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Janeiro
Boletim da sociedade parisiense de estudos espíritasSEXTA-FEIRA, 16 DE NOVEMBRO DE 1860 SESSÃO PARTICULAR
Admissão de dois novos membros.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de várias dissertações recebidas fora de sessão.
2.º ─ Carta do Sr. de Porry, de Marselha, que faz presente, à Sociedade, da segunda edição de seu poema intitulado Uranie. A Sociedade agradece ao autor, por lhe haver permitido apreciar o seu talento e sente-se feliz por vê-lo aplicar-se às ideias espíritas. Revestidas da graciosa forma poética, estas ideias têm um encanto que as torna mais facilmente aceitáveis por aqueles a quem poderia chocar a severidade da forma dogmática.
3.º ─ Carta do Sr. L..., que dá novos detalhes sobre o Espírito batedor e obsessor, do qual a Sociedade já se ocupou. (Ver o relatório a seguir).
4.º ─ Carta das senhoras G..., do departamento de Indre, sobre as travessuras e depredações de que são vítimas há vários anos, e que atribuem a um Espírito malévolo. Trata-se de seis irmãs e, a despeito de todas as precauções por elas tomadas, suas roupas são tiradas das gavetas dos móveis, ainda que fechados a chave, e muitas vezes são rasgadas.
5.º ─ Relata o Sr. Th... um caso de obsessão violenta exercida sobre um médium por um mau Espírito, ao qual, entretanto, ele conseguiu dominar e expulsar. Dirigindo-se ao Sr. Th..., esse Espírito escreveu: “Odeio-te, porque me dominas”. Desde então não mais apareceu e o médium não mais foi molestado no exercício de sua faculdade.
6.º ─ O Sr. Allan Kardec cita um caso pessoal, de indicação dada pelos Espíritos, notável por sua precisão: numa conversa tida na véspera com seu Espírito familiar, disse-lhe ele: “Encontrarás no Le Siècle de hoje um longo artigo sobre este assunto e que responde à tua pergunta. Fomos nós que inspiramos ao seu autor a tese por ele exposta, pelo fato de ele se ligar às grandes reformas humanitárias que se preparam.” Esse artigo, do qual nem o Sr. Kardec nem o médium tinham conhecimento, realmente se encontrava no referido jornal, sob o título designado, prova de que os Espíritos podem estar a par das publicações terrenas.
TRABALHOS DA SESSÃO. Ensino espontâneo. Comunicação pelo Sr. A. Didier, assinada por Cazotte. ─ Outra, pela Sra. Costel, contendo lamentações de um Espírito sofredor e egoísta.
Evocações:
Segunda conversa com o Espírito gastrônomo que tomou o nome de Balthazar, e que alguém julgou identificar como sendo o do Sr. G... de la R..., o que foi confirmado pelo Espírito.
Questões diversas:
Perguntas dirigidas a São Luís sobre o Espírito batedor ao qual se refere a carta do Sr. L..., bem como sobre o Espírito depredador das senhoras G... Em relação a este último, ele disse que será mais fácil doutriná-lo, de vez que é mais brincalhão do que mau.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de várias dissertações recebidas fora de sessão.
2.º ─ Carta do Sr. de Porry, de Marselha, que faz presente, à Sociedade, da segunda edição de seu poema intitulado Uranie. A Sociedade agradece ao autor, por lhe haver permitido apreciar o seu talento e sente-se feliz por vê-lo aplicar-se às ideias espíritas. Revestidas da graciosa forma poética, estas ideias têm um encanto que as torna mais facilmente aceitáveis por aqueles a quem poderia chocar a severidade da forma dogmática.
3.º ─ Carta do Sr. L..., que dá novos detalhes sobre o Espírito batedor e obsessor, do qual a Sociedade já se ocupou. (Ver o relatório a seguir).
4.º ─ Carta das senhoras G..., do departamento de Indre, sobre as travessuras e depredações de que são vítimas há vários anos, e que atribuem a um Espírito malévolo. Trata-se de seis irmãs e, a despeito de todas as precauções por elas tomadas, suas roupas são tiradas das gavetas dos móveis, ainda que fechados a chave, e muitas vezes são rasgadas.
5.º ─ Relata o Sr. Th... um caso de obsessão violenta exercida sobre um médium por um mau Espírito, ao qual, entretanto, ele conseguiu dominar e expulsar. Dirigindo-se ao Sr. Th..., esse Espírito escreveu: “Odeio-te, porque me dominas”. Desde então não mais apareceu e o médium não mais foi molestado no exercício de sua faculdade.
6.º ─ O Sr. Allan Kardec cita um caso pessoal, de indicação dada pelos Espíritos, notável por sua precisão: numa conversa tida na véspera com seu Espírito familiar, disse-lhe ele: “Encontrarás no Le Siècle de hoje um longo artigo sobre este assunto e que responde à tua pergunta. Fomos nós que inspiramos ao seu autor a tese por ele exposta, pelo fato de ele se ligar às grandes reformas humanitárias que se preparam.” Esse artigo, do qual nem o Sr. Kardec nem o médium tinham conhecimento, realmente se encontrava no referido jornal, sob o título designado, prova de que os Espíritos podem estar a par das publicações terrenas.
TRABALHOS DA SESSÃO. Ensino espontâneo. Comunicação pelo Sr. A. Didier, assinada por Cazotte. ─ Outra, pela Sra. Costel, contendo lamentações de um Espírito sofredor e egoísta.
Evocações:
Segunda conversa com o Espírito gastrônomo que tomou o nome de Balthazar, e que alguém julgou identificar como sendo o do Sr. G... de la R..., o que foi confirmado pelo Espírito.
Questões diversas:
Perguntas dirigidas a São Luís sobre o Espírito batedor ao qual se refere a carta do Sr. L..., bem como sobre o Espírito depredador das senhoras G... Em relação a este último, ele disse que será mais fácil doutriná-lo, de vez que é mais brincalhão do que mau.
SEXTA-FEIRA, 23 DE NOVEMBRO DE 1860 SESSÃO GERAL
Comunicações diversas:
Leitura de algumas mensagens obtidas fora de sessão:
Entrada de um culpado no mundo dos Espíritos, recebido pela Sra. Costel, assinada por Novel.
O castigo do egoísta, pela mesma senhora. Esta mensagem se relaciona com outra do mesmo Espírito, obtida em sessão anterior.
Outra sobre o livre-arbítrio, assinada por Marsillac. Reflexões do Espírito de Verdade sobre as comunicações relativas ao castigo do egoísta, recebidas pelo Sr. M. C...
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espontâneo:
1.º ─ O duende familiar, assinado por Charles Nodier, recebido pela Sra. Costel.
2.º ─ Parábola de Lázaro, assinada por Lamennais, recebida pelo Sr. A. Didier.
3.º ─ O Espírito de Alfred de Musset apresenta-se, através da senhorita Eugénie; propõe-se tratar de um assunto à escolha da assistência; deixada a escolha ao seu critério, faz notável dissertação sobre as consolações do Espiritismo. Oferecendo-se para responder a perguntas, trata dos seguintes temas: Qual a influência da poesia sobre o Espiritismo? ─ Haverá uma arte espírita, do mesmo modo que houve uma arte pagã e uma arte cristã? ─ Qual a influência da mulher no século XIX?
Evocações:
Evocação de Cazotte, que se manifestou espontaneamente na sessão anterior. Foram-lhe feitas várias perguntas sobre o dom de previsão que em vida ele parecia possuir.
Questões e problemas diversos:
Sobre a ubiquidade dos Espíritos nas manifestações visuais.
Sobre os Espíritos das trevas, a propósito das manifestações do Sr. Squire, que só se produzem na obscuridade.
NOTA: Trataremos dessa questão em artigo especial, referindo-nos ao Sr. Squire.
O Sr. Jobard lê três encantadoras poesias de sua lavra: Le Bonheur des Martyrs, L’Oiseau de Paradis e L’Annexion, esta última, uma fábula.
Leitura de algumas mensagens obtidas fora de sessão:
Entrada de um culpado no mundo dos Espíritos, recebido pela Sra. Costel, assinada por Novel.
O castigo do egoísta, pela mesma senhora. Esta mensagem se relaciona com outra do mesmo Espírito, obtida em sessão anterior.
Outra sobre o livre-arbítrio, assinada por Marsillac. Reflexões do Espírito de Verdade sobre as comunicações relativas ao castigo do egoísta, recebidas pelo Sr. M. C...
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espontâneo:
1.º ─ O duende familiar, assinado por Charles Nodier, recebido pela Sra. Costel.
2.º ─ Parábola de Lázaro, assinada por Lamennais, recebida pelo Sr. A. Didier.
3.º ─ O Espírito de Alfred de Musset apresenta-se, através da senhorita Eugénie; propõe-se tratar de um assunto à escolha da assistência; deixada a escolha ao seu critério, faz notável dissertação sobre as consolações do Espiritismo. Oferecendo-se para responder a perguntas, trata dos seguintes temas: Qual a influência da poesia sobre o Espiritismo? ─ Haverá uma arte espírita, do mesmo modo que houve uma arte pagã e uma arte cristã? ─ Qual a influência da mulher no século XIX?
Evocações:
Evocação de Cazotte, que se manifestou espontaneamente na sessão anterior. Foram-lhe feitas várias perguntas sobre o dom de previsão que em vida ele parecia possuir.
Questões e problemas diversos:
Sobre a ubiquidade dos Espíritos nas manifestações visuais.
Sobre os Espíritos das trevas, a propósito das manifestações do Sr. Squire, que só se produzem na obscuridade.
NOTA: Trataremos dessa questão em artigo especial, referindo-nos ao Sr. Squire.
O Sr. Jobard lê três encantadoras poesias de sua lavra: Le Bonheur des Martyrs, L’Oiseau de Paradis e L’Annexion, esta última, uma fábula.
SEXTA-FEIRA, 30 DE NOVEMBRO DE 1860 SESSÃO PARTICULAR
Assuntos administrativos:
Carta coletiva, assinada por vários sócios, relativamente à resposta do Sr. L... A Sociedade aceitou as conclusões do parecer da comissão.
Carta do Sr. Sol..., pedindo demissão do cargo de membro da comissão, por motivo das viagens que o afastam de Paris durante a maior parte do ano.
A Sociedade lamenta a deliberação do Sr. Sol... e sente-se feliz em poder conservá-lo como sócio. Fica o Sr. Presidente encarregado de responder nesses termos: A substituição na comissão será feita oportunamente.
Comunicações diversas:
1.º ─ Ditado espontâneo assinado por São Luís, contendo explicações sobre a ubiquidade. Discussão sobre esta comunicação.
2.º ─ Outro, assinado por Charles Nodier, obtido através de um médium estranho à Sociedade e transmitido pelo Sr. Didier, pai, a respeito do artigo do Journal des Débats contra o Espiritismo.
3.º ─ O Sr. D..., do departamento da Vienne, pede insistentemente seja evocado o Sr. Jean-Baptiste D..., seu sogro. A Sociedade jamais atende a tais solicitações, desde que estas encerrem apenas um interesse privado, sobretudo quando ausentes as pessoas interessadas e quando estas não são conhecidas pessoalmente. Entretanto, à vista do caráter digno e da posição oficial do correspondente; das circunstâncias particulares que marcavam o morto e do seu ateísmo professado durante toda a vida, pensa a Sociedade que tal evocação pode ser útil assunto de estudo. Em consequência, o inclui na ordem do dia.
4.º ─ Vários membros relatam um interessante fenômeno de manifestação física por eles testemunhado. Consiste na elevação de uma pessoa, por influência mediúnica de duas mocinhas de 15 e 16 anos que, pondo dois dedos nas barras da cadeira, a elevam a cerca de um metro, seja qual for o seu peso, do mesmo modo que o fariam com o mais leve dos corpos. Esse fenômeno foi repetido várias vezes, sempre com a mesma facilidade.
Dar-lhe-emos a explicação em artigo especial.
5.º ─ O Sr. Jobard lê um artigo de sua autoria, sob o título de La Conversion d’un paysan.
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espontâneo:
Dissertação sobre a ubiquidade, pela Srta. Huet, assinada por Channing.
Outra, pelo Sr. A. Didier, assinada por André Chénier, sobre o artigo no Journal des Débats.
Outra, assinada por Raquel, dada através da Sra. Costel.
Fato digno de nota, lembrado a propósito das duas primeiras comunicações, é que, quando um assunto de certa importância se acha na ordem do dia, é muito comum vê-lo tratado por vários Espíritos através de médiuns e lugares diferentes. Parece que, interessando-se pela questão, cada um deseja contribuir para o ensino decorrente de tais comunicações.
Evocações:
1º. ─ Do Sr. Jean-Baptiste D..., referida pouco antes, e seu irmão, ambos materialistas e ateus. A situação do primeiro, aliás suicida, é extremamente deplorável.
2.º ─ Evocação do Sr. C... de B..., de Bruxelas, a pedido do Sr. Jobard, que o conhecera pessoalmente.
Carta coletiva, assinada por vários sócios, relativamente à resposta do Sr. L... A Sociedade aceitou as conclusões do parecer da comissão.
Carta do Sr. Sol..., pedindo demissão do cargo de membro da comissão, por motivo das viagens que o afastam de Paris durante a maior parte do ano.
A Sociedade lamenta a deliberação do Sr. Sol... e sente-se feliz em poder conservá-lo como sócio. Fica o Sr. Presidente encarregado de responder nesses termos: A substituição na comissão será feita oportunamente.
Comunicações diversas:
1.º ─ Ditado espontâneo assinado por São Luís, contendo explicações sobre a ubiquidade. Discussão sobre esta comunicação.
2.º ─ Outro, assinado por Charles Nodier, obtido através de um médium estranho à Sociedade e transmitido pelo Sr. Didier, pai, a respeito do artigo do Journal des Débats contra o Espiritismo.
3.º ─ O Sr. D..., do departamento da Vienne, pede insistentemente seja evocado o Sr. Jean-Baptiste D..., seu sogro. A Sociedade jamais atende a tais solicitações, desde que estas encerrem apenas um interesse privado, sobretudo quando ausentes as pessoas interessadas e quando estas não são conhecidas pessoalmente. Entretanto, à vista do caráter digno e da posição oficial do correspondente; das circunstâncias particulares que marcavam o morto e do seu ateísmo professado durante toda a vida, pensa a Sociedade que tal evocação pode ser útil assunto de estudo. Em consequência, o inclui na ordem do dia.
4.º ─ Vários membros relatam um interessante fenômeno de manifestação física por eles testemunhado. Consiste na elevação de uma pessoa, por influência mediúnica de duas mocinhas de 15 e 16 anos que, pondo dois dedos nas barras da cadeira, a elevam a cerca de um metro, seja qual for o seu peso, do mesmo modo que o fariam com o mais leve dos corpos. Esse fenômeno foi repetido várias vezes, sempre com a mesma facilidade.
Dar-lhe-emos a explicação em artigo especial.
5.º ─ O Sr. Jobard lê um artigo de sua autoria, sob o título de La Conversion d’un paysan.
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espontâneo:
Dissertação sobre a ubiquidade, pela Srta. Huet, assinada por Channing.
Outra, pelo Sr. A. Didier, assinada por André Chénier, sobre o artigo no Journal des Débats.
Outra, assinada por Raquel, dada através da Sra. Costel.
Fato digno de nota, lembrado a propósito das duas primeiras comunicações, é que, quando um assunto de certa importância se acha na ordem do dia, é muito comum vê-lo tratado por vários Espíritos através de médiuns e lugares diferentes. Parece que, interessando-se pela questão, cada um deseja contribuir para o ensino decorrente de tais comunicações.
Evocações:
1º. ─ Do Sr. Jean-Baptiste D..., referida pouco antes, e seu irmão, ambos materialistas e ateus. A situação do primeiro, aliás suicida, é extremamente deplorável.
2.º ─ Evocação do Sr. C... de B..., de Bruxelas, a pedido do Sr. Jobard, que o conhecera pessoalmente.
SEXTA-FEIRA, 7 DE DEZEMBRO DE 1860 SESSÃO PARTICULAR
Admissão do Sr. C..., professor em Paris, como sócio livre.
Comunicações diversas:
Leitura de uma dissertação assinada pelo Espírito de Verdade, obtida em sessão particular, em casa do Sr. Allan Kardec, a propósito da definição de arte e da distinção entre arte pagã, arte cristã e arte espírita.
O Sr. Theub... completa essa definição, dizendo que pode considerar-se a arte pagã como expressão do sentimento material; a arte cristã como expressão da expiação e a arte espírita como expressão do triunfo.
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espírita espontâneo
Através do Sr. A. Didier, dissertação assinada por Lamennais.
Outra, pela Srta. Huet, assinada por Charles Nodier, na qual continua a desenvolver o tema iniciado a 24 de agosto de 1860, embora ninguém lhe tivesse guardado a lembrança e pudesse recordá-lo.
Outra, através da Sra. Costel, assinada por Georges.
Evocações:
Do Dr. Kane, viajante americano e explorador do polo norte, o qual descobriu um mar livre de gelos, além da cintura glacial. Apreciação muito justa, da parte do Espírito, quanto aos resultados de tal descoberta.
Questões diversas:
Perguntas dirigidas a Charles Nodier sobre as causas que podem influir na natureza das comunicações em certas sessões, notadamente nesse dia, em que os Espíritos não tiveram a sua eloquência habitual. Discussão desse ponto.
Comunicações diversas:
Leitura de uma dissertação assinada pelo Espírito de Verdade, obtida em sessão particular, em casa do Sr. Allan Kardec, a propósito da definição de arte e da distinção entre arte pagã, arte cristã e arte espírita.
O Sr. Theub... completa essa definição, dizendo que pode considerar-se a arte pagã como expressão do sentimento material; a arte cristã como expressão da expiação e a arte espírita como expressão do triunfo.
TRABALHOS DA SESSÃO
Ensino espírita espontâneo
Através do Sr. A. Didier, dissertação assinada por Lamennais.
Outra, pela Srta. Huet, assinada por Charles Nodier, na qual continua a desenvolver o tema iniciado a 24 de agosto de 1860, embora ninguém lhe tivesse guardado a lembrança e pudesse recordá-lo.
Outra, através da Sra. Costel, assinada por Georges.
Evocações:
Do Dr. Kane, viajante americano e explorador do polo norte, o qual descobriu um mar livre de gelos, além da cintura glacial. Apreciação muito justa, da parte do Espírito, quanto aos resultados de tal descoberta.
Questões diversas:
Perguntas dirigidas a Charles Nodier sobre as causas que podem influir na natureza das comunicações em certas sessões, notadamente nesse dia, em que os Espíritos não tiveram a sua eloquência habitual. Discussão desse ponto.
SEXTA-FEIRA, 14 DE DEZEMBRO DE 1860 SESSÃO GERAL
O Sr. Indermuhle, de Berna, homenageia a Sociedade com umabrochura alemã publicada em Glaris, em 1855, intitulada L’Éternité n’est plus un secret ou Révélations les plus évidentes sur le monde des Espirits[1].
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de uma evocação muito interessante e de várias dissertações espíritas obtidas fora das sessões.
2.º ─ O fato da manifestação visual referido na carta do Sr. Indermuhle à Sociedade.
3.º ─ Fato pessoal ocorrido com o Sr. Allan Kardec, e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de antigo personagem. A Srta. J... recebeu várias comunicações de João Evangelista, sempre com uma caligrafia muito característica e completamente diversa da sua escrita habitual. Tendo o Sr. Allan Kardec, a seu pedido, evocado aquele Espírito, por intermédio da Sra. Costel, verificou-se que a caligrafia tinha absolutamente o mesmo caráter da Srta. J..., embora a nova médium dela não tivesse conhecimento; ademais, o movimento da mão tinha uma delicadeza inabitual, o que constituía, ainda, uma similitude; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com as que tinham sido dadas através da Srta. J... e na linguagem nada havia que não estivesse à altura do Espírito evocado.
4.º ─ Notícia remetida pelo Sr. D..., sobre o caso notável de um agricultor que teve uma visão e uma revelação poucos dias antes de morrer.
TRABALHOS DA SOCIEDADE
Comunicações espíritas espontâneas:
Os três tipos: Hamlet, Tartufo e Don Juan, mensagem pelo Sr. A. Didier, assinada por Gérard de Nerval.
Fantasia, através da Sra. Costel, assinada por Alfred de Musset.
O julgamento, pela Srta. Eugênia, assinado por Leão X.
Evocação do agricultor, do qual falamos pouco acima. Ele dá algumas explicações sobre suas visões. Uma particularidade notável é a ausência de qualquer ortografia e uma linguagem inteiramente semelhante à da gente do campo.
Questões diversas dirigidas a São Luís, sobre os fatos relacionados com a mencionada evocação.
Comunicações diversas:
1.º ─ Leitura de uma evocação muito interessante e de várias dissertações espíritas obtidas fora das sessões.
2.º ─ O fato da manifestação visual referido na carta do Sr. Indermuhle à Sociedade.
3.º ─ Fato pessoal ocorrido com o Sr. Allan Kardec, e que pode ser considerado uma prova de identidade do Espírito de antigo personagem. A Srta. J... recebeu várias comunicações de João Evangelista, sempre com uma caligrafia muito característica e completamente diversa da sua escrita habitual. Tendo o Sr. Allan Kardec, a seu pedido, evocado aquele Espírito, por intermédio da Sra. Costel, verificou-se que a caligrafia tinha absolutamente o mesmo caráter da Srta. J..., embora a nova médium dela não tivesse conhecimento; ademais, o movimento da mão tinha uma delicadeza inabitual, o que constituía, ainda, uma similitude; enfim, as respostas concordavam em todos os pontos com as que tinham sido dadas através da Srta. J... e na linguagem nada havia que não estivesse à altura do Espírito evocado.
4.º ─ Notícia remetida pelo Sr. D..., sobre o caso notável de um agricultor que teve uma visão e uma revelação poucos dias antes de morrer.
TRABALHOS DA SOCIEDADE
Comunicações espíritas espontâneas:
Os três tipos: Hamlet, Tartufo e Don Juan, mensagem pelo Sr. A. Didier, assinada por Gérard de Nerval.
Fantasia, através da Sra. Costel, assinada por Alfred de Musset.
O julgamento, pela Srta. Eugênia, assinado por Leão X.
Evocação do agricultor, do qual falamos pouco acima. Ele dá algumas explicações sobre suas visões. Uma particularidade notável é a ausência de qualquer ortografia e uma linguagem inteiramente semelhante à da gente do campo.
Questões diversas dirigidas a São Luís, sobre os fatos relacionados com a mencionada evocação.
O livro dos médiuns
Há muito tempo anunciada, mas com a publicação retardada por força de sua própria importância, esta obra aparecerá de 5 a 10 de janeiro, pelos Srs. Didier & Cie., livreiros editores, Quai des Augustins, 35[1]. Ela constitui o complemento do Livro dos Espíritos e encerra a parte experimental do Espiritismo, assim como este último contém a parte filosófica.
Nesse trabalho, fruto de longa experiência e de estudos laboriosos, procuramos esclarecer todas as questões que se ligam à prática das manifestações. De acordo com os Espíritos, ele contém a explicação teórica dos diversos fenômenos e das condições em que os mesmos se podem reproduzir. Mas a seção concernente ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade foi de nossa parte objeto de particular atenção.
O Espiritismo experimental é cercado de muito mais dificuldades do que geralmente se pensa, e os escolhos aí encontrados são numerosos. Eis o que ocasiona tantas decepções aos que dele se ocupam sem a experiência e os conhecimentos necessários. Nosso objetivo foi o de premunir contra esses escolhos, que nem sempre são desprovidos de inconvenientes para quem se aventure sem cautela por esse terreno novo. Não poderíamos esquecer esse ponto capital, e o tratamos com o cuidado equivalente à sua importância.
Os inconvenientes quase sempre se originam da leviandade com que é tratado um problema tão sério. Os Espíritos, sejam quais forem, são as almas dos que viveram. Em seu meio estaremos, infalivelmente, de um momento para outro. Todas as manifestações espíritas, inteligentes ou não, têm, assim, por objeto, pôr-nos em contato com essas mesmas almas. Se respeitamos os seus restos mortais, com mais forte razão devemos respeitar o ser inteligente que sobrevive, e que constitui a verdadeira individualidade. Transformar as manifestações em brincadeira é faltar com o respeito que talvez um dia reclamemos para nós próprios, e que jamais é violado impunemente.
O primeiro momento de curiosidade causada por esses estranhos fenômenos já passou; hoje, que se lhes conhece a fonte, evitemos profaná-la com brincadeiras indecorosas e esforcemo-nos por nela haurir o ensinamento adequado a nos assegurar a felicidade futura. O campo é muito vasto e o objetivo bastante importante para tomar toda a nossa atenção. Até hoje os nossos esforços foram dedicados a direcionar o Espiritismo para esse caminho sério. Se essa nova obra, tornando-o ainda melhor conhecido, puder contribuir para impedir que o desviem de seu objetivo providencial, estaremos amplamente recompensados por nossos cuidados e nossas vigílias.
Este trabalho, não temos dúvidas a respeito, provocará críticas da parte daqueles a quem desagrada a severidade dos princípios, bem como dos que, vendo as coisas de um outro ponto de vista, já nos acusam de querermos fazer escola no Espiritismo. Se é fazer escola procurar nesta ciência um fim útil e proveitoso para a Humanidade, teríamos o direito de nos sentirmos envaidecidos com a acusação. Mas uma tal escola não necessita de outro chefe além do bom-senso das massas e da sabedoria dos bons Espíritos que a criariam, independentemente de nós. Eis por que declinamos da honra de tê-la fundado, sentindo-nos, ao contrário, felizes por nos colocarmos sob a sua bandeira, aspirando apenas ao modesto título de divulgador. Se um nome for necessário, inscreveremos em seu frontispício: Escola do Espiritismo Moral e Filosófico, e para ela convidaremos todos quantos têm necessidade de esperanças e de consolações.
ALLAN KARDEC.
[1] Encontrada igualmente nos escritórios da Revue Spirite, Rua Sainte-Anne 59, travessa Sainte-Anne. Um volume grande in-18, de 500 páginas; Paris, 3,50 francos; pelo correio, 4,00 francos.
Nesse trabalho, fruto de longa experiência e de estudos laboriosos, procuramos esclarecer todas as questões que se ligam à prática das manifestações. De acordo com os Espíritos, ele contém a explicação teórica dos diversos fenômenos e das condições em que os mesmos se podem reproduzir. Mas a seção concernente ao desenvolvimento e ao exercício da mediunidade foi de nossa parte objeto de particular atenção.
O Espiritismo experimental é cercado de muito mais dificuldades do que geralmente se pensa, e os escolhos aí encontrados são numerosos. Eis o que ocasiona tantas decepções aos que dele se ocupam sem a experiência e os conhecimentos necessários. Nosso objetivo foi o de premunir contra esses escolhos, que nem sempre são desprovidos de inconvenientes para quem se aventure sem cautela por esse terreno novo. Não poderíamos esquecer esse ponto capital, e o tratamos com o cuidado equivalente à sua importância.
Os inconvenientes quase sempre se originam da leviandade com que é tratado um problema tão sério. Os Espíritos, sejam quais forem, são as almas dos que viveram. Em seu meio estaremos, infalivelmente, de um momento para outro. Todas as manifestações espíritas, inteligentes ou não, têm, assim, por objeto, pôr-nos em contato com essas mesmas almas. Se respeitamos os seus restos mortais, com mais forte razão devemos respeitar o ser inteligente que sobrevive, e que constitui a verdadeira individualidade. Transformar as manifestações em brincadeira é faltar com o respeito que talvez um dia reclamemos para nós próprios, e que jamais é violado impunemente.
O primeiro momento de curiosidade causada por esses estranhos fenômenos já passou; hoje, que se lhes conhece a fonte, evitemos profaná-la com brincadeiras indecorosas e esforcemo-nos por nela haurir o ensinamento adequado a nos assegurar a felicidade futura. O campo é muito vasto e o objetivo bastante importante para tomar toda a nossa atenção. Até hoje os nossos esforços foram dedicados a direcionar o Espiritismo para esse caminho sério. Se essa nova obra, tornando-o ainda melhor conhecido, puder contribuir para impedir que o desviem de seu objetivo providencial, estaremos amplamente recompensados por nossos cuidados e nossas vigílias.
Este trabalho, não temos dúvidas a respeito, provocará críticas da parte daqueles a quem desagrada a severidade dos princípios, bem como dos que, vendo as coisas de um outro ponto de vista, já nos acusam de querermos fazer escola no Espiritismo. Se é fazer escola procurar nesta ciência um fim útil e proveitoso para a Humanidade, teríamos o direito de nos sentirmos envaidecidos com a acusação. Mas uma tal escola não necessita de outro chefe além do bom-senso das massas e da sabedoria dos bons Espíritos que a criariam, independentemente de nós. Eis por que declinamos da honra de tê-la fundado, sentindo-nos, ao contrário, felizes por nos colocarmos sob a sua bandeira, aspirando apenas ao modesto título de divulgador. Se um nome for necessário, inscreveremos em seu frontispício: Escola do Espiritismo Moral e Filosófico, e para ela convidaremos todos quantos têm necessidade de esperanças e de consolações.
ALLAN KARDEC.
[1] Encontrada igualmente nos escritórios da Revue Spirite, Rua Sainte-Anne 59, travessa Sainte-Anne. Um volume grande in-18, de 500 páginas; Paris, 3,50 francos; pelo correio, 4,00 francos.
"La. Bibliouraphie catholique" - Contra o Espiritismo
Até este momento o Espiritismo não havia sido atacado seriamente. Quando certos autores da imprensa periódica, nos seus momentos de lazer, se dignaram ocupar-se dele, não o fizeram senão para ridicularizá-lo. Trata-se de encher um folhetim, de produzir um artigo de tantas linhas, não importa sobre que assunto, desde que a contagem dê certo. De que tratar? Tratarei de tal coisa? pergunta lá aos seus botões o redator da seção recreativa do jornal. Não; é muito séria. Daquela outra? É assunto batido. Inventarei uma autêntica aventura da alta sociedade ou do povo? Nada me vem à mente neste quarto de hora, e a crônica escandalosa da semana está em branco. Ah! Uma ideia! Achei o meu assunto! Vi algures o título de um livro que fala dos Espíritos, e há em toda parte gente bastante tola para levar isto a sério. Que são os Espíritos? Eu nada sei sobre isso. Não faço a menor ideia. Mas não importa! Deve ser engraçado. Para começar, eu não acredito absolutamente, porque jamais os vi e mesmo que os visse também não acreditaria, porque isso é impossível. Portanto, nenhum homem de bom-senso poderá crer neles. Ou isto é lógico ou eu me desconheço. Falemos, pois, dos Espíritos, de vez que estão na ordem do dia. Tanto este assunto como qualquer outro divertirá os nossos caros leitores. O tema é muito simples: “Não há Espíritos; não pode nem deve havê-los, portanto, todos os que neles acreditam são loucos. Mãos à obra e enfeitemos a coisa. Ó meu bom gênio! Como eu te agradeço esta inspiração! Tu me tiras de um grande embaraço, pois é forçoso que te diga; eu preciso de meu artigo para amanhã e não tinha uma palavra”.
Eis, porém, um homem sério que diz: Não se deve brincar com essas coisas; isto é mais sério do que se pensa; não acrediteis que se trate de moda passageira. Essa crença é uma tendência inerente à fraqueza da Humanidade, que em todas as épocas acreditou no maravilhoso, no sobrenatural, no fantástico. Quem imaginaria que em pleno século XIX, num século de luzes e de progresso, depois que Voltaire demonstrou claramente que só o nada nos espera, depois de tantos sábios que procuravam a alma e não a encontraram, ainda se possa acreditar em Espíritos; em mesas girantes; em feiticeiros e magos; no poder de Merlin, o encantador; na varinha mágica; em Mademoiselle Lenormand? Ó Humanidade! Humanidade! Para onde irás se eu não vier em teu auxílio para tirar-te do lodaçal da superstição? Quiseram matar os Espíritos pelo ridículo, mas não conseguiram. Longe disso, o mal contagioso faz constantes progressos; a zombaria parece dar-lhe uma recrudescência e, se não for posto um paradeiro, em breve a Humanidade inteira estará infestada. Uma vez que esse meio, habitualmente tão eficaz, tornou-se impotente, é tempo dos cientistas meterem mãos à obra, a fim de acabar com isso de uma vez para sempre. As zombarias não são argumentos. Falemos em nome da Ciência. Demonstremos que em todos os tempos os homens foram uns imbecis por acreditarem que houvesse um poder que lhes era superior; que não tivessem em si mesmos todo o poder sobre a Natureza. Provemos-lhes que tudo quanto atribuem a forças sobrenaturais se explica por simples leis da Fisiologia; que a sobrevivência da alma e o seu poder de comunicação com os vivos é uma quimera e que é loucura acreditar no futuro. Se depois de haver digerido quatro volumes de boas razões não se convencerem, só nos restará lamentar a sorte da Humanidade que ao invés de progredir, recua a largos passos para a barbárie da Idade Média e corre para a sua perdição.
Que o Sr. Figuier esconda o rosto, pois o seu livro, tão pomposamente anunciado, tão elogiado pelos campeões do materialismo, produziu um resultado inteiramente contrário ao que ele esperava.
Mas eis que surge um novo campeão, pretendendo esmagar o Espiritismo por um outro meio: é o Sr. Georges Gandy, redator de La Bibliographie Catholique, que se atira num corpo a corpo, em nome da religião ameaçada. Esta é boa! A religião ameaçada por uma coisa a que chamais de utopia! Então é que tendes pouca fé na sua força, e assim, a supondes muito vulnerável para temerdes que as ideias de alguns sonhadores abalem os seus alicerces. Considerais tão temível esse inimigo, pois que o atacais com tanta raiva e tanta fúria? Tereis melhor resultado que os outros? Duvidamo-lo, pois que a cólera é má conselheira. Se conseguirdes apavorar algumas almas timoratas, não receais acender a curiosidade num grande número de criaturas? Julgai-o pelo fato seguinte: Numa cidade que tem um certo número de espíritas e alguns grupos íntimos que se ocupam com as manifestações, um pregador fez certo dia um sermão virulento, contra aquilo a que chamava obra do diabo, pretendendo que só este vinha falar nas reuniões satânicas, cujos membros estavam todos notoriamente votados à danação eterna. Que aconteceu? Desde o dia seguinte, bom número de ouvintes se puseram em busca de tais reuniões espíritas e quiseram ouvir os diabos, curiosos de saber o que lhes diriam, porque tanto se tem falado dele que a gente se familiarizou com esse nome que já não inspira medo. Ora, nessas reuniões viram pessoas sérias, respeitáveis, instruídas, orando a Deus, coisa que eles não mais haviam feito desde a primeira comunhão; pessoas crentes em sua alma, em sua imortalidade e nas penas e recompensas futuras, trabalhando para se tornarem melhores; esforçando-se por praticarem a moral do Cristo, não falando mal de ninguém, nem mesmo dos que lhes lançavam anátemas. Então aquelas pessoas compreenderam que se o diabo ensinava tais coisas é que se havia convertido. Quando os viram tratar respeitosa e piamente com os parentes e amigos mortos que lhes davam consolação e sábios conselhos, não puderam crer que tais reuniões fossem sucursais do sabbat, desde que não viram nem caldeiras, nem vassouras, nem corujas, nem gatos pretos, nem crocodilos, nem livros de magia, nem trípodes, nem varinhas mágicas ou quaisquer outros acessórios de feitiçaria, nem mesmo a velha de queixo e nariz recurvados. Eles também quiseram conversar, um com sua mãe, outro com um filho querido, e ao reconhecê-los, pareceu-lhes difícil admitir que essa mãe e esse filho fossem demônios. Felizes por terem a prova de sua existência e a certeza de que irão encontrá-los num mundo melhor, perguntaram-se com que objetivo haviam procurado amedrontá-los. Isto os levou a reflexões que jamais tinham imaginado. O resultado é que gostaram mais de ir ali onde encontravam consolações, do que aos lugares onde os enchiam de pavores.
Esse pregador, como vimos, tomou um caminho errado e permite que se diga: Mais vale um inimigo que um amigo inábil. O Sr. Georges Gandy espera ser mais feliz? Nós o citamos textualmente, para edificação dos nossos leitores:
“Em todas as épocas das grandes provas da Igreja e de seus próximos triunfos houve contra ela conspirações infernais, nas quais a ação dos demônios era visível e tangível. Jamais a teurgia e a magia tiveram mais voga no seio do paganismo e da Filosofia do que no momento em que o Cristianismo se espalhava no mundo para subjugá-los. No século XVI, Lutero teve colóquios com Satã e um redobramento de feitiçarias e de comunicações diabólicas se fez notar na Europa quando a Igreja operava a grande reforma católica que iria triplicar as suas forças, e quando um novo mundo lhe abria destinos gloriosos sobre um espaço imenso. No século XVIII, na véspera daquele dia em que o machado dos carrascos deveria retemperar a Igreja no sangue de novos mártires, a demonolatria florescia no cemitério de Saint-Médard, ao redor das varinhas de Mesmer e dos espelhos de Cagliostro. Hoje, na grande luta do Catolicismo contra todas as potências do Inferno, a conspiração de Satã veio visivelmente em auxílio do filosofismo. Em nome do naturalismo, o Inferno quis prover uma consagração à obra da violência e da astúcia que ele continua a exercer já há quatro séculos e que se apresta para coroar com uma suprema impostura. Aí está todo o segredo da dita doutrina Espírita, amontoado de absurdos, de contradições, de hipocrisias e de blasfêmias, como veremos a seguir, e que tenta, com a última das perfídias, glorificar o Cristianismo para o aviltar, espalhá-lo para o suprimir, afetando respeito pelo divino Salvador, a fim de arrancar da Terra tudo aquilo que Ele fecundou com o seu sangue e substituir o seu reino imortal pelo despotismo dos ímpios devaneios.
“Abordando o exame dessas estranhas pretensões, que acreditamos ainda não terem sido suficientemente desvendadas e disciplinadas, pedimos aos nossos leitores que acompanhem nossa caminhada, um tanto longa, nesse dédalo diabólico, do qual a seita espera sair vitoriosa, depois de haver abolido para sempre o nome divino ante o qual a vemos dobrar os joelhos. A despeito de seus ridículos conceitos, de suas revoltantes profanações, de suas intérminas contradições, o Espiritismo é para nós precioso ensinamento. Jamais as loucuras do Inferno haviam rendido à nossa santa religião mais deslumbrante homenagem. Jamais o havia Deus condenado com mais soberano poder, a confirmar-se pelo testemunho destas palavras do divino Mestre: Vos ex patre diabolo estis”.
Este começo permite avaliar a amenidade do resto. Os nossos leitores que quiserem edificar-se nessa fonte de caridade evangélica poderão permitir-se o prazer de ler a Bibliographie, nº. 3, de setembro de 1860, rue de Sèvres, nº. 31. Ainda uma vez, por que tanta cólera, tanto fel contra uma doutrina que, se como dizeis, é obra de Satã, não poderá prevalecer contra a obra de Deus, a menos que admitais seja Deus menos poderoso do que Satã, o que seria um tanto ímpio? Duvidamos muito desse rosário de injúrias, dessa febre, dessa profusão de epítetos de que o Cristo jamais se serviu contra os seus maiores inimigos, para os quais ele suplicava a misericórdia de Deus e não a sua vingança, quando dizia: “Perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem”. Duvidamos, íamos dizendo, que uma tal linguagem seja persuasiva. A verdade é calma e não necessita de arroubos, e com tal raiva faríeis crer na vossa própria fraqueza. Confessamos que não é muito compreensível esta singular política de Satã, que glorifica o Cristianismo para aviltá-lo e que o espalha para suprimi-lo. Em nossa opinião isto seria muito inábil e se assemelharia a um hortelão que, não querendo batatas, as semeasse em profusão no seu horto, a fim de lhes destruir a espécie. Quando acusamos os outros por lhes falhar o raciocínio, devemos, para ser lógicos, começar por nós próprios.
O Sr. Georges Gandy ataca mortalmente o Espiritismo pelo fato de apoiar-se este no Evangelho e no Cristianismo, mas na verdade não sabemos bem a razão. Que diria então se ele se apoiasse em Maomé? Certamente muito menos, pois que um fato digno de nota é que o Islamismo, o Judaísmo, o próprio Budismo são objeto de ataques menos virulentos que as seitas dissidentes do Cristianismo. Com certas pessoas, tem que ser tudo ou nada. Há sobretudo um ponto que o Sr. Gandy não perdoa ao Espiritismo: é o não haver proclamado esta máxima absoluta: “Fora da Igreja não há salvação”, e admitir que aquele que faz o bem possa ser salvo das chamas eternas, seja qual for a sua crença. Uma tal doutrina evidentemente só poderia sair do Inferno. As orelhas lhe ardem sobretudo nesta passagem:
“Que quer o Espiritismo? É uma importação americana, inicialmente protestante, e que já havia triunfado ─ permitam-nos que o digamos ─ sobre todas as praias da idolatria e da heresia; tais são os seus títulos em relação ao mundo. Seria, pois, das terras clássicas da superstição e da loucura religiosa que nos viriam a verdade e a sabedoria!” Eis aqui, por certo um grande agravo. Se ele houvesse nascido em Roma seria a voz de Deus; como nasceu num país protestante, é a voz do diabo. Mas o que direis quando tivermos provado ─ o que faremos um dia ─ que ele estava na Roma cristã muito antes de estar na América protestante? Que respondereis ao fato, hoje constatado, de haver mais espíritas católicos do que espíritas protestantes?
O número das pessoas que em nada creem, que de tudo duvidam, do futuro, do próprio Deus, é considerável e cresce em proporção alarmante. Será por vossas violências, vossos anátemas, vossas ameaças com o Inferno, vossas declamações furibundas que as reconduzireis? Não, pois são as vossas próprias violências que as afastam. Serão culpadas por haverem levado a sério a caridade e a mansuetude do Cristo e a bondade infinita de Deus? Ora, quando elas escutam os que pretendem falar em seu nome, despejarem ameaças e injúrias, põem-se a duvidar do Cristo, de Deus, de tudo enfim. O Espiritismo lhes transmite palavras de paz e de esperança, e desde que lhes pesa a dúvida e sentem necessidade de consolações, atiram-se aos braços do Espiritismo, de vez que a gente prefere aquilo que sorri às coisas que apavoram. Então creem em Deus, na missão do Cristo e na sua divina moral. Numa palavra, de incrédulos e indiferentes, tornam-se crentes. Foi isto que há pouco tempo levou um respeitável padre a responder a uma de suas penitentes que o interrogava sobre o Espiritismo: “Nada acontece sem a vontade de Deus; ora, Deus permite essas coisas a fim de reavivar a fé que se extingue”. Se tivesse empregado outra linguagem, tê-la-ia afastado talvez para sempre.
Quereis a todo custo que o Espiritismo seja uma seita, quando ele só aspira ao título de ciência moral e filosófica que respeita todas as crenças sinceras. Por que, então, dar a ideia de uma separação àqueles que não pensam nisso? Se repelirdes aqueles que ele reconduz à crença em Deus; se não lhes oferecerdes outra perspectiva além do Inferno, não sereis senão vós mesmos os responsáveis por uma cisão por vós provocada.
Disse-nos um dia São Luís: “Zombaram das mesas girantes; jamais, entretanto, zombarão da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias.”
Enganou-se, porque não contou com o Sr. Georges Gandy.
Muitas vezes os escritores se divertiram à custa dos Espíritos e de suas manifestações, sem pensar que um dia eles próprios poderiam ser alvo das piadas de seus sucessores. Entretanto, sempre respeitaram a parte moral da ciência. Estava reservado a um escritor católico, o que lamentamos sinceramente ─ expor ao ridículo as máximas admitidas pelo mais elementar bom-senso. Ele cita bom número de passagens do Livro dos Espíritos. Não nos reportaremos senão a umas poucas, que dão bem uma ideia de sua apreciação.
─ “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração aos que o fazem exteriormente”. O texto do Livro dos Espíritos diz: “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-lo por meio de cerimônias que não os tornam melhores para com os seus semelhantes.” O Sr. Gandy admite o contrário, mas, como homem de boa-fé, deveria ter citado a passagem textualmente, ao invés de truncá-la de modo a lhe desnaturar o sentido.
─ “Toda destruição de animais que ultrapassa o limite das necessidades é uma violação da lei de Deus”, o que quer dizer que o princípio moral que rege os prazeres, igualmente se aplica ao exercício da caça e da matança.
Precisamente. Parece, entretanto, que o Sr. Gandy é caçador e pensa que Deus fez a caça, não para alimento do homem, mas para lhe proporcionar o prazer de, sem necessidade, fazer matança de animais inofensivos.
─ “Os prazeres têm limites fixados pela Natureza: o limite da necessidade. Pelos excessos, chegamos à saciedade.” É a moral do virtuoso Horácio, um dos pais do Espiritismo.
Visto que o autor critica esta máxima, parece que ele não admite limitação aos prazeres, o que certamente não é muito religioso.
─ “Para ser legítima, a propriedade deve ser adquirida sem prejuízo da lei de amor e de Justiça; assim, aquele que possui sem respeitar os deveres de caridade, que ordena a consciência ou a razão individual, é um usurpador do bem alheio; espiriticamente estamos em pleno socialismo.”
O texto diz assim: “Só é legítima a propriedade adquirida sem prejuízo de outrem. A lei de amor e de justiça proíbe fazer a outrem aquilo que não quereríamos nos fosse feito; condena, por isso mesmo, todo meio de aquisição a ela contrário.” Lá não se acha a frase: “que ordena a razão individual”. É uma pérfida adição. Não julgamos que se possa possuir, com tranquilidade de consciência, em detrimento da justiça. O Sr. Gandy deveria dizer-nos os casos em que é legítima a espoliação. Ainda bem que os tribunais não compartilham sua opinião.
─ “A indulgência aguarda, fora desta vida, o suicida que se vê a braços com a necessidade e que quis impedir que a vergonha caísse sobre seus filhos ou sua família. Aliás, São Luís, cujas funções espíritas relataremos dentro em pouco, se digna revelar-nos que há escusas para os suicídios por amor. Quanto às penas do suicida, elas não são fixadas. O que é certo é que ele não escapa ao desapontamento. Por outras palavras, cai numa enrascada, como se diz vulgarmente neste mundo”.
Esta passagem está inteiramente desnaturada pelas exigências da crítica do Sr. Gandy. Seria preciso transcrever sete páginas para restabelecer o seu texto. Com tal sistema, seria fácil tornar ridículas as mais belas páginas dos nossos melhores escritores. Parece que o Sr. Gandy não admite gradação nem nas faltas nem nas penalidades de além-túmulo. Pensamos que Deus é mais justo e desejamos que jamais haja o Sr. Gandy de reclamar em seu favor o benefício das circunstâncias atenuantes.
─ “A pena de morte e a escravidão foram, são e serão contrárias às leis da Natureza. Homem e mulher, iguais perante Deus, devem ser iguais perante os homens.” “Terá sido a alma errante de algum sansimonista apavorado, à procura da mulher livre, que fez a graça dessa picante revelação ao Espiritismo?”
Assim a pena de morte, a escravidão e a submissão da mulher, que a civilização tende a abolir, são instituições que o Espiritismo não tem direito de condenar. Ó felizes tempos medievais, porque passastes sem retorno? Onde estais, ó fogueiras que nos teríeis livrado dos espíritas?
Citemos uma última passagem, das mais benignas.
─ “O Espiritismo não pode negar tal salada de contradições, de absurdos e de loucuras, que não pertencem a nenhuma filosofia, nem a nenhuma língua. Se Deus permite essas manifestações ímpias, é porque deixa aos demônios, conforme ensina a Igreja, o poder de enganar àqueles que os chamam, violando a sua lei.”
Então o demônio vem a propósito, porque, sem o querer, faz-nos amar a Deus.
─ “Quanto à verdade, a Igreja no-la dá a conhecer. Ela nos diz com os livros sagrados que o anjo das trevas se transforma em anjo de luz e que seria mister recusar até o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo, da qual sua infalível autoridade é depositária. Aliás, ela tem meios seguros e evidentes para distinguir o prestígio diabólico das manifestações divinas.”
É uma grande verdade que se deveria recusar o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo. Ora, o que diz esta doutrina, e que o Cristo pregou pela palavra e pelo exemplo?
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.
“Aquele que se encolerizar contra seu irmão será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: louco, será réu do fogo do Inferno.
“Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos Céus, que faz que o sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos, pois se amardes apenas os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
“Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.
“Não façais aos outros o que não quereis que vos seja feito”.
A caridade é, pois, o princípio fundamental da doutrina do Cristo. Daí concluímos que toda palavra e toda ação contrárias à caridade não podem ser, como dizeis perfeitamente bem, inspiradas senão por Satã, ainda mesmo que este se revestisse da forma de um arcanjo. Eis por que o Espiritismo diz: Fora da caridade não há salvação.
Sobre o mesmo assunto remetemos o leitor às nossas respostas ao Univers, números de maio e julho de 1859, e à Gazette de Lyon, de outubro de 1860. Como refutação ao Sr. Gandy recomendamos igualmente a Lettre d’un catholique sur le Spiritisme, pelo Dr. Grand. Se o autor dessa brochura * está condenado ao inferno, ali haverá muitos outros e ali veríamos ─ coisa estranha! ─ aqueles que pregam a caridade para todos, enquanto o Céu seria reservado àqueles que lançam anátemas e maldições. Seria um singular equívoco sobre o sentido das palavras do Cristo.
A falta de espaço obriga-nos a deixar para o próximo número a resposta ao Sr. Deschanel, do Journal des Débats.
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* Grande, in-18, preço 1 franco; pelo correio 1,15 francos. No escritório da Revista Espírita e na Livraria Ledoyen, no Palais-Royal.
Eis, porém, um homem sério que diz: Não se deve brincar com essas coisas; isto é mais sério do que se pensa; não acrediteis que se trate de moda passageira. Essa crença é uma tendência inerente à fraqueza da Humanidade, que em todas as épocas acreditou no maravilhoso, no sobrenatural, no fantástico. Quem imaginaria que em pleno século XIX, num século de luzes e de progresso, depois que Voltaire demonstrou claramente que só o nada nos espera, depois de tantos sábios que procuravam a alma e não a encontraram, ainda se possa acreditar em Espíritos; em mesas girantes; em feiticeiros e magos; no poder de Merlin, o encantador; na varinha mágica; em Mademoiselle Lenormand? Ó Humanidade! Humanidade! Para onde irás se eu não vier em teu auxílio para tirar-te do lodaçal da superstição? Quiseram matar os Espíritos pelo ridículo, mas não conseguiram. Longe disso, o mal contagioso faz constantes progressos; a zombaria parece dar-lhe uma recrudescência e, se não for posto um paradeiro, em breve a Humanidade inteira estará infestada. Uma vez que esse meio, habitualmente tão eficaz, tornou-se impotente, é tempo dos cientistas meterem mãos à obra, a fim de acabar com isso de uma vez para sempre. As zombarias não são argumentos. Falemos em nome da Ciência. Demonstremos que em todos os tempos os homens foram uns imbecis por acreditarem que houvesse um poder que lhes era superior; que não tivessem em si mesmos todo o poder sobre a Natureza. Provemos-lhes que tudo quanto atribuem a forças sobrenaturais se explica por simples leis da Fisiologia; que a sobrevivência da alma e o seu poder de comunicação com os vivos é uma quimera e que é loucura acreditar no futuro. Se depois de haver digerido quatro volumes de boas razões não se convencerem, só nos restará lamentar a sorte da Humanidade que ao invés de progredir, recua a largos passos para a barbárie da Idade Média e corre para a sua perdição.
Que o Sr. Figuier esconda o rosto, pois o seu livro, tão pomposamente anunciado, tão elogiado pelos campeões do materialismo, produziu um resultado inteiramente contrário ao que ele esperava.
Mas eis que surge um novo campeão, pretendendo esmagar o Espiritismo por um outro meio: é o Sr. Georges Gandy, redator de La Bibliographie Catholique, que se atira num corpo a corpo, em nome da religião ameaçada. Esta é boa! A religião ameaçada por uma coisa a que chamais de utopia! Então é que tendes pouca fé na sua força, e assim, a supondes muito vulnerável para temerdes que as ideias de alguns sonhadores abalem os seus alicerces. Considerais tão temível esse inimigo, pois que o atacais com tanta raiva e tanta fúria? Tereis melhor resultado que os outros? Duvidamo-lo, pois que a cólera é má conselheira. Se conseguirdes apavorar algumas almas timoratas, não receais acender a curiosidade num grande número de criaturas? Julgai-o pelo fato seguinte: Numa cidade que tem um certo número de espíritas e alguns grupos íntimos que se ocupam com as manifestações, um pregador fez certo dia um sermão virulento, contra aquilo a que chamava obra do diabo, pretendendo que só este vinha falar nas reuniões satânicas, cujos membros estavam todos notoriamente votados à danação eterna. Que aconteceu? Desde o dia seguinte, bom número de ouvintes se puseram em busca de tais reuniões espíritas e quiseram ouvir os diabos, curiosos de saber o que lhes diriam, porque tanto se tem falado dele que a gente se familiarizou com esse nome que já não inspira medo. Ora, nessas reuniões viram pessoas sérias, respeitáveis, instruídas, orando a Deus, coisa que eles não mais haviam feito desde a primeira comunhão; pessoas crentes em sua alma, em sua imortalidade e nas penas e recompensas futuras, trabalhando para se tornarem melhores; esforçando-se por praticarem a moral do Cristo, não falando mal de ninguém, nem mesmo dos que lhes lançavam anátemas. Então aquelas pessoas compreenderam que se o diabo ensinava tais coisas é que se havia convertido. Quando os viram tratar respeitosa e piamente com os parentes e amigos mortos que lhes davam consolação e sábios conselhos, não puderam crer que tais reuniões fossem sucursais do sabbat, desde que não viram nem caldeiras, nem vassouras, nem corujas, nem gatos pretos, nem crocodilos, nem livros de magia, nem trípodes, nem varinhas mágicas ou quaisquer outros acessórios de feitiçaria, nem mesmo a velha de queixo e nariz recurvados. Eles também quiseram conversar, um com sua mãe, outro com um filho querido, e ao reconhecê-los, pareceu-lhes difícil admitir que essa mãe e esse filho fossem demônios. Felizes por terem a prova de sua existência e a certeza de que irão encontrá-los num mundo melhor, perguntaram-se com que objetivo haviam procurado amedrontá-los. Isto os levou a reflexões que jamais tinham imaginado. O resultado é que gostaram mais de ir ali onde encontravam consolações, do que aos lugares onde os enchiam de pavores.
Esse pregador, como vimos, tomou um caminho errado e permite que se diga: Mais vale um inimigo que um amigo inábil. O Sr. Georges Gandy espera ser mais feliz? Nós o citamos textualmente, para edificação dos nossos leitores:
“Em todas as épocas das grandes provas da Igreja e de seus próximos triunfos houve contra ela conspirações infernais, nas quais a ação dos demônios era visível e tangível. Jamais a teurgia e a magia tiveram mais voga no seio do paganismo e da Filosofia do que no momento em que o Cristianismo se espalhava no mundo para subjugá-los. No século XVI, Lutero teve colóquios com Satã e um redobramento de feitiçarias e de comunicações diabólicas se fez notar na Europa quando a Igreja operava a grande reforma católica que iria triplicar as suas forças, e quando um novo mundo lhe abria destinos gloriosos sobre um espaço imenso. No século XVIII, na véspera daquele dia em que o machado dos carrascos deveria retemperar a Igreja no sangue de novos mártires, a demonolatria florescia no cemitério de Saint-Médard, ao redor das varinhas de Mesmer e dos espelhos de Cagliostro. Hoje, na grande luta do Catolicismo contra todas as potências do Inferno, a conspiração de Satã veio visivelmente em auxílio do filosofismo. Em nome do naturalismo, o Inferno quis prover uma consagração à obra da violência e da astúcia que ele continua a exercer já há quatro séculos e que se apresta para coroar com uma suprema impostura. Aí está todo o segredo da dita doutrina Espírita, amontoado de absurdos, de contradições, de hipocrisias e de blasfêmias, como veremos a seguir, e que tenta, com a última das perfídias, glorificar o Cristianismo para o aviltar, espalhá-lo para o suprimir, afetando respeito pelo divino Salvador, a fim de arrancar da Terra tudo aquilo que Ele fecundou com o seu sangue e substituir o seu reino imortal pelo despotismo dos ímpios devaneios.
“Abordando o exame dessas estranhas pretensões, que acreditamos ainda não terem sido suficientemente desvendadas e disciplinadas, pedimos aos nossos leitores que acompanhem nossa caminhada, um tanto longa, nesse dédalo diabólico, do qual a seita espera sair vitoriosa, depois de haver abolido para sempre o nome divino ante o qual a vemos dobrar os joelhos. A despeito de seus ridículos conceitos, de suas revoltantes profanações, de suas intérminas contradições, o Espiritismo é para nós precioso ensinamento. Jamais as loucuras do Inferno haviam rendido à nossa santa religião mais deslumbrante homenagem. Jamais o havia Deus condenado com mais soberano poder, a confirmar-se pelo testemunho destas palavras do divino Mestre: Vos ex patre diabolo estis”.
Este começo permite avaliar a amenidade do resto. Os nossos leitores que quiserem edificar-se nessa fonte de caridade evangélica poderão permitir-se o prazer de ler a Bibliographie, nº. 3, de setembro de 1860, rue de Sèvres, nº. 31. Ainda uma vez, por que tanta cólera, tanto fel contra uma doutrina que, se como dizeis, é obra de Satã, não poderá prevalecer contra a obra de Deus, a menos que admitais seja Deus menos poderoso do que Satã, o que seria um tanto ímpio? Duvidamos muito desse rosário de injúrias, dessa febre, dessa profusão de epítetos de que o Cristo jamais se serviu contra os seus maiores inimigos, para os quais ele suplicava a misericórdia de Deus e não a sua vingança, quando dizia: “Perdoai-lhes, Senhor, pois não sabem o que fazem”. Duvidamos, íamos dizendo, que uma tal linguagem seja persuasiva. A verdade é calma e não necessita de arroubos, e com tal raiva faríeis crer na vossa própria fraqueza. Confessamos que não é muito compreensível esta singular política de Satã, que glorifica o Cristianismo para aviltá-lo e que o espalha para suprimi-lo. Em nossa opinião isto seria muito inábil e se assemelharia a um hortelão que, não querendo batatas, as semeasse em profusão no seu horto, a fim de lhes destruir a espécie. Quando acusamos os outros por lhes falhar o raciocínio, devemos, para ser lógicos, começar por nós próprios.
O Sr. Georges Gandy ataca mortalmente o Espiritismo pelo fato de apoiar-se este no Evangelho e no Cristianismo, mas na verdade não sabemos bem a razão. Que diria então se ele se apoiasse em Maomé? Certamente muito menos, pois que um fato digno de nota é que o Islamismo, o Judaísmo, o próprio Budismo são objeto de ataques menos virulentos que as seitas dissidentes do Cristianismo. Com certas pessoas, tem que ser tudo ou nada. Há sobretudo um ponto que o Sr. Gandy não perdoa ao Espiritismo: é o não haver proclamado esta máxima absoluta: “Fora da Igreja não há salvação”, e admitir que aquele que faz o bem possa ser salvo das chamas eternas, seja qual for a sua crença. Uma tal doutrina evidentemente só poderia sair do Inferno. As orelhas lhe ardem sobretudo nesta passagem:
“Que quer o Espiritismo? É uma importação americana, inicialmente protestante, e que já havia triunfado ─ permitam-nos que o digamos ─ sobre todas as praias da idolatria e da heresia; tais são os seus títulos em relação ao mundo. Seria, pois, das terras clássicas da superstição e da loucura religiosa que nos viriam a verdade e a sabedoria!” Eis aqui, por certo um grande agravo. Se ele houvesse nascido em Roma seria a voz de Deus; como nasceu num país protestante, é a voz do diabo. Mas o que direis quando tivermos provado ─ o que faremos um dia ─ que ele estava na Roma cristã muito antes de estar na América protestante? Que respondereis ao fato, hoje constatado, de haver mais espíritas católicos do que espíritas protestantes?
O número das pessoas que em nada creem, que de tudo duvidam, do futuro, do próprio Deus, é considerável e cresce em proporção alarmante. Será por vossas violências, vossos anátemas, vossas ameaças com o Inferno, vossas declamações furibundas que as reconduzireis? Não, pois são as vossas próprias violências que as afastam. Serão culpadas por haverem levado a sério a caridade e a mansuetude do Cristo e a bondade infinita de Deus? Ora, quando elas escutam os que pretendem falar em seu nome, despejarem ameaças e injúrias, põem-se a duvidar do Cristo, de Deus, de tudo enfim. O Espiritismo lhes transmite palavras de paz e de esperança, e desde que lhes pesa a dúvida e sentem necessidade de consolações, atiram-se aos braços do Espiritismo, de vez que a gente prefere aquilo que sorri às coisas que apavoram. Então creem em Deus, na missão do Cristo e na sua divina moral. Numa palavra, de incrédulos e indiferentes, tornam-se crentes. Foi isto que há pouco tempo levou um respeitável padre a responder a uma de suas penitentes que o interrogava sobre o Espiritismo: “Nada acontece sem a vontade de Deus; ora, Deus permite essas coisas a fim de reavivar a fé que se extingue”. Se tivesse empregado outra linguagem, tê-la-ia afastado talvez para sempre.
Quereis a todo custo que o Espiritismo seja uma seita, quando ele só aspira ao título de ciência moral e filosófica que respeita todas as crenças sinceras. Por que, então, dar a ideia de uma separação àqueles que não pensam nisso? Se repelirdes aqueles que ele reconduz à crença em Deus; se não lhes oferecerdes outra perspectiva além do Inferno, não sereis senão vós mesmos os responsáveis por uma cisão por vós provocada.
Disse-nos um dia São Luís: “Zombaram das mesas girantes; jamais, entretanto, zombarão da filosofia, da sabedoria e da caridade que brilham nas comunicações sérias.”
Enganou-se, porque não contou com o Sr. Georges Gandy.
Muitas vezes os escritores se divertiram à custa dos Espíritos e de suas manifestações, sem pensar que um dia eles próprios poderiam ser alvo das piadas de seus sucessores. Entretanto, sempre respeitaram a parte moral da ciência. Estava reservado a um escritor católico, o que lamentamos sinceramente ─ expor ao ridículo as máximas admitidas pelo mais elementar bom-senso. Ele cita bom número de passagens do Livro dos Espíritos. Não nos reportaremos senão a umas poucas, que dão bem uma ideia de sua apreciação.
─ “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração aos que o fazem exteriormente”. O texto do Livro dos Espíritos diz: “Deus prefere os que o adoram do fundo do coração, com sinceridade, fazendo o bem e evitando o mal, aos que julgam honrá-lo por meio de cerimônias que não os tornam melhores para com os seus semelhantes.” O Sr. Gandy admite o contrário, mas, como homem de boa-fé, deveria ter citado a passagem textualmente, ao invés de truncá-la de modo a lhe desnaturar o sentido.
─ “Toda destruição de animais que ultrapassa o limite das necessidades é uma violação da lei de Deus”, o que quer dizer que o princípio moral que rege os prazeres, igualmente se aplica ao exercício da caça e da matança.
Precisamente. Parece, entretanto, que o Sr. Gandy é caçador e pensa que Deus fez a caça, não para alimento do homem, mas para lhe proporcionar o prazer de, sem necessidade, fazer matança de animais inofensivos.
─ “Os prazeres têm limites fixados pela Natureza: o limite da necessidade. Pelos excessos, chegamos à saciedade.” É a moral do virtuoso Horácio, um dos pais do Espiritismo.
Visto que o autor critica esta máxima, parece que ele não admite limitação aos prazeres, o que certamente não é muito religioso.
─ “Para ser legítima, a propriedade deve ser adquirida sem prejuízo da lei de amor e de Justiça; assim, aquele que possui sem respeitar os deveres de caridade, que ordena a consciência ou a razão individual, é um usurpador do bem alheio; espiriticamente estamos em pleno socialismo.”
O texto diz assim: “Só é legítima a propriedade adquirida sem prejuízo de outrem. A lei de amor e de justiça proíbe fazer a outrem aquilo que não quereríamos nos fosse feito; condena, por isso mesmo, todo meio de aquisição a ela contrário.” Lá não se acha a frase: “que ordena a razão individual”. É uma pérfida adição. Não julgamos que se possa possuir, com tranquilidade de consciência, em detrimento da justiça. O Sr. Gandy deveria dizer-nos os casos em que é legítima a espoliação. Ainda bem que os tribunais não compartilham sua opinião.
─ “A indulgência aguarda, fora desta vida, o suicida que se vê a braços com a necessidade e que quis impedir que a vergonha caísse sobre seus filhos ou sua família. Aliás, São Luís, cujas funções espíritas relataremos dentro em pouco, se digna revelar-nos que há escusas para os suicídios por amor. Quanto às penas do suicida, elas não são fixadas. O que é certo é que ele não escapa ao desapontamento. Por outras palavras, cai numa enrascada, como se diz vulgarmente neste mundo”.
Esta passagem está inteiramente desnaturada pelas exigências da crítica do Sr. Gandy. Seria preciso transcrever sete páginas para restabelecer o seu texto. Com tal sistema, seria fácil tornar ridículas as mais belas páginas dos nossos melhores escritores. Parece que o Sr. Gandy não admite gradação nem nas faltas nem nas penalidades de além-túmulo. Pensamos que Deus é mais justo e desejamos que jamais haja o Sr. Gandy de reclamar em seu favor o benefício das circunstâncias atenuantes.
─ “A pena de morte e a escravidão foram, são e serão contrárias às leis da Natureza. Homem e mulher, iguais perante Deus, devem ser iguais perante os homens.” “Terá sido a alma errante de algum sansimonista apavorado, à procura da mulher livre, que fez a graça dessa picante revelação ao Espiritismo?”
Assim a pena de morte, a escravidão e a submissão da mulher, que a civilização tende a abolir, são instituições que o Espiritismo não tem direito de condenar. Ó felizes tempos medievais, porque passastes sem retorno? Onde estais, ó fogueiras que nos teríeis livrado dos espíritas?
Citemos uma última passagem, das mais benignas.
─ “O Espiritismo não pode negar tal salada de contradições, de absurdos e de loucuras, que não pertencem a nenhuma filosofia, nem a nenhuma língua. Se Deus permite essas manifestações ímpias, é porque deixa aos demônios, conforme ensina a Igreja, o poder de enganar àqueles que os chamam, violando a sua lei.”
Então o demônio vem a propósito, porque, sem o querer, faz-nos amar a Deus.
─ “Quanto à verdade, a Igreja no-la dá a conhecer. Ela nos diz com os livros sagrados que o anjo das trevas se transforma em anjo de luz e que seria mister recusar até o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo, da qual sua infalível autoridade é depositária. Aliás, ela tem meios seguros e evidentes para distinguir o prestígio diabólico das manifestações divinas.”
É uma grande verdade que se deveria recusar o testemunho de um arcanjo, caso fosse contrário à doutrina do Cristo. Ora, o que diz esta doutrina, e que o Cristo pregou pela palavra e pelo exemplo?
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.
“Aquele que se encolerizar contra seu irmão será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: raca, será réu do sinédrio; e qualquer que lhe disser: louco, será réu do fogo do Inferno.
“Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos Céus, que faz que o sol se levante sobre maus e bons e a chuva desça sobre justos e injustos, pois se amardes apenas os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
“Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.
“Não façais aos outros o que não quereis que vos seja feito”.
A caridade é, pois, o princípio fundamental da doutrina do Cristo. Daí concluímos que toda palavra e toda ação contrárias à caridade não podem ser, como dizeis perfeitamente bem, inspiradas senão por Satã, ainda mesmo que este se revestisse da forma de um arcanjo. Eis por que o Espiritismo diz: Fora da caridade não há salvação.
Sobre o mesmo assunto remetemos o leitor às nossas respostas ao Univers, números de maio e julho de 1859, e à Gazette de Lyon, de outubro de 1860. Como refutação ao Sr. Gandy recomendamos igualmente a Lettre d’un catholique sur le Spiritisme, pelo Dr. Grand. Se o autor dessa brochura * está condenado ao inferno, ali haverá muitos outros e ali veríamos ─ coisa estranha! ─ aqueles que pregam a caridade para todos, enquanto o Céu seria reservado àqueles que lançam anátemas e maldições. Seria um singular equívoco sobre o sentido das palavras do Cristo.
A falta de espaço obriga-nos a deixar para o próximo número a resposta ao Sr. Deschanel, do Journal des Débats.
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* Grande, in-18, preço 1 franco; pelo correio 1,15 francos. No escritório da Revista Espírita e na Livraria Ledoyen, no Palais-Royal.
Carta sobre a incredulidade - I
Um dos nossos colegas, o Sr. Canu, outrora muito imbuído dos princípios materialistas, e que o Espiritismo levou a uma apreciação mais sadia das coisas, acusava-se de se ter feito propagandista de doutrinas que ora considera subversivas da ordem social. No intuito de reparar o que razoavelmente considera uma falta, e para esclarecer aqueles a quem havia transviado, escreveu a um de seus amigos uma carta sobre a qual entendeu pedir-nos conselho. Afigurou-se-nos que ela correspondia tão bem ao objetivo visado, que lhe pedimos nos permitisse a sua publicação, que certamente agradará aos nossos leitores.
Ao invés de abordar frontalmente a questão do Espiritismo, o que teria sido repelido pelas pessoas que não admitem ser a alma a sua base, e sobretudo ao invés de lhes pôr sob os olhos os estranhos fenômenos que eles poderiam negar ou atribuir a causas vulgares, ele remonta à fonte. Com razão procura torná-las espiritualistas, antes de torná-las espíritas. Por um encadeamento de ideias perfeitamente lógico, chega à ideia espírita como consequência. Evidentemente, é este o caminho mais racional.
A extensão desta carta obriga-nos a dividir a sua publicação.
“Paris, 10 de novembro de 1860.
Meu caro amigo,
Desejas uma longa carta sobre o Espiritismo. Procurarei satisfazer-te como melhor puder, enquanto espero a remessa de importante obra sobre a matéria, a qual deve aparecer no fim do ano.
Serei obrigado a começar por algumas considerações gerais, para o que necessário se torna remontar à origem do homem. Isto alongará um pouco a minha carta, mas é indispensável à compreensão do assunto.
Diz-se comumente: tudo passa!
Sim, tudo passa, mas geralmente a esta expressão também se dá uma significação muito afastada da que lhe é própria.
Tudo passa, mas nada acaba, senão a forma.
Tudo passa, no sentido de que tudo marcha e segue o seu curso, mas não um curso cego e sem objetivo, embora jamais deva acabar.
O movimento é a grande lei do Universo, tanto na ordem moral como na ordem física, e a finalidade do movimento é a progressão para o melhor; é um trabalho ativo, incessante e universal; é o que nós chamamos de progresso.
Tudo está submetido a essa lei, exceto Deus. Deus é o seu autor; a criatura lhe é instrumento e objeto.
A Criação compõe-se de duas naturezas distintas: a natureza material e a natureza intelectual. Esta última é o instrumento ativo; a outra é o instrumento passivo.
Esses dois instrumentos são complementos recíprocos, isto é, um sem o outro seria de emprego absolutamente nulo.
Sem a natureza intelectual, ou o espírito inteligente e ativo, a natureza material, isto é, a matéria ininteligente e inerte seria perfeitamente inútil, pois nada poderia por si mesma.
Sem a matéria inerte, o mesmo se daria com o espírito inteligente.
Até mesmo o mais perfeito instrumento seria como se não existisse, caso não houvesse alguém para dele se servir.
O mais hábil operário, o cientista da mais alta classe seriam tão impotentes quanto o mais perfeito idiota, se não tivessem instrumentos para desenvolver a sua ciência e manifestá-la.
Eis aqui o lugar e o momento de fazer notar que o instrumento material não consiste apenas no cepilho do carpinteiro, no cinzel do escultor, na palheta do pintor, no escalpelo do cirurgião, no compasso e na luneta do astrônomo: também consiste na mão, na língua, nos olhos, no cérebro, numa palavra, na reunião de todos os órgãos materiais necessários à manifestação do pensamento, o que naturalmente implica na denominação de instrumento passivo à própria matéria sobre a qual a inteligência opera por meio do instrumento propriamente dito. É assim que uma mesa, uma casa, um quadro, considerados em seus elementos componentes, não são menos instrumentos que a serra, o cepilho, o esquadro, o prumo, o pincel que os produziram; que a mão e os olhos que os dirigiram; enfim que o cérebro que presidiu a essa direção. Ora, tudo isto, inclusive o cérebro, foi a instrumentação complexa de que se serviu a inteligência para manifestar o seu pensamento, a sua vontade, que era a de produzir uma forma, e essa forma ou era uma mesa, ou uma casa, ou um quadro, etc.
Inerte por natureza e informe em sua essência, a matéria não adquire propriedades úteis senão pela forma que se lhe imprime, o que levou um célebre fisiologista a dizer que a forma era mais necessária que a matéria, proposição talvez um tanto paradoxal, mas que prova a superioridade do papel desempenhado pela forma nas modificações da matéria. De acordo com esta lei é que Deus, se assim me posso exprimir, dispôs e modificou incessantemente os mundos e as criaturas que os habitam, segundo as formas que melhor convêm aos seus propósitos para a harmonização do Universo. E é sempre segundo essa lei que as criaturas inteligentes, agindo incessantemente sobre a matéria, como o próprio Deus, mas secundariamente, concorrem para a sua transformação contínua, transformação da qual cada grau, cada estágio é um passo no progresso, ao mesmo tempo que manifestação da inteligência que o leva a esse passo.
É assim que tudo na Criação está em movimento e sempre em progresso; que a missão da criatura inteligente é ativar esse movimento no sentido do progresso, e que por vezes o faz mesmo sem o saber; que o papel da criatura material é obedecer a esse movimento e manifestar o progresso da criatura inteligente; que a Criação, enfim, considerada em seu conjunto ou em suas partes, realiza incessantemente os desígnios de Deus.
Sem sair do nosso planeta, quantas pessoas ditas inteligentes realizam uma missão da qual estão longe de suspeitar! De minha parte confesso que ainda há bem pouco tempo eu era desse rol. Não me sentiria nem por isso constrangido em deixar aqui algumas palavras sobre a minha própria história.
Perdoar-me-ás esta pequena digressão, que talvez tenha o seu lado útil.
Educado na escola do dogma católico, não tendo desenvolvido a reflexão e o exame senão bastante tarde, fui, durante muito tempo, um crente fervoroso e cego; certamente não esqueceste disso. Sabes, porém, que mais tarde caí no excesso contrário. Da negação de certos princípios que minha razão não podia admitir, conclui pela negação absoluta. O dogma da eternidade das penas sobretudo me revoltava. Eu não podia conciliar a ideia de um Deus que me diziam infinitamente misericordioso, com a de um castigo perpétuo para uma falta passageira. O quadro do Inferno, de suas fornalhas, de suas torturas materiais me parecia ridículo e uma paródia do Tártaro dos Pagãos. Recapitulei minhas impressões de infância e lembrei-me de que, por ocasião da minha primeira comunhão, diziam-nos que não se devia orar pelos danados, por lhes ser isto de nenhum proveito; que aquele que não tivesse fé era votado às chamas; que bastava uma dúvida sobre a infalibilidade da Igreja para se ser danado; que o próprio bem que fizéssemos aqui não nos poderia salvar, de vez que Deus colocava a fé acima das melhores ações humanas. Essa doutrina havia-me tornado ímpio, endurecendo-me o coração. Eu olhava os homens com desconfiança e ao menor pecadilho eu cria ver a meu lado um condenado de quem deveria fugir como da peste, e ao qual, em minha indignação, eu teria recusado um copo d’água, dizendo-me a mim mesmo que um dia Deus lhe recusaria ainda mais. Se ainda existissem fogueiras, eu teria empurrado para elas todos os que não tivessem fé ortodoxa, ainda que fosse meu próprio pai.
Nessa situação de espírito eu não podia amar a Deus, mas temê-lo.
Mais tarde uma porção de circunstâncias, que seria longo enumerar, vieram abrir-me os olhos e eu rejeitei os dogmas que não se acomodavam à minha razão, porque ninguém me havia ensinado a pôr a moral acima da forma. Do fanatismo religioso, caí no fanatismo da incredulidade, a exemplo de tantos companheiros de infância.
Não entrarei em minúcias que nos levariam muito longe. Apenas acrescentarei que depois de haver perdido, durante quinze anos, a doce ilusão da existência de um Deus infinitamente bom, poderoso e sábio; da existência e da imortalidade da alma, enfim hoje encontro de novo, não uma ilusão, mas uma certeza tão completa quanto à de minha existência atual, quanto à de que te escrevo neste instante.
Eis, meu amigo, o grande acontecimento de nossa época, o grande acontecimento que nos é dado ver realizar-se em nossos dias: a prova material da existência e da imortalidade da alma.
Voltemos ao fato. Mas para te fazer melhor compreender o Espiritismo, vamos remontar à origem do homem, assunto sobre o qual não nos demoraremos.
É evidente que os globos que povoam a imensidade não foram feitos unicamente tendo em vista a sua ornamentação. Eles têm também uma finalidade útil, ao lado da agradável: a de produzir e alimentar os seres vivos materiais, que são instrumentos apropriados e dóceis a essa multidão infinita de criaturas inteligentes que povoam o espaço e que são, em definitivo, a obra-prima, ou antes, o objetivo da Criação, pois que só eles têm a faculdade de lhe conhecer, admirar e adorar o autor.
Cada um dos globos espalhados no espaço teve o seu começo, quanto à forma, num tempo mais ou menos afastado. Quanto à idade da matéria que o compõe, é um segredo que não nos importa aqui conhecer, de vez que a forma é tudo para o objeto que nos ocupa. Com efeito, pouco nos importa que a matéria seja eterna, ou apenas de criação anterior à formação do astro, ou, ainda, contemporânea a essa formação. O que é necessário saber é que o astro foi formado para ser habitado. Talvez não seja fora de propósito acrescentar que essas formações não são feitas em um dia, como dizem as Escrituras; que um globo não sai repentinamente do nada coberto de florestas, de prados e de habitantes, como Minerva saiu armada dos pés à cabeça, da cabeça de Júpiter. Não. Deus age infalivelmente, mas de vagar. Tudo segue uma lei lenta e progressiva, não porque Deus hesite ou tenha necessidade de lentidão, mas porque suas leis são assim e são imutáveis. Aliás, aquilo a que nós, seres efêmeros, chamamos lentidão, não o é para Deus, para o qual o tempo nada é.
Eis, pois, um globo em formação ou, se quiseres, já formado. Muitos séculos ou mesmo milhares de séculos devem passar antes que ele seja habitável. Mas, enfim, chega o momento. Após modificações numerosas e sucessivas de sua superfície, começa pouco a pouco a cobrir-se de vegetação. (Falo da Terra e não pretendo, a não ser por analogia, fazer a história dos outros globos, cujo fim, evidentemente, é o mesmo, mas cujas modificações físicas podem variar). Ao lado da vegetação aparece a vida animal, uma e outra na sua maior simplicidade, pois esses dois ramos do reino orgânico são necessários um ao outro, fecundam-se mutuamente, alimentam-se reciprocamente, elaborando ao mesmo tempo a matéria inorgânica, para torná-la cada vez mais apropriada à formação de seres cada vez mais perfeitos, até que ela tenha atingido o ponto de poder produzir e alimentar o corpo que deve servir de habitação e instrumento ao ser por excelência, isto é, ao ser intelectual que dele deve servir-se, e que, por assim dizer, o espera para manifestar-se e que sem ele não poderia manifestar-se.
Eis-nos chegados ao homem!
Como se formou ele? Isto ainda não é o problema. Formou-se segundo a grande lei da formação dos seres, eis tudo. Pelo fato de não ser conhecida, esta lei não deixa de existir. Como se formaram os primeiros indivíduos de cada espécie de planta? Os de cada espécie animal? Cada um deles se formou à sua maneira, segundo a mesma lei. O que é certo é que Deus não teve necessidade de se transformar em oleiro, nem de sujar as mãos no barro para formar o homem, nem de lhe arrancar uma costela para formar a mulher. Essa fábula, aparentemente absurda e ridícula, pode bem ser uma imagem engenhosa, a ocultar um sentido penetrável por espíritos mais perspicazes que o meu. Como, porém, não entendo disso, aqui faço ponto.
Então aqui está o homem material habitando a Terra e habitado ele próprio por um ser imaterial, do qual ele nada mais é que o instrumento. Incapaz de qualquer coisa por si mesmo, como em geral o é a matéria, não se torna apto para qualquer coisa senão pela inteligência que o anima, mas essa mesma inteligência, criatura imperfeita como tudo quanto é criatura, isto é, como tudo quanto não é Deus, necessita aperfeiçoar-se, e é precisamente para esse aperfeiçoamento que lhe é dado o corpo, pois que sem a matéria o Espírito não poderia manifestar-se, nem, consequentemente, melhorar-se, esclarecer-se e enfim progredir.
Considerada coletivamente, a Humanidade é comparável ao indivíduo: ignorante na infância, ela se esclarece à medida que os anos passam. Isto se explica naturalmente pelo próprio estado de imperfeição em que se achavam os Espíritos para cujo avanço esta Humanidade foi feita. Mas quanto ao Espírito, considerado individualmente, não é numa existência única que pode adquirir a soma de progresso que é chamado a realizar. Eis por que um número mais ou menos grande de existências corpóreas lhe são necessárias, conforme o emprego que faça de cada uma delas. Quanto mais houver trabalhado o seu adiantamento em cada existência, por menos existências deverá passar. Como cada existência corpórea é uma prova, uma expiação, um verdadeiro purgatório, tem interesse de progredir o mais rapidamente possível, para ter que sujeitar-se ao menor número de provas, de vez que o Espírito não retrograda. Cada progresso realizado lhe é uma conquista assegurada, que não lhe poderá ser retirada. De acordo com este princípio, hoje demonstrado, torna-se evidente que quanto mais rapidamente marchar, mais cedo atingirá a meta.
Resulta do que precede que cada um de nós não está hoje em sua primeira existência corpórea. Longe disso. Estamos muito distanciados dela, e talvez mais distanciados ainda da última, porque nossas existências primitivas devem ter-se passado em mundos muito inferiores à Terra, à qual chegamos quando o nosso Espírito atingiu um estado de perfeição compatível com este astro. Do mesmo modo, à medida que progredirmos, passaremos a mundos superiores, muito mais adiantados que Terra, sob todos os pontos de vista, avançando assim, de degrau em degrau, sempre para o melhor. Antes, porém, de deixarmos um globo, parece que nele passamos várias existência cujo número não é, todavia, limitado, mas subordinado à soma de progresso que ali tivermos realizado.
Prevejo uma objeção em teus lábios. Tudo isto, dir-me-ás, pode ser verdadeiro, como, porém, de nada me lembro, e como acontece o mesmo com os outros, tudo quanto se tiver passado em nossas precedentes existências é para nós como se não tivesse acontecido. Se assim se passa em cada nova existência, ao meu Espírito pouco importa ser imortal ou morrer com o corpo, se, conservando a individualidade, ele não tem consciência de sua identidade.
Com efeito, para nós seria a mesma coisa, mas não é assim. Não perdemos a lembrança do passado senão durante a vida corpórea; readquirimo-la com a morte, isto é, ao despertar o Espírito em sua verdadeira existência, a de Espírito livre, em relação à qual as existências corpóreas podem ser comparadas àquilo que é o sono para o corpo.
Em que se tornam as almas dos mortos enquanto esperam uma nova reencarnação?
As que não deixam a Terra ficam errantes em sua superfície. Vão sem dúvida aonde lhes apraz, ou, pelo menos, aonde podem, conforme o grau de progresso, mas, em geral, pouco se afastam dos vivos e sobretudo daqueles a quem são afeiçoadas, quando têm afeição a alguém, a menos que lhes sejam impostos deveres a cumprir alhures. Estamos, pois, em todos os instantes, cercados por uma multidão de Espíritos conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, que nos veem, nos observam, nos ouvem; destes, uns participam de nossas penas, bem como de nossas alegrias, enquanto outros sofrem com os nossos prazeres ou gozam com as nossas dores, ao passo que outros, finalmente, a tudo se mostram indiferentes, exatamente como acontece na Terra, entre os mortais, cujas afeições, antipatias, vícios e virtudes são conservadas no outro mundo. A diferença é que os bons desfrutam na outra vida de uma felicidade desconhecida na Terra, o que é bem compreensível, pois não têm necessidades materiais a satisfazer, nem obstáculos do mesmo gênero a vencer. Se viveram bem, isto é, se nada têm ou se pouco têm a lamentar de sua última existência corpórea, gozam em paz do testemunho de sua consciência e do bem que fizeram. Se viveram mal, se foram maus, como lá estão a descoberto, pois não podem se dissimular sob o envoltório material, sofrem a vergonha de se verem conhecidos e apreciados; sofrem a presença daqueles a quem ofenderam, desprezaram, oprimiram, bem como a impossibilidade, em que se acham, de subtrair-se aos olhares de todos. Sofrem, finalmente, pelo remorso que os rói, até que o arrependimento venha aliviá-los ─ o que acontece mais cedo ou mais tarde ─ ou que uma nova encarnação os subtraia, não às vistas de outros Espíritos, mas às próprias vistas, tirando-lhes momentaneamente a consciência de sua identidade. Então, perdendo a lembrança do passado, sentem-se aliviados. Mas é aí que começa para eles começa uma nova prova. Se tiveram a sorte de sair dela melhorados, gozam o progresso realizado; se não se melhorarem, reencontram os mesmos tormentos, até que, por fim, se arrependam ou tirem proveito de uma nova existência.
Há um outro gênero de sofrimento: o experimentado pelos piores e mais perversos Espíritos. Inacessíveis à vergonha e ao remorso, estes não experimentam os tormentos. Seus sofrimentos são entretanto mais vivos, porque, sempre empolgados pelo mal, mas impotentes para fazê-lo, sofrem a inveja de ver os outros mais felizes ou melhores do que eles próprios, como sofrem, ao mesmo tempo, a raiva de não poderem saciar o seu ódio e entregar-se a todas as suas más inclinações. Oh! Estes sofrem muito mais, como te disse, mas não sofrerão senão enquanto não se melhorarem. Ou, em outros termos, até o dia que melhorarem. Muitas vezes, eles não vislumbram esse termo. São tão maus, tão enceguecidos pelo mal, que nem suspeitam a existência de um melhor estado de coisas; consequentemente, não imaginam que seu sofrimento deva acabar um dia, circunstância que os obstina no mal e lhes agrava os tormentos. Como, entretanto, não podem fugir indefinidamente à sorte comum que Deus reserva a todas as criaturas sem exceção, chega um momento em que lhes é preciso, finalmente, seguir a rota ordinária. Por vezes esse dia está mais próximo do que se poderia supor ao observar a sua perversidade. Alguns têm sido vistos, que se convertem de repente, e de repente seus sofrimentos cessam; entretanto, ainda lhes restam rudes provas a passar na Terra em sua próxima encarnação. É preciso que se depurem, expiando as próprias faltas e isto, em definitivo, é mais que justo. Seja como for, já não têm que temer a perda do progresso realizado, pois não podem retrogradar.
Eis, meu amigo, o mais sucintamente e o mais claramente que me foi possível fazer, uma exposição da filosofia do Espiritismo, tal qual pelo menos me era possível fazê-lo numa carta. Dela encontrarás desenvolvimento mais completo, até este momento, e também mais satisfatório, no Livro dos Espíritos, fonte onde bebi aquilo que me fez o que sou.
Passemos agora à prática.
(Conclusão no próximo número)
Ao invés de abordar frontalmente a questão do Espiritismo, o que teria sido repelido pelas pessoas que não admitem ser a alma a sua base, e sobretudo ao invés de lhes pôr sob os olhos os estranhos fenômenos que eles poderiam negar ou atribuir a causas vulgares, ele remonta à fonte. Com razão procura torná-las espiritualistas, antes de torná-las espíritas. Por um encadeamento de ideias perfeitamente lógico, chega à ideia espírita como consequência. Evidentemente, é este o caminho mais racional.
A extensão desta carta obriga-nos a dividir a sua publicação.
“Paris, 10 de novembro de 1860.
Meu caro amigo,
Desejas uma longa carta sobre o Espiritismo. Procurarei satisfazer-te como melhor puder, enquanto espero a remessa de importante obra sobre a matéria, a qual deve aparecer no fim do ano.
Serei obrigado a começar por algumas considerações gerais, para o que necessário se torna remontar à origem do homem. Isto alongará um pouco a minha carta, mas é indispensável à compreensão do assunto.
Diz-se comumente: tudo passa!
Sim, tudo passa, mas geralmente a esta expressão também se dá uma significação muito afastada da que lhe é própria.
Tudo passa, mas nada acaba, senão a forma.
Tudo passa, no sentido de que tudo marcha e segue o seu curso, mas não um curso cego e sem objetivo, embora jamais deva acabar.
O movimento é a grande lei do Universo, tanto na ordem moral como na ordem física, e a finalidade do movimento é a progressão para o melhor; é um trabalho ativo, incessante e universal; é o que nós chamamos de progresso.
Tudo está submetido a essa lei, exceto Deus. Deus é o seu autor; a criatura lhe é instrumento e objeto.
A Criação compõe-se de duas naturezas distintas: a natureza material e a natureza intelectual. Esta última é o instrumento ativo; a outra é o instrumento passivo.
Esses dois instrumentos são complementos recíprocos, isto é, um sem o outro seria de emprego absolutamente nulo.
Sem a natureza intelectual, ou o espírito inteligente e ativo, a natureza material, isto é, a matéria ininteligente e inerte seria perfeitamente inútil, pois nada poderia por si mesma.
Sem a matéria inerte, o mesmo se daria com o espírito inteligente.
Até mesmo o mais perfeito instrumento seria como se não existisse, caso não houvesse alguém para dele se servir.
O mais hábil operário, o cientista da mais alta classe seriam tão impotentes quanto o mais perfeito idiota, se não tivessem instrumentos para desenvolver a sua ciência e manifestá-la.
Eis aqui o lugar e o momento de fazer notar que o instrumento material não consiste apenas no cepilho do carpinteiro, no cinzel do escultor, na palheta do pintor, no escalpelo do cirurgião, no compasso e na luneta do astrônomo: também consiste na mão, na língua, nos olhos, no cérebro, numa palavra, na reunião de todos os órgãos materiais necessários à manifestação do pensamento, o que naturalmente implica na denominação de instrumento passivo à própria matéria sobre a qual a inteligência opera por meio do instrumento propriamente dito. É assim que uma mesa, uma casa, um quadro, considerados em seus elementos componentes, não são menos instrumentos que a serra, o cepilho, o esquadro, o prumo, o pincel que os produziram; que a mão e os olhos que os dirigiram; enfim que o cérebro que presidiu a essa direção. Ora, tudo isto, inclusive o cérebro, foi a instrumentação complexa de que se serviu a inteligência para manifestar o seu pensamento, a sua vontade, que era a de produzir uma forma, e essa forma ou era uma mesa, ou uma casa, ou um quadro, etc.
Inerte por natureza e informe em sua essência, a matéria não adquire propriedades úteis senão pela forma que se lhe imprime, o que levou um célebre fisiologista a dizer que a forma era mais necessária que a matéria, proposição talvez um tanto paradoxal, mas que prova a superioridade do papel desempenhado pela forma nas modificações da matéria. De acordo com esta lei é que Deus, se assim me posso exprimir, dispôs e modificou incessantemente os mundos e as criaturas que os habitam, segundo as formas que melhor convêm aos seus propósitos para a harmonização do Universo. E é sempre segundo essa lei que as criaturas inteligentes, agindo incessantemente sobre a matéria, como o próprio Deus, mas secundariamente, concorrem para a sua transformação contínua, transformação da qual cada grau, cada estágio é um passo no progresso, ao mesmo tempo que manifestação da inteligência que o leva a esse passo.
É assim que tudo na Criação está em movimento e sempre em progresso; que a missão da criatura inteligente é ativar esse movimento no sentido do progresso, e que por vezes o faz mesmo sem o saber; que o papel da criatura material é obedecer a esse movimento e manifestar o progresso da criatura inteligente; que a Criação, enfim, considerada em seu conjunto ou em suas partes, realiza incessantemente os desígnios de Deus.
Sem sair do nosso planeta, quantas pessoas ditas inteligentes realizam uma missão da qual estão longe de suspeitar! De minha parte confesso que ainda há bem pouco tempo eu era desse rol. Não me sentiria nem por isso constrangido em deixar aqui algumas palavras sobre a minha própria história.
Perdoar-me-ás esta pequena digressão, que talvez tenha o seu lado útil.
Educado na escola do dogma católico, não tendo desenvolvido a reflexão e o exame senão bastante tarde, fui, durante muito tempo, um crente fervoroso e cego; certamente não esqueceste disso. Sabes, porém, que mais tarde caí no excesso contrário. Da negação de certos princípios que minha razão não podia admitir, conclui pela negação absoluta. O dogma da eternidade das penas sobretudo me revoltava. Eu não podia conciliar a ideia de um Deus que me diziam infinitamente misericordioso, com a de um castigo perpétuo para uma falta passageira. O quadro do Inferno, de suas fornalhas, de suas torturas materiais me parecia ridículo e uma paródia do Tártaro dos Pagãos. Recapitulei minhas impressões de infância e lembrei-me de que, por ocasião da minha primeira comunhão, diziam-nos que não se devia orar pelos danados, por lhes ser isto de nenhum proveito; que aquele que não tivesse fé era votado às chamas; que bastava uma dúvida sobre a infalibilidade da Igreja para se ser danado; que o próprio bem que fizéssemos aqui não nos poderia salvar, de vez que Deus colocava a fé acima das melhores ações humanas. Essa doutrina havia-me tornado ímpio, endurecendo-me o coração. Eu olhava os homens com desconfiança e ao menor pecadilho eu cria ver a meu lado um condenado de quem deveria fugir como da peste, e ao qual, em minha indignação, eu teria recusado um copo d’água, dizendo-me a mim mesmo que um dia Deus lhe recusaria ainda mais. Se ainda existissem fogueiras, eu teria empurrado para elas todos os que não tivessem fé ortodoxa, ainda que fosse meu próprio pai.
Nessa situação de espírito eu não podia amar a Deus, mas temê-lo.
Mais tarde uma porção de circunstâncias, que seria longo enumerar, vieram abrir-me os olhos e eu rejeitei os dogmas que não se acomodavam à minha razão, porque ninguém me havia ensinado a pôr a moral acima da forma. Do fanatismo religioso, caí no fanatismo da incredulidade, a exemplo de tantos companheiros de infância.
Não entrarei em minúcias que nos levariam muito longe. Apenas acrescentarei que depois de haver perdido, durante quinze anos, a doce ilusão da existência de um Deus infinitamente bom, poderoso e sábio; da existência e da imortalidade da alma, enfim hoje encontro de novo, não uma ilusão, mas uma certeza tão completa quanto à de minha existência atual, quanto à de que te escrevo neste instante.
Eis, meu amigo, o grande acontecimento de nossa época, o grande acontecimento que nos é dado ver realizar-se em nossos dias: a prova material da existência e da imortalidade da alma.
Voltemos ao fato. Mas para te fazer melhor compreender o Espiritismo, vamos remontar à origem do homem, assunto sobre o qual não nos demoraremos.
É evidente que os globos que povoam a imensidade não foram feitos unicamente tendo em vista a sua ornamentação. Eles têm também uma finalidade útil, ao lado da agradável: a de produzir e alimentar os seres vivos materiais, que são instrumentos apropriados e dóceis a essa multidão infinita de criaturas inteligentes que povoam o espaço e que são, em definitivo, a obra-prima, ou antes, o objetivo da Criação, pois que só eles têm a faculdade de lhe conhecer, admirar e adorar o autor.
Cada um dos globos espalhados no espaço teve o seu começo, quanto à forma, num tempo mais ou menos afastado. Quanto à idade da matéria que o compõe, é um segredo que não nos importa aqui conhecer, de vez que a forma é tudo para o objeto que nos ocupa. Com efeito, pouco nos importa que a matéria seja eterna, ou apenas de criação anterior à formação do astro, ou, ainda, contemporânea a essa formação. O que é necessário saber é que o astro foi formado para ser habitado. Talvez não seja fora de propósito acrescentar que essas formações não são feitas em um dia, como dizem as Escrituras; que um globo não sai repentinamente do nada coberto de florestas, de prados e de habitantes, como Minerva saiu armada dos pés à cabeça, da cabeça de Júpiter. Não. Deus age infalivelmente, mas de vagar. Tudo segue uma lei lenta e progressiva, não porque Deus hesite ou tenha necessidade de lentidão, mas porque suas leis são assim e são imutáveis. Aliás, aquilo a que nós, seres efêmeros, chamamos lentidão, não o é para Deus, para o qual o tempo nada é.
Eis, pois, um globo em formação ou, se quiseres, já formado. Muitos séculos ou mesmo milhares de séculos devem passar antes que ele seja habitável. Mas, enfim, chega o momento. Após modificações numerosas e sucessivas de sua superfície, começa pouco a pouco a cobrir-se de vegetação. (Falo da Terra e não pretendo, a não ser por analogia, fazer a história dos outros globos, cujo fim, evidentemente, é o mesmo, mas cujas modificações físicas podem variar). Ao lado da vegetação aparece a vida animal, uma e outra na sua maior simplicidade, pois esses dois ramos do reino orgânico são necessários um ao outro, fecundam-se mutuamente, alimentam-se reciprocamente, elaborando ao mesmo tempo a matéria inorgânica, para torná-la cada vez mais apropriada à formação de seres cada vez mais perfeitos, até que ela tenha atingido o ponto de poder produzir e alimentar o corpo que deve servir de habitação e instrumento ao ser por excelência, isto é, ao ser intelectual que dele deve servir-se, e que, por assim dizer, o espera para manifestar-se e que sem ele não poderia manifestar-se.
Eis-nos chegados ao homem!
Como se formou ele? Isto ainda não é o problema. Formou-se segundo a grande lei da formação dos seres, eis tudo. Pelo fato de não ser conhecida, esta lei não deixa de existir. Como se formaram os primeiros indivíduos de cada espécie de planta? Os de cada espécie animal? Cada um deles se formou à sua maneira, segundo a mesma lei. O que é certo é que Deus não teve necessidade de se transformar em oleiro, nem de sujar as mãos no barro para formar o homem, nem de lhe arrancar uma costela para formar a mulher. Essa fábula, aparentemente absurda e ridícula, pode bem ser uma imagem engenhosa, a ocultar um sentido penetrável por espíritos mais perspicazes que o meu. Como, porém, não entendo disso, aqui faço ponto.
Então aqui está o homem material habitando a Terra e habitado ele próprio por um ser imaterial, do qual ele nada mais é que o instrumento. Incapaz de qualquer coisa por si mesmo, como em geral o é a matéria, não se torna apto para qualquer coisa senão pela inteligência que o anima, mas essa mesma inteligência, criatura imperfeita como tudo quanto é criatura, isto é, como tudo quanto não é Deus, necessita aperfeiçoar-se, e é precisamente para esse aperfeiçoamento que lhe é dado o corpo, pois que sem a matéria o Espírito não poderia manifestar-se, nem, consequentemente, melhorar-se, esclarecer-se e enfim progredir.
Considerada coletivamente, a Humanidade é comparável ao indivíduo: ignorante na infância, ela se esclarece à medida que os anos passam. Isto se explica naturalmente pelo próprio estado de imperfeição em que se achavam os Espíritos para cujo avanço esta Humanidade foi feita. Mas quanto ao Espírito, considerado individualmente, não é numa existência única que pode adquirir a soma de progresso que é chamado a realizar. Eis por que um número mais ou menos grande de existências corpóreas lhe são necessárias, conforme o emprego que faça de cada uma delas. Quanto mais houver trabalhado o seu adiantamento em cada existência, por menos existências deverá passar. Como cada existência corpórea é uma prova, uma expiação, um verdadeiro purgatório, tem interesse de progredir o mais rapidamente possível, para ter que sujeitar-se ao menor número de provas, de vez que o Espírito não retrograda. Cada progresso realizado lhe é uma conquista assegurada, que não lhe poderá ser retirada. De acordo com este princípio, hoje demonstrado, torna-se evidente que quanto mais rapidamente marchar, mais cedo atingirá a meta.
Resulta do que precede que cada um de nós não está hoje em sua primeira existência corpórea. Longe disso. Estamos muito distanciados dela, e talvez mais distanciados ainda da última, porque nossas existências primitivas devem ter-se passado em mundos muito inferiores à Terra, à qual chegamos quando o nosso Espírito atingiu um estado de perfeição compatível com este astro. Do mesmo modo, à medida que progredirmos, passaremos a mundos superiores, muito mais adiantados que Terra, sob todos os pontos de vista, avançando assim, de degrau em degrau, sempre para o melhor. Antes, porém, de deixarmos um globo, parece que nele passamos várias existência cujo número não é, todavia, limitado, mas subordinado à soma de progresso que ali tivermos realizado.
Prevejo uma objeção em teus lábios. Tudo isto, dir-me-ás, pode ser verdadeiro, como, porém, de nada me lembro, e como acontece o mesmo com os outros, tudo quanto se tiver passado em nossas precedentes existências é para nós como se não tivesse acontecido. Se assim se passa em cada nova existência, ao meu Espírito pouco importa ser imortal ou morrer com o corpo, se, conservando a individualidade, ele não tem consciência de sua identidade.
Com efeito, para nós seria a mesma coisa, mas não é assim. Não perdemos a lembrança do passado senão durante a vida corpórea; readquirimo-la com a morte, isto é, ao despertar o Espírito em sua verdadeira existência, a de Espírito livre, em relação à qual as existências corpóreas podem ser comparadas àquilo que é o sono para o corpo.
Em que se tornam as almas dos mortos enquanto esperam uma nova reencarnação?
As que não deixam a Terra ficam errantes em sua superfície. Vão sem dúvida aonde lhes apraz, ou, pelo menos, aonde podem, conforme o grau de progresso, mas, em geral, pouco se afastam dos vivos e sobretudo daqueles a quem são afeiçoadas, quando têm afeição a alguém, a menos que lhes sejam impostos deveres a cumprir alhures. Estamos, pois, em todos os instantes, cercados por uma multidão de Espíritos conhecidos e desconhecidos, amigos e inimigos, que nos veem, nos observam, nos ouvem; destes, uns participam de nossas penas, bem como de nossas alegrias, enquanto outros sofrem com os nossos prazeres ou gozam com as nossas dores, ao passo que outros, finalmente, a tudo se mostram indiferentes, exatamente como acontece na Terra, entre os mortais, cujas afeições, antipatias, vícios e virtudes são conservadas no outro mundo. A diferença é que os bons desfrutam na outra vida de uma felicidade desconhecida na Terra, o que é bem compreensível, pois não têm necessidades materiais a satisfazer, nem obstáculos do mesmo gênero a vencer. Se viveram bem, isto é, se nada têm ou se pouco têm a lamentar de sua última existência corpórea, gozam em paz do testemunho de sua consciência e do bem que fizeram. Se viveram mal, se foram maus, como lá estão a descoberto, pois não podem se dissimular sob o envoltório material, sofrem a vergonha de se verem conhecidos e apreciados; sofrem a presença daqueles a quem ofenderam, desprezaram, oprimiram, bem como a impossibilidade, em que se acham, de subtrair-se aos olhares de todos. Sofrem, finalmente, pelo remorso que os rói, até que o arrependimento venha aliviá-los ─ o que acontece mais cedo ou mais tarde ─ ou que uma nova encarnação os subtraia, não às vistas de outros Espíritos, mas às próprias vistas, tirando-lhes momentaneamente a consciência de sua identidade. Então, perdendo a lembrança do passado, sentem-se aliviados. Mas é aí que começa para eles começa uma nova prova. Se tiveram a sorte de sair dela melhorados, gozam o progresso realizado; se não se melhorarem, reencontram os mesmos tormentos, até que, por fim, se arrependam ou tirem proveito de uma nova existência.
Há um outro gênero de sofrimento: o experimentado pelos piores e mais perversos Espíritos. Inacessíveis à vergonha e ao remorso, estes não experimentam os tormentos. Seus sofrimentos são entretanto mais vivos, porque, sempre empolgados pelo mal, mas impotentes para fazê-lo, sofrem a inveja de ver os outros mais felizes ou melhores do que eles próprios, como sofrem, ao mesmo tempo, a raiva de não poderem saciar o seu ódio e entregar-se a todas as suas más inclinações. Oh! Estes sofrem muito mais, como te disse, mas não sofrerão senão enquanto não se melhorarem. Ou, em outros termos, até o dia que melhorarem. Muitas vezes, eles não vislumbram esse termo. São tão maus, tão enceguecidos pelo mal, que nem suspeitam a existência de um melhor estado de coisas; consequentemente, não imaginam que seu sofrimento deva acabar um dia, circunstância que os obstina no mal e lhes agrava os tormentos. Como, entretanto, não podem fugir indefinidamente à sorte comum que Deus reserva a todas as criaturas sem exceção, chega um momento em que lhes é preciso, finalmente, seguir a rota ordinária. Por vezes esse dia está mais próximo do que se poderia supor ao observar a sua perversidade. Alguns têm sido vistos, que se convertem de repente, e de repente seus sofrimentos cessam; entretanto, ainda lhes restam rudes provas a passar na Terra em sua próxima encarnação. É preciso que se depurem, expiando as próprias faltas e isto, em definitivo, é mais que justo. Seja como for, já não têm que temer a perda do progresso realizado, pois não podem retrogradar.
Eis, meu amigo, o mais sucintamente e o mais claramente que me foi possível fazer, uma exposição da filosofia do Espiritismo, tal qual pelo menos me era possível fazê-lo numa carta. Dela encontrarás desenvolvimento mais completo, até este momento, e também mais satisfatório, no Livro dos Espíritos, fonte onde bebi aquilo que me fez o que sou.
Passemos agora à prática.
(Conclusão no próximo número)
O Espírito batedor de Aube
Um dos nossos assinantes nos transmite detalhes muito interessantes sobre manifestações que se deram, e se dão ainda agora, numa localidade do departamento de Aube, cujo nome silenciaremos, uma vez que a pessoa em cuja casa ocorrem os fenômenos não gosta de ser assaltada por numerosas visitas de curiosos, que não deixariam de ir procurá-la. Essas manifestações barulhentas já lhe produziram vários dissabores. Aliás, o nosso correspondente nos conta os fatos como testemunha ocular e nós o conhecemos bastante para sabê-lo digno de confiança.
Extraímos as passagens mais interessantes de seu relato: “Há quatro anos, em 1856, na cidade onde resido, em casa do Sr. R..., deram-se manifestações que, até certo ponto, lembram as de Bergzabern[1]. Nessa época eu não conhecia aquele senhor; só mais tarde travamos conhecimento, de sorte que é por informações que sei dos fatos então ocorridos. As manifestações haviam cessado há muito tempo e o Sr. R... julgava-se livre delas quando, há pouco tempo, recomeçaram como outrora. Então pude ser testemunha durante vários dias seguidos. Assim, contarei o que vi com meus próprios olhos.
“A pessoa que é objeto dessas manifestações é o filho do Sr. R..., de dezesseis anos e que, portanto, tinha doze quando as manifestações ocorreram por primeira vez. É um rapaz de inteligência excessivamente limitada, que não sabe ler nem escrever e que raramente sai de casa. Quanto às manifestações ocorridas em minha presença, com exceção do balançar do leito e da suspensão magnética, o Espírito imitou mais ou menos em tudo o de Bergzabern: as pancadas e as arranhaduras foram as mesmas; assoviava, imitava o ruído da lima e da serra e atirou através do quarto pedaços de carvão vindos não se sabe de onde, pois não havia carvão no cômodo onde nos encontrávamos. Os fenômenos geralmente se produzem a partir do momento em que o menino se deita e começa a dormir. Durante o sono ele fala ao Espírito com autoridade e assume o tom de comando de um perfeito oficial superior, apesar de jamais ter assistido a exercícios militares. Simula um combate, comanda a manobra, conquista a vitória e se julga nomeado general no campo de batalha. Quando ordena ao Espírito que dê umas tantas pancadas, acontece por vezes que este dá mais do que lhe é ordenado. Então o menino pergunta: “Como farás para tirar as pancadas que deste a mais?” Aí, o Espírito se põe a raspar, como se apagasse alguma coisa. Quando o menino comanda, fica numa grande agitação e por vezes grita tão forte que a voz se extingue numa espécie de estertor. Sob comando, o Espírito bate todas as marchas francesas e estrangeiras, mesmo as dos chineses. Não lhes pude verificar a exatidão, pois não as conheço. Mas frequentemente acontecia que o menino dissesse: “Não é assim! Recomece!” E o Espírito obedecia. Devo dizer de passagem que, durante o sono e comandando, o menino é muito grosseiro.
“Uma noite eu assistia a uma dessas cenas. Havia cinco horas que o filho R... se achava em grande agitação. Experimentei acalmá-lo por meio de passes magnéticos. Logo, porém, tornou-se furioso e revolveu toda a cama. No dia seguinte deitou-se à minha chegada e, como de costume, adormeceu em poucos minutos. Então as pancadas e arranhaduras começaram. De repente ele disse ao Espírito: “Vem cá; eu vou te adormecer.” E com grande surpresa nossa, magnetizou-o, apesar da resistência do Espírito, que parecia recusar-se, segundo depreendo de sua conversa. Depois o despertou, desmagnetizando-o como o teria feito um magnetizador profissional. Percebi, então, que dava a impressão de recolher muito fluido, que me atirou em cima, apostrofando-me e injuriando-me. Ao despertar, não tem nenhuma lembrança do que aconteceu.
“Longe de se atenuarem, os fatos se agravam mais e mais, de modo aflitivo, para exasperação do Espírito, que certamente teme perder o domínio que exerce sobre o rapaz. Eu quis perguntar-lhe o nome e os antecedentes, mas só obtive mentiras e blasfêmias. Aqui é ocasião de advertir que quando fala, ele o faz pela boca do rapaz, que lhe serve de médium falante. Em vão tentei despertar-lhe melhores sentimentos por meio de boas palavras. Ele me responde que a prece de nada lhe serve; que experimentou aproximar-se de Deus, mas só encontrou gelo e nevoeiro. Então me chama de beato e, sempre que oro mentalmente, observo que se enfurece e bate com redobrada intensidade. Diariamente traz objetos muito volumosos, ferro, cobre, etc. Quando lhe pergunto onde os obtém, responde que os tira de gente desonesta. Se lhe prego moral, fica furioso. Uma noite me disse que se eu insistisse quebraria tudo e que não iria embora antes da Páscoa. Depois cuspiume no rosto. Perguntado por que motivo assim se ligava ao jovem R..., respondeu: “Se não fosse este, seria um outro.” O próprio pai não está livre dos assaltos desse Espírito malévolo. Muitas vezes seu trabalho é interrompido porque aquele lhe bate, puxa-lhe as roupas e o belisca até sangrar.
“Fiz o que foi possível, mas já não tenho recursos. Ademais, é muito difícil obter bons resultados, tendo em vista que o senhor e a senhora R..., a despeito do desejo de livrar-se do Espírito, porque ele lhes ocasionou verdadeiros prejuízos, sendo obrigados a trabalharem para viver, não me ajudam, pois sua fé em Deus não tem muita consistência.”
Omitimos uma porção de detalhes que apenas corroborariam aquilo que relatamos. Contudo, dissemos o bastante para mostrar que se pode dizer desse Espírito, como de certos malfeitores, que ele é da pior espécie.
Na sessão da Sociedade de 9 de novembro último foram dirigidas a São Luís as seguintes perguntas a respeito:
1. ─ Teríeis a bondade de dizer-nos alguma coisa sobre o Espírito que obsidia o jovem R...? ─ A inteligência do moço é das mais fracas, e quando o Espírito se apodera dele, fica completamente alucinado, principalmente pelo fato de seu corpo estar mergulhado no sono. Assim, o raciocínio não tem nenhum domínio sobre seu cérebro, que é entregue à obsessão desse Espírito turbulento.
Extraímos as passagens mais interessantes de seu relato: “Há quatro anos, em 1856, na cidade onde resido, em casa do Sr. R..., deram-se manifestações que, até certo ponto, lembram as de Bergzabern[1]. Nessa época eu não conhecia aquele senhor; só mais tarde travamos conhecimento, de sorte que é por informações que sei dos fatos então ocorridos. As manifestações haviam cessado há muito tempo e o Sr. R... julgava-se livre delas quando, há pouco tempo, recomeçaram como outrora. Então pude ser testemunha durante vários dias seguidos. Assim, contarei o que vi com meus próprios olhos.
“A pessoa que é objeto dessas manifestações é o filho do Sr. R..., de dezesseis anos e que, portanto, tinha doze quando as manifestações ocorreram por primeira vez. É um rapaz de inteligência excessivamente limitada, que não sabe ler nem escrever e que raramente sai de casa. Quanto às manifestações ocorridas em minha presença, com exceção do balançar do leito e da suspensão magnética, o Espírito imitou mais ou menos em tudo o de Bergzabern: as pancadas e as arranhaduras foram as mesmas; assoviava, imitava o ruído da lima e da serra e atirou através do quarto pedaços de carvão vindos não se sabe de onde, pois não havia carvão no cômodo onde nos encontrávamos. Os fenômenos geralmente se produzem a partir do momento em que o menino se deita e começa a dormir. Durante o sono ele fala ao Espírito com autoridade e assume o tom de comando de um perfeito oficial superior, apesar de jamais ter assistido a exercícios militares. Simula um combate, comanda a manobra, conquista a vitória e se julga nomeado general no campo de batalha. Quando ordena ao Espírito que dê umas tantas pancadas, acontece por vezes que este dá mais do que lhe é ordenado. Então o menino pergunta: “Como farás para tirar as pancadas que deste a mais?” Aí, o Espírito se põe a raspar, como se apagasse alguma coisa. Quando o menino comanda, fica numa grande agitação e por vezes grita tão forte que a voz se extingue numa espécie de estertor. Sob comando, o Espírito bate todas as marchas francesas e estrangeiras, mesmo as dos chineses. Não lhes pude verificar a exatidão, pois não as conheço. Mas frequentemente acontecia que o menino dissesse: “Não é assim! Recomece!” E o Espírito obedecia. Devo dizer de passagem que, durante o sono e comandando, o menino é muito grosseiro.
“Uma noite eu assistia a uma dessas cenas. Havia cinco horas que o filho R... se achava em grande agitação. Experimentei acalmá-lo por meio de passes magnéticos. Logo, porém, tornou-se furioso e revolveu toda a cama. No dia seguinte deitou-se à minha chegada e, como de costume, adormeceu em poucos minutos. Então as pancadas e arranhaduras começaram. De repente ele disse ao Espírito: “Vem cá; eu vou te adormecer.” E com grande surpresa nossa, magnetizou-o, apesar da resistência do Espírito, que parecia recusar-se, segundo depreendo de sua conversa. Depois o despertou, desmagnetizando-o como o teria feito um magnetizador profissional. Percebi, então, que dava a impressão de recolher muito fluido, que me atirou em cima, apostrofando-me e injuriando-me. Ao despertar, não tem nenhuma lembrança do que aconteceu.
“Longe de se atenuarem, os fatos se agravam mais e mais, de modo aflitivo, para exasperação do Espírito, que certamente teme perder o domínio que exerce sobre o rapaz. Eu quis perguntar-lhe o nome e os antecedentes, mas só obtive mentiras e blasfêmias. Aqui é ocasião de advertir que quando fala, ele o faz pela boca do rapaz, que lhe serve de médium falante. Em vão tentei despertar-lhe melhores sentimentos por meio de boas palavras. Ele me responde que a prece de nada lhe serve; que experimentou aproximar-se de Deus, mas só encontrou gelo e nevoeiro. Então me chama de beato e, sempre que oro mentalmente, observo que se enfurece e bate com redobrada intensidade. Diariamente traz objetos muito volumosos, ferro, cobre, etc. Quando lhe pergunto onde os obtém, responde que os tira de gente desonesta. Se lhe prego moral, fica furioso. Uma noite me disse que se eu insistisse quebraria tudo e que não iria embora antes da Páscoa. Depois cuspiume no rosto. Perguntado por que motivo assim se ligava ao jovem R..., respondeu: “Se não fosse este, seria um outro.” O próprio pai não está livre dos assaltos desse Espírito malévolo. Muitas vezes seu trabalho é interrompido porque aquele lhe bate, puxa-lhe as roupas e o belisca até sangrar.
“Fiz o que foi possível, mas já não tenho recursos. Ademais, é muito difícil obter bons resultados, tendo em vista que o senhor e a senhora R..., a despeito do desejo de livrar-se do Espírito, porque ele lhes ocasionou verdadeiros prejuízos, sendo obrigados a trabalharem para viver, não me ajudam, pois sua fé em Deus não tem muita consistência.”
Omitimos uma porção de detalhes que apenas corroborariam aquilo que relatamos. Contudo, dissemos o bastante para mostrar que se pode dizer desse Espírito, como de certos malfeitores, que ele é da pior espécie.
Na sessão da Sociedade de 9 de novembro último foram dirigidas a São Luís as seguintes perguntas a respeito:
1. ─ Teríeis a bondade de dizer-nos alguma coisa sobre o Espírito que obsidia o jovem R...? ─ A inteligência do moço é das mais fracas, e quando o Espírito se apodera dele, fica completamente alucinado, principalmente pelo fato de seu corpo estar mergulhado no sono. Assim, o raciocínio não tem nenhum domínio sobre seu cérebro, que é entregue à obsessão desse Espírito turbulento.
2. ─
Pode um Espírito relativamente superior exercer sobre outro uma ação magnética
e paralisar as suas faculdades?
─ Um bom Espírito nada pode sobre
outro a não ser moralmente. Nunca
fisicamente. A fim de paralisar pelo
fluido magnético, é preciso agir sobre a matéria, e o Espírito não é matéria semelhante a um
corpo humano.
3. ─
Como, então, pretende o jovem R... magnetizar o Espírito e adormecê-lo? ─ Ele
assim o imagina, e o Espírito se presta à ilusão.
4. ─
O pai deseja saber se não haveria um meio de se desembaraçar desse hóspede
importuno; se ainda por muito tempo seu filho estaria sujeito a essa prova...
─ Quando o jovem estiver desperto dever-se-á, junto
com ele, evocar bons Espíritos, a fim de o pôr em contato com estes e, por tal
meio, afastar os maus, que o obsidiam durante o sono.
5. ─
Poderíamos agir daqui, evocando esse Espírito, a fim de moralizá-lo, ou talvez
o próprio Espírito do rapaz?
─ Talvez não seja possível no momento. Eles são ambos
muito materializados. É necessário agir diretamente sobre o corpo do ser vivo,
por meio da presença de bons Espíritos, que virão até ele.
6. ─
Não compreendemos bem a resposta.
─ Digo que é necessário chamar o concurso de bons
Espíritos, que poderão tornar o rapaz menos acessível às impressões do mau
Espírito.
7. ─
Que poderemos fazer por ele?
─ O mau Espírito que o obsidia não o largará
facilmente, desde que não é fortemente repelido por ninguém. Vossas preces e
vossas evocações são uma arma fraca contra ele. Seria necessário agir direta e
materialmente sobre a pessoa a quem ele atormenta. Podeis orar, pois a prece é
sempre boa. Não o conseguireis, entretanto, por vós mesmos, se não fordes
secundados por aqueles mais interessados no caso, a saber, o pai e a mãe.
Infelizmente, estes não têm aquela fé em Deus que centuplica as forças, e Deus
não ouve senão aqueles que a ele se dirigem com confiança. Assim, não podem
queixar-se de um mal que nada fazem para evitar.
8. ─
Como conciliar a sujeição desse jovem ao império de tal Espírito, com a
autoridade que sobre ele exerce o jovem, de vez que ele ordena e o Espírito
obedece?
─ O Espírito desse moço é pouco adiantado moralmente,
mas é mais avançado do que se pensa, em inteligência. Em outras existências
abusou de sua inteligência, não dirigida para um fim moral, mas, ao contrário,
para objetivos ambiciosos. Agora encontra-se em punição num corpo que não lhe
permite livre curso à inteligência e o mau Espírito aproveita a sua fraqueza.
Ele se deixa levar em questões sem importância, porque o sabe incapaz de lhe
ordenar coisas sérias. Ele se diverte. A Terra formiga de Espíritos assim, em
punição em corpos humanos. Eis por que há tantos males de todos os matizes.
OBSERVAÇÃO: A observação vem confirmar esta explicação. Durante o sono, o menino mostra uma inteligência incontestavelmente superior à de seu estado normal, o que prova um desenvolvimento anterior, mas reduzido a estado latente sob esse envoltório grosseiro. É só nos momentos de emancipação da alma, nos quais não sofre tanto a influência da matéria, que sua inteligência se expande, e no qual também exerce uma espécie de autoridade sobre o ser que o subjuga. Mas quando retorna ao estado de vigília, suas faculdades se aniquilam sob o envoltório material que a comprime. Não está aí um ensino moral prático?
Revelamos o desejo de evocar esse Espírito, mas nenhum dos médiuns presentes se interessou em servir-lhe de intérprete. A Srta. Eugênia, que também havia mostrado repugnância, repentinamente tomou do lápis num movimento involuntário e escreveu:
1. ─
Não queres? Ah! Tu escreverás. Oh! Pensas que não te dominarei? Pois bem! Eu
aqui estou, mas não te espantas muito. Eu te farei ver minha força.
NOTA: Então o Espírito faz a médium desferir um soco
na mesa e quebrar vários lápis.
2. ─
Já que está aqui, diga-nos por que motivo se ligou filho do Sr. R...
─ Até parece que eu teria que vos fazer confidências!
Para começar, sabei que tenho uma grande necessidade de atormentar alguém. Um
médium dotado de raciocínio me repeliria. Eu me apego a um idiota que não me
opõe nenhuma resistência.
3. ─
NOTA: Alguém ponderou que, a despeito desse ato de covardia, esse Espírito não
deixa de ter inteligência. Ele responde sem que lhe tenham perguntado
diretamente:
─ Um pouco. Não sou tão tolo quanto
pensais.
4. ─
Que era você em vida?
─ Não era grande coisa: um homem que fez mais mal do
que bem, pelo que é cada vez mais castigado.
5. ─
Considerando-se que você é punido por ter praticado o mal, deve compreender a
necessidade de fazer o bem. Não quer tratar de se melhorar? ─ Se quisésseis ajudar-me,
eu perderia menos tempo.
6. ─
Não pedimos mais que isso, mas é necessário que você tenha vontade. Ore
conosco. Isto o ajudará.
(Aqui o Espírito dá uma resposta
blasfematória).
7. ─
Chega! Não queremos ouvir mais. Esperávamos despertar em você alguns sentimentos
bons. Foi com este objetivo que o chamamos. Mas desde que você responde a nossa
benevolência com palavras vis, pode retirar-se.
─ Ah! Aqui termina a vossa caridade! Porque pude
resistir um pouco, vejo que essa caridade logo estaca. É que não valeis mais do
que eu. Sim, poderíeis moralizar-me mais do que pensais, se soubésseis
conduzir-vos de acordo, para começar, no interesse do idiota que sofre, no do
pai que não se assusta muito e finalmente no meu, se assim vos agrada.
8. ─
Diga-nos o seu nome, a fim de que possamos chamá-lo.
─ Oh! Meu nome pouco vos importa. Chamai-me, se
quiserdes, o Espírito do jovem idiota.
9. ─
Se quisemos fazê-lo calar é porque disse uma palavra sacrílega.
─ Ah! ah! O senhor chocou-se! Para saber o que há na
lama é preciso revolvêla.
10. Alguém
diz: ─ Esta imagem é digna do Espírito. É ignóbil.
─ Quereis poesia, moço? Ei-la: Para conhecer o
perfume da rosa é necessário cheirá-la.
11. ─
Desde que você disse que poderíamos ajudá-lo, um dos presentes se oferece para
instruí-lo. Quer atendê-lo quando for evocado?
─ Para começar, quero ver se me convém. (Depois de
uns instantes de reflexão acrescenta:) Sim; irei.
12. ─
Por que se enfurecia o filho do Sr. R... quando o Sr. L... queria magnetizá-lo?
─ Não era ele que se encolerizava.
Era eu.
13. ─
Por quê?
─ Não tenho nenhum poder sobre esse homem, que me é
superior, por isso não posso suportá-lo. Ele quer arrebatar-me aquele que tenho
sob meu domínio, e isso eu não quero.
14. ─
Você deve ver ao seu redor Espíritos mais felizes que você. Sabe por quê?
─ Sim, eu sei. Eles são melhores do
que eu.
15. ─
Compreende então que, se em lugar de fazer o mal, fizesse o bem, você seria
feliz como eles?
─ Não desejava mais que isso, mas é
difícil fazer o bem.
16. ─
Talvez difícil para você, mas não impossível. Você compreende que a prece pode
exercer grande influência em sua melhora?
─ Não digo que não. Refletirei sobre
isso. Chamai-me algumas vezes.
OBSERVAÇÃO: Como se vê, o Espírito não desmentiu o seu caráter. Entretanto, mostrou-se menos recalcitrante no fim, o que prova que não é inteiramente impermeável ao raciocínio. Ele dispõe de remédio mas é preciso um concurso de vontades ora inexistentes a fim de dominá-lo inteiramente. Isto deve ser um ensinamento para as pessoas que poderiam achar-se em casos semelhantes.
Sem dúvida esse Espírito é muito mau e pertence à escória do mundo espírita. Pode-se dizer que é brutalmente mau, mas que em seres dessa categoria há mais recursos que nos hipócritas. Sem sombra de dúvida são muito menos perigosos que os Espíritos fascinadores que, com o auxílio de certa dose de inteligência e uma falsa aparência de virtude, sabem inspirar em certas pessoas uma cega confiança em suas palavras, confiança de que mais cedo ou mais tarde serão vítimas, porque esses Espíritos jamais agem com vistas ao bem. Eles têm sempre uma segunda intenção. O “Livro dos Médiuns” terá como resultado ─ assim o esperamos ─ pôr-nos em guarda contra suas sugestões, o que, seguramente, lhes não agradará. Como é bem de ver, entretanto, tão pouco nos inquietamos com sua má vontade quanto com a dos Espíritos encarnados que eles podem estimular contra nós. Do mesmo modo que os homens, os maus Espíritos não veem com bons olhos aqueles que, desmascarando as suas torpezas, lhes tiram os meios de fazer o mal.
Sem dúvida esse Espírito é muito mau e pertence à escória do mundo espírita. Pode-se dizer que é brutalmente mau, mas que em seres dessa categoria há mais recursos que nos hipócritas. Sem sombra de dúvida são muito menos perigosos que os Espíritos fascinadores que, com o auxílio de certa dose de inteligência e uma falsa aparência de virtude, sabem inspirar em certas pessoas uma cega confiança em suas palavras, confiança de que mais cedo ou mais tarde serão vítimas, porque esses Espíritos jamais agem com vistas ao bem. Eles têm sempre uma segunda intenção. O “Livro dos Médiuns” terá como resultado ─ assim o esperamos ─ pôr-nos em guarda contra suas sugestões, o que, seguramente, lhes não agradará. Como é bem de ver, entretanto, tão pouco nos inquietamos com sua má vontade quanto com a dos Espíritos encarnados que eles podem estimular contra nós. Do mesmo modo que os homens, os maus Espíritos não veem com bons olhos aqueles que, desmascarando as suas torpezas, lhes tiram os meios de fazer o mal.
[1] Vide Revista Espírita e maio, junho e julho de 1858 (N. do T.)
Ensino espontâneo dos Espíritos - Ditados obtidos ou lidos na sociedade por vários médiuns
Os três tipos (Médium: Sr. Alfred Didier)Há no mundo três tipos que serão eternos. Esses três tipos, grandes homens pintaram-nos como eles eram em seu tempo, e adivinharam que existiriam sempre. Esses três tipos são, primeiro Hamlet, que diz em solilóquio: To be or not to be, that is the question; depois Tartufo, que resmunga preces enquanto medita o mal; por fim Don Juan, que a todos diz: Não creio em nada. Molière achou, sozinho, dois desses tipos. Estigmatizou Tartufo e fulminou Don Juan.
Sem a verdade, o homem fica na dúvida como Hamlet, sem consciência como Tartufo, sem coração como Don Juan. Hamlet está em dúvida, é bem certo, mas busca, é infeliz, a incredulidade o acabrunha, suas mais suaves ilusões diariamente se afastam, e esse ideal, essa verdade que ele persegue cai no abismo como Ofélia e fica perdida para sempre para ele. Então enlouquece e morre como um desesperado. Deus, porém, o perdoará, porque teve coração, amou e foi o mundo que lhe roubou aquilo que ele queria conservar.
Os outros dois tipos são atrozes, porque egoístas e hipócritas, cada um a seu modo. Tartufo afivela a máscara da virtude, o que o torna odioso. Don Juan em nada crê, nem mesmo em Deus. Só acredita em si mesmo. Jamais tivestes a impressão de ver, nesse famoso símbolo que é Don Juan e na estátua do Comendador, o ceticismo perante as mesas girantes; o corrompido Espírito humano na sua mais brutal manifestação? Até o presente, o mundo viu neles apenas uma figura inteiramente humana. Credes que não se deve neles ver e sentir algo mais? Como o gênio inimitável de Molière não teve, nessa obra, o sentimento do bom-senso acerca dos fatos espirituais, como o tinha sempre dos defeitos deste mundo!
GÉRARD DE NERVAL
Sem a verdade, o homem fica na dúvida como Hamlet, sem consciência como Tartufo, sem coração como Don Juan. Hamlet está em dúvida, é bem certo, mas busca, é infeliz, a incredulidade o acabrunha, suas mais suaves ilusões diariamente se afastam, e esse ideal, essa verdade que ele persegue cai no abismo como Ofélia e fica perdida para sempre para ele. Então enlouquece e morre como um desesperado. Deus, porém, o perdoará, porque teve coração, amou e foi o mundo que lhe roubou aquilo que ele queria conservar.
Os outros dois tipos são atrozes, porque egoístas e hipócritas, cada um a seu modo. Tartufo afivela a máscara da virtude, o que o torna odioso. Don Juan em nada crê, nem mesmo em Deus. Só acredita em si mesmo. Jamais tivestes a impressão de ver, nesse famoso símbolo que é Don Juan e na estátua do Comendador, o ceticismo perante as mesas girantes; o corrompido Espírito humano na sua mais brutal manifestação? Até o presente, o mundo viu neles apenas uma figura inteiramente humana. Credes que não se deve neles ver e sentir algo mais? Como o gênio inimitável de Molière não teve, nessa obra, o sentimento do bom-senso acerca dos fatos espirituais, como o tinha sempre dos defeitos deste mundo!
GÉRARD DE NERVAL
Cazotte (Médium: Sr. Alfred Didier)
É curioso ver surgir, no meio do materialismo, um grupo de homens de boa-fépara propagar o Espiritismo. Sim, é no meio das mais profundas trevas que Deus lança a luz e no momento em que ele é mais esquecido, que melhor se mostra, semelhante ao ladrão sublime de que fala o Evangelho, e que virá julgar o mundo no momento em que este menos esperar. Mas Deus não vem a vós para vos surpreender. Ao contrário, vem prevenir-vos de que essa grande surpresa que deve empolgar os homens ao morrerem, deve ser para eles funesta ou feliz.
Deus me enviou para o meio de uma sociedade corrupta. Graças à clarividência, algumas dessas revelações que em meu tempo pareciam tão maravilhosas, hoje se afiguram muito naturais. Todas essas lembranças para mim não passam de sonhos e ─ louvado seja Deus! ─ o despertar não foi penoso. Nasceu o Espiritismo, ou antes, ressuscitou em vosso tempo; o magnetismo era do meu tempo. Crede que as grandes luzes precedem os grandes clarões.
O autor do Diable Amoureux vos lembra que já teve a honra de conversar conosco e sentir-se-á feliz em continuar suas relações amistosas.
CAZOTTE
Na sessão seguinte foram dirigidas ao Espírito de Cazotte as seguintes perguntas:
─ Vindo espontaneamente na última vez, tivestes a gentileza de nos dizer que voltaríeis de boa vontade. Aproveitamos o oferecimento para vos dirigir algumas perguntas, se assim o permitirdes.
1º. ─ A história do famoso jantar, na qual predissestes a sorte que aguardava cada um dos convivas é inteiramente verídica?
─ Ela é verdadeira no sentido de que a predição não foi feita numa mesma noite, mas em vários jantares, no fim dos quais eu me divertia em meter medo aos meus amáveis convivas, por meio de sinistras revelações.
2.º ─ Conhecemos os efeitos da segunda vista e compreenderíamos que, dada essa faculdade, tivésseis podido ver coisas remotas, mas acontecendo naquele momento. Como pudestes ver coisas futuras, que ainda não existiam e vê-las com precisão? Poderíeis, ao mesmo tempo, dizer-nos como vos foi dada tal precisão? Falastes simplesmente como inspirado, sem nada ver, ou o quadro dos acontecimentos que anunciastes se vos apresentou como uma imagem? Tende a bondade de descrever isto o melhor que puderdes para a nossa instrução.
─ Há na razão do homem um instinto moral que o impele a predizer certos acontecimentos. É certo que eu era dotado de muitíssima clarividência, mas sempre humana, para os acontecimentos que então se passariam. Acreditais, porém, que o bom-senso, ou o correto julgamento das coisas terrenas vos possam detalhar, com anos de antecedência, esta ou aquela circunstância? Não. Aliava-se à minha natural sagacidade uma qualidade sobrenatural: a segunda vista. Quando eu revelava às pessoas que me cercavam os terríveis abalos que deveriam ocorrer, evidentemente eu falava como um homem de bom-senso e de lógica; quando, porém, eu via pequenos detalhes dessas circunstâncias vagas e gerais, quando eu percebia, visivelmente, esta ou aquela vítima, então não falava mais como um homem apenas dotado, mas como um inspirado.
3.º ─ Independentemente desse fato, tivestes, durante a vida, outros exemplos de previsão?
─ Sim. Elas eram todas mais ou menos sobre esse mesmo assunto. Mas, por passatempo, eu estudava as ciências ocultas e me ocupava muito de magnetismo.
4.º ─ Essa faculdade de previsão vos acompanhou no mundo dos Espíritos, isto é, após a morte ainda prevedes certos acontecimentos?
─ Sim. Esse dom me ficou muito mais puro.
Observação: Poder-se-ia ver aqui uma contradição com o princípio que se opõe à revelação do futuro. Com efeito, o futuro nos é oculto por uma lei muito sábia da Providência, pois que tal conhecimento prejudicaria o nosso livre-arbítrio e nos levaria à negligência do presente pelo futuro. Ademais, por nossa oposição, poderíamos entravar certos acontecimentos necessários à ordem geral. Quando, porém, essa comunicação nos pode impelir a facilitar a realização de uma coisa, Deus pode permitir a sua revelação, nos limites estabelecidos por sua sabedoria.
─ Vindo espontaneamente na última vez, tivestes a gentileza de nos dizer que voltaríeis de boa vontade. Aproveitamos o oferecimento para vos dirigir algumas perguntas, se assim o permitirdes.
1º. ─ A história do famoso jantar, na qual predissestes a sorte que aguardava cada um dos convivas é inteiramente verídica?
─ Ela é verdadeira no sentido de que a predição não foi feita numa mesma noite, mas em vários jantares, no fim dos quais eu me divertia em meter medo aos meus amáveis convivas, por meio de sinistras revelações.
2.º ─ Conhecemos os efeitos da segunda vista e compreenderíamos que, dada essa faculdade, tivésseis podido ver coisas remotas, mas acontecendo naquele momento. Como pudestes ver coisas futuras, que ainda não existiam e vê-las com precisão? Poderíeis, ao mesmo tempo, dizer-nos como vos foi dada tal precisão? Falastes simplesmente como inspirado, sem nada ver, ou o quadro dos acontecimentos que anunciastes se vos apresentou como uma imagem? Tende a bondade de descrever isto o melhor que puderdes para a nossa instrução.
─ Há na razão do homem um instinto moral que o impele a predizer certos acontecimentos. É certo que eu era dotado de muitíssima clarividência, mas sempre humana, para os acontecimentos que então se passariam. Acreditais, porém, que o bom-senso, ou o correto julgamento das coisas terrenas vos possam detalhar, com anos de antecedência, esta ou aquela circunstância? Não. Aliava-se à minha natural sagacidade uma qualidade sobrenatural: a segunda vista. Quando eu revelava às pessoas que me cercavam os terríveis abalos que deveriam ocorrer, evidentemente eu falava como um homem de bom-senso e de lógica; quando, porém, eu via pequenos detalhes dessas circunstâncias vagas e gerais, quando eu percebia, visivelmente, esta ou aquela vítima, então não falava mais como um homem apenas dotado, mas como um inspirado.
3.º ─ Independentemente desse fato, tivestes, durante a vida, outros exemplos de previsão?
─ Sim. Elas eram todas mais ou menos sobre esse mesmo assunto. Mas, por passatempo, eu estudava as ciências ocultas e me ocupava muito de magnetismo.
4.º ─ Essa faculdade de previsão vos acompanhou no mundo dos Espíritos, isto é, após a morte ainda prevedes certos acontecimentos?
─ Sim. Esse dom me ficou muito mais puro.
Observação: Poder-se-ia ver aqui uma contradição com o princípio que se opõe à revelação do futuro. Com efeito, o futuro nos é oculto por uma lei muito sábia da Providência, pois que tal conhecimento prejudicaria o nosso livre-arbítrio e nos levaria à negligência do presente pelo futuro. Ademais, por nossa oposição, poderíamos entravar certos acontecimentos necessários à ordem geral. Quando, porém, essa comunicação nos pode impelir a facilitar a realização de uma coisa, Deus pode permitir a sua revelação, nos limites estabelecidos por sua sabedoria.
A voz do anjo da guarda (Médium: Srta. Huet)
Todos os homens são médiuns; todos têm um Espírito que os dirige para o bem, quando sabem escutá-lo. Pouco importa que alguns se comuniquem diretamente com ele por uma mediunidade particular e que outros não o ouçam senão pela voz do coração e da inteligência. Nem por isso ele deixa de ser o seu Espírito familiar que os aconselha. Chamai-o Espírito, razão, inteligência, é sempre uma voz que responde à vossa alma e vos dita boas palavras. Só que nem sempre as compreendeis. Nem todos sabem agir segundo os conselhos dessa razão, não dessa razão que se avilta e se arrasta ao invés de marchar; dessa razão que se perde em meio aos interesses materiais e grosseiros, mas dessa razão que eleva o homem acima de si mesmo; que o transporta para regiões desconhecidas, chama sagrada que inspira o artista e o poeta; pensamento divino que eleva o filósofo; sopro que arrasta os indivíduos e os povos; razão que o vulgo não pode compreender, mas que aproxima o homem da divindade mais que qualquer outra criatura; entendimento que sabe conduzi-lo do conhecido para o desconhecido e o faz executar os atos mais sublimes. Escutai, pois, essa voz interior, esse bom gênio que vos fala sem cessar e chegareis, progressivamente, a ouvir o vosso anjo da guarda que do alto do Céu vos estende as mãos.
CHANNING
CHANNING
A garridice (Médium: Sra. Costel)
Ocupar-nos-emos hoje da garridice feminina, que é a inimiga do amor: ela o mata ou o amesquinha, o que é ainda pior. A mulher garrida assemelha-se a um pássaro engaiolado que, pelo canto, atrai os outros para junto de si. Ela atrai os homens, que espedaçam os corações contra as grades que a encerram. Lamentemos mais a ela que a eles. Reduzida ao cativeiro pela estreiteza das ideias e pela aridez de seu coração, sapateia na obscuridade de sua consciência, sem jamais ter possibilidade de ver brilhar o sol do amor, que não irradia senão para as almas generosas e dedicadas. É mais difícil sentir o amor do que inspirá-lo, entretanto, todos se inquietam e esquadrinham o coração desejado, sem examinar primeiro se o seu possui o tesouro cobiçado.
Não, o amor que se traduz na sensualidade do amor-próprio não é amor, do mesmo modo que a garridice não é a sedução para uma alma elevada. Razão existe para reprovar-se e cercar-se de dificuldades essas frágeis ligações, vergonhosa permuta de vaidades e de misérias de toda sorte. O amor fica alheio a tudo isso, do mesmo modo que o raio de luz não fica manchado pelo monturo que ele alumia. Insensatas são as mulheres que não compreendem que sua beleza e sua virtude são o amor no seu abandono, no esquecimento dos interesses pessoais e na transmigração da alma que se entrega inteiramente ao ser amado. Deus abençoa a mulher que carregou o jugo do amor; repele aquela que transformou esse precioso sentimento num troféu de sua vaidade, numa distração para o seu ócio ou numa chama carnal que consome o corpo deixando vazio o coração.
GEORGES
Não, o amor que se traduz na sensualidade do amor-próprio não é amor, do mesmo modo que a garridice não é a sedução para uma alma elevada. Razão existe para reprovar-se e cercar-se de dificuldades essas frágeis ligações, vergonhosa permuta de vaidades e de misérias de toda sorte. O amor fica alheio a tudo isso, do mesmo modo que o raio de luz não fica manchado pelo monturo que ele alumia. Insensatas são as mulheres que não compreendem que sua beleza e sua virtude são o amor no seu abandono, no esquecimento dos interesses pessoais e na transmigração da alma que se entrega inteiramente ao ser amado. Deus abençoa a mulher que carregou o jugo do amor; repele aquela que transformou esse precioso sentimento num troféu de sua vaidade, numa distração para o seu ócio ou numa chama carnal que consome o corpo deixando vazio o coração.
GEORGES