais influência junto a alguns deles, como outrora. Entretanto, em meu nome e no de seus amigos, que bem vejo, concito-os a refletir e estudar seriamente esta grave questão do Espiritismo, ainda que fosse tão somente pelo auxílio que ela traz para passar este momento tão temido pela maior parte das pessoas, e tão pouco temível para aquele que se preparou previamente pelo estudo do futuro e pela prática
do bem. Dizei-lhes que sempre estou com eles, em seu meio; que os vejo, e que serei feliz se suas disposições lhes puderem assegurar, no mundo onde me encontro, um lugar do qual não terão senão que se felicitarem. Dizei-o sobretudo ao meu irmão,
cuja felicidade é o meu mais profundo desejo, do qual não me esqueço, embora eu seja mais feliz que ele.
17. ─ A simpatia que tivestes a bondade de me testemunhar em vida, mesmo sem me conhecer, faz-me esperar que nos encontremos facilmente quando eu estiver em vosso meio. Até lá, serei feliz se quiserdes assistir-me nos trabalhos que me resta fazer para concluir a minha tarefa.
─ Julgais-me com muita benevolência. Não obstante, convencei-vos de que, se vos puder ser de alguma utilidade, não deixarei de fazê-lo, talvez mesmo sem que o suspeiteis.
18. ─ Agradecemos por terdes gentilmente atendido ao nosso apelo, e pelas instrutivas explicações que nos destes.
─ À vossa disposição. Estarei muitas vezes convosco.
OBSERVAÇÃO: Esta comunicação é incontestavelmente uma das que descrevem a vida espírita com a maior clareza. Oferece um poderoso ensino relativamente à influência que as ideias espíritas exercem sobre o nosso estado depois da morte.
Esta conversa parece haver deixado algo a desejar ao amigo que nos participou a morte do Sr. J..., pois nos disse: “Ele não conservou na linguagem o cunho de originalidade que tinha conosco. Manteve uma reserva que não observava com pessoa alguma. Seu estilo incorreto, brusco, revelava inspiração; ousava tudo; vencia quem quer que formulasse uma objeção às suas crenças; reduzia-nos a nada para nos converter. Em seu perfil psicológico não revela nenhuma particularidade das numerosas relações que tinha com uma porção de pessoas que frequentava. Todos nós gostaríamos de nos vermos citados por ele, não para satisfazer nossa curiosidade, mas para nossa instrução. Gostaríamos que nos tivesse falado claramente de algumas ideias por nós emitidas em sua presença, nas nossas conversas. A mim, pessoalmente, poderia ter dito se eu tinha ou não tinha razão de insistir em tal ou qual consideração; se aquilo que eu lhe havia dito era verdadeiro ou falso. Absolutamente não falou de sua irmã, ainda viva e tão digna de interesse”.
Depois desta carta evocamos novamente o Sr. J..., e lhe dirigimos as perguntas seguintes:
19. ─ Tendes conhecimento da carta que recebi em resposta à remessa da vossa evocação?
─ Sim, vi quando a escreviam.
20. ─ Teríeis a bondade de dar algumas explicações sobre certas passagens dessa carta e, como bem compreendeis, com um fim instrutivo, unicamente para me fornecer elementos para uma resposta?
─ Se o considerais útil, sim.
21. ─ Acham estranho que a vossa linguagem não tenha conservado o cunho da originalidade. Parece que em vida éreis esmagador na discussão.
─ Sim, mas o Céu e a Terra são muito diferentes e aqui eu encontrei mestres.
Que quereis? Eles me impacientavam com suas objeções absurdas. Eu lhes mostrava o Sol e não queriam vê-lo. Como conservar o sangue frio? Aqui não há necessidade de discutir; todos nos entendemos.
22. ─ Esses senhores admiram-se de que não os tenhais interpelado nominalmente para refutá-los, como fazíeis em vida.
─ Que se admirem! Eu os espero. Quando vierem juntar-se a mim, verão qual de nós está com a razão. Será preciso que venham para este lado, quer queiram, quer não queiram, e uns mais cedo do que pensam. Sua jactância cairá como a poeira abatida pela chuva. Sua bazófia... (Aqui o Espírito para e se recusa a concluir a frase).
23. ─ Eles inferem que não lhes demonstrais todo o interesse que tinham direito a esperar de vós.
─ Eu lhes desejo o bem, mas nada farei contra sua própria vontade.
24. ─ Também se admiram de que nada tenhais dito relativamente à vossa irmã.
─ Por acaso eles estão entre mim e ela?
25. ─ O Sr. B... gostaria que tivésseis dito algo que vos contou na intimidade. Para ele e para outros, isto teria sido um meio de esclarecimento.
─ Qual a vantagem de repetir o que ele sabe? Pensa que não tenho outra coisa a fazer? Não têm eles os mesmos meios de esclarecimento que eu tive? Que os aproveitem. Garanto-lhes que se sentirão bem. Quanto a mim, dou graças aos céus por me haverem enviado a luz que me franqueou o caminho da felicidade.
26. ─ Mas é esta luz que eles desejam e que seriam felizes se a recebessem de vós.
─ A luz brilha para todo mundo. Cego é aquele que não quer ver. Esse cairá no precipício e amaldiçoará a sua cegueira.
27. ─ Vossa linguagem me parece marcada por grande severidade.
─ Não me acharam eles muito brando?
28. ─ Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelos esclarecimentos que nos destes.
─ Sempre ao vosso serviço, pois sei que é para o bem.
O Sr. J..., negociante do departamento de La Sarthe, falecido a 15 de julho de 1859, era, sob todos os pontos de vista, um homem de bem e de uma caridade sem limites. Tinha feito um estudo sério do Espiritismo e era um de seus fervorosos adeptos. Como assinante da Revista Espírita, estava em contato indireto conosco, sem que nos tivéssemos visto. Evocando-o, temos como objetivo não só corresponder ao desejo de seus parentes e amigos, como de lhe dar pessoalmente um testemunho de nossa simpatia e agradecer-lhe as gentilezas que ele dizia e pensava a nosso respeito. Além disso, era para nós motivo de estudo interessante, do ponto de vista da influência que pode ter o conhecimento aprofundado do Espiritismo sobre o estado da alma depois da morte.
1. ─ (Evocação).
─ Aqui estou há muito tempo.
2. ─ Jamais tive o prazer de ver-vos. Não obstante, vós me reconheceis?
─ Reconheço-vos muito bem, visto que frequentemente vos visitei e tive mais de uma conversa convosco, como Espírito, durante a minha vida.
OBSERVAÇÃO: Isto confirma o fato muito importante, do qual temos numerosos exemplos, das comunicações que entre si têm os homens, sem o saberem, durante a vida. Assim, durante o sono do corpo, os Espíritos viajam e se visitam reciprocamente. Despertando, conservam intuição das ideias que adquiriram nessas conversas ocultas, e cuja fonte ignoram. Desta maneira, temos durante a vida uma existência dupla: a corporal, que nos dá a vida de relação exterior, e a espírita, que nos dá a vida de relação oculta.
3. ─ Sois mais feliz do que na Terra?
─ E sois vós que me perguntais?
4. ─ Compreendo. Entretanto, desfrutáveis de uma fortuna honradamente adquirida, que vos proporcionava os prazeres da vida. Tínheis a estima e a consideração granjeadas pela vossa bondade e vossa beneficência. Poderíeis dizernos em que consiste a superioridade de vossa felicidade atual?
─ Consiste naturalmente na satisfação que me proporciona a lembrança do pouco bem que fiz, e na certeza do futuro que ele me promete. Além disso, não levais em conta a ausência das inquietudes e dificuldades da vida; dos sofrimentos corporais e de todos esses tormentos que nós criamos para satisfazer às necessidades do corpo? Durante a vida, a agitação, a ansiedade, as angústias incessantes, mesmo em meio à fortuna. Aqui a tranquilidade e o repouso. É a calma depois da tempestade.
5. ─ Seis semanas antes de morrer, dizíeis ter ainda que viver cinco anos. De onde vinha essa ilusão, quando tantas pessoas pressentem a morte próxima?
─ Um Espírito benevolente queria afastar da minha mente esse momento que, sem o confessar, eu tinha a fraqueza de temer, embora soubesse do futuro do Espírito.
6. ─ Havíeis mergulhado profundamente na ciência espírita. Poderíeis dizer-nos se, ao entrar no mundo dos Espíritos, encontrastes as coisas como as imagináveis?
─ Quase exatamente iguais, exceto por algumas questões de detalhes que eu havia compreendido mal.
7. ─ A leitura atenta que fazíeis da Revista Espírita e do Livro dos Espíritos vos ajudaram bastante nisso?
─ Incontestavelmente. Foi isso principalmente o que preparou a minha entrada na verdadeira vida.
8. ─ Sentistes algum espanto quando vos encontrastes no mundo dos Espíritos?
─ Impossível que fosse de outro modo. Contudo, espanto não é bem o termo. Melhor seria dizer admiração. Estais muito longe de conceber uma ideia do que significa isto!
OBSERVAÇÃO: Aquele que antes de mudar-se para uma região a estudou nos livros; identificou-se com os costumes dos seus habitantes; verificou sua topologia e seu aspecto por meio de desenhos, de plantas e de descrições, fica sem dúvida menos
surpreso do que outro que não tem nenhuma ideia disso. Entretanto, a realidade lhe mostra uma porção de detalhes que não tinha previsto e que o impressionam. Devese dar o mesmo no mundo dos Espíritos, cujas maravilhas não podemos compreender totalmente, porque há coisas que ultrapassam o nosso entendimento.
9. ─ Deixando o corpo, vistes e reconhecestes imediatamente alguns Espíritos junto a vós?
─ Sim, e Espíritos queridos.
10. ─ Que pensais agora do futuro do Espiritismo?
─ Um futuro mais belo do que pensais, apesar da vossa fé e do vosso desejo.
11. ─ Vossos conhecimentos relativos a assuntos espíritas sem dúvida vos permitirão responder com precisão a algumas perguntas. Poderíeis descrever claramente o que se passou convosco no momento em que o corpo deu o último suspiro e o vosso Espírito se achou livre?
─ Pessoalmente, acho muito difícil encontrar um meio de vos explicar de maneira diferente da que já foi feita, isto é, comparando a sensação que a gente experimenta ao despertar de um sono profundo. Esse despertar é mais ou menos lento e difícil, na razão direta da situação moral do Espírito, e nunca deixa de ser fortemente influenciado pelas circunstâncias que acompanham a morte.
OBSERVAÇÃO: Isto está de acordo com todas as observações feitas sobre o estado do Espírito no momento de separar-se do corpo. Vimos sempre as circunstâncias morais e materiais que acompanham a morte reagirem poderosamente sobre o estado do Espírito, nos primeiros momentos.
12. ─ Vosso Espírito conservou a consciência de sua existência até o último momento e a recobrou imediatamente? Houve um momento de falta de lucidez? Qual foi a sua duração?
─ Houve um instante de perturbação, quase que imperceptível para mim.
13. ─ O momento de despertar teve algo de penoso?
─ Não, pelo contrário. Eu me sentia, se assim posso falar, alegre e disposto, como se respirasse ar puro ao sair de uma sala cheia de fumaça.
OBSERVAÇÃO: Comparação engenhosa, que só pode ser a pura expressão da verdade.
14. ─ Lembrai-vos da existência que tivestes antes desta que acabais de deixar? Como foi ela?
─ Lembro-me dela da melhor forma possível. Eu era um bom criado junto de um bom senhor que, em companhia de outros, me recebeu, à minha entrada neste mundo bem-aventurado.
15. ─ Creio que o vosso irmão se ocupa menos das questões espíritas do que vos ocupáveis.
─ Sim, eu farei alguma coisa para que ele tenha mais interesse, caso me seja permitido. Se ele soubesse o que a gente ganha com isso, dar-lhe-ia mais importância.
16. ─ O vosso irmão pediu ao Sr. D... que me comunicasse a vossa morte. Ambos esperam ansiosos o resultado de nossa conversa. Ficarão, entretanto, mais sensibilizados com uma mensagem direta de vossa parte, se quiserdes confiar-me algumas palavras para eles ou para outras pessoas que sentem a vossa falta.
─ Por vosso intermédio dir-lhes-ei o que eu mesmo teria dito, mas receio muito não ter mais influência junto a alguns deles, como outrora. Entretanto, em meu nome e no de seus amigos, que bem vejo, concito-os a refletir e estudar seriamente esta grave questão do Espiritismo, ainda que fosse tão somente pelo auxílio que ela traz para passar este momento tão temido pela maior parte das pessoas, e tão pouco temível para aquele que se preparou previamente pelo estudo do futuro e pela prática
do bem. Dizei-lhes que sempre estou com eles, em seu meio; que os vejo, e que serei feliz se suas disposições lhes puderem assegurar, no mundo onde me encontro, um lugar do qual não terão senão que se felicitarem. Dizei-o sobretudo ao meu irmão,
cuja felicidade é o meu mais profundo desejo, do qual não me esqueço, embora eu seja mais feliz que ele.
17. ─ A simpatia que tivestes a bondade de me testemunhar em vida, mesmo sem me conhecer, faz-me esperar que nos encontremos facilmente quando eu estiver em vosso meio. Até lá, serei feliz se quiserdes assistir-me nos trabalhos que me resta fazer para concluir a minha tarefa.
─ Julgais-me com muita benevolência. Não obstante, convencei-vos de que, se vos puder ser de alguma utilidade, não deixarei de fazê-lo, talvez mesmo sem que o suspeiteis.
18. ─ Agradecemos por terdes gentilmente atendido ao nosso apelo, e pelas instrutivas explicações que nos destes.
─ À vossa disposição. Estarei muitas vezes convosco.
OBSERVAÇÃO: Esta comunicação é incontestavelmente uma das que descrevem a vida espírita com a maior clareza. Oferece um poderoso ensino relativamente à influência que as ideias espíritas exercem sobre o nosso estado depois da morte.
Esta conversa parece haver deixado algo a desejar ao amigo que nos participou a morte do Sr. J..., pois nos disse: “Ele não conservou na linguagem o cunho de originalidade que tinha conosco. Manteve uma reserva que não observava com pessoa alguma. Seu estilo incorreto, brusco, revelava inspiração; ousava tudo; vencia quem quer que formulasse uma objeção às suas crenças; reduzia-nos a nada para nos converter. Em seu perfil psicológico não revela nenhuma particularidade das numerosas relações que tinha com uma porção de pessoas que frequentava. Todos nós gostaríamos de nos vermos citados por ele, não para satisfazer nossa curiosidade, mas para nossa instrução. Gostaríamos que nos tivesse falado claramente de algumas ideias por nós emitidas em sua presença, nas nossas conversas. A mim, pessoalmente, poderia ter dito se eu tinha ou não tinha razão de insistir em tal ou qual consideração; se aquilo que eu lhe havia dito era verdadeiro ou falso. Absolutamente não falou de sua irmã, ainda viva e tão digna de interesse”.
Depois desta carta evocamos novamente o Sr. J..., e lhe dirigimos as perguntas seguintes:
19. ─ Tendes conhecimento da carta que recebi em resposta à remessa da vossa evocação?
─ Sim, vi quando a escreviam.
20. ─ Teríeis a bondade de dar algumas explicações sobre certas passagens dessa carta e, como bem compreendeis, com um fim instrutivo, unicamente para me fornecer elementos para uma resposta?
─ Se o considerais útil, sim.
21. ─ Acham estranho que a vossa linguagem não tenha conservado o cunho da originalidade. Parece que em vida éreis esmagador na discussão.
─ Sim, mas o Céu e a Terra são muito diferentes e aqui eu encontrei mestres.
Que quereis? Eles me impacientavam com suas objeções absurdas. Eu lhes mostrava o Sol e não queriam vê-lo. Como conservar o sangue frio? Aqui não há necessidade de discutir; todos nos entendemos.
22. ─ Esses senhores admiram-se de que não os tenhais interpelado nominalmente para refutá-los, como fazíeis em vida.
─ Que se admirem! Eu os espero. Quando vierem juntar-se a mim, verão qual de nós está com a razão. Será preciso que venham para este lado, quer queiram, quer não queiram, e uns mais cedo do que pensam. Sua jactância cairá como a poeira abatida pela chuva. Sua bazófia... (Aqui o Espírito para e se recusa a concluir a frase).
23. ─ Eles inferem que não lhes demonstrais todo o interesse que tinham direito a esperar de vós.
─ Eu lhes desejo o bem, mas nada farei contra sua própria vontade.
24. ─ Também se admiram de que nada tenhais dito relativamente à vossa irmã.
─ Por acaso eles estão entre mim e ela?
25. ─ O Sr. B... gostaria que tivésseis dito algo que vos contou na intimidade. Para ele e para outros, isto teria sido um meio de esclarecimento.
─ Qual a vantagem de repetir o que ele sabe? Pensa que não tenho outra coisa a fazer? Não têm eles os mesmos meios de esclarecimento que eu tive? Que os aproveitem. Garanto-lhes que se sentirão bem. Quanto a mim, dou graças aos céus por me haverem enviado a luz que me franqueou o caminho da felicidade.
26. ─ Mas é esta luz que eles desejam e que seriam felizes se a recebessem de vós.
─ A luz brilha para todo mundo. Cego é aquele que não quer ver. Esse cairá no precipício e amaldiçoará a sua cegueira.
27. ─ Vossa linguagem me parece marcada por grande severidade.
─ Não me acharam eles muito brando?
28. ─ Nós vos agradecemos por terdes vindo e pelos esclarecimentos que nos destes.
─ Sempre ao vosso serviço, pois sei que é para o bem.
As tempestades - Papel dos Espíritos nos fenômenos naturais
1. ─ (A Fr. Arago). Disseram-nos que a tempestade de Solferino tinha um objetivo providencial e nos assinalaram vários fatos desse gênero, principalmente em fevereiro e junho de 1848. Durante os combates tinham essas tempestades um fim análogo?
─ Quase todas.
─ Quase todas.
2. ─ Interrogado a respeito, disse-nos o Espírito que em tais circunstâncias só Deus agia, sem intermediários. Permiti-nos algumas perguntas a respeito, que vos pedimos queirais resolver com a vossa habitual clareza. Compreendemos perfeitamente que a vontade de Deus seja a causa primeira, nisto, como em todas as coisas. Mas, também sabemos que os Espíritos são seus agentes. Ora, se sabemos que os Espíritos exercem ação sobre a matéria, não vemos por que alguns deles não teriam ação sobre os elementos, a fim de agitá-los, acalmá-los ou dirigi-los.
─ Mas é evidente. Isto não pode ser de outro modo. Deus não age diretamente sobre a matéria. Ele tem seus agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos. O Espírito evocado assim falou por ter um conhecimento imperfeito dessas leis, bem como das leis da guerra.
─ Mas é evidente. Isto não pode ser de outro modo. Deus não age diretamente sobre a matéria. Ele tem seus agentes dedicados em todos os graus da escala dos mundos. O Espírito evocado assim falou por ter um conhecimento imperfeito dessas leis, bem como das leis da guerra.
OBSERVAÇÃO: A comunicação do oficial, acima referida, foi obtida a 1º de julho; esta só aconteceu no dia 22, e por um outro médium. Na pergunta nada indica a qualidade do primeiro Espírito evocado, qualidade que, espontaneamente, este que acaba de responder lembrou. Esta circunstância é característica e prova que o pensamento do médium absolutamente não influiu na resposta. É assim que numa porção de circunstâncias fortuitas, o Espírito tanto revela sua identidade como sua independência. Eis porque dizemos que é preciso ver muito e muito observar. Dessa forma descobrimos uma porção de nuanças que escapam ao observador superficial e apressado. Sabe-se que é preciso apanhar os fatos quando eles se apresentam e que não será provocando-os que serão obtidos. O observador atento e paciente encontra sempre algo a respigar.
3. ─ A Mitologia está inteiramente fundada sobre as ideias espíritas. Nela encontramos todas as propriedades dos Espíritos, com a diferença de que os Antigos deles fizeram deuses. Ora, a Mitologia nos representa esses deuses, ou Espíritos, com atribuições especiais. Assim, uns eram encarregados dos ventos, outros dos raios, outros de presidir a vegetação, etc. Essa crença é destituída de fundamento?
─ É tão pouco destituída de fundamento que está muito próxima da verdade.
─ É tão pouco destituída de fundamento que está muito próxima da verdade.
4. ─ No começo de nossas comunicações, os Espíritos nos disseram coisas que parecem confirmar esse princípio. Disseram-nos, por exemplo, que certos Espíritos habitam mais especialmente o interior da Terra e presidem aos fenômenos geológicos.
─ Sim, e não tardareis muito a ter a explicação de tudo isso.
─ Sim, e não tardareis muito a ter a explicação de tudo isso.
5. ─ Os Espíritos que habitam o interior da Terra e presidem aos fenômenos geológicos são de uma ordem inferior?
─ Esses Espíritos não moram positivamente na Terra, mas presidem e dirigem os fenômenos geológicos. Eles são de uma ordem completamente diversa.
─ Esses Espíritos não moram positivamente na Terra, mas presidem e dirigem os fenômenos geológicos. Eles são de uma ordem completamente diversa.
6. ─ São Espíritos que já estiveram encarnados em homens como nós?
─ Que estiveram e que estarão. Eu vos direi mais a respeito, dentro de pouco tempo, se quiserdes.
─ Que estiveram e que estarão. Eu vos direi mais a respeito, dentro de pouco tempo, se quiserdes.
O lar de uma família Espírita
Há três anos a Sra. G... ficou viúva, com quatro crianças. O filho mais velho é um rapaz amável, de dezessete anos, e a filha mais moça uma encantadora menina de seis. Desde muito tempo essa família se dedica ao Espiritismo, e antes mesmo que esta crença se tivesse tornado tão popular como hoje, marido e mulher tinham uma espécie de intuição que diversas circunstâncias haviam desenvolvido. O pai do Sr. G... havia aparecido para ele várias vezes, na mocidade, sempre para preveni-lo de coisas importantes ou para lhe dar conselhos úteis. Fatos semelhantes também se haviam passado entre os seus amigos, de sorte que para eles a existência de alémtúmulo não era objeto da menor dúvida, assim como não o era a possibilidade de nos comunicarmos com nossos entes queridos.
Quando o Espiritismo surgiu, foi apenas a confirmação de uma ideia bem assentada e santificada pelo sentimento de uma religião esclarecida, pois aquela família é um modelo de piedade e de caridade evangélica. Na nova ciência aprenderam os meios mais diretos de comunicação. A mãe e um dos filhos tornaramse excelentes médiuns. Mas, longe de empregar essa faculdade em questões fúteis, todos consideravam-na precioso dom da Providência, do qual não era permitido servir-se senão para coisas sérias. Assim, jamais a praticavam sem recolhimento e respeito, e longe das vistas dos importunos e curiosos.
Nesse meio tempo o pai adoeceu. Pressentindo seu fim próximo, reuniu os filhos e lhes disse: “Meus caros filhos e minha amada mulher. Deus me chama para Ele. Sinto que vou deixar-vos daqui a pouco, mas também sinto que por vossa fé na imortalidade encontrareis força para suportar esta separação com coragem, assim como eu levo o consolo de que poderei sempre estar entre vós e vos ajudar com os meus conselhos. Assim, chamai-me quando eu não estiver mais na Terra. Virei sentar-me ao vosso lado e conversar convosco, como o fazem os nossos antepassados. Na verdade, estaremos menos separados do que se eu partisse para uma terra distante.
Minha cara esposa, deixo-te uma grande tarefa, mas quanto mais pesada for, mais gloriosa será. Tenho certeza de que os nossos filhos te ajudarão a suportá-la. Não é, meus filhos? Auxiliareis a vossa mãe; evitareis tudo quanto possa fazê-la sofrer; sereis sempre bons e benevolentes para com todos; estendereis a mão aos vossos irmãos infelizes, porque não haveis de querer estendê-la um dia pedindo em vão para vós. Que a paz, a concórdia e a união reinem entre vós. Que jamais o interesse vos separe, porque o interesse material é a maior barreira entre a Terra e o Céu. Pensai que estarei sempre junto a vós; que vos verei como vos vejo neste momento, e ainda melhor, pois verei o vosso pensamento. Não queirais, assim, entristecer-me depois da morte, do mesmo modo que não o fizestes durante a minha vida”.
É um espetáculo realmente edificante a vida dessa piedosa família. Alimentadas nas ideias espíritas, essas crianças não se consideram separadas do pai. Para elas, ele está presente. Temem praticar a menor ação que possa desagradá-lo. Uma noite por semana, e às vezes mais, é consagrada a conversar com ele. Existem, porém, as necessidades da vida, que devem ser providas, pois a família não é rica. É por isso que um dia certo é marcado para essas conversas piedosas e sempre esperadas com impaciência. Muitas vezes pergunta a pequenina: “É hoje que papai vem?” Esse dia transcorre entre conversas familiares e instruções proporcionadas à inteligência, algumas vezes infantis, outras vezes graves e sublimes. São conselhos dados a propósito de pequenas travessuras que ele assinala. Se faz elogios, também não poupa críticas, e o culpado baixa os olhos, como se o pai estivesse diante dele; pedelhe perdão, que por vezes só é concedido depois de algumas semanas de prova. Sua sentença é esperada com febril ansiedade. Então, que alegria, quando o pai diz:
“Estou contente contigo!” Entretanto, a mais terrível sentença é: “Não virei na próxima semana.”
A festa anual não é esquecida. É sempre um dia solene, para o qual convidam os avós e demais mortos da família, sem esquecer um irmãozinho, falecido há alguns anos. Os retratos são enfeitados de flores e cada criança prepara um pequeno trabalho, por vezes apenas uma saudação tradicional. O mais velho faz uma dissertação sobre assunto grave; uma das meninas toca um trecho de música; a menor conta uma fábula. É o dia das grandes comunicações, e cada convidado recebe uma lembrança dos amigos que deixou na Terra.
Como são belas essas reuniões, na sua tocante simplicidade! Como tudo, ali, fala ao coração! Como é possível sair delas sem estar impregnado do amor ao bem?
Nenhum olhar de mofa, nenhum sorriso cético vem perturbar o piedoso recolhimento. Alguns amigos que partilham das mesmas convicções e que são devotos da religião da família, são os únicos admitidos a participar desse banquete do sentimento.
Ride quanto quiserdes, vós que zombais das coisas mais santas. Por mais soberbos e endurecidos que sejais, não vos faço a injúria de acreditar que o vosso orgulho possa ficar impassível e frio ante tal espetáculo.
Um dia, entretanto, foi de luto para a família, dia de verdadeiro pesar: o pai havia anunciado que durante algum tempo, longo tempo mesmo, não poderia vir. Ele havia sido chamado para uma importante missão longe da Terra. A festa anual não deixou de ser celebrada, mas foi triste, pois o pai lá não estava. Ao partir, ele havia dito: “Meus filhos, que ao meu retorno eu vos encontre todos dignos de mim”, e cada um se esforça por tornar-se digno dele. Eles ainda estão esperando.
Aforismos Espíritas e pensamentos avulsos
Quando evocamos um parente ou amigo, seja qual for a afeição que tenhamos conservado em relação ele, não nos devemos empolgar por esses lances de ternura que pareceriam naturais depois de uma separação dolorosa. Por ser calma, a afeição não é menos sentida e pode ser mais real do que aquela que se traduz por grandes demonstrações. Os Espíritos pensam mas não agem como os homens. Dois Espíritos amigos se veem, se amam, sentem-se felizes por se aproximarem, mas não têm necessidade de se atirarem nos braços um do outro. Quando se comunicam conosco pela escrita, uma boa palavra lhes basta e lhes diz mais do que frases enfáticas.