Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861

Allan Kardec

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Fevereiro

Boletim

SEXTA-FEIRA, 21 DE DEZEMBRO DE 1860
SESSÃO PARTICULAR
Admissão de dois novos membros.

Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de várias comunicações obtidas fora das sessões.

2.º ─ O Sr. Allan Kardec lê uma carta de Bordéus, na qual é proposta a evocação da Srta. M. H..., recentemente falecida. Consultada, a Sociedade pensa em ocupar-se dessa evocação.

Trabalhos da Sessão:

1.º ─ Ditado espontâneo, assinado Lázaro, obtido pela Sra. Costel. ─ Outro, assinado Gérard de Nerval, obtido pelo Sr. A. Didier. O Espírito desenvolve a tese cujas bases apresentara na comunicação Os Três Tipos: Hamlet, Don Juan e Tartufo, a 14 de dezembro. Desenvolve o tipo de Hamlet. Solicitado, faz uma apreciação sobre La Fontaine[1]. ─ Outro, assinado Torquato Tasso[2], recebido pela Srta. H... O Espírito dá igualmente a sua opinião sobre La Fontaine.

2.º ─ Evocação de Lady Esther Stanhope, que havia passado a maior parte de sua vida nas montanhas do Líbano, no meio das populações árabes, que lhe haviam dado o título de Rainha de Palmira.



SEXTA-FEIRA, 28 DE DEZEMBRO DE 1860
SESSÃO GERAL
Comunicações diversas:

1.º ─ Leitura de várias comunicações obtidas fora das sessões, entre outras um conto fantástico, assinado por Hoffmann[³], recebido pela Sra. Costel, e a evocação de um negro, feita em Nova Orleans, pela Sra. B... Esta é notável pela ingenuidade das ideias e pela reprodução da linguagem usada entre os pretos.

2.º ─ Carta da Sra. T. D..., de Cracóvia, que constata os progressos do Espiritismo na Polônia, na Podólia e na Ucrânia. Essa senhora é médium há sete anos. Junta à sua carta, quatro comunicações que atestam a bondade e a superioridade do Espírito que as traçou, e pede, entre outras coisas, para fazer parte da Sociedade.

3.º ─ O Sr. Allan Kardec dirige aos Espíritos a alocução seguinte, para agradecer-lhes o seu concurso durante o ano que está findando:

“Não queremos terminar o ano sem dirigir os nossos agradecimentos aos bons Espíritos que tiveram a bondade de nos instruir. Agradecemos sobretudo a São Luís, nosso presidente espiritual, cuja proteção à Sociedade que tomou sob seu patrocínio foi evidente, e que, assim esperamos, terá a bondade de continuá-la, rogando-lhe que nos inspire, a todos, os sentimentos que dela nos tornem dignos. Agradecemos igualmente a todos os que espontaneamente vieram dar-nos o seu conselho e as suas instruções, quer nas nossas sessões, quer nas comunicações dadas em particular aos nossos médiuns, e que nos foram transmitidas. Dentre eles, não poderíamos esquecer Lamennais, que ditou ao Sr. Didier páginas de grande eloquência; Channing; Georges, cujas comunicações têm sido admiradas por todos os leitores da Revista; Sra Delphine de Girardin, Charles Nodier, Gérard de Nerval, Lázaro, Tasso, Alfred de Musset, Rousseau e outros. O ano de 1860 foi eminentemente próspero para as ideias espíritas. Esperamos que com o concurso dos bons Espíritos o ano que vai começar não seja menos favorável. Quanto aos Espíritos sofredores que apareceram, espontaneamente ou a nosso chamado, continuaremos, por nossas preces, a pedir para eles a misericórdia de Deus, rogando-lhe amparo aos que se acham no caminho do arrependimento e esclarecimento para os que estão na via tenebrosa do mal.”

Trabalhos da sessão:

1.º ─ Ditado espontâneo sobre o ano de 1860, assinado J. J. Rousseau[4], através da Sra. Costel.

Outro, assinado por Necker[5], recebido pela Srta. H... Outro, sobre o ano de 1861, assinado São Luís[6].

2.º ─ Evocação de Lady Stanhope, Hoffmann e o negro de Nova Orleans.

3.º ─ Questões diversas:

Sobre a lembrança de existências anteriores em Júpiter;
Sobre diversas aparições à sogra do Sr. Pr..., presente à sessão.



SEXTA-FEIRA, 04 DE JANEIRO DE 1861
SESSÃO PARTICULAR
Admissão do Sr. W..., pintor.

Comunicações diversas:

1.º ─ Carta do Sr. Kond..., doutor em Medicina, de Vaucluse, lamentando que tudo quanto se menciona nas atas da Sociedade não seja publicado integralmente na Revista. “Os partidários do Espiritismo”, diz ele, “que não podem assistir às sessões, sentem-se estranhos às questões que são estudadas e resolvidas nessa assembleia científica. Todos os meses esperamos com febril impaciência a chegada da Revista. Quando a temos, não perdemos um minuto para a ler. Lemo-la e relemo-la, e então nos damos conta de uma porção de problemas cuja solução jamais teremos”. Ele pergunta se não haveria um meio de remediar esse inconveniente.

A Sra. Costel diz ter recebido cartas no mesmo sentido.

Diz o Sr. Allan Kardec que isto prova uma coisa que nos deve dar grande satisfação: o valor que é atribuído aos trabalhos da Sociedade e o crédito de que ela desfruta entre os verdadeiros espíritas. A publicação do resumo das atas mostra às pessoas não pertencentes à Sociedade, que ela só se ocupa de coisas graves e de estudos sérios. A consideração que conquistou externamente se deve à sua moderação e à sua marcha prudente por um terreno novo, à ordem e à gravidade que presidem às suas reuniões, bem como ao caráter essencialmente moral e científico de seus trabalhos. É, pois, para ela um encorajamento para não se afastar de uma via que lhe acarreta estima, visto que do exterior, até mesmo da Polônia, escrevem pedindo para dela fazerem parte.

À reclamação especial e muito honrosa para nós, feita pelo Dr. K..., responderei, para começar, que a publicação integral de tudo quanto se diz e se faz na Sociedade exigiria volumes. Entre as evocações nela feitas, muitas há que não correspondem à expectativa ou não oferecem um interesse bastante geral para serem publicadas. São conservadas nos arquivos a fim de serem consultadas, caso necessário, e o boletim se contenta em mencioná-las. O mesmo se dá com as comunicações espontâneas: só se publicam as mais instrutivas. Quanto às questões diversas e problemas morais que são por vezes de grande interesse, está equivocado o Dr. K... se pensa que os espíritas de fora estão delas privados. O que o leva a pensar assim é o fato de que a abundância de matéria e a necessidade de coordená-la, muito raramente permitem a publicação de todas as questões no número da Revista em que são mencionadas no boletim. Mais cedo ou mais tarde terão o seu lugar. Além disso, elas constituem um dos elementos essenciais das obras sobre o Espiritismo: foram aproveitadas em “O Livro dos Espíritos” e em “O Livro dos Médiuns”, nos quais são classificadas conforme o assunto, não tendo sido omitida nenhuma das essenciais. Fiquem tranquilos, portanto, o Sr. K... e os demais espíritas. Se pela leitura da Revista não podem assistir de longe às sessões da Sociedade nem perder uma só palavra pronunciada nas sessões, nada do que nelas se obtém de importante fica sob o alqueire. Não obstante, a Revista esforçar-se-á, na medida do possível, por corresponder ao desejo expresso pelo digno correspondente.

2.º ─ Após o relato de um negociante de Nova York, presente à sessão, o Sr. Allan Kardec assinala o progresso feito nos Estados Unidos da América do Norte pelos princípios formulados em “O Livro dos Espíritos”. Esse livro foi traduzido para o inglês, em fragmentos, e a doutrina da reencarnação ali conta agora numerosos partidários.

3.º ─ Leitura de uma graciosa e encantadora comunicação no velho estilo medieval, recebida pela Srta. S... ─ Outra sobre a imaterialidade dos Espíritos, pela Sra. Costel.

Trabalhos da sessão:

1.º ─ Observações críticas sobre o ditado feito na última sessão pelo Espírito de Necker. O Espírito de Madame de Staël[7] se manifesta espontaneamente e, explicando-lhe o sentido, justifica as palavras de seu pai.

2.º ─ Evocação de Leão X[8], que se havia manifestado espontaneamente na sessão de 14 de dezembro. Respondendo a várias perguntas que lhe foram feitas, explica e desenvolve suas ideias sobre o caráter comparado dos americanos, dos franceses e dos ingleses; sobre a maneira como esses povos encaram o Espiritismo; sobre os inevitáveis progressos dessa doutrina, etc.

3.º ─ Diálogo espontâneo entre o Monsenhor Sibour[9] e seu assassino.

4.º ─ Perguntas dirigidas a São Luís sobre o negro evocado a 28 de dezembro, seu caráter e a sua origem.

5.º ─ Evocação de Srta. J. B., feita por sua mãe, presente à sessão. A comunicação, de interesse absolutamente particular, oferece um quadro tocante da afeição que certos Espíritos conservam por aqueles que amaram na Terra.





[1] La Fontaine. Jean de La Fontaine, poeta francês nascido em Château-Thierry, em 1621 e falecido em Paris em 1695. Estilista fino e espirituoso, autor de Contos notáveis e de Fábulas que adquiriram uma importância universal, inclusive como manual para todas as idades e condições, verdadeira obra de gênio. (N. do T. )

[2] O Tasso. Torquato Tasso, cognominado O Tasso, poeta italiano nascido em Sorrento em 1844 e falecido em 1595. Sua obra notabilíssima é Jerusalém Libertada, epopeia mundialmente conhecida, cheia de imagens brilhantes, de conceitos grandiosos, de histórias românticas e transbordantes de graça. Seus versos são muito harmoniosos. Era um espírito torturado e foi vítima da mania de perseguição. Inspirou a Goethe uma tragédia publicada em 1790, de absoluta pureza clássica. (N. do T.).

[3] Hoffmann. Há vários Hoffmann notáveis, uns franceses, outros alemães. Aqui se trata, porém, de ErnstTheodor-Amédée Hoffmann, músico e romancista alemão, nascido em Koenigsberg em 1778 e falecido em 1822. Grande observador e de imaginação esquisita, escreveu os Contos Fantásticos. (N. do T.)

[4] Rousseau. Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra em 1712 e faleceu em 1778. Espírito melancólico, sonhador e fantasista, pregava a volta à Natureza, a bondade natural e a necessidade de um contrato social que garantisse os direitos de todos. Pregou numa linguagem eloquente e apaixonada, tão apaixonada e eloquente que inspirou a Revolução Francesa e a Escola Romântica, através das seguintes obras: Contrato Social, Emílio, A Nova Heloísa, Confissões, Sonhos de um viajante solitário. (N. do T.).

[5] Necker. Jacques Necker, natural de Genebra (1739), mas de origem inglesa e protestante, foi grande financista e banqueiro em Paris e ligou-se estreitamente à história da França, pelas reformas tentadas em dois ministérios de Luís XVI. Era pai de Madame de Staël (vide Revista Espírita de novembro de 1858, seção: Conversas familiares de alémtúmulo, artigo: Madame de Staël) (N. do T.).

[6] São Luís. Trata-se de Luís IX, rei da França, filho de Luís VIII e de Branca de Castela, nascido em 1215, elevado ao trono em 1226 e falecido em 1270. Teve um reinado muito agitado: até 1236, sob a regência materna, em cujo período se deu a revolta dos vassalos e a guerra dos Albigenses; em 1834 desposou Margarida de Provença. O Conde de Marco e os ingleses organizaram nova liga contra ele, sendo vencidos em Taillebourg e Saintes, em 1242, posteriormente regulado (1259) pelo tratado de Paris, que lhe trouxe o Anjou, a Normandia, o Maine e o Poitou. Em 1249 empreendeu uma cruzada. Desembarcou em Damietta, foi vencido na batalha de Mansurah, no ano seguinte, e feito prisioneiro. Resgatado, ficou na Palestina até 1252, quando voltou à França, ao saber da morte de sua mãe. Organizou os seus estados; tomou importantes medidas no setor da justiça e da organização da moeda; concedeu grandes privilégios ao clero pela Pragmática sanção de 1269; construiu a Sainte-Chapelle, obra-prima de arquitetura gótica, da traça de Mestre Pierre de Montereau; fez várias reformas materiais na Sorbonne, que durante muito tempo foi a mais alta escola de teologia, e atualmente é a sede da faculdade de letras e ciências e da Academia de Paris; também fundou o Quinze-Vingts, hospital para cegos, cujo nome exprimia, no antigo francês, o número 300, isto é, quinze vezes vinte, que correspondia ao número de asilados. Animado pelo irmão, Carlos de Anjou, a empreender a oitava cruzada, desembarcou em Tunis, e logo morreu de peste. Foi canonizado em 1297. Teve a reputação de integridade e foi muito virtuoso. (N. do T.)

[7] Madame de Staël. (vide Revista Espírita de novembro de 1858, seção: Conversas familiares de além-túmulo, artigo: Madame de Staël). (N. do T.)

[8] Leão X. Foi um papa que deu o nome a um século. Trata-se do célebre Giovanni di Medici, que reinou como papa de 1513 a 1521. Admirador das obras primas da Antiguidade, protegeu as artes, as letras, as ciências. Assinou a célebre Concordata com Francisco I, rei de França, e viu nascer o cisma luterano. (N. do T. )

[9] Monsenhor Sibour. Trata-se de Marie-Dominique-Auguste Sibour, arcebispo de Paris, nascido em Saint-Paul Trois-Château em 1792 e assassinado em Paris em 1859, ao sair da igreja de Saint-Etienne-du-Mont, por um padre que ele havia interditado. Vide Revista Espírita. (N. do T.)

O Sr. Squire

Vários jornais, conforme seu hábito, levaram mais ou menos a ridículo esse novo médium, compatriota do Sr. Home, sob cuja influência também se produzem fenômenos de uma ordem, sob certo ponto, excepcional. Como característica particular, eles não ocorrem senão na mais profunda escuridão, circunstância que os incrédulos não deixam de alegar. Como se sabe, o Sr. Home produzia fenômenos muito variados, entre os quais o mais notável era, incontestavelmente, o das aparições tangíveis. Nós os descrevemos minuciosamente na Revista Espírita de fevereiro, março e abril de 1858. O Sr. Squire produz apenas dois, ou, melhor dizendo, um só, com certas variantes, mas não menos digno de atenção. Sendo a obscuridade uma condição essencial à obtenção do fenômeno, desnecessário é dizer que todas as necessárias precauções são tomadas para garantir a sua autenticidade.

Eis em que consiste:

O Sr. Squire coloca-se em frente a uma mesa de 35 a 40 quilos, semelhante a uma reforçada mesa de cozinha; amarram-lhe fortemente as duas pernas juntas, a fim de que delas não se possa servir. Nessa posição, sua força muscular estaria consideravelmente reduzida, caso a ela recorresse. Uma outra pessoa, qualquer que seja, ou, se se quiser, a mais incrédula, segura-lhe uma das mãos, de modo a lhe deixar livre apenas a outra. Então ele põe a mão de leve à borda da mesa. Isto feito, extinguem as luzes e no mesmo momento a mesa se ergue, passa por sobre a sua cabeça e vai cair por detrás dele, de pernas para o ar, sobre um divã ou sobre almofadas previamente dispostas para recebê-la, a fim de que não se parta na queda. Produzido o efeito, acende-se a luz imediatamente. É questão de poucos segundos. A experiência pode ser repetida tantas vezes quantas se queira na mesma sessão.

Eis uma variante desse fenômeno: uma pessoa se coloca ao lado do Sr. Squire; levantada e virada a mesa, como acima foi descrito, ao invés de cair para trás, ela pousa, horizontalmente mas em equilíbrio, sobre a cabeça da pessoa, a qual apenas sente uma ligeira pressão. Tão logo a luz é acesa e atinge a mesa, ela retoma o seu peso completo e cairia, se duas outras pessoas não estivessem prontas a sustentá-la pelas duas extremidades.

Tal é, substancialmente e com a maior singeleza, sem ênfase nem reticências, o relato dos fatos singulares que colhemos no La Patrie de 23 de dezembro de 1860, bem como de grande número de testemunhas, porque confessamos não os haver presenciado. Mas a honestidade das pessoas que no-los contaram nenhuma dúvida nos deixa quanto à sua exatidão. Temos um outro motivo, talvez mais poderoso, para admiti-los. É que a teoria nos demonstra a sua possibilidade. Ora, nada melhor para firmar uma convicção do que verificar. Nada provoca mais dúvida do que dizer: vi mas não compreendo.

Tentemos, pois, dar a compreender.

Comecemos levantando algumas objeções preliminares. A primeira que chega muito naturalmente ao pensamento é que o Sr. Squire empregue algum meio secreto ou, por outras palavras, que seja um hábil prestidigitador; ou ainda, como dizem mais cruamente os que não se preocupam em passar por educados, que é um charlatão. Uma palavra basta para responder a tal suposição: o Sr. Squire veio a Paris como simples turista e nenhum proveito tira de sua estranha faculdade. Ora, como não há charlatães desinteressados, isto nos é a melhor garantia de sinceridade. Se o Sr. Squire desse sessões a tanto por cabeça, se fosse movido por um interesse qualquer, todas as suspeitas seriam perfeitamente legítimas. Não temos a honra de conhecê-lo, mas através de pessoas dignas de toda confiança, que o conhecem particularmente há vários anos, sabemos que é um homem dos mais respeitáveis, de caráter afável e benevolente, um distinto literato que escreve em vários jornais da América. Raramente a crítica leva em conta o caráter das pessoas e o móvel de suas ações. Ela erra, porque isto constitui por certo uma base essencial de apreciação. Casos há em que a acusação de fraude não só é uma ofensa, mas uma falta de lógica.

Isto posto, afastada toda presunção de meios fraudulentos, resta saber se o fenômeno poderia produzir-se com o auxílio da força muscular. Ensaios foram procedidos por homens dotados de força excepcional, e todos reconheceram a absoluta impossibilidade de levantar aquela mesa com uma mão e ainda menos, de fazê-la dar piruetas no ar. Acrescentemos que a compleição física do Sr. Squire não se coaduna com uma força hercúlea. Já que o emprego da força física se torna impossível e que um exame escrupuloso previne o emprego de qualquer meio mecânico, necessário se torna admitir a ação de uma força sobre-humana. Todo efeito tem uma causa; se a causa não estiver na humanidade, é absolutamente necessário que esteja fora dela; por outras palavras, na intervenção de seres invisíveis que nos cercam, a saber, os Espíritos.

Para os espíritas o fenômeno produzido pelo Sr. Squire nada tem de novo, a não ser a forma por que se produz; quanto ao fundo, entra na categoria de todos os outros fenômenos conhecidos de transporte e de deslocamento de objetos, com ou sem contato, de suspensão de corpos pesados no espaço. Tem o seu princípio no fenômeno elementar das mesas girantes, cuja teoria completa se encontra em nossa nova obra “O Livro dos Médiuns”. Quem quer que tenha bem meditado nessa teoria, poderá facilmente ter a explicação do efeito produzido pelo Sr. Squire. Certamente, o fato de uma mesa, sem contato de qualquer pessoa, deslocar-se do solo, levantar-se e manter-se no ar sem apoio, é ainda mais extraordinário. Se podemos dar-nos conta disto, tanto mais facilmente poderemos explicar o outro fenômeno.

Perguntar-se-á onde, em tudo isto, a prova da intervenção dos Espíritos? Se os efeitos fossem puramente mecânicos, é certo que nada provaria tal intervenção, bastando recorrer-se à hipótese de um fluido elétrico ou outro. Do momento, porém, que um efeito é inteligente, deve haver uma causa inteligente. Ora, foi pelos sinais de inteligência dos efeitos que se pôde reconhecer que sua causa não é exclusivamente material. Falamos dos efeitos espíritas em geral, porque os há cujo caráter inteligente é quase nulo, como no caso do Sr. Squire. Poder-se-ia supô-lo, então, dotado, como tantas pessoas, de um potencial elétrico natural. Mas, que saibamos, a luz jamais foi obstáculo à ação da eletricidade ou do fluido magnético. Por outro lado, o exame atento das circunstâncias do fenômeno exclui tal suposição, enquanto que sua analogia com os que apenas podem ser produzidos pela interferência de inteligências ocultas está manifesta. É, pois, mais racional colocá-lo entre estes últimos. Resta saber como faz o Espírito, ou o ser invisível, para atuar sobre a matéria inerte.

Quando uma mesa se move, não é o Espírito que a toma com as mãos e a levanta com a força dos braços, pela razão muito simples de que, embora tenha um corpo como o nosso, tal corpo é fluídico e não pode exercer uma ação muscular propriamente dita. Ele satura a mesa com seu próprio fluido, combinado com o fluido animalizado do médium. Por esse meio, a mesa fica momentaneamente animada de uma vida factícia. Então, ela obedece a vontade, como o faria um ser vivo. Por seus movimentos, ela exprime alegria, cólera e os diversos sentimentos do Espírito que dela se serve. Não é ela que pensa, se alegra ou encoleriza; não é o Espírito que se incorpora nela, porque ele não se metamorfoseia em mesa. Ela lhe é apenas um instrumento dócil, obediente à sua vontade, como o bastão que um homem agita e com o qual exprime ameaça ou faz outros sinais. Nesse caso, o bastão é sustentado pelos músculos, mas a mesa, não podendo ser movimentada pelos músculos do Espírito, é agitada pelo fluido dele, que faz o papel de força muscular.

Tal o princípio fundamental de todos os movimentos em casos semelhantes.

Uma questão, à primeira vista mais difícil, é esta: como pode um corpo pesado destacar-se do solo e manter-se no espaço, contrariando a lei da gravidade? Para entendermos isto, basta lembrar o que diariamente se passa aos nossos olhos. Sabese que num corpo sólido é necessário distinguir a massa do peso. A massa é sempre a mesma, e depende da soma das moléculas; o peso varia em razão da densidade do meio. Eis por que um corpo pesa menos na água do que no ar e ainda menos no mercúrio. Suponhamos uma câmara, em cujo solo repousa uma pesada mesa e que de repente se encha de água. A mesa levantar-se-á por si mesma ou, pelo menos, um homem, ou uma criança a levantarão sem esforço. Outra comparação: Faça-se o vácuo na campânula pneumática e no mesmo instante o ar do seu interior não mais se equilibra com a coluna atmosférica; a campânula adquire tal força que o mais forte dos homens não poderá levantá-la. Entretanto, posto que nem a mesa nem a campânula tenham aumentado ou diminuído um átomo de sua substância, seu peso relativo aumentou ou diminuiu em razão do meio, quer seja este um líquido ou um fluido.

Conhecemos todos os fluidos da Natureza ou mesmo todas as propriedades daqueles que conhecemos? Seria muita presunção admiti-lo. Os exemplos que acabamos de citar são comparações, não dizemos similitudes. Apenas desejamos mostrar que os fenômenos espíritas, que nos parecem tão estranhos, não o são mais que os fenômenos citados e, pois, podem ser explicados, senão pelas mesmas causas, ao menos por causas análogas. Com efeito, eis uma mesa que, evidentemente, perde o peso aparente num dado momento e que, em outras circunstâncias, adquire uma sobrecarga, e tal fato não pode explicar-se por leis conhecidas. Como, porém, ele se repete, isto prova estar submetido a uma lei, que não deixa de existir pelo simples fato de ser desconhecida. Que lei é esta? Dão-na os Espíritos. Contudo, em lugar da explicação deles, podemos deduzi-la por analogia, sem necessidade de recorrermos a causas miraculosas ou sobrenaturais.

O fluido universal, como o chamam os Espíritos, é o veículo e o agente de todos os fenômenos espíritas. Sabe-se que os Espíritos podem modificar as suas propriedades, conforme as circunstâncias; que ele é o elemento constitutivo do perispírito ou envoltório semimaterial do Espírito; que, neste último estado, pode adquirir a visibilidade e até a tangibilidade. É pois irracional admitir que num dado momento possa um Espírito envolver um corpo sólido numa atmosfera fluídica cujas propriedades, consequentemente modificadas, produzem sobre esse corpo o efeito de um meio mais denso ou mais rarefeito? Nesta hipótese, o deslocamento tão fácil de uma pesada mesa pelo Sr. Squire se explica muito naturalmente, assim como todos os fenômenos análogos.

A necessidade de escuridão é mais embaraçosa. Por que cessa o efeito ao menor contato da luz? O fluido luminoso exerce aqui uma ação mecânica qualquer? Não é provável, de vez que fatos do mesmo gênero se produzem perfeitamente em plena luz. Não se pode atribuir tal singularidade senão à natureza toda especial dos Espíritos que se manifestam por esse médium. Por que por esse médium e não pelos outros? Eis aí um desses mistérios só penetráveis por aqueles que se identificaram com os fenômenos tão numerosos, e por vezes tão bizarros, do mundo dos invisíveis. Só eles podem compreender as simpatias existentes entre os vivos e os mortos.

A que ordem pertencem esses Espíritos? São bons ou maus? Sabemos que temos ferido o amor-próprio de certas criaturas terrenas, depreciando o valor dos Espíritos que produzem manifestações físicas; temos sido severamente criticados porque os classificamos como saltimbancos do mundo invisível. Desculpando-nos, diremos que a expressão não é nossa, mas dos próprios Espíritos. Pedimos perdão, mas jamais entrará em nossa cabeça que Espíritos elevados venham divertir-se fazendo prestidigitações e coisas desse gênero, do mesmo modo que não nos convencerão de que palhaços, lutadores, malabaristas e pregoeiros de rua sejam membros do Instituto[1]. Quem quer que conheça a hierarquia dos Espíritos sabe que os há de todos os graus de inteligência e de moralidade, como os há de todas as variedades de aptidões e de caracteres como entre os homens, o que não é de admirar, pois que os Espíritos nada mais são que almas dos que viveram. Ora, até prova em contrário, permitam-nos duvidar que Espíritos como Pascal, Bossuet e outros, mesmo menos elevados, se ponham às nossas ordens para fazerem girar as mesas, divertindo um grupo de curiosos. Perguntamos aos que pensam de modo contrário se julgam que após a morte iriam facilmente resignar-se a esse papel. Até entre os que se acham às ordens do Sr. Squire há um servilismo incompatível com a menor superioridade intelectual, de onde concluímos que devem pertencer às classes inferiores, o que não quer dizer que sejam maus. Pode-se muito bem ser honesto e bom sem saber ler nem escrever. Os maus Espíritos geralmente são indóceis, coléricos e gostam de fazer o mal. Ora, não nos consta que os do Sr. Squire jamais lhe hajam pregado uma peça. Eles obedecem com uma docilidade pacífica, que exclui toda suspeita de malevolência, nem por isso, entretanto, são aptos a fazer dissertações filosóficas. Consideramos o Sr. Squire um homem de suficiente bomsenso para se ofender com esta apreciação. Essa subordinação dos Espíritos que o assistem levou um dos nossos colegas a dizer que certamente o haviam conhecido em outra existência, na qual o Sr. Squire sobre eles haveria exercido uma grande autoridade, razão por que nesta existência ainda lhe conservam uma obediência passiva. Ademais, não se deve confundir os Espíritos que se ocupam de efeitos físicos propriamente ditos, e que mais comumente são designados por Espíritos batedores, com aqueles que se comunicam por meio de batidas. Este último meio é uma linguagem e pode ser empregada como escrita por Espíritos de qualquer ordem.

Como dissemos, vimos muitas pessoas que assistiram às experiências do Sr. Squire, mas entre as que não eram iniciadas na Ciência Espírita, muitas saíram pouco convencidas, o que demonstra que a simples visão dos mais extraordinários efeitos não basta para levar à convicção. Depois de ouvidas as explicações que lhes demos, sua maneira de ver modificou-se. Por certo não apresentamos esta teoria como a última palavra e solução definitiva. Mas, desde que não se podem explicar os fatos por leis conhecidas, há que convir que o sistema por nós admitido não é destituído de verossimilhança. Admitamo-lo, se assim o quiserem, a título de simples hipótese, e quando for apresentada uma solução melhor, seremos um dos primeiros a aceitá-la.



[1] Ser membro do Instituto é receber a mais alta designação honorífica na Franca. O Instituto é um conjunto de cinco academias, a saber: 1.º ─ A Académie Française, fundada em 1635 pelo Cardeal Richelieu, com 40 membros; 2.º ─ A Académie de Inscriptions et BelIes-Lettres, fundada por Colbert em 1663, com 40 membros; 3º ─ A Académie des Sciences morales et politiques, criada pela Convenção em 1795, com 40 membros; 4.º ─ A Académie des Sciences, fundada por Colbert em 1666, com 66 membros e 2 secretários perpétuos; 5º ─ A Académie des Beaux-Arts, composta de várias secções fundadas pelo Cardeal Mazarini e por Colbert e em 1795 reunidas num só organismo. (N. do T.)



Escassez de médiuns

Conquanto só recentemente publicado, “O Livro dos Médiuns” já provocou em várias localidades o desejo de formar reuniões espíritas íntimas, como nós aconselhamos. Escrevem-nos, entretanto, que param ante a escassez de médiuns. Por isso julgamo-nos no dever de dar alguns conselhos sobre a maneira de supri-los.

Um médium, e sobretudo um bom médium, é incontestavelmente um dos elementos essenciais em toda reunião que se ocupa de Espiritismo; mas seria erro pensar que, em sua falta, nada mais resta que cruzar os braços ou suspender a sessão. Absolutamente não compartilhamos a opinião de uma pessoa que compara uma sessão espírita sem médiuns a um concerto sem músicos. A nosso ver, existe uma comparação muito mais justa ─ a do Instituto e de todas as sociedades científicas que sabem empregar o seu tempo sem ter permanentemente sob os olhos o material de experimentação. Vai-se a um concerto ouvir música. É, pois, evidente que se os músicos estiverem ausentes, o objetivo falhou. Mas numa reunião espírita, vamos ─ ou, pelo menos, deveríamos ir ─ para nos instruirmos. A questão agora é saber se não podemos fazê-lo sem o médium. Certamente para os que vão a essas reuniões com o único objetivo de ver efeitos, o médium será tão indispensável quanto o músico no concerto; mas para os que, antes de mais nada, buscam instruir-se, que querem aprofundar-se nas várias partes da Ciência, em falta de um instrumento de experimentação terão mais de um meio de obtê-lo. É o que tentaremos explicar.

Para começar, diremos que se os médiuns são comuns, os bons médiuns, na verdadeira acepção da palavra, são raros. Diariamente a experiência prova que não basta possuir a faculdade mediúnica para ter boas comunicações. Mais vale, pois, privar-se de um instrumento, do que o ter defeituoso. Por certo, para os que buscam nas comunicações mais o fato do que a qualidade; que assistem mais por distração do que para esclarecimento, a escolha do médium é bastante indiferente, e aquele que maior quantidade de efeitos produz será o mais interessante. Mas nós falamos dos que têm um objetivo mais sério e que veem mais longe. A estes é que nos dirigimos, pois estamos seguros de que nos compreendem.

Por outro lado, os melhores médiuns estão sujeitos a intermitências mais ou menos longas, durante as quais há suspensão total ou parcial da faculdade mediúnica, sem falar das numerosas causas acidentais, que momentaneamente podem privar-nos de seu concurso. Acrescentemos ainda que os médiuns perfeitamente flexíveis, os que se prestam a todos os gêneros de comunicações, são ainda mais raros. Em geral possuem aptidões especiais, das quais importa não desviá-los. Vê-se portanto que se não houver elementos de reserva, podemos ficar desprevenidos quando menos o esperamos, e seria aborrecido que em tais condições os trabalhos fossem interrompidos.

O ensino fundamental que se vem buscar nas reuniões espíritas sérias é, sem dúvida, dado pelos Espíritos. Mas que frutos tiraria um aluno das lições dadas pelo mais hábil professor se ele também não trabalhasse? Se não meditasse sobre o que ouviu? Que progressos faria a sua inteligência se tivesse constantemente o mestre ao seu lado, para lhe mastigar a tarefa e lhe poupar o esforço de pensar?

Nas reuniões espíritas, os Espíritos desempenham dois papéis: uns são professores que desenvolvem os princípios da Ciência, elucidam os pontos duvidosos, e sobretudo ensinam as leis da verdadeira moral; outros são material de observação e de estudo, que servem de aplicação. Dominada a lição, sua tarefa está acabada e a nossa principiada: a de trabalhar naquilo que nos foi ensinado, a fim de melhor compreendermos e de melhor apreendermos o seu sentido e o seu alcance. É a fim de nos deixar o tempo livre para cumprirmos o nosso dever ─ permitam-nos a expressão clássica ─ que os Espíritos suspendem, por vezes, as suas comunicações. Bem que eles nos querem instruir, mas com a condição de que lhes secundemos os esforços. Eles se cansam de repetir incessantemente, mas inutilmente, a mesma coisa. Eles advertem. Se não são ouvidos, retiram-se, a fim de termos tempo para refletir.

Na ausência de médiuns, uma reunião que se propõe algo mais que ver manejar um lápis, tem mil e um meios de empregar o tempo de maneira proveitosa. Limitamo-nos a indicar alguns, sumariamente:

1.º ─ Reler e comentar as comunicações anteriores, cujo estudo aprofundado fará ressaltar melhor o seu valor.

Se alguém alegasse que isto seria fastidioso e monótono, diríamos que ninguém se cansa de ouvir um bonito trecho de música ou de poesia; que depois de haver escutado um sermão eloquente, gostaríamos de o ler com a cabeça fresca; que certas obras são lidas vinte vezes, porque a cada vez nelas descobrimos algo de novo. Aquele que apenas é tocado pelas palavras se aborrece ao ouvir a mesma coisa repetida apenas duas vezes, mesmo que essa coisa seja sublime; sente necessidade de coisas novas para despertar o seu interesse, ou melhor, para distraí-lo. Aquele que raciocina tem um sentido a mais: é mais tocado pelas ideias do que pelas palavras. É por isso que gosta de ouvir mais vezes aquilo que lhe vai ao espírito, sem parar no ouvido.

2.º ─ Narrar os fatos de que se tem conhecimento, discuti-los, comentá-los, explicá-los pelas leis da Ciência Espírita; examinar-lhes a possibilidade ou a impossibilidade; ver o que encerram de provável ou de exagero; distinguir a imaginação da superstição, etc.

3.º ─ Ler, comentar e desenvolver cada artigo de “O Livro dos Espíritos” e de “O Livro dos Médiuns,” bem como todas as outras obras sobre o Espiritismo.

Esperamos nos desculpem citarmos aqui as nossas próprias obras, o que é muito natural, pois que para isso foram escritas. Aliás, não passa isto de uma indicação e não de uma recomendação expressa. Aqueles aos quais elas não convierem podem livremente pô-las de lado. Longe de nós a pretensão de pensar que outros não as possam fazer tão boas ou melhores. Apenas julgamos que, até o momento, a Ciência nelas é encarada de modo mais completo do que em muitas outras, e que elas respondem a um maior número de perguntas e de objeções. É por esse motivo que as recomendamos. Quanto ao seu mérito intrínseco, só o futuro lhes será o grande juiz.

Daremos um dia um catálogo racional das obras que direta ou indiretamente tratam da Ciência Espírita, na Antiguidade e nos tempos modernos, na França e no estrangeiro, entre os autores sacros e os profanos, tão logo tenhamos reunido os elementos necessários. É um trabalho naturalmente muito longo, e ficaremos muito agradecidos às pessoas que quiserem facilitar-nos a tarefa, fornecendo-nos documentos e indicações.

4.º ─ Discutir os vários sistemas de interpretação dos fenômenos espíritas.

Sobre esta matéria, recomendamos a obra do Sr. de Mirville e a do Sr. Louis Figuier, que são as mais importantes. A primeira é rica em fatos do mais alto interesse, colhidos em fontes legítimas. Só a conclusão é contestável, porque vê apenas demônios em toda parte. É certo que o acaso o serviu ao seu gosto, pondolhe sob as vistas o que melhor poderia ajudá-lo, ao passo que lhe ocultava os inumeráveis fatos que a própria religião vê como obra dos anjos e dos santos.

L’historie du merveilleux dans les temps modernes, pelo Sr. Figuier, é interessante sob outro ponto de vista. Não se sabe muito bem por que, ali se encontram fatos longa e minuciosamente narrados, mas que vale a pena conhecer. Quanto aos fenômenos espíritas propriamente ditos, ocupam a parte menos considerável dos quatro volumes. Enquanto o Sr. de Mirville tudo explica pelo diabo, quando os outros o explicam pelos anjos, o Sr. Figuier, que nem acredita nos diabos nem nos anjos, nem nos Espíritos, bons ou maus, tudo explica, ou pensa explicar, pelo organismo humano. O Sr. Figuier é um cientista. Escreve com seriedade e se apoia no testemunho de alguns cientistas. Pode-se, pois, considerar o seu livro como a última palavra da Ciência oficial sobre o Espiritismo, e essa palavra é a negação de todo princípio inteligente fora da matéria. É uma pena que a Ciência seja posta a serviço de tão triste causa. Porém, ela, que nos desvenda incessantemente as maravilhas da Criação, e que escreve o nome de Deus em cada folha das plantas e nas asas de cada inseto, não é por isso culpada. Culpados são os que se esforçam para, em nome dela, persuadir que após a morte não restam mais esperanças.

Verão, pois, os espíritas, por este livro, a que se reduzem os raios terríveis que deveriam aniquilar a sua crença. Aqueles que poderiam ter sido abalados pelo receio de um choque, fortalecer-se-ão vendo a pobreza dos argumentos opostos; as inúmeras contradições resultantes da ignorância e da falta de observação dos fatos. A esse respeito a leitura pode ser-lhes útil, quando mais não fosse, para permitir falar dessa obra com maior conhecimento de causa do que o faz o autor em relação ao Espiritismo, que nega sem o haver estudado, pelo simples fato de negar todo poder extra-humano. O contágio de semelhantes ideias não deve ser temido. Elas trazem em si mesmas o antídoto: a instintiva repulsa do homem pelo nada. Proibir um livro é provar que o tememos. Nós aconselhamos a leitura do livro do Sr. Figuier.

Se a pobreza de seus argumentos contra o Espiritismo é manifesta nas obras sérias, sua nulidade é absoluta nas diatribes e artigos difamatórios, nos quais a raiva impotente se trai pela grosseria, pela injúria e pela calúnia. Lê-los nas reuniões sérias seria dar-lhes demasiada importância. Neles nada há a refutar, nada a discutir e, consequentemente, nada a aprender. Temos apenas que desprezá-los.

Vê-se, pois, que fora das instruções dadas pelos Espíritos, existe matéria ampla para um trabalho útil. Acrescentemos, mesmo, que nesse trabalho colheremos abundantes elementos de estudo a submeter aos Espíritos, através de perguntas às quais inevitavelmente ele dará lugar. Mas se podemos, caso seja necessário, suprir a ausência momentânea de médiuns, não seria lógico preconizar a sua abolição indefinida. É necessário nada negligenciar, com o fito de encontrá-los. O melhor, para uma reunião, é procurá-los em seu próprio seio, e se se reportarem ao que sobre a matéria dizemos em nossa última obra, às páginas 306 e 307, ver-se-á que isso é mais fácil do que se pensa.



Carta sobre a incredulidade (Conclusão. Vide o nº de Janeiro de 1861)

Desde que o homem existe na Terra, existem Espíritos. Desde então, portanto, eles se manifestam aos homens. A História e a tradição formigam de provas a esse respeito, mas, seja porque uns não compreendessem os fenômenos de tais manifestações; seja porque outros não tivessem coragem de divulgá-los, por medo da cadeia ou da fogueira; seja porque esses fatos fossem considerados como superstição ou charlatanismo por pessoas muito preconceituosas, ou que tinham interesse que a luz não se fizesse; seja, enfim, porque eram levados à conta do demônio por uma outra classe de interessados, o certo é que, até estes últimos tempos, embora bem constatados, esses fenômenos ainda não tinham sido explicados de modo satisfatório ou, pelo menos, a verdadeira teoria ainda não tinha caído no domínio público, provavelmente porque a Humanidade ainda não se achava madura para isto, como para muitas outras coisas maravilhosas que se realizam em nossos dias.

À nossa época estava reservada a eclosão, no mesmo meio século, do vapor, da eletricidade, do magnetismo animal, pelo menos como ciências aplicadas e, enfim, do Espiritismo, de todas a mais maravilhosa, não só pela constatação material de nossa existência imaterial e de nossa imortalidade, mas ainda pelo estabelecimento de relações, por assim dizer materiais e constantes, entre nós e o mundo invisível.

Que consequências incalculáveis não irão nascer de tão prodigioso acontecimento! Mas, para não falar senão daquilo que no momento mais fere a generalidade das criaturas, da morte, por exemplo, não a vemos reduzida ao seu verdadeiro papel de acidente natural, necessário e até feliz, diria eu, perdendo assim o seu caráter de acontecimento doloroso e terrível, pois que, para os que morrem, ela representa o momento de despertar; pois que, desde o dia seguinte ao da morte de um ente querido, nós que ficamos poderemos continuar nossas relações íntimas, como no passado? Nada mudou além de nossas relações materiais! Não o vemos mais, não o tocamos mais, não mais ouvimos a sua voz, mas continuamos a trocar com ele os nossos pensamentos, como em vida e, muitas vezes até, mais vantajosamente para nós. Depois disto, que é o que resta de tão doloroso? Se acrescentarmos ao que precede a certeza de que não mais estamos separados dele senão por alguns anos, alguns meses, talvez alguns dias, não será tudo isto para transformar num simples acontecimento útil aquilo que até hoje, com raríssimas exceções, os mais decididos não podiam encarar sem terror, e que certamente constitui o tormento incessante da vida inteira de muitos homens? Mas eu me afasto do assunto.

Antes de explicar-te a prática muito simples das comunicações, queria tentar dar uma ideia da sua teoria fisiológica que construí para mim. Não a dou como certa, pois ainda não a vi explicada pela Ciência, mas pelo menos me parece que deve ser alguma coisa parecida com isto.

Age o Espírito sobre a matéria tanto mais facilmente quanto mais esta é disposta de modo adequado a receber a sua ação. Por isto não age diretamente sobre toda espécie de matéria, posto pudesse agir indiretamente, desde que entre ele e essa matéria existissem certas substâncias de uma organização graduada, que pusesse em contato os dois extremos, isto é, a matéria mais bruta e o Espírito. É assim que o Espírito de um homem vivo desloca pesados blocos de pedra, manipula-os e os agrega a outros, formando um todo que chamamos casa, coluna, igreja, palácio, etc. Foi o homem-corpo o autor de tudo isso? Quem ousaria dizê-lo?... Sim, foi ele que fez tudo isso, como é a minha pena que escreve esta carta. Mas voltemos, porque me sinto novamente à deriva.

Como se põe o Espírito em contato com o pesado bloco de pedra que quer deslocar? Por meio da matéria escalonada entre ele e o bloco. A alavanca põe o bloco em relação com a mão; a mão põe a alavanca em relação com os músculos; os músculos põem a mão em relação com os nervos; os nervos põem os músculos em relação com o cérebro, e o cérebro põe os nervos em relação com o Espírito, a menos que haja uma matéria ainda mais delicada, um fluido que ponha o cérebro em relação com o Espírito. Seja como for, um intermediário a mais ou a menos não infirma a teoria. Quer aja o Espírito em primeira ou em segunda mão sobre o cérebro, age sempre muito de perto, de sorte que, retomando os contatos em sentido contrário, ou antes, na sua ordem natural, eis o Espírito agindo sobre uma matéria extremamente delicada, organizada pela sabedoria do Criador de maneira adequada a receber diretamente, ou quase diretamente, a ação de sua vontade. Essa matéria, que é o cérebro, age por meio de suas ramificações, a que chamamos nervos, sobre uma outra matéria menos delicada, mas que o é ainda bastante para receber a ação destes, os músculos. Os músculos imprimem movimento às partes sólidas que são os ossos do braço e da mão, enquanto que as outras partes da estrutura óssea, recebendo a mesma ação, servem de ponto de apoio ou sustentáculo. A parte óssea, quando por si mesma não é ainda suficientemente forte ou suficientemente longa para agir diretamente, multiplica a sua força servindo-se da alavanca, e eis o pesado bloco inerte obediente e dócil à vontade do Espírito que, sem essa hierarquia intermediária, nenhuma ação teria sobre ele.

Procedendo mais ou menos assim, eis que os menores feitos do Espírito ficam explicados, assim como, em sentido contrário, se vê como pode o Espírito chegar a transportar montanhas, secar lagos, etc. Em tudo isso o corpo quase que desaparece em meio à multidão de instrumentos necessários, entre os quais apenas representa o primeiro papel.

Quero escrever uma carta. Que devo fazer? Pôr uma folha de papel em relação com o meu Espírito, como pouco antes punha um bloco de pedra. Substituo a alavanca pela pena e a coisa está feita. Eis a folha de papel repetindo o pensamento do meu Espírito, como há pouco o movimento transmitido ao bloco manifestava a sua vontade.

Se meu Espírito quer transmitir mais diretamente, mais instantaneamente o seu pensamento ao teu, desde que nada se oponha, como a distância ou a interposição de um corpo sólido, sempre por meio do cérebro e dos nervos, ele põe em movimento o órgão da voz que, ferindo o ar de vários modos, produz certos sons variados e convencionais que representam o pensamento, os quais vão repercutir sobre o teu órgão auditivo, que os transmite ao teu Espírito por meio de teus nervos e de teu cérebro. É sempre o pensamento, manifestado e transmitido por uma série de agentes materiais graduados e interpostos entre seu princípio e seu objeto.

Se verdadeira a teoria acima, parece que agora nada mais fácil do que explicar o fenômeno das manifestações espíritas, e particularmente da escrita mediúnica, que é o que nos ocupa no momento.

Sendo a substância psíquica idêntica em todos os Espíritos, seu modo de ação sobre a matéria deve ser o mesmo para todos. Só o seu poder pode variar de intensidade. Sendo a matéria dos nervos organizada de maneira a poder receber a ação de um Espírito, razão não existe para que não possa recebê-la de um outro, cuja natureza não difere da do primeiro, e desde que a substância de todos os Espíritos é da mesma natureza, todos os Espíritos devem ser aptos a exercer, não direi a mesma ação, mas o mesmo modo de ação sobre a substância, todas as vezes que se achem em condições de poder fazê-lo. Ora, é isto o que acontece nas evocações.

Que é a evocação?

É um ato pelo qual um Espírito, dono de um corpo, pede a outro Espírito, ou, muito simplesmente, lhe permite servir-se de seu próprio órgão, de seu próprio instrumento, para manifestar o seu pensamento ou a sua vontade.

Nem por isso o dono abandona o seu corpo. Pode momentaneamente neutralizar sua própria ação sobre o órgão da transmissão, deixando-o à disposição do outro que, entretanto, não pode dele servir-se senão enquanto o outro o permitir, em virtude do axioma de direito natural, de que cada um é senhor em sua casa. Contudo, é preciso que se diga, acontece no Espiritismo, como nas Sociedades humanas, que esse direito de propriedade nem sempre é escrupulosamente respeitado pelos senhores Espíritos e que muitos médiuns têm sido surpreendidos por terem dado hospedagem a seres não convidados e até indesejáveis. Mas isto é um dos mil insignificantes aborrecimentos da vida, os quais devemos saber suportar, mesmo porque eles sempre têm o seu lado útil, quanto mais não fosse porque nos experimentam, ao mesmo tempo em que são a prova manifesta da ação de um Espírito estranho sobre o nosso órgão, fazendo-nos escrever coisas que estávamos longe de imaginar ou que não tínhamos a menor vontade de ouvir. Entretanto, isto só acontece aos médiuns incipientes. Quando formados, já lhes não acontece mais, ou, pelo menos, já não se deixam pilhar.

Todos são aptos a ser médiuns? Naturalmente assim deveria ser, embora em graus diversos, como nas diversas aptidões. Esta é a opinião do Sr. Kardec. Há médiuns escreventes; médiuns videntes; médiuns auditivos; médiuns intuitivos, isto é, médiuns que escrevem, que são os mais numerosos e os mais úteis; médiuns que veem os Espíritos; outros que os ouvem e conversam com eles como com os vivos, embora sejam raros; outros que recebem em seu cérebro o pensamento do Espírito evocado e o transmitem pela palavra. Raramente um médium possui simultaneamente muitas dessas faculdades. Existem ainda médiuns de outro gênero, isto é, cuja simples presença num lugar permite a manifestação dos Espíritos, quer por meio de golpes vibrados, quer pelo movimento dos corpos, tal como o deslocamento de um guéridon[1], o levantamento de uma cadeira, de uma mesa ou de qualquer outro objeto. Foi por este meio que os Espíritos começaram a manifestarse, revelando a sua existência. Ouviste falar das mesas girantes e da dança das mesas. Riste, e eu também ri. Que queres? Foram os primeiros meios de que os Espíritos se serviram para chamar a atenção. Assim foi reconhecida a sua presença, depois do que, com o auxílio da observação e do estudo, foram descobertas no homem faculdades até então ignoradas, por meio das quais pode ele entrar em comunicação direta com os Espíritos. Não é maravilhoso tudo isto? Entretanto, é apenas natural, somente que ─ eu te repito ─ estava reservado à nossa era fazer a descoberta e a aplicação desta Ciência, como de muitos outros maravilhosos segredos da Natureza.

Agora, para nos pormos em relação com os Espíritos ou, pelo menos, para ver se somos aptos a fazê-lo pela escrita, toma-se de uma folha de papel e de um lápis macio, ficando em posição de escrever. É sempre bom começar por dirigir uma prece a Deus, depois evoca-se um Espírito, isto é, pede-se-lhe a bondade de vir comunicar-se conosco, fazendo-nos escrever. Por fim, espera-se, sempre na mesma posição.

Há pessoas que têm a faculdade mediúnica de tal modo desenvolvida que escrevem logo de começo. Outras, ao contrário, só veem a faculdade desenvolver-se com o tempo e a perseverança. Neste caso, repete-se a sessão todos os dias, para o que basta um quarto de hora. É inútil ultrapassar esse período, mas, tanto quanto possível, deve repetir-se todos os dias, de vez que a perseverança é uma das primeiras condições de sucesso. Também é necessário fazer sua prece e sua evocação com fervor; mesmo repeti-la durante o exercício; ter vontade firme, um grande desejo de êxito e, sobretudo, não se distrair. Uma vez obtida a escrita, as últimas precauções tornam-se desnecessárias.

Quando se está para escrever, sente-se em geral um ligeiro frêmito na mão, às vezes precedido de uma leve dormência na mão e no braço, outras vezes uma pequena dor nos músculos do braço e da mão. São os sinais precursores e quase sempre evidentes de que está próximo o momento do sucesso, que por vezes é imediato e outras vezes se faz esperar por um ou vários dias, mas nunca tarda demasiadamente. Apenas para chegar a tal ponto é preciso mais ou menos tempo, o que pode variar de um instante a seis meses, mas, eu repito, bastam quinze minutos de exercício diário.

Quanto aos Espíritos que podem ser evocados para tais exercícios preparatórios, é preferível dirigir-se ao Espírito familiar, que sempre está próximo e jamais nos deixa, enquanto que os outros Espíritos podem estar presentes apenas momentaneamente ou não estarem presentes no momento em que os evocamos, ou ainda, por um motivo qualquer, estarem impossibilitados de atender ao nosso apelo, como por vezes acontece.

O Espírito familiar, que se assemelha, até certo ponto, ao anjo da guarda da teoria católica, não é, entretanto, exatamente aquilo que nos apresenta o dogma católico. É apenas o Espírito de um mortal que viveu como nós, mas que é muito mais adiantado que nós e consequentemente nos é infinitamente superior em bondade e em inteligência; que realiza aqui uma missão meritória para si e proveitosa para nós, e que nos acompanha tanto neste mundo como no outro, até ser chamado a uma nova encarnação, ou até que nós mesmos, chegados a um certo grau de superioridade, sejamos chamados, na outra vida, a realizar missão semelhante junto a um mortal menos evoluído do que nós.

Tudo isto, meu caro amigo, entra maravilhosamente, como o vês, nas nossas ideias de solidariedade universal. Tudo isto, mostrando-nos essa solidariedade estabelecida em todos os tempos e funcionando constantemente entre nós e o mundo invisível, prova-nos evidentemente não ser uma utopia da concepção humana, mas uma das leis da Natureza; que os primeiros pensadores que a pregavam não a inventaram, mas apenas a descobriram; que, enfim, estando nas leis da Natureza, será chamada fatalmente a se desenvolver nas sociedades humanas, a despeito das resistências e obstáculos que ainda lhe possam antepor os cegos adversários[2].

Só me resta falar da maneira de evocar. É a coisa mais simples. Não há para isto nenhuma fórmula cabalística ou obrigatória. Tu te diriges ao Espírito nos termos que te convêm, eis tudo.

Para te dar melhor a compreender a simplicidade da coisa, entretanto, dar-te-ei a fórmula que eu mesmo emprego:

“Deus todo poderoso! Permite a meu bom anjo (ou ao Espírito de Fulano, caso se prefira) comunicar-se comigo e fazer-me escrever.” Ou então: “Em nome de Deus todo poderoso, eu te peço, meu bom anjo (ou Espírito de Fulano) que te comuniques comigo.”

Agora queres o resultado de minha própria experiência. Ei-lo:

Depois de seis semanas, mais ou menos, de exercícios infrutíferos, um dia senti a mão tremer, agitar-se e de súbito traçar com o lápis caracteres informes. Nos exercícios seguintes, tais caracteres, embora sempre ininteligíveis, tornaram-se mais regulares. Eu escrevia linhas e páginas com a velocidade de minha escrita ordinária, mas sempre ilegíveis. Outras vezes traçava parágrafos de todos os tipos, pequenos, grandes, às vezes em todo o papel. Outras vezes eram linhas retas, de alto a baixo, ou transversais; ainda outras eram círculos grandes e pequenos, e tão repetidos uns sobre os outros que a folha de papel ficava enegrecida pelo lápis.

Enfim, depois de um mês de exercícios os mais variados, mas também os mais insignificantes, comecei por aborrecer-me e pedi ao meu Espírito familiar que me fizesse pelo menos traçar letras, caso não pudesse fazer-me escrever palavras. Então obtive todas as letras do alfabeto, mas não consegui mais que isso.

Neste ínterim, minha mulher, que sempre tivera o pressentimento de não possuir a faculdade mediúnica, decidiu-se, entretanto, a experimentar e, ao cabo de quinze dias, pôs-se a escrever corretamente e com grande facilidade. Mais feliz do que eu, entretanto, fazia-o muito corretamente e muito legível.

Um dos nossos amigos conseguiu, desde o segundo exercício, garatujar como eu, mas foi tudo. Não esmorecemos por isto e nos convencemos de que era uma prova e que, mais cedo ou mais tarde, escreveríamos. É preciso ter paciência. É fácil.

Numa outra carta relatarei as comunicações que obtivemos por minha mulher e que, por mais singulares que pareçam, são sobretudo muito concludentes quanto à existência dos Espíritos. Chega por hoje. Eu devia fazer-te uma exposição que, embora sumária, pudesse abarcar o conjunto da teoria espírita. Espero que isto baste para excitar tua curiosidade e sobretudo para despertar teu interesse. A leitura das obras especializadas a que irás dedicar-te fará o resto.

Esperando a obra prática de que te falei, remeterei brevemente a obra filosófica intitulada “O Livro do Espíritos”.

Estuda, lê, relê, experimenta, trabalha e, sobretudo, não desanimes. A coisa vale a pena.

Ainda mais: não ligues atenção aos que riem; há muitos que não riem mais, embora ainda estejam de posse de todos os órgãos que lhes serviam para tanto. A ti e até breve,

CANU


[1] Mesa de três pés (N. R.).


[2] Por menos que os fatos mais naturais, mas ainda não explicados, se prestem ao maravilhoso, todos sabem com que habilidade a truanice se apodera deles e com que audácia os explora. Talvez ainda esteja nisso um dos maiores obstáculos à descoberta e sobretudo à vulgarização da verdade.



Palestras familiares de além-túmulo - Suicídio de um ateu

O Sr. J. B. D..., evocado a pedido de um de seus parentes, era um homem instruído, mas até o último grau imbuído de ideias materialistas. Não acreditava na alma nem em Deus. Afogou-se voluntariamente há dois anos.

1. (Evocação). ─ Sofro! Sou um condenado.

2. ─ Pediram-nos que vos chamasse da parte de um dos vossos parentes, que deseja conhecer a vossa sorte. Podeis dizer se esta evocação é agradável ou penosa? ─ Penosa.

3. ─ Vossa morte foi voluntária? ─ Sim. Observação: O Espírito escreve com extrema dificuldade. A letra é grande, irregular, convulsa e quase ilegível. De início denota cólera, quebra o lápis e rasga o papel.

4. ─ Tende calma. Rogaremos por vós a Deus. ─ Sou forçado a crer em Deus.

5. ─ Que motivo vos levou a vos destruirdes? ─ Tédio da vida sem esperança. Observação: Compreende-se o suicídio quando a vida é sem esperança. Querse fugir à infelicidade a todo custo. Com o Espiritismo o futuro se desenrola e a esperança se legitima. O suicídio, então, não tem objetivo; ainda mais, reconhece-se que por tal meio não se escapa a um mal senão para cair num outro cem vezes pior. Eis por que o Espiritismo já subtraiu tantas vítimas à morte voluntária. Estão errados e são sonhadores aqueles que nele buscam, antes de mais nada, o fim moral e filosófico? Muito culpados são aqueles que, por sofismas científicos e no suposto nome da razão, se esforçam por prestigiar a ideia desesperada, fonte de tantos males e crimes, de que tudo acaba com a vida. Serão responsáveis não só por seus próprios erros, mas por todos os males de que tiverem sido causadores.

6. ─ Quisestes escapar às vicissitudes da vida. Conseguistes alguma coisa? Sois mais feliz agora? ─ Por que o nada não existe?!

7. ─ Teríeis a bondade de descrever-nos o melhor possível a vossa situação? ─ Sofro por ser obrigado a crer em tudo aquilo que negava. Minha alma está como que num braseiro, horrivelmente atormentada.

8. ─ De onde vinham as ideias materialistas que tínheis em vida? ─ Em outra existência eu tinha sido mau, e meu Espírito estava condenado a sofrer os tormentos da dúvida durante minha vida. Assim, matei-me. Observação: Existe aqui toda uma ordem de ideias. Frequentemente nos perguntamos como pode haver materialistas, de vez que, já tendo passado pelo mundo espírita, deveríamos ter-lhe a intuição. Ora, é precisamente essa intuição que é recusada, como castigo, a certos Espíritos que conservaram o orgulho e não se arrependeram de suas faltas. Não devemos esquecer que a Terra é um lugar de expiação. Eis por que ela encerra tantos Espíritos maus encarnados.

9. ─ Quando vos afogastes, que pensáveis que vos iria acontecer? Que reflexões fizestes naquele momento? ─ Nenhuma. Para mim era o nada. Vi depois que não tendo esgotado a minha pena, ainda iria sofrer muito.

10. ─ Agora estais bem convencido da existência de Deus, da alma e da vida futura? ─ Oh! Sou terrivelmente atormentado por isto!

11. ─ Revistes vossa mulher e vosso irmão? ─ Oh! não!

12. ─ Por quê? ─ Por que reunir nossos tormentos? A gente se exila na desgraça e só se reúne na felicidade. Ai de mim!

13. ─ Gostaríeis de rever o vosso irmão, que poderíamos chamar para o vosso lado? ─ Não, não! Eu estou muito mal.

14. ─ Por que não quereis que o chamemos? ─ É que também ele não é feliz.

15. ─ Temeis a sua presença. Entretanto, ela não vos poderia fazer bem? ─ Não. Mais tarde.

16. ─ Vosso parente pergunta se assististes ao vosso enterro e se ficastes satisfeito com o que ele fez na ocasião. ─ Sim.

17. ─ Desejais que ele diga alguma coisa? ─ Que orem um pouco por mim.

18. ─ Parece que na sociedade que frequentáveis algumas pessoas partilham das opiniões que tínheis em vida. Quereríeis dizer-lhes algo a respeito? ─ Ah! Que infelizes! Possam eles acreditar numa outra vida! É o que lhes posso desejar para maior felicidade. Se pudessem compreender minha triste posição, iriam refletir bastante. Evocação do irmão do precedente, que professava as mesmas ideias mas que não se suicidou. Conquanto infeliz, está mais calmo. Sua caligrafia é clara e legível.

19. (Evocação). ─ Possa o quadro de nossos sofrimentos vos ser uma lição útil, e vos persuadir de que há uma outra vida, na qual expiamos nossas faltas e nossa incredulidade!

20. ─ Vós e o vosso irmão que acabamos de evocar vos vedes reciprocamente? ─ Não. Ele foge de mim.

21. ─ Estais mais calmo que ele. Poderíeis dar-nos uma descrição mais exata dos vossos sofrimentos? ─ Na Terra não sofrem o vosso amor próprio, o vosso orgulho, quando sois obrigados a confessar o vosso erro? Vosso Espírito não se revolta ao pensamento de vos humilhardes ante aquele que vos demonstra que estais errados? Então! Que pensais que sofra o Espírito que em toda a sua existência ficou persuadido de que nada existe além de si mesmo e que tem razão contra todos? Quando, de repente, ele se acha ante a deslumbrante verdade, sente-se aniquilado e humilhado. A isto vem juntar-se o remorso de, por tanto tempo, ter esquecido a existência de um Deus tão bom, tão indulgente. Seu estado é insuportável; não encontra calma nem repouso; não achará um pouco de tranquilidade senão no momento em que a graça santa, isto é, o amor de Deus o tocar, porque de tal modo o orgulho se apodera do nosso pobre Espírito, que o envolve inteiramente, e ainda lhe é necessário muito tempo para se desfazer dessa túnica fatal. Só a prece dos nossos irmãos nos ajuda a nos desembaraçarmos dela.

22. ─ Quereis falar de vossos irmãos vivos ou em Espírito? ─ De uns e de outros.

23. ─ Enquanto conversávamos com o vosso irmão, um dos presentes orou por ele. A prece ter-lhe-á sido útil? ─ Não será perdida. Se agora recusa a graça, ela lhe voltará quando estiver em estado de recorrer a essa divina panaceia.

O resultado dessas duas evocações foi transmitido à pessoa que no-las tinha pedido. Então recebemos a seguinte resposta:

“Não podeis imaginar, senhor, quão grande foi o bem produzido pela evocação de meu sogro e de meu tio. Nós os reconhecemos perfeitamente. Sobretudo a letra do primeiro tem uma notável analogia com a que tinha em vida, tanto mais quanto, nos últimos meses que passou conosco, ela era arrebatada e indecifrável. Aí encontramos a mesma forma das pernas, da assinatura, e de certas letras, principalmente os d, f, o, p, q, t. Quanto às palavras, às expressões e ao estilo, são ainda mais notáveis. Para nós, a analogia é perfeita, a não ser o seu maior esclarecimento sobre Deus, a alma e a eternidade, que outrora ele negava tão formalmente. Estamos, pois, perfeitamente convencidos quanto à identidade. Deus será por isso mais glorificado por nossa crença mais firme no Espiritismo, e nossos irmãos, Espíritos e vivos, assim se tornarão melhores. A identidade de seu irmão não é menos evidente. A imensa diferença entre o ateu e o crente foi reconhecida no seu caráter, no seu estilo, nas suas expressões. Uma palavra, sobretudo, nos chocou: panaceia. Era sua expressão habitual, que dizia a todos e a todo momento.

“Mostrei as duas comunicações a várias pessoas, que ficaram tocadas por sua veracidade. Mas os incrédulos, os que participam das opiniões de meus dois parentes, desejavam respostas mais categóricas: que, por exemplo, o Sr. D... precisasse o lugar onde foi enterrado, onde se afogou, de que maneira procedeu, etc. Para satisfazê-los e os convencer, bem poderíeis fazer-lhe as seguintes perguntas: Onde e como cometeu o suicídio? Quanto tempo ficou mergulhado? Onde seu corpo foi encontrado? Em que lugar foi enterrado? De que maneira, civil ou religiosa se procedeu à inumação, etc.?

“Peço-vos, senhor, a bondade de exigir respostas categóricas a estas perguntas essenciais para os que ainda duvidam. Estou persuadido do imenso bem que isto produzirá. Procedo de modo que esta carta vos chegue amanhã, sexta-feira, a fim de poderdes evocá-lo na sessão da Sociedade a realizar-se nesse dia... etc.”

Reproduzimos esta carta devido à identidade que ela estabelece. Juntamos a nossa resposta, para instrução das pessoas não familiarizadas com as comunicações de além-túmulo.

“... As perguntas que desejais sejam dirigidas novamente ao Espírito de vosso sogro certamente são ditadas por louvável intenção, a de convencer os incrédulos, porque em vós não há mistura de sentimentos de dúvida e de curiosidade. Entretanto, um mais perfeito conhecimento do Espiritismo vos teria feito compreender que são supérfluas.

“Para começar, pedindo faça o vosso sogro dar respostas categóricas, certamente ignorais que não governamos os Espíritos à vontade. Eles respondem quando querem e como querem, e muitas vezes como podem. Sua liberdade de ação é ainda maior do que quando vivos e têm mais meios de subtrair-se à pressão moral que tentássemos exercer sobre eles. As melhores provas de identidade são dadas espontaneamente, de acordo com sua própria vontade ou que brotam das circunstâncias e, na maioria dos casos, é perder tempo querer provocá-las. Vosso parente provou sua identidade de modo irrecusável, segundo vossa opinião. É, pois, mais que provável que recuse responder a perguntas que de pleno direito ele considera supérfluas e feitas com o objetivo de satisfazer a curiosidade de pessoas que lhe são indiferentes. Poderia ele responder, como frequentemente fizeram outros Espíritos em casos semelhantes, perguntando:

“Qual o interesse em perguntar-me coisas que sabeis?” Acrescentarei, ainda, que o estado de perturbação e de sofrimento em que se encontra deve tornar-lhe mais penosas as pesquisas desse gênero, exatamente como se se quisesse obrigar um doente que apenas pode pensar e falar, a contar-nos detalhes de sua vida. Seria certamente faltar à consideração devida à sua posição.

“Quanto ao resultado que esperais, seria nulo, tende certeza. As provas de identidade fornecidas têm um valor ainda maior, pelo próprio fato de terem sido espontâneas e de que nada podia indicar aquele caminho. Se os incrédulos não estão satisfeitos com isso, também não o ficariam por meio de perguntas que poderiam inquinar de conivência. Há criaturas a quem nada pode convencer. Elas veriam o vosso sogro com os seus próprios olhos e diriam que estavam sendo vítimas de uma alucinação. O que de melhor se lhes pode fazer é deixá-las tranquilas e não perder tempo com palavras supérfluas. Só podemos lamentá-las, porque, mais cedo ou mais tarde aprenderão por si mesmas quanto custa terem repelido a luz que Deus lhes envia. É sobretudo contra esses que Deus manifesta a sua severidade.

“Duas palavras ainda, senhor, sobre o vosso pedido de evocação no mesmo dia em que devia receber a carta. As evocações não são feitas assim, às pressas. Nem sempre os Espíritos respondem ao nosso apelo. Para tanto, é necessário que o possam ou o queiram. Além disso, é preciso um médium que lhes convenha e que tenha a aptidão especial necessária; que esse médium esteja à disposição em dado momento; que o meio seja simpático ao Espírito, etc. Todas estas são circunstâncias pelas quais não podemos responder jamais, e que importa conhecer quando se quer fazer a coisa com seriedade.”

Questões e problemas

1. ─ Em um mundo superior, como Júpiter ou outro, tem o Espírito encarnado a lembrança das existências passadas, bem como a do estado errante? ─ Não. Desde que o Espírito reveste o envoltório material, perde a lembrança de suas existências anteriores.

─ Entretanto, em Júpiter o envoltório material é muito pouco denso e, por isto, não é o Espírito mais livre? ─ Sim, mas é suficientemente denso para extinguir no Espírito a lembrança do passado.

─ Então os Espíritos que habitam Júpiter e que se comunicaram conosco ali se encontravam mergulhados no sono?

─ Certamente. Naquele mundo, sendo o Espírito muito mais elevado, melhor compreende Deus e o Universo, mas o seu passado se apaga nesse momento, do contrário tudo obscureceria a sua inteligência; ele não se reconheceria a si mesmo; seria ele o homem da África, o da Europa ou da América? O da Terra, o de Marte ou o de Vênus? Não se recordando mais, é ele mesmo, o homem de Júpiter, inteligente, superior, compreendendo Deus, eis tudo. Observação: Se é necessário o esquecimento do passado num mundo mais adiantado, como o é Júpiter, com mais forte razão deve sê-lo em nosso mundo material. É evidente que a lembrança de nossas existências precedentes lançaria uma penosa confusão em nossas ideias, sem falar de todos os outros inconvenientes já assinalados a respeito. Tudo quanto Deus faz traz a marca de sua sabedoria e de sua bondade. Não nos cabe criticá-lo, até mesmo porque não compreendemos o objetivo.

2. ─ A Srta. Eugênia, um dos médiuns da Sociedade, oferece a notável particularidade, de certo modo excepcional, que é a prodigiosa facilidade com que escreve e a incrível prontidão com que os mais diversos Espíritos se comunicam por seu intermédio. Há poucos médiuns com tão grande flexibilidade. A que se deve isto?

─ Deve-se antes ao médium que ao Espírito. Este escreveria menos velozmente por um outro médium, pela razão de que a natureza do instrumento já não seria a mesma. Assim, há médiuns desenhistas, outros mais aptos para a Medicina, etc. Conforme a mediunidade, age o Espírito. É, pois, uma causa física, antes que uma causa moral. Os Espíritos se comunicam tanto mais facilmente por um médium, quanto mais rapidamente se dá a combinação entre os fluidos deste e os do Espírito e mais que os outros ele se presta à rapidez do pensamento, de que se aproveita o Espírito, como vós vos aproveitais de um carro veloz quando tendes pressa. Esta vivacidade do médium é puramente física. Seu próprio Espírito nisto não tem nenhuma influência.

─ Não haverá influência das qualidades morais do médium?

─ Elas têm uma grande influência nas simpatias dos Espíritos, pois é necessário saberdes que alguns têm uma tal antipatia por certos médiuns, que só vencendo grande repugnância se comunicam por intermédio deles. São Luís



Ensino espontâneo dos Espíritos - Ditados obtidos ou lidos na sociedade por vários médiuns

Ano de 1860 - (Médium: Sra. Costel)

Falarei da necessidade filosófica em que se acham os Espíritos de fazer frequentes regressões de memória sobre si mesmos; de dar, enfim, ao estado de seus cérebros o mesmo cuidado que cada um tem com o próprio corpo. Eis um ano terminado. Que progresso trouxe ele ao mundo intelectual? Muito grandes e muito sérios resultados, sobretudo no campo científico. Menos feliz, a literatura não recebeu senão fragmentos e detalhes encantadores. Mas como uma estátua mutilada, que encontramos enterrada e que admiramos, lastimando a perdida integridade de sua beleza, a literatura não oferece nenhuma obra séria.

Na França, ordinariamente, ela marcha à frente das outras artes. Este ano foi ultrapassada pela pintura, que floresce, gloriosa, acima das escolas rivais. Por que esse compasso de espera entre os nossos jovens escritores? A explicação é fácil. Falta-lhes o sopro generoso que inspiram as lutas. A indiferença pesa sobre eles. Folheiam-nos, criticam-nos, mas não os discutem apaixonadamente como no meu tempo, em que a luta literária dominava quase todas as preocupações. Ademais, não se improvisa um escritor, e é um pouco disto o que cada um faz. Para escrever são necessários longos e profundos estudos. Estes faltam absolutamente à vossa geração impaciente pelo gozo e preocupada, antes de tudo, com o sucesso fácil.

Termino admirando a marcha ascensional das Ciências e das Artes, e lamentando a ausência de generosos impulsos nos espíritos e nos corações.

J. J. ROUSSEAU

Observação: Esta comunicação, dada espontaneamente, prova que os Espíritos que deixam a Terra ainda se ocupam com o que aqui se passa e que lhes interessa, e acompanham a marcha do progresso intelectual e moral. Não é das infinitas profundezas do espaço que iriam fazê-lo. Para tanto, é necessário que estejam entre nós, em nosso meio, testemunhando o que se passa. Esta comunicação e a seguinte foram dadas na sessão da Sociedade de 28 de dezembro, onde se havia tratado do ano que findava e do que ia começar. Consequentemente, veio a propósito.



O ano de 1861

O ano que se extingue viu progredir sensivelmente a crença no Espiritismo. É uma grande felicidade para os homens, porque os retira um pouco das bordas do abismo que ameaça tragar o espírito humano. O ano novo será ainda melhor, porque verá graves mudanças materiais, uma revolução nas ideias, e o Espiritismo não será esquecido, crede-o; ao contrário, a ele se agarrarão, como a uma tábua de salvação. Rogarei a Deus que abençoe a vossa obra e a faça progredir.

São Luís

OBSERVAÇÃO: Numa sessão íntima, outro médium recebeu espontaneamente, sobre o mesmo assunto, a seguinte comunicação:

“O ano que se vai iniciar traz nas suas dobras as maiores coisas. De cabeça baixa, a reação vai cair na armadilha que preparou. Por que pensais que a Terra se cobre de estradas de ferro e o mar se entreabre à eletricidade, senão para espalhar a boa nova? O verdadeiro, o bom e o belo serão, enfim, por todos compreendidos. Não vos canseis, verdadeiros espíritas, porque a vossa tarefa está marcada na obra da regeneração. Felizes os que souberem realizá-la.

Léon J... (irmão do médium).



A mudança é absolutamente necessária. O progresso é a lei divina, e parece que avançou nos últimos anos mais que nos outros. Relativamente a 1860, 1861 será magnífico, mas pálido, se considerarmos 1862, porque quereis partir, caros irmãos e, uma vez que o sopro divino põe a locomotiva em movimento, não há descarrilamento possível.

LEÃO X

Comentário ao ditado publicado sob o titulo de "despertar do espírito"

Numa comunicação que o Espírito de Georges ditou à Senhora Costel, publicada na Revista de outubro de 1860, sob o título O despertar do Espírito, foi dito que não há relações amistosas entre os Espíritos errantes; que até mesmo aqueles que se amaram não trocam sinais de reconhecimento. Sobre muitas pessoas essa teoria causou uma impressão muito penosa, principalmente porque os leitores da Revista consideram aquele Espírito elevado, e admiraram a maioria de suas comunicações. Se essa teoria fosse absoluta, estaria em contradição com o que tantas vezes foi dito, que no momento da morte os Espíritos amigos vêm receber o recém chegado; ajudam-no a se desvencilhar dos laços terrenos e, de certo modo, o iniciam em sua nova vida. Por outro lado, se os Espíritos inferiores não se comunicassem com os mais adiantados, não poderiam progredir.

Procuramos refutar essas objeções num artigo da Revista de novembro de 1860, sob o título Relações afetuosas dos Espíritos, mas eis os comentários que, a pedido nosso, o próprio Georges deu em sua comunicação:

“Quando um homem é surpreendido pela morte nos hábitos materialistas de uma vida que jamais lhe deixou tempo livre para se ocupar de Deus; quando, ainda palpitando de angústias e de pavores terrenos chega ao mundo dos Espíritos, ele se assemelha a um viajante que ignora a língua e os costumes da terra que visita. Mergulhado na perturbação, é incapaz de se comunicar e de compreender até as próprias sensações, bem como as alheias; erra, envolto no silêncio. Então sente germinarem, brotarem e se desenvolverem lentamente pensamentos desconhecidos, e uma nova alma floresce na sua. Chegada a tal ponto, a alma cativa sente caírem suas amarras, e qual uma ave posta em liberdade, lança-se para Deus, soltando um grito de alegria e de amor. Então se comprimem ao seu redor os Espíritos dos parentes, os amigos purificados que silenciosamente haviam-no acolhido em seu retorno. São em número pequeno aqueles que podem, logo após a libertação do corpo, comunicar-se com os amigos nesse reencontro. É necessário ter merecido, e só os que realizaram gloriosamente as suas migrações é que, desde o primeiro momento, se acham bastante desmaterializados para gozar desse favor que Deus concede como recompensa.

Apresentei uma das fases da vida espírita. Não tive a intenção de generalizar, e como se vê, não falei senão do estado nos primeiros instantes que se seguem à morte, o qual pode ser mais ou menos duradouro, conforme a natureza do Espírito. De cada um depende abreviá-lo, desprendendo-se dos laços terrenos já na vida corpórea, pois só o apego às coisas materiais o impede de fruir a felicidade da vida espiritual.”

GEORGES

OBSERVAÇÃO: Nada mais moral que essa doutrina, pois mostra que nenhuma fruição prometida pela vida futura é obtida sem mérito; que a própria felicidade de rever os seres queridos e de comunicar-se com eles pode ser adiada. Numa palavra, que a situação na vida espírita é, em tudo, o que dela fizermos pela nossa conduta na vida corpórea.


Os três tipos (Continuação)

NOTA: Nos três ditados que se seguem, o Espírito desenvolve cada um dos três tipos esboçados no primeiro. (Vide o nº. de janeiro de 1861).
I

Aqui no vosso mundo inferior, o interesse, o egoísmo e o orgulho abafam a generosidade, a caridade e a simplicidade. O interesse e o egoísmo são os dois gênios maus do financista e do novo-rico; o orgulho é o vício do que sabe, e principalmente do que pode. Quando um coração verdadeiramente pensador examina esses três vícios horríveis, sofre, porque, tende a certeza, o homem que pensa sobre o nada e sobre a maldade deste mundo é, em geral, uma criatura cujos sentimentos e instintos são delicados e caridosos. E, bem o sabeis, os delicados são infelizes, como já disse La Fontaine, que esqueci de pôr ao lado de Molière. Só os delicados são infelizes, porque sentem.

Hamlet é a personificação dessa parte infeliz da Humanidade, que sofre e chora sempre e que se vinga, vingando Deus e a moral. Hamlet teve que castigar vícios vergonhosos em sua família: o orgulho e a luxúria, isto é, o egoísmo. Essa alma terna e melancólica, aspirando à verdade, empanou-se ao sopro do mundo, como um espelho que não pode mais refletir o que é bom e o que é justo. E essa alma tão pura derramou o sangue de sua mãe e vingou a sua honra. Hamlet é a inteligência impotente, o pensamento profundo lutando contra o orgulho estúpido e contra a impudicícia materna. O homem que pensa e que vinga um vício da Terra, seja qual for, é culpado aos olhos dos homens, mas muitas vezes não o é aos olhos de Deus. Não penseis que eu queira idealizar o desespero. Eu fui bastante castigado, mas há tanta névoa ante os olhos do mundo!”

NOTA: Tendo sido pedida ao Espírito a sua apreciação sobre La Fontaine, do qual acabara de falar, acrescentou:

“La Fontaine não é mais conhecido do que Corneille e Racine. Conheceis muito pouco os vossos literatos, entretanto, os alemães conhecem tanto Shakespeare quanto Goethe. Para voltar ao meu assunto, La Fontaine é o francês por excelência, que esconde a sua originalidade e a sua sensibilidade sob o nome de Esopo e de pensador alegre. Mas, tende certeza, La Fontaine era um delicado, como vos dizia há pouco. Vendo que não era compreendido, afetou essa singeleza que dizeis falsa. Nos vossos dias teria sido alistado no regimento dos falsos modestos. A verdadeira inteligência não é falsa, mas muitas vezes a gente tem que uivar com os lobos, e foi isso que perdeu La Fontaine na opinião de muita gente. Não vos falo de seu gênio: este é igual, senão superior ao de Molière.

II

Para voltar ao nosso cursinho de literatura muito familiar, Don Juan é, como já tive a honra de vos dizer, o tipo mais perfeitamente acabado de gentil-homem corrupto e blasfemo. Molière o elevou até o drama, porque, na verdade, a punição de Don Juan não devia ser humana, mas divina. É pelos golpes inesperados da vingança celeste que tombam as cabeças orgulhosas. O efeito é tanto mais dramático quanto mais imprevisto.

Eu disse que Don Juan era um tipo, mas, na verdade, é um tipo raro, porque realmente se veem poucos homens dessa têmpera, de vez que quase todos são covardes. Refiro-me à classe dos indiferente e dos corruptos.

Muitos blasfemam, mas vos garanto que poucos ousam blasfemar sem medo. A consciência é um eco que lhes devolve a blasfêmia e a escutam tremendo de medo, embora se riam diante do mundo. São os hoje chamados de fanfarrões do vício. Esse tipo de libertino é numeroso nos vossos dias, mas estão muito longe de serem os filhos de Voltaire.

Para voltar ao nosso assunto, Molière, como autor mais sábio e observador mais profundo, não só condenou os vícios que atacam a Humanidade, mas condena também os que ousam endereçar-se a Deus.

III

Vimos até agora dois tipos: um generoso e infeliz, outro feliz para o mundo, mas miserável aos olhos de Deus. Resta-nos ver o mais feio, o mais ignóbil, o mais repugnante. Refiro-me a Tartufo.

Na Antiguidade, a máscara da virtude já era medonha, porque, sem se haver depurado pela moral cristã, o paganismo também tinha virtudes e sábios. Mas, diante do altar do Cristo, essa máscara é ainda mais feia, por ser a do egoísmo e da hipocrisia. Talvez o paganismo tenha tido menos Tartufos do que a religião cristã. Explorar o coração do homem sábio e bom; lisonjear todas as suas ações; enganar as pessoas confiantes por uma aparente piedade; levar a profanação até receber a Eucaristia com o orgulho e a blasfêmia no coração, eis o que faz Tartufo, o que fez e o que fará sempre.

Ó vós, homens imperfeitos e mundanos que condenais um princípio divino e uma moral sobre-humana porque dela quereis abusar! Estais cegos quando confundis os homens com aquele princípio, isto é, Deus com a Humanidade. É porque esconde as suas torpezas sob o manto sagrado que Tartufo é horrível e repugnante. Maldição sobre ele, porque ele amaldiçoava quando era perdoado e planejava uma traição enquanto pregava a caridade.

Gérard de Nerval.

A harmonia (Médium: Sr. Alfred Didier)

Vistes muitas vezes, em certas regiões, principalmente em Provence, as ruínas de grandes castelos; um torreão por vezes se eleva em meio à imensa solidão e seus restos tristes e silenciosos nos lembram uma época em que a fé era talvez ignorante, mas em que a Arte e a Poesia se haviam elevado com essa mesma fé tão inocente e pura. Vedes que estamos em plena Idade Média. Muitas vezes não pensastes que em redor desses muros desmantelados, o elegante capricho de uma castelã tenha feito vibrar as cordas harmoniosas que eram chamadas de harpa eólia? Pois bem! Com a rapidez do vento que as fazia vibrar, desapareceram torreões, castelãs e harmonias! Aquela harpa de Eolo embalava o pensamento dos trovadores e das damas. Eram ouvidas com um recolhimento religioso.

Tudo acaba sobre a vossa Terra. Aí a poesia raramente desce do Céu, elogo se evola. Nos outros mundos, ao contrário, a harmonia é eterna, e o que a imaginação humana pode inventar, não iguala essa constante poesia que não está apenas no coração dos puros Espíritos, mas também em toda a Natureza.

RÉNÉ DE PROVENCE



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