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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1861 > Abril
Abril
Mais uma palavra sobre o Sr. Deschanel (Do journal des débats)No número anterior da Revista Espírita os leitores puderam ver, ao lado de nossas reflexões sobre o artigo do Sr. Deschanel, a carta pessoal que lhe enviamos. Essa carta, muito curta, cuja inserção lhe pedíamos, tinha o objetivo de retificar um grave erro por ele cometido em sua apreciação. Apresentar a Doutrina Espírita como baseada no mais grosseiro materialismo era desnaturar completamente o seu espírito, pois que, ao contrário, ela tende a destruir as ideias materialistas. Havia em seu artigo muitos outros erros que poderíamos ter apontado, mas aquele era por demais importante para ficar sem resposta; tinha uma gravidade real porque tendia a lançar um verdadeiro desfavor sobre numerosos adeptos do Espiritismo. O Sr.
Deschanel julgou não dever atender ao nosso pedido e eis a resposta que nos deu:
“Senhor,
“Recebi a carta que me fizestes a honra de escrever em data de 25 de fevereiro. Vosso editor, Sr. Didier, teve a bondade de encarregar-me de vos explicar que tinha sido a seu reiterado pedido que eu havia concordado em noticiar no Débats o vosso Livro dos Espíritos, com a permissão de criticá-lo tanto quanto eu quisesse. Foi isso que combinamos. Agradeço-vos por ter compreendido que, nestas circunstâncias, usar do vosso direito de contraditar teria sido estritamente legal, mas menos delicado certamente do que a abstenção com que concordastes, conforme o Sr. Didier me informou esta manhã.” “Aceitai, etc.
E. DESCHANEL.” Nesta carta há falta de exatidão em diversos pontos. É verdade que o Sr. Didier enviou ao Sr. Deschanel um exemplar do Livro dos Espíritos, como se faz de editor para jornalista, mas o que não é exato é que o Sr. Didier se tivesse comprometido a nada nos explicar sobre suas supostas instâncias reiteradas para que lhe fizesse uma apreciação, e se o Sr. Deschanel julgou dever consagrar-lhe 24 colunas de zombarias, ele nos permitirá supor que nem tenha sido nem por condescendência nem por deferência para com o Sr. Didier. Aliás, como dissemos, não é por isto que nos lamentamos. A crítica era um direito seu, e desde que não partilha do nosso modo de ver, tinha a liberdade de apreciar a obra segundo o seu ponto de vista, como acontece todos os dias. Por alguns uma coisa é levada às nuvens, por outros desacreditada, mas nem um nem outro desses julgamentos é sem apelo. O único juiz em última instância é o público, e sobretudo o público futuro, desvinculado das paixões e das intrigas do momento. Os elogios obsequiosos dos grupelhos não o impedem de enterrar para sempre o que é realmente mau, e o que é realmente bom sobrevive a despeito das diatribes da inveja e do ciúme.
Desta verdade duas fábulas darão testemunho.
Tanto os fatos abundam em provas, teria dito La Fontaine. Não citaremos duas fábulas, mas dois fatos. Ao seu aparecimento, Fedra, de Racine, teve contra si a Corte e o povo de Paris, e foi escarnecida. O autor sofreu tantos desgostos que aos 38 anos renunciou a escrever para o teatro. Ao contrário, a Fedra de Pradon foi elogiada além da medida. Qual é hoje a sorte das duas obras? Um livro mais moderno, Paulo e Virgínia, foi declarado natimorto pelo ilustre Buffon, que o achava fastidioso e insípido; entretanto, sabe-se que jamais um livro foi tão popular. Com estes dois exemplos, nosso objetivo é apenas provar que a opinião de um crítico, seja qual for o seu mérito, é sempre uma opinião pessoal, nem sempre ratificada pela posteridade. Mas voltemos de Buffon ao Sr. Deschanel, sem comparação, porque Buffon enganou-se redondamente, enquanto o Sr. Deschanel crê, sem dúvida, que não se dará o mesmo com ele.
Em sua carta, o Sr. Deschanel reconhece que nosso direito de contestação teria sido estritamente legal, mas acha mais delicado de nossa parte não o exercitar. Ainda se engana completamente quando diz que concordamos com a abstenção, o que daria a entender que nos rendemos a uma solicitação, e mesmo que o Sr. Didier teria sido encarregado de o informar. Ora, nada menos exato. Não julgamos dever exigir a inserção de uma contradita. Ele tem liberdade de achar nossa doutrina má, detestável, absurda, de gritar de cima dos telhados, mas esperávamos de sua lealdade a publicação de nossa carta para retificar uma alegação falsa e que poderia prejudicar a nossa reputação, quando nos acusa de professar e propagar as doutrinas que combatemos, como subversivas da ordem social e da moral pública. Não lhe pedíamos uma retratação, à qual seu amor-próprio ter-se-ia recusado, mas apenas a inserção de nosso protesto, certo de que não abusávamos do direito de resposta, desde que em troca de 24 colunas só pedíamos 30 ou 40 linhas. Nossos leitores saberão apreciar sua recusa. Se ele quis ver delicadeza em nosso procedimento, não poderíamos julgar o seu da mesma maneira.
Quando o Sr. Padre Chesnel publicou no Univers, em 1858, seu artigo sobre o Espiritismo, deu da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas uma ideia igualmente falsa, apresentando-a como uma seita religiosa com seu culto e seus sacerdotes. Tal alegação desnaturava completamente seu objetivo e suas tendências e podia enganar a opinião pública. Estava totalmente equivocada, visto que o regulamento da Sociedade lhe interdita ocupar-se de matéria religiosa. Com efeito, não se conceberia uma Sociedade religiosa que não pudesse tratar de religião. Protestamos contra essa asserção, não por algumas linhas, mas por um artigo inteiro e longamente motivado que, à nossa simples demanda, o Univers considerou-se na obrigação de publicar. Lamentamos que, em idêntica circunstância, o Sr. Deschanel, do Journal des Débats, se creia menos moralmente obrigado a restabelecer a verdade do que os senhores do Univers. Se não fosse uma questão de direito, seria sempre uma questão de lealdade. Reservar-se o direito de ataque sem admitir a defesa é um meio fácil de fazer que seus leitores creiam que ele tem razão.
Deschanel julgou não dever atender ao nosso pedido e eis a resposta que nos deu:
“Senhor,
“Recebi a carta que me fizestes a honra de escrever em data de 25 de fevereiro. Vosso editor, Sr. Didier, teve a bondade de encarregar-me de vos explicar que tinha sido a seu reiterado pedido que eu havia concordado em noticiar no Débats o vosso Livro dos Espíritos, com a permissão de criticá-lo tanto quanto eu quisesse. Foi isso que combinamos. Agradeço-vos por ter compreendido que, nestas circunstâncias, usar do vosso direito de contraditar teria sido estritamente legal, mas menos delicado certamente do que a abstenção com que concordastes, conforme o Sr. Didier me informou esta manhã.” “Aceitai, etc.
E. DESCHANEL.” Nesta carta há falta de exatidão em diversos pontos. É verdade que o Sr. Didier enviou ao Sr. Deschanel um exemplar do Livro dos Espíritos, como se faz de editor para jornalista, mas o que não é exato é que o Sr. Didier se tivesse comprometido a nada nos explicar sobre suas supostas instâncias reiteradas para que lhe fizesse uma apreciação, e se o Sr. Deschanel julgou dever consagrar-lhe 24 colunas de zombarias, ele nos permitirá supor que nem tenha sido nem por condescendência nem por deferência para com o Sr. Didier. Aliás, como dissemos, não é por isto que nos lamentamos. A crítica era um direito seu, e desde que não partilha do nosso modo de ver, tinha a liberdade de apreciar a obra segundo o seu ponto de vista, como acontece todos os dias. Por alguns uma coisa é levada às nuvens, por outros desacreditada, mas nem um nem outro desses julgamentos é sem apelo. O único juiz em última instância é o público, e sobretudo o público futuro, desvinculado das paixões e das intrigas do momento. Os elogios obsequiosos dos grupelhos não o impedem de enterrar para sempre o que é realmente mau, e o que é realmente bom sobrevive a despeito das diatribes da inveja e do ciúme.
Desta verdade duas fábulas darão testemunho.
Tanto os fatos abundam em provas, teria dito La Fontaine. Não citaremos duas fábulas, mas dois fatos. Ao seu aparecimento, Fedra, de Racine, teve contra si a Corte e o povo de Paris, e foi escarnecida. O autor sofreu tantos desgostos que aos 38 anos renunciou a escrever para o teatro. Ao contrário, a Fedra de Pradon foi elogiada além da medida. Qual é hoje a sorte das duas obras? Um livro mais moderno, Paulo e Virgínia, foi declarado natimorto pelo ilustre Buffon, que o achava fastidioso e insípido; entretanto, sabe-se que jamais um livro foi tão popular. Com estes dois exemplos, nosso objetivo é apenas provar que a opinião de um crítico, seja qual for o seu mérito, é sempre uma opinião pessoal, nem sempre ratificada pela posteridade. Mas voltemos de Buffon ao Sr. Deschanel, sem comparação, porque Buffon enganou-se redondamente, enquanto o Sr. Deschanel crê, sem dúvida, que não se dará o mesmo com ele.
Em sua carta, o Sr. Deschanel reconhece que nosso direito de contestação teria sido estritamente legal, mas acha mais delicado de nossa parte não o exercitar. Ainda se engana completamente quando diz que concordamos com a abstenção, o que daria a entender que nos rendemos a uma solicitação, e mesmo que o Sr. Didier teria sido encarregado de o informar. Ora, nada menos exato. Não julgamos dever exigir a inserção de uma contradita. Ele tem liberdade de achar nossa doutrina má, detestável, absurda, de gritar de cima dos telhados, mas esperávamos de sua lealdade a publicação de nossa carta para retificar uma alegação falsa e que poderia prejudicar a nossa reputação, quando nos acusa de professar e propagar as doutrinas que combatemos, como subversivas da ordem social e da moral pública. Não lhe pedíamos uma retratação, à qual seu amor-próprio ter-se-ia recusado, mas apenas a inserção de nosso protesto, certo de que não abusávamos do direito de resposta, desde que em troca de 24 colunas só pedíamos 30 ou 40 linhas. Nossos leitores saberão apreciar sua recusa. Se ele quis ver delicadeza em nosso procedimento, não poderíamos julgar o seu da mesma maneira.
Quando o Sr. Padre Chesnel publicou no Univers, em 1858, seu artigo sobre o Espiritismo, deu da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas uma ideia igualmente falsa, apresentando-a como uma seita religiosa com seu culto e seus sacerdotes. Tal alegação desnaturava completamente seu objetivo e suas tendências e podia enganar a opinião pública. Estava totalmente equivocada, visto que o regulamento da Sociedade lhe interdita ocupar-se de matéria religiosa. Com efeito, não se conceberia uma Sociedade religiosa que não pudesse tratar de religião. Protestamos contra essa asserção, não por algumas linhas, mas por um artigo inteiro e longamente motivado que, à nossa simples demanda, o Univers considerou-se na obrigação de publicar. Lamentamos que, em idêntica circunstância, o Sr. Deschanel, do Journal des Débats, se creia menos moralmente obrigado a restabelecer a verdade do que os senhores do Univers. Se não fosse uma questão de direito, seria sempre uma questão de lealdade. Reservar-se o direito de ataque sem admitir a defesa é um meio fácil de fazer que seus leitores creiam que ele tem razão.
O Sr. Louis Jourdan e o Livro dos Espíritos
Já que estamos falando dos jornalistas a propósito do Espiritismo, não paremos
no caminho. Esses senhores em geral não nos mimoseiam, e como não fazemos mistério de suas críticas, hão de nos permitir apresentar a contrapartida e opor à opinião do Sr. Deschanel e de outros, a de um escritor cujo valor e influência ninguém contesta, sem que nos possam taxar de amor-próprio. Aliás, os elogios não se dirigem à nossa pessoa ou, pelo menos, não os tomamos para nós e reportamos a honra aos guias espirituais que bondosamente nos dirigem. Não poderíamos, pois, prevalecer-nos do mérito que se possa encontrar em nossos trabalhos; aceitamos os elogios, não como indício de nosso valor pessoal, mas como uma consagração da obra que empreendemos e que, com a ajuda de Deus, esperamos levar a bom termo, pois ainda não estamos no fim e o mais difícil ainda não está feito. Sob esse aspecto, a opinião do Sr. Louis Jourdan tem um certo peso, porque se sabe que não fala levianamente por falar ou para encher colunas com palavras. Certamente ele pode enganar-se, como qualquer outro, mas, em todo caso, sua opinião é sempre conscienciosa.
Seria prematuro dizer que o Sr. Jourdan é um adepto confesso do Espiritismo. Ele próprio declara nada haver visto e não estar em contato com nenhum médium. Julga a coisa conforme seu sentir íntimo e como não parte da negação da alma e de qualquer força extra-humana, vê na Doutrina Espírita uma nova fase do mundo moral e um meio de explicar o que até então era inexplicável. Ora, admitindo a base, sua razão não se recusa absolutamente a lhe admitir as consequências, ao passo que o Sr. Figuier não pode admitir tais consequências, desde que repele o princípio fundamental. Não tendo estudado tudo, nem tudo aprofundado nesta vasta Ciência, não é de admirar que suas ideias não estejam estabelecidas sobre todos os pontos e, por isso mesmo, certas questões ainda devam parecer-lhe hipotéticas. Mas como, homem de senso, não diz: “Não compreendo, logo, não é.” Ao contrário, diz: “Não sei por que não aprendi, mas não nego.” Como homem sério, não faz troça com uma questão que toca os mais sérios interesses da Humanidade e, como homem prudente, cala-se sobre aquilo que ignora, temendo que os fatos não venham, como a tantos outros, desmentir as suas negações e que lhe possam opor este argumento irresistível: “Falais do que não sabeis.” Assim, passando sobre as questões de detalhe, para as quais confessa sua incompetência, limita-se à apreciação do princípio, e esse princípio, apenas o raciocínio o leva a admitir-lhe a possibilidade, como acontece diariamente.
O Sr. Jourdan publicou primeiro um artigo sobre o Livro dos Espíritos na revista Le Causeur nº 8, de abril de 1860. Um ano decorrido e nós ainda não falamos disso dessa Revista, prova de que não somos muito apressados em nos prevalecermos dos elogios, enquanto citamos textualmente, ou indicamos, as mais amargas críticas, prova também de que não tememos a sua influência. Esse artigo foi reproduzido em sua nova obra Un Philosophe au coin du feu[1], da qual constitui um capítulo. Dele extraímos as passagens seguintes:
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“Prometi formalmente voltar a um assunto sobre o qual apenas disse algumas palavras, e que merece uma atenção muito particular. É o Livro dos Espíritos, contendo os princípios da doutrina e da filosofia espíritas. O vocábulo pode vos parecer bárbaro, mas que fazer? As coisas novas precisam de nomes novos. As mesas girantes chegaram ao espiritismo, e nós estamos hoje de posse de uma doutrina completa, inteiramente revelada pelos Espíritos, porque esse Livro dos Espíritos não é feito pela mão do homem. O Sr. Allan Kardec limitou-se a recolher e pôr em ordem as respostas dadas pelos Espíritos às inumeráveis perguntas que lhes foram feitas, respostas breves, que nem sempre satisfazem à curiosidade do interrogador, mas que, consideradas em conjunto, constituem com efeito uma doutrina, uma moral e, quem sabe? Talvez uma religião.
“Julgai-o vós mesmos. Os Espíritos se explicaram claramente sobre as causas primeiras, sobre Deus e o infinito, sobre os atributos da Divindade. Deram-nos os elementos gerais do Universo, o conhecimento do princípio das coisas, as propriedades da matéria. Disseram os mistérios da Criação, a formação dos mundos e dos seres vivos, as causas da diversidade das raças humanas. Daí ao princípio vital há apenas um passo, e eles nos disseram o que era o princípio vital, o que eram a vida e a morte, a inteligência e o instinto.
“Depois levantaram o véu que nos oculta o mundo espírita, isto é, o mundo dos Espíritos e nos disseram qual era a sua origem e qual a sua natureza; como se encarnavam e qual o objetivo dessa encarnação; como se efetuava a volta da vida corpórea à vida espiritual. Espíritos errantes, mundos transitórios, percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos, relações de além-túmulo, relações simpáticas e antipáticas dos Espíritos, volta à vida corporal, emancipação da alma, intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, ocupações e missões dos Espíritos, nada nos foi ocultado.
“Eu disse que os Espíritos estavam, não só fundando uma doutrina e uma filosofia, mas também uma religião. Com efeito, eles elaboraram um código do mundo moral, no qual se acham formuladas leis cuja sabedoria me parece muito grande e, para que nada lhe falte, disseram quais seriam as penas e os prazeres futuros, e o que se deveria entender pelos vocábulos Paraíso, Purgatório e Inferno. É, como se vê, um sistema completo, e não experimento nenhum embaraço em reconhecer que se o sistema não tem a coesão poderosa de uma obra filosófica, se contradições aparecem aqui e ali, é pelo menos muito notável por sua originalidade, por seu alto alcance moral, pelas soluções imprevistas que dá às delicadas questões que em todos os tempos inquietaram ou ocuparam o espírito humano.
“Sou completamente estranho à escola espírita; não conheço o seu chefe, nem os seus adeptos; jamais vi funcionar a menor mesa girante; não tenho contato com nenhum médium; não testemunhei nenhum desses fatos sobrenaturais ou maravilhosos dos quais encontro os relatos incríveis nas publicações espíritas que me enviam. Não afirmo nem repilo absolutamente as comunicações dos Espíritos; creio a priori que essas comunicações são possíveis e minha razão absolutamente não se alarma por isto. Para nelas crer, não necessito da explicação que há pouco tempo me dava um sábio amigo, o Sr. Louis Figuier, sobre esses fatos que ele atribui à influência magnética dos médiuns.
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“Nada vejo de impossível em que se estabeleçam relações entre o mundo invisível e nós. Não me pergunteis como e por quê; eu nada sei a respeito. Isto é uma questão de sentimento e não de demonstração matemática. É, pois, um sentimento que exprimo, mas um sentimento que nada tem de vago e no meu espírito e no meu coração toma formas bastante precisas.
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“Se pelo movimento dos pulmões podemos tirar do espaço infinito que nos envolve, os fluidos, os princípios vitais necessários à nossa existência, é bem evidente que estamos em relação constante e necessária com o mundo invisível. Esse mundo é povoado por Espíritos errantes como almas penadas e sempre prontas a responder ao nosso chamado? Eis o que é mais difícil de admitir, mas, também, o que seria temerário negar absolutamente.
“Sem dúvida não é difícil crer que todas as criaturas de Deus não se assemelhem aos tristes habitantes do nosso planeta. Somos muito imperfeitos; somos submetidos a necessidades grosseiras, para que não seja difícil imaginar que existam seres superiores que não sofram nenhuma pena corporal; seres radiosos e luminosos, espírito e matéria como nós, mas espírito mais sutil e mais puro, matéria menos densa e menos pesada; mensageiros fluídicos que unem entre si os universos, sustentam, encorajam os astros e as raças diversas que os povoam, para a realização de suas tarefas.
“Pela aspiração e pela respiração estamos em relação com toda a hierarquia dessas criaturas, desses seres cuja existência não podemos compreender e cujas formas não podemos representar. Assim, não é absolutamente impossível que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens, mas o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam.
“De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou são ociosas. Se são úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa; de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber. Se são ociosas, por que a elas recorrer?
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“Não tenho qualquer repugnância em admitir essas influências, essas inspirações, essas revelações, se quiserdes. O que repilo absolutamente é que, sob pretexto de revelação, venham dizer-me: Deus falou, portanto ides submeter-vos. Deus falou pela boca de Moisés, do Cristo, de Maomé, por isso sereis judeus, cristãos, ou muçulmanos, senão incorrereis nos castigos eternos e, enquanto esperamos, iremos amaldiçoar-vos e vos torturar aqui.
“Não! Não! Semelhantes revelações não quero a preço algum. Acima de todas as revelações, de todas as inspirações, de todos os profetas presentes, passados e futuros, há uma suprema lei: a lei da liberdade. Com esta lei por base, admitirei, sem discussão, tudo o que vos agradar. Suprimi esta lei e só haverá trevas e violência. Eu quero ter a liberdade de crer ou não crer e dizê-lo alto e bom som. É o meu direito e quero usá-lo. É a minha liberdade e faço questão de conservá-la. Dizeis-me que não crendo no que me ensinais, perco minha alma. É possível. Quero minha liberdade até esse limite; quero perder minha alma, se isto me apraz. Assim, quem aqui será o juiz de minha salvação ou de minha perda? Quem, então, poderá dizer: Aquele foi salvo e este perdido sem remissão? Então a misericórdia de Deus não será infinita?
Será que alguém no mundo pode sondar o abismo de uma consciência?
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“É porque esta doutrina também se encontra no curioso livro do Sr. Allan Kardec, que me reconcilio com os Espíritos que ele interrogou. O laconismo de suas respostas prova que os Espíritos não têm tempo a perder; e, se de alguma coisa me admiro, é que ainda o tenham bastante para responder complacentemente ao chamado de tanta gente que perde o seu a evocá-los.
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“Tudo quanto dizem de maneira mais ou menos clara, mais ou menos sumária os Espíritos, cujas respostas o Sr. Allan Kardec coligiu, foi exposto e desenvolvido com notável clareza por Michel, que se me afigura, por certo, o mais adiantado e o mais completo de todos os místicos contemporâneos. Sua revelação é, ao mesmo tempo, uma doutrina e um poema, doutrina sã e fortificante, poema brilhante. A única vantagem que encontro nas perguntas e respostas que o Sr. Allan Kardec publicou é que apresentam, sob uma forma mais acessível à grande massa dos leitores, e sobretudo das leitoras, as principais ideias sobre as quais importa chamarlhes a atenção. Os livros de Michel não são de leitura fácil; exigem uma tensão de espírito muito continuada. O livro de que falamos, ao contrário, pode ser uma espécie de vade mecum; se o tomamos, se o deixamos aberto em qualquer página, de súbito a curiosidade nos é despertada. As perguntas dirigidas aos Espíritos são as que nos preocupam a todos. As respostas são por vezes muito fracas; outras vezes condensam em poucas palavras a solução dos problemas mais árduos, e sempre oferecem um vivo interesse ou salutares indicações. Não sei de curso de moral mais atraente, mais consolador, mais encantador que esse. Todos os grandes princípios sobre os quais se fundam as civilizações modernas ali são confirmados, especialmente o princípio dos princípios: a liberdade! O espírito e o coração saem dali asserenados e fortalecidos.
“São sobretudo os capítulos relativos à pluralidade dos sistemas e à lei do progresso coletivo e individual que têm um atrativo e um encanto poderosos. De minha parte, os Espíritos do Sr. Allan Kardec nada me ensinaram a este respeito. Há muito eu acreditava firmemente no desenvolvimento progressivo da vida através dos mundos; que a morte é o umbral de uma existência nova, cujas provas são proporcionais aos méritos da existência anterior. Aliás, é a velha fé gaulesa, era a doutrina druídica, e os Espíritos nisto nada inventaram, mas o que acrescentaram é uma série de deduções e de regras práticas excelentes na maneira de conduzir a vida. Sob esse aspecto, como sob muitos outros, a leitura desse livro, independentemente do interesse e da curiosidade provocada por sua origem, pode ter um alto caráter de utilidade para os caracteres indecisos; para as almas inseguras que flutuam no terreno da dúvida. A dúvida é o pior dos males! É a mais horrível das prisões, da qual é preciso sair a qualquer preço. Esse livro estranho ajudará homens e mulheres a consolidar a sua vida, a quebrar os ferrolhos da prisão, precisamente porque é apresentado sob forma simples e elementar, sob a forma de um catecismo popular, que todo mundo pode ler e compreender.”
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Após citar algumas perguntas sobre o casamento e o divórcio, que ele acha um pouco pueris e que não são tratadas ao seu gosto, o Sr. Jourdan assim termina:
“Apresso-me a dizer, entretanto, que todas as respostas dos Espíritos não são tão superficiais quanto as de que acabo de falar. É o conjunto desse livro que é admirável; é o assunto geral que é marcado por uma certa grandeza e por uma viva originalidade. Quer emane ou não de uma fonte sobrenatural, a obra é empolgante sob vários aspectos e apenas pelo fato de ter-me interessado vivamente, sou levado a crer que possa interessar a muita gente.”
[1] Um filósofo ao pé do fogo. 1 volume in-12, preço 3 francos; Livraria Dentu.
no caminho. Esses senhores em geral não nos mimoseiam, e como não fazemos mistério de suas críticas, hão de nos permitir apresentar a contrapartida e opor à opinião do Sr. Deschanel e de outros, a de um escritor cujo valor e influência ninguém contesta, sem que nos possam taxar de amor-próprio. Aliás, os elogios não se dirigem à nossa pessoa ou, pelo menos, não os tomamos para nós e reportamos a honra aos guias espirituais que bondosamente nos dirigem. Não poderíamos, pois, prevalecer-nos do mérito que se possa encontrar em nossos trabalhos; aceitamos os elogios, não como indício de nosso valor pessoal, mas como uma consagração da obra que empreendemos e que, com a ajuda de Deus, esperamos levar a bom termo, pois ainda não estamos no fim e o mais difícil ainda não está feito. Sob esse aspecto, a opinião do Sr. Louis Jourdan tem um certo peso, porque se sabe que não fala levianamente por falar ou para encher colunas com palavras. Certamente ele pode enganar-se, como qualquer outro, mas, em todo caso, sua opinião é sempre conscienciosa.
Seria prematuro dizer que o Sr. Jourdan é um adepto confesso do Espiritismo. Ele próprio declara nada haver visto e não estar em contato com nenhum médium. Julga a coisa conforme seu sentir íntimo e como não parte da negação da alma e de qualquer força extra-humana, vê na Doutrina Espírita uma nova fase do mundo moral e um meio de explicar o que até então era inexplicável. Ora, admitindo a base, sua razão não se recusa absolutamente a lhe admitir as consequências, ao passo que o Sr. Figuier não pode admitir tais consequências, desde que repele o princípio fundamental. Não tendo estudado tudo, nem tudo aprofundado nesta vasta Ciência, não é de admirar que suas ideias não estejam estabelecidas sobre todos os pontos e, por isso mesmo, certas questões ainda devam parecer-lhe hipotéticas. Mas como, homem de senso, não diz: “Não compreendo, logo, não é.” Ao contrário, diz: “Não sei por que não aprendi, mas não nego.” Como homem sério, não faz troça com uma questão que toca os mais sérios interesses da Humanidade e, como homem prudente, cala-se sobre aquilo que ignora, temendo que os fatos não venham, como a tantos outros, desmentir as suas negações e que lhe possam opor este argumento irresistível: “Falais do que não sabeis.” Assim, passando sobre as questões de detalhe, para as quais confessa sua incompetência, limita-se à apreciação do princípio, e esse princípio, apenas o raciocínio o leva a admitir-lhe a possibilidade, como acontece diariamente.
O Sr. Jourdan publicou primeiro um artigo sobre o Livro dos Espíritos na revista Le Causeur nº 8, de abril de 1860. Um ano decorrido e nós ainda não falamos disso dessa Revista, prova de que não somos muito apressados em nos prevalecermos dos elogios, enquanto citamos textualmente, ou indicamos, as mais amargas críticas, prova também de que não tememos a sua influência. Esse artigo foi reproduzido em sua nova obra Un Philosophe au coin du feu[1], da qual constitui um capítulo. Dele extraímos as passagens seguintes:
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“Prometi formalmente voltar a um assunto sobre o qual apenas disse algumas palavras, e que merece uma atenção muito particular. É o Livro dos Espíritos, contendo os princípios da doutrina e da filosofia espíritas. O vocábulo pode vos parecer bárbaro, mas que fazer? As coisas novas precisam de nomes novos. As mesas girantes chegaram ao espiritismo, e nós estamos hoje de posse de uma doutrina completa, inteiramente revelada pelos Espíritos, porque esse Livro dos Espíritos não é feito pela mão do homem. O Sr. Allan Kardec limitou-se a recolher e pôr em ordem as respostas dadas pelos Espíritos às inumeráveis perguntas que lhes foram feitas, respostas breves, que nem sempre satisfazem à curiosidade do interrogador, mas que, consideradas em conjunto, constituem com efeito uma doutrina, uma moral e, quem sabe? Talvez uma religião.
“Julgai-o vós mesmos. Os Espíritos se explicaram claramente sobre as causas primeiras, sobre Deus e o infinito, sobre os atributos da Divindade. Deram-nos os elementos gerais do Universo, o conhecimento do princípio das coisas, as propriedades da matéria. Disseram os mistérios da Criação, a formação dos mundos e dos seres vivos, as causas da diversidade das raças humanas. Daí ao princípio vital há apenas um passo, e eles nos disseram o que era o princípio vital, o que eram a vida e a morte, a inteligência e o instinto.
“Depois levantaram o véu que nos oculta o mundo espírita, isto é, o mundo dos Espíritos e nos disseram qual era a sua origem e qual a sua natureza; como se encarnavam e qual o objetivo dessa encarnação; como se efetuava a volta da vida corpórea à vida espiritual. Espíritos errantes, mundos transitórios, percepções, sensações e sofrimentos dos Espíritos, relações de além-túmulo, relações simpáticas e antipáticas dos Espíritos, volta à vida corporal, emancipação da alma, intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, ocupações e missões dos Espíritos, nada nos foi ocultado.
“Eu disse que os Espíritos estavam, não só fundando uma doutrina e uma filosofia, mas também uma religião. Com efeito, eles elaboraram um código do mundo moral, no qual se acham formuladas leis cuja sabedoria me parece muito grande e, para que nada lhe falte, disseram quais seriam as penas e os prazeres futuros, e o que se deveria entender pelos vocábulos Paraíso, Purgatório e Inferno. É, como se vê, um sistema completo, e não experimento nenhum embaraço em reconhecer que se o sistema não tem a coesão poderosa de uma obra filosófica, se contradições aparecem aqui e ali, é pelo menos muito notável por sua originalidade, por seu alto alcance moral, pelas soluções imprevistas que dá às delicadas questões que em todos os tempos inquietaram ou ocuparam o espírito humano.
“Sou completamente estranho à escola espírita; não conheço o seu chefe, nem os seus adeptos; jamais vi funcionar a menor mesa girante; não tenho contato com nenhum médium; não testemunhei nenhum desses fatos sobrenaturais ou maravilhosos dos quais encontro os relatos incríveis nas publicações espíritas que me enviam. Não afirmo nem repilo absolutamente as comunicações dos Espíritos; creio a priori que essas comunicações são possíveis e minha razão absolutamente não se alarma por isto. Para nelas crer, não necessito da explicação que há pouco tempo me dava um sábio amigo, o Sr. Louis Figuier, sobre esses fatos que ele atribui à influência magnética dos médiuns.
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“Nada vejo de impossível em que se estabeleçam relações entre o mundo invisível e nós. Não me pergunteis como e por quê; eu nada sei a respeito. Isto é uma questão de sentimento e não de demonstração matemática. É, pois, um sentimento que exprimo, mas um sentimento que nada tem de vago e no meu espírito e no meu coração toma formas bastante precisas.
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“Se pelo movimento dos pulmões podemos tirar do espaço infinito que nos envolve, os fluidos, os princípios vitais necessários à nossa existência, é bem evidente que estamos em relação constante e necessária com o mundo invisível. Esse mundo é povoado por Espíritos errantes como almas penadas e sempre prontas a responder ao nosso chamado? Eis o que é mais difícil de admitir, mas, também, o que seria temerário negar absolutamente.
“Sem dúvida não é difícil crer que todas as criaturas de Deus não se assemelhem aos tristes habitantes do nosso planeta. Somos muito imperfeitos; somos submetidos a necessidades grosseiras, para que não seja difícil imaginar que existam seres superiores que não sofram nenhuma pena corporal; seres radiosos e luminosos, espírito e matéria como nós, mas espírito mais sutil e mais puro, matéria menos densa e menos pesada; mensageiros fluídicos que unem entre si os universos, sustentam, encorajam os astros e as raças diversas que os povoam, para a realização de suas tarefas.
“Pela aspiração e pela respiração estamos em relação com toda a hierarquia dessas criaturas, desses seres cuja existência não podemos compreender e cujas formas não podemos representar. Assim, não é absolutamente impossível que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens, mas o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam.
“De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou são ociosas. Se são úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa; de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber. Se são ociosas, por que a elas recorrer?
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“Não tenho qualquer repugnância em admitir essas influências, essas inspirações, essas revelações, se quiserdes. O que repilo absolutamente é que, sob pretexto de revelação, venham dizer-me: Deus falou, portanto ides submeter-vos. Deus falou pela boca de Moisés, do Cristo, de Maomé, por isso sereis judeus, cristãos, ou muçulmanos, senão incorrereis nos castigos eternos e, enquanto esperamos, iremos amaldiçoar-vos e vos torturar aqui.
“Não! Não! Semelhantes revelações não quero a preço algum. Acima de todas as revelações, de todas as inspirações, de todos os profetas presentes, passados e futuros, há uma suprema lei: a lei da liberdade. Com esta lei por base, admitirei, sem discussão, tudo o que vos agradar. Suprimi esta lei e só haverá trevas e violência. Eu quero ter a liberdade de crer ou não crer e dizê-lo alto e bom som. É o meu direito e quero usá-lo. É a minha liberdade e faço questão de conservá-la. Dizeis-me que não crendo no que me ensinais, perco minha alma. É possível. Quero minha liberdade até esse limite; quero perder minha alma, se isto me apraz. Assim, quem aqui será o juiz de minha salvação ou de minha perda? Quem, então, poderá dizer: Aquele foi salvo e este perdido sem remissão? Então a misericórdia de Deus não será infinita?
Será que alguém no mundo pode sondar o abismo de uma consciência?
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“É porque esta doutrina também se encontra no curioso livro do Sr. Allan Kardec, que me reconcilio com os Espíritos que ele interrogou. O laconismo de suas respostas prova que os Espíritos não têm tempo a perder; e, se de alguma coisa me admiro, é que ainda o tenham bastante para responder complacentemente ao chamado de tanta gente que perde o seu a evocá-los.
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“Tudo quanto dizem de maneira mais ou menos clara, mais ou menos sumária os Espíritos, cujas respostas o Sr. Allan Kardec coligiu, foi exposto e desenvolvido com notável clareza por Michel, que se me afigura, por certo, o mais adiantado e o mais completo de todos os místicos contemporâneos. Sua revelação é, ao mesmo tempo, uma doutrina e um poema, doutrina sã e fortificante, poema brilhante. A única vantagem que encontro nas perguntas e respostas que o Sr. Allan Kardec publicou é que apresentam, sob uma forma mais acessível à grande massa dos leitores, e sobretudo das leitoras, as principais ideias sobre as quais importa chamarlhes a atenção. Os livros de Michel não são de leitura fácil; exigem uma tensão de espírito muito continuada. O livro de que falamos, ao contrário, pode ser uma espécie de vade mecum; se o tomamos, se o deixamos aberto em qualquer página, de súbito a curiosidade nos é despertada. As perguntas dirigidas aos Espíritos são as que nos preocupam a todos. As respostas são por vezes muito fracas; outras vezes condensam em poucas palavras a solução dos problemas mais árduos, e sempre oferecem um vivo interesse ou salutares indicações. Não sei de curso de moral mais atraente, mais consolador, mais encantador que esse. Todos os grandes princípios sobre os quais se fundam as civilizações modernas ali são confirmados, especialmente o princípio dos princípios: a liberdade! O espírito e o coração saem dali asserenados e fortalecidos.
“São sobretudo os capítulos relativos à pluralidade dos sistemas e à lei do progresso coletivo e individual que têm um atrativo e um encanto poderosos. De minha parte, os Espíritos do Sr. Allan Kardec nada me ensinaram a este respeito. Há muito eu acreditava firmemente no desenvolvimento progressivo da vida através dos mundos; que a morte é o umbral de uma existência nova, cujas provas são proporcionais aos méritos da existência anterior. Aliás, é a velha fé gaulesa, era a doutrina druídica, e os Espíritos nisto nada inventaram, mas o que acrescentaram é uma série de deduções e de regras práticas excelentes na maneira de conduzir a vida. Sob esse aspecto, como sob muitos outros, a leitura desse livro, independentemente do interesse e da curiosidade provocada por sua origem, pode ter um alto caráter de utilidade para os caracteres indecisos; para as almas inseguras que flutuam no terreno da dúvida. A dúvida é o pior dos males! É a mais horrível das prisões, da qual é preciso sair a qualquer preço. Esse livro estranho ajudará homens e mulheres a consolidar a sua vida, a quebrar os ferrolhos da prisão, precisamente porque é apresentado sob forma simples e elementar, sob a forma de um catecismo popular, que todo mundo pode ler e compreender.”
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Após citar algumas perguntas sobre o casamento e o divórcio, que ele acha um pouco pueris e que não são tratadas ao seu gosto, o Sr. Jourdan assim termina:
“Apresso-me a dizer, entretanto, que todas as respostas dos Espíritos não são tão superficiais quanto as de que acabo de falar. É o conjunto desse livro que é admirável; é o assunto geral que é marcado por uma certa grandeza e por uma viva originalidade. Quer emane ou não de uma fonte sobrenatural, a obra é empolgante sob vários aspectos e apenas pelo fato de ter-me interessado vivamente, sou levado a crer que possa interessar a muita gente.”
[1] Um filósofo ao pé do fogo. 1 volume in-12, preço 3 francos; Livraria Dentu.
Resposta
O Sr. Jourdan faz uma pergunta, ou antes, uma objeção necessariamente motivada pela insuficiência de seus conhecimentos sobre a matéria.
“Assim, diz ele, não é absolutamente impossível que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens, mas o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam.
“De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou são ociosas. Se são úteis,
os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa; de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber. Se são ociosas, por que a elas recorrer?”
No seu Filósofo ao pé do fogo, acrescenta a respeito: “Eis um dilema do qual a escola espírita terá dificuldade para sair.”
Não. Certamente ela não tem dificuldade para sair dele, porque de há muito se havia proposto a isso, e também há muito o havia resolvido, e se não o foi pelo Sr. Jourdan é que ele não conhece tudo. Ora, cremos que se ele tivesse lido o Livro dos Médiuns, que trata da parte prática e experimental do Espiritismo, teria sabido o que pensar sobre o assunto.
Sim, sem dúvida seria pueril e este vocábulo empregado por conveniência pelo Sr. Jourdan seria muito fraco; dizemos que seria ridículo, absurdo e inadmissível que para relações tão sérias quanto as do mundo visível com o invisível, os Espíritos necessitassem, para nos transmitir seus ensinos, de um utensílio tão vulgar quanto uma mesa, uma cesta ou uma prancheta, porque daí seguir-se-ia que quem estivesse privado de tais acessórios também estaria privado de suas lições. Não. Não é assim. Os Espíritos são apenas as almas dos homens, despojadas do grosseiro envoltório do corpo, e existem Espíritos desde quando existem homens no Universo (não dizemos na Terra). Esses Espíritos constituem o mundo invisível que enche os espaços; que nos cerca; em meio ao qual vivemos sem o suspeitar, como vivemos, sem o perceber, em meio ao mundo microscópico. Em todos os tempos esses Espíritos exerceram sua influência sobre o mundo visível; em todos os tempos, os que são bons ou sábios ajudaram o gênio pelas inspirações, ao passo que outros se limitam a nos guiar nos atos ordinários da vida. Mas essas inspirações, que ocorrem pela transmissão de pensamento a pensamento, são ocultas e não podem deixar qualquer traço material. Se o Espírito quiser manifestar-se ostensivamente, é preciso que aja sobre a matéria; se quer que o seu ensino, ao invés de ter a indefinição e a incerteza do pensamento, tenha precisão e estabilidade, precisa de sinais materiais e para tanto ─ que nos permitam a expressão ─ serve-se de tudo quanto lhe cai às mãos, desde que nas condições apropriadas à sua natureza. Serve-se de uma pena ou um lápis, se quiser escrever; de um objeto qualquer, mesa ou caçarola, se quiser bater, sem que por isso sinta-se humilhado. Há algo mais vulgar que uma pena de ganso? Não é com isto que os maiores gênios legam as suas obras-primas à posteridade? Tirai-lhes todo meio de escrever; o que fazem? Pensam; mas seus pensamentos se perdem, se ninguém os recolhe. Suponde um literato maneta, Como ele se arranja? Tem um secretário que apanha o seu ditado. Ora, como os Espíritos não podem sustentar a pena sem intermediário, fazem-na sustentar por alguém que se chama um médium, que inspiram e dirigem. Por vezes esse médium age com conhecimento de causa: é um médium propriamente dito. Outras vezes age sem consciência da causa que o solicita: é o caso de todos os homens inspirados, que assim são médiuns sem o saber. Vê-se, pois, que a questão das mesas e pranchetas é inteiramente acessória e não a principal, como creem os que não estão bem informados. Elas foram o prelúdio dos grandes e poderosos meios de comunicação, como o alfabeto é o prelúdio da leitura corrente.
A segunda parte do dilema não é menos fácil de resolver. Diz o Sr. Jourdan: “Se essas comunicações são úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa, de ser evocados, etc.”
Digamos de início que não nos cabe regular o que se passa no mundo dos Espíritos. Não podemos dizer: As coisas devem ou não devem ser desta ou daquela maneira, pois seria querer reger a obra de Deus. Os Espíritos querem mesmo nos iniciar em parte ao seu mundo, porque esse mundo talvez seja nosso amanhã. Cabenos tomá-lo tal qual é, e se não nos convier, não será nem mais nem menos, porque Deus não o mudará para nós.
Isto posto, apressemo-nos a dizer que jamais há evocação misteriosa ou cabalística. Tudo se faz simplesmente, em plena luz e sem fórmula obrigatória. Os que julgarem tais coisas necessárias ignoram os primeiros elementos da Ciência Espírita.
Em segundo lugar, se as comunicações espíritas só existissem em consequência de uma evocação, seguir-se-ia que elas seriam um privilégio dos que sabem evocar, e que a imensa maioria dos que jamais disso ouviram falar teriam sido dele privadas. Ora, isto estaria em contradição com o que dissemos há pouco das comunicações ocultas e espontâneas. Essas comunicações são para todo mundo, para o pequeno como para o grande, para o rico como para o pobre, para o ignorante como para o sábio. Os Espíritos que nos protegem; os parentes e amigos que perdemos, não precisam ser chamados. Eles estão juntos de nós e, embora invisíveis, nos cercam com sua solicitude; só o nosso pensamento basta para os atrair, provando-lhes a nossa afeição, porque, se não pensarmos neles, é muito natural que não pensem em nós.
Perguntareis, então, com que finalidade evocar? Vejamos. Suponde que estejais na rua, cercado por uma multidão compacta, que fala e zumbe aos vossos ouvidos; mas entre elas percebeis ao longe um conhecido a quem quereis falar em particular. Que fazeis, se não puderdes chegar a ele? Chamais, e ele vem a vós. Dá-se o mesmo com os Espíritos. Ao lado dos que estimamos e que talvez nem sempre estejam lá, existe a multidão de indiferentes. Se quiserdes falar a um determinado Espírito, como não podeis ir a ele, retido que estais pela grilheta corporal, vós o chamais, e eis todo o mistério da evocação, que não tem outro fim senão o de vos dirigirdes a quem quiserdes, ao invés de escutar o primeiro que se apresente. Nas comunicações ocultas e espontâneas, de que falamos antes, os Espíritos que nos assistem nos são desconhecidos; fazem-no malgrado nosso. Por meio das manifestações materiais, escritas ou outras, eles revelam a sua presença de maneira patente e podem dar-se a conhecer, caso o queiram. É um meio de saber com quem estamos sintonizados e se temos em nosso redor amigos ou inimigos. Os inimigos não faltam no mundo dos Espíritos, como entre os homens. Lá, como cá, os mais perigosos são os que não conhecemos. O Espiritismo prático dá-nos os meios de conhecê-los.
Em resumo, quem não conhece o Espiritismo senão pelas mesas girantes faz dele uma ideia tão mesquinha e tão pueril quanto aquele que só conhecesse a Física por certos brinquedos infantis. Mas, quanto mais se avança, mais se alarga o horizonte e só então é que se compreende o seu verdadeiro alcance, porque ele nos desvenda uma das forças mais poderosas da Natureza, força que ao mesmo tempo age sobre o inundo moral e o inundo físico. Ninguém contesta a reação que sobre nós exerce o meio material, visível ou invisível, no qual estamos mergulhados. Se estamos numa multidão, essa multidão de seres reage também sobre nós, moral e fisicamente. Com a morte, as nossas almas vão para algum lugar no espaço. Para onde vão? Como não há para elas nenhum lugar fechado e circunscrito, o Espiritismo diz e prova pelos fatos que esse algum lugar é o espaço; elas formam em torno de nós uma população inumerável. Ora, como admitir que esse meio inteligente tenha menos ação que o meio ininteligente? Aí está a chave de um grande número de fatos incompreendidos, que o homem interpreta conforme os seus preconceitos e que explora ao sabor de suas paixões. Quando essas coisas forem compreendidas por todos, desaparecerão os preconceitos e o progresso poderá seguir sua marcha sem entraves.
O Espiritismo é uma luz que aclara os mais tenebrosos refolhos da sociedade; é, pois, muito natural que os que temem a luz, busquem extingui-la. Mas, quando a luz tiver tudo penetrado, será preciso que os que buscam a escuridão se decidam a viver em plena luz. Então veremos cair muitas máscaras. Todo homem que realmente quer o progresso não pode ficar indiferente a uma das causas que mais devem contribuir para ele e que prepara uma das maiores revoluções morais até agora sofridas pela Humanidade. Como se vê, estamos bem longe das mesas girantes. A distância que existe entre este modesto começo e suas consequências é a mesma que havia entre a maçã de Newton e a gravitação universal.
“Assim, diz ele, não é absolutamente impossível que alguns desses seres acidentalmente entrem em relação com os homens, mas o que nos parece pueril é que seja necessário o concurso material de uma mesa, de uma prancheta ou de um médium qualquer para que tais relações se estabeleçam.
“De duas, uma: ou essas comunicações são úteis, ou são ociosas. Se são úteis,
os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa; de ser evocados e interrogados para ensinar aos homens o que importa saber. Se são ociosas, por que a elas recorrer?”
No seu Filósofo ao pé do fogo, acrescenta a respeito: “Eis um dilema do qual a escola espírita terá dificuldade para sair.”
Não. Certamente ela não tem dificuldade para sair dele, porque de há muito se havia proposto a isso, e também há muito o havia resolvido, e se não o foi pelo Sr. Jourdan é que ele não conhece tudo. Ora, cremos que se ele tivesse lido o Livro dos Médiuns, que trata da parte prática e experimental do Espiritismo, teria sabido o que pensar sobre o assunto.
Sim, sem dúvida seria pueril e este vocábulo empregado por conveniência pelo Sr. Jourdan seria muito fraco; dizemos que seria ridículo, absurdo e inadmissível que para relações tão sérias quanto as do mundo visível com o invisível, os Espíritos necessitassem, para nos transmitir seus ensinos, de um utensílio tão vulgar quanto uma mesa, uma cesta ou uma prancheta, porque daí seguir-se-ia que quem estivesse privado de tais acessórios também estaria privado de suas lições. Não. Não é assim. Os Espíritos são apenas as almas dos homens, despojadas do grosseiro envoltório do corpo, e existem Espíritos desde quando existem homens no Universo (não dizemos na Terra). Esses Espíritos constituem o mundo invisível que enche os espaços; que nos cerca; em meio ao qual vivemos sem o suspeitar, como vivemos, sem o perceber, em meio ao mundo microscópico. Em todos os tempos esses Espíritos exerceram sua influência sobre o mundo visível; em todos os tempos, os que são bons ou sábios ajudaram o gênio pelas inspirações, ao passo que outros se limitam a nos guiar nos atos ordinários da vida. Mas essas inspirações, que ocorrem pela transmissão de pensamento a pensamento, são ocultas e não podem deixar qualquer traço material. Se o Espírito quiser manifestar-se ostensivamente, é preciso que aja sobre a matéria; se quer que o seu ensino, ao invés de ter a indefinição e a incerteza do pensamento, tenha precisão e estabilidade, precisa de sinais materiais e para tanto ─ que nos permitam a expressão ─ serve-se de tudo quanto lhe cai às mãos, desde que nas condições apropriadas à sua natureza. Serve-se de uma pena ou um lápis, se quiser escrever; de um objeto qualquer, mesa ou caçarola, se quiser bater, sem que por isso sinta-se humilhado. Há algo mais vulgar que uma pena de ganso? Não é com isto que os maiores gênios legam as suas obras-primas à posteridade? Tirai-lhes todo meio de escrever; o que fazem? Pensam; mas seus pensamentos se perdem, se ninguém os recolhe. Suponde um literato maneta, Como ele se arranja? Tem um secretário que apanha o seu ditado. Ora, como os Espíritos não podem sustentar a pena sem intermediário, fazem-na sustentar por alguém que se chama um médium, que inspiram e dirigem. Por vezes esse médium age com conhecimento de causa: é um médium propriamente dito. Outras vezes age sem consciência da causa que o solicita: é o caso de todos os homens inspirados, que assim são médiuns sem o saber. Vê-se, pois, que a questão das mesas e pranchetas é inteiramente acessória e não a principal, como creem os que não estão bem informados. Elas foram o prelúdio dos grandes e poderosos meios de comunicação, como o alfabeto é o prelúdio da leitura corrente.
A segunda parte do dilema não é menos fácil de resolver. Diz o Sr. Jourdan: “Se essas comunicações são úteis, os Espíritos não devem ter necessidade de ser chamados de maneira misteriosa, de ser evocados, etc.”
Digamos de início que não nos cabe regular o que se passa no mundo dos Espíritos. Não podemos dizer: As coisas devem ou não devem ser desta ou daquela maneira, pois seria querer reger a obra de Deus. Os Espíritos querem mesmo nos iniciar em parte ao seu mundo, porque esse mundo talvez seja nosso amanhã. Cabenos tomá-lo tal qual é, e se não nos convier, não será nem mais nem menos, porque Deus não o mudará para nós.
Isto posto, apressemo-nos a dizer que jamais há evocação misteriosa ou cabalística. Tudo se faz simplesmente, em plena luz e sem fórmula obrigatória. Os que julgarem tais coisas necessárias ignoram os primeiros elementos da Ciência Espírita.
Em segundo lugar, se as comunicações espíritas só existissem em consequência de uma evocação, seguir-se-ia que elas seriam um privilégio dos que sabem evocar, e que a imensa maioria dos que jamais disso ouviram falar teriam sido dele privadas. Ora, isto estaria em contradição com o que dissemos há pouco das comunicações ocultas e espontâneas. Essas comunicações são para todo mundo, para o pequeno como para o grande, para o rico como para o pobre, para o ignorante como para o sábio. Os Espíritos que nos protegem; os parentes e amigos que perdemos, não precisam ser chamados. Eles estão juntos de nós e, embora invisíveis, nos cercam com sua solicitude; só o nosso pensamento basta para os atrair, provando-lhes a nossa afeição, porque, se não pensarmos neles, é muito natural que não pensem em nós.
Perguntareis, então, com que finalidade evocar? Vejamos. Suponde que estejais na rua, cercado por uma multidão compacta, que fala e zumbe aos vossos ouvidos; mas entre elas percebeis ao longe um conhecido a quem quereis falar em particular. Que fazeis, se não puderdes chegar a ele? Chamais, e ele vem a vós. Dá-se o mesmo com os Espíritos. Ao lado dos que estimamos e que talvez nem sempre estejam lá, existe a multidão de indiferentes. Se quiserdes falar a um determinado Espírito, como não podeis ir a ele, retido que estais pela grilheta corporal, vós o chamais, e eis todo o mistério da evocação, que não tem outro fim senão o de vos dirigirdes a quem quiserdes, ao invés de escutar o primeiro que se apresente. Nas comunicações ocultas e espontâneas, de que falamos antes, os Espíritos que nos assistem nos são desconhecidos; fazem-no malgrado nosso. Por meio das manifestações materiais, escritas ou outras, eles revelam a sua presença de maneira patente e podem dar-se a conhecer, caso o queiram. É um meio de saber com quem estamos sintonizados e se temos em nosso redor amigos ou inimigos. Os inimigos não faltam no mundo dos Espíritos, como entre os homens. Lá, como cá, os mais perigosos são os que não conhecemos. O Espiritismo prático dá-nos os meios de conhecê-los.
Em resumo, quem não conhece o Espiritismo senão pelas mesas girantes faz dele uma ideia tão mesquinha e tão pueril quanto aquele que só conhecesse a Física por certos brinquedos infantis. Mas, quanto mais se avança, mais se alarga o horizonte e só então é que se compreende o seu verdadeiro alcance, porque ele nos desvenda uma das forças mais poderosas da Natureza, força que ao mesmo tempo age sobre o inundo moral e o inundo físico. Ninguém contesta a reação que sobre nós exerce o meio material, visível ou invisível, no qual estamos mergulhados. Se estamos numa multidão, essa multidão de seres reage também sobre nós, moral e fisicamente. Com a morte, as nossas almas vão para algum lugar no espaço. Para onde vão? Como não há para elas nenhum lugar fechado e circunscrito, o Espiritismo diz e prova pelos fatos que esse algum lugar é o espaço; elas formam em torno de nós uma população inumerável. Ora, como admitir que esse meio inteligente tenha menos ação que o meio ininteligente? Aí está a chave de um grande número de fatos incompreendidos, que o homem interpreta conforme os seus preconceitos e que explora ao sabor de suas paixões. Quando essas coisas forem compreendidas por todos, desaparecerão os preconceitos e o progresso poderá seguir sua marcha sem entraves.
O Espiritismo é uma luz que aclara os mais tenebrosos refolhos da sociedade; é, pois, muito natural que os que temem a luz, busquem extingui-la. Mas, quando a luz tiver tudo penetrado, será preciso que os que buscam a escuridão se decidam a viver em plena luz. Então veremos cair muitas máscaras. Todo homem que realmente quer o progresso não pode ficar indiferente a uma das causas que mais devem contribuir para ele e que prepara uma das maiores revoluções morais até agora sofridas pela Humanidade. Como se vê, estamos bem longe das mesas girantes. A distância que existe entre este modesto começo e suas consequências é a mesma que havia entre a maçã de Newton e a gravitação universal.
Apreciação da história do maravilhoso do Sr. Louis Figuier, pelo Sr. Escande, redator da "Mode Nouvelle"
Nos artigos que publicamos sobre essa obra procuramos principalmente o ponto de partida do autor, o que não nos foi difícil, pois citando as suas próprias palavras provamos que se baseia em ideias materialistas. Sendo falsa a base, pelo menos do ponto de vista da imensa maioria dos homens, as consequências que dela tirou contra os fatos que qualifica de maravilhosos são, por isso mesmo, eivadas de erros. Isto não impediu que alguns de seus confrades da imprensa lhe exaltassem o mérito, a profundidade e a sagacidade da obra. Contudo, nem todos são dessa opinião. A respeito, encontramos no Mode Nouvelle[1], jornal mais sério que o seu título, um artigo tão notável pelo estilo quanto pela justeza das apreciações. Sua extensão não nos permite citá-lo por inteiro. Além disso, o autor promete outros, porque neste apenas se ocupa do primeiro volume. Os leitores serão gratos por lhes darmos alguns fragmentos.
I
“Este livro tem grandes pretensões, mas não justifica nenhuma. Ele queria passar por erudito, afeta ciência, exibe uma aparente abundância de pesquisas, mas sua erudição é superficial, sua ciência incompleta, suas pesquisas prematuras e mal digeridas. O Sr. Louis Figuier deu-se à especialidade de recolher, um a um, os mil pequenos fatos que pululam, dia a dia, em torno das academias, como essas longas filas de cogumelos que nascem da noite para o dia sobre as camadas criptogamíferas, e em seguida com eles organiza livros que fazem concorrência ao Cozinheira Burguesa e aos tratados do Bom Homem Ricardo. Acostumadíssimo a esse trabalho de composições fáceis ─ inferiores ao trabalho de compilação desse bom Padre Trublet, do qual Voltaire zombou espirituosamente ─ e que forçosamente lhe proporcionam lazeres, ele disse para si mesmo que não seria mais difícil explorar a paixão do sobrenatural, que mais do que nunca torna febris as imaginações, do que utilizar as conversas quase sempre ociosas da segunda classe do Instituto. Habituado a redigir revistas científicas repetindo o que é dos outros, com os resumos de relatórios que por sua vez resume, com as teses e memórias que analisa; hábil em reunir mais tarde em volumes esses resumos de resumos, põe-se à obra. Fiel ao seu passado, compulsou às pressas todos os tratados sobre a matéria que lhe caíram às mãos, esmigalhou-os, depois misturou essas migalhas à sua maneira, com elas compondo um livro, depois do que não duvidamos que tenha exclamado com Horácio: Exegi monumentum. ‘Eu também erigi um monumento, que será mais duradouro que o bronze!’
“E ele teria razão para sentir-se orgulhoso de sua criação, se a qualidade fosse medida pela quantidade. Com efeito, ela não é constituída por menos de quatro grossos volumes, essa história do maravilhoso, e só contém a história do maravilhoso nos tempos modernos, de 1630 até os nossos dias; apenas dois séculos, o que suporia ao menos um pouco mais que o dobro das mais volumosas enciclopédias, se contivesse a história do maravilhoso em todos os tempos e de todos os povos! Assim, quando se pensa que esse fragmento de monografia de tão vasta extensão não lhe custou senão alguns meses de trabalho, somos tentado a crer que esse parto, ao mesmo tempo tão grande e tão apressado, é mais maravilhoso que as maravilhas que encerra. Mas essa fecundidade deixa de ser um prodígio quando se estuda de perto o processo de composição de que fez uso e que, na verdade, lhe é tão familiar que não seria possível esperar que empregasse outro. Em vez de condensar os fatos, de expô-los sumariamente, de negligenciar detalhes inúteis, de ater-se sobretudo a pôr em relevo as circunstâncias características, e em seguida discuti-las, ocupou-se apenas em escrever um folhetim mais longo que os que semanalmente escreve no La Presse. Armado de uma tesoura, recortou das obras anteriores à sua o que favorecia as ideias preconcebidas que desejava fazer triunfar, afastando o que poderia contrariar a opinião que a priori havia formado sobre esse importante assunto, o que sobretudo poderia contrariar a explicação natural que se propunha dar das manifestações qualificadas como sobrenaturais pelo que os livrespensadores são unânimes em chamar de credulidade pública, porque é ainda uma das pretensões de seu livro ─ e esta não é melhor justificada que as outras ─ dar uma solução física ou médica nova achada por ele, solução triunfante, inatacável, doravante ao abrigo das objeções dos homens bastante simples para crerem que Deus é mais poderoso que os nossos sábios. Ele o repete em cem passagens de sua obra, para que ninguém o ignore, e com a esperança de que acabarão por crê-lo, embora se limite a repetir o que, a respeito, antes dele disseram todos aqueles físicos ou médicos, filósofos ou químicos que têm mais horror ao sobrenatural do que Pascal tinha ao vácuo.
“Daí resulta que essa história do maravilhoso carece, ao mesmo tempo, de autoridade e de proporções. Do ponto de vista dogmático não ultrapassa as negações dos negadores anteriores; não adiciona nenhum argumento aos já desenvolvidos, e nesta questão, como em todas as outras, não compreendemos a utilidade dos ecos. Há mais: atormentado pelo desejo de parecer fazer melhor que Calmeil, Esquiros, Montègre, Hecquet e tantos outros que o precederam e serão sempre seus mestres, o Sr. Louis Figuier por vezes se perde no labirinto confuso das demonstrações que lhes toma de empréstimo, querendo delas apropriar-se, e por vezes acaba rivalizando na lógica com o Sr. Babinet. Quanto aos fatos, acumulou-os em enorme quantidade, embora um pouco ao acaso, truncando uns, descartando outros, preocupado em reproduzir de preferência os que pudessem oferecer uma certa atração na leitura. Isto prova que ele visou principalmente o sucesso fácil, a lutar com os romancistas do dia, e somos tentados a perguntar como ele não induziu o editor a incluir a sua obra na divertida Biblioteca das Estradas de Ferro, a fim de que fosse mais diretamente dirigida a essa multidão que lê para se distrair e não para instruir-se.
“Não podemos negar que seu livro é divertido, se é que basta a um livro, para ter esse mérito, parecer uma coleção de historietas visando ao pitoresco, sem muita preocupação com a verdade, o que não o impede de se gabar a todo instante e sem propósito algum, de sua imparcialidade, de sua veracidade, ─ uma pretensão a mais, a acrescentar a todas as que indicamos, e na qual se envolve com tanto mais afetação quanto não se dissimula se ela lhe falta. ─ Tal qual é, não poderíamos compará-lo melhor do que a esses restaurantes populares pródigos de comestíveis, que não têm de sedutores senão a aparência, e que servem aos consumidores sem preocupação com o cardápio. Mais superficial que profundo, ali o importante é sacrificado ao fútil, o principal ao acessório, o lado dogmático ao lado episódico. As lacunas, aliás, são tão abundantes quanto as coisas inúteis e, para que nada falte, está cheio de contradições, afirmando aqui o que nega adiante, tanto que seríamos tentado a crer que nisto, diferente do célebre Pico de la Mirândola ─ capaz de dissertar de omni re scibili[2] ─ O Sr. Louis Figuier empreendeu ensinar aos outros o que ele próprio não sabia.
I
“Este livro tem grandes pretensões, mas não justifica nenhuma. Ele queria passar por erudito, afeta ciência, exibe uma aparente abundância de pesquisas, mas sua erudição é superficial, sua ciência incompleta, suas pesquisas prematuras e mal digeridas. O Sr. Louis Figuier deu-se à especialidade de recolher, um a um, os mil pequenos fatos que pululam, dia a dia, em torno das academias, como essas longas filas de cogumelos que nascem da noite para o dia sobre as camadas criptogamíferas, e em seguida com eles organiza livros que fazem concorrência ao Cozinheira Burguesa e aos tratados do Bom Homem Ricardo. Acostumadíssimo a esse trabalho de composições fáceis ─ inferiores ao trabalho de compilação desse bom Padre Trublet, do qual Voltaire zombou espirituosamente ─ e que forçosamente lhe proporcionam lazeres, ele disse para si mesmo que não seria mais difícil explorar a paixão do sobrenatural, que mais do que nunca torna febris as imaginações, do que utilizar as conversas quase sempre ociosas da segunda classe do Instituto. Habituado a redigir revistas científicas repetindo o que é dos outros, com os resumos de relatórios que por sua vez resume, com as teses e memórias que analisa; hábil em reunir mais tarde em volumes esses resumos de resumos, põe-se à obra. Fiel ao seu passado, compulsou às pressas todos os tratados sobre a matéria que lhe caíram às mãos, esmigalhou-os, depois misturou essas migalhas à sua maneira, com elas compondo um livro, depois do que não duvidamos que tenha exclamado com Horácio: Exegi monumentum. ‘Eu também erigi um monumento, que será mais duradouro que o bronze!’
“E ele teria razão para sentir-se orgulhoso de sua criação, se a qualidade fosse medida pela quantidade. Com efeito, ela não é constituída por menos de quatro grossos volumes, essa história do maravilhoso, e só contém a história do maravilhoso nos tempos modernos, de 1630 até os nossos dias; apenas dois séculos, o que suporia ao menos um pouco mais que o dobro das mais volumosas enciclopédias, se contivesse a história do maravilhoso em todos os tempos e de todos os povos! Assim, quando se pensa que esse fragmento de monografia de tão vasta extensão não lhe custou senão alguns meses de trabalho, somos tentado a crer que esse parto, ao mesmo tempo tão grande e tão apressado, é mais maravilhoso que as maravilhas que encerra. Mas essa fecundidade deixa de ser um prodígio quando se estuda de perto o processo de composição de que fez uso e que, na verdade, lhe é tão familiar que não seria possível esperar que empregasse outro. Em vez de condensar os fatos, de expô-los sumariamente, de negligenciar detalhes inúteis, de ater-se sobretudo a pôr em relevo as circunstâncias características, e em seguida discuti-las, ocupou-se apenas em escrever um folhetim mais longo que os que semanalmente escreve no La Presse. Armado de uma tesoura, recortou das obras anteriores à sua o que favorecia as ideias preconcebidas que desejava fazer triunfar, afastando o que poderia contrariar a opinião que a priori havia formado sobre esse importante assunto, o que sobretudo poderia contrariar a explicação natural que se propunha dar das manifestações qualificadas como sobrenaturais pelo que os livrespensadores são unânimes em chamar de credulidade pública, porque é ainda uma das pretensões de seu livro ─ e esta não é melhor justificada que as outras ─ dar uma solução física ou médica nova achada por ele, solução triunfante, inatacável, doravante ao abrigo das objeções dos homens bastante simples para crerem que Deus é mais poderoso que os nossos sábios. Ele o repete em cem passagens de sua obra, para que ninguém o ignore, e com a esperança de que acabarão por crê-lo, embora se limite a repetir o que, a respeito, antes dele disseram todos aqueles físicos ou médicos, filósofos ou químicos que têm mais horror ao sobrenatural do que Pascal tinha ao vácuo.
“Daí resulta que essa história do maravilhoso carece, ao mesmo tempo, de autoridade e de proporções. Do ponto de vista dogmático não ultrapassa as negações dos negadores anteriores; não adiciona nenhum argumento aos já desenvolvidos, e nesta questão, como em todas as outras, não compreendemos a utilidade dos ecos. Há mais: atormentado pelo desejo de parecer fazer melhor que Calmeil, Esquiros, Montègre, Hecquet e tantos outros que o precederam e serão sempre seus mestres, o Sr. Louis Figuier por vezes se perde no labirinto confuso das demonstrações que lhes toma de empréstimo, querendo delas apropriar-se, e por vezes acaba rivalizando na lógica com o Sr. Babinet. Quanto aos fatos, acumulou-os em enorme quantidade, embora um pouco ao acaso, truncando uns, descartando outros, preocupado em reproduzir de preferência os que pudessem oferecer uma certa atração na leitura. Isto prova que ele visou principalmente o sucesso fácil, a lutar com os romancistas do dia, e somos tentados a perguntar como ele não induziu o editor a incluir a sua obra na divertida Biblioteca das Estradas de Ferro, a fim de que fosse mais diretamente dirigida a essa multidão que lê para se distrair e não para instruir-se.
“Não podemos negar que seu livro é divertido, se é que basta a um livro, para ter esse mérito, parecer uma coleção de historietas visando ao pitoresco, sem muita preocupação com a verdade, o que não o impede de se gabar a todo instante e sem propósito algum, de sua imparcialidade, de sua veracidade, ─ uma pretensão a mais, a acrescentar a todas as que indicamos, e na qual se envolve com tanto mais afetação quanto não se dissimula se ela lhe falta. ─ Tal qual é, não poderíamos compará-lo melhor do que a esses restaurantes populares pródigos de comestíveis, que não têm de sedutores senão a aparência, e que servem aos consumidores sem preocupação com o cardápio. Mais superficial que profundo, ali o importante é sacrificado ao fútil, o principal ao acessório, o lado dogmático ao lado episódico. As lacunas, aliás, são tão abundantes quanto as coisas inúteis e, para que nada falte, está cheio de contradições, afirmando aqui o que nega adiante, tanto que seríamos tentado a crer que nisto, diferente do célebre Pico de la Mirândola ─ capaz de dissertar de omni re scibili[2] ─ O Sr. Louis Figuier empreendeu ensinar aos outros o que ele próprio não sabia.
II
“Poderíamos limitar aqui o exame dessa história do maravilhoso se não tivéssemos que justificar estas severas mas justas apreciações. Para começar, é preciso acrescentar que aquele que a escreveu não acredita na possibilidade do sobrenatural? Não o cremos. Em sua qualidade de acadêmico supranumerário ─ um supranumerariato que provavelmente não terminará com a sua vida, em virtude dos poderes que lhe confere o seu título de folhetinista científico, ele não podia sustentar outra tese, sem se expor a ser posto no índex pelo exército de incrédulos, dos quais ele se julga susceptível de fazer parte. Ele também não crê e, a esse respeito, sua incredulidade está acima de suspeitas. Ele é do número “desses espíritos sábios que, testemunhas do desbordamento imprevisto do maravilhoso contemporâneo, não podem compreender um tal engano em pleno século XIX, com uma filosofia adiantada e em meio a esse magnífico movimento científico, que hoje dirige tudo para o positivo e para o útil.” ─ Reconhecemos que deve ser penoso para “esses espíritos sábios” ver que o espírito público assim se recusa a despojar-se de seus velhos preconceitos e persiste em ter crenças diversas das do positivismo filosófico que, entretanto, são as de todos os animais. Aliás, esse dissabor não data apenas dos nossos dias. O Sr. Louis Figuier o confessa, não sem despeito, quando pergunta, em termos aturdidos, como é possível que o maravilhoso tenha resistido ao século XVIII, “o século de Voltaire e da Enciclopédia”, enquanto “os olhos se abriam para as luzes do bom-senso e da razão.” Que fazer, então? Tão vivaz é esta crença no maravilhoso, consagrada por todas as religiões, que foi a de todos os tempos, de todos os povos, sob todas as latitudes e em todos os continentes, que os livrepensadores, satisfeitos por tê-la agitado por si e para si mesmos, fariam muito bem em abster-se, de agora em diante, de um proselitismo cujo sucesso sabem inevitável.
“Mas o Sr. Louis Figuier não é desses corações pusilânimes que se apavoram com o avanço da inutilidade de seus esforços. Cheio de confiança e de suficiência em sua força, vangloria-se de realizar o que Voltaire, Diderot, Lamétrie, Dupuis, Volney, Dulaure, Pigault-Lebrun; o que Dulaurens com o seu Compère Mathieu; o que os químicos com seus alambiques, os físicos com suas pilhas elétricas, os astrônomos com seus compassos, os panteístas com seus sofismas, o trocita malévolo com seu ceticismo de mau gosto, foram impotentes para realizar. Ele se propôs demonstrar de novo e triunfalmente, desta vez, que “o sobrenatural não existe e jamais existiu” e, por consequência, que “os prodígios antigos e contemporâneos podem todos ser atribuídos a uma causa natural.” A tarefa é árdua; até aqui os mais intrépidos nela sucumbiram. Mas “semelhante conclusão, que necessariamente afastaria todo agente sobrenatural, seria uma vitória da Ciência sobre o espírito de superstição, para grande benefício da razão e da dignidade humanas”. E essa vitória satisfez sua ambição, ─ vitória mais fácil do que pensamos, se o Sr. Louis Figuier não se tiver equivocado quando diz, em sua introdução, que “nosso século inquieta-se muito pouco com as matérias teológicas e disputas religiosas.” Então, para que partir em guerra contra uma crença que não existe? Para que atacar as opiniões de uma Teologia com que ninguém se ocupa? Para que dar atenção a superstições religiosas que não mais nos preocupam? “Vitória sem perigo é triunfo sem glória”, diz o poeta, e não convém tocar muito alto a trombeta guerreira, se não se tem que combater senão moinhos de vento. Que quereis? O Sr. Louis Figuier tinha esquecido, ao escrever isto, o que havia escrito acima, quando confessava, com a vergonha no rosto, que o nosso século, surdo às lições da Enciclopédia e aos ensinos da imprensa leiga, se tinha subitamente empolgado pelo maravilhoso e, mais do que os seus antepassados, acreditava no sobrenatural, aberração incompreensível, da qual queria curá-lo. Mas esta contradição é tão pequena que talvez não valesse a pena ser destacada. Veremos muitas outras e ainda seremos obrigados a desprezar muitas!
“Assim, o Sr. Louis Figuier nega que se produzam em nossos dias, e que se tenham produzido em qualquer tempo, manifestações sobrenaturais. Com relação aos milagres, só a Ciência pode fazê-los. O poder de Deus jamais foi até aí. Até mesmo quando dizemos que Deus não tem tal poder, temos uma espécie de escrúpulo de traduzir incompletamente o seu pensamento. Reconhece ele um outro deus senão o deus Natureza, tão admirável na sua inteligência cega, e que realiza maravilhas sem o suspeitar, deus querido dos sábios, porque é bastante complacente para lhes deixar crer que usurpem diariamente uma fatia de sua soberania? É uma questão que não nos permitimos aprofundar.
“Mediocremente maravilhosa, essa história do maravilhoso começa por uma introdução que o Sr. Louis Figuier chama um golpe de vista rápido ao sobrenatural na Antiguidade e na Idade Média, da qual nada diremos, porque teríamos que dizer demais. As mais importantes manifestações aí são desfiguradas, sob pretexto de resumo, e compreende-se que seria preciso muito tempo e espaço para restituir a verdadeira fisionomia aos milhares de fatos que ali só figuram de maneira abreviada.
“O edifício é digno do peristilo. Essa história do maravilhoso, durante os dois últimos séculos, abre-se para o relato do assunto de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun; vem a seguir a varinha mágica, os tremedores das Cévennes, os convulsionários jansenistas, Cagliostro, o magnetismo e as mesas girantes. Mas da possessão de Louviers nenhuma palavra, e também nenhuma palavra sobre os iluminados, os martinistas, o swedenborgismo, os estigmatizados do Tirol, a notável manifestação das crianças na Suécia, há menos de cinquenta anos. Disse apenas uma palavra sobre os exorcismos do Padre Gassner e menos de uma página insignificante é consagrada à vidente de Prevorst.
O Sr. Louis Figuier teria feito melhor se tivesse intitulado seu livro: Episódios da História do Maravilhoso nos Tempos Modernos. Ainda os episódios que escolheu podem dar lugar a sérias objeções. Ninguém jamais atribuiu às mágicas de Cagliostro uma significação sobrenatural. Era um hábil intrigante, que possuía alguns curiosos segredos, dos quais soube servir-se para fascinar aqueles que queria explorar e que, sobretudo, possuía numerosos comparsas. Cagliostro merecia antes um lugar na galeria dos precursores revolucionários que no pandemônio dos feiticeiros. Igualmente não vemos o que o magnetismo tenha a fazer nessa história do maravilhoso, sobretudo do ponto de vista em que o Sr. Louis Figuier se colocou. O magnetismo ressalta da Academia de Medicina e da Academia das Ciências, que o desdenharam muito; mas não pode interessar o supernaturalismo senão por ocasião de algumas de suas manifestações, aliás negligenciadas pelo Sr. Louis Figuier, a fim de reservar o espaço que consagrou ao relato da vida de Mesmer, das experiências do Marquês de Puységur e do incidente relativo ao famoso relatório do Sr. Husson. Há dois anos tratamos dessa importante questão e a ela não voltaremos, pois apenas nos repetiríamos. Também deixaremos de lado a das mesas girantes, que examinamos na mesma época. Contudo, muito haveria a dizer sobre a explicação natural e física que o Sr. Louis Figuier pretende dar dessa dança das mesas e das manifestações que se lhe seguem. Mas é preciso saber limitar-se. Deixemo-lo, pois, debater-se com a Revista Espiritualista e a Revista Espírita, duas revistas publicadas em Paris pelos adeptos da crença na manifestação dos Espíritos, que o acusam de ter escrito o seu requisitório sem haver previamente ouvido as testemunhas e consultado as peças do processo. Uma e outra pretendem que ele jamais assistiu a uma única sessão espiritualista e que, à sua chegada, teve o cuidado de declarar que sua opinião estava formada e nada o faria mudá-la.
“É verdade? Não sabemos. Tudo quanto podemos afirmar é que, depois de ter repelido, com justa razão, a solução do Sr. Babinet, pelos movimentos nascentes e inconscientes, acabou adotando-a por conta própria, tanto é ele inconsciente do que pensa e escreve. Eis a prova. Diz ele: “Nessas reuniões de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, mãos abertas sobre a mesa, sem ter liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que uma delas, uma só que se queira, por momentos não caia no estado hipnótico ou biológico. (O hipnotismo lhe dá resposta a tudo, como veremos mais tarde). Não é preciso que esse estado dure mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O membro da corrente, caído nesse meio-sono nervoso, não mais tendo consciência de seus atos, malgrado seu, imprime o movimento ao móvel.” Por que não começaria a troçar de si mesmo, desde que gostava de troçar do Sr. Babinet? Teria sido lógico, sobretudo depois de haver anunciado que vinha esclarecer o mistério, e do momento que não colocava em sua lanterna uma luzinha tão ridícula senão quanto a que antes havia aceso o sábio acadêmico. Mas a lógica e o Sr. Louis Figuier divorciaram-se nessa história do maravilhoso. Ah! Em vão os ecos pretenderam que eles vão falar, mas seus esforços só conseguem repetir o que ouvem.
“Quanto aos longos capítulos consagrados à varinha mágica e, em particular, a Jacques Aymar, inicialmente nos permitimos lhe observar que se equivoca se pensa que o problema foi estudado suficientemente pelo Sr. Chevreul. É uma ilusão que pode deixar, se bem lhe parecer, àquele sábio. Mas fora da Academia das Ciências não encontrará ninguém que admita que a teoria do pêndulo explorador responda a todas as suas objeções. A frase atribuída a Galileu “E contudo, ela gira!” não deixa de ter uma aplicação à varinha mágica. Ela girou e gira, a despeito dos céticos que negam o movimento, porque se recusam a ver. Os milhares de exemplos que podemos citar ─ e que cita o próprio Sr. Louis Figuier ─ atestam a realidade do fenômeno. Gira por um impulso diabólico ou espírita, como se diria hoje, ou sob a impressão que recebe de alguns eflúvios desconhecidos? De boa vontade repelimos qualquer influência sobrenatural, embora ela possa ser admitida em certos casos. O que não nos parece provada é a inexistência de fluidos desconhecidos. Entre outros, conta o fluido magnético com numerosos partidários, cujas afirmações merecem tanta autoridade quanto as negações de seus adversários. Seja como for, a varinha mágica realizou maravilhas que podem nada ter de sobrenatural, mas que a Ciência é incapaz de explicar, ela que, aliás, muito pouco explica de todas as que vemos produzir-se diariamente em redor de nós, na vida da menor folha de erva. A modéstia é uma virtude que lhe falta e que ele faria bem em adquirir.
“Entre outras maravilhas, as que realizava Jacques Aymar, do qual falamos tanto, mereciam ser relatadas minuciosamente. Um dia, entre outros, ele foi chamado a Lyon, no dia seguinte a um grande crime cometido naquela cidade. Armado de sua varinha explorou o porão que tinha sido o teatro do crime, declarando que os assassinos eram três; depois começou a seguir os seus traços, que o conduziram a um jardineiro, cuja casa estava situada à margem do Ródano e afirmou que ali haviam entrado e que tinham tomado uma garrafa de vinho. O jardineiro protestou, negando, mas seus filhos moços, interrogados, confessaram que três indivíduos tinham vindo, na ausência do pai, e lhes haviam vendido vinho.
Então Aymar segue a pista, sempre conduzido pela varinha. Descobre onde tinham embarcado, no Ródano; entra numa canoa; desce em todos os lugares onde eles desceram e vai ao campo de Sablon, entre Vienne e Saint Vallier e acha que ali demoraram alguns dias. Continua a sua perseguição e, de etapa em etapa, chega até Beaucaire, em plena feira; percorre as suas ruas cheias de gente e para diante da porta da prisão, onde entra e aponta um pequeno corcunda como um dos assassinos. Suas investigações lhe indicaram a seguir que os outros dois tinham seguido para os lados de Nimes, mas as autoridades policiais não quiseram prosseguir as buscas. Conduzido a Lyon, o corcunda confessou seu crime e foi supliciado na roda.
“Eis a proeza de Jacques Aymar, e proezas tão surpreendentes como esta são numerosas em sua vida. O Sr. Louis Figuier o admite em todas as suas circunstâncias. Aliás, ele não podia fazer de outro modo, desde que é atestado por centenas de testemunhas, de cuja veracidade não se pode duvidar “por três relatos e várias cartas concordantes, escritas pelas testemunhas e pelos magistrados, homens igualmente honrados e desinteressados e que ninguém, no público contemporâneo, suspeitou de uma combinação realmente impossível entre eles.” Mas como aqui não cabia uma explicação física, ele se viu obrigado a renunciar ao processo ordinário, e lançou-se num labirinto de suposições mais engenhosas que verossímeis. Ele transforma Jacques Aymar num agente de polícia, de uma perspicácia a deixar longe a do Sr. de Sartines, por mais célebre que ele seja. Junto a ele nossos chefes de polícia da “Sûreté”[3] não passariam de escolares. Ele supõe assim que esse manejador da varinha, durante três ou quatro horas passadas em Lyon, antes de começar suas experiências, teve tempo de tomar informações e descobrir o que até mesmo as autoridades judiciárias ignoravam. Foi à casa do jardineiro porque era de presumir que os assassinos tivessem embarcado no Ródano, a fim de se afastarem mais depressa; adivinhou que tinham bebido vinho, pois deviam ter sede; atracou na margem do rio em todos os lugares onde mais tarde se soube que eles realmente tinham atracado, porque esses lugares habituais de abordagem eram conhecidos deles; parou no campo de Sablon, pois era evidente que queriam ver o espetáculo da reunião de tropas; foi a Beaucaire, pois era certo que o desejo de dar um bom golpe ali os conduziria; parou, enfim, à porta da prisão porque era provável que um entre eles tivesse tido a pouca sorte de ser preso. “Eis por que vossa filha é muda!” diz Sganarelle; e o Sr. Louis Figuier não diz melhor, nem diferente. Sobretudo crê triunfar porque Jacques Aymar, tendo sido mais tarde chamado a Paris, pelos rumores de sua fama, aí viu sua perspicácia sofrer reais fracassos, ao lado de alguns triunfos também reais. Mas por esses eclipses que lhe valeram certo desfavor, o Sr. Louis Figuier, menos que qualquer outro, poderia censurá-lo; menos que qualquer outro, ele poderia disso se valer para declará-lo um impostor, ele que sabe, melhor do que ninguém; ele que reconhece, a propósito do magnetismo, que certas espécies de experiências são caprichosas e dão resultado num dia, mas falham no outro. A essa inconsequência, finalmente, ele junta outra, menos desculpável. Não contente de acusar Jacques Aymar de charlatanismo, pronuncia a mesma condenação contra quase todos os manejadores da varinha cujos gestos e feitos repete, e na discussão, entretanto, diz: “Entre os numerosos adeptos práticos, só um pequeno número era de má fé; mas não agiam sempre de má-fé; a maioria deles operava com inteira sinceridade. A varinha positivamente girava em suas mãos, independente de qualquer artifício, e o fenômeno, bem como fato, era mesmo real.” Bem, muito bem, nada melhor; aí está a verdade. Mas como e por que girava? Impossível fugir desta interrogação indiscreta. Ora, o Sr. Louis Figuier assim responde: “Esse movimento da varinha era operado em virtude de um ato de seu pensamento e sem que eles tivessem a menor consciência dessa ação secreta de sua vontade.” Sempre essa inconsciência mais maravilhosa que o maravilhoso que repelem. Acredite quem quiser.”
ESCANDE
[1] Escritório na Rua Sainte-Anne, 63. Edição de 22 fevereiro de 1861. Preço por exemplar, 1 franco.
[2] No original lê-se de omni re simili, visível erro tipográfico, pois a expressão significa: sobre todas as coisas que se pode saber. (N. do T.).
[3] Sûreté – Serviço de informação e fiscalização policial do Ministério do Interior.
“Mas o Sr. Louis Figuier não é desses corações pusilânimes que se apavoram com o avanço da inutilidade de seus esforços. Cheio de confiança e de suficiência em sua força, vangloria-se de realizar o que Voltaire, Diderot, Lamétrie, Dupuis, Volney, Dulaure, Pigault-Lebrun; o que Dulaurens com o seu Compère Mathieu; o que os químicos com seus alambiques, os físicos com suas pilhas elétricas, os astrônomos com seus compassos, os panteístas com seus sofismas, o trocita malévolo com seu ceticismo de mau gosto, foram impotentes para realizar. Ele se propôs demonstrar de novo e triunfalmente, desta vez, que “o sobrenatural não existe e jamais existiu” e, por consequência, que “os prodígios antigos e contemporâneos podem todos ser atribuídos a uma causa natural.” A tarefa é árdua; até aqui os mais intrépidos nela sucumbiram. Mas “semelhante conclusão, que necessariamente afastaria todo agente sobrenatural, seria uma vitória da Ciência sobre o espírito de superstição, para grande benefício da razão e da dignidade humanas”. E essa vitória satisfez sua ambição, ─ vitória mais fácil do que pensamos, se o Sr. Louis Figuier não se tiver equivocado quando diz, em sua introdução, que “nosso século inquieta-se muito pouco com as matérias teológicas e disputas religiosas.” Então, para que partir em guerra contra uma crença que não existe? Para que atacar as opiniões de uma Teologia com que ninguém se ocupa? Para que dar atenção a superstições religiosas que não mais nos preocupam? “Vitória sem perigo é triunfo sem glória”, diz o poeta, e não convém tocar muito alto a trombeta guerreira, se não se tem que combater senão moinhos de vento. Que quereis? O Sr. Louis Figuier tinha esquecido, ao escrever isto, o que havia escrito acima, quando confessava, com a vergonha no rosto, que o nosso século, surdo às lições da Enciclopédia e aos ensinos da imprensa leiga, se tinha subitamente empolgado pelo maravilhoso e, mais do que os seus antepassados, acreditava no sobrenatural, aberração incompreensível, da qual queria curá-lo. Mas esta contradição é tão pequena que talvez não valesse a pena ser destacada. Veremos muitas outras e ainda seremos obrigados a desprezar muitas!
“Assim, o Sr. Louis Figuier nega que se produzam em nossos dias, e que se tenham produzido em qualquer tempo, manifestações sobrenaturais. Com relação aos milagres, só a Ciência pode fazê-los. O poder de Deus jamais foi até aí. Até mesmo quando dizemos que Deus não tem tal poder, temos uma espécie de escrúpulo de traduzir incompletamente o seu pensamento. Reconhece ele um outro deus senão o deus Natureza, tão admirável na sua inteligência cega, e que realiza maravilhas sem o suspeitar, deus querido dos sábios, porque é bastante complacente para lhes deixar crer que usurpem diariamente uma fatia de sua soberania? É uma questão que não nos permitimos aprofundar.
“Mediocremente maravilhosa, essa história do maravilhoso começa por uma introdução que o Sr. Louis Figuier chama um golpe de vista rápido ao sobrenatural na Antiguidade e na Idade Média, da qual nada diremos, porque teríamos que dizer demais. As mais importantes manifestações aí são desfiguradas, sob pretexto de resumo, e compreende-se que seria preciso muito tempo e espaço para restituir a verdadeira fisionomia aos milhares de fatos que ali só figuram de maneira abreviada.
“O edifício é digno do peristilo. Essa história do maravilhoso, durante os dois últimos séculos, abre-se para o relato do assunto de Urbain Grandier e das religiosas de Loudun; vem a seguir a varinha mágica, os tremedores das Cévennes, os convulsionários jansenistas, Cagliostro, o magnetismo e as mesas girantes. Mas da possessão de Louviers nenhuma palavra, e também nenhuma palavra sobre os iluminados, os martinistas, o swedenborgismo, os estigmatizados do Tirol, a notável manifestação das crianças na Suécia, há menos de cinquenta anos. Disse apenas uma palavra sobre os exorcismos do Padre Gassner e menos de uma página insignificante é consagrada à vidente de Prevorst.
O Sr. Louis Figuier teria feito melhor se tivesse intitulado seu livro: Episódios da História do Maravilhoso nos Tempos Modernos. Ainda os episódios que escolheu podem dar lugar a sérias objeções. Ninguém jamais atribuiu às mágicas de Cagliostro uma significação sobrenatural. Era um hábil intrigante, que possuía alguns curiosos segredos, dos quais soube servir-se para fascinar aqueles que queria explorar e que, sobretudo, possuía numerosos comparsas. Cagliostro merecia antes um lugar na galeria dos precursores revolucionários que no pandemônio dos feiticeiros. Igualmente não vemos o que o magnetismo tenha a fazer nessa história do maravilhoso, sobretudo do ponto de vista em que o Sr. Louis Figuier se colocou. O magnetismo ressalta da Academia de Medicina e da Academia das Ciências, que o desdenharam muito; mas não pode interessar o supernaturalismo senão por ocasião de algumas de suas manifestações, aliás negligenciadas pelo Sr. Louis Figuier, a fim de reservar o espaço que consagrou ao relato da vida de Mesmer, das experiências do Marquês de Puységur e do incidente relativo ao famoso relatório do Sr. Husson. Há dois anos tratamos dessa importante questão e a ela não voltaremos, pois apenas nos repetiríamos. Também deixaremos de lado a das mesas girantes, que examinamos na mesma época. Contudo, muito haveria a dizer sobre a explicação natural e física que o Sr. Louis Figuier pretende dar dessa dança das mesas e das manifestações que se lhe seguem. Mas é preciso saber limitar-se. Deixemo-lo, pois, debater-se com a Revista Espiritualista e a Revista Espírita, duas revistas publicadas em Paris pelos adeptos da crença na manifestação dos Espíritos, que o acusam de ter escrito o seu requisitório sem haver previamente ouvido as testemunhas e consultado as peças do processo. Uma e outra pretendem que ele jamais assistiu a uma única sessão espiritualista e que, à sua chegada, teve o cuidado de declarar que sua opinião estava formada e nada o faria mudá-la.
“É verdade? Não sabemos. Tudo quanto podemos afirmar é que, depois de ter repelido, com justa razão, a solução do Sr. Babinet, pelos movimentos nascentes e inconscientes, acabou adotando-a por conta própria, tanto é ele inconsciente do que pensa e escreve. Eis a prova. Diz ele: “Nessas reuniões de pessoas fixamente ligadas durante vinte minutos ou meia hora, a formar a corrente, mãos abertas sobre a mesa, sem ter liberdade de, por um instante, distrair a atenção da operação em que tomam parte, o maior número não experimenta qualquer efeito particular. Mas é muito difícil que uma delas, uma só que se queira, por momentos não caia no estado hipnótico ou biológico. (O hipnotismo lhe dá resposta a tudo, como veremos mais tarde). Não é preciso que esse estado dure mais que um segundo para que se realize o fenômeno esperado. O membro da corrente, caído nesse meio-sono nervoso, não mais tendo consciência de seus atos, malgrado seu, imprime o movimento ao móvel.” Por que não começaria a troçar de si mesmo, desde que gostava de troçar do Sr. Babinet? Teria sido lógico, sobretudo depois de haver anunciado que vinha esclarecer o mistério, e do momento que não colocava em sua lanterna uma luzinha tão ridícula senão quanto a que antes havia aceso o sábio acadêmico. Mas a lógica e o Sr. Louis Figuier divorciaram-se nessa história do maravilhoso. Ah! Em vão os ecos pretenderam que eles vão falar, mas seus esforços só conseguem repetir o que ouvem.
“Quanto aos longos capítulos consagrados à varinha mágica e, em particular, a Jacques Aymar, inicialmente nos permitimos lhe observar que se equivoca se pensa que o problema foi estudado suficientemente pelo Sr. Chevreul. É uma ilusão que pode deixar, se bem lhe parecer, àquele sábio. Mas fora da Academia das Ciências não encontrará ninguém que admita que a teoria do pêndulo explorador responda a todas as suas objeções. A frase atribuída a Galileu “E contudo, ela gira!” não deixa de ter uma aplicação à varinha mágica. Ela girou e gira, a despeito dos céticos que negam o movimento, porque se recusam a ver. Os milhares de exemplos que podemos citar ─ e que cita o próprio Sr. Louis Figuier ─ atestam a realidade do fenômeno. Gira por um impulso diabólico ou espírita, como se diria hoje, ou sob a impressão que recebe de alguns eflúvios desconhecidos? De boa vontade repelimos qualquer influência sobrenatural, embora ela possa ser admitida em certos casos. O que não nos parece provada é a inexistência de fluidos desconhecidos. Entre outros, conta o fluido magnético com numerosos partidários, cujas afirmações merecem tanta autoridade quanto as negações de seus adversários. Seja como for, a varinha mágica realizou maravilhas que podem nada ter de sobrenatural, mas que a Ciência é incapaz de explicar, ela que, aliás, muito pouco explica de todas as que vemos produzir-se diariamente em redor de nós, na vida da menor folha de erva. A modéstia é uma virtude que lhe falta e que ele faria bem em adquirir.
“Entre outras maravilhas, as que realizava Jacques Aymar, do qual falamos tanto, mereciam ser relatadas minuciosamente. Um dia, entre outros, ele foi chamado a Lyon, no dia seguinte a um grande crime cometido naquela cidade. Armado de sua varinha explorou o porão que tinha sido o teatro do crime, declarando que os assassinos eram três; depois começou a seguir os seus traços, que o conduziram a um jardineiro, cuja casa estava situada à margem do Ródano e afirmou que ali haviam entrado e que tinham tomado uma garrafa de vinho. O jardineiro protestou, negando, mas seus filhos moços, interrogados, confessaram que três indivíduos tinham vindo, na ausência do pai, e lhes haviam vendido vinho.
Então Aymar segue a pista, sempre conduzido pela varinha. Descobre onde tinham embarcado, no Ródano; entra numa canoa; desce em todos os lugares onde eles desceram e vai ao campo de Sablon, entre Vienne e Saint Vallier e acha que ali demoraram alguns dias. Continua a sua perseguição e, de etapa em etapa, chega até Beaucaire, em plena feira; percorre as suas ruas cheias de gente e para diante da porta da prisão, onde entra e aponta um pequeno corcunda como um dos assassinos. Suas investigações lhe indicaram a seguir que os outros dois tinham seguido para os lados de Nimes, mas as autoridades policiais não quiseram prosseguir as buscas. Conduzido a Lyon, o corcunda confessou seu crime e foi supliciado na roda.
“Eis a proeza de Jacques Aymar, e proezas tão surpreendentes como esta são numerosas em sua vida. O Sr. Louis Figuier o admite em todas as suas circunstâncias. Aliás, ele não podia fazer de outro modo, desde que é atestado por centenas de testemunhas, de cuja veracidade não se pode duvidar “por três relatos e várias cartas concordantes, escritas pelas testemunhas e pelos magistrados, homens igualmente honrados e desinteressados e que ninguém, no público contemporâneo, suspeitou de uma combinação realmente impossível entre eles.” Mas como aqui não cabia uma explicação física, ele se viu obrigado a renunciar ao processo ordinário, e lançou-se num labirinto de suposições mais engenhosas que verossímeis. Ele transforma Jacques Aymar num agente de polícia, de uma perspicácia a deixar longe a do Sr. de Sartines, por mais célebre que ele seja. Junto a ele nossos chefes de polícia da “Sûreté”[3] não passariam de escolares. Ele supõe assim que esse manejador da varinha, durante três ou quatro horas passadas em Lyon, antes de começar suas experiências, teve tempo de tomar informações e descobrir o que até mesmo as autoridades judiciárias ignoravam. Foi à casa do jardineiro porque era de presumir que os assassinos tivessem embarcado no Ródano, a fim de se afastarem mais depressa; adivinhou que tinham bebido vinho, pois deviam ter sede; atracou na margem do rio em todos os lugares onde mais tarde se soube que eles realmente tinham atracado, porque esses lugares habituais de abordagem eram conhecidos deles; parou no campo de Sablon, pois era evidente que queriam ver o espetáculo da reunião de tropas; foi a Beaucaire, pois era certo que o desejo de dar um bom golpe ali os conduziria; parou, enfim, à porta da prisão porque era provável que um entre eles tivesse tido a pouca sorte de ser preso. “Eis por que vossa filha é muda!” diz Sganarelle; e o Sr. Louis Figuier não diz melhor, nem diferente. Sobretudo crê triunfar porque Jacques Aymar, tendo sido mais tarde chamado a Paris, pelos rumores de sua fama, aí viu sua perspicácia sofrer reais fracassos, ao lado de alguns triunfos também reais. Mas por esses eclipses que lhe valeram certo desfavor, o Sr. Louis Figuier, menos que qualquer outro, poderia censurá-lo; menos que qualquer outro, ele poderia disso se valer para declará-lo um impostor, ele que sabe, melhor do que ninguém; ele que reconhece, a propósito do magnetismo, que certas espécies de experiências são caprichosas e dão resultado num dia, mas falham no outro. A essa inconsequência, finalmente, ele junta outra, menos desculpável. Não contente de acusar Jacques Aymar de charlatanismo, pronuncia a mesma condenação contra quase todos os manejadores da varinha cujos gestos e feitos repete, e na discussão, entretanto, diz: “Entre os numerosos adeptos práticos, só um pequeno número era de má fé; mas não agiam sempre de má-fé; a maioria deles operava com inteira sinceridade. A varinha positivamente girava em suas mãos, independente de qualquer artifício, e o fenômeno, bem como fato, era mesmo real.” Bem, muito bem, nada melhor; aí está a verdade. Mas como e por que girava? Impossível fugir desta interrogação indiscreta. Ora, o Sr. Louis Figuier assim responde: “Esse movimento da varinha era operado em virtude de um ato de seu pensamento e sem que eles tivessem a menor consciência dessa ação secreta de sua vontade.” Sempre essa inconsciência mais maravilhosa que o maravilhoso que repelem. Acredite quem quiser.”
ESCANDE
[1] Escritório na Rua Sainte-Anne, 63. Edição de 22 fevereiro de 1861. Preço por exemplar, 1 franco.
[2] No original lê-se de omni re simili, visível erro tipográfico, pois a expressão significa: sobre todas as coisas que se pode saber. (N. do T.).
[3] Sûreté – Serviço de informação e fiscalização policial do Ministério do Interior.
O mar, pelo o Sr. Michelet
O Sr. Michelet tem que se pôr em guarda, pois todos os deuses marinhos da Antiguidade se aprestam para lhe pregar uma peça. É o que nos ensina o Sr. Taxile Delord, num espirituoso artigo publicado pelo Siècle de 4 de fevereiro último. Sua linguagem é digna do Orfeu nos Infernos das óperas bufas de Paris, como testemunha esta amostra: Netuno, aparecendo de repente à porta da morada de Anfitrite, onde estavam reunidos os descontentes, exclama: “Eis o Netuno chamado. Não me esperáveis agora, cara Anfitrite. É a hora de minha sesta, mas não há meio de fechar os olhos, desde o aparecimento deste diabo de livro intitulado O Mar. Quis percorrê-lo, mas está cheio de frivolidades. Não sei de que mares nos quer falar o Sr. Michelet. Por mim, é impossível reconhecer-me nele. Todo mundo sabe muito bem que o mar termina nas colunas de Hércules. Que é o que pode haver além?.. etc.”
Desnecessário dizer que o Sr. Michelet triunfa sob todos os pontos de vista. Ora, após a dispersão de seus inimigos, o Sr. Taxile Delord lhe diz: “Talvez vos sintais à vontade ao saber em que se tornaram os deuses marinhos depois que o mar os expulsou de seu império. Netuno explora a piscicultura em larga escala; Glaucus é professor de natação nos banhos de Ouarnier; Anfitrite é recepcionista nos banhos do Mediterrâneo em Marselha; Nereu aceitou um lugar de cozinheiro nos navios transatlânticos; vários tritões morreram e outros se exibem nas feiras.”
Não garantimos a exatidão das informações dadas pelo Sr. Delord sobre a situação atual dos heróis olímpicos, mas, como princípio, e sem querer, ele disse algo de mais sério do que tencionava dizer.
Entre os Antigos, o vocábulo deus tinha um significado muito elástico. Era uma qualificação genérica aplicada a todo ser que lhes parecia elevar-se acima do nível da Humanidade. Por isso divinizaram seus grandes homens. Não os acharíamos tão ridículos se não nos tivéssemos servido do mesmo vocábulo para designar o ser único, soberano senhor do Universo. Os Espíritos, que existiam então como hoje, lá se manifestavam igualmente, e esses seres misteriosos também deviam, conforme as ideias da época, e ainda a melhor título, pertencer à classe dos deuses. Os povos ignorantes, olhando-os como seres superiores, lhes rendiam culto. Os poetas cantaram-nos e inundaram a sua história com profundas verdades filosóficas, ocultas sob o véu de engenhosas alegorias, cujo conjunto formou a mitologia pagã. O vulgo, que em geral só vê a superfície das coisas, tomou isto ao pé da letra, sem rebuscar o fundo do pensamento, absolutamente como quem, em nossos dias, não visse nas fábulas de La Fontaine senão conversa de animais.
Tal é, em substância, o princípio da Mitologia. Os deuses não eram, pois, senão os Espíritos ou almas de simples mortais, como os dos nossos dias. Mas as paixões que a religião pagã lhes emprestava não dão uma ideia brilhante de sua elevação na hierarquia espírita, a começar por seu chefe, Júpiter, o que não os impedia de saborear o incenso que queimavam em seus altares.
O Cristianismo os despojou de seu prestígio e o Espiritismo, hoje, os reduziu ao seu justo valor. Sua própria inferioridade pôde submetê-los a várias reencarnações na Terra. Poder-se-ia, pois, entre os nossos contemporâneos encontrar alguns
Espíritos que outrora receberam as honras divinas, e que nem por isto seriam mais adiantados. O Sr. Taxile Delord, que sem dúvida não acredita nisso, por certo não quis senão troçar. Mas, malgrado seu, não deixou de dizer uma coisa talvez mais verdadeira do que pensava, ou que pelo menos não é materialmente impossível, como princípio. É assim que, imitando o Sr. Jourdain, muitas pessoas fazem Espiritismo sem o saber.
Desnecessário dizer que o Sr. Michelet triunfa sob todos os pontos de vista. Ora, após a dispersão de seus inimigos, o Sr. Taxile Delord lhe diz: “Talvez vos sintais à vontade ao saber em que se tornaram os deuses marinhos depois que o mar os expulsou de seu império. Netuno explora a piscicultura em larga escala; Glaucus é professor de natação nos banhos de Ouarnier; Anfitrite é recepcionista nos banhos do Mediterrâneo em Marselha; Nereu aceitou um lugar de cozinheiro nos navios transatlânticos; vários tritões morreram e outros se exibem nas feiras.”
Não garantimos a exatidão das informações dadas pelo Sr. Delord sobre a situação atual dos heróis olímpicos, mas, como princípio, e sem querer, ele disse algo de mais sério do que tencionava dizer.
Entre os Antigos, o vocábulo deus tinha um significado muito elástico. Era uma qualificação genérica aplicada a todo ser que lhes parecia elevar-se acima do nível da Humanidade. Por isso divinizaram seus grandes homens. Não os acharíamos tão ridículos se não nos tivéssemos servido do mesmo vocábulo para designar o ser único, soberano senhor do Universo. Os Espíritos, que existiam então como hoje, lá se manifestavam igualmente, e esses seres misteriosos também deviam, conforme as ideias da época, e ainda a melhor título, pertencer à classe dos deuses. Os povos ignorantes, olhando-os como seres superiores, lhes rendiam culto. Os poetas cantaram-nos e inundaram a sua história com profundas verdades filosóficas, ocultas sob o véu de engenhosas alegorias, cujo conjunto formou a mitologia pagã. O vulgo, que em geral só vê a superfície das coisas, tomou isto ao pé da letra, sem rebuscar o fundo do pensamento, absolutamente como quem, em nossos dias, não visse nas fábulas de La Fontaine senão conversa de animais.
Tal é, em substância, o princípio da Mitologia. Os deuses não eram, pois, senão os Espíritos ou almas de simples mortais, como os dos nossos dias. Mas as paixões que a religião pagã lhes emprestava não dão uma ideia brilhante de sua elevação na hierarquia espírita, a começar por seu chefe, Júpiter, o que não os impedia de saborear o incenso que queimavam em seus altares.
O Cristianismo os despojou de seu prestígio e o Espiritismo, hoje, os reduziu ao seu justo valor. Sua própria inferioridade pôde submetê-los a várias reencarnações na Terra. Poder-se-ia, pois, entre os nossos contemporâneos encontrar alguns
Espíritos que outrora receberam as honras divinas, e que nem por isto seriam mais adiantados. O Sr. Taxile Delord, que sem dúvida não acredita nisso, por certo não quis senão troçar. Mas, malgrado seu, não deixou de dizer uma coisa talvez mais verdadeira do que pensava, ou que pelo menos não é materialmente impossível, como princípio. É assim que, imitando o Sr. Jourdain, muitas pessoas fazem Espiritismo sem o saber.
Palestras familiares de além-túmulo
Alfred Leroy, suicida. (Sociedade espírita de Paris, 8 de março de 1861)O Siècle de 2 de março de 1861 relata o seguinte:
“Num terreno baldio, na curva do caminho dito da Arcada, que vai de Conflans para Charenton, operários em trabalho, ontem pela manhã, encontraram enforcado num pinheiro muito alto um indivíduo que se suicidara.
Avisado, o comissário de polícia de Charenton foi ao local, acompanhado pelo doutor Josias e procedeu aos exames.
Diz o Droit que o suicida era um homem de uns cinquenta anos, de fisionomia distinta, vestido decentemente. De um de seus bolsos retiraram um bilhete a lápis, assim redigido: “Onze horas e três quartos da noite; subo ao suplício. Deus me perdoará os meus erros.”
O bolso continha ainda uma carta sem endereçamento e sem assinatura, cujo conteúdo é o seguinte:
“Sim, lutei até o limite! Promessas, garantias, tudo me faltou. Eu podia chegar; tinha tudo a crer, tudo a esperar; uma falta de palavras me mata; não posso mais lutar. Abandono esta existência, desde algum tempo tão dolorosa. Cheio de força e de energia, sou obrigado a recorrer ao suicídio. Tomo Deus por testemunha de que eu tinha o maior desejo de pagar minhas dívidas para com os que me haviam ajudado no infortúnio. A fatalidade me esmaga. Tudo se ergue contra mim. Abandonado subitamente por aqueles que representei, sofro a minha sorte. Morro sem fel, confesso-o, mas, por mais que digam, a calúnia não impedirá que nos últimos momentos eu não tenha por mim nobres simpatias. Insultar o homem que se reduziu à última das resoluções seria uma infâmia. É bastante tê-lo reduzido a isto. A vergonha não será toda minha. O egoísmo ter-me-á matado.”
Conforme outros papéis, o suicida era um tal Alfred Leroy, de cinquenta anos, originário de Vimoutiers, Orne. A profissão e o domicílio são desconhecidos e, após as formalidades de praxe, o corpo, que ninguém reclamou, foi para o necrotério.
1. (Evocação)
─ Não venho como supliciado. Estou salvo. Alfred.
OBSERVAÇÃO: As palavras “estou salvo” deixaram espantada a maioria dos assistentes. A explicação foi pedida na sequência da conversa.
2. ─ Soubemos pelos jornais do ato de desespero pelo qual sucumbistes e, embora não vos conheçamos, vos lamentamos, porque a religião manda apiedar-nos da sorte de todos os nossos irmãos infelizes, e é para vos testemunhar simpatia que vos chamamos.
─ Devo calar os motivos que me impeliram a esse ato de desespero. Agradeço o que fazeis por mim. É uma felicidade, uma esperança a mais. Obrigado!
3. ─ Podeis dizer-nos, primeiro, se tendes consciência de vossa situação atual?
─ Perfeita. Sou relativamente feliz. Não me suicidei por causas puramente materiais. Crede que havia outras, e minhas últimas palavras o demonstraram. Foi um pulso de ferro que me pegou. Quando encarnei na Terra, vi o suicídio no meu futuro. Era a prova contra a qual tinha que lutar. Eu quis ser mais forte que a fatalidade e sucumbi.
OBSERVAÇÃO: Ver-se-á logo que esse Espírito não foge à sorte dos suicidas, a despeito do que acaba de dizer. Quanto à palavra fatalidade, é evidente que nele é uma lembrança das ideias terrenas. Leva-se à conta da fatalidade todas as desgraças que não se pode evitar. Para ele, o suicídio era a prova contra a qual tinha que lutar. Cedeu ao arrastamento, ao invés de resistir, em vista do seu livre-arbítrio, e julgou que estivesse em seu destino.
4. ─ Quisestes escapar a uma situação desagradável pelo suicídio. Ganhastes alguma coisa com isto?
─ Aqui está o meu castigo: a confusão do meu orgulho e a consciência da minha fraqueza.
5. ─ Segundo a carta encontrada convosco, parece que a dureza dos homens e uma falta de palavra vos conduziram à própria destruição. Que sentimento experimentais agora pelos que foram a causa dessa resolução funesta?
─ Oh! Não me tenteis, não me tenteis, eu vo-lo peço.
OBSERVAÇÃO: Esta reposta é admirável. Ela pinta a situação do Espírito lutando contra o desejo de odiar os que lhe fizeram mal, e o sentimento do bem, que o impele a perdoar. Ele teme que esta pergunta provoque uma resposta que a sua consciência reprova.
6. ─ Lamentais o que fizestes?
─ Eu vos disse: meu orgulho e minha fraqueza são a sua causa.
7. ─ Em vida críeis em Deus e na vida futura?
─ Minhas últimas palavras o provam. Marcho para o suplício.
OBSERVAÇÃO: Ele começa a compreender sua posição, sobre a qual a princípio pôde ter uma ilusão, porque não podia ser salvo e marchar para o suplício.
8. ─ Tomando essa resolução, que pensáveis que vos aconteceria?
─ Eu tinha bastante consciência da justiça para compreender o que agora me faz sofrer. Por um momento tive a ideia do nada, mas logo a repeli. Se tivesse tal ideia não me teria matado. Antes teria me vingado.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta é, ao mesmo tempo, muito lógica e muito profunda. Se ele acreditasse no nada após a morte, ao invés de se matar, ter-se-ia vingado ou, pelo menos, teria começado por vingar-se. A ideia do futuro o impediu de cometer um duplo crime. Com a ideia do nada, o que teria a temer, se queria tirar a própria vida? Não mais temeria a justiça dos homens e teria o prazer da vingança. Tal a consequência das doutrinas materialistas, que certos sábios se esforçam em propagar.
9. ─ Se estivésseis bem convencido de que as mais cruéis vicissitudes da vida são provas muito curtas em presença da eternidade, teríeis sucumbido?
─ Muito curtas, eu o sabia, mas o desespero não pode raciocinar.
10. ─ Suplicamos a Deus que vos perdoe e em vosso favor lhe dirigimos esta prece, à qual todos nos associamos: “Deus todo-poderoso, sabemos a sorte reservada aos que abreviam os seus dias, e não podemos entravar a vossa justiça. Mas sabemos também que vossa misericórdia é infinita. Possa ela estender-se sobre a alma de Alfred Leroy! Possam, também, nossas preces, mostrando-lhe que há na Terra seres que se interessam por sua sorte, aliviar os sofrimentos que padece por não ter tido a coragem de suportar as vicissitudes da vida! Bons Espíritos, cuja missão é aliviar os infelizes, tomai-o sob vossa proteção; inspirai-lhe o pesar pelo que fez e o desejo de progredir por novas provas que saberá suportar melhor.
─ Esta prece me faz chorar, e desde que choro, estou feliz.
11. ─ Dissestes no começo: agora estou salvo. Como conciliar estas palavras com o que dissestes depois: marcho para o suplício?
─ E como considerais a bondade divina? Eu não podia viver. Era impossível. Credes que Deus não veja o impossível neste caso?
OBSERVAÇÃO: Em meio a algumas respostas notavelmente sensatas, há outras, e esta é desse número, que denotam neste Espírito uma ideia imperfeita de sua situação. Isto nada tem de admirável, se se pensar que ele está morto há poucos dias.
12. (A São Luís). ─ Podeis dizer qual a sorte do infeliz que acabamos de evocar?
─ A expiação e o sofrimento. Não, não há contradição entre as primeiras palavras desse infortunado e as suas dores. Ele se diz feliz. Feliz pela cessação da vida. Como ainda está preso aos laços terrenos, ainda não sente senão a ausência do mal terreno, mas quando seu Espírito elevar-se, os horizontes da dor, da expiação lenta e terrível desenrolar-se-ão à sua frente e o conhecimento do infinito, ainda velado aos seus olhos, ser-lhe-á o suplício que entreviu.
13. ─ Que diferença estabeleceis entre este suicida e o da Samaritana? Ambos se mataram de desespero, contudo sua situação é bem diversa: este se reconhece perfeitamente; fala com lucidez e ainda não sofre, ao passo que o outro não se julgava morto e desde os primeiros instantes sofria um suplício cruel, o de sentir a impressão de seu corpo em decomposição.
─ Imensa diferença. O suplício de cada um desses homens reveste o caráter próprio de seu progresso moral. O último, alma fraca e quebrada, suportou tanto quanto acreditou. Duvidou de sua força, da bondade de Deus, mas não blasfemou nem maldisse; seu suplício interior, lento e profundo, terá a mesma intensidade de dor que a do primeiro suicida. Apenas não é uniforme a lei da expiação.
NOTA: A história do suicida da Samaritana está na Revista de junho de 1858.
14. ─ Aos olhos de Deus, qual o mais culpado e qual o que sofrerá o grande castigo: aquele que sucumbiu à sua fraqueza ou aquele que por sua dureza foi levado ao desespero?
─ Seguramente o que sucumbiu pela tentação.
15. ─ A prece que por ele dirigimos a Deus lhe será útil?
─ Sim. A prece é um orvalho benéfico.
“Num terreno baldio, na curva do caminho dito da Arcada, que vai de Conflans para Charenton, operários em trabalho, ontem pela manhã, encontraram enforcado num pinheiro muito alto um indivíduo que se suicidara.
Avisado, o comissário de polícia de Charenton foi ao local, acompanhado pelo doutor Josias e procedeu aos exames.
Diz o Droit que o suicida era um homem de uns cinquenta anos, de fisionomia distinta, vestido decentemente. De um de seus bolsos retiraram um bilhete a lápis, assim redigido: “Onze horas e três quartos da noite; subo ao suplício. Deus me perdoará os meus erros.”
O bolso continha ainda uma carta sem endereçamento e sem assinatura, cujo conteúdo é o seguinte:
“Sim, lutei até o limite! Promessas, garantias, tudo me faltou. Eu podia chegar; tinha tudo a crer, tudo a esperar; uma falta de palavras me mata; não posso mais lutar. Abandono esta existência, desde algum tempo tão dolorosa. Cheio de força e de energia, sou obrigado a recorrer ao suicídio. Tomo Deus por testemunha de que eu tinha o maior desejo de pagar minhas dívidas para com os que me haviam ajudado no infortúnio. A fatalidade me esmaga. Tudo se ergue contra mim. Abandonado subitamente por aqueles que representei, sofro a minha sorte. Morro sem fel, confesso-o, mas, por mais que digam, a calúnia não impedirá que nos últimos momentos eu não tenha por mim nobres simpatias. Insultar o homem que se reduziu à última das resoluções seria uma infâmia. É bastante tê-lo reduzido a isto. A vergonha não será toda minha. O egoísmo ter-me-á matado.”
Conforme outros papéis, o suicida era um tal Alfred Leroy, de cinquenta anos, originário de Vimoutiers, Orne. A profissão e o domicílio são desconhecidos e, após as formalidades de praxe, o corpo, que ninguém reclamou, foi para o necrotério.
1. (Evocação)
─ Não venho como supliciado. Estou salvo. Alfred.
OBSERVAÇÃO: As palavras “estou salvo” deixaram espantada a maioria dos assistentes. A explicação foi pedida na sequência da conversa.
2. ─ Soubemos pelos jornais do ato de desespero pelo qual sucumbistes e, embora não vos conheçamos, vos lamentamos, porque a religião manda apiedar-nos da sorte de todos os nossos irmãos infelizes, e é para vos testemunhar simpatia que vos chamamos.
─ Devo calar os motivos que me impeliram a esse ato de desespero. Agradeço o que fazeis por mim. É uma felicidade, uma esperança a mais. Obrigado!
3. ─ Podeis dizer-nos, primeiro, se tendes consciência de vossa situação atual?
─ Perfeita. Sou relativamente feliz. Não me suicidei por causas puramente materiais. Crede que havia outras, e minhas últimas palavras o demonstraram. Foi um pulso de ferro que me pegou. Quando encarnei na Terra, vi o suicídio no meu futuro. Era a prova contra a qual tinha que lutar. Eu quis ser mais forte que a fatalidade e sucumbi.
OBSERVAÇÃO: Ver-se-á logo que esse Espírito não foge à sorte dos suicidas, a despeito do que acaba de dizer. Quanto à palavra fatalidade, é evidente que nele é uma lembrança das ideias terrenas. Leva-se à conta da fatalidade todas as desgraças que não se pode evitar. Para ele, o suicídio era a prova contra a qual tinha que lutar. Cedeu ao arrastamento, ao invés de resistir, em vista do seu livre-arbítrio, e julgou que estivesse em seu destino.
4. ─ Quisestes escapar a uma situação desagradável pelo suicídio. Ganhastes alguma coisa com isto?
─ Aqui está o meu castigo: a confusão do meu orgulho e a consciência da minha fraqueza.
5. ─ Segundo a carta encontrada convosco, parece que a dureza dos homens e uma falta de palavra vos conduziram à própria destruição. Que sentimento experimentais agora pelos que foram a causa dessa resolução funesta?
─ Oh! Não me tenteis, não me tenteis, eu vo-lo peço.
OBSERVAÇÃO: Esta reposta é admirável. Ela pinta a situação do Espírito lutando contra o desejo de odiar os que lhe fizeram mal, e o sentimento do bem, que o impele a perdoar. Ele teme que esta pergunta provoque uma resposta que a sua consciência reprova.
6. ─ Lamentais o que fizestes?
─ Eu vos disse: meu orgulho e minha fraqueza são a sua causa.
7. ─ Em vida críeis em Deus e na vida futura?
─ Minhas últimas palavras o provam. Marcho para o suplício.
OBSERVAÇÃO: Ele começa a compreender sua posição, sobre a qual a princípio pôde ter uma ilusão, porque não podia ser salvo e marchar para o suplício.
8. ─ Tomando essa resolução, que pensáveis que vos aconteceria?
─ Eu tinha bastante consciência da justiça para compreender o que agora me faz sofrer. Por um momento tive a ideia do nada, mas logo a repeli. Se tivesse tal ideia não me teria matado. Antes teria me vingado.
OBSERVAÇÃO: Esta resposta é, ao mesmo tempo, muito lógica e muito profunda. Se ele acreditasse no nada após a morte, ao invés de se matar, ter-se-ia vingado ou, pelo menos, teria começado por vingar-se. A ideia do futuro o impediu de cometer um duplo crime. Com a ideia do nada, o que teria a temer, se queria tirar a própria vida? Não mais temeria a justiça dos homens e teria o prazer da vingança. Tal a consequência das doutrinas materialistas, que certos sábios se esforçam em propagar.
9. ─ Se estivésseis bem convencido de que as mais cruéis vicissitudes da vida são provas muito curtas em presença da eternidade, teríeis sucumbido?
─ Muito curtas, eu o sabia, mas o desespero não pode raciocinar.
10. ─ Suplicamos a Deus que vos perdoe e em vosso favor lhe dirigimos esta prece, à qual todos nos associamos: “Deus todo-poderoso, sabemos a sorte reservada aos que abreviam os seus dias, e não podemos entravar a vossa justiça. Mas sabemos também que vossa misericórdia é infinita. Possa ela estender-se sobre a alma de Alfred Leroy! Possam, também, nossas preces, mostrando-lhe que há na Terra seres que se interessam por sua sorte, aliviar os sofrimentos que padece por não ter tido a coragem de suportar as vicissitudes da vida! Bons Espíritos, cuja missão é aliviar os infelizes, tomai-o sob vossa proteção; inspirai-lhe o pesar pelo que fez e o desejo de progredir por novas provas que saberá suportar melhor.
─ Esta prece me faz chorar, e desde que choro, estou feliz.
11. ─ Dissestes no começo: agora estou salvo. Como conciliar estas palavras com o que dissestes depois: marcho para o suplício?
─ E como considerais a bondade divina? Eu não podia viver. Era impossível. Credes que Deus não veja o impossível neste caso?
OBSERVAÇÃO: Em meio a algumas respostas notavelmente sensatas, há outras, e esta é desse número, que denotam neste Espírito uma ideia imperfeita de sua situação. Isto nada tem de admirável, se se pensar que ele está morto há poucos dias.
12. (A São Luís). ─ Podeis dizer qual a sorte do infeliz que acabamos de evocar?
─ A expiação e o sofrimento. Não, não há contradição entre as primeiras palavras desse infortunado e as suas dores. Ele se diz feliz. Feliz pela cessação da vida. Como ainda está preso aos laços terrenos, ainda não sente senão a ausência do mal terreno, mas quando seu Espírito elevar-se, os horizontes da dor, da expiação lenta e terrível desenrolar-se-ão à sua frente e o conhecimento do infinito, ainda velado aos seus olhos, ser-lhe-á o suplício que entreviu.
13. ─ Que diferença estabeleceis entre este suicida e o da Samaritana? Ambos se mataram de desespero, contudo sua situação é bem diversa: este se reconhece perfeitamente; fala com lucidez e ainda não sofre, ao passo que o outro não se julgava morto e desde os primeiros instantes sofria um suplício cruel, o de sentir a impressão de seu corpo em decomposição.
─ Imensa diferença. O suplício de cada um desses homens reveste o caráter próprio de seu progresso moral. O último, alma fraca e quebrada, suportou tanto quanto acreditou. Duvidou de sua força, da bondade de Deus, mas não blasfemou nem maldisse; seu suplício interior, lento e profundo, terá a mesma intensidade de dor que a do primeiro suicida. Apenas não é uniforme a lei da expiação.
NOTA: A história do suicida da Samaritana está na Revista de junho de 1858.
14. ─ Aos olhos de Deus, qual o mais culpado e qual o que sofrerá o grande castigo: aquele que sucumbiu à sua fraqueza ou aquele que por sua dureza foi levado ao desespero?
─ Seguramente o que sucumbiu pela tentação.
15. ─ A prece que por ele dirigimos a Deus lhe será útil?
─ Sim. A prece é um orvalho benéfico.
Jules Michel
(AMIGO DO FILHO DA MÉDIUM, SRA. COSTEL, FALECIDO AOS 14 ANOS
EVOCADO 8 DIAS DEPOIS DE SUA MORTE)
1. (Evocação)
─ Agradeço-vos por me evocardes. Lembro-me de vós e dos passeios que nos proporcionastes pelo parque Monceau.
2. ─ E que dizeis do vosso camarada Charles?
─ Charles sente muito pesar por minha morte. Mas estou morto? Vejo, vivo, penso como antes, apenas não me posso tocar e não reconheço nada do que me cerca.
3. ─ Que vedes?
─ Vejo uma grande claridade; meus pés não tocam o solo; deslizo; sinto-me arrastado. Vejo figuras brilhantes e outras vestidas de branco; pressionam-me e me rodeiam; umas me sorriem, outras me metem medo com seus olhares negros.
4. ─ Vedes a vossa mãe?
─ Ah! Sim. Vejo minha mãe, minha irmã e meu irmão. Ei-los todos! Minha mãe chora muito. Gostaria de lhe falar como vos falo. Ela veria que não estou morto. Como fazer, então, para a consolar? Peço-vos que lhe faleis de mim. Gostaria também que dissésseis a Charles que vou me divertir vendo-o trabalhar.
5. ─ Vedes o vosso corpo?
─ Sim, eu vejo meu corpo deitado ali, todo duro. Contudo, não estou naquele buraco, pois me acho aqui.
6. ─ Onde estais, então?
─ Estou aqui, junto de vossa mesa, à direita. Acho engraçado que não me vejais, quando vos vejo tão bem!
7. ─ O que sentistes quando deixastes o corpo?
─ Não me lembro muito do que senti então. Eu tinha muita dor de cabeça e via uma porção de coisas ao meu redor. Estava entorpecido; queria mover-me e não podia; as mãos estavam molhadas de suor e percebia um grande trabalho em meu corpo; depois nada mais senti e despertei muito aliviado; não sofria mais e estava leve como uma pluma. Então me vi em meu leito, e contudo não estava nele; vi todo o grande movimento que faziam e fui para outra parte.
8. ─ Como soubestes que eu vos chamava?
─ Não me dou muita conta de tudo isto. Ouvi bem que há pouco me chamáveis e vim logo, porque, como eu dizia a Charles, não sois aborrecida. Adeus, senhora. Até à vista. Voltarei a vos falar, não?
EVOCADO 8 DIAS DEPOIS DE SUA MORTE)
1. (Evocação)
─ Agradeço-vos por me evocardes. Lembro-me de vós e dos passeios que nos proporcionastes pelo parque Monceau.
2. ─ E que dizeis do vosso camarada Charles?
─ Charles sente muito pesar por minha morte. Mas estou morto? Vejo, vivo, penso como antes, apenas não me posso tocar e não reconheço nada do que me cerca.
3. ─ Que vedes?
─ Vejo uma grande claridade; meus pés não tocam o solo; deslizo; sinto-me arrastado. Vejo figuras brilhantes e outras vestidas de branco; pressionam-me e me rodeiam; umas me sorriem, outras me metem medo com seus olhares negros.
4. ─ Vedes a vossa mãe?
─ Ah! Sim. Vejo minha mãe, minha irmã e meu irmão. Ei-los todos! Minha mãe chora muito. Gostaria de lhe falar como vos falo. Ela veria que não estou morto. Como fazer, então, para a consolar? Peço-vos que lhe faleis de mim. Gostaria também que dissésseis a Charles que vou me divertir vendo-o trabalhar.
5. ─ Vedes o vosso corpo?
─ Sim, eu vejo meu corpo deitado ali, todo duro. Contudo, não estou naquele buraco, pois me acho aqui.
6. ─ Onde estais, então?
─ Estou aqui, junto de vossa mesa, à direita. Acho engraçado que não me vejais, quando vos vejo tão bem!
7. ─ O que sentistes quando deixastes o corpo?
─ Não me lembro muito do que senti então. Eu tinha muita dor de cabeça e via uma porção de coisas ao meu redor. Estava entorpecido; queria mover-me e não podia; as mãos estavam molhadas de suor e percebia um grande trabalho em meu corpo; depois nada mais senti e despertei muito aliviado; não sofria mais e estava leve como uma pluma. Então me vi em meu leito, e contudo não estava nele; vi todo o grande movimento que faziam e fui para outra parte.
8. ─ Como soubestes que eu vos chamava?
─ Não me dou muita conta de tudo isto. Ouvi bem que há pouco me chamáveis e vim logo, porque, como eu dizia a Charles, não sois aborrecida. Adeus, senhora. Até à vista. Voltarei a vos falar, não?
Correspondência
Roma, 2 de março de 1861.
Senhor,
Há cerca de quatro anos ocupo-me aqui das manifestações espíritas, e tenho a felicidade de ter na família um bom médium, que nos dá comunicações de ordem superior. Temos lido e relido o vosso Livro dos Espíritos, que constitui nossa alegria e nossa consolação, dando-nos as mais sublimes e admissíveis noções da vida futura. Se dela podia duvidar, as provas que tenho agora são mais que suficientes para firmar a minha fé. Perdi pessoas que me eram muito queridas e tenho a inapreciável felicidade de sabê-las felizes e de poder corresponder-me com elas. Dizer da alegria que assim experimentei é inexprimível. A primeira vez que me deram sinais manifestos de sua presença, exclamei: Então é verdade que nem tudo morre com o corpo! Eu vos devo, senhor, o ter-me dado essa confiança. Crede em minha eterna gratidão pelo bem que me fizestes, porque, malgrado meu, o futuro me atormentava. A ideia do nada era horrível, e fora do nada só encontrava uma incerteza acabrunhadora. Agora não mais duvido. Parece que renasci para a vida. Todas as minhas apreensões se dissiparam, e minha confiança em Deus voltou mais forte do que nunca. Espero muito que, graças a vós, meus filhos não tenham os mesmos tormentos, pois são alimentados com essas verdades, de maneira que a razão neles crescente só pode fortalecer-se.
Contudo, faltava-nos um guia seguro para a prática. Se não temesse importunar-vos, desde muito vos teria pedido conselhos da vossa experiência. Felizmente vosso Livro dos Médiuns veio preencher essa lacuna, e agora marchamos a passo mais firme, pois estamos prevenidos contra os escolhos que se podem encontrar.
Remeto, senhor, algumas cópias das comunicações que recebemos recentemente. Foram escritas em italiano e sem dúvida sofreram perdas na tradução. Apesar disto serei muito grato se me disserdes o que pensais delas; se me favorecerdes com uma resposta. Será um encorajamento para nós.
Desculpai-me, eu vos peço, senhor, esta longa carta e crede no testemunho de simpatia do vosso dedicado
CONDE X...
NOTA: O volume da matéria força-nos a adiar a publicação das comunicações transmitidas pelo Sr. Conde X..., em cujo número há algumas muito notáveis. Extraímos apenas as respostas seguintes, dadas por um dos Espíritos que a ele se manifestaram:
1. ─ Conheceis o Livro dos Espíritos? ─ Como os Espíritos não conheceriam sua obra? Todos a conhecem.
Senhor,
Há cerca de quatro anos ocupo-me aqui das manifestações espíritas, e tenho a felicidade de ter na família um bom médium, que nos dá comunicações de ordem superior. Temos lido e relido o vosso Livro dos Espíritos, que constitui nossa alegria e nossa consolação, dando-nos as mais sublimes e admissíveis noções da vida futura. Se dela podia duvidar, as provas que tenho agora são mais que suficientes para firmar a minha fé. Perdi pessoas que me eram muito queridas e tenho a inapreciável felicidade de sabê-las felizes e de poder corresponder-me com elas. Dizer da alegria que assim experimentei é inexprimível. A primeira vez que me deram sinais manifestos de sua presença, exclamei: Então é verdade que nem tudo morre com o corpo! Eu vos devo, senhor, o ter-me dado essa confiança. Crede em minha eterna gratidão pelo bem que me fizestes, porque, malgrado meu, o futuro me atormentava. A ideia do nada era horrível, e fora do nada só encontrava uma incerteza acabrunhadora. Agora não mais duvido. Parece que renasci para a vida. Todas as minhas apreensões se dissiparam, e minha confiança em Deus voltou mais forte do que nunca. Espero muito que, graças a vós, meus filhos não tenham os mesmos tormentos, pois são alimentados com essas verdades, de maneira que a razão neles crescente só pode fortalecer-se.
Contudo, faltava-nos um guia seguro para a prática. Se não temesse importunar-vos, desde muito vos teria pedido conselhos da vossa experiência. Felizmente vosso Livro dos Médiuns veio preencher essa lacuna, e agora marchamos a passo mais firme, pois estamos prevenidos contra os escolhos que se podem encontrar.
Remeto, senhor, algumas cópias das comunicações que recebemos recentemente. Foram escritas em italiano e sem dúvida sofreram perdas na tradução. Apesar disto serei muito grato se me disserdes o que pensais delas; se me favorecerdes com uma resposta. Será um encorajamento para nós.
Desculpai-me, eu vos peço, senhor, esta longa carta e crede no testemunho de simpatia do vosso dedicado
CONDE X...
NOTA: O volume da matéria força-nos a adiar a publicação das comunicações transmitidas pelo Sr. Conde X..., em cujo número há algumas muito notáveis. Extraímos apenas as respostas seguintes, dadas por um dos Espíritos que a ele se manifestaram:
1. ─ Conheceis o Livro dos Espíritos? ─ Como os Espíritos não conheceriam sua obra? Todos a conhecem.
2.
─ É muito natural em relação aos que nela
trabalharam. Mas os outros?
─ Há entre os Espíritos uma comunhão de pensamentos e
uma solidariedade que não podeis compreender, homens que vos nutris no egoísmo
e só vedes pelas estreitas janelas de vossa prisão.
3.
─ Trabalhastes nela?
─ Não, não pessoalmente, mas sabia que devia ser feita
e que outros Espíritos, muito acima de mim, estavam encarregados dessa missão.
4.
─ Que resultados produzirá ela?
─ É uma árvore que já lançou sementes fecundas por
toda a Terra. Essas sementes germinam; em breve amadurecerão e logo mais serão
colhidos os frutos.
5.
─ Não é de temer a oposição dos detratores?
─ Quando se dissipam as nuvens que encobrem o sol,
este tem brilho mais vivo.
6.
─ Então as nuvens serão dissipadas?
─ Basta um sopro de Deus.
7.
─ Assim, em vossa opinião, o Espiritismo
tornar-se-á uma crença geral? ─ Dizei universal.
8.
─ Contudo há homens que parecem muito difíceis
de convencer.
─ Há os que jamais o serão nesta
vida, mas diariamente a morte os recolhe.
9.
─ Não virão outros em seu lugar, que se tornarão
incrédulos como eles?
─ Deus quer a vitória do bem sobre o mal, e da
verdade sobre o erro, como anunciou. É preciso que venha o seu reino. Seus
desígnios são impenetráveis, mas crede que o que ele quer, o pode.
10.
─ O Espiritismo será para sempre aceito aqui?
─ Será aceito e florescerá. (Nesse
momento o Espírito leva o lápis sobre a penúltima resposta e a sublinha com
força).
11.
─ Qual pode ser a utilidade do Espiritismo para
a vitória do bem sobre o mal? Para isto não basta a lei do Cristo?
─ Certamente essa lei bastaria, se fosse praticada,
mas quantos a praticam? Quantos há que apenas têm a aparência da fé? Assim,
vendo Deus que a sua lei era ignorada e incompreendida e que, malgrado essa
lei, o homem vai se precipitando cada vez mais no abismo da incredulidade, quis
dar-lhe uma nova demonstração de sua bondade infinita, multiplicando aos seus
olhos as provas do futuro pelas manifestações brilhantes de que é testemunha,
fazendo que seja advertido de todos os lados por esses mesmos que deixaram a
Terra e que lhe vêm dizer: Nós vivemos. Em presença desses testemunhos, os que
resistirem não terão escusa. Expiarão sua cegueira e seu orgulho por novas
existências mais penosas em mundos inferiores, até que, enfim, abram os olhos à
luz. Crede que entre os que sofrem na Terra, há muitos que expiam as
existências passadas.
12.
─ Pode o Espiritismo ser considerado como uma
lei nova?
─ Não, não é uma lei nova. As interpretações que os
homens deram da lei do Cristo geraram lutas que são contrárias ao seu espírito.
Deus não quer mais que a lei de amor seja um pretexto de desordem e de lutas
fratricidas. Exprimindo-se sem rodeios e sem alegorias, o Espiritismo está
destinado a restabelecer a unidade da crença. Ele é, pois, a confirmação e o
esclarecimento do Cristianismo, que é e será sempre a lei divina,a que deve
reinar em toda a Terra e cuja propagação vai tornar-se mais fácil por este
poderoso auxiliar.
Ensinos e dissertações espíritas
Vai nascer a verdade (Enviado pelo o Sr. Sabò, de Bordéus)Quais são os gemidos dolorosos que vêm repercutir em meu coração e fazer vibrar todas as suas fibras? É a Humanidade que se debate no esforço de rude e penoso trabalho, porque vai dar à luz a Verdade. Acorrei, espíritas, e ponde-vos em volta de seu leito de sofrimento. Que os mais fortes entre vós tenham os membros tensos sob as convulsões da dor, e que os outros esperem o nascimento dessa criança e a recebam nos braços, à entrada da vida. Chega o momento supremo; num último esforço, ele se escapa do seio que o havia concebido, deixando sua mãe por algum tempo abatida na atonia da fraqueza. Contudo, nasceu sadia e robusta e no seu largo peito aspira a vida a plenos pulmões. Vós, que assististes ao seu nascimento, é preciso que a sigais passo a passo na vida. Vede! A alegria de ter gerado deu à sua mãe uma recrudescência de força e coragem e com modulações maternas chama todos os homens a agrupar-se em torno dessa criança abençoada, pois ela pressente que com sua voz retumbante, em alguns anos vai fazer cair os andaimes do espírito de mentira e, verdade imutável como o próprio Deus, reunir pelo Espiritismo todos os homens sob sua bandeira. Mas ele só comprará o triunfo ao preço da luta, porque tem inimigos encarniçados, que conspiram a sua perda. Esses inimigos são o orgulho, o egoísmo, a cupidez, a hipocrisia e o fanatismo, inimigos todo-poderosos que até agora reinaram como senhores e não se deixarão destronar sem resistência. Uns riem de sua fraqueza, mas outros se espantam de sua vinda e pressentem a própria ruína. Eis por que procuram fazê-lo perecer, como outrora Herodes buscou eliminar Jesus no massacre dos inocentes. Esta criança não tem pátria. Ela percorre toda a Terra, procurando o povo que há de ser o primeiro a arvorar a sua bandeira. Esse povo será o mais poderoso entre os povos, pois tal é a vontade de Deus.
MASSILLON
MASSILLON
Progresso de um Espírito perverso (Sociedade espírita de paris. Médium: Sra. Costel)
Sob o título Castigo do Egoísta, publicamos no número de dezembro de 1860 várias comunicações com a assinatura de Clara, nas quais esse Espírito revela suas más inclinações e a situação deplorável em que se encontra. Nossa colega, Sra. Costel, que a conheceu em vida e lhe serve de médium, empreendeu a sua educação moral. Seus esforços foram coroados de sucesso. Pode-se julgá-lo pelo ditado espontâneo seguinte, dado na Sociedade a 1.º de março último.
“Eu vos falarei da diferença importante que existe entre a moral divina e a moral humana. A primeira assiste à mulher adúltera em seu abandono e diz aos pecadores: “Arrependei-vos, e o Reino dos Céus vos será aberto.” Enfim, a moral divina aceita todos os arrependimentos e todas as faltas confessadas, enquanto a moral humana as rejeita, e sorrindo admite os pecados ocultos que, diz ela, estão meio perdoados. A uma, a graça do perdão; à outra, a hipocrisia. Escolhei, espíritos ávidos de verdade! Escolhei entre o céu aberto ao arrependimento e a tolerância que admite o mal que não lhe prejudica o egoísmo e os falsos arranjos, mas que repele a paixão e os soluços pelas faltas confessadas publicamente. Arrependei-vos, vós todos que pecais; renunciai ao mal, mas sobretudo à hipocrisia que esconde a feiura do mal sob a máscara risonha e enganadora das mútuas conveniências.”
CLARA
Eis outro exemplo de conversa, obtido num caso mais ou menos semelhante. Na mesma sessão achava-se uma senhora estrangeira, médium, que escrevia na Sociedade pela primeira vez. Havia ela conhecido uma senhora falecida há nove anos e que em vida merecia pouca estima. Desde sua morte, seu Espírito se havia revelado ao mesmo tempo perverso e mau, só buscando fazer o mal. Contudo, bons conselhos tinham conseguido levá-la a melhores sentimentos. Nessa sessão ela ditou espontaneamente o seguinte:
“Peço que orem por mim. Necessito ser boa. Persegui e obsidiei por muito tempo um ser chamado a fazer o bem. Deus não quer mais que eu persiga, mas temo que me falte coragem. Ajudai-me. Eu fiz tanto mal! Oh! Quanto sofro! Quanto sofro! Eu me alegrava com o mal praticado. Contribuí com todas as minhas forças, mas não quero mais fazer o mal. Oh! Orai por mim.
ADÈLE
“Eu vos falarei da diferença importante que existe entre a moral divina e a moral humana. A primeira assiste à mulher adúltera em seu abandono e diz aos pecadores: “Arrependei-vos, e o Reino dos Céus vos será aberto.” Enfim, a moral divina aceita todos os arrependimentos e todas as faltas confessadas, enquanto a moral humana as rejeita, e sorrindo admite os pecados ocultos que, diz ela, estão meio perdoados. A uma, a graça do perdão; à outra, a hipocrisia. Escolhei, espíritos ávidos de verdade! Escolhei entre o céu aberto ao arrependimento e a tolerância que admite o mal que não lhe prejudica o egoísmo e os falsos arranjos, mas que repele a paixão e os soluços pelas faltas confessadas publicamente. Arrependei-vos, vós todos que pecais; renunciai ao mal, mas sobretudo à hipocrisia que esconde a feiura do mal sob a máscara risonha e enganadora das mútuas conveniências.”
CLARA
Eis outro exemplo de conversa, obtido num caso mais ou menos semelhante. Na mesma sessão achava-se uma senhora estrangeira, médium, que escrevia na Sociedade pela primeira vez. Havia ela conhecido uma senhora falecida há nove anos e que em vida merecia pouca estima. Desde sua morte, seu Espírito se havia revelado ao mesmo tempo perverso e mau, só buscando fazer o mal. Contudo, bons conselhos tinham conseguido levá-la a melhores sentimentos. Nessa sessão ela ditou espontaneamente o seguinte:
“Peço que orem por mim. Necessito ser boa. Persegui e obsidiei por muito tempo um ser chamado a fazer o bem. Deus não quer mais que eu persiga, mas temo que me falte coragem. Ajudai-me. Eu fiz tanto mal! Oh! Quanto sofro! Quanto sofro! Eu me alegrava com o mal praticado. Contribuí com todas as minhas forças, mas não quero mais fazer o mal. Oh! Orai por mim.
ADÈLE
Da inveja nos médiuns (Enviado pelo Sr. Ky...., correspondente da sociedade em Karlsruhe)
Por si mesmo e por sua própria inteligência, o homem vão é tão desprezível quanto digno de pena. Ele enxota a verdade de sua frente, para substituí-la por seus argumentos e convicções pessoais, que julga infalíveis e inapeláveis, porque são seus. O homem vão é sempre egoísta, e o egoísmo é o flagelo da Humanidade. Mas, desprezando o resto do mundo, ele mostra bem sua pequenez. Repelindo verdades que para ele são novas, também mostra a estreiteza de sua inteligência pervertida por sua obstinação, que aumenta ainda mais a sua vaidade e o seu egoísmo.
Infeliz do homem que se deixa dominar por estes seus dois inimigos. Quando ele despertar nesse estado em que a verdade e a luz derramar-se-ão de todos os lados sobre ele, então só verá em si um ser miserável que se exaltou loucamente acima da Humanidade, em sua vida terrena, e que estará muito abaixo de certos seres mais modestos e mais simples, aos quais ele pensava impor-se aqui na Terra.
Sede humildes de coração, vós a quem Deus aquinhoou com seus dons espirituais. Não atribuais nenhum mérito a vós próprios, assim como se atribui a obra ao operário, e não aos utensílios. Lembrai-vos bem de que não passais de instrumentos de que Deus se serve para manifestar ao mundo o seu Espírito Onipotente, e que não tendes qualquer motivo para vos glorificardes de vós mesmos. Há tantos médiuns, ah! que se tornam vãos, em vez de humildes, à medida que seus dons se desenvolvem! Isto é um atraso no progresso, pois ao invés de ser humilde e passivo, muitas vezes o médium repele, por vaidade e orgulho, comunicações importantes, que vêm à luz através de outros mais merecedores. Deus não olha a posição material de uma pessoa para lhe conferir seu espírito de santidade; bem ao contrário, porque muitas vezes exalça os humildes dentre os humildes, para dotá-los das maiores faculdades, a fim de que o mundo veja que não é o homem, mas o espírito de Deus, por intermédio do homem, que faz milagres. Como eu já disse, o médium é o simples instrumento do grande Criador de todas as coisas, e a ele é que se deve render glória; a ele é que se deve agradecer por sua inesgotável bondade.
Eu gostaria de dizer uma palavra também sobre a inveja e o ciúme que muitas vezes reinam entre os médiuns e que, como erva daninha, é necessário arrancar, desde quando começa a aparecer, temendo que abafe os bons germes vizinhos.
No médium, a inveja é tão temível quanto o orgulho; prova a mesma necessidade de humildade. Direi mesmo que denota falta de senso comum. Não é mostrando-se invejosos dos dons do vosso vizinho que recebereis dons semelhantes, porque se Deus dá muito a uns e pouco a outros, tende certeza de que agindo assim, ele tem um motivo bem fundado. A inveja azeda o coração; até abafa os melhores sentimentos; é portanto um inimigo que só é possível evitar com muito empenho, pois não dá tréguas, uma vez que se apoderou de nós. Isto se aplica a todos os casos da vida terrena, mas eu quis referir-me sobretudo à inveja entre os médiuns, tão ridícula quanto desprezível e infundada, e que prova quanto o homem é fraco quando se torna escravo de suas paixões.
LUOS
OBSERVAÇÃO: Quando da leitura dessa última comunicação na Sociedade, estabeleceu-se uma discussão sobre a inveja dos médiuns, comparada com a dos sonâmbulos. Um dos sócios, o Sr. D..., disse que na sua opinião a inveja é a mesma em ambos os casos, e que, se parece mais frequente nos sonâmbulos, é que nesse estado eles não a sabem dissimular.
O Sr. Allan Kardec refuta essa opinião dizendo: “A inveja parece inerente ao estado sonambúlico, por uma causa difícil de compreendermos, e que os próprios sonâmbulos não podem explicar. Tal sentimento existe entre sonâmbulos que em vigília não têm entre si senão benevolência. Nos médiuns, está longe de ser habitual e depende, evidentemente, da natureza moral da criatura. Um médium só tem inveja de outro médium porque está em sua natureza ser invejoso. Esse defeito, filho do orgulho e do egoísmo, é essencialmente prejudicial à pureza das comunicações, ao passo que o sonâmbulo mais invejoso pode ser muito lúcido, o que se compreende muito facilmente. O sonâmbulo vê por si mesmo. É seu próprio Espírito que se desprende e age. Ele não necessita de ninguém. Ao contrário, o médium não passa de intermediário: recebe tudo de Espíritos estranhos, e sua personalidade está muito menos em jogo que a do sonâmbulo. Os Espíritos simpatizam com ele em razão de suas qualidades ou de seus defeitos; ora, os defeitos mais antipáticos aos bons Espíritos são o orgulho, o egoísmo e o ciúme. A experiência nos ensina que a faculdade mediúnica, como faculdade, independe das qualidades morais; pode, assim como a faculdade sonambúlica, existir no mais alto grau no mais perverso indivíduo. Já é completamente diverso em relação às simpatias dos bons Espíritos, que se comunicam naturalmente, tanto mais à vontade quanto mais o intermediário encarregado de transmitir seu pensamento for mais puro, mais sincero e mais se afaste da natureza dos maus Espíritos. A este respeito, fazem o que nós mesmos fazemos quando tomamos alguém para confidente. Especialmente no que concerne à inveja, como esta falha existe em quase todos os sonâmbulos e é muito mais rara nos médiuns, parece que nos primeiros é uma regra e nos últimos uma exceção, de onde se seguiria que a causa não deve ser a mesma nos dois casos.”
Infeliz do homem que se deixa dominar por estes seus dois inimigos. Quando ele despertar nesse estado em que a verdade e a luz derramar-se-ão de todos os lados sobre ele, então só verá em si um ser miserável que se exaltou loucamente acima da Humanidade, em sua vida terrena, e que estará muito abaixo de certos seres mais modestos e mais simples, aos quais ele pensava impor-se aqui na Terra.
Sede humildes de coração, vós a quem Deus aquinhoou com seus dons espirituais. Não atribuais nenhum mérito a vós próprios, assim como se atribui a obra ao operário, e não aos utensílios. Lembrai-vos bem de que não passais de instrumentos de que Deus se serve para manifestar ao mundo o seu Espírito Onipotente, e que não tendes qualquer motivo para vos glorificardes de vós mesmos. Há tantos médiuns, ah! que se tornam vãos, em vez de humildes, à medida que seus dons se desenvolvem! Isto é um atraso no progresso, pois ao invés de ser humilde e passivo, muitas vezes o médium repele, por vaidade e orgulho, comunicações importantes, que vêm à luz através de outros mais merecedores. Deus não olha a posição material de uma pessoa para lhe conferir seu espírito de santidade; bem ao contrário, porque muitas vezes exalça os humildes dentre os humildes, para dotá-los das maiores faculdades, a fim de que o mundo veja que não é o homem, mas o espírito de Deus, por intermédio do homem, que faz milagres. Como eu já disse, o médium é o simples instrumento do grande Criador de todas as coisas, e a ele é que se deve render glória; a ele é que se deve agradecer por sua inesgotável bondade.
Eu gostaria de dizer uma palavra também sobre a inveja e o ciúme que muitas vezes reinam entre os médiuns e que, como erva daninha, é necessário arrancar, desde quando começa a aparecer, temendo que abafe os bons germes vizinhos.
No médium, a inveja é tão temível quanto o orgulho; prova a mesma necessidade de humildade. Direi mesmo que denota falta de senso comum. Não é mostrando-se invejosos dos dons do vosso vizinho que recebereis dons semelhantes, porque se Deus dá muito a uns e pouco a outros, tende certeza de que agindo assim, ele tem um motivo bem fundado. A inveja azeda o coração; até abafa os melhores sentimentos; é portanto um inimigo que só é possível evitar com muito empenho, pois não dá tréguas, uma vez que se apoderou de nós. Isto se aplica a todos os casos da vida terrena, mas eu quis referir-me sobretudo à inveja entre os médiuns, tão ridícula quanto desprezível e infundada, e que prova quanto o homem é fraco quando se torna escravo de suas paixões.
LUOS
OBSERVAÇÃO: Quando da leitura dessa última comunicação na Sociedade, estabeleceu-se uma discussão sobre a inveja dos médiuns, comparada com a dos sonâmbulos. Um dos sócios, o Sr. D..., disse que na sua opinião a inveja é a mesma em ambos os casos, e que, se parece mais frequente nos sonâmbulos, é que nesse estado eles não a sabem dissimular.
O Sr. Allan Kardec refuta essa opinião dizendo: “A inveja parece inerente ao estado sonambúlico, por uma causa difícil de compreendermos, e que os próprios sonâmbulos não podem explicar. Tal sentimento existe entre sonâmbulos que em vigília não têm entre si senão benevolência. Nos médiuns, está longe de ser habitual e depende, evidentemente, da natureza moral da criatura. Um médium só tem inveja de outro médium porque está em sua natureza ser invejoso. Esse defeito, filho do orgulho e do egoísmo, é essencialmente prejudicial à pureza das comunicações, ao passo que o sonâmbulo mais invejoso pode ser muito lúcido, o que se compreende muito facilmente. O sonâmbulo vê por si mesmo. É seu próprio Espírito que se desprende e age. Ele não necessita de ninguém. Ao contrário, o médium não passa de intermediário: recebe tudo de Espíritos estranhos, e sua personalidade está muito menos em jogo que a do sonâmbulo. Os Espíritos simpatizam com ele em razão de suas qualidades ou de seus defeitos; ora, os defeitos mais antipáticos aos bons Espíritos são o orgulho, o egoísmo e o ciúme. A experiência nos ensina que a faculdade mediúnica, como faculdade, independe das qualidades morais; pode, assim como a faculdade sonambúlica, existir no mais alto grau no mais perverso indivíduo. Já é completamente diverso em relação às simpatias dos bons Espíritos, que se comunicam naturalmente, tanto mais à vontade quanto mais o intermediário encarregado de transmitir seu pensamento for mais puro, mais sincero e mais se afaste da natureza dos maus Espíritos. A este respeito, fazem o que nós mesmos fazemos quando tomamos alguém para confidente. Especialmente no que concerne à inveja, como esta falha existe em quase todos os sonâmbulos e é muito mais rara nos médiuns, parece que nos primeiros é uma regra e nos últimos uma exceção, de onde se seguiria que a causa não deve ser a mesma nos dois casos.”