Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Fevereiro

Cumprimentos de ano novo

Várias centenas de cartas nos foram dirigidas pelo ano-novo, de modo que nos é materialmente impossível responder uma a uma. Pedimos, pois, aos nossos dignos correspondentes aqui recebam a expressão de nosso agradecimento sincero pelo testemunho de simpatia que tiveram a bondade de nos dar. Uma entre elas, entretanto, por sua natureza, exige uma resposta especial. É a dos espíritas de Lyon, subscrita por cerca de duzentas assinaturas.

Aproveitamos a circunstância para transmitir, a seu pedido, alguns conselhos gerais. A Sociedade Espírita de Paris, fundada por nós, julgando que podia ser útil a todo o mundo, não só nos sugeriu que a publicássemos na Revista, como também votou a sua impressão separada para ser distribuída a todos os seus sócios.

Todos aqueles que tiveram a gentileza de nos escrever participaram dos sentimentos de reciprocidade que aí exprimimos e que se dirigem, sem exceção, a todos os espíritas franceses e estrangeiros, que nos honram com o título de seu chefe e de seu guia na nova via que se lhes abre.

Não nos dirigimos apenas aos que nos escreveram, pela passagem do ano-novo, mas a todos os que, a cada momento, nos dão tocantes provas de seu reconhecimento pela felicidade e pelas consolações que encontram na doutrina e que nos relatam as suas penas e os seus esforços para ajudar a sua propagação. A todos, enfim, aos quais nossos trabalhos servem para algo na marcha progressiva do Espiritismo.


Resposta à mensagem de ano novo dos Espíritas lioneses

Meus caros irmãos e amigos de Lyon.

A mensagem coletiva que tivestes a bondade de me enviar pela passagem do ano-novo causou-me viva satisfação, provando que conservastes de mim uma boa recordação. Mas o que me deu maior prazer, em vosso ato espontâneo, foi o de encontrar, entre as numerosas assinaturas, representação de quase todos os grupos, pois é um sinal da harmonia reinante entre eles. Sinto-me feliz por terdes compreendido o objetivo desta organização, cujos resultados já podeis apreciar, pois agora vos deve ser evidente que uma sociedade única teria sido quase impossível.

Agradeço-vos, meus bons amigos, os votos que me formulais. Eles me são tanto mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são os que Deus escuta. Ficai satisfeitos porque ele os escuta diariamente, dando-me a alegria inaudita no estabelecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a que me devotei crescer e prosperar, em meus dias, com rapidez maravilhosa. Encaro como um grande favor do Céu o ser testemunha do bem que ela já faz. Essa certeza, da qual diariamente recebo os mais tocantes testemunhos, me paga com usura todas as penas e fadigas. Só uma graça peço a Deus, a de me dar a força física necessária para ir até o fim de minha tarefa, que está longe de ser concluída.

Mas, haja o que houver, terei sempre a consolação da certeza de que a semente das ideias novas, agora espalhada por toda a parte, é imperecível. Mais feliz que muitos outros, que não trabalharam senão para o futuro, a mim me é dado ver os primeiros frutos. Se algo lamento, é que a exiguidade de meus recursos pessoais não me permita pôr em execução os planos que tracei para seu mais rápido desenvolvimento. Se, porém, em sua sabedoria, Deus o quis de outro modo, legarei esse plano aos meus sucessores que, sem dúvida, serão mais felizes.

Malgrado a penúria de recursos materiais, o movimento de opinião que se opera ultrapassou toda expectativa. Crede, meus irmãos, que vosso exemplo não deixou de ter influência nisso.

Recebei nossas felicitações pela maneira pela qual sabeis compreender e praticar a doutrina. Sei quão grandes são as provas que muitos de vós tendes de suportar. Só Deus lhes conhece o termo aqui na Terra. Mas, também, quanta força contra a adversidade nos dá a fé no futuro! Oh! Lamentai os que acreditam no nada após a morte, pois para eles o mal presente não tem compensação. O incrédulo infeliz é como o doente que não espera a cura. Ao contrário, o espírita é como aquele que, doente hoje, sabe que amanhã estará curado.

Pedis que continue com os meus conselhos. Eu os dou de boa vontade aos que os pedem e creem que deles necessitam. Mas só a esses. Aos que julgam saber muito e que dispensam as lições da experiência, nada tenho a dizer, a não ser que desejo não tenham um dia de lamentar-se por terem confiado demais nas próprias forças. Tal pretensão, aliás, acusa um sentimento de orgulho, contrário ao verdadeiro espírito do Espiritismo. Ora, pecando pela base, aqueles provam, só por isto, que se afastam da verdade. Não sois desse número, meus amigos, por isso aproveito a circunstância para vos dirigir algumas palavras que vos provarão que, de perto ou de longe, sou todo vosso.

No ponto em que hoje as coisas se acham e considerando-se a marcha do Espiritismo por meio dos obstáculos semeados em sua rota, pode-se dizer que as principais dificuldades foram vencidas. Ele tomou o seu lugar e assentou-se em bases que de agora em diante desafiam os esforços dos adversários.

Pergunta-se como pode ter adversários uma doutrina que nos torna felizes e melhores. Isto é muito natural. Em seu início, o estabelecimento das melhores coisas sempre fere interesses. Não tem sido assim com todas as invenções e descobertas, que revolucionam a Indústria? Não tiveram inimigos encarniçados aquelas que hoje são consideradas como benefícios e das quais não nos poderíamos privar? Toda lei que reprime abusos não tem contra si os que vivem do abuso? Como queríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não fosse combatida por quantos vivem no egoísmo? E sabeis como estes são numerosos na Terra! No princípio esperavam matá-lo pela zombaria. Hoje veem que tal arma é impotente e que, sob o fogo cerrado dos sarcasmos ele continuou sua rota sem tropeços. Não penseis que eles se confessarão vencidos. Não, o interesse material é mais tenaz. Reconhecendo que é uma potência que agora deve ser levada em conta, vão desfechar ataques mais sérios, mas que servirão para melhor provar a fraqueza deles. Uns o atacarão abertamente, em palavras e atos, e persegui-lo-ão até na pessoa de seus adeptos, tentando desencorajá-los à força de intrigas, enquanto outros subrepticiamente, por vias indiretas, procurarão miná-lo surdamente. Ficai avisados: a luta não terminou. Estou prevenindo que eles vão tentar um supremo esforço. Não temais, entretanto, pois o penhor do sucesso está nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade não há salvação. Hasteai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.

A tática ora em ação pelos inimigos dos espíritas, mas que vai ser empregada com novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis cair na armadilha, e tende certeza de que quem quer que procure, seja por que meio for, romper a boa harmonia, não pode ter boas intenções. Eis por que vos advirto para que tenhais a maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, mas no próprio interesse dos vossos trabalhos.

A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, isto não é possível se somos distraídos pelas discussões e pela expressão de sentimentos malévolos. Se houver fraternidade, não haverá sentimentos malévolos, mas não pode haver fraternidade com egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos que se chocam e se ferem por tudo; com ambiciosos que se desiludem quando não têm a supremacia; com egoístas que só pensam em si mesmos, a cizânia não tardará a ser introduzida. Daí, vem a dissolução. É o que queriam nossos inimigos e é o que tentarão fazer.

Se um grupo quiser estar em condições de ordem, de tranquilidade, de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraterno. Todo grupo ou sociedade que se formar sem ter por base a caridade efetiva não terá vitalidade, enquanto os que se formarem segundo o verdadeiro espírito da doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família que, não podendo viver todos sobre o mesmo teto, moram em lugares diversos. Entre eles, a rivalidade seria uma insensatez, pois ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não pode ser entendida de duas maneiras. Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita pela prática da caridade em pensamentos, palavras e atos, e dizei a vós mesmos que aquele que em sua alma nutre sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja e de ciúme mente para si mesmo se deseja compreender e praticar o Espiritismo.

O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e as sociedades em geral. Lede a história e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos da felicidade humana. Quando se apoiarem nas bases da caridade, serão indissolúveis, porque estarão em paz entre si e consigo mesmos, cada um respeitando os bens e os direitos dos vizinhos. Essa será a nova era predita, da qual o Espiritismo é o precursor, e para a qual todo espírita deve trabalhar, cada um na sua esfera de atividade. É uma tarefa que lhes incumbe, e da qual serão recompensados conforme a maneira pela qual a tenham realizado, pois Deus saberá distinguir os que no Espiritismo só procuraram a sua satisfação pessoal daqueles que ao mesmo tempo trabalharam pela felicidade de seus irmãos.

Devo ainda assinalar-vos outra tática dos nossos adversários, a de procurar comprometer os espíritas, induzindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada e que, a justo título, poderiam despertar suscetibilidades e desconfianças.

Não vos deixeis cair também nesse laço. Em vossas reuniões, afastai cuidadosamente tudo quando se refere à política e a questões irritantes. A tal respeito, as discussões apenas suscitarão embaraços, enquanto ninguém terá nada a objetar à moral, quanto esta for boa.

Procurai no Espiritismo aquilo que vos pode melhorar. Eis o essencial. Quando os homens forem melhores, as reformas sociais realmente úteis serão uma consequência natural. Trabalhando pelo progresso moral, lançareis os verdadeiros e mais sólidos fundamentos de todas as melhoras. Deixai a Deus o cuidado de fazer com que cheguem no devido tempo. No próprio interesse do Espiritismo, que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, oponde uma firmeza inquebrantável aos que buscarem arrastar-vos por uma via perigosa.

Visando desacreditar o Espiritismo, pretendem alguns que ele vá destruir a religião. Sabeis exatamente o contrário, pois a maioria de vós, que apenas acreditáveis em Deus e na alma, agora creem; quem não sabia o que era orar, ora com fervor; quem não mais punha os pés nas igrejas, agora vai com recolhimento.

Aliás, se a religião devesse ser destruída pelo Espiritismo, é que ela seria destrutível e o Espiritismo seria mais poderoso. Dizê-lo seria uma inabilidade, pois seria confessar a fraqueza de uma e a força do outro. O Espiritismo é uma doutrina moral que fortifica os sentimentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões. Ele é de todas, e não é de nenhuma em particular. Por isso não diz a ninguém que a troque. Deixa a cada um a liberdade de adorar Deus à sua maneira e de observar as práticas ditadas pela consciência, pois Deus leva mais em conta a intenção do que o fato. Ide, pois, cada um ao templo do vosso culto, e assim provai que vos caluniam, quando vos taxam de impiedade.

Na impossibilidade material em que me acho de manter relações com todos os grupos, pedi a um de vossos confrades que me representasse mais especialmente em Lyon, como o fiz alhures: é o Sr. Villon, cujo zelo e devotamento são do vosso conhecimento, tanto quanto a pureza de seus sentimentos. Além disso, sua posição independente lhe dá mais folga para a tarefa de que se quer encarregar. É tarefa dura, mas ele não recuará. O grupo por ele formado em sua casa o foi sob os meus auspícios e conforme as minhas instruções, quando de minha última viagem. Ali encontrareis excelentes conselhos e salutares exemplos. É com viva satisfação que verei todos os que me honram com sua confiança a ele se ligarem, como a um centro comum. Se alguns quiserem fazer um grupo à parte, não os olheis com prevenção. Se vos atirarem pedras, nem as recolhais, nem as devolvais. Entre eles e vós, Deus será o juiz dos sentimentos de cada um. Que aqueles que se julgam os únicos certos o provem por maior caridade e maior abnegação de amor-próprio, porque a verdade não estaria ao lado dos que desconhecem o primeiro preceito da doutrina. Se estiverdes em dúvida, fazei sempre o bem. Os erros do espírito pesam menos na balança de Deus que os erros do coração.

Repetirei o que tenho dito noutras ocasiões: Em caso de divergência de opiniões, o meio fácil de sair da dúvida é ver qual a que reúne a maioria, pois há nas massas um bom-senso inato, que não engana. O erro só seduz alguns espíritos enriquecidos pelo amor próprio e por um falso julgamento, mas a verdade sempre acaba vencendo. Tende certeza, portanto, que o erro deserta das fileiras que se esclarecem e que há uma obstinação irracional em crer que um só tenha razão contra todos. Se os princípios que eu professo só tivessem ecos isolados, e se tivessem sido repelidos pela opinião geral, eu seria o primeiro a reconhecer que me havia enganado. Mas vendo crescer incessantemente o número dos aderentes em todas as camadas da Sociedade e em todos os países do mundo, devo acreditar na solidez das bases sobre as quais repousam. Eis por que vos digo com toda a segurança para que marcheis com passo firme na via que vos é traçada.

Dizei aos antagonistas que se eles querem que os sigais, que vos ofereçam uma doutrina mais consoladora, mais clara, mais inteligível, que melhor satisfaça à razão e que, ao mesmo tempo, seja uma garantia melhor para a ordem social. Pela vossa união, frustrai os cálculos dos que vos queiram dividir. Provai, enfim, pelo vosso exemplo, que a doutrina nos torna mais moderados, mais brandos, mais pacientes, mais indulgentes, o que será a melhor resposta aos detratores, ao mesmo tempo que a vista dos resultados benéficos é o melhor meio de propaganda.

Eis, meus amigos, os conselhos que vos dou e aos quais junto os meus votos para o ano que começa. Não sei que provas Deus nos destina para este ano, mas sei que, sejam quais forem, as suportareis com firmeza e resignação, pois sabeis que para vós, como para o soldado, a recompensa é proporcional à coragem.

Quanto ao Espiritismo, pelo qual vos interessais mais que por vós mesmos, e cujo progresso, pela minha posição, posso julgar melhor que ninguém, sinto-me feliz em dizer-vos que o ano se inicia sob os mais favoráveis auspícios, e que ele verá, sem dúvida nenhuma, o número dos adeptos crescer numa proporção imprevisível. Mais alguns anos como estes que se passaram, e o Espiritismo terá a seu favor três quartas partes da população.

Deixai que vos cite um fato entre milhares.

Num departamento vizinho de Paris, há uma cidadezinha onde o Espiritismo penetrou apenas há seis meses. Em poucas semanas tomou um desenvolvimento considerável. Uma oposição formidável logo foi organizada contra os seus partidários, ameaçando até os seus interesses particulares. Eles enfrentaram tudo com uma coragem e um desinteresse dignos dos maiores elogios. Entregaram-se à Providência e a Providência não lhes faltou. Essa cidade conta com uma população operária numerosa, em cujo meio as ideias espíritas, graças à oposição levantada, aumenta dia a dia. Ora, um fato digno de nota é que as mulheres e as moças esperaram sua gratificação de ano-novo para comprarem as obras necessárias à sua instrução e só para essa cidade um livreiro teve que remetê-las às centenas.

Não é prodigioso ver simples operárias reservarem suas economias para comprar livros de moral e de filosofia em vez de romances e bugigangas? Homens preferindo essa leitura às alegrias ruidosas e embrutecedoras dos cabarés? Ah! É que aqueles homens e aquelas mulheres, que sofrem como vós, agora compreendem que não é aqui que se realiza a seu destino. Abrem-se as cortinas, e eles entreveem os esplêndidos horizontes do futuro. Essa cidadezinha é Chauny, no departamento do Aisne. Novos filhos da grande família, eles vos saúdam, irmãos de Lyon, como seus irmãos maiores, e desde já formam um dos elos da cadeia espiritual que une Paris, Lyon, Metz, Sens, Bordeaux e outras, e que em breve ligarão todas as cidades do mundo num sentimento de mútua confraternidade, porque em toda parte o Espiritismo lançou sementes fecundas e seus filhos se dão as mãos por cima das barreiras dos preconceitos de seitas, castas e nacionalidades.

Vosso dedicado irmão e amigo

ALLAN KARDEC


O Espiritismo é provado por milagres?

Mandou-nos um padre a seguinte pergunta:

“Todos os que de Deus receberam a missão de ensinar a verdade aos homens têm provado sua missão por meio de milagres. Por quais milagres o senhor prova a verdade de seu ensino?”

Não é a primeira vez que nos dirigem tal pergunta, a nós ou a outros espíritas. Parece que lhe ligam grande importância e que de sua solução depende a sentença que deve condenar ou absolver o Espiritismo. No caso, força é concordar que a nossa posição é crítica, pois estamos como um pobre diabo sem um vintém e a quem intimam: “A bolsa ou a vida”. Assim, confessamos humildemente que não temos o mais insignificante milagre para oferecer. Mais ainda, o Espiritismo não se apoia em nenhum fato miraculoso. Seus adeptos não fizeram, nem têm a pretensão de fazer qualquer milagre; não se julgam bastante dignos para que, à sua voz, Deus mude a ordem eterna das coisas. O Espiritismo constata um fato material: o da manifestação das almas ou Espíritos.

Tal fato é ou não é real? Eis a questão. Ora, nesse fato, se admitido como verdadeiro, nada há de miraculoso. Como as manifestações desse gênero ─ tais como as visões, as aparições e outras ─ ocorreram em todos os tempos, como bem o atestam os historiadores sacros e profanos e os livros de todas as religiões, aquelas de outrora passaram como sobrenaturais. Hoje, porém, que se lhes conhece a causa, que se sabe serem produzidas em virtude de certas leis, sabe-se, também, que lhes falta o caráter essencial dos fatos miraculosos ─ o da exceção à lei comum.

Observadas em nossos dias com mais cuidado que na antiguidade; observadas, sobretudo, sem prevenções e com o auxílio de investigações tão minuciosas quanto as que são feitas nos estudos científicos, tais manifestações têm como consequência provar, de modo irrefutável, a existência de um princípio inteligente fora da matéria; a sua sobrevivência ao corpo; a sua individualidade após a morte; a sua imortalidade; o seu futuro feliz ou infeliz, por conseguinte, a base de todas as religiões.

Se a verdade só fosse provada por milagres, poderíamos perguntar por que os padres do Egito, que estavam em erro, reproduziam perante o Faraó os milagres feitos por Moisés? Por que Apolônio de Tiana, que era pagão, curava pelo toque, dava a vista aos cegos, a palavra aos mudos, predizia o futuro e via o que se passava a distância? O próprio Cristo não disse: “Haverá falsos profetas que farão prodígios”?

Um dos nossos amigos, depois de uma prece fervorosa ao seu Espírito protetor, foi curado quase que instantaneamente de uma moléstia muito grave e muito antiga, que havia resistido a todos os remédios. Para ele o fato foi realmente miraculoso. Mas, como crê nos Espíritos, um padre a quem contou o fato lhe disse que o diabotambém pode fazer milagres. “Nesse caso, ─ retrucou o amigo ─ se foi o diabo que me curou, a ele devo agradecer.”

Assim, os prodígios e os milagres não são o privilégio exclusivo da verdade, de vez que o próprio diabo os faz. Como, então, distinguir os bons dos maus? Todas as religiões idólatras ─ sem excetuar a de Maomé ─ apoiam-se em fatos sobrenaturais. Isso prova uma coisa: que os fundadores dessas religiões conheciam segredos naturais, ignorados pelo vulgo.

Aos olhos dos selvagens da América, Cristóvão Colombo não passava por um ser sobre-humano, por haver predito um eclipse? Não podia ter-se inculcado um enviado de Deus? Para provar o seu poder, necessitaria Deus desfazer o que fez? Fazer rodar para a direita aquilo que gira para a esquerda?

Provando o movimento da Terra pelas leis da Natureza, Galileu não estava mais certo do que aqueles que pretendiam que, por uma derrogação dessas mesmas leis, tinha sido necessário parar o Sol? Entretanto, sabemos o que lhe custou, a ele e a tantos outros, por haver demonstrado um erro. Dizemos que Deus é maior pela imutabilidade de suas leis do que as derrogando, e que se lhe aprouve fazê-lo em determinadas circunstâncias, isto não é o único sinal da verdade. Remetemos o leitor ao que dissemos a tal respeito em nosso artigo de janeiro, a propósito do sobrenatural.

Voltemos às provas da verdade do Espiritismo.

Há duas coisas no Espiritismo: o fato da existência dos Espíritos e de suas manifestações, e a doutrina daí decorrente. O primeiro ponto não pode ser posto em dúvida senão pelos que não viram ou não quiseram ver. Quanto ao segundo, a questão é de saber se esta doutrina é justa ou falsa. É uma questão de apreciação.

Se os Espíritos só se manifestassem por meio de ruídos, movimentos e, numa palavra, por efeitos físicos, isso não provaria grande coisa, pois não saberíamos se são bons ou maus. O que, sobretudo, é característico nesse fenômeno; o que é de natureza a convencer os incrédulos, é o poder de reconhecer parentes e amigos entre os Espíritos. Mas, como podem os Espíritos atestar a sua presença, a sua individualidade e permitir o julgamento de suas qualidades, senão falando? Sabe-se que a escrita pelos médiuns é um dos meios que eles empregam. Desde que têm um meio de exprimir suas ideias, podem dizer o que quiserem. Conforme o seu adiantamento, dirão coisas mais ou menos boas, justas e profundas. Ao deixar a Terra, não abdicaram do livre-arbítrio. Como todos os seres pensantes, eles têm suas opiniões, e como entre os homens, os mais adiantados dão ensinamentos de alta moralidade e conselhos impregnados de profunda sabedoria. São esses ensinamentos e esses conselhos que, recolhidos e ordenados, constituem a Doutrina Espírita, ou dos Espíritos.

Considerai esta doutrina, se assim o quiserdes, não como uma revelação divina, mas como uma opinião pessoal deste ou daquele Espírito, e a questão será a de saber se é boa ou má, justa ou falsa, racional ou ilógica. A quem procurar para isto? O julgamento de um indivíduo, ou mesmo de alguns indivíduos? Não, porque dominados pelos preconceitos, por ideias preestabelecidas ou por seus interesses pessoais, eles podem enganar-se. O único e verdadeiro juiz é o público, porque aí não há interesse de camarilha, e porque nas massas há um bom-senso inato, que se não equivoca. Diz a lógica sadia que a adoção de uma ideia ou de um princípio pela opinião geral é prova de que repousa sobre um fundo de verdade.

Os espíritas não dizem: “Eis uma doutrina saída da boca do próprio Deus, revelada a um só homem por meios prodigiosos e que deve ser imposta ao gênero humano”. Ao contrário, dizem: “Eis uma doutrina que não é nossa, e cujo mérito não reivindicamos. Adotamo-la porque a consideramos racional”. Atribuí a sua origem a quem quiserdes: a Deus, aos Espíritos, aos homens. Examinai-a. Se vos convier, adotai-a. Caso contrário, ponde-a de lado.” Não se pode ser menos absoluto.

O Espiritismo não vem usurpar a religião. Ele não se impõe. Não vem forçar as consciências, quer dos católicos, quer dos protestantes ou dos judeus. Apresenta-se e diz: “Adotai-me, se me achais bom”. É culpa dos espíritas se o acham bom? Se nele recebemos consolações que nos tornam felizes, que dissipam os terrores do futuro, acalmam as angústias da dúvida e dão coragem para o presente? Ele não se dirige àqueles a quem bastam as crenças católica ou outras, mas àqueles aos quais elas não satisfazem completamente ou que delas desertaram. Em vez de não crer mais em nada, ele os leva a crer em algo e a crer com fervor.

O Espiritismo não quer constituir-se num grupo à parte. Pelos meios que lhe são próprios, ele reconduz os que se afastam. Se os repelirdes, eles serão forçados a ficar de fora. Dizei, com alma e consciência, se para eles seria preferível serem ateus.

Perguntam em que milagre nos apoiamos para julgarmos boa a Doutrina Espírita. Julgamo-la boa não só porque é a nossa opinião, mas a de milhões que pensam como nós; porque ela leva a crer aqueles que não criam; porque torna boas, criaturas que eram más; porque dá coragem nas misérias da vida. Milagre é a rapidez de sua propagação, inédita nos fastos das doutrinas filosóficas; é ter feito em poucos anos a volta ao mundo e se haver implantado em todos os países e em todas as camadas da Sociedade; é ter progredido malgrado tudo quanto foi feito para barrá-lo; é derrubar as barreiras que lhe opõe e encontrar um aumento das forças nessas mesmas barreiras. É isso a característica de uma utopia?

Uma ideia falsa pode encontrar alguns partidários, mas terá apenas uma existência efêmera e circunscrita: perderá terreno, em vez de conquistá-lo, ao passo que o Espiritismo ganha, em vez de perder. Quando o vemos germinar em toda parte, acolhido como um benefício da Providência, é porque lá está o dedo da Providência. Eis o verdadeiro milagre ─ e o julgamos suficiente para assegurar o seu futuro. Direis que aos vossos olhos não há um caráter providencial, mas diabólico. Tendes liberdade de escolha. E por que ele marcha, isso é o essencial. Apenas diremos que se uma coisa se estabelecesse universalmente pelo poder do diabo, a despeito dos esforços dos que dizem agir em nome de Deus, isso poderia levar certas pessoas a crerem que o demônio é mais poderoso que a Providência.

Pedis milagres. Eis um que nos envia um dos nossos correspondentes na Argélia:

“O Sr. P..., antigo oficial, era um dos mais duros incrédulos. Tinha o fanatismo da irreligião e, antes de Proudhon, dizia: “Deus é o mal;” ou, por outras palavras, não admitia nenhum deus. Só reconhecia o nada. Quando o vi chegar à procura do vosso Livro dos Espíritos, pensei que ele fosse coroar a sua leitura com qualquer elucubração satírica, como costumava fazer contra os padres e até mesmo contra o Cristo. Parecia-me impossível pudesse ser curado um ateísmo tão inveterado. Ah! Entretanto o Livro dos Espíritos fez esse milagre. Se conhecêsseis aquele homem como eu conheço, ficaríeis orgulhoso de vossa obra e olharíeis a coisa como o vosso maior sucesso. Aqui todos se admiram. Contudo, quando se é iniciado na palavra da verdade, não há de que se surpreender, naturalmente, após a reflexão.”

Acrescentemos, pois não faz mal, que o nosso correspondente é um jornalista que, também ele, professava opiniões pouco espiritualistas e ainda menos espíritas. Teriam ido pegá-lo à força para lhe impor a crença em Deus e em sua alma? Não, não é provável. Fascinaram-no com alguns fenômenos prodigiosos? Também não, pois ele nada viu como manifestações. Apenas leu, compreendeu, encontrou raciocínios lógicos e acreditou. Direis que essa e tantas outras conversões seriam obra do diabo? Se assim é, o diabo tem uma política original de fornecer armas contra si próprio e é muito inábil deixando escapar os que estavam em suas garras.

Por que não fizestes esse milagre? Seríeis, então, menos fortes que o diabo para fazer crer em Deus?

Outro questionamento, se me permitis:

─ Enquanto era ateu e blasfemador, aquele senhor estava danado para a eternidade?

─ Sem dúvida alguma.

─ Agora que, em vossa opinião, pelo diabo foi convertido a Deus, ainda é danado? Suponhamos que crendo em Deus, em sua alma, na vida futura feliz ou infeliz, e que, em virtude dessa crença, se torne melhor do que era e não adote inteiramente ao pé da letra a interpretação de todos os dogmas, e que até repila alguns, ainda é danado? Se disserdes “sim”, a crença em Deus para nada lhe serve. Se disserdes “não”, em que se torna a máxima Fora da igreja não há salvação? Diz o Espiritismo: Fora da caridade não há salvação. Credes que aquele senhor vacila entre as duas? Queimado por uma, apesar de tudo, e salvo conforme a outra, a escolha não parece oferecer dúvidas.

Como todas as ideias novas, estas contrariam certas pessoas, certos hábitos, e mesmo certos interesses, assim como as estradas de ferro contrariaram os donos de diligências e os que tinham medo; como uma revolução contraria certas opiniões; como a imprensa contrariou os escribas; como o Cristianismo contrariou os sacerdotes pagãos. Mas, que fazer quando, a nosso bom grado ou a nosso malgrado uma coisa se estabelece, por sua própria força e é aceita pela generalidade? É necessário tomar partido e dizer, como Maomé, que o que é deve ser. Que fareis se o Espiritismo se tornar uma crença universal? Repelireis todos os que o admitirem?

─ Isto não acontecerá; isso não pode ser, ─ direis vós.

─ Mas, uma vez mais, se isto é, o que fareis?

Pode-se deter esse surto? Para tanto, seria preciso deter não um homem, mas os Espíritos; impedi-los de falar; queimar não um livro, mas as ideias; impedir que os médiuns escrevam e se multipliquem.

Um dos nossos correspondentes de uma cidade do Departamento do Tarn nos escreveu:

“Nosso cura faz a propaganda por nós; troveja do púlpito contra o Espiritismo, que não passa de obra do demônio, segundo ele. Quase que me apontou como o sumossacerdote da Doutrina em nossa cidade, o que agradeço-lhe do fundo do coração. Fornece-me, ainda, ocasião de tratar do assunto com aqueles que ainda não tinham tido notícia e que me abordam para saber o que é. Hoje abundam os médiuns entre nós.”

O resultado é o mesmo por toda parte onde quiseram gritar contra. Hoje a ideia espírita está lançada; é acolhida porque agrada; vai do palácio à cabana e pode julgar-se o efeito das tentativas futuras pelas que têm sido feitas para sufocá-lo.

Em resumo, para estabelecer-se, o Espiritismo não reivindica a ação de nenhum milagre; nada quer mudar na ordem das coisas; procurou e encontrou a causa de certos fenômenos erradamente considerados sobrenaturais; em vez de apoiar-se no sobrenatural, o repudia por conta própria; dirige-se ao coração e à razão. A lógica lhe abriu o caminho. A lógica o levará a bom termo.

Isto vai por conta da resposta que devemos à brochura do Sr. Cura Marouzeau.

Deixemos agora que falem os Espíritos.

Apresentada a questão acima, eis algumas das respostas obtidas através de vários médiuns:

“Venho falar-vos da realidade da Doutrina Espírita e colocá-la em oposição aos milagres cuja ausência parece servir de arma aos seus detratores. Os milagres, necessários nos primeiros tempos da Humanidade, para chocar os Espíritos que importava submeter; os milagres, quase todos explicados hoje, graças às descobertas da Física e de outras ciências, agora se tornaram inúteis e, direi mesmo, perigosos, porque suas manifestações só despertarão a incredulidade ou a zombaria.

“Enfim chegou o reinado da inteligência, embora ainda não esteja na sua expressão triunfante, mas nas suas tendências. Que quereis? Ver de novo as baquetas transformadas em serpentes, os enfermos se erguerem e os pães se multiplicarem? Não, não vereis isso. Mas vereis os incrédulos se enternecerem e dobrarem ante o altar os seus joelhos enferrujados. Esse milagre equivale ao da água a brotar do rochedo. Vereis o homem desolado, vergado ao peso da desgraça, desfazer-se da pistola carregada e exclamar: ‘Meu Deus, sede louvado, porque vossa vontade eleva as minhas provas ao nível do amor que vos devo’. Enfim, por toda a parte, vós que explicais os fatos com os textos e o espírito com a letra, vereis a luminosa verdade estabelecer-se sobre as ruínas dos vossos mistérios carcomidos.”

LÁZARO (Médium: Sra. Costel)


“Numa de minhas últimas meditações, parece que lida aqui, demonstrei que a Humanidade está progredindo atualmente. Até o Cristo, a Humanidade tinha um corpo; certamente era esplêndida; tinha tido esforços heróicos e virtudes sublimes. Mas onde estava a sua ternura? Onde a sua mansuetude? Havia a respeito muitos exemplos na Antiguidade. Abri um poema antigo: onde a mansidão e a ternura? Já encontrareis a sua expansão no poema quase inteiramente cristão da Dido de Vergílio, espécie de heroína melancólica que o Tasso ou Ariosto teriam tornado interessante nos seus cantos cheios de alegria cristã.

“O Cristo veio, pois, falar ao coração da Humanidade. Mas, sabeis, o próprio Cristo disse que tinha vindo em carne no meio do paganismo e prometeu vir no meio do Cristianismo. Há no indivíduo a educação do coração, como há a da inteligência. O mesmo se dá com a Humanidade. O Cristo é, pois, o grande educador. Sua ressurreição é o símbolo de sua fusão espiritual em todos, e essa fusão, essa expansão dele mesmo, apenas começais a sentir. O Cristo não vem mais fazer milagres. Ele vem falar ao coração diretamente, em vez de falar aos sentidos. Passava adiante daqueles que pediam um milagre no Céu e, poucos passos adiante, improvisava o seu magnífico sermão da montanha. Ora pois, aos que ainda pedem milagres, o Cristo responde por todos os Espíritos sábios e esclarecidos: “Credes mais nos vossos olhos, nos vossos ouvidos, nas vossas mãos do que no vosso coração? Minhas chagas atualmente estão fechadas; o Cordeiro foi sacrificado; a carne foi massacrada; o materialismo viu; agora é a vez do Espírito. Deixo os falsos profetas; não me apresento aos poderosos da Terra, como Simão, o Mago, mas vou àqueles que realmente têm sede; àqueles que realmente têm fome; àqueles que sofrem no coração e não àqueles que não são espiritualistas senão como verdadeiros e puros materialistas.”

LAMENNAIS (Médium: Sr. A. Didier)


"Perguntam-nos quais os milagres que fazemos. Parece-me que de alguns anos para cá as provas são bem evidentes. O progresso do espírito humano mudou a face do mundo civilizado. Tudo progrediu, e os que quiseram ficar na retaguarda desse movimento são como os párias da Sociedade nova.

“À Sociedade tal qual se acha preparada para os acontecimentos, o que falta senão tudo quanto choca a razão e a esclarece? É possível que em certas épocas Deus tenha querido comunicar-se por inteligências superiores, como a de Moisés e outras. Desses grandes homens datam as grandes épocas, mas o espírito dos povos progrediu depois. As grandes figuras dos predestinados enviados por Deus lembravam uma lenda miraculosa. Depois, um fato, por vezes simples em si mesmo, se torna maravilhoso ante a multidão impressionável e preparada para emoções que só a Natureza oferece a seus filhos ignorantes.

“Mas hoje, necessitais de milagres?

“Tudo está transformado em vosso derredor. A Ciência, a Filosofia, a indústria desenvolveram tudo quanto vos cerca. E pensais que nós, os Espíritos, não tenhamos participado dessas modificações profundas?

“Estudando e comentando, aprendeis e meditais melhor. Os milagres não são mais do vosso tempo, e deveis elevar-vos acima dos preconceitos que vos ficaram na memória, como tradições. Nós vos daremos a verdade e sempre nosso concurso. Nós vos esclarecemos, a fim de vos tornardes melhores e fortes. Crede e amai, e o milagre pedido produzir-se-á em vós. Conhecendo e compreendendo melhor o objetivo desta vida, sereis transformados sem fenômenos físicos.

“Procurais apalpar, tocar a verdade e ela vos cerca e vos penetra. Sede, pois, confiantes em vossas próprias forças e o Deus de bondade que vos dava o espírito tornará formidável a vossa força. Por ele afastareis as nuvens que turvam a vossa inteligência e compreendereis que o Espírito é todo imortalidade e todo poder. Postos em relação com esta lei de Deus chamada progresso, não mais procurareis no prestígio dos grandes nomes, que são como mitos da Antiguidade, uma resposta e um escolho contra o Espiritismo, que é a revelação verdadeira, a fé, a ciência nova que consola e fortalece.”

BALUZE (Médium: Sr. Leymarie)


“Pedem milagres como prova da Doutrina Espírita. E quem pede essa prova da verdade? Aquele que em primeiro lugar devia crer e ensinar...

“O maior dos milagres vai operar-se em breve. Sacerdotes do Catolicismo, escutai. Vós quereis milagres e ei-los que se operam... A cruz do Cristo se esfarelava aos golpes do materialismo, da indiferença e do egoísmo; ei-la que se reergue bela, resplandecente, sustentada pelo Espiritismo! Dizei-me: não é o maior dos milagres uma cruz que se reergue, ladeada pela Esperança e pela Caridade?

“─ Em verdade, sacerdotes da Igreja, crede e vede. Os milagres vos rodeiam!... Como chamareis essa volta comum à crença casta e pura do Evangelho, pela qual todas as filosofias ligar-se-ão ao Espiritismo? O Espiritismo será a glória e o facho que iluminará o Universo. Oh! Então o milagre será manifesto e deslumbrante, pois aqui em baixo haverá uma só e mesma família.

“Quereis milagres! Vede essa pobre mulher sofredora e sem pão. Como treme na sua mansarda! O hálito com que quer aquecer os filhinhos que morrem de fome é mais frio e glacial que o vento que penetra em seu abrigo miserável. Por que tanta calma e tanta serenidade em seu rosto, diante de tanta miséria? Ah! É que ela viu brilhar uma estrela acima de sua cabeça; a luz celeste espalha-se no seu reduto; ela não chora mais; ela espera! Ela não amaldiçoa, apenas pede a Deus que lhe dê coragem para suportar a prova!... E eis que as portas da mansarda se abrem e a Caridade vem aí depositar aquilo que pode espalhar a sua mão benfeitora!...

“Que doutrina dará mais sentimento e ânimo ao coração? O Cristianismo plantou o estandarte da igualdade na Terra e o Espiritismo arvora o da fraternidade!... Eis o milagre mais celeste e mais divino que poderia acontecer!... Sacerdotes, cujas mãos por vezes estão manchadas pelo sacrilégio, não peçais milagres físicos, pois as vossas frontes poderão quebrar-se na pedra que pisais para subir ao altar!...

“Não, o Espiritismo não se prende a fenômenos físicos; não se apoia em milagres que falam aos olhos, mas ele dá a fé ao coração. Dizei-me, não estará ainda aí o maior milagre?...”

SANTO AGOSTINHO Médium: Sr. Véry

Nota: Evidentemente isso só se aplica aos padres que mancharam o santuário, como Verger e outros.

O vento - Fábula espírita

Quanto maior a repercussão da crítica, maior bem ela fará, chamando a atenção dos indiferentes. (ALLAN KARDEC)


O furacão queria, sozinho, dominar a planície,

No impulso impetuoso

Torturava com seu hálito quente

Um olmo secular, tronco enorme e nodoso.

De seus ramos fecundos ─ dizia ele ─ a semente

Podia juncar a terra, germinar e crescer;

Prevemos uma luta e olhemos o futuro

Repleto de obstáculos ao meu grande poder.

E os pequenos penachos verdes,

Desfolhando-se aos golpes da tormenta,

Perdem-se no ar, em turbilhões ligeiros.

Contudo as sementes escapam

Ao sopro que se esforça em varrer o seu voo.

A despeito de tudo, elas se fixam ao solo.

Contra as leis do amor e do saber austero

Que espalha o Espiritismo ─ a árvore da verdade,

O vento da incredulidade

Sopra, ulula e fere sem cessar.

Faz nascer e crescer o que pensa oprimir:

Quer liberar o germe... e o ajuda a semear.


C. DOMBRE (de Marmande)


A reencarnação na América

Com frequência as pessoas se admiram que a doutrina da reencarnação não tenha sido ensinada na América e os incrédulos não deixam de aproveitar a circunstância para acusarem os Espíritos de contradição.

Não repetiremos aqui as explicações que nos foram dadas e que publicamos a respeito. Limitar-nos-emos a lembrar que nisto os Espíritos mostraram a sua prudência habitual. Eles quiseram que o Espiritismo surgisse num país de liberdade absoluta quanto à emissão de opiniões. O ponto essencial era a adoção do princípio, e para isso não quiseram ser perturbados em coisa alguma.

O mesmo não se dava com todas as consequências, sobretudo com a reencarnação, que se teria chocado com os preconceitos de escravidão e de cor. A ideia de que um negro poderia tornar-se um branco; de que um branco poderia ter sido um negro; de que um senhor poderia ter sido escravo parecia de tal modo monstruosa que era suficiente para que o todo fosse rejeitado. Assim, os Espíritos preferiram sacrificar momentaneamente o acessório ao principal e sempre nos disseram que, mais tarde, seria estabelecida a unanimidade sobre este, como sobre outros pontos. Com efeito, é o que começa a se dar. Várias pessoas daquele país nos disseram que essa doutrina lá encontra atualmente numerosos partidários; que certos Espíritos, depois de tê-la dado a pressentir, vêm confirmá-la.

Eis o que, a respeito, nos escreve de Montreal, Canadá, o Sr. Fleury Lacroix, natural dos Estados Unidos:

“...A questão da reencarnação, da qual fostes o primeiro promotor visível, aqui nos tomou de surpresa. Hoje, porém, estamos reconciliados com ela, com essa filha do vosso pensamento. Tudo se tornou compreensível por essa nova claridade e agora vemos o nosso futuro bem mais dilatado, na eterna caminhada. Entretanto isso nos parecia absurdo, como dizíamos no começo. Hoje negamos, amanhã acreditamos ─ eis a Humanidade. Felizes os que querem saber, porque a luz se faz para eles; infelizes dos outros, porque permanecem nas trevas.”

Assim, foi a lógica, a força do raciocínio, que os levou a essa doutrina, porque nela encontraram a única chave que podia resolver problemas até então insolúveis.

Contudo, o nosso honrado correspondente engana-se quanto a um fato importante, ao atribuir-nos a iniciativa dessa doutrina, que chama de filha do nosso pensamento. É uma honra que não nos cabe, pois a reencarnação foi ensinada pelos Espíritos a outros, que não a nós, antes da publicação de O Livro dos Espíritos.

Além disso, o princípio foi claramente exposto em várias outras obras anteriores, não somente nas nossas, mas à época do aparecimento das mesas girantes, entre outras em Céu e Terra de Jean Reynaud e no encantador livrinho do Sr. Louis Jourdan, intitulado Preces de Ludovico, publicado em 1849, sem contar que esse princípio era professado pelos Druidas, aos quais, certamente, nós não ensinamos *. Quando ele nos foi revelado, ficamos surpresos, e o acolhemos com hesitação e desconfiança. Nós até mesmo o combatemos, durante algum tempo, até que a evidência nos foi demonstrada. Assim, nós ACEITAMOS esse dogma e não o INVENTAMOS, o que é muito diferente.

Isso responde à objeção de um dos nossos assinantes, o Sr. Salgues, de Angers, que é um dos antagonistas confessos da reencarnação e que pretende que os Espíritos e os médiuns que a ensinam sofram a nossa influência, de vez que os que se comunicam com ele dizem o contrário. Aliás, o Sr. Salgues alega contra a reencarnação objeções especiais, das quais um dia desses faremos objeto de um exame particular. Enquanto esperamos, constatamos um fato: o número de seus partidários cresce sem cessar, ao passo que o dos oponentes diminui. Se tal resultado é devido a nossa influência, atribuem-nos uma muito grande, pois se estende da Europa à América, à Ásia, à África e até à Oceania. Se a opinião contrária é verdadeira, como é que não prepondera? Seria o erro mais poderoso que a verdade?


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* Vide a Revista Espírita de abril de 1858, no artigo O Espiritismo entre os Druidas, contendo as Tríades.


Novos Médiuns americanos em Paris

Os médiuns americanos passam com razão a superar em número e em força os do velho continente, no caso de manifestações físicas. A tal respeito a sua reputação está bem estabelecida, sobretudo depois do Sr. Home, que por si mesmo parece prometer prodígios.

Por muita gente o Sr. Squire apenas era designado como médium americano, um charlatão que há alguns anos percorria cidades e feiras para fazer representações, e que se anunciava como médium americano, posto fosse perfeitamente francês. Eis que nos chegam dois novos, que de médiuns só têm o nome, e dos quais não teríamos falado, porque sua arte é estranha ao nosso assunto, se sua chegada, anunciada com estardalhaço, não tivesse causado uma certa sensação, pela natureza de suas pretensões. Para edificação de nossos leitores e não sermos taxados de parcialidade, transcrevemos textualmente o seu prospecto, de que Paris acaba de ser inundada.

“Divertimentos dos salões parisienses. ─ Novidade, nada mais que novidade!!! ─ Saraus para as famílias e reuniões privadas dadas pelos Médiuns Americanos, Sr. C. Eddwards Girroodd, de Kingstown, (lago Ontário), Alto Canadá, e senhora Júlia Girroodd, apelidada pela imprensa inglesa e americana a Graciosa Sensitiva.

“Um álbum de mais de 200 páginas, cada uma das quais é uma carta de felicitações assinada pelos maiores nomes da França, tanto da nobreza como da magistratura, do exército e da literatura, quanto por dezesseis arcebispos e bispos da França, e por um grande número de eclesiásticos de alta distinção, se acha à disposição das pessoas que, querendo dar um sarau, desejem previamente assegurarse do bom-gosto, da riqueza e da novidade de suas experiências.

“O Sr. e a Sra. Girroodd, os únicos da França a fazerem experiências, passaram apenas três meses em Paris e realizaram quarenta e duas sessões nos primeiros salões da Capital e nas Tulherias, 12 de maio de 1861, bem como em casa de vários membros da Família Imperial.

“Colocaram imediatamente suas experiências muito acima de tudo que até hoje tinha sido visto como Divertimentos de Saraus.

“Sua prestidigitação, ao contrário do costume dos senhores físicos, não exige o menor preparativo ou arranjo particular, e os artistas operam facilmente no meio de um círculo de espectadores atentos, sem temer um só minuto verem destruída a ilusão.

“As mágicas não passam de fraquíssima parte de seus variados talentos. O Mundo dos Espíritos obedece às suas vozes: Visões ─ Êxtase ─ Fascinação ─ Magnetismo ─ Electro-Biologia ─ Espíritos Batedores ─ Espiritismo, etc., etc., tudo quanto a ciência e o charlatanismo inventaram, que embasbaca os crédulos de nossos dias, até lhes dar uma fé robusta em tudo quanto não passa de charlatanice, onde a gente é comparsa sem o saber. Numa palavra, o Sr. e Sra. Girroodd, depois de se terem mostrado como feiticeiros ─ mas feiticeiros de alta classe ─ sábios como Merlin, o Encantador, demonstrarão, se necessário, os segredos de sua ciência.

“A fé cristã só terá a ganhar vendo claramente que tudo quanto ela não ensinou não passa de brilhante charlatanismo.

“Para as pequenas reuniões ou saraus para crianças, o Sr. Girroodd contratou, para todo o inverno, os mais hábeis físicos da Capital e um ventríloquo cognominado O Homem das Bonecas Falantes, que darão sessões a preços reduzidos.”

Esse senhor e essa senhora, como se vê, não têm nada menos que a pretensão de matar o Espiritismo, e se arvoram em defensores da fé cristã, sem dúvida muito surpreendida por encontrar a prestidigitação ao seu serviço. Isso, porém, pode aumentar uma certa clientela.

Eles se dizem médiuns e não têm o cuidado de omitir o título de americanos, passaporte indispensável, como os nomes terminados em i para os músicos, e isso para provar que não existem médiuns, visto que ─ dizem eles ─ podem reproduzir, com ajuda da habilidade, da mecânica e de meios que lhes são particulares, tudo quanto fazem os médiuns.

Isto prova uma coisa: é que tudo pode ser imitado. A ilusão é uma questão de habilidade. Mas, porque uma coisa pode ser imitada, deduz-se que ela não exista? Para enganar, a prestidigitação imitou a lucidez sonambúlica. Deve concluir-se daí que não haja sonâmbulos? Fizeram cópias de Rafael que foram tomadas como originais. Porventura Rafael não existiu? O Sr. Robert-Houdin muda a água em vinho; de um chapéu não preparado faz saírem milhares de objetos, que enchem uma caixa grande. Isso prejulga o milagre das bodas de Caná e a multiplicação dos pães? Entretanto, ele faz ainda melhor do que transformar água em vinho, porque de uma só garrafa faz sair meia dúzia de deliciosos licores diversos.

Todas as manifestações físicas se prestam maravilhosamente à imitação, e são essas que os charlatões exploram. Eles superam em muito os Espíritos, principalmente no caso de transportes, pois que os produzem à vontade e à hora que quiserem, coisa que não conseguem nem os Espíritos nem os melhores médiuns.

Aliás, é preciso fazer justiça àquele cavalheiro e àquela senhora, pois de modo algum eles procuram enganar o público. Eles não se fazem passar pelo que não são. Apresentam-se francamente como hábeis imitadores, no que são mais respeitáveis que aqueles que falsamente se dizem médiuns, e são, mesmo, muito mais respeitáveis que os verdadeiros médiuns que para produzirem mais efeitos e vencerem os concorrentes, juntam o truque à realidade. É certo que por vezes a franqueza é de boa política, pois já está muito gasta a apresentação como prestidigitadores vulgares, mas querer provar, pela escamoteação, que os médiuns são escamoteadores é um toque de novidade que os curiosos pagarão regiamente.

Como dissemos, sua habilidade nada prejulga contra a realidade dos fenômenos. Longe de prejudicá-los, será de grande utilidade. Para começar, será uma trombeta a mais, chamando a atenção e levando a pensar no Espiritismo as pessoas que dele não tinham ouvido falar. Como em toda crítica, quererão ver o pró e o contra. Ora, o resultado da comparação é indiscutível. Utilidade ainda maior é a de prevenir contra a possibilidade de fraudes e subterfúgios dos falsos médiuns. Provando a possibilidade de imitação, aqueles se arriscam a arruinar o seu crédito. Se a sua habilidade pudesse ser nociva, seria à confiança que neles depositam, talvez um pouco levianamente, e aos prodígios que tão facilmente obtêm certos médiuns do outro lado do Atlântico, pois não está dito que o Sr. e Sra. Girroodd tenham o privilégio de seus segredos. Se um dia nos for dado assistir a uma de suas sessões, teremos prazer em relatá-la, para instrução de nossos leitores.

Quando dizemos que tudo pode ser imitado, devemos excetuar as condições realmente normais em que se podem produzir as manifestações espíritas, donde poder dizer-se que todo fenômeno que se afasta dessas condições deve ser tomado como suspeito. Ora, para julgar devidamente uma coisa, é necessário tê-la estudado. As próprias manifestações inteligentes não estão a salvo da charlatanice. Existem aquelas que, por sua natureza e pelas circunstâncias em que se realizam, desafiam a mais consumada habilidade de imitação, como, por exemplo, a evocação de pessoas mortas, revelando, na verdade, particularidades de sua existência, desconhecidas do médium e dos assistentes e, melhor ainda, essas dissertações de muitas páginas, escritas de um jato, sem rasuras, com rapidez, eloquência, correção, profundidade, sabedoria e sublimidade de ideias, sobre assuntos dados, fora do conhecimento e da capacidade do médium e que este nem compreende.

Para executar tais esforços fora necessário um gênio universal. Ora, os gênios universais são raros e, aliás, não dão espetáculos. É, entretanto, o que se vê todos os dias, não por um indivíduo privilegiado, mas por milhares de indivíduos de todas as idades, sexos, condição social, grau de instrução e cuja honorabilidade e desinteresse absoluto são a melhor garantia de sinceridade, pois o charlatanismo não dá nada de graça.

Se o Sr. e Sra. Girroodd quisessem aceitar uma disputa, seria nesse terreno que os chamaríamos, deixando-lhes de boa vontade as manifestações físicas.

NOTA: Pessoa que se diz bem informada assegura-nos que Eddwards Giroodd deve traduzir-se por Edouard Girod e Kingstown, lago Ontário, Alto Canadá, por Saint-Flour, CantaI (França).

Subscrição em favor dos operários lioneses

A Sociedade Espírita de Paris não podia esquecer os irmãos de Lyon na sua aflição. Desde novembro apressou-se em subscrever 260 francos numa loteria beneficente organizada por vários grupos desta cidade. Mas o Espiritismo não é exclusivo. Para ele todos os homens são irmãos e se devem mútuo apoio, sem acepção de crença. Querendo, pois, dar o seu óbolo à obra comum, abriu na sede da Sociedade, na Rua e passagem Sant’Ana, 59, uma subscrição cujo produto será lançado no caixa da subscrição geral do jornal le Siècle.

Uma carta de Lyon, dirigida ao Sr. Allan Kardec, informa que um espírita anônimo acaba de enviar, diretamente e para tal fim, a soma de 500 francos. Que esse generoso benfeitor, cujo incógnito respeitaremos, receba aqui o agradecimento de todos os membros da Sociedade.

Um Espírito que se dá a conhecer sob o nome característico e gracioso de Cárita, e cuja missão parece ser a de provocar a beneficência em auxílio da desgraça, ditou, a respeito, a epístola que se segue, que nos foi enviada de Lyon. Como nós, os leitores certamente a colocarão no número das mais belas produções de além-túmulo. Possa ela despertar a simpatia de todos os espíritas por seus irmãos sofredores! Todas as comunicações de Cárita são marcadas pelo mesmo cunho de bondade e de simplicidade. Evocada na Sociedade de Paris, disse ter sido Santa Irene, Imperatriz.

Aos espíritas parisienses que mandaram 500 francos para os pobres de Lyon, obrigada!

“Obrigada a vós, cujo coração generoso soube compreender nosso apelo, e que viestes em auxílio aos irmãos infelizes. Obrigada! pois a vossa oferta vai cicatrizar muitas feridas e aliviar muitas dores. Obrigada! pois soubestes adivinhar que esse fruto de ouro que enviastes momentaneamente apaziguará a fome e aquecerá lareiras apagadas há muito tempo.

“Obrigada! sobretudo porque soubestes disfarçar a boa ação sob a capa do anonimato. Mas se ocultastes o generoso pensamento de serdes úteis aos vossos semelhantes, como a violeta que se oculta sob a folhagem, há um juiz, um senhor para o qual vossos corações não têm segredos e que sabe de onde partiu esse orvalho beneficente que veio refrescar mais de uma fronte abrasada, e afastar a miséria tão temida pelas mães de família.

“Deus, que tudo vê, conhece o segredo do anônimo e encarregar-se-á de recompensar os que tiveram a inspiração de socorrer as pobres vítimas de circunstâncias independentes de sua vontade. Deus, meus amigos, gosta desse incenso de vossos corações que, sabendo sentir a dor alheia, também sabe como se pratica a caridade. Ele aprecia, sobretudo, esse devotamento e essa abnegação que se encolhe ante um agradecimento pomposo, preferindo abrigar a sua modéstia sob simples iniciais. Mas ele ligou a todas as bênçãos que o vosso socorro vai atrair, o nome do benfeitor porque, como todos sabeis, esses transportes de alegria experimentados pelos corações socorridos sobem para Deus, e como ele vê que esses eflúvios, partidos da gratidão, são o resultado dos vossos benefícios, anota no grande livro do Espírito generoso que os fez nascer, a recompensa que lhe cabe.

“Se vos fosse dado ouvir estas suaves emoções, estas tímidas notas de simpatia que deixam escapar esses infelizes à vista da pequena moeda, maná celeste que cai em seu pobre tugúrio; se vos fosse dado ouvir os gritos infantis do pequenino ser que não compreende que o pão está assegurado por alguns dias, seríeis muito felizes e diríeis: ‘A caridade é suave e merece ser praticada’. É que, como podeis ver, pouca coisa é necessária para transformar lágrimas em alegria, sobretudo em casa do trabalhador que não está habituado a visitas frequentes da felicidade. Se essa pobre formiga que recolhe migalha a migalha o pão cotidiano encontrar em seu caminho um pão inteiro no momento em que perdia a esperança de dar à família o pão diário, então essa fortuna lhe parece tão incompreensível que, não encontrando expressões para a sua felicidade, deixa escapar algumas palavras soltas, às quais se seguem lágrimas de ternura.

“Socorrei, pois, os pobres, meus amigos, esses operários que não têm como última esperança senão a morte no hospital ou a mendicidade numa esquina.

“Socorrei-os tanto quanto puderdes, para que, quando Deus vos reunir, seguindo a extensa avenida que leva ao grande portal, em cujo frontispício estão gravadas as palavras Amor e Caridade, Deus, reunindo os benfeitores e os beneficiados vos diga a todos: ‘Soubestes dar. Fostes felizes em receber. Vamos, entrai! Que a caridade que vos guiou vos introduza no mundo radioso que reservo aos que têm como divisa: ‘Amai-vos uns aos outros.’”


CÁRITA

OBSERVAÇÃO: A quem farão acreditar que foi o demônio quem ditou tais palavras? Em todo o caso, se for o demônio quem impele à caridade, nada se perde em fazê-la.



Ensinos e dissertações espíritas

A fé

Sou a irmã mais velha da Esperança e da Caridade. Chamo-me Fé.

Sou grande e forte. Aquele que me possui não teme o ferro nem o fogo, pois ele é à prova de todos os sofrimentos físicos e morais. Irradio sobre vós com um facho cujos jatos brilhantes se refletem no fundo dos vossos corações e vos comunico a força e a vida. Entre vós, dizem que transporto montanhas, mas eu vos digo: venho erguer o mundo, porque o Espiritismo é a alavanca que me deve ajudar. Uni-vos a mim. Eu venho convidar-vos. Eu sou a Fé.

Eu sou a Fé! Moro com a Esperança, a Caridade e o Amor no mundo dos Espíritos Puros. Muitas vezes deixei as regiões etéreas e vim à Terra para vos regenerar, dando-vos a vida do Espírito. Mas, fora os mártires dos primeiros tempos do Cristianismo e alguns fervorosos sacrifícios, de tempos em tempos, ao progresso da Ciência, das letras, da indústria e da liberdade, não encontrei entre os homens senão indiferença e frieza, e tristemente retomei o meu voo para o Céu. Julgais-me em vosso meio, mas vos enganais, porque a Fé sem obras é um simulacro de Fé. A verdadeira Fé é vida e ação.

Antes da revelação do Espiritismo, a vida era estéril; era uma árvore ressequida pelos raios e que nenhum fruto produzia. Reconhecem-me por meus atos: eu ilumino as inteligências; aqueço e fortaleço os corações; afasto para bem longe as influências enganadoras e vos conduzo para Deus pela perfeição do espírito e do coração. Vinde colocar-vos sob minha bandeira. Eu sou poderosa e forte. Eu sou a Fé.

Sou a Fé, e o meu reino começa entre os homens, reino pacífico que os tornará felizes no presente e na eternidade. A aurora do meu aparecimento entre vós é pura e serena; seu sol será resplendente e seu ocaso virá docemente embalar a Humanidade nos braços de eternas felicidades. Espiritismo! Derrama sobre os homens o teu batismo regenerador. Eu lhes faço um apelo supremo. Eu sou a Fé.

GEORGES, bispo de Périgueux

A esperança

Meu nome é Esperança. Sorrio à vossa entrada na vida; sigo-vos passo a passo e não vos deixo senão nos mundos onde para vós se realizam as promessas de felicidade, incessantemente murmuradas aos vossos ouvidos. Sou vossa fiel amiga. Não repilais minhas inspirações. Eu sou a Esperança.

Sou eu que canto através do rouxinol e que solto aos ecos das florestas essas notas lamentosas e cadenciadas que vos fazem sonhar com o Céu. Sou eu que inspiro à andorinha o desejo de aquecer os seus amores ao abrigo de vossas moradas; que brinco na brisa ligeira que acaricia os vossos cabelos; que espalho aos vossos pés o suave perfume das flores dos vossos canteiros, e quase não pensais nesta amiga tão devotada! Não a repilais: é a Esperança!

Tomo todas as formas para me aproximar de vós: Sou a estrela que brilha no azul; o quente raio de sol que vos vivifica; embalo as vossas noites com sonhos ridentes; expulso para longe as negras preocupações e os pensamentos sombrios; guio vossos passos para o caminho da virtude; acompanho-vos nas visitas aos pobres, aos aflitos, aos moribundos, e vos inspiro palavras afetuosas e consoladoras. Não me repilais. Eu sou a Esperança.

Eu sou a Esperança! Sou eu que, no inverno, faço crescer na casca dos carvalhos o musgo espesso com que os passarinhos fazem seus ninhos; sou eu que, na primavera, coroo a macieira e a amendoeira de flores rosa e brancas e as espalho sobre a Terra como um tapete celeste, que faz aspirar a mundos felizes. Estou convosco principalmente quando sois pobres e sofredores, e minha voz ressoa incessantemente aos vossos ouvidos. Não me repilais. Eu sou a Esperança.

Não me repilais, porque o anjo do desespero me faz uma guerra encarniçada e se esgota em vãos esforços para junto de vós tomar o meu lugar. Nem sempre sou a mais forte, e quando ele consegue me afastar, vos envolve com suas asas fúnebres; desvia os vossos pensamentos de Deus e vos conduz ao suicídio. Uni-vos a mim para afastar sua funesta influência, e deixai-vos embalar docemente em meus braços, porque eu sou a Esperança.

FELÍCIA, filha da médium.


A caridade

Eu sou a Caridade, sim, a verdadeira Caridade. Em nada me pareço com a caridade cujas práticas seguis. Aquela que entre vós usurpou o meu nome é fantasista, caprichosa, exclusiva, orgulhosa. Venho premunir-vos contra os defeitos que, aos olhos de Deus, empanam o mérito e o brilho de suas boas ações. Sede dóceis às lições que o Espírito de Verdade vos dá por minha voz. Segui-me, meus fiéis! Eu sou a Caridade.

Segui-me. Conheço todos os infortúnios, todas as dores, todos os sofrimentos, todas as aflições que assediam a Humanidade. Sou a mãe dos órfãos, a filha dos velhos, a protetora e suporte das viúvas. Curo as chagas infectas; trato de todos os doentes; visto, alimento e abrigo os que nada têm; subo aos mais humildes tugúrios e às mais miseráveis mansardas; bato à porta dos ricos e poderosos porque onde quer que exista uma criatura humana, há, sob a máscara da felicidade, dores amargas e cruciantes. Oh! Como é grande minha tarefa! Não poderei cumpri-la se não vierdes em meu auxílio. Vinde a mim! Eu sou a Caridade.

Não tenho preferência por ninguém. Jamais digo aos que de mim necessitam: “Tenho os meus pobres; procurai alhures.” Oh! falsa caridade, quanto mal fazes! Amigos, nós nos devemos a todos. Crede-me. Não recuseis assistência a ninguém. Socorrei-vos uns aos outros com bastante desinteresse para não exigirdes reconhecimento da parte dos que tiverdes socorrido. A paz do coração e daconsciência é a suave recompensa de minhas obras. Eu sou a verdadeira Caridade.

Ninguém sabe na Terra o número e a natureza de meus benefícios.

Só a falsa caridade fere e humilha aqueles a quem beneficia. Evitai esse funesto desvio. As ações desse gênero não têm mérito perante Deus e atraem a sua cólera. Só ele deve saber e conhecer os generosos impulsos de vossos corações, quando vos tornais os dispensadores de seus benefícios. Guardai-vos, pois, amigos, de dar publicidade à prática da assistência mútua. Não mais lhe deis o nome de esmola. Crede em mim. Eu sou a Caridade.

Tenho tantos infortúnios a aliviar que por vezes tenho os seios e as mãos vazios. Venho dizer-vos que espero em vós. O Espiritismo tem como divisa Amor e Caridade, e todos os verdadeiros espíritas quererão, no futuro, conformar-se a esse sublime preceito ensinado pelo Cristo há dezoito séculos. Segui-me, pois, irmãos, e eu vos conduzirei ao Reino de Deus, nosso pai. Eu sou a Caridade.

ADOLFO, bispo de Argel.


As instruções dadas por nossos guias sobre as três comunicações acima

Meus amigos, vós deveis ter pensado que um de nós havia dado os ensinamentos sobre a fé, a esperança e a caridade. E tínheis razão.

Felizes por ver Espíritos tão elevados vos dando, com frequência, conselhos que vos devem guiar em vossos trabalhos espirituais, não é menor nossa suave e pura alegria, quando vimos ajudar-vos na tarefa do vosso apostolado espírita.

Podeis, pois, atribuir ao Espírito de Georges a comunicação sobre a Fé; sobre a Esperança, a Felícia: aí encontrareis o estilo poético que tinha em vida; e a da Caridade ao senhor Dupuch, bispo de Argel, que na Terra foi um de seus fervorosos apóstolos.

Ainda teremos que tratar da caridade sob outro ponto de vista. Fá-lo-emos dentro de alguns dias.

VOSSOS GUIAS


Esquecimento das injúrias (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sra. Costel)

Minha filha, o esquecimento das injúrias é a perfeição da alma, como o perdão das feridas feitas à vaidade é a perfeição do Espírito. A Jesus foi mais fácil perdoar os ultrajes de sua Paixão do que ao último de vós perdoar uma leve zombaria. A grande alma do Salvador, habituada à doçura, nem concebia amargura nem vingança; as nossas, atingidas por ninharias, esquecem o que é grande.

Diariamente os homens imploram a Deus o perdão, que desce sobre eles como benéfico orvalho, mas seus corações esquecem essa palavra sem cessar repetida na prece. Em verdade vos digo: o fel interno corrompe a alma. É a pedra enorme que a fixa ao solo e retarda a sua elevação. Quando fordes censurados, entrai em vós mesmos; examinai vosso pecado interior, aquele que o mundo ignora; medi a sua profundidade e curai a vossa vaidade, pelo conhecimento de vossa miséria. Se, mais grave, a ofensa atingir o coração, lamentai o infeliz que a cometeu, como lamentaríeis o ferido cuja chaga aberta verte sangue. A piedade é devida àquele que aniquila seu ser futuro.

No Jardim das Oliveiras, Jesus conheceu a dor humana, mas ignorou sempre a aspereza do orgulho e a pequenez da vaidade. Ele encarnou-se para mostrar aos homens o tipo da beleza moral que lhes devia servir de modelo. Não vos afasteis dela jamais. Modelai as vossas almas como a cera mole e fazei que a vossa argila transformada se transforme num mármore imperecível que Deus, o grande escultor, possa assinar.

LÁZARO


Sobre os instintos (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sra. Costel)

Ensinar-te-ei o verdadeiro conhecimento do bem e do mal, que o Espírito confunde com muita frequência. O mal é a revolta dos instintos contra a consciência, este tato interior e delicado que é o tato moral. Quais os limites que o separam do bem que ele contorna por toda parte? O mal não é complexo; é uno e emana do ser primitivo, que quer a satisfação dos instintos às custas do dever.

Primitivamente destinado a desenvolver no homem animal o cuidado de sua conservação e de seu bem-estar, o instinto é a única origem do mal, porque, persistindo mais violento e mais áspero em certas naturezas, ele as impele a se apoderarem do que desejam ou a concentrar o que possuem.

O instinto a que os animais obedecem cegamente, e que é a sua própria virtude, deve ser incessantemente combatido pelo homem que quer elevar-se e substituir o grosseiro utensílio da necessidade pelas armas finamente cinzeladas da inteligência.

Pensas, porém, que nem sempre o instinto é mau e que, por vezes, a Humanidade lhe deve sublimes inspirações, como, por exemplo, na maternidade e em certos atos de dedicação, nos quais com presteza e segurança substitui a reflexão. Minha filha, tua objeção é precisamente a causa do erro em que caem os homens prontos a desconhecerem a verdade sempre absoluta nas suas consequências.

Sejam quais forem os bons resultados de uma causa má, os exemplos jamais devem levar a concluir contra as premissas estabelecidas pela razão. O instinto é mau, porque é puramente humano e a Humanidade não deve pensar senão em despojar-se, em deixar a carne para elevar-se ao Espírito. Se o mal caminha paralelamente ao bem, é que o seu princípio muitas vezes tem resultados opostos a si mesmo, que o fazem desconhecido do homem leviano e arrastado pela sensação.

Nada de verdadeiramente bom pode emanar do instinto. Um impulso sublime não é devotamento, assim como uma inspiração isolada não é gênio. O verdadeiro progresso da Humanidade é a sua luta e o seu triunfo contra a essência mesma de seu ser. Jesus foi enviado à Terra para o provar humanamente. Ele pôs a descoberto a verdade, bela fonte escondida nas areias da ignorância. Não perturbeis mais a limpidez da linfa divina pelos compostos do erro. E, crede, os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, são maus, porque sofrem uma cega dominação que de repente pode precipitá-los no abismo.

LÁZARO

OBSERVAÇÃO: Não obstante o nosso respeito pelo Espírito de Lázaro, que nos tem dado tantas e tão belas páginas, permitimo-nos não concordar com suas últimas proposições. Pode-se dizer que há duas espécies de instintos: o animal e o moral. O primeiro, como diz muito bem Lázaro, é orgânico; é dado aos seres vivos para a sua conservação e a de sua progênie; é cego, quase inconsciente, porque a Providência quis dar um contrapeso à sua indiferença e à sua negligência. Já o mesmo não se dá com o instinto moral, que é privilégio do homem. Pode assim ser definido: Propensão inata para fazer o bem ou o mal. Ora, essa propensão é devida ao estado de maior ou menor avanço do Espírito. O homem cujo Espírito é depurado faz o bem sem premeditação e como uma coisa muito natural, pelo que se admira de ser louvado. Assim, não é justo dizer que “os homens que não são bons e devotados senão instintivamente, o são maus; porque sofrem uma cega dominação que, de repente, pode precipitá-los no abismo.” Os que são instintivamente bons e devotados denotam um progresso realizado; nos que o são intencionalmente, o progresso está por se realizar; por isso há trabalho e luta entre os dois sentimentos. No primeiro, a dificuldade está vencida; no segundo, deve ser vencida. O primeiro é como um homem que sabe ler, e lê sem esforço, quase sem se aperceber; o segundo é como o que soletra. Por que um chegou mais tarde, terá menos mérito que o outro?







Meditações filosóficas e religiosas - Ditadas pelo Espírito de Lamennais (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sra. A Didier)

A cruz

Em meio às revoluções humanas, em meio a todos os distúrbios, a todos os desencadeamentos do pensamento, eleva-se uma cruz alta e simples, fixada num altar de pedra. Um menino esculpido na pedra tem nas mãos uma bandeirola, sobre a qual se lê uma palavra: Simplicitas. Filantropos, filósofos, deístas e poetas, vinde ler e contemplar esta palavra. Ela é todo o Evangelho, toda a explicação do Cristianismo.

Filantropos, não inventeis a filantropia, pois só existe a caridade. Filósofos, não inventeis uma sabedoria, pois só existe uma. Deístas, não inventeis um Deus, porque só existe um. Poetas, não perturbeis o coração do homem.

Filantropos, quereis quebrar as cadeias materiais que mantêm cativa a Humanidade; filósofos, elevais panteões; poetas, idealizais o fanatismo. Para trás! Sois deste mundo, e o Cristo disse: “Meu reino não é deste mundo.”

Oh! Sois demasiadamente deste mundo de lama para compreenderdes essas sublimes palavras. E se algum juiz suficientemente poderoso vos pudesse perguntar:

─ Sois filhos de Deus? ─ vossa vontade morreria no fundo da garganta e não poderíeis responder como o Cristo em face da Humanidade:

─ Vós o dissestes.

─ Vós todos sois deuses ─ disse o Cristo, quando a língua de fogo desce sobre as vossas cabeças e penetra os vossos corações; vós todos sois deuses, quando percorreis a Terra em nome da Caridade, mas sois filhos do mundo quando contemplais os sofrimentos atuais da Humanidade e não pensais em seu futuro divino.

Homem! Que aquela palavra seja lida por teu coração e não por teus olhos de carne. O Cristo não erigiu um panteão. Ele ergueu uma cruz!


Bem aventurados os pobres de Espíritos

As várias ações meritórias para o Espírito após a morte são, principalmente, as do coração, mais que as da inteligência. Bem-aventurados os pobres de Espírito não quer dizer bem-aventurados apenas os imbecis, mas bem-aventurados também aqueles que, cumulados de dons intelectuais, não os empregaram para o mal, porque são uma arma muito poderosa para arrastar as massas.

Contudo, como dizia Gérard de Nerval ultimamente[1], a inteligência desconhecida na Terra terá um grande mérito perante Deus. Com efeito, o homem de inteligência poderosa, lutando contra todas as circunstâncias infelizes que vêm assaltá-lo, deve regozijar-se com estas palavras: “Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros”. Isso não se deve entender unicamente na ordem material, mas também nas manifestações do Espírito e nas obras da inteligência humana. As qualidades de coração são meritórias, porque as circunstâncias que as podem impedir são muito pequenas, muito raras e muito fúteis. A caridade deve brilhar por toda parte, apesar de tudo e para todos, como brilha o Sol para todo o mundo. O homem pode impedir a inteligência do seu próximo de se manifestar, mas nada pode sobre o coração. As lutas contra a adversidade, as angústias da dor, podem paralisar os impulsos do gênio, mas não podem parar os da caridade.



[1] Alusão a uma comunicação de Gérard de Nerval.





A escravidão

Escravidão! Quando se pronuncia este nome, o coração sente frio, porque vê à sua frente o egoísmo e o orgulho. Quando um padre vos fala de escravidão, refere-se a esta escravidão da alma, que rebaixa o Espírito do homem e o faz esquecer a sua consciência, isto é, a sua liberdade. Oh! sim, essa escravidão da alma é horrível e diariamente excita a eloquência de muitos pregadores. Mas a escravidão do hilota, a escravidão do negro, que se torna aos seus olhos? Diante dessa questão o sacerdote mostra a cruz e diz: “Esperai!”. Com efeito, para esses infelizes é a consolação a oferecer; e ela lhes diz: “Quando vosso corpo for dilacerado pelo chicote e morrerdes de sofrimento, não penseis mais na Terra. Pensai no Céu.”

Tocamos aqui uma das questões mais graves e terríveis que agitam a alma humana e a lançam na incerteza. Está o negro à altura dos povos da Europa e a prudência humana, ou antes, a justiça humana deve mostrar-lhe a emancipação como o meio mais seguro de chegar ao progresso da civilização? Nessa questão os filantropos mostram o Evangelho e dizem: “Jesus falou de escravos?” Não, mas Jesus falou da resignação e disse estas sublimes palavras: “Meu reino não é deste mundo”.

John Brown, quando eu contemplo teu cadáver na forca, sinto-me tomado de profunda piedade e de admiração entusiasta, mas a razão, essa brutal razão que incessantemente nos arrasta ao porquê, nos leva a nos perguntarmos a nós mesmos: “Que teríeis feito após a vitória?”.

ALLAN KARDEC


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