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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861 > Julho
Julho
Ensaio sobre a teoria da alucinaçãoOs que não admitem o mundo incorpóreo e invisível creem tudo explicar pela palavra a1ucinação. A definição é conhecida: erro, ilusão da pessoa que crê ter percepções que realmente não tem (Academia. Do latim hallucinari, errar; derivado de ad lucem). Mas os sábios, pelo que sabemos, ainda não deram a razão fisiológica. A óptica e a fisiologia parecem não ter mais segredos para eles. Como é que ainda não explicaram a fonte das imagens que se oferecem ao espírito em certas circunstâncias? Seja real ou não, o alucinado vê alguma coisa. Dir-se-á que ele crê estar vendo, mas que nada vê? Isto não é provável. Dizei, se quiserdes, que é uma imagem fantástica. Que seja, mas qual é a fonte dessa imagem? Como se forma? Como se reflete em seu cérebro? Eis o que não dizeis. Seguramente, quando ele crê estar vendo o diabo com seus chifres e as suas garras, as chamas do Inferno, animais fabulosos que não existem, a Lua e o Sol que se batem, é evidente que não há nisso qualquer realidade. Mas se é um jogo de sua imaginação, como é que descreve tais coisas como se fossem presentes? Há, pois, diante dele um quadro, uma fantasmagoria qualquer. Qual o espelho sobre o qual se reflete, então, essa imagem? Qual a causa que dá a essa imagem a forma, a cor e o movimento? É disto que temos em vão procurado a solução na Ciência. Desde que os sábios tudo querem explicar pelas leis da matéria, então que deem, por essas leis, uma teoria da alucinação. Boa ou má, será sempre uma explicação.
Provam os fatos que há verdadeiras aparições, as quais a teoria espírita explica perfeitamente e que só podem ser negadas por aqueles que nada admitem além do mundo visível. Mas, ao lado das visões reais, há alucinações, na verdadeira acepção desse vocábulo? Não há dúvida. O essencial é determinar os caracteres que podem distingui-las das aparições reais. Qual a sua fonte? São os Espíritos que nos vão indicar o caminho, porque a explicação nos parece estar completa na resposta dada à seguinte pergunta:
Pode-se considerar como aparições as figuras e outras imagens que frequentemente se apresentam no primeiro sono ou simplesmente quando se fecham os olhos?
“Desde que os sentidos se entorpecem, o Espírito se desprende e pode ver, longe ou perto, o que não poderia ver com os olhos. Por vezes essas imagens são visões, mas também podem ser um efeito das impressões deixadas no cérebro, pela visão de certos objetos de que ele conserva traços, da mesma forma que conserva a memória dos sons. O Espírito desprendido vê no próprio cérebro essas impressões que nele ficaram como uma chapa fotográfica. Sua variedade e sua mistura formam conjuntos bizarros e fugidios, que se apagam quase que imediatamente, malgrado os esforços que se façam para retê-los. É a uma causa semelhante que se devem atribuir certas aparições fantásticas que nada têm de real, e que muitas vezes se produzem no estado de doença”.
Reconhece-se que a memória é o resultado das impressões conservadas pelo cérebro. Por qual singular fenômeno essas impressões tão variadas e tão multiplicadas não se confundem? Eis um mistério impenetrável, mas que não é mais estranho que o das ondulações sonoras que se cruzam no ar e nem por isso ficam menos distintas. Num cérebro sadio e bem organizado, essas impressões são claras e precisas. Em condições menos favoráveis, apagam-se ou se confundem, como as marcas de um sinete sobre uma substância muito sólida ou muito fluídica. Daí a perda da memória ou a confusão das ideias. Isto parece menos extraordinário se se admitir, como em frenologia, uma destinação especial a cada parte, e mesmo a cada fibra do cérebro.
As imagens que chegam ao cérebro, através dos olhos, nele deixam uma impressão que nos lembra um quadro, como se o tivéssemos à nossa frente. Dá-se o mesmo com a impressão dos sons, dos odores, dos sabores, da palavras, dos números, etc. Conforme as fibras, que constituem o mecanismo destinado à recepção e à transmissão dessas impressões, estiverem aptas a conservá-las, tem-se a memória das formas, das cores, da música, dos números, das linhas, etc. Quando imaginamos uma cena que vimos, não há senão uma questão de memória, porque na realidade não estamos vendo. Mas, num certo estado de emancipação, a alma vê no cérebro e nele encontra essas imagens, sobretudo aquelas que mais impressionaram, conforme a natureza das preocupações ou as disposições do espírito. Ela ali encontra a impressão das cenas religiosas, diabólicas, dramáticas ou outras que ela viu em outra época em pintura, em ação, em leituras ou em relatos, pois os relatos também deixam impressões. Assim, a alma realmente vê alguma coisa: é a imagem de algum modo fotografada no cérebro. No estado normal, essas imagens são fugidias e efêmeras, porque todas as partes do cérebro funcionam livremente. Mas no estado de doença, o cérebro está mais ou menos enfraquecido; não existe equilíbrio entre todos os órgãos; alguns apenas conservam sua atividade, enquanto outros estão, de certo modo, paralisados. Daí a permanência de certas imagens que não são mais apagadas, como no estado normal, pelas preocupações da vida exterior. Aí está a verdadeira alucinação, a fonte primeira das ideias fixas. A ideia fixa é a lembrança exclusiva de uma impressão. A alucinação é a visão retrospectiva, pela alma, de uma imagem impressa no cérebro.
Como se vê, percebemos a causa dessa aparente anomalia, por uma lei inteiramente fisiológica bem conhecida, a das impressões cerebrais, mas foi preciso admitir a intervenção da alma, com suas faculdades distintas da matéria. Ora, se os materialistas ainda não puderam dar uma solução racional a esse fenômeno, é que não querem admitir a alma, e que com o materialismo puro, ele é inexplicável. Assim, dirão que nossa explicação é má, porque fazemos intervir um agente contestado. Contestado por quem? Por eles, mas admitido pela imensa maioria, desde que existem homens na Terra, e a negação de alguns não tem força de lei.
Nossa explicação é boa? Nós a damos pelo que ela pode valer na falta de outras e, se quiserem, a título de hipótese, enquanto se espera outra melhor. Pelo menos ela tem a vantagem de dar à alucinação uma base, um corpo, uma razão de ser, ao passo que, quando os fisiologistas pronunciaram suas palavras sacramentais de superexcitação, de exaltação, de efeitos da imaginação, nada disseram, ou não disseram tudo, porque não observaram todas as fases do fenômeno.
A imaginação também representa um papel que é preciso distinguir da alucinação propriamente dita, embora essas duas causas por vezes estejam reunidas. Ela empresta a certos objetos, formas que estes não têm, como permite ver uma figura na Lua ou animais nas nuvens. Sabe-se que na obscuridade os objetos tomam formas bizarras, por não se distinguirem todas as suas partes e porque os contornos não são nitidamente definidos. Quantas vezes, à noite, num quarto, um vestido pendurado, um vago reflexo luminoso, não apresentaram uma forma humana aos olhos de pessoas mais dotadas de sangue frio? Se a isto se juntar o medo ou uma credulidade exagerada, a imaginação fará o resto. Compreende-se, assim, que a imaginação possa alterar a realidade das imagens percebidas na alucinação e lhes emprestar formas fantásticas.
As verdadeiras aparições têm um caráter que, para os observadores experimentados, não permite confundi-las com os efeitos que acabamos de citar. Como podem ocorrer em pleno dia, é preciso desconfiar das que se julga ver à noite, quando podemos ser vítimas de uma ilusão de óptica. Aliás, há nas aparições, como em todos os outros fenômenos espíritas, o caráter inteligente, que é a melhor prova de sua realidade. Toda aparição que não dá qualquer sinal inteligente pode decididamente ser posta no rol das ilusões. Os senhores materialistas devem ver que lhes concedemos larga margem.
Tal como é, nossa explicação dá a razão de todos os casos de visão? Não, naturalmente. E nós desafiamos todos os fisiologistas a darem uma só, de seu ponto de vista exclusivo, que resolva todos. Então, se todas as teorias da alucinação são insuficientes para explicar todos os fatos, é que existe algo diferente da alucinação propriamente dita, e esse algo não tem sua solução senão na teoria espírita, que abarca todos. Com efeito, se examinarmos cuidadosamente certos casos de visão muito frequentes, veremos que é impossível atribuir-lhes a mesma origem da alucinação. Procurando dar a esta uma explicação provável, quisemos mostrar em que ela difere da aparição. Num caso como no outro, é sempre a alma que vê e não os olhos. No primeiro, ela vê uma imagem interior e no segundo uma coisa externa, se assim se pode dizer. Quando uma pessoa ausente, na qual absolutamente não pensamos, e que julgamos com saúde, se apresenta espontaneamente enquanto estamos bem despertos, e vem revelar as particularidades de sua morte que ocorre naquele mesmo instante, e da qual, consequentemente, não se podia ter notícia, não se pode atribuir o fato nem a uma lembrança, nem a preocupação do espírito. Supondo-se que tivéssemos apreensões sobre a vida dessa pessoa, restaria a explicar a coincidência do momento da morte com o da aparição, e sobretudo as circunstâncias da morte, coisas que não se pode conhecer nem prever. Assim, podese colocar entre as alucinações as visões fantásticas, que nada têm de real, mas não se dá o mesmo com as que revelam atualidades positivas, confirmadas pelos acontecimentos. Explicá-las pelas mesmas causas seria absurdo e maior absurdo ainda atribuí-las ao acaso, essa razão suprema dos que nada têm a dizer. Só o Espiritismo lhes pode dar a razão, pela dupla teoria do perispírito e da emancipação da alma. Mas como crer na ação da alma, quando não se admite a alma?
Não levando em conta o elemento espiritual, a Ciência se acha impotente para resolver uma porção de fenômenos, e cai no absurdo de querer tudo atribuir ao elemento material. É sobretudo na Medicina que o elemento espiritual representa um papel importante. Quando os médicos o levarem em consideração, enganar-se-ão menos do que agora. Aí terão uma luz que os guiará mais seguramente no diagnóstico e no tratamento das moléstias. É o que se constata presentemente na prática dos médicos espíritas, cujo número aumenta dia a dia. Tendo a alucinação uma causa fisiológica, estamos certos de que acharão o meio de combatê-la. Conhecemos um que graças ao Espiritismo está a caminho de descobertas do mais alto alcance, porque ele lhe deu a conhecer a verdadeira causa de certas afecções rebeldes à Medicina materialista.
O fenômeno da aparição pode produzir-se de duas maneiras: ou é o Espírito que vem encontrar a pessoa que vê, ou é o Espírito desta que se transporta e vai encontrar o outro. Os dois exemplos seguintes nos parecem bem caracterizar os dois casos.
Um de nossos colegas nos contava, recentemente, que um oficial seu amigo, estando na África, de repente viu à sua frente a cena de um cortejo fúnebre. Era o de um de seus tios, residente na França, que há muito tempo ele não via. Viu distintamente toda a cerimônia, desde a saída da casa mortuária até a igreja, e o transporte ao cemitério. Observou mesmo várias particularidades, das quais não podia ter ideia. Nesse momento ele estava desperto, entretanto num certo estado de absorção do qual só saiu quando tudo desapareceu. Chocado com a circunstância, escreveu para a França, pedindo notícias de seu tio e soube que este, falecido subitamente, tinha sido sepultado no dia e hora em que ocorrera a aparição, e com todas as particularidades que tinha visto. Neste caso, é evidente que não foi o cortejo que veio encontrá-lo, mas ele que foi encontrar o cortejo, cuja percepção se deu por efeito da segunda vista.
Um médico nosso conhecido, o Sr. Félix Mallo, tinha tratado de uma jovem senhora. Mas, julgando que o ar de Paris lhe era prejudicial, aconselhou-a a passar algum tempo no interior, com sua família, o que ela fez. Havia seis meses que não tinha notícias dela e nem pensava mais no caso, quando, uma noite, por volta de dez horas, estando em seu quarto, ouviu baterem à porta do consultório. Crendo que viessem chamá-lo para atender a um doente, mandou entrar, mas ficou muito surpreendido vendo à sua frente a jovem senhora em questão, pálida, vestida como a tinha conhecido, e que lhe disse com todo o sangre-frio: “Senhor Mallo, venho dizer-vos que morri”. E desapareceu. Certo de que estava desperto e de que ninguém havia entrado, o médico colheu informações e soube que a senhora tinha morrido na mesma noite em que lhe aparecera. Aqui foi mesmo o Espírito da senhora que veio encontrá-lo. Os incrédulos não deixarão de dizer que o médico poderia estar preocupado com a saúde de sua antiga cliente e que nada há de admirável que previsse a sua morte. Seja. Mas que expliquem a coincidência de sua aparição com o momento da morte, já que há vários meses o médico não tinha tido notícias dela. Supondo mesmo que ele tivesse crido na impossibilidade de sua cura, poderia prever que ela morresse num tal dia e numa tal hora? Devemos acrescentar que ele não é um homem impressionável.
Eis outro fato não menos característico e que não poderia ser atribuído a uma previsão qualquer. Um dos nossos associados, oficial de marinha, estava no mar, quando viu seu pai e seu irmão atirados debaixo de uma carruagem. O pai morreu e o irmão saiu ileso. Quinze dias depois, tendo desembarcado na França, os amigos o procuraram, tentando prepará-lo para receber a triste notícia. ─ “Não são necessárias tantas precauções”, disse ele, “sei o que ides dizer. Meu pai morreu. Estou sabendo disso há quinze dias”. Com efeito, seu pai e seu irmão, estando em Paris, desciam de carro os Campos Elísios; o cavalo espantou-se, o carro quebrou-se, o pai morreu e o irmão apenas sofreu contusões. Os fatos são positivos, atuais e não dirão sejam lendas medievais. Cada um recolha suas lembranças e ver-se-á que tais fatos são mais frequentes do que se pensa. Perguntamos se eles têm algum dos caracteres da alucinação. Perguntamos igualmente aos materialistas qual a explicação que irão dar ao fato relatado no artigo seguinte.
Provam os fatos que há verdadeiras aparições, as quais a teoria espírita explica perfeitamente e que só podem ser negadas por aqueles que nada admitem além do mundo visível. Mas, ao lado das visões reais, há alucinações, na verdadeira acepção desse vocábulo? Não há dúvida. O essencial é determinar os caracteres que podem distingui-las das aparições reais. Qual a sua fonte? São os Espíritos que nos vão indicar o caminho, porque a explicação nos parece estar completa na resposta dada à seguinte pergunta:
Pode-se considerar como aparições as figuras e outras imagens que frequentemente se apresentam no primeiro sono ou simplesmente quando se fecham os olhos?
“Desde que os sentidos se entorpecem, o Espírito se desprende e pode ver, longe ou perto, o que não poderia ver com os olhos. Por vezes essas imagens são visões, mas também podem ser um efeito das impressões deixadas no cérebro, pela visão de certos objetos de que ele conserva traços, da mesma forma que conserva a memória dos sons. O Espírito desprendido vê no próprio cérebro essas impressões que nele ficaram como uma chapa fotográfica. Sua variedade e sua mistura formam conjuntos bizarros e fugidios, que se apagam quase que imediatamente, malgrado os esforços que se façam para retê-los. É a uma causa semelhante que se devem atribuir certas aparições fantásticas que nada têm de real, e que muitas vezes se produzem no estado de doença”.
Reconhece-se que a memória é o resultado das impressões conservadas pelo cérebro. Por qual singular fenômeno essas impressões tão variadas e tão multiplicadas não se confundem? Eis um mistério impenetrável, mas que não é mais estranho que o das ondulações sonoras que se cruzam no ar e nem por isso ficam menos distintas. Num cérebro sadio e bem organizado, essas impressões são claras e precisas. Em condições menos favoráveis, apagam-se ou se confundem, como as marcas de um sinete sobre uma substância muito sólida ou muito fluídica. Daí a perda da memória ou a confusão das ideias. Isto parece menos extraordinário se se admitir, como em frenologia, uma destinação especial a cada parte, e mesmo a cada fibra do cérebro.
As imagens que chegam ao cérebro, através dos olhos, nele deixam uma impressão que nos lembra um quadro, como se o tivéssemos à nossa frente. Dá-se o mesmo com a impressão dos sons, dos odores, dos sabores, da palavras, dos números, etc. Conforme as fibras, que constituem o mecanismo destinado à recepção e à transmissão dessas impressões, estiverem aptas a conservá-las, tem-se a memória das formas, das cores, da música, dos números, das linhas, etc. Quando imaginamos uma cena que vimos, não há senão uma questão de memória, porque na realidade não estamos vendo. Mas, num certo estado de emancipação, a alma vê no cérebro e nele encontra essas imagens, sobretudo aquelas que mais impressionaram, conforme a natureza das preocupações ou as disposições do espírito. Ela ali encontra a impressão das cenas religiosas, diabólicas, dramáticas ou outras que ela viu em outra época em pintura, em ação, em leituras ou em relatos, pois os relatos também deixam impressões. Assim, a alma realmente vê alguma coisa: é a imagem de algum modo fotografada no cérebro. No estado normal, essas imagens são fugidias e efêmeras, porque todas as partes do cérebro funcionam livremente. Mas no estado de doença, o cérebro está mais ou menos enfraquecido; não existe equilíbrio entre todos os órgãos; alguns apenas conservam sua atividade, enquanto outros estão, de certo modo, paralisados. Daí a permanência de certas imagens que não são mais apagadas, como no estado normal, pelas preocupações da vida exterior. Aí está a verdadeira alucinação, a fonte primeira das ideias fixas. A ideia fixa é a lembrança exclusiva de uma impressão. A alucinação é a visão retrospectiva, pela alma, de uma imagem impressa no cérebro.
Como se vê, percebemos a causa dessa aparente anomalia, por uma lei inteiramente fisiológica bem conhecida, a das impressões cerebrais, mas foi preciso admitir a intervenção da alma, com suas faculdades distintas da matéria. Ora, se os materialistas ainda não puderam dar uma solução racional a esse fenômeno, é que não querem admitir a alma, e que com o materialismo puro, ele é inexplicável. Assim, dirão que nossa explicação é má, porque fazemos intervir um agente contestado. Contestado por quem? Por eles, mas admitido pela imensa maioria, desde que existem homens na Terra, e a negação de alguns não tem força de lei.
Nossa explicação é boa? Nós a damos pelo que ela pode valer na falta de outras e, se quiserem, a título de hipótese, enquanto se espera outra melhor. Pelo menos ela tem a vantagem de dar à alucinação uma base, um corpo, uma razão de ser, ao passo que, quando os fisiologistas pronunciaram suas palavras sacramentais de superexcitação, de exaltação, de efeitos da imaginação, nada disseram, ou não disseram tudo, porque não observaram todas as fases do fenômeno.
A imaginação também representa um papel que é preciso distinguir da alucinação propriamente dita, embora essas duas causas por vezes estejam reunidas. Ela empresta a certos objetos, formas que estes não têm, como permite ver uma figura na Lua ou animais nas nuvens. Sabe-se que na obscuridade os objetos tomam formas bizarras, por não se distinguirem todas as suas partes e porque os contornos não são nitidamente definidos. Quantas vezes, à noite, num quarto, um vestido pendurado, um vago reflexo luminoso, não apresentaram uma forma humana aos olhos de pessoas mais dotadas de sangue frio? Se a isto se juntar o medo ou uma credulidade exagerada, a imaginação fará o resto. Compreende-se, assim, que a imaginação possa alterar a realidade das imagens percebidas na alucinação e lhes emprestar formas fantásticas.
As verdadeiras aparições têm um caráter que, para os observadores experimentados, não permite confundi-las com os efeitos que acabamos de citar. Como podem ocorrer em pleno dia, é preciso desconfiar das que se julga ver à noite, quando podemos ser vítimas de uma ilusão de óptica. Aliás, há nas aparições, como em todos os outros fenômenos espíritas, o caráter inteligente, que é a melhor prova de sua realidade. Toda aparição que não dá qualquer sinal inteligente pode decididamente ser posta no rol das ilusões. Os senhores materialistas devem ver que lhes concedemos larga margem.
Tal como é, nossa explicação dá a razão de todos os casos de visão? Não, naturalmente. E nós desafiamos todos os fisiologistas a darem uma só, de seu ponto de vista exclusivo, que resolva todos. Então, se todas as teorias da alucinação são insuficientes para explicar todos os fatos, é que existe algo diferente da alucinação propriamente dita, e esse algo não tem sua solução senão na teoria espírita, que abarca todos. Com efeito, se examinarmos cuidadosamente certos casos de visão muito frequentes, veremos que é impossível atribuir-lhes a mesma origem da alucinação. Procurando dar a esta uma explicação provável, quisemos mostrar em que ela difere da aparição. Num caso como no outro, é sempre a alma que vê e não os olhos. No primeiro, ela vê uma imagem interior e no segundo uma coisa externa, se assim se pode dizer. Quando uma pessoa ausente, na qual absolutamente não pensamos, e que julgamos com saúde, se apresenta espontaneamente enquanto estamos bem despertos, e vem revelar as particularidades de sua morte que ocorre naquele mesmo instante, e da qual, consequentemente, não se podia ter notícia, não se pode atribuir o fato nem a uma lembrança, nem a preocupação do espírito. Supondo-se que tivéssemos apreensões sobre a vida dessa pessoa, restaria a explicar a coincidência do momento da morte com o da aparição, e sobretudo as circunstâncias da morte, coisas que não se pode conhecer nem prever. Assim, podese colocar entre as alucinações as visões fantásticas, que nada têm de real, mas não se dá o mesmo com as que revelam atualidades positivas, confirmadas pelos acontecimentos. Explicá-las pelas mesmas causas seria absurdo e maior absurdo ainda atribuí-las ao acaso, essa razão suprema dos que nada têm a dizer. Só o Espiritismo lhes pode dar a razão, pela dupla teoria do perispírito e da emancipação da alma. Mas como crer na ação da alma, quando não se admite a alma?
Não levando em conta o elemento espiritual, a Ciência se acha impotente para resolver uma porção de fenômenos, e cai no absurdo de querer tudo atribuir ao elemento material. É sobretudo na Medicina que o elemento espiritual representa um papel importante. Quando os médicos o levarem em consideração, enganar-se-ão menos do que agora. Aí terão uma luz que os guiará mais seguramente no diagnóstico e no tratamento das moléstias. É o que se constata presentemente na prática dos médicos espíritas, cujo número aumenta dia a dia. Tendo a alucinação uma causa fisiológica, estamos certos de que acharão o meio de combatê-la. Conhecemos um que graças ao Espiritismo está a caminho de descobertas do mais alto alcance, porque ele lhe deu a conhecer a verdadeira causa de certas afecções rebeldes à Medicina materialista.
O fenômeno da aparição pode produzir-se de duas maneiras: ou é o Espírito que vem encontrar a pessoa que vê, ou é o Espírito desta que se transporta e vai encontrar o outro. Os dois exemplos seguintes nos parecem bem caracterizar os dois casos.
Um de nossos colegas nos contava, recentemente, que um oficial seu amigo, estando na África, de repente viu à sua frente a cena de um cortejo fúnebre. Era o de um de seus tios, residente na França, que há muito tempo ele não via. Viu distintamente toda a cerimônia, desde a saída da casa mortuária até a igreja, e o transporte ao cemitério. Observou mesmo várias particularidades, das quais não podia ter ideia. Nesse momento ele estava desperto, entretanto num certo estado de absorção do qual só saiu quando tudo desapareceu. Chocado com a circunstância, escreveu para a França, pedindo notícias de seu tio e soube que este, falecido subitamente, tinha sido sepultado no dia e hora em que ocorrera a aparição, e com todas as particularidades que tinha visto. Neste caso, é evidente que não foi o cortejo que veio encontrá-lo, mas ele que foi encontrar o cortejo, cuja percepção se deu por efeito da segunda vista.
Um médico nosso conhecido, o Sr. Félix Mallo, tinha tratado de uma jovem senhora. Mas, julgando que o ar de Paris lhe era prejudicial, aconselhou-a a passar algum tempo no interior, com sua família, o que ela fez. Havia seis meses que não tinha notícias dela e nem pensava mais no caso, quando, uma noite, por volta de dez horas, estando em seu quarto, ouviu baterem à porta do consultório. Crendo que viessem chamá-lo para atender a um doente, mandou entrar, mas ficou muito surpreendido vendo à sua frente a jovem senhora em questão, pálida, vestida como a tinha conhecido, e que lhe disse com todo o sangre-frio: “Senhor Mallo, venho dizer-vos que morri”. E desapareceu. Certo de que estava desperto e de que ninguém havia entrado, o médico colheu informações e soube que a senhora tinha morrido na mesma noite em que lhe aparecera. Aqui foi mesmo o Espírito da senhora que veio encontrá-lo. Os incrédulos não deixarão de dizer que o médico poderia estar preocupado com a saúde de sua antiga cliente e que nada há de admirável que previsse a sua morte. Seja. Mas que expliquem a coincidência de sua aparição com o momento da morte, já que há vários meses o médico não tinha tido notícias dela. Supondo mesmo que ele tivesse crido na impossibilidade de sua cura, poderia prever que ela morresse num tal dia e numa tal hora? Devemos acrescentar que ele não é um homem impressionável.
Eis outro fato não menos característico e que não poderia ser atribuído a uma previsão qualquer. Um dos nossos associados, oficial de marinha, estava no mar, quando viu seu pai e seu irmão atirados debaixo de uma carruagem. O pai morreu e o irmão saiu ileso. Quinze dias depois, tendo desembarcado na França, os amigos o procuraram, tentando prepará-lo para receber a triste notícia. ─ “Não são necessárias tantas precauções”, disse ele, “sei o que ides dizer. Meu pai morreu. Estou sabendo disso há quinze dias”. Com efeito, seu pai e seu irmão, estando em Paris, desciam de carro os Campos Elísios; o cavalo espantou-se, o carro quebrou-se, o pai morreu e o irmão apenas sofreu contusões. Os fatos são positivos, atuais e não dirão sejam lendas medievais. Cada um recolha suas lembranças e ver-se-á que tais fatos são mais frequentes do que se pensa. Perguntamos se eles têm algum dos caracteres da alucinação. Perguntamos igualmente aos materialistas qual a explicação que irão dar ao fato relatado no artigo seguinte.
Uma aparição providencial
Lê-se no Qxford Chronicle de 1.º de junho de 1861:
Em 1828, um navio que fazia o trajeto de Liverpool a New-Brunswick tinha como imediato o Sr. Robert Bruce. Estando perto dos bancos de Terra-Nova, o capitão e o imediato calculavam um dia de sua rota, o primeiro em sua cabina e o outro na câmara ao lado. As duas peças eram dispostas de modo que eles podiam ver-se e conversar. Absorvido em seu trabalho, Bruce não notou que o capitão havia subido para a ponte. Sem olhar, lhe disse: “Encontro tal longitude. Qual é a sua?” Não recebendo resposta, repetiu a pergunta, mas inutilmente. Avançou então para a porta da cabina e viu um homem sentado no lugar do capitão, escrevendo numa ardósia. O indivíduo voltou-se, olhou Bruce fixamente e este, apavorado, lançou-se para a ponte.
─ Capitão, disse ele assim que o alcançou, quem é que está à sua escrivaninha na cabina?
─ Mas, ninguém, penso eu.
─ Eu lhe garanto que há um estranho.
─ Um estranho! Você sonha, Bruce. Quem ousaria meter-se em minha mesa sem minha ordem? Talvez você tenha visto o contra-mestre ou o despenseiro.
─ Senhor, há um homem sentado à sua mesa e que escreve em sua ardósia. Ele me olhou na cara e eu o vi distintamente, ou jamais vi alguém no mundo.
─ Ele! quem?
─ Só Deus o sabe, senhor! Eu vi esse estranho que jamais tinha visto em qualquer parte em toda minha vida.
─ Você está louco, Bruce. Um estranho! Lá se vão seis semanas que estamos no mar.
─ Eu sei, mas eu vi.
─ Ora essa! Vá ver quem é.
─ Capitão, o senhor sabe que eu não sou um poltrão. Não acredito em aparições, contudo, confesso que não suporto vê-lo só e de frente. Gostaria que fôssemos ambos.
O capitão desceu na frente, mas não encontrou ninguém.
─ Veja bem, disse ele. Você sonhou.
─ Não sei como é isto, mas juro que ele estava ali, há pouco, e escrevia em sua ardósia.
─ Neste caso, deve haver alguma coisa escrita.
Apanhou a ardósia e leu estas palavras: “Dirija para noroeste”. Tendo feito tanto Bruce como todos os homens da equipagem escreverem aquelas mesmas palavras, verificou que nenhuma letra se parecia com aquela. Procuraram por todos os recantos do navio e não descobriram nenhum estranho. Consultado se devia seguir o conselho misterioso, o capitão resolveu mudar de direção e navegou para noroeste, depois de ter posto como vigia um homem de confiança. Por volta das três horas foi avistado um bloco de gelo, depois um navio desmastreado, sobre o qual se viam vários homens. Chegando mais perto soube-se que o navio estava quebrado, as provisões esgotadas, a equipagem e os passageiros famintos. Enviaram barcos para recolhê-los, mas no momento em que chegaram a bordo, para sua grande estupefação, o Sr. Bruce reconheceu entre os náufragos o homem que tinha visto na cabina do capitão. Assim que foi acalmada a confusão e que o navio retomou sua rota, o Sr. Bruce disse ao capitão.
─ Parece que não foi um Espírito que eu vi hoje. Ele é vivo. O homem que escrevia na ardósia é um dos passageiros que acabamos de salvar. Ei-lo. Eu juraria perante a justiça!
Dirigindo-se ao tal homem, o capitão o convidou à sua cabina e lhe pediu que escrevesse na ardósia, do lado oposto àquele onde estavam as palavras misteriosas: “Dirija para noroeste”. Intrigado com o pedido, não obstante o passageiro conformou-se. Tomando a ardósia, o capitão virou-a, sem nada exprimir, e mostrando ao passageiro as palavras escritas antes, perguntou: ─ Esta é mesmo a vossa letra?
─ Sem dúvida, pois acabo de escrever diante de vós.
─ E esta aqui? acrescentou, mostrando o outro lado.
─ Também é a minha letra, mas não sei como aconteceu isto, porque só escrevi de um lado.
─ Meu imediato, que aqui está, pretende vos ter visto hoje, ao meio-dia, sentado a esta mesa e escrevendo estas palavras.
─ É impossível, porque só agora me trouxeram para este navio.
Interrogado o capitão do navio naufragado sobre o que, pela manhã, poderia ter-se passado com esse homem, respondeu:
─ Só o conheço como um dos meus passageiros. Mas, pouco antes do meio-dia ele caiu num profundo sono, do qual só saiu depois de uma hora. Durante o sono ele exprimiu a confiança de que em breve iríamos ser salvos, dizendo que se via a bordo de um navio, cuja espécie e enxárcia descreveu, em tudo conforme ao que tivemos à vista momentos depois.
O passageiro acrescentou que não se lembrava de ter sonhado, nem de ter escrito fosse o que fosse, mas apenas que tinha conservado, ao despertar, um pressentimento que não sabia explicar, de que um navio lhes viria em socorro. Uma coisa estranha, disse ele, é que tudo quanto está neste navio me parece familiar, embora esteja certo de jamais tê-lo visto. Depois, o Sr. Bruce lhe contou as circunstâncias da aparição que tinha tido e concluíram que o fato era providencial.
Esta história é perfeitamente autêntica. O Sr. Robert Dale Owen, antigo ministro dos Estados Unidos em Nápoles, que também a ela se reporta em sua obra, cercou-se de todos os documentos que lhe constatam a veracidade. Perguntamos se ela tem algum dos caracteres da alucinação! Que a esperança, que jamais abandona os infelizes, tenha seguido o passageiro em seu sono e lhe tenha feito sonhar que lhes vinham socorrer, compreende-se. A coincidência do sonho com o socorro ainda podia ser um efeito do acaso. Mas como explicar a descrição do navio? Quanto ao Sr. Bruce, ele está certo de que não sonhava. Se a aparição fosse uma ilusão, como explicar a semelhança com o passageiro? Se ainda fosse o acaso, a escrita na ardósia é um fato material. De onde vinha o conselho, dado por esse meio, de navegar na direção dos náufragos, desviando a rota seguida pelo navio? Que os senhores alucinacionistas tenham a bondade de dizer como, com seu sistema exclusivo, poderão dar a razão de todas essas circunstâncias.
Nos fenômenos espíritas provocados, têm eles o recurso de dizer que há trapaça. Mas aqui não é nada provável que o passageiro tenha representado uma comédia. É nisto que os fenômenos espontâneos, quando apoiados em testemunhos irrecusáveis, são de grande importância, por não se poder suspeitar de nenhuma conivência.
Para os espíritas, este fato nada tem de extraordinário, porque podem explicálo. Aos olhos dos ignorantes parecerá sobrenatural, maravilhoso. Para quem quer que conheça a teoria do perispírito, da emancipação da alma dos vivos, ele não sai das leis da Natureza. Um crítico divertiu-se muito com a história do homem da tabaqueira, relatada na Revista de março de 1859, dizendo que era efeito da imaginação da senhora doente. Que tem ela de mais impossível que esta? Os dois fatos se explicam exatamente pela mesma lei que rege as relações entre o Espírito e a matéria. Além disso, perguntamos a todos os espíritas que estudaram a teoria dos fenômenos, se lendo o fato que acabamos de relatar, sua atenção não foi imediatamente atraída para a maneira por que deve ter-se produzido; se não encontraram a explicação; se, em consequência da explicação, não concluíram pela possibilidade e se, por força dessa possibilidade, não se interessaram mais do que se tivessem tido que aceitá-lo apenas pela força da fé, sem acrescentar o assentimento da inteligência? Os que nos censuram por havermos dado esta teoria se esquecem de que ela é o resultado de longos e pacientes estudos, que eles poderiam ter feito, como nós, trabalhando tanto quanto fizemos e fazemos todos os dias; que, dando os meios de compreender os fenômenos, lhes demos uma base, uma razão de ser, que silenciaram diversos críticos e contribuíram, em grande parte, para a propagação do Espiritismo, visto que se aceita com mais boa vontade aquilo que se compreende do que aquilo que não se compreende.
Em 1828, um navio que fazia o trajeto de Liverpool a New-Brunswick tinha como imediato o Sr. Robert Bruce. Estando perto dos bancos de Terra-Nova, o capitão e o imediato calculavam um dia de sua rota, o primeiro em sua cabina e o outro na câmara ao lado. As duas peças eram dispostas de modo que eles podiam ver-se e conversar. Absorvido em seu trabalho, Bruce não notou que o capitão havia subido para a ponte. Sem olhar, lhe disse: “Encontro tal longitude. Qual é a sua?” Não recebendo resposta, repetiu a pergunta, mas inutilmente. Avançou então para a porta da cabina e viu um homem sentado no lugar do capitão, escrevendo numa ardósia. O indivíduo voltou-se, olhou Bruce fixamente e este, apavorado, lançou-se para a ponte.
─ Capitão, disse ele assim que o alcançou, quem é que está à sua escrivaninha na cabina?
─ Mas, ninguém, penso eu.
─ Eu lhe garanto que há um estranho.
─ Um estranho! Você sonha, Bruce. Quem ousaria meter-se em minha mesa sem minha ordem? Talvez você tenha visto o contra-mestre ou o despenseiro.
─ Senhor, há um homem sentado à sua mesa e que escreve em sua ardósia. Ele me olhou na cara e eu o vi distintamente, ou jamais vi alguém no mundo.
─ Ele! quem?
─ Só Deus o sabe, senhor! Eu vi esse estranho que jamais tinha visto em qualquer parte em toda minha vida.
─ Você está louco, Bruce. Um estranho! Lá se vão seis semanas que estamos no mar.
─ Eu sei, mas eu vi.
─ Ora essa! Vá ver quem é.
─ Capitão, o senhor sabe que eu não sou um poltrão. Não acredito em aparições, contudo, confesso que não suporto vê-lo só e de frente. Gostaria que fôssemos ambos.
O capitão desceu na frente, mas não encontrou ninguém.
─ Veja bem, disse ele. Você sonhou.
─ Não sei como é isto, mas juro que ele estava ali, há pouco, e escrevia em sua ardósia.
─ Neste caso, deve haver alguma coisa escrita.
Apanhou a ardósia e leu estas palavras: “Dirija para noroeste”. Tendo feito tanto Bruce como todos os homens da equipagem escreverem aquelas mesmas palavras, verificou que nenhuma letra se parecia com aquela. Procuraram por todos os recantos do navio e não descobriram nenhum estranho. Consultado se devia seguir o conselho misterioso, o capitão resolveu mudar de direção e navegou para noroeste, depois de ter posto como vigia um homem de confiança. Por volta das três horas foi avistado um bloco de gelo, depois um navio desmastreado, sobre o qual se viam vários homens. Chegando mais perto soube-se que o navio estava quebrado, as provisões esgotadas, a equipagem e os passageiros famintos. Enviaram barcos para recolhê-los, mas no momento em que chegaram a bordo, para sua grande estupefação, o Sr. Bruce reconheceu entre os náufragos o homem que tinha visto na cabina do capitão. Assim que foi acalmada a confusão e que o navio retomou sua rota, o Sr. Bruce disse ao capitão.
─ Parece que não foi um Espírito que eu vi hoje. Ele é vivo. O homem que escrevia na ardósia é um dos passageiros que acabamos de salvar. Ei-lo. Eu juraria perante a justiça!
Dirigindo-se ao tal homem, o capitão o convidou à sua cabina e lhe pediu que escrevesse na ardósia, do lado oposto àquele onde estavam as palavras misteriosas: “Dirija para noroeste”. Intrigado com o pedido, não obstante o passageiro conformou-se. Tomando a ardósia, o capitão virou-a, sem nada exprimir, e mostrando ao passageiro as palavras escritas antes, perguntou: ─ Esta é mesmo a vossa letra?
─ Sem dúvida, pois acabo de escrever diante de vós.
─ E esta aqui? acrescentou, mostrando o outro lado.
─ Também é a minha letra, mas não sei como aconteceu isto, porque só escrevi de um lado.
─ Meu imediato, que aqui está, pretende vos ter visto hoje, ao meio-dia, sentado a esta mesa e escrevendo estas palavras.
─ É impossível, porque só agora me trouxeram para este navio.
Interrogado o capitão do navio naufragado sobre o que, pela manhã, poderia ter-se passado com esse homem, respondeu:
─ Só o conheço como um dos meus passageiros. Mas, pouco antes do meio-dia ele caiu num profundo sono, do qual só saiu depois de uma hora. Durante o sono ele exprimiu a confiança de que em breve iríamos ser salvos, dizendo que se via a bordo de um navio, cuja espécie e enxárcia descreveu, em tudo conforme ao que tivemos à vista momentos depois.
O passageiro acrescentou que não se lembrava de ter sonhado, nem de ter escrito fosse o que fosse, mas apenas que tinha conservado, ao despertar, um pressentimento que não sabia explicar, de que um navio lhes viria em socorro. Uma coisa estranha, disse ele, é que tudo quanto está neste navio me parece familiar, embora esteja certo de jamais tê-lo visto. Depois, o Sr. Bruce lhe contou as circunstâncias da aparição que tinha tido e concluíram que o fato era providencial.
Esta história é perfeitamente autêntica. O Sr. Robert Dale Owen, antigo ministro dos Estados Unidos em Nápoles, que também a ela se reporta em sua obra, cercou-se de todos os documentos que lhe constatam a veracidade. Perguntamos se ela tem algum dos caracteres da alucinação! Que a esperança, que jamais abandona os infelizes, tenha seguido o passageiro em seu sono e lhe tenha feito sonhar que lhes vinham socorrer, compreende-se. A coincidência do sonho com o socorro ainda podia ser um efeito do acaso. Mas como explicar a descrição do navio? Quanto ao Sr. Bruce, ele está certo de que não sonhava. Se a aparição fosse uma ilusão, como explicar a semelhança com o passageiro? Se ainda fosse o acaso, a escrita na ardósia é um fato material. De onde vinha o conselho, dado por esse meio, de navegar na direção dos náufragos, desviando a rota seguida pelo navio? Que os senhores alucinacionistas tenham a bondade de dizer como, com seu sistema exclusivo, poderão dar a razão de todas essas circunstâncias.
Nos fenômenos espíritas provocados, têm eles o recurso de dizer que há trapaça. Mas aqui não é nada provável que o passageiro tenha representado uma comédia. É nisto que os fenômenos espontâneos, quando apoiados em testemunhos irrecusáveis, são de grande importância, por não se poder suspeitar de nenhuma conivência.
Para os espíritas, este fato nada tem de extraordinário, porque podem explicálo. Aos olhos dos ignorantes parecerá sobrenatural, maravilhoso. Para quem quer que conheça a teoria do perispírito, da emancipação da alma dos vivos, ele não sai das leis da Natureza. Um crítico divertiu-se muito com a história do homem da tabaqueira, relatada na Revista de março de 1859, dizendo que era efeito da imaginação da senhora doente. Que tem ela de mais impossível que esta? Os dois fatos se explicam exatamente pela mesma lei que rege as relações entre o Espírito e a matéria. Além disso, perguntamos a todos os espíritas que estudaram a teoria dos fenômenos, se lendo o fato que acabamos de relatar, sua atenção não foi imediatamente atraída para a maneira por que deve ter-se produzido; se não encontraram a explicação; se, em consequência da explicação, não concluíram pela possibilidade e se, por força dessa possibilidade, não se interessaram mais do que se tivessem tido que aceitá-lo apenas pela força da fé, sem acrescentar o assentimento da inteligência? Os que nos censuram por havermos dado esta teoria se esquecem de que ela é o resultado de longos e pacientes estudos, que eles poderiam ter feito, como nós, trabalhando tanto quanto fizemos e fazemos todos os dias; que, dando os meios de compreender os fenômenos, lhes demos uma base, uma razão de ser, que silenciaram diversos críticos e contribuíram, em grande parte, para a propagação do Espiritismo, visto que se aceita com mais boa vontade aquilo que se compreende do que aquilo que não se compreende.
Palestras familiares de além-túmulo - Os amigos não nos esquecem no outro mundo
Um dos nossos assinantes nos envia a palestra seguinte, que teve com um de seus amigos cuja perda lhe fora muito sentida, por intermédio de um médium estranho, desde que ele mesmo não é médium. Além da notável elevação do pensamento, ver-se-á a prova de que os laços terrenos, quando sinceros, não se rompem na morte.
PRIMEIRA PALESTRA. 28 DE DEZEMBRO DE 1860
1. (Evocação). Rogativa ao Espírito de Jules P..., que me foi tão caro, para vir comunicar-se comigo. — Caro amigo, venho ao teu apelo; venho com tanto maior solicitude quanto não esperava poder comunicar-me contigo senão em tempo ainda recuado pela vontade de Deus. Quanto me é agradável ver esse tempo abreviado por tua vontade e poder dizer-te quanto a provação que sofri na Terra serviu ao meu progresso! Embora ainda errante, sinto-me muito feliz, sem outro pensamento que o do entusiasmo pelas obras de Deus, que me permite gozar de todos os prodígios que se digna deixar à minha disposição, deixando-me esperar uma reencarnação num mundo superior, onde seguirei a gradação afortunada, que me elevará à suprema felicidade. Possas tu, caro amigo, ouvindo-me, ver em minhas palavras um presságio do que te espera! No último dia, virei tomar-te a mão para te mostrar a via que já percorro desde algum tempo com tanta alegria. Encontrar-me-ás como guia, como na vida terrena me encontraste como amigo fiel.
2. — Posso contar com o teu concurso, caro amigo, para atingir o objetivo feliz que tu me deixas entrever? — Fica tranqüilo: farei o possível para que venças nesta rota onde ambos nos encontraremos com tanta emoção e prazer. Como outrora, virei dar-te todas as provas de bondade de coração a que sempre foste tão sensível.
3. — Devo concluir de tua linguagem que és muito mais feliz do que em tua última existência? — Sem contradita, meu amigo, muito feliz, não o poderia repetir bastante. Que diferença! Não mais aborrecimentos, tristezas, sofrimentos físicos e morais. E, com isto, a visão de tudo o que nos foi caro! Muitas vezes estava contigo, ao teu lado. Quantas vezes te segui em tua carreira! Eu te via quando não me supunhas junto a ti, tu que me julgavas perdido para sempre. Meu caro amigo, a vida é preciosa para o Espírito; tanto mais preciosa quanto suave e pode fazê-la servir, como na Terra, ao seu adiantamento celeste. Fica bem persuadido de que tudo se harmoniza nos desígnios divinos para tornar as criaturas de Deus mais felizes e que, de sua parte, basta ter um coração para amar, e curvar a cabeça para ser humilde. Então eleva-se mais do que poderia esperar.
PRIMEIRA PALESTRA. 28 DE DEZEMBRO DE 1860
1. (Evocação). Rogativa ao Espírito de Jules P..., que me foi tão caro, para vir comunicar-se comigo. — Caro amigo, venho ao teu apelo; venho com tanto maior solicitude quanto não esperava poder comunicar-me contigo senão em tempo ainda recuado pela vontade de Deus. Quanto me é agradável ver esse tempo abreviado por tua vontade e poder dizer-te quanto a provação que sofri na Terra serviu ao meu progresso! Embora ainda errante, sinto-me muito feliz, sem outro pensamento que o do entusiasmo pelas obras de Deus, que me permite gozar de todos os prodígios que se digna deixar à minha disposição, deixando-me esperar uma reencarnação num mundo superior, onde seguirei a gradação afortunada, que me elevará à suprema felicidade. Possas tu, caro amigo, ouvindo-me, ver em minhas palavras um presságio do que te espera! No último dia, virei tomar-te a mão para te mostrar a via que já percorro desde algum tempo com tanta alegria. Encontrar-me-ás como guia, como na vida terrena me encontraste como amigo fiel.
2. — Posso contar com o teu concurso, caro amigo, para atingir o objetivo feliz que tu me deixas entrever? — Fica tranqüilo: farei o possível para que venças nesta rota onde ambos nos encontraremos com tanta emoção e prazer. Como outrora, virei dar-te todas as provas de bondade de coração a que sempre foste tão sensível.
3. — Devo concluir de tua linguagem que és muito mais feliz do que em tua última existência? — Sem contradita, meu amigo, muito feliz, não o poderia repetir bastante. Que diferença! Não mais aborrecimentos, tristezas, sofrimentos físicos e morais. E, com isto, a visão de tudo o que nos foi caro! Muitas vezes estava contigo, ao teu lado. Quantas vezes te segui em tua carreira! Eu te via quando não me supunhas junto a ti, tu que me julgavas perdido para sempre. Meu caro amigo, a vida é preciosa para o Espírito; tanto mais preciosa quanto suave e pode fazê-la servir, como na Terra, ao seu adiantamento celeste. Fica bem persuadido de que tudo se harmoniza nos desígnios divinos para tornar as criaturas de Deus mais felizes e que, de sua parte, basta ter um coração para amar, e curvar a cabeça para ser humilde. Então eleva-se mais do que poderia esperar.
4. — Que desejas de mim que te possa causar prazer? —Teu pensamento em forma de uma flor.
NOTA: Tendo-se estabelecido uma discussão sobre o sentido desta resposta, o Espírito acrescentou:
Quando digo teu pensamento em forma de uma flor, digo que, colhendo flores, algumas vezes deves pensar em mim. Compreendes que quero, tanto quanto possível, me fazer sentir por um dos teus sentidos, tocando-te agradavelmente.
5.— Adeus, caro amigo. Aproveitarei com prazer a próxima ocasião que tiver de te evocar. — Esperarei com impaciência. Até logo, caro amigo.
SEGUNDA PALESTRA. 31 DE DEZEMBRO
6. (Evocação). Novo pedido ao meu amigo para me dar uma comunicação no interesse de minha instrução. — Eis-me de novo, caro amigo. Não peço mais do que para vir dizer ainda uma vez quanto me foste caro. Quero dar-te uma prova disso, elevando-me às mais altas considerações. Sim, meu amigo, a matéria nada é. Trata-a duramente; nada temas; o Espírito é tudo; só ele se perpetua e jamais deve cessar de viver, ou de percorrer os caminhos que Deus lhe traça. Por vezes pára em bordas escarpadas para tomar fôlego; mas quando volta os olhos para o Criador, retoma coragem e rapidamente supera as dificuldades que encontra, eleva-se e admira a bondade de seu senhor, que lhe distribui à medida as forças de que necessita. Então avança. O empíreo se apresenta aos seus olhos, ao seu coração; marcha, logo se torna digno do destino celeste que entrevê. Caro amigo, nada mais temas; sinto em mim a coragem duplicada, as forças decuplicadas, desde que deixei a vossa Terra. Não mais duvido da felicidade predita que, comparada à que desfruto, será tão superior quanto a mais brilhante das pedras preciosas o é ao simples anel. Assim, vês quanto há de grandeza nas vontades celestes, e que será muito difícil para os humanos lhes apreciar e pesar os resultados! Assim, vossa linguagem nos serve dificilmente, quando queremos exprimir o que vos deve parecer incompreensível.
7. — Nada tens a acrescentar aos belos pensamentos que acabas de expressar? — Sem dúvida não terminei: mas quis dar-te uma prova de minha identidade. Quando quiseres, eu te darei outros.
OBSERVAÇÃO: Estas provas de identidade s&o aqui todas morais e não provêm de nenhum sinal material, nem qualquer das questões pueris que frequentemente algumas pessoas fazem com esse propósito. As provas morais são as melhores e as mais seguras, visto que os sinais materiais sempre podem ser imitados por Espíritos enganadores. Aqui o Espírito se faz reconhecer por seus pensamentos, seu caráter, a e1evação e a nobreza do estilo. Certamente um Espírito enganador poderia tentar a contrafação em certos pontos, mas não passaria de grosseira imitação; e como faltaria o fundo, só poderia imitar a forma; aliás não poderia por muito tempo representar o papel.
8. — Desde que estás nessa disposição benevolente, eu seria feliz de a aproveitar agora e te peço a bondade de continuar.
—Eu te direi: Abre o livro dos teus destinos; o Evangelho, meu amigo, dar-te-á a compreender muitas coisas que não te poderia exprimir. Deixa a letra; toma o espírito desse livro sagrado e nele encontrarás todas as consolações necessárias ao teu coração. Não te inquietem os termos obscuros: procura o pensamento e teu coração o interpretará como deve interpretar. Agora estou mais ao corrente e confesso o erro que nós, Espíritos, cometíamos ao considerá-lo tão friamente quando vivos. Hoje reconheço que, de bom coração, teria podido, entendendo naquele tempo os preciosos ensinamentos que o divino Mestre nos deixou, encontrar neles o socorro que me faltava.
9. — Obrigado e adeus, caro amigo; aproveitarei com prazer a primeira ocasião que tiver para te evocar. — Então eu virei como venho hoje, não duvides. Farei o melhor que puder.
8. — Desde que estás nessa disposição benevolente, eu seria feliz de a aproveitar agora e te peço a bondade de continuar.
—Eu te direi: Abre o livro dos teus destinos; o Evangelho, meu amigo, dar-te-á a compreender muitas coisas que não te poderia exprimir. Deixa a letra; toma o espírito desse livro sagrado e nele encontrarás todas as consolações necessárias ao teu coração. Não te inquietem os termos obscuros: procura o pensamento e teu coração o interpretará como deve interpretar. Agora estou mais ao corrente e confesso o erro que nós, Espíritos, cometíamos ao considerá-lo tão friamente quando vivos. Hoje reconheço que, de bom coração, teria podido, entendendo naquele tempo os preciosos ensinamentos que o divino Mestre nos deixou, encontrar neles o socorro que me faltava.
9. — Obrigado e adeus, caro amigo; aproveitarei com prazer a primeira ocasião que tiver para te evocar. — Então eu virei como venho hoje, não duvides. Farei o melhor que puder.
Correspondência - Carta do presidente da sociedade espírita do méxico
México, 18 de abril de 1861.
Ao Sr. Allan Kardec, em Paris.
Senhor,
Meu amigo, Sr. Viseur, em sua penúltima carta, manifesta-me o desejo que tendes de conhecer o objetivo e as tendências da Sociedade Espírita que presido no México. É com o maior prazer e a mais viva simpatia por vossas profundas luzes no tocante a esta matéria, que vos dirijo esta curta exposição do histórico do Espiritismo neste país, rogando-vos levar em consideração nossa fraca experiência, mas também contar-nos entre vós como fervorosos adeptos.
Muito tempo depois de vós, senhor, tivemos a felicidade de conhecer esta suave verdade de que os Espíritos ou almas das pessoas mortas podem comunicar-se com os vivos. Malgrado algumas publicações vindas do Norte, nossa atenção e nossa curiosidade não haviam despertado e não nos havíamos dado ao trabalho de procurar o que entendiam por manifestações espirituais. Foi o vosso Livro dos Espíritos, felizmente chegado entre nós, que nos abriu os olhos e nos convenceu da realidade dos fatos que se propagam com tanta rapidez em todas as partes do mundo, fazendonos compreendê-las. Começamos então a fazer pesquisas e experiências, aceitando a tarefa de nos prepararmos, por um trabalho constante, para receber as manifestações. Os conselhos obtidos em vosso excelente livro nos deram a conhecer a grande verdade de que depois da morte a alma existe e que podemos comunicar-nos com os que nos foram queridos na Terra.
Eu faltaria com a verdade se vos dissesse que fomos aqui os primeiros a ter conhecimento dessas manifestações. Várias pessoas de nossa cidade já se ocupavam do assunto, o que só soubemos mais tarde. O princípio da reencarnação foi o que mais nos causou admiração, no primeiro momento, mas as nossas comunicações com os Espíritos de uma ordem que por sua linguagem reconhecemos como superior, não nos permitiram duvidar de uma crença que tudo prova estar na ordem das coisas e conforme à onipotente justiça de Deus. Um fato que prova a bondade e a superioridade dos Espíritos que nos assistem é que curam os que sofrem corporalmente e dão calma e resignação às aflições espirituais. Diz-nos a simples lógica que o bem não pode vir senão de boa fonte. Mas seríamos presunçosos se nos apresentássemos como campeões capacitados desta sublime doutrina. A vós, senhor, cabe o direito de esclarecer-nos, como provam os trabalhos oriundos do seio de vossa Sociedade.
Formamos uma sociedade composta de membros experimentados na crença espírita e recebemos em seu seio todo aquele que quer ser esclarecido. As leis fundamentais que nos regem são a unidade de princípios, a fraternidade entre os membros e a caridade para com todos os que sofrem. Eis, senhor, como as ideias espíritas se espalharam nesta região e, podemos dizer com satisfação, se propagaram além das nossas esperanças. Se julgardes conveniente guiar-nos com os vossos bons conselhos, sempre os receberemos com vivo reconhecimento e como um testemunho de simpatia de vossa parte.
Recebei, etc.
CH. GOURGUES
Ao Sr. Allan Kardec, em Paris.
Senhor,
Meu amigo, Sr. Viseur, em sua penúltima carta, manifesta-me o desejo que tendes de conhecer o objetivo e as tendências da Sociedade Espírita que presido no México. É com o maior prazer e a mais viva simpatia por vossas profundas luzes no tocante a esta matéria, que vos dirijo esta curta exposição do histórico do Espiritismo neste país, rogando-vos levar em consideração nossa fraca experiência, mas também contar-nos entre vós como fervorosos adeptos.
Muito tempo depois de vós, senhor, tivemos a felicidade de conhecer esta suave verdade de que os Espíritos ou almas das pessoas mortas podem comunicar-se com os vivos. Malgrado algumas publicações vindas do Norte, nossa atenção e nossa curiosidade não haviam despertado e não nos havíamos dado ao trabalho de procurar o que entendiam por manifestações espirituais. Foi o vosso Livro dos Espíritos, felizmente chegado entre nós, que nos abriu os olhos e nos convenceu da realidade dos fatos que se propagam com tanta rapidez em todas as partes do mundo, fazendonos compreendê-las. Começamos então a fazer pesquisas e experiências, aceitando a tarefa de nos prepararmos, por um trabalho constante, para receber as manifestações. Os conselhos obtidos em vosso excelente livro nos deram a conhecer a grande verdade de que depois da morte a alma existe e que podemos comunicar-nos com os que nos foram queridos na Terra.
Eu faltaria com a verdade se vos dissesse que fomos aqui os primeiros a ter conhecimento dessas manifestações. Várias pessoas de nossa cidade já se ocupavam do assunto, o que só soubemos mais tarde. O princípio da reencarnação foi o que mais nos causou admiração, no primeiro momento, mas as nossas comunicações com os Espíritos de uma ordem que por sua linguagem reconhecemos como superior, não nos permitiram duvidar de uma crença que tudo prova estar na ordem das coisas e conforme à onipotente justiça de Deus. Um fato que prova a bondade e a superioridade dos Espíritos que nos assistem é que curam os que sofrem corporalmente e dão calma e resignação às aflições espirituais. Diz-nos a simples lógica que o bem não pode vir senão de boa fonte. Mas seríamos presunçosos se nos apresentássemos como campeões capacitados desta sublime doutrina. A vós, senhor, cabe o direito de esclarecer-nos, como provam os trabalhos oriundos do seio de vossa Sociedade.
Formamos uma sociedade composta de membros experimentados na crença espírita e recebemos em seu seio todo aquele que quer ser esclarecido. As leis fundamentais que nos regem são a unidade de princípios, a fraternidade entre os membros e a caridade para com todos os que sofrem. Eis, senhor, como as ideias espíritas se espalharam nesta região e, podemos dizer com satisfação, se propagaram além das nossas esperanças. Se julgardes conveniente guiar-nos com os vossos bons conselhos, sempre os receberemos com vivo reconhecimento e como um testemunho de simpatia de vossa parte.
Recebei, etc.
CH. GOURGUES
No mesmo dia em que nos chegou esta carta do México, recebemos a seguinte de Constantinopla:
Constantinopla, 28 de maio de 1861.
Constantinopla, 28 de maio de 1861.
Ao Sr. Allan Kardec, diretor da Revista Espírita
Senhor,
Permiti-me vir, em meu nome pessoal e no de meus amigos e irmãos espiritualistas desta cidade, oferecer-vos dois pequenos presentes, como lembrança, não de pessoas que ainda não conheceis e que só têm a honra de vos conhecer por vossas obras, mas que aceitareis como testemunho dos sentimentos de confraternização que devem unir os espiritualistas de todos os países. Aceitá-los-eis, também, por serem uma prova dos fenômenos tão sublimes quão extraordinários do Espiritismo. Aceitareis e lhes dareis a honra de um quadro à nossa boa Sofia, pois é em seu nome e no de sua irmã Angélica que o Espiritismo se desenvolve e se propaga em Constantinopla, esta capital do Oriente, tão comovedora por suas recordações históricas. Verdadeira Torre de Babel, é a cidade que reúne todas as seitas religiosas, todas as nações, e na qual se falam todas as línguas. Imaginai o Espiritismo se propagando de repente em meio a tudo isto... Que imenso ponto de partida! Ainda somos um pequeno número, mas este número aumenta dia a dia, como bola de neve. Espero que dentro de pouco tempo nos contaremos às centenas.
As manifestações por nós obtidas até hoje são o soerguimento das mesas, das quais uma, de mais de 100 quilos, ergue-se como uma pluma acima de nossas cabeças; golpes diretos, batidos por Espíritos; transporte de objetos, etc. Estamos tentando obter aparições de Espíritos, visíveis para todos. Conseguiremos? Eles nos prometeram e nós esperamos. Já temos um grande número de médiuns escreventes; outros fazem desenhos; outros ainda compõem trechos de música, mesmo quando ignoram essas artes. Vimos, ouvimos e estudamos diversos Espíritos de todos os gêneros e qualidades. Alguns de nossos médiuns têm visões e êxtases; outros, mediunizados, executam árias ao piano, inspirados pelos Espíritos. Duas senhoritas que nada viram ou leram sobre o magnetismo, magnetizam toda espécie de males, pela ação dos Espíritos, que as fazem agir da maneira mais científica possível.
Eis, senhor, um resumo do que temos feito no Espiritismo até agora. Para que possais julgar melhor os nossos trabalhos espíritas, eis o resultado de algumas sessões feitas por intermédio da mesa.
(Seguem-se diversas comunicações morais de ordem muito elevada, cuja leitura a Sociedade ouviu com o mais vivo interesse).
Se virdes que essas revelações podem interessar à propagação da nova ciência espiritualista ou espírita, porque para mim, como para meus amigos, o título em nada influi, pois nem muda a forma nem o fundo, terei prazer de vos enviar algumas mensagens instrutivas e concludentes, do ponto de vista da prova das manifestações espirituais.
Em breve todos os espiritualistas do mundo formarão um só feixe, uma só e mesma família. Não somos todos irmãos e filhos do mesmo pai, que é Deus? Eis os primeiros princípios que os espiritualistas devem pregar ao gênero humano, sem distinção de classe, país, língua, seita ou fortuna.
Recebei, etc.
REPOS, advogado.
Esta carta veio acompanhada de um desenho representando uma cabeça de tamanho natural, muito corretamente executado, embora o médium não soubesse desenhar, e de um trecho de música com letra, melodia e acompanhamento de piano, intitulado Espiritualismo. O todo veio com esta dedicatória: “Oferta em nome dos espiritualistas de Constantinopla ao Sr. Allan Kardec, diretor da Revista Espírita, de Paris.”
No trecho de música, só o canto e a letra foram obtidos por via mediúnica. O acompanhamento foi feito por um artista.
Se publicássemos todas as cartas de adesão que recebemos, teríamos que a isto consagrar alguns volumes. Ver-se-ia repetida milhares de vezes uma tocante expressão de reconhecimento à Doutrina Espírita. Por outro lado, muitas dessas cartas são muito íntimas para serem publicadas. As duas que reproduzimos acima têm um interesse geral, como prova da extensão que por todos os lados o Espiritismo conquista, e do ponto de vista sério sob o qual é agora encarado, muito distante, como se vê, do divertimento das mesas girantes. Por toda parte compreendem-lhe as consequências morais e o consideram como a base providencial das reformas prometidas à Humanidade. Sentimo-nos feliz por dar assim um testemunho de simpatia e um encorajamento aos nossos confrades distantes. Esse laço que existe já entre os espíritas dos diversos pontos do globo, e que não se conhecem senão pela conformidade de crença, não é um sintoma do que será mais tarde? Esse laço é uma consequência natural dos princípios decorrentes do Espiritismo. Ele não pode ser rompido senão pelos que lhe desconhecem a lei fundamental: a caridade para com todos.
Senhor,
Permiti-me vir, em meu nome pessoal e no de meus amigos e irmãos espiritualistas desta cidade, oferecer-vos dois pequenos presentes, como lembrança, não de pessoas que ainda não conheceis e que só têm a honra de vos conhecer por vossas obras, mas que aceitareis como testemunho dos sentimentos de confraternização que devem unir os espiritualistas de todos os países. Aceitá-los-eis, também, por serem uma prova dos fenômenos tão sublimes quão extraordinários do Espiritismo. Aceitareis e lhes dareis a honra de um quadro à nossa boa Sofia, pois é em seu nome e no de sua irmã Angélica que o Espiritismo se desenvolve e se propaga em Constantinopla, esta capital do Oriente, tão comovedora por suas recordações históricas. Verdadeira Torre de Babel, é a cidade que reúne todas as seitas religiosas, todas as nações, e na qual se falam todas as línguas. Imaginai o Espiritismo se propagando de repente em meio a tudo isto... Que imenso ponto de partida! Ainda somos um pequeno número, mas este número aumenta dia a dia, como bola de neve. Espero que dentro de pouco tempo nos contaremos às centenas.
As manifestações por nós obtidas até hoje são o soerguimento das mesas, das quais uma, de mais de 100 quilos, ergue-se como uma pluma acima de nossas cabeças; golpes diretos, batidos por Espíritos; transporte de objetos, etc. Estamos tentando obter aparições de Espíritos, visíveis para todos. Conseguiremos? Eles nos prometeram e nós esperamos. Já temos um grande número de médiuns escreventes; outros fazem desenhos; outros ainda compõem trechos de música, mesmo quando ignoram essas artes. Vimos, ouvimos e estudamos diversos Espíritos de todos os gêneros e qualidades. Alguns de nossos médiuns têm visões e êxtases; outros, mediunizados, executam árias ao piano, inspirados pelos Espíritos. Duas senhoritas que nada viram ou leram sobre o magnetismo, magnetizam toda espécie de males, pela ação dos Espíritos, que as fazem agir da maneira mais científica possível.
Eis, senhor, um resumo do que temos feito no Espiritismo até agora. Para que possais julgar melhor os nossos trabalhos espíritas, eis o resultado de algumas sessões feitas por intermédio da mesa.
(Seguem-se diversas comunicações morais de ordem muito elevada, cuja leitura a Sociedade ouviu com o mais vivo interesse).
Se virdes que essas revelações podem interessar à propagação da nova ciência espiritualista ou espírita, porque para mim, como para meus amigos, o título em nada influi, pois nem muda a forma nem o fundo, terei prazer de vos enviar algumas mensagens instrutivas e concludentes, do ponto de vista da prova das manifestações espirituais.
Em breve todos os espiritualistas do mundo formarão um só feixe, uma só e mesma família. Não somos todos irmãos e filhos do mesmo pai, que é Deus? Eis os primeiros princípios que os espiritualistas devem pregar ao gênero humano, sem distinção de classe, país, língua, seita ou fortuna.
Recebei, etc.
REPOS, advogado.
Esta carta veio acompanhada de um desenho representando uma cabeça de tamanho natural, muito corretamente executado, embora o médium não soubesse desenhar, e de um trecho de música com letra, melodia e acompanhamento de piano, intitulado Espiritualismo. O todo veio com esta dedicatória: “Oferta em nome dos espiritualistas de Constantinopla ao Sr. Allan Kardec, diretor da Revista Espírita, de Paris.”
No trecho de música, só o canto e a letra foram obtidos por via mediúnica. O acompanhamento foi feito por um artista.
Se publicássemos todas as cartas de adesão que recebemos, teríamos que a isto consagrar alguns volumes. Ver-se-ia repetida milhares de vezes uma tocante expressão de reconhecimento à Doutrina Espírita. Por outro lado, muitas dessas cartas são muito íntimas para serem publicadas. As duas que reproduzimos acima têm um interesse geral, como prova da extensão que por todos os lados o Espiritismo conquista, e do ponto de vista sério sob o qual é agora encarado, muito distante, como se vê, do divertimento das mesas girantes. Por toda parte compreendem-lhe as consequências morais e o consideram como a base providencial das reformas prometidas à Humanidade. Sentimo-nos feliz por dar assim um testemunho de simpatia e um encorajamento aos nossos confrades distantes. Esse laço que existe já entre os espíritas dos diversos pontos do globo, e que não se conhecem senão pela conformidade de crença, não é um sintoma do que será mais tarde? Esse laço é uma consequência natural dos princípios decorrentes do Espiritismo. Ele não pode ser rompido senão pelos que lhe desconhecem a lei fundamental: a caridade para com todos.
Desenhos misteriosos - Novo gênero da mediunidade
Sob este título, o Herald of Progress, de Nova Iorque, jornal consagrado a assuntos espiritualistas e dirigido por Andrew Jackson Davies, conta o seguinte:
“A 22 de novembro último, o Dr. Hallock foi convidado, com outras pessoas, à casa da Sra. French, 4º Avenida, n.º 8, para testemunhar diversas manifestações espíritas e ver as evoluções de um lápis. Pelas oito horas, a Sra. French deixou a sala onde o grupo estava reunido e sentou-se num canapé no gabinete ao lado. Não deixou esse lugar durante toda a reunião. Pouco depois de sentar-se, parece ter entrado numa espécie de êxtase, com os olhos fixos e desvairados. Pediu ao Dr. Hallock e ao Prof. Britton que examinassem o quarto. Sobre o leito, defronte do lugar onde ela estava sentada, eles encontraram uma pasta amarrada com uma fita de seda, e uma garrafa de vinho destinado à experiência. O papel que devia servir para experiências de desenhos estava na pasta. Fomos convidados, disse o Dr. Hallock, a não tocar na pasta nem na garrafa. Vários lápis e dois pedaços de goma elástica também estavam sobre a cama, mas em nenhum outro lugar havia desenhos nem papel.
“Após esta busca a Sra. French pediu ao Sr. Cuberton que tomasse a pasta e a levasse para a sala onde estavam os convidados, abrisse-a e tirasse o conteúdo. Havia folhas de papel comum, dentre as quais foram tiradas das mãos do Sr. Cuberton, pela Sra. French, seis folhas de diversos tamanhos, que foram dispostas sobre uma mesa colocada diante dela. Ela pediu alguns alfinetes e, tomando uma tira de papel de 5 ou 6 polegadas de comprimento, que colocou na borda inferior do papel, prendeu as duas bordas do papel à tira. Feito isto, alguém foi solicitado a tomar o papel e fazer que os assistentes o examinassem, segurar a tira e os alfinetes e lhe devolver a folha. A mesmo coisa foi feita com as outras folhas, e a cada vez os alfinetes eram postos em número e em lugares diferentes e cada folha entregue a uma outra pessoa, com o objetivo de reconhecer o papel por meio dos traços, que deviam corresponder aos das tiras. Examinadas todas as folhas e devolvidas à Sra. French, o Sr. Cuberton pegou o vinho e lho entregou. Ela pôs as folhas sobre a mesa, e sobre cada uma delas derramou vinho em quantidade suficiente para a molhar inteiramente, espalhando-o com a palma da mão. Em seguida tratou de enxugá-las, pressionando as folhas uma por uma, virando-as, soprando-as e as agitando no ar. Isto durou alguns minutos. Depois abaixou o pavio do lampião e mandou que os convidados se aproximassem. É preciso dizer que durante o trabalho de molhar as folhas de papel, uma tinha ficado muito seca e foi preciso recomeçar a operação. (O vinho era uma simples mistura de suco de uvas e açúcar, autorizado pelo Estado e produzido em New-England). Então a Sra. French fez regularizar a luz e pediu às pessoas que viessem sentar-se junto à porta onde ela estava. O Sr. Gurney, o Prof. Britton, o Dr. Warner e o Dr. Hallock estavam a seis pés dela e os outros em plena vista.
“Pondo uma das folhas sobre a mesa à sua frente, ela colocou vários lápis entre os dedos. O Dr. Hallock não a perdeu de vista, como havia prometido. Tudo pronto, e a Sra. French, para advertir que a experiência ia começar, exclamou: Time (tempo). Então observou-se um movimento rápido da mão e durante um momento, das duas mãos; ouviu-se um ruído vivamente repetido sobre o papel; os lápis e o papel foram lançados a alguma distância, no chão, por um movimento nervoso. Isto durou vinte e um segundos. O desenho representa um ramo de flores, composto de jacintos, lírios, tulipas, etc.
“Operaram sucessivamente nas outras folhas. O número 2 é também um grupo de flores. O número 3 é um belo cacho de uvas com seu talo, folhas, etc. Foi feito em vinte e um segundos. O número 4 é uma haste e folhas com cinco grupos de frutas semelhantes a damasco. As folhas são uma espécie de musgo. Quando se preparavam para essa folha, a Sra. French perguntou quanto tempo lhe davam para a execução. Uns disseram dez segundos, outros, menos. Bem, disse a Sra. French, quando eu disser um, olhai os vossos relógios. Na palavra quatro o desenho estará terminado. Atenção! Um, dois, três, quatro, e o desenho ficou pronto, isto é, em quatro segundos. O número 5 representa um ramo de groselheira, do qual partem doze cachos de groselhas verdes, com flores e folhas, cercadas de folhas de uma outra espécie. Esse desenho foi apresentado pela Sra. French, que estava em êxtase, ao Sr. Bruckmaster, de Pittsbourg, como vindo do Espírito de sua irmã, em cumprimento da promessa que esta lhe havia feito. O tempo gasto foi de dois segundos. O número 6, que pode ser considerado a obra prima da série, é um desenho de nove polegadas por quatro. Consiste de flores e folhagens brancas sobre fundo escuro, isto é, o desenho é da cor natural do papel e os contornos e os interiores coloridos a lápis. Salvo dois outros desenhos produzidos da mesma maneira em outra ocasião, são sempre a lápis sobre fundo branco. No centro desse grupo de flores e ao pé da página está uma mão com um livro aberto, de uma polegada e um quarto por três quartos. Os cantos não são exatamente em ângulo reto, mas, o que é muito curioso, os furos dos alfinetes, feitos primitivamente para reconhecer o papel, marcam os quatro cantos do livro. No alto da página esquerda está escrito: Gálatas VI e a seguir os seis primeiros versículos e uma parte do décimo sexto desse capítulo, cobrindo quase que as duas páginas, em caracteres muito legíveis com boa luz, a olho nu ou com uma lupa. Contam-se mais de cem palavras bem escritas. O tempo gasto foi de treze segundos. Quando se constatou a coincidência dos buracos do papel com os da tira, a Sra. French, ainda em êxtase, pediu às pessoas presentes que certificassem por escrito o que haviam acabado de ver. Então escreveu-se à margem do desenho: “Executado em treze segundos, em nossa presença, pela Sra. French. Certificado pelos abaixo-assinados, a 22 de novembro de 1860, 4.ª Avenida, n.º 8. Seguem-se dezenove assinaturas”.
Não temos qualquer motivo para duvidar da autenticidade do fato, nem suspeitar da boa-féda Sra. French, que não conhecemos. Mas é de convir que tal maneira de proceder teria algo de pouco convincente para os nossos incrédulos, aos quais não faltariam objeções e diriam que todos os preparativos teriam um ar de familiaridade com os da prestidigitação, que faz isso tudo sem tantos embaraços aparentes. Confessamos concordar um pouco com eles. Que os desenhos tenham sido feitos, é incontestável. Somente a origem não nos parece provada de maneira autêntica. Seja como for, admitindo-se que não tenha havido nenhum truque, incontestavelmente é um fato dos mais curiosos de escrita e desenhos diretos, cuja possibilidade a teoria nos explica. Sem essa teoria, fatos como estes seriam desde logo relegados como fábulas ou passes de mágica. Mas, pelo fato mesmo de nos dar a conhecer as condições nas quais os fenômenos podem produzir-se, ela deve tornarnos tanto mais circunspectos para não aceitá-los senão com boas provas.
Decididamente, os médiuns americanos têm uma especialidade para a produção de fenômenos extraordinários, pois os jornais daquele país estão cheios de fatos do gênero, dos quais estão longe de se aproximarem os médiuns europeus. Assim, do outro lado do Atlântico dizem que ainda estamos muito atrasados em Espiritismo. Quando perguntamos aos Espíritos a razão de tal diferença, eles responderam: “A cada um o seu papel. O vosso não é o mesmo, e Deus não vos deu a parte menor na obra de regeneração”. Considerando o mérito dos médiuns pela rapidez da execução, pela energia e pelo poder dos efeitos, os nossos são fracos ao lado daqueles, contudo, conhecemos muitos que não trocariam as simples e consoladoras comunicações que recebem, pelos prodígios dos médiuns americanos. Elas bastam para lhes dar fé, e eles preferem o que toca a alma ao que lhes fere os olhos; a moral que consola e torna melhor, aos fenômenos que causam admiração. Por um instante, na Europa, preocuparam-se com os fatos materiais, mas logo os deixaram de lado pela Filosofia, que abre um campo mais vasto ao pensamento e tende para o objetivo final e providencial do Espiritismo: a regeneração social. Cada povo tem seu gênio particular e suas tendências especiais, e cada um, nos limites que lhe são traçados, concorre para os planos da Providência. O mais adiantado será o que marchar mais rapidamente na via do progresso moral, porque é este que mais se aproximará dos desígnios de Deus.
Exploração do Espiritismo
A América do Norte reivindica, a justo título, a honra de ter sido a primeira, nos últimos tempos, a revelar as manifestações de além-túmulo. Por que deveria ser ela a primeira a dar o exemplo do tráfico e por que, nesse povo tão adiantado sob vários aspectos, e tão merecedor de nossas simpatias, o instinto mercantilista não estacou no limiar da vida eterna? Lendo-se os seus jornais, a cada passo encontramse anúncios como estes:
“Senhora S. E. Royers, sonâmbula, médium-médica, cura psicologicamente por simpatia. Tratamento comum, se necessário. ─ Descrição da fisionomia, da moralidade e do Espírito das pessoas. Das 10 ao meio-dia; das 2 às 5; das 7 às 10 da noite, exceto às sextas, sábados e domingos, a não ser por ajuste prévio. Preço: 1 dólar por hora (5,42 francos).”
Pensamos que a simpatia dessa médium pelos doentes está na razão direta do número de dólares pagos. Parece supérfluo dar os endereços.
“Sra. E. C. Morris, médium escrevente; das 10 às 12 horas; das 2 às 4 e das 7 às 9 da noite.”
“J. B. Conklin, médium. Recebe visitas em seus salões todos os dias e todas as noites. Atende a domicílio”.
“A. C. Styles, médium lúcido, garante diagnóstico exato da doença da pessoa presente, sob perda dos honorários. Regras estritamente observadas: Para um exame lúcido e prescrições, com a pessoa presente, 2 dólares; para descrições psicométricas dos caracteres, 3 dólares. Não esquecer que as consultas são pagas adiantadamente.”
“Aos amadores do Espiritualismo. Sra. Beck, médium crisíaco, falando, soletrando, batendo e raspando. Os verdadeiros observadores podem consultá-la das 9 da manhã às 10 da noite em sua casa. Um médium batedor muito poderoso está associado à Sra. Beck”.
Pensam que tal comércio seja feito apenas por especuladores obscuros e ignorantes? Eis a prova em contrário:
“O Dr. G. A. Redman, médium experimentado, está de volta à cidade de Nova Iorque. É encontrado em seu domicílio, onde recebe como antes.”
O tráfico do Espiritualismo estendeu-se até os objetos comuns. Assim, lemos no Spiritual Telegraph, de Nova Iorque, o anúncio dos “Fósforos Espirituais, nova invenção sem fricção e sem cheiro”.
O que é mais notável para o país que faz esses anúncios, é o artigo seguinte, que encontramos no Weekly American, de Baltimore, de 5 de fevereiro de 1859:
“Estatística do Espiritualismo. O Spiritual Register, de 1859, avalia o número dos espiritualistas nos Estados Unidos em 1.284.000. Em Maryland há 8.000. O número total no mundo é estimado em 1.900.000. O Register conta 1.000 oradores espiritualistas; 40.000 médiuns públicos e privados; 500 livros e brochuras; 6 jornais hebdomadários, 4 mensais e 3 quinzenais, consagrados a essa causa.”
Os médiuns especuladores ganharam a Inglaterra. Em Londres contam-se diversos que não cobram menos que um guinéu (1,25 franco) por sessão. Esperamos que se tentarem introduzir-se na França, o bom-senso dos verdadeiros espíritas lhes faça justiça.
A produção de efeitos materiais excita mais a curiosidade do que toca o coração. Daí, nos médiuns com aptidão especial para tais efeitos, uma propensão para explorar essa curiosidade. Os que apenas recebem comunicações morais de uma ordem elevada têm uma instintiva repugnância por tudo quanto cheira a especulação desse gênero. Para isso há nos primeiros um duplo motivo: inicialmente, é que a exploração da curiosidade é mais lucrativa, porque são abundantes os curiosos em todos os países; em segundo lugar os fenômenos físicos, agindo menos sobre o moral, neles há menos escrúpulos. A seus olhos, sua faculdade é um dom que deve fazê-los viver, como uma bela voz para um cantor. A questão moral é secundária ou nula. Assim, uma vez neste caminho, o interesse do ganho desenvolve o gênio da astúcia. Como é preciso ganhar dinheiro, não se quer perder a reputação de habilidade e ficar para trás. Aliás, quem sabe se o cliente que vem hoje voltará amanhã? Então é preciso satisfazê-lo a qualquer preço. Se o Espírito não o satisfaz, o médium o faz, o que de certo modo é mais fácil para as coisas materiais do que para as comunicações inteligentes, de alto alcance moral e filosófico. Para os primeiros, a prestidigitação tem recursos que minguam absolutamente aos últimos. Eis por que dizemos que antes de tudo é preciso considerar a moralidade do médium; que a melhor garantia contra a trapaça está em seu caráter, sua honorabilidade, seu desinteresse absoluto. Em qualquer parte onde resvala a sombra do interesse, por menor que seja, tem-se o direito de suspeitar. A fraude é sempre culposa, mas quando se liga às coisas de ordem moral, ela é sacrílega. Aquele que, conhecendo o Espiritismo apenas de nome, procura imitar-lhe os efeitos, não é mais repreensível que o saltimbanco que imita as experiências do sábio físico. Sem dúvida seria melhor que isto não acontecesse, mas, na verdade, ele não engana a ninguém, pois não faz mistério de sua condição. Ele apenas oculta os meios. O mesmo não se dá com aquele que conhece a santidade daquilo que ele imita com ignóbil objetivo de mistificação. Isso é mais do que uma fraude. É hipocrisia, pois ele se passa por aquilo que ele não é. Ele é ainda mais culpado se realmente possuindo algumas faculdades, delas se serve para melhor abusar da confiança que lhe dão. Mas Deus sabe o que lhe é reservado, talvez mesmo aqui na Terra. Se os falsos médiuns só fizessem mal a si próprios, haveria um meio-mal. O pior são as armas que fornecem aos incrédulos e o descrédito que lançam sobre a causa no espírito dos indecisos, quando reconhecida a fraude. Não contestamos as faculdades, mesmo poderosas, de certos médiuns mercenários, mas dizemos que o interesse do ganho é uma tentação de fraude, que deve inspirar desconfiança, tanto mais legítima quanto não se pode ver nessa exploração um excesso de zelo apenas pelo bem da causa. Ainda que não houvesse fraude, nem por isso a censura deveria deixar de atingir aquele que especula com uma coisa tão sagrada quanto as almas dos mortos.
“Senhora S. E. Royers, sonâmbula, médium-médica, cura psicologicamente por simpatia. Tratamento comum, se necessário. ─ Descrição da fisionomia, da moralidade e do Espírito das pessoas. Das 10 ao meio-dia; das 2 às 5; das 7 às 10 da noite, exceto às sextas, sábados e domingos, a não ser por ajuste prévio. Preço: 1 dólar por hora (5,42 francos).”
Pensamos que a simpatia dessa médium pelos doentes está na razão direta do número de dólares pagos. Parece supérfluo dar os endereços.
“Sra. E. C. Morris, médium escrevente; das 10 às 12 horas; das 2 às 4 e das 7 às 9 da noite.”
“J. B. Conklin, médium. Recebe visitas em seus salões todos os dias e todas as noites. Atende a domicílio”.
“A. C. Styles, médium lúcido, garante diagnóstico exato da doença da pessoa presente, sob perda dos honorários. Regras estritamente observadas: Para um exame lúcido e prescrições, com a pessoa presente, 2 dólares; para descrições psicométricas dos caracteres, 3 dólares. Não esquecer que as consultas são pagas adiantadamente.”
“Aos amadores do Espiritualismo. Sra. Beck, médium crisíaco, falando, soletrando, batendo e raspando. Os verdadeiros observadores podem consultá-la das 9 da manhã às 10 da noite em sua casa. Um médium batedor muito poderoso está associado à Sra. Beck”.
Pensam que tal comércio seja feito apenas por especuladores obscuros e ignorantes? Eis a prova em contrário:
“O Dr. G. A. Redman, médium experimentado, está de volta à cidade de Nova Iorque. É encontrado em seu domicílio, onde recebe como antes.”
O tráfico do Espiritualismo estendeu-se até os objetos comuns. Assim, lemos no Spiritual Telegraph, de Nova Iorque, o anúncio dos “Fósforos Espirituais, nova invenção sem fricção e sem cheiro”.
O que é mais notável para o país que faz esses anúncios, é o artigo seguinte, que encontramos no Weekly American, de Baltimore, de 5 de fevereiro de 1859:
“Estatística do Espiritualismo. O Spiritual Register, de 1859, avalia o número dos espiritualistas nos Estados Unidos em 1.284.000. Em Maryland há 8.000. O número total no mundo é estimado em 1.900.000. O Register conta 1.000 oradores espiritualistas; 40.000 médiuns públicos e privados; 500 livros e brochuras; 6 jornais hebdomadários, 4 mensais e 3 quinzenais, consagrados a essa causa.”
Os médiuns especuladores ganharam a Inglaterra. Em Londres contam-se diversos que não cobram menos que um guinéu (1,25 franco) por sessão. Esperamos que se tentarem introduzir-se na França, o bom-senso dos verdadeiros espíritas lhes faça justiça.
A produção de efeitos materiais excita mais a curiosidade do que toca o coração. Daí, nos médiuns com aptidão especial para tais efeitos, uma propensão para explorar essa curiosidade. Os que apenas recebem comunicações morais de uma ordem elevada têm uma instintiva repugnância por tudo quanto cheira a especulação desse gênero. Para isso há nos primeiros um duplo motivo: inicialmente, é que a exploração da curiosidade é mais lucrativa, porque são abundantes os curiosos em todos os países; em segundo lugar os fenômenos físicos, agindo menos sobre o moral, neles há menos escrúpulos. A seus olhos, sua faculdade é um dom que deve fazê-los viver, como uma bela voz para um cantor. A questão moral é secundária ou nula. Assim, uma vez neste caminho, o interesse do ganho desenvolve o gênio da astúcia. Como é preciso ganhar dinheiro, não se quer perder a reputação de habilidade e ficar para trás. Aliás, quem sabe se o cliente que vem hoje voltará amanhã? Então é preciso satisfazê-lo a qualquer preço. Se o Espírito não o satisfaz, o médium o faz, o que de certo modo é mais fácil para as coisas materiais do que para as comunicações inteligentes, de alto alcance moral e filosófico. Para os primeiros, a prestidigitação tem recursos que minguam absolutamente aos últimos. Eis por que dizemos que antes de tudo é preciso considerar a moralidade do médium; que a melhor garantia contra a trapaça está em seu caráter, sua honorabilidade, seu desinteresse absoluto. Em qualquer parte onde resvala a sombra do interesse, por menor que seja, tem-se o direito de suspeitar. A fraude é sempre culposa, mas quando se liga às coisas de ordem moral, ela é sacrílega. Aquele que, conhecendo o Espiritismo apenas de nome, procura imitar-lhe os efeitos, não é mais repreensível que o saltimbanco que imita as experiências do sábio físico. Sem dúvida seria melhor que isto não acontecesse, mas, na verdade, ele não engana a ninguém, pois não faz mistério de sua condição. Ele apenas oculta os meios. O mesmo não se dá com aquele que conhece a santidade daquilo que ele imita com ignóbil objetivo de mistificação. Isso é mais do que uma fraude. É hipocrisia, pois ele se passa por aquilo que ele não é. Ele é ainda mais culpado se realmente possuindo algumas faculdades, delas se serve para melhor abusar da confiança que lhe dão. Mas Deus sabe o que lhe é reservado, talvez mesmo aqui na Terra. Se os falsos médiuns só fizessem mal a si próprios, haveria um meio-mal. O pior são as armas que fornecem aos incrédulos e o descrédito que lançam sobre a causa no espírito dos indecisos, quando reconhecida a fraude. Não contestamos as faculdades, mesmo poderosas, de certos médiuns mercenários, mas dizemos que o interesse do ganho é uma tentação de fraude, que deve inspirar desconfiança, tanto mais legítima quanto não se pode ver nessa exploração um excesso de zelo apenas pelo bem da causa. Ainda que não houvesse fraude, nem por isso a censura deveria deixar de atingir aquele que especula com uma coisa tão sagrada quanto as almas dos mortos.
Variedades
O relato seguinte é extraído do Spiritual Magazine, de Londres, número de abril de 1861.
“O Sr. O..., gentil-homem de Glocestershire, jamais tinha tido visões até quando mudou-se para P..., a 3 de outubro de 1859. Cerca de quinze dias após sua chegada, começou a vê-las à noite. A princípio eram raios de luz, que vinham iluminar o seu quarto, passando pela janela. Dava-lhes pouca atenção, atribuindo-os à lanterna do guarda ou a um longo relâmpago. Contudo, uma noite em que fixava os olhos na parede, viu formar-se uma rosa e depois estrelas de várias formas. Outra noite viu na misteriosa luz dois anjos magníficos tocando trombeta. Nessa noite o Sr. O... se havia recolhido mais cedo que de costume, por força de ligeiro incômodo que sentia. A presença dos dois anjos, que durou um ou dois segundos, lhe fez experimentar suave sensação, que persistiu mesmo depois de sua partida.
“Na semana seguinte, a mesma luz lhe apareceu com a figura de um menino, que abraçava um gatinho. Várias outras figuras também apareceram, mas muito obscuras para serem distinguidas. Em março viu o perfil de uma senhora, envolta num círculo luminoso. Reconheceu sua mãe e exclamou alegre: “Minha mãe! Minha mãe!” mas a visão logo se extinguiu. Na mesma noite viu uma bela senhora com vestido de passeio e chapéu.
“Uma ou duas noites depois viu um bonito cachorrinho e um meninote. A seguir apareceu-lhe uma luz, semelhante à de uma janela cujo contorno não estivesse bem delineado, o que se repetiu quatro vezes e, nas três primeiras, durante cerca de meio minuto. O Sr. O... recolheu-se e procurou decifrar o sentido dessa visão e pensou que ela significasse que ele não tinha mais que três anos ou três meses de vida. A luz voltou ainda uma vez. O Sr. O... levantou-se e a luz desapareceu ao cabo de um minuto.
“A 3 de abril viu uma luz produzindo o efeito de uma fenda luminosa e, no interior do quarto, uma parte do rosto de um homem, do qual só a fronte, os olhos e o nariz eram visíveis. Os olhos, muito grandes e salientes, o fitavam fixamente. Logo desapareceu. Nas datas que seguem ainda teve as visões seguintes:
“4 de abril. ─ Rosto e busto de uma senhora que sorria para duas crianças que se abraçavam. Pouco depois era o alto da cabeça de um homem que o Sr. O... reconheceu pelo cabelo e pela fronte como um de seus amigos, falecido recentemente.
“27 de julho. ─ Uma mão, dirigida para baixo. A princípio ela apareceu sobre a parede como uma luz fosforescente e gradualmente tomou forma de mão. Então ele viu uma cabeça de homem idoso, pertencente à mão, e um passarinho cinzento de penas claras. O rosto o olhava com ar solene, mas desapareceu; isto lhe causou um certo medo e tremor, mas ao mesmo tempo agradável sensação de calor. Viu também um rolo de papel no qual havia hieróglifos.
“12 de dezembro. ─ Um pássaro em seu ninho, alimentando os filhotes.
“13 de dezembro. ─ Duas cabeças de leopardos.
“15 de dezembro. ─ Forte pancada foi ouvida pela Srta. S... em seu quarto, e que despertou o Sr. O..., profundamente adormecido.
“16 de dezembro. ─ Toque de sinos, ouvido também pela Srta. S... ─ Um anjo com uma criança brilhante, que se transformaram em flores. ─ Uma cabeça de cervo, com grandes chifres.
“18 de dezembro. — Alguns rostos e dois pombos.
“20 de dezembro. ─ Vários rostos de homens, mulheres e crianças.
“1.º de janeiro. ─ Um grande navio, atrás do qual se ergue gradualmente uma cabeça de criança, que voa para a frente.
“3 de janeiro. ─ Um querubim e uma criança.
“Uma noite ele viu um quadro representando soberba paisagem. Era como uma clareira na obscuridade; via prados, campos, árvores, etc., um homem passeando e uma vaca. A mais bela claridade do sol iluminava a paisagem. O que há de particular nessas visões luminosas é que muitas vezes a luz clareia todo o quarto, de modo a deixar ver os móveis como em pleno dia. Quando ela desaparece tudo entra na obscuridade.
“O Sr. O... teve muitas outras visões que deixou de anotar.”
Parece-nos que há o suficiente para nos permitir uma apreciação e não pensamos que ninguém esclarecido sobre a causa e a natureza dos fenômenos espíritas possa considerá-las como verdadeiras aparições. Se se reportarem ao primeiro artigo deste número, no qual tentamos determinar o caráter da alucinação, compreenderão a analogia que ela tem com as figuras que se apresentam, muitas vezes em meio-sono, e que devem ter as mesmas causas. Disto estaríamos convencidos pelo simples fato da multiplicidade de animais vistos. Sabe-se que não há Espíritos de animais errantes no mundo invisível e que, consequentemente, não pode haver aparições de animais, salvo o caso em que um Espírito fizesse surgir uma aparência desse gênero, com um objetivo determinado, o que não passaria, sempre, de uma aparência, e não o Espírito real de tal ou qual animal. O fato das aparições é incontestável, mas é preciso guardar-se de vê-las em toda parte e de tomar como tais o jogo de certas imaginações facilmente exaltáveis, ou a visão retrospectiva das imagens estampadas no cérebro. A própria minúcia com que o Sr. O... revela certas particularidades insignificantes é um indício da natureza das preocupações de seu espírito.
Em resumo, nada encontramos nas visões do Sr. O... que tenha o caráter das aparições propriamente ditas e cremos muito inconveniente mencionar semelhantes fatos sem comentários e sem as prudentes reservas, porque, sem o querer, fornecemse armas à crítica.
“O Sr. O..., gentil-homem de Glocestershire, jamais tinha tido visões até quando mudou-se para P..., a 3 de outubro de 1859. Cerca de quinze dias após sua chegada, começou a vê-las à noite. A princípio eram raios de luz, que vinham iluminar o seu quarto, passando pela janela. Dava-lhes pouca atenção, atribuindo-os à lanterna do guarda ou a um longo relâmpago. Contudo, uma noite em que fixava os olhos na parede, viu formar-se uma rosa e depois estrelas de várias formas. Outra noite viu na misteriosa luz dois anjos magníficos tocando trombeta. Nessa noite o Sr. O... se havia recolhido mais cedo que de costume, por força de ligeiro incômodo que sentia. A presença dos dois anjos, que durou um ou dois segundos, lhe fez experimentar suave sensação, que persistiu mesmo depois de sua partida.
“Na semana seguinte, a mesma luz lhe apareceu com a figura de um menino, que abraçava um gatinho. Várias outras figuras também apareceram, mas muito obscuras para serem distinguidas. Em março viu o perfil de uma senhora, envolta num círculo luminoso. Reconheceu sua mãe e exclamou alegre: “Minha mãe! Minha mãe!” mas a visão logo se extinguiu. Na mesma noite viu uma bela senhora com vestido de passeio e chapéu.
“Uma ou duas noites depois viu um bonito cachorrinho e um meninote. A seguir apareceu-lhe uma luz, semelhante à de uma janela cujo contorno não estivesse bem delineado, o que se repetiu quatro vezes e, nas três primeiras, durante cerca de meio minuto. O Sr. O... recolheu-se e procurou decifrar o sentido dessa visão e pensou que ela significasse que ele não tinha mais que três anos ou três meses de vida. A luz voltou ainda uma vez. O Sr. O... levantou-se e a luz desapareceu ao cabo de um minuto.
“A 3 de abril viu uma luz produzindo o efeito de uma fenda luminosa e, no interior do quarto, uma parte do rosto de um homem, do qual só a fronte, os olhos e o nariz eram visíveis. Os olhos, muito grandes e salientes, o fitavam fixamente. Logo desapareceu. Nas datas que seguem ainda teve as visões seguintes:
“4 de abril. ─ Rosto e busto de uma senhora que sorria para duas crianças que se abraçavam. Pouco depois era o alto da cabeça de um homem que o Sr. O... reconheceu pelo cabelo e pela fronte como um de seus amigos, falecido recentemente.
“27 de julho. ─ Uma mão, dirigida para baixo. A princípio ela apareceu sobre a parede como uma luz fosforescente e gradualmente tomou forma de mão. Então ele viu uma cabeça de homem idoso, pertencente à mão, e um passarinho cinzento de penas claras. O rosto o olhava com ar solene, mas desapareceu; isto lhe causou um certo medo e tremor, mas ao mesmo tempo agradável sensação de calor. Viu também um rolo de papel no qual havia hieróglifos.
“12 de dezembro. ─ Um pássaro em seu ninho, alimentando os filhotes.
“13 de dezembro. ─ Duas cabeças de leopardos.
“15 de dezembro. ─ Forte pancada foi ouvida pela Srta. S... em seu quarto, e que despertou o Sr. O..., profundamente adormecido.
“16 de dezembro. ─ Toque de sinos, ouvido também pela Srta. S... ─ Um anjo com uma criança brilhante, que se transformaram em flores. ─ Uma cabeça de cervo, com grandes chifres.
“18 de dezembro. — Alguns rostos e dois pombos.
“20 de dezembro. ─ Vários rostos de homens, mulheres e crianças.
“1.º de janeiro. ─ Um grande navio, atrás do qual se ergue gradualmente uma cabeça de criança, que voa para a frente.
“3 de janeiro. ─ Um querubim e uma criança.
“Uma noite ele viu um quadro representando soberba paisagem. Era como uma clareira na obscuridade; via prados, campos, árvores, etc., um homem passeando e uma vaca. A mais bela claridade do sol iluminava a paisagem. O que há de particular nessas visões luminosas é que muitas vezes a luz clareia todo o quarto, de modo a deixar ver os móveis como em pleno dia. Quando ela desaparece tudo entra na obscuridade.
“O Sr. O... teve muitas outras visões que deixou de anotar.”
Parece-nos que há o suficiente para nos permitir uma apreciação e não pensamos que ninguém esclarecido sobre a causa e a natureza dos fenômenos espíritas possa considerá-las como verdadeiras aparições. Se se reportarem ao primeiro artigo deste número, no qual tentamos determinar o caráter da alucinação, compreenderão a analogia que ela tem com as figuras que se apresentam, muitas vezes em meio-sono, e que devem ter as mesmas causas. Disto estaríamos convencidos pelo simples fato da multiplicidade de animais vistos. Sabe-se que não há Espíritos de animais errantes no mundo invisível e que, consequentemente, não pode haver aparições de animais, salvo o caso em que um Espírito fizesse surgir uma aparência desse gênero, com um objetivo determinado, o que não passaria, sempre, de uma aparência, e não o Espírito real de tal ou qual animal. O fato das aparições é incontestável, mas é preciso guardar-se de vê-las em toda parte e de tomar como tais o jogo de certas imaginações facilmente exaltáveis, ou a visão retrospectiva das imagens estampadas no cérebro. A própria minúcia com que o Sr. O... revela certas particularidades insignificantes é um indício da natureza das preocupações de seu espírito.
Em resumo, nada encontramos nas visões do Sr. O... que tenha o caráter das aparições propriamente ditas e cremos muito inconveniente mencionar semelhantes fatos sem comentários e sem as prudentes reservas, porque, sem o querer, fornecemse armas à crítica.
Os Espíritos e a gramática
Grave erro de gramática foi descoberto no Livro dos Espíritos por um profundo crítico, que nos dirigiu a seguinte nota:
“Leio à página 384, § 911, linha 23, em vosso Livro dos Espíritos: ‘Há muitas pessoas que dizem: Quero; mas a vontade apenas está nos lábios; eles querem e ficam bem contentes que assim não seja.’ Se tivésseis escrito: ‘Elas querem e ficam bem contentes que assim não seja’, não credes que o francês teria lucrado? Eu seria levado a pensar que o vosso Espírito protetor escrevente seja um farsista, que vos leva a cometer erros de linguagem. Apressai-vos em puni-lo e, sobretudo, em corrigi-lo.”
Lamentamos não poder enviar os nossos agradecimentos ao autor da observação. Mas, sem dúvida, é por modéstia e para se furtar ao testemunho de nosso reconhecimento que ele esqueceu de dar nome e endereço, e limitou-se a assinar: Um Espírito protetor da língua francesa. Como parece que esse senhor, ou esse Espírito, se dá ao trabalho de ler nossas obras, pedimos aos bons Espíritos que ponham nossa resposta sob os seus olhos.
É evidente que esse senhor sabe que o substantivo pessoa é do feminino e que os adjetivos e os pronomes concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem. Infelizmente nem tudo se aprende na escola, sobretudo em questões da língua francesa. Se esse senhor, que se declara protetor de nossa língua, tivesse transposto os limites da gramática de Lhomond, saberia que se encontra em Regnard a seguinte frase: “Embora essas três pessoas tivessem interesses muito diferentes, eles estavam, não obstante, atormentados pela mesma paixão.” E esta outra em Vaugelas: “As pessoas consumidas na virtude, em todas as coisas têm uma retidão de espírito e uma atenção judiciosa que as impede de ser murmuradores.” Daí a regra que se encontra na Grammaire normale des Examens, pelos Srs. Lévi Alvarès e Rivail, na de Boniface, etc.:
“Às vezes emprega-se, por silepse, o pronome il (ele) para substituir o substantivo personne (pessoa), embora este último seja feminino. Tal concordância só pode se dar quando, no pensamento, o vocábulo personne não representa exclusivamente mulheres e, além disso, quando il está bastante afastado para que o ouvido não seja ferido.”
A respeito do pronome personne (ninguém)[1], que é masculino, encontra-se em Boniface a seguinte observação: “Contudo, quando o pronome personne designa especialmente uma mulher, o adjetivo que a ele se refere pode ser posto no feminino. Pode-se dizer: Personne n’est plus jolie que Rosine (Ninguém é mais bonita que Rosina).
Os Espíritos que ditaram a frase em questão não são tão ignorantes quanto pretende aquele senhor. Estaríamos mesmo tentado a crer que sabem bem mais que ele, embora em geral não se preocupem muito com a correção gramatical, a exemplo de muitos dos nossos sábios, que não são todos grandes autoridades em ortografia.
Moral da história: É bom saber antes de criticar.
Seja como for, para acalmar os escrúpulos dos que não sabem muito, e pudessem julgar a doutrina em perigo por um erro de linguagem, real ou suposto, nós alteramos a redação na quinta edição do Livro dos Espíritos, que acaba de ser lançada, porque:
... Sem maiores problemas, aos rimadores audaciosos o uso ainda permite, creio, a escolha entre os dois.
... Sans peine, aux rimeurs hasardeux L’usage encor, je-crois, laisse le choix des deux.
É realmente um prazer ver o trabalho a que se dão os adversários do Espiritismo para atacá-lo com todas as armas que lhes vêm às mãos. Mas o que há de singular é que, apesar da porção de dardos que lhe atiram; apesar das pedras semeadas em seu caminho; apesar das armadilhas que lhe armam para desviá-lo de seu objetivo, ninguém encontrou o meio de deter a sua marcha e ele ganha um terreno desesperador para os que julgam abatê-lo com piparotes. Depois dos piparotes, os atletas de folhetim experimentaram as cacetadas, mas ele não se abateu. Pelo contrário, avançou mais rápido.
[1] Em francês, a palavra personne significa pessoa (substantivo) e ninguém (pronome).
“Leio à página 384, § 911, linha 23, em vosso Livro dos Espíritos: ‘Há muitas pessoas que dizem: Quero; mas a vontade apenas está nos lábios; eles querem e ficam bem contentes que assim não seja.’ Se tivésseis escrito: ‘Elas querem e ficam bem contentes que assim não seja’, não credes que o francês teria lucrado? Eu seria levado a pensar que o vosso Espírito protetor escrevente seja um farsista, que vos leva a cometer erros de linguagem. Apressai-vos em puni-lo e, sobretudo, em corrigi-lo.”
Lamentamos não poder enviar os nossos agradecimentos ao autor da observação. Mas, sem dúvida, é por modéstia e para se furtar ao testemunho de nosso reconhecimento que ele esqueceu de dar nome e endereço, e limitou-se a assinar: Um Espírito protetor da língua francesa. Como parece que esse senhor, ou esse Espírito, se dá ao trabalho de ler nossas obras, pedimos aos bons Espíritos que ponham nossa resposta sob os seus olhos.
É evidente que esse senhor sabe que o substantivo pessoa é do feminino e que os adjetivos e os pronomes concordam em gênero e número com o substantivo a que se referem. Infelizmente nem tudo se aprende na escola, sobretudo em questões da língua francesa. Se esse senhor, que se declara protetor de nossa língua, tivesse transposto os limites da gramática de Lhomond, saberia que se encontra em Regnard a seguinte frase: “Embora essas três pessoas tivessem interesses muito diferentes, eles estavam, não obstante, atormentados pela mesma paixão.” E esta outra em Vaugelas: “As pessoas consumidas na virtude, em todas as coisas têm uma retidão de espírito e uma atenção judiciosa que as impede de ser murmuradores.” Daí a regra que se encontra na Grammaire normale des Examens, pelos Srs. Lévi Alvarès e Rivail, na de Boniface, etc.:
“Às vezes emprega-se, por silepse, o pronome il (ele) para substituir o substantivo personne (pessoa), embora este último seja feminino. Tal concordância só pode se dar quando, no pensamento, o vocábulo personne não representa exclusivamente mulheres e, além disso, quando il está bastante afastado para que o ouvido não seja ferido.”
A respeito do pronome personne (ninguém)[1], que é masculino, encontra-se em Boniface a seguinte observação: “Contudo, quando o pronome personne designa especialmente uma mulher, o adjetivo que a ele se refere pode ser posto no feminino. Pode-se dizer: Personne n’est plus jolie que Rosine (Ninguém é mais bonita que Rosina).
Os Espíritos que ditaram a frase em questão não são tão ignorantes quanto pretende aquele senhor. Estaríamos mesmo tentado a crer que sabem bem mais que ele, embora em geral não se preocupem muito com a correção gramatical, a exemplo de muitos dos nossos sábios, que não são todos grandes autoridades em ortografia.
Moral da história: É bom saber antes de criticar.
Seja como for, para acalmar os escrúpulos dos que não sabem muito, e pudessem julgar a doutrina em perigo por um erro de linguagem, real ou suposto, nós alteramos a redação na quinta edição do Livro dos Espíritos, que acaba de ser lançada, porque:
... Sem maiores problemas, aos rimadores audaciosos o uso ainda permite, creio, a escolha entre os dois.
... Sans peine, aux rimeurs hasardeux L’usage encor, je-crois, laisse le choix des deux.
É realmente um prazer ver o trabalho a que se dão os adversários do Espiritismo para atacá-lo com todas as armas que lhes vêm às mãos. Mas o que há de singular é que, apesar da porção de dardos que lhe atiram; apesar das pedras semeadas em seu caminho; apesar das armadilhas que lhe armam para desviá-lo de seu objetivo, ninguém encontrou o meio de deter a sua marcha e ele ganha um terreno desesperador para os que julgam abatê-lo com piparotes. Depois dos piparotes, os atletas de folhetim experimentaram as cacetadas, mas ele não se abateu. Pelo contrário, avançou mais rápido.
[1] Em francês, a palavra personne significa pessoa (substantivo) e ninguém (pronome).
Dissertações e ensinos espíritas - Por ditados espontâneos
Papel dos médiuns nas comunicações (Obtido pelo Sr. D'Ambel, médium da sociedade)Seja qual for a natureza dos médiuns escreventes, sejam mecânicos, semimecânicos ou simplesmente intuitivos, nossos processos de comunicação com eles não variam essencialmente. Com efeito, comunicamo-nos com os Espíritos encarnados, como com os Espíritos propriamente ditos, pela simples irradiação de nosso pensamento.
Nossos pensamentos não necessitam da vestimenta da palavra para ser compreendidos pelos Espíritos, e todos eles percebem o pensamento que lhes desejamos comunicar, simplesmente por lhes dirigirmos esse pensamento, e em razão de suas faculdades intelectuais. Isto significa que tal pensamento pode ser compreendido por tais ou quais, conforme o seu adiantamento, ao passo que em outros, tal pensamento, não despertando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento no fundo de seu coração ou de seu cérebro jamais é por eles percebido. Neste caso, o Espírito encarnado que nos serve de médium é mais adequado a transmitir o nosso pensamento aos outros encarnados, embora não o compreenda, do que um Espírito desencarnado e pouco adiantado poderia fazer, se fôssemos forçados a recorrer à sua intervenção, porque o ser terreno põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, coisa que o Espírito errante não pode fazer.
Assim, quando encontramos num médium o cérebro aparelhado de conhecimentos adquiridos na vida atual e o Espírito rico de conhecimentos anteriores latentes, adequados a facilitar nossas comunicações, dele nos servimos de preferência, porque com ele o fenômeno da comunicação nos é muito mais fácil do que com um médium cuja inteligência fosse limitada, e cujos conhecimentos anteriores fossem insuficientes. Vamo-nos fazer compreender por algumas explicações claras e precisas.
Com um médium cuja inteligência atual ou anterior se ache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade própria à essência mesma do Espírito. Neste caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios para revestir nosso pensamento com a vestimenta da palavra que a ele corresponde, e isso quer seja o médium intuitivo, semimecânico ou mecânico puro. Eis por que, seja qual for a diversidade dos Espíritos que se comunicam com um médium, os ditados obtidos, embora de Espíritos diversos, têm na forma e no tom o cunho pessoal do médium. Sim, embora o pensamento lhe seja inteiramente estranho; embora o assunto surja de seu próprio meio habitual e embora o que lhe desejamos dizer não provenha dele de maneira alguma, nem por isso ele influencia menos a forma, pelas qualidades e propriedades inerentes a sua individualidade. É precisamente como se olhásseis diferentes paisagens com lunetas multicores, verdes, brancas ou azuis. Embora essas paisagens ou objetos observados sejam inteiramente opostos e independentes uns dos outros, nem por isso deixam de ter um tom que provém da cor das lunetas. Ou melhor, comparemos os médiuns a esses vidros cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se veem nas farmácias. Ora, nós somos como as luzes que esclarecem certos pontos de vista morais, filosóficos e íntimos, através dos médiuns azuis, verdes ou vermelhos, de tal modo que nossos raios luminosos, obrigados a passar através dos vidros mais ou menos bem lapidados, mais ou menos transparentes, isto é, por médiuns mais ou menos inteligentes, não chegam aos objetos que queremos iluminar senão tomando a coloração, ou melhor, a forma própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar por uma última comparação, nós, Espíritos, somos como compositores de música que compusemos ou que queremos improvisar uma ária e não temos à mão senão um piano, um violino, uma flauta, um contrabaixo ou um apito barato. É incontestável que com o piano, com a flauta ou o com violino executaremos nosso trecho de maneira mais compreensível para os ouvintes. Embora os sons do piano, do contrabaixo ou da clarineta sejam essencialmente diferentes uns dos outros, nossa composição não deixará de ser a mesma, salvo as nuanças do som. Mas se dispusermos apenas de um apito barato ou de um funil, aí estará a nossa dificuldade.
Com efeito, quando obrigados a usar um médium pouco adiantado, nosso trabalho é muito maior, muito mais penoso, pois somos obrigados a recorrer a formas incompletas, o que nos é uma complicação, porque, dessa forma, somos forçados a decompor nosso pensamento e a proceder palavra por palavra, letra por letra, o que nos é um aborrecimento, uma fadiga e um verdadeiro entrave à presteza e ao desenvolvimento de nossas manifestações.
Eis por que nos sentimos felizes ao encontrar médiuns bem apropriados, bem equipados, munidos do material pronto para ser usado, numa palavra bons instrumentos, porque então nosso perispírito, agindo sobre o perispírito daquele que mediunizamos, só tem que dar o impulso à mão que nos serve de porta-caneta ou de porta-lápis, ao passo que com os médiuns insuficientes somos obrigados a fazer um trabalho análogo ao que faríamos quando nos comunicássemos por batidas, isto é, designando letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que queremos transmitir.
É por estas razões que nos dirigimos de preferência às classes esclarecidas e instruídas, para a divulgação do Espiritismo e o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, os mais rebeldes e os mais imorais. Assim como hoje deixamos aos Espíritos pelotiqueiros e pouco adiantados o exercício das comunicações tangíveis de batidas e transportes, também os homens pouco sérios entre vós preferem ver fenômenos que ferem a vista e os ouvidos ao invés dos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.
Quando queremos proceder por ditados espontâneos, agimos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e reunimos nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e tudo isto malgrado seu. É como se tirássemos de seu bolso o dinheiro que ele carrega e classificássemos as moedas segundo a ordem que mais nos conviesse.
Mas quando o próprio médium nos quer interrogar desta ou daquela maneira, é bom que reflita seriamente, a fim de nos interrogar de modo metódico, assim nos facilitando o trabalho das respostas. Porque, como te disse Erasto em instrução precedente, vosso cérebro muitas vezes está numa desordem inextricável e nos é tão penoso quanto difícil mover-nos no dédalo de vossos pensamentos. Quando as perguntas devem ser feitas por terceiros, é bom e útil que a série de perguntas seja lida previamente ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador e, por assim dizer, dele se impregne. Assim, nós mesmos temos muito mais facilidade para responder, pela afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intérprete.
Certamente podemos falar de matemáticas através de um médium que a elas pareça totalmente estranho. Mas, muitas vezes, esse médium possui tal conhecimento em estado latente, isto é, peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarnado, porque seu corpo atual é um instrumento rebelde ou contrário a tal conhecimento. Dá-se o mesmo com a Astronomia, a poesia, a Medicina e as diversas línguas, bem como com todos os outros conhecimentos peculiares à espécie humana. Temos, enfim, o processo da elaboração penosa, que é utilizada com médiuns completamente estranhos ao assunto tratado, e que consiste na reunião de letras e de palavras, como em tipografia.
Como dissemos, os Espíritos não necessitam revestir seu pensamento. Eles percebem e transmitem o pensamento pelo simples fato de o possuírem. Os seres corpóreos, ao contrário, só o percebem quando revestido. Ao passo que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, enfim, vos são necessários para perceber, mesmo que mentalmente, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária.
ERASTO E TIMÓTEO
Espíritos protetores dos médiuns.
Nossos pensamentos não necessitam da vestimenta da palavra para ser compreendidos pelos Espíritos, e todos eles percebem o pensamento que lhes desejamos comunicar, simplesmente por lhes dirigirmos esse pensamento, e em razão de suas faculdades intelectuais. Isto significa que tal pensamento pode ser compreendido por tais ou quais, conforme o seu adiantamento, ao passo que em outros, tal pensamento, não despertando nenhuma lembrança, nenhum conhecimento no fundo de seu coração ou de seu cérebro jamais é por eles percebido. Neste caso, o Espírito encarnado que nos serve de médium é mais adequado a transmitir o nosso pensamento aos outros encarnados, embora não o compreenda, do que um Espírito desencarnado e pouco adiantado poderia fazer, se fôssemos forçados a recorrer à sua intervenção, porque o ser terreno põe seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, coisa que o Espírito errante não pode fazer.
Assim, quando encontramos num médium o cérebro aparelhado de conhecimentos adquiridos na vida atual e o Espírito rico de conhecimentos anteriores latentes, adequados a facilitar nossas comunicações, dele nos servimos de preferência, porque com ele o fenômeno da comunicação nos é muito mais fácil do que com um médium cuja inteligência fosse limitada, e cujos conhecimentos anteriores fossem insuficientes. Vamo-nos fazer compreender por algumas explicações claras e precisas.
Com um médium cuja inteligência atual ou anterior se ache desenvolvida, nosso pensamento se comunica instantaneamente de Espírito a Espírito, por uma faculdade própria à essência mesma do Espírito. Neste caso, encontramos no cérebro do médium os elementos próprios para revestir nosso pensamento com a vestimenta da palavra que a ele corresponde, e isso quer seja o médium intuitivo, semimecânico ou mecânico puro. Eis por que, seja qual for a diversidade dos Espíritos que se comunicam com um médium, os ditados obtidos, embora de Espíritos diversos, têm na forma e no tom o cunho pessoal do médium. Sim, embora o pensamento lhe seja inteiramente estranho; embora o assunto surja de seu próprio meio habitual e embora o que lhe desejamos dizer não provenha dele de maneira alguma, nem por isso ele influencia menos a forma, pelas qualidades e propriedades inerentes a sua individualidade. É precisamente como se olhásseis diferentes paisagens com lunetas multicores, verdes, brancas ou azuis. Embora essas paisagens ou objetos observados sejam inteiramente opostos e independentes uns dos outros, nem por isso deixam de ter um tom que provém da cor das lunetas. Ou melhor, comparemos os médiuns a esses vidros cheios de líquidos coloridos e transparentes, que se veem nas farmácias. Ora, nós somos como as luzes que esclarecem certos pontos de vista morais, filosóficos e íntimos, através dos médiuns azuis, verdes ou vermelhos, de tal modo que nossos raios luminosos, obrigados a passar através dos vidros mais ou menos bem lapidados, mais ou menos transparentes, isto é, por médiuns mais ou menos inteligentes, não chegam aos objetos que queremos iluminar senão tomando a coloração, ou melhor, a forma própria e particular desses médiuns. Enfim, para terminar por uma última comparação, nós, Espíritos, somos como compositores de música que compusemos ou que queremos improvisar uma ária e não temos à mão senão um piano, um violino, uma flauta, um contrabaixo ou um apito barato. É incontestável que com o piano, com a flauta ou o com violino executaremos nosso trecho de maneira mais compreensível para os ouvintes. Embora os sons do piano, do contrabaixo ou da clarineta sejam essencialmente diferentes uns dos outros, nossa composição não deixará de ser a mesma, salvo as nuanças do som. Mas se dispusermos apenas de um apito barato ou de um funil, aí estará a nossa dificuldade.
Com efeito, quando obrigados a usar um médium pouco adiantado, nosso trabalho é muito maior, muito mais penoso, pois somos obrigados a recorrer a formas incompletas, o que nos é uma complicação, porque, dessa forma, somos forçados a decompor nosso pensamento e a proceder palavra por palavra, letra por letra, o que nos é um aborrecimento, uma fadiga e um verdadeiro entrave à presteza e ao desenvolvimento de nossas manifestações.
Eis por que nos sentimos felizes ao encontrar médiuns bem apropriados, bem equipados, munidos do material pronto para ser usado, numa palavra bons instrumentos, porque então nosso perispírito, agindo sobre o perispírito daquele que mediunizamos, só tem que dar o impulso à mão que nos serve de porta-caneta ou de porta-lápis, ao passo que com os médiuns insuficientes somos obrigados a fazer um trabalho análogo ao que faríamos quando nos comunicássemos por batidas, isto é, designando letra por letra, palavra por palavra, cada uma das frases que traduzem os pensamentos que queremos transmitir.
É por estas razões que nos dirigimos de preferência às classes esclarecidas e instruídas, para a divulgação do Espiritismo e o desenvolvimento das faculdades mediúnicas escreventes, embora seja nessas classes que se encontram os indivíduos mais incrédulos, os mais rebeldes e os mais imorais. Assim como hoje deixamos aos Espíritos pelotiqueiros e pouco adiantados o exercício das comunicações tangíveis de batidas e transportes, também os homens pouco sérios entre vós preferem ver fenômenos que ferem a vista e os ouvidos ao invés dos fenômenos puramente espirituais, puramente psicológicos.
Quando queremos proceder por ditados espontâneos, agimos sobre o cérebro, sobre os arquivos do médium e reunimos nossos materiais com os elementos que ele nos fornece e tudo isto malgrado seu. É como se tirássemos de seu bolso o dinheiro que ele carrega e classificássemos as moedas segundo a ordem que mais nos conviesse.
Mas quando o próprio médium nos quer interrogar desta ou daquela maneira, é bom que reflita seriamente, a fim de nos interrogar de modo metódico, assim nos facilitando o trabalho das respostas. Porque, como te disse Erasto em instrução precedente, vosso cérebro muitas vezes está numa desordem inextricável e nos é tão penoso quanto difícil mover-nos no dédalo de vossos pensamentos. Quando as perguntas devem ser feitas por terceiros, é bom e útil que a série de perguntas seja lida previamente ao médium, para que este se identifique com o Espírito do evocador e, por assim dizer, dele se impregne. Assim, nós mesmos temos muito mais facilidade para responder, pela afinidade existente entre o nosso perispírito e o do médium que nos serve de intérprete.
Certamente podemos falar de matemáticas através de um médium que a elas pareça totalmente estranho. Mas, muitas vezes, esse médium possui tal conhecimento em estado latente, isto é, peculiar ao ser fluídico e não ao ser encarnado, porque seu corpo atual é um instrumento rebelde ou contrário a tal conhecimento. Dá-se o mesmo com a Astronomia, a poesia, a Medicina e as diversas línguas, bem como com todos os outros conhecimentos peculiares à espécie humana. Temos, enfim, o processo da elaboração penosa, que é utilizada com médiuns completamente estranhos ao assunto tratado, e que consiste na reunião de letras e de palavras, como em tipografia.
Como dissemos, os Espíritos não necessitam revestir seu pensamento. Eles percebem e transmitem o pensamento pelo simples fato de o possuírem. Os seres corpóreos, ao contrário, só o percebem quando revestido. Ao passo que a letra, a palavra, o substantivo, o verbo, a frase, enfim, vos são necessários para perceber, mesmo que mentalmente, nenhuma forma visível ou tangível nos é necessária.
ERASTO E TIMÓTEO
Espíritos protetores dos médiuns.
O hospital (Recebido pelo Sr. A. Didier. Médium da sociedade)
Uma noite de inverno eu percorria os cais sombrios próximos de Nôtre-Dame. É o bairro do desespero e da morte. Um poeta bem o compreendeu. Esse bairro foi sempre, desde o Pátio dos Milagres até o Necrotério, o receptáculo de todas as misérias humanas. Hoje, que tudo rui, esses imensos monumentos da agonia, esses hospitais a que o homem também chama de Santa Casa[1], talvez vão ruir também. Eu olhava essas luzes baças que atravessam paredes sombrias e me dizia: Quantas mortes desesperadas! Que fossa comum do pensamento, que engole diariamente tantos corações mudados, tantas inocências gangrenadas! Foi realmente aí, dizia eu para mim mesmo, que morreram tantos sonhadores, poetas, artistas ou sábios! Há um pequeno corredor em ponte sobre o riacho que corre pesadamente; é por ali que passam os que não vivem mais. Os mortos entram, então, em outro edifício, em cuja fachada deveriam escrever como na porta do Inferno: Aqui acaba a esperança. Com efeito, é aí que o corpo é cortado para servir à Ciência, mas é aí também que a Ciência rouba à fé o último resquício de esperança.
Presa de tais pensamentos, eu havia dado alguns passos, mas o pensamento vai mais rápido que nós. Fui alcançado por um jovem amarelo e trêmulo, que sem cerimônia me pediu fogo para o seu cachimbo. Era um estudante de medicina. Dito e feito. Eu também fumava e entrei em conversação com o desconhecido. Pálido, magro, enfraquecido pelas vigílias, fronte vasta e olhos tristes, tal era, à primeira vista, o seu aspecto. Ele parecia pensativo, e eu lhe transmiti meus pensamentos.
─ Acabo de dissecar, disse ele, mas só encontrei matéria. Ah! Meu Deus, acrescentou com um glacial sangue frio, se quiserdes desembaraçar-vos dessa estranha doença que se chama crença na imortalidade da alma, ide ver diariamente, como eu, dissolver-se com tanta uniformidade essa matéria que chamamos corpo. Ide ver como se apagam esses cérebros entusiastas, esses corações generosos ou degradados; ide ver se o nada que os apanha não é igual para todos. Que loucura acreditar!
Perguntei a sua idade.
─ Tenho 24 anos, disse ele, e agora vos deixo, porque faz muito frio.
─ É este, perguntei a mim mesmo, vendo-o afastar-se, o resultado da Ciência?
Continuarei.
GÉRARD DE NERVAL
NOTA: Poucos dias depois a Sra. Costel recebeu, em particular, a comunicação seguinte, cuja analogia com a precedente oferece especial significação.
Uma noite eu seguia pelo cais deserto. O tempo estava bonito e quente. As estrelas de ouro se destacavam no azul sombrio. A Lua arredondava seu círculo elegante e seu raio branco aclarava, como um sorriso, as águas profundas. Os álamos, guardas mudos da ribanceira, alteavam suas formas esbeltas e eu passava lentamente, olhando o reflexo dos astros na água e o reflexo de Deus na abóbada azulada. À minha frente caminhava uma mulher, e com uma curiosidade pueril eu seguia seus passos, que pareciam regular os meus. Muito tempo caminhamos assim. Quando chegamos em frente à fachada da Santa Casa, que aqui e ali apresentava buracos iluminados, ela parou e voltando-se para mim, e de súbito dirigiu-me a palavra, como se eu fosse seu companheiro.
─ Amigo, perguntou ela, crês que os que sofrem aqui sofrem mais da alma que do corpo? Ou crês que a dor física extingue a centelha divina?
─ Creio, respondi eu profundamente surpreso, que para a maior parte dos infelizes que a esta hora sofrem e agonizam, a dor física é o repouso e o esquecimento de suas misérias habituais.
─ Enganas-te, amigo, retomou ela, com um grave sorriso. A doença é uma suprema angústia para os deserdados da Terra, para os pobres, os ignorantes, os abandonados. Ela não derrama o esquecimento senão nos que, semelhantes a ti, sofrem somente a nostalgia dos bens sonhados e não conhecem senão as dores ideais, coroadas de violetas.
Eu quis falar, mas ela fez sinal para que eu me calasse, e levantando a branca mão para o hospital, disse:
─ Ali se agitam infelizes que calculam o número de horas que a doença roubou de seu salário; ali mulheres em angústia pensam no cabaré que atordoa a mágoa e faz os maridos esquecerem o pão dos filhos; ali, além, e em toda parte, as preocupações terrenas apertam e abafam o pálido clarão da esperança que não pode deslizar nessas almas desoladas. Deus é ainda mais esquecido por esses infelizes, vencidos pelo sofrimento, do que no seu paciente labor. É que Deus está muito alto, muito longe, ao passo que a miséria está perto. Então, que fazer para dar a esses homens, a essas mulheres, o impulso moral necessário para que se despojem de seu envoltório carnal, não como insetos rastejantes, mas como criaturas inteligentes, ou para que entrem menos sombrios e desesperados na batalha da vida? Tu, sonhador; tu, poeta que rimas sonetos à Lua, jamais pensaste nesse formidável problema que só duas palavras podem resolver: caridade e amor?
A mulher parecia crescer e o frêmito das coisas divinas corria em mim.
Ela continuou a falar, e sua grande voz parecia encher a cidade com a sua harmonia:
─ Ouve mais! disse ela. Ide todos vós, os poderosos, os ricos, os inteligentes, ide espalhar uma nova maravilha. Dizei aos que sofrem e que estão abandonados, que Deus, seu pai, não mais está refugiado no Céu inacessível e que ele lhes envia, para consolá-los e os assisti-los, os Espíritos daqueles que eles perderam; que seus pais, suas mães, seus filhos, curvados à sua cabeceira e lhes falando a língua conhecida, ensinar-lhes-ão que além do túmulo brilha uma nova aurora, que dissipa, como uma nuvem, os males terrenos. O anjo abriu os olhos de Tobias; que o anjo do amor, por sua vez, abra as almas fechadas dos que sofrem sem esperança.
Dizendo isto, a mulher tocou levemente as minhas pálpebras e eu vi, através das paredes do Hospital, os Espíritos, puras chamas, que faziam resplandecer as salas desoladas. Consumava-se a sua união com a Humanidade, e as feridas da alma e do corpo eram pensadas e aliviadas pelo bálsamo da esperança. Legiões de Espíritos, mais inumeráveis e mais brilhantes que as estrelas, expulsavam de sua frente, como vapores impuros, o desespero e a dúvida, e do ar, da terra e do rio ouvia-se uma só palavra: amor.
Fiquei muito tempo imóvel e transportado para fora de mim; depois as trevas invadiram novamente a Terra e o espaço tornou-se deserto. Olhei em redor de mim. A mulher não mais estava. Um grande tremor agitou-me e eu fiquei alheio ao que me rodeava. Desde essa noite passaram a chamar-me de sonhador e de louco. Oh! Que suave e sublime loucura a de crer no despertar do túmulo! Mas como é deprimente e estúpida a loucura que mostra o nada como única compensação de nossas misérias, como única recompensa às virtudes obscuras e modestas! Quem é aqui o verdadeiro louco: o que espera, ou o que se desespera?
ALFRED DE MUSSET
Após a leitura desta comunicação, Gérard de Nerval dita espontaneamente o que segue, por outro médium, o Sr. Didier:
“Meu nobre amigo Musset terminou por mim. Nós nos havíamos entendido. Apenas era necessário, desde que a continuação dava precisamente a resposta à primeira parte que ditei, era necessário, como eu dizia, um estilo diferente e imagens mais consoladoras.”
- - - - -
A PRECE
(ENVIADO PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Tempestade de paixões humanas que asfixiais os bons sentimentos de que todos os bons Espíritos encarnados trazem uma vaga intuição no fundo da consciência, quem acalmará a vossa fúria? É a prece que deve proteger os homens contra o fluxo desse oceano cujo seio encerra os monstros horríveis do orgulho, da inveja, do ódio, da hipocrisia, da mentira, da impureza, do materialismo e das blasfêmias. O dique que lhe opondes pela prece é construído com a pedra e o cimento mais duros, e impotentes para transpô-lo, esses monstros esgotam em vão os esforços contra ele e se lançam, sangrentos e abatidos, no fundo do abismo. Ó prece do coração, incessante invocação da criatura ao Criador, se conhecessem a tua força, quantos corações arrastados pela fraqueza teriam recorrido a ti no momento da queda! Tu és o precioso antídoto que cura as feridas, quase sempre mortais, que a matéria abre no Espírito, fazendo correr em suas veias o veneno das sensações brutais. Mas como é restrito o número dos que oram bem! Credes que depois de haver consagrado grande parte do vosso tempo recitando fórmulas que aprendestes ou lendo os vossos livros, tereis merecido bastante de Deus? Desiludi-vos. A boa prece é a que parte do coração. Ela não é difusa. Apenas, de vez em quando, deixa escapar em aspirações a Deus o seu brado de angústia ou de perdão, como implorando venha em nosso socorro, e os bons Espíritos a levam aos pés do Pai justo e terno, e esse incenso lhe é perfume agradável. Então ele os envia em bandos numerosos para fortalecer os que oram bem, contra o Espírito do mal. Eles se tornam fortes como rochedos inabaláveis; veem quebrar-se contra si as vagas das paixões humanas; e como se comprazem nessa luta que deve cumulá-los de méritos, constroem, como a alcíone, os seus ninhos em meio às tempestades.
FÉNELON
Presa de tais pensamentos, eu havia dado alguns passos, mas o pensamento vai mais rápido que nós. Fui alcançado por um jovem amarelo e trêmulo, que sem cerimônia me pediu fogo para o seu cachimbo. Era um estudante de medicina. Dito e feito. Eu também fumava e entrei em conversação com o desconhecido. Pálido, magro, enfraquecido pelas vigílias, fronte vasta e olhos tristes, tal era, à primeira vista, o seu aspecto. Ele parecia pensativo, e eu lhe transmiti meus pensamentos.
─ Acabo de dissecar, disse ele, mas só encontrei matéria. Ah! Meu Deus, acrescentou com um glacial sangue frio, se quiserdes desembaraçar-vos dessa estranha doença que se chama crença na imortalidade da alma, ide ver diariamente, como eu, dissolver-se com tanta uniformidade essa matéria que chamamos corpo. Ide ver como se apagam esses cérebros entusiastas, esses corações generosos ou degradados; ide ver se o nada que os apanha não é igual para todos. Que loucura acreditar!
Perguntei a sua idade.
─ Tenho 24 anos, disse ele, e agora vos deixo, porque faz muito frio.
─ É este, perguntei a mim mesmo, vendo-o afastar-se, o resultado da Ciência?
Continuarei.
GÉRARD DE NERVAL
NOTA: Poucos dias depois a Sra. Costel recebeu, em particular, a comunicação seguinte, cuja analogia com a precedente oferece especial significação.
Uma noite eu seguia pelo cais deserto. O tempo estava bonito e quente. As estrelas de ouro se destacavam no azul sombrio. A Lua arredondava seu círculo elegante e seu raio branco aclarava, como um sorriso, as águas profundas. Os álamos, guardas mudos da ribanceira, alteavam suas formas esbeltas e eu passava lentamente, olhando o reflexo dos astros na água e o reflexo de Deus na abóbada azulada. À minha frente caminhava uma mulher, e com uma curiosidade pueril eu seguia seus passos, que pareciam regular os meus. Muito tempo caminhamos assim. Quando chegamos em frente à fachada da Santa Casa, que aqui e ali apresentava buracos iluminados, ela parou e voltando-se para mim, e de súbito dirigiu-me a palavra, como se eu fosse seu companheiro.
─ Amigo, perguntou ela, crês que os que sofrem aqui sofrem mais da alma que do corpo? Ou crês que a dor física extingue a centelha divina?
─ Creio, respondi eu profundamente surpreso, que para a maior parte dos infelizes que a esta hora sofrem e agonizam, a dor física é o repouso e o esquecimento de suas misérias habituais.
─ Enganas-te, amigo, retomou ela, com um grave sorriso. A doença é uma suprema angústia para os deserdados da Terra, para os pobres, os ignorantes, os abandonados. Ela não derrama o esquecimento senão nos que, semelhantes a ti, sofrem somente a nostalgia dos bens sonhados e não conhecem senão as dores ideais, coroadas de violetas.
Eu quis falar, mas ela fez sinal para que eu me calasse, e levantando a branca mão para o hospital, disse:
─ Ali se agitam infelizes que calculam o número de horas que a doença roubou de seu salário; ali mulheres em angústia pensam no cabaré que atordoa a mágoa e faz os maridos esquecerem o pão dos filhos; ali, além, e em toda parte, as preocupações terrenas apertam e abafam o pálido clarão da esperança que não pode deslizar nessas almas desoladas. Deus é ainda mais esquecido por esses infelizes, vencidos pelo sofrimento, do que no seu paciente labor. É que Deus está muito alto, muito longe, ao passo que a miséria está perto. Então, que fazer para dar a esses homens, a essas mulheres, o impulso moral necessário para que se despojem de seu envoltório carnal, não como insetos rastejantes, mas como criaturas inteligentes, ou para que entrem menos sombrios e desesperados na batalha da vida? Tu, sonhador; tu, poeta que rimas sonetos à Lua, jamais pensaste nesse formidável problema que só duas palavras podem resolver: caridade e amor?
A mulher parecia crescer e o frêmito das coisas divinas corria em mim.
Ela continuou a falar, e sua grande voz parecia encher a cidade com a sua harmonia:
─ Ouve mais! disse ela. Ide todos vós, os poderosos, os ricos, os inteligentes, ide espalhar uma nova maravilha. Dizei aos que sofrem e que estão abandonados, que Deus, seu pai, não mais está refugiado no Céu inacessível e que ele lhes envia, para consolá-los e os assisti-los, os Espíritos daqueles que eles perderam; que seus pais, suas mães, seus filhos, curvados à sua cabeceira e lhes falando a língua conhecida, ensinar-lhes-ão que além do túmulo brilha uma nova aurora, que dissipa, como uma nuvem, os males terrenos. O anjo abriu os olhos de Tobias; que o anjo do amor, por sua vez, abra as almas fechadas dos que sofrem sem esperança.
Dizendo isto, a mulher tocou levemente as minhas pálpebras e eu vi, através das paredes do Hospital, os Espíritos, puras chamas, que faziam resplandecer as salas desoladas. Consumava-se a sua união com a Humanidade, e as feridas da alma e do corpo eram pensadas e aliviadas pelo bálsamo da esperança. Legiões de Espíritos, mais inumeráveis e mais brilhantes que as estrelas, expulsavam de sua frente, como vapores impuros, o desespero e a dúvida, e do ar, da terra e do rio ouvia-se uma só palavra: amor.
Fiquei muito tempo imóvel e transportado para fora de mim; depois as trevas invadiram novamente a Terra e o espaço tornou-se deserto. Olhei em redor de mim. A mulher não mais estava. Um grande tremor agitou-me e eu fiquei alheio ao que me rodeava. Desde essa noite passaram a chamar-me de sonhador e de louco. Oh! Que suave e sublime loucura a de crer no despertar do túmulo! Mas como é deprimente e estúpida a loucura que mostra o nada como única compensação de nossas misérias, como única recompensa às virtudes obscuras e modestas! Quem é aqui o verdadeiro louco: o que espera, ou o que se desespera?
ALFRED DE MUSSET
Após a leitura desta comunicação, Gérard de Nerval dita espontaneamente o que segue, por outro médium, o Sr. Didier:
“Meu nobre amigo Musset terminou por mim. Nós nos havíamos entendido. Apenas era necessário, desde que a continuação dava precisamente a resposta à primeira parte que ditei, era necessário, como eu dizia, um estilo diferente e imagens mais consoladoras.”
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A PRECE
(ENVIADO PELO SR. SABÒ, DE BORDÉUS)
Tempestade de paixões humanas que asfixiais os bons sentimentos de que todos os bons Espíritos encarnados trazem uma vaga intuição no fundo da consciência, quem acalmará a vossa fúria? É a prece que deve proteger os homens contra o fluxo desse oceano cujo seio encerra os monstros horríveis do orgulho, da inveja, do ódio, da hipocrisia, da mentira, da impureza, do materialismo e das blasfêmias. O dique que lhe opondes pela prece é construído com a pedra e o cimento mais duros, e impotentes para transpô-lo, esses monstros esgotam em vão os esforços contra ele e se lançam, sangrentos e abatidos, no fundo do abismo. Ó prece do coração, incessante invocação da criatura ao Criador, se conhecessem a tua força, quantos corações arrastados pela fraqueza teriam recorrido a ti no momento da queda! Tu és o precioso antídoto que cura as feridas, quase sempre mortais, que a matéria abre no Espírito, fazendo correr em suas veias o veneno das sensações brutais. Mas como é restrito o número dos que oram bem! Credes que depois de haver consagrado grande parte do vosso tempo recitando fórmulas que aprendestes ou lendo os vossos livros, tereis merecido bastante de Deus? Desiludi-vos. A boa prece é a que parte do coração. Ela não é difusa. Apenas, de vez em quando, deixa escapar em aspirações a Deus o seu brado de angústia ou de perdão, como implorando venha em nosso socorro, e os bons Espíritos a levam aos pés do Pai justo e terno, e esse incenso lhe é perfume agradável. Então ele os envia em bandos numerosos para fortalecer os que oram bem, contra o Espírito do mal. Eles se tornam fortes como rochedos inabaláveis; veem quebrar-se contra si as vagas das paixões humanas; e como se comprazem nessa luta que deve cumulá-los de méritos, constroem, como a alcíone, os seus ninhos em meio às tempestades.
FÉNELON
[1] Em francês Hôtel-Dieu, denominação que se dá a hospitais, em algumas cidades da França, poderia ser traduzido como Casa de Deus. (Nota do revisor Boschiroli)
A prece (enviado pelo Sr. Sabò, de Bordéus)
Tempestade de paixões humanas que asfixiais os bons sentimentos de que todos os bons Espíritos encarnados trazem uma vaga intuição no fundo da consciência, quem acalmará a vossa fúria? É a prece que deve proteger os homens contra o fluxo desse oceano cujo seio encerra os monstros horríveis do orgulho, da inveja, do ódio, da hipocrisia, da mentira, da impureza, do materialismo e das blasfêmias. O dique que lhe opondes pela prece é construído com a pedra e o cimento mais duros, e impotentes para transpô-lo, esses monstros esgotam em vão os esforços contra ele e se lançam, sangrentos e abatidos, no fundo do abismo. Ó prece do coração, incessante invocação da criatura ao Criador, se conhecessem a tua força, quantos corações arrastados pela fraqueza teriam recorrido a ti no momento da queda! Tu és o precioso antídoto que cura as feridas, quase sempre mortais, que a matéria abre no Espírito, fazendo correr em suas veias o veneno das sensações brutais. Mas como é restrito o número dos que oram bem! Credes que depois de haver consagrado grande parte do vosso tempo recitando fórmulas que aprendestes ou lendo os vossos livros, tereis merecido bastante de Deus? Desiludi-vos. A boa prece é a que parte do coração. Ela não é difusa. Apenas, de vez em quando, deixa escapar em aspirações a Deus o seu brado de angústia ou de perdão, como implorando venha em nosso socorro, e os bons Espíritos a levam aos pés do Pai justo e terno, e esse incenso lhe é perfume agradável. Então ele os envia em bandos numerosos para fortalecer os que oram bem, contra o Espírito do mal. Eles se tornam fortes como rochedos inabaláveis; veem quebrar-se contra si as vagas das paixões humanas; e como se comprazem nessa luta que deve cumulá-los de méritos, constroem, como a alcíone, os seus ninhos em meio às tempestades.
FÉNELON
FÉNELON