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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862 > Maio
Maio
Exéquias do Sr. Sanson (membro da sociedade espírita de Paris)Um dos nossos colegas, o Sr. Sanson, faleceu a 21 de abril de 1862, após mais de um ano de sofrimentos cruéis. Prevendo sua morte, tinha ele dirigido à Sociedade, a 27 de agosto de 1860, uma carta, da qual extraímos a seguinte passagem:
“Caro e respeitável Presidente,
“Em caso de surpresa pela desagregação de minha alma e de meu corpo, tenho a honra de vos lembrar um pedido feito há cerca de um ano: o de evocar o meu Espírito o mais imediatamente possível e tantas vezes quanto julgardes conveniente, para que, membro muito inútil de nossa Sociedade durante a minha presença na Terra, para algo lhe possa servir no além-túmulo, dando-lhe os meios de estudar fase por fase, nessas evocações, as diversas circunstâncias que se seguem ao que o vulgo chama morte, mas que, para nós, espíritas, não passa de uma transformação, sob as vistas impenetráveis de Deus, mas sempre útil ao fim que se propõe.
“Além desta autorização e pedido de me dar a honra dessa espécie de autópsia espiritual, que meu insignificante avanço como Espírito talvez torne estéril, caso em que a vossa sabedoria vos levará ao não dar continuidade às experiências além de um certo número, ouso pedir-vos, pessoalmente, bem como a todos os meus colegas, que supliquem ao Todo-Poderoso permita que os bons Espíritos me assistam com seus benevolentes conselhos, em particular a São Luís, nosso presidente espiritual, com o fito de guiar-me na escolha e no momento de uma reencarnação, porque desde já isto me preocupa muito. Tremo de me enganar quanto às minhas forças espirituais e de pedir a Deus, cedo demais e muito presunçosamente, um estado corporal no qual não pudesse justificar a bondade divina, o que, em vez de servir ao meu adiantamento, prolongaria a minha demora na Terra ou alhures caso eu falisse.
“Caro e respeitável Presidente,
“Em caso de surpresa pela desagregação de minha alma e de meu corpo, tenho a honra de vos lembrar um pedido feito há cerca de um ano: o de evocar o meu Espírito o mais imediatamente possível e tantas vezes quanto julgardes conveniente, para que, membro muito inútil de nossa Sociedade durante a minha presença na Terra, para algo lhe possa servir no além-túmulo, dando-lhe os meios de estudar fase por fase, nessas evocações, as diversas circunstâncias que se seguem ao que o vulgo chama morte, mas que, para nós, espíritas, não passa de uma transformação, sob as vistas impenetráveis de Deus, mas sempre útil ao fim que se propõe.
“Além desta autorização e pedido de me dar a honra dessa espécie de autópsia espiritual, que meu insignificante avanço como Espírito talvez torne estéril, caso em que a vossa sabedoria vos levará ao não dar continuidade às experiências além de um certo número, ouso pedir-vos, pessoalmente, bem como a todos os meus colegas, que supliquem ao Todo-Poderoso permita que os bons Espíritos me assistam com seus benevolentes conselhos, em particular a São Luís, nosso presidente espiritual, com o fito de guiar-me na escolha e no momento de uma reencarnação, porque desde já isto me preocupa muito. Tremo de me enganar quanto às minhas forças espirituais e de pedir a Deus, cedo demais e muito presunçosamente, um estado corporal no qual não pudesse justificar a bondade divina, o que, em vez de servir ao meu adiantamento, prolongaria a minha demora na Terra ou alhures caso eu falisse.
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“Contudo, tendo toda a confiança na mansuetude e na indulgente equidade de nosso Criador e seu divino filho, e, enfim, esperando com humildade e resignação sofrer a expiação de minhas faltas, salvo aquelas que a misericórdia do Eterno me perdoar, repito, minha grande preocupação é o medo pungente de enganar-me na escolha de uma reencarnação, se nisso não for ajudado e guiado pelos Espíritos santos e benevolentes que pudessem julgar-me indigno de sua intervenção, caso fossem solicitados apenas por mim, mas cuja comiseração pode ser despertada, desde que, pela caridade cristã, fossem invocados por todos vós, em meu favor. Assim, tomo a liberdade de me recomendar a vós, caro Presidente, e a todos os meus honrados colegas da Sociedade Espírita de Paris...”
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Para nos conformarmos ao desejo do nosso colega, de ser evocado o mais cedo possível após o seu passamento, fomos à câmara ardente com alguns membros da Sociedade e, em presença do corpo, deu-se a conversa que se segue, uma hora antes do enterro.
Nisso tínhamos um duplo objetivo: o de satisfazer à sua última vontade e o de observar, uma vez mais, a situação da alma num momento tão próximo da morte, e isto em um homem eminentemente inteligente e esclarecido, profundamente imbuído das verdades espíritas. Queríamos constatar a influência de tais crenças sobre o estado do Espírito, a fim de colher as suas primeiras impressões.
Como se verá, nossa espera não foi vã. Cada um achará, assim como nós, um elevado ensino na descrição que ele faz do instante da transição. Acrescentemos, entretanto, que nem todos os Espíritos seriam aptos a descrever esse fenômeno com tanta lucidez quanto ele. O Sr. Sanson viu a sua própria morte o seu próprio renascimento, circunstância pouco comum devida à elevação de seu Espírito.
Nisso tínhamos um duplo objetivo: o de satisfazer à sua última vontade e o de observar, uma vez mais, a situação da alma num momento tão próximo da morte, e isto em um homem eminentemente inteligente e esclarecido, profundamente imbuído das verdades espíritas. Queríamos constatar a influência de tais crenças sobre o estado do Espírito, a fim de colher as suas primeiras impressões.
Como se verá, nossa espera não foi vã. Cada um achará, assim como nós, um elevado ensino na descrição que ele faz do instante da transição. Acrescentemos, entretanto, que nem todos os Espíritos seriam aptos a descrever esse fenômeno com tanta lucidez quanto ele. O Sr. Sanson viu a sua própria morte o seu próprio renascimento, circunstância pouco comum devida à elevação de seu Espírito.
l. Evocação.
─ Venho, ao vosso apelo, cumprir a minha
promessa.
2.
─ Meu caro Sr. Sanson, cumprimos um dever, que é
um prazer, de vos evocar o mais cedo possível após a vossa morte, como o
desejastes.
─ É uma graça especial de Deus, que permite
ao meu Espírito comunicar-se.
Agradeço a vossa bondade, mas estou fraco e
tremo.
3.
─ Estáveis tão doente que eu penso que agora
podemos perguntar
como vos sentis. Ainda tendes dores? Que
sensação experimentais, comparando o estado atual com o de dois dias passados?
─ Minha posição é bem feliz, porque nada mais sinto de
minhas antigas dores. Estou regenerado e em estado de novo, como costumais
dizer. A transição da vida terrena à vida dos Espíritos a princípio me havia
deixado tudo incompreensível, porque, às vezes, levamos dias para recuperar a
lucidez. Mas antes de morrer fiz uma prece a Deus, pedindo-lhe poder falar
àqueles a quem amo, e Deus me ouviu.
4.
─ Ao cabo de quanto tempo recuperastes a lucidez
das ideias?
─ Ao cabo de oito horas. Repito: Deus me havia dado uma
prova de sua bondade. Ele tinha-me julgado suficientemente digno, e eu não poderia ser bastante agradecido.
5.
─ Estais bem certo de não mais pertencerdes ao nosso mundo? Como o constatais?
─ Oh! Certamente. Não sou mais do
vosso mundo. Mas estarei sempre perto de vós para vos proteger e vos sustentar,
a fim de pregar a caridade e a abnegação que foram os guias de minha vida.
Depois, ensinarei a fé verdadeira, a fé espírita, que deve exalçar a crença do
justo e do bom. Estou forte, muito forte; numa
palavra, transformado. Vós não reconhecíeis mais o velho enfermo que devia tudo
esquecer e abandonar todos os prazeres, toda a
alegria. Sou Espírito. Minha pátria é o espaço e meu futuro, Deus, que irradia
na imensidão. Eu
gostaria muito de poder falar aos meus
filhos, pois lhes ensinaria aquilo em que sempre tiveram má vontade para crer.
6.
─ Que sensação vos causa a visão do vosso corpo, aqui ao lado?
─ Meu corpo, pobre e ínfimo despojo, deves voltar ao pó,
enquanto eu guardo a agradável lembrança de todos os que me estimavam. Olho
esta pobre carne deformada, morada de meu Espírito e
provação de tantos anos! Obrigado, meu pobre corpo! Tu purificaste o meu
Espírito e o sofrimento dez vezes santo me deu um lugar bem merecido, pois que
encontro imediatamente a faculdade de vos falar.
7.
─ Conservastes as vossas ideias até o último
instante?
─ Sim, meu Espírito conservou as faculdades. Eu não via
mais, mas pressentia. Toda a minha vida desdobrou-se
ante a minha lembrança e o meu último pensamento, minha última prece foi para
vos poder falar, o que ora faço. Depois pedi a Deus que vos protegesse, a fim
de que se realizasse o sonho de minha vida.
8.
─ Tivestes consciência do momento em que o vosso
corpo
exalava o último suspiro? O que se passou
então? Que sensação experimentastes?
─ A vida se rompe e a visão
do Espírito se extingue. A gente encontra o vazio, o desconhecido e, levado não
sei por que artifício, a gente se encontra em um
mundo onde tudo é alegria e grandeza. Eu não
sentia mais; eu não me dava conta, contudo, uma
felicidade inefável me plenificava. Eu não sentia mais o amplexo da dor.
9.
─ Tendes conhecimento... do que pretendo ler à
borda do vosso túmulo?
OBSERVAÇÃO: Apenas pronunciadas as primeiras palavras
da pergunta o Espírito respondeu, antes que a mesma fosse completada.
Respondeu, além disso, e sem ser perguntado, a questionamentos que se haviam
estabelecido entre os assistentes quanto à oportunidade de ler essa comunicação
no cemitério, em vista de certas pessoas não compartilharem de nossas opiniões.
─ Oh! Meu amigo, eu sei, porque vos vi
ontem e vos vejo hoje e minha satisfação é muito grande. Obrigado! Obrigado!
Falai, para que me compreendam e vos estimem. Nada temais, pois respeitam a
morte. Falai, pois, a fim de que os incrédulos tenham fé. Adeus. Falai. Tende coragem e confiança, e que meus filhos possam
converter-se a uma crença reverenciada!
Adeus.
- J. SANSON
Durante a cerimônia no cemitério ele ditou o seguinte:
Que a morte não vos espante, meus amigos. Ela é uma etapa para vós, se tiverdes sabido bem viver; é uma felicidade, se tiverdes merecido dignamente as vossas provas e as tiverdes bem realizado. Eu vos repito: Coragem e boa vontade! Ligai apenas um valor medíocre aos bens da Terra, e sereis recompensados. Não se pode gozar muito sem prejudicar o alheio bem-estar e sem causar a si próprio um imenso mal. Que a terra me seja leve!
NOTA: Depois da cerimônia, alguns membros da Sociedade se reuniram e receberam espontaneamente a comunicação que se segue, e que estavam longe de esperar.
“Chamo-me Bernardo e vivi em 96 em Passy, então uma aldeia. Eu era um pobre-diabo. Eu ensinava, e só Deus sabe os dissabores que tive de suportar. Que aborrecimento prolongado! Anos inteiros de preocupações e sofrimentos! E eu amaldiçoei Deus, o diabo, os homens em geral e as mulheres em particular. Entre estas nenhuma me veio dizer: “Coragem, paciência!” Foi preciso viver só, sempre só, e a maldade me tornou mau. Desde então erro pelos lugares onde vivi, onde morri.
“Eu vos ouvi hoje. Vossas preces me tocaram profundamente. Acompanhastes um bom e digno Espírito e tudo quanto dissestes e fizestes me comoveu. Eu estava em numerosa companhia e, em comum, oramos por vós todos, pelo futuro de vossas santas crenças. Orai por nós, que necessitamos de socorro. O Espírito de Sanson, que nos acompanhava, prometeu que pensaríeis em nós. Desejo reencarcerar-me, a fim de que minha prova seja útil e conveniente ao meu futuro no mundo dos Espíritos. Adeus, meus amigos. Digo assim porque amais os que sofrem. Para vós: bons pensamentos, futuro feliz.”
Como este episódio se liga à evocação do Sr. Sanson, pareceu-nos dever mencioná-lo, porque encerra eminente assunto de instrução. Cremos cumprir um dever recomendando esse Espírito às preces de todos os verdadeiros espíritas. Elas poderão fortificá-lo nas boas resoluções.
A conversa com o Sr. Sanson teve continuidade na sessão da Sociedade, na primeira sexta-feira depois de 25 de abril e deve ser prosseguida. Aproveitamos a sua boa vontade e as suas luzes para obter novos esclarecimentos, tão precisos quanto possível, sobre o mundo invisível, comparado com o visível, e principalmente sobre a transição de um a outro, o que interessa a toda a gente, de vez que, sem exceção, todos passam por isso. O Sr. Sanson para tanto se pôs a nossa disposição, com sua benevolência habitual. Aliás, como se viu, era seu desejo expresso antes de morrer.
Suas respostas formam um conjunto muito instrutivo e de um interesse tanto maior porque emanam de uma testemunha ocular, que acaba de analisar as suas próprias sensações, e que se exprime ao mesmo tempo com elegância, com profundidade e com clareza. No próximo número publicaremos o conjunto.
Um fato importante, que deve ser destacado, é que o médium que serviu de intermediário no dia do enterro e nos dias seguintes, o Sr. Leymarie, jamais tinha visto o Sr. Sanson e não conhecia o seu caráter nem os seus hábitos. Ele não sabia se Sanson tinha filhos e menos ainda se eles partilhavam ou não de suas ideias sobre o Espiritismo. É, pois, de modo inteiramente espontâneo que a isso se refere, e que o caráter do Sr. Sanson se revelou pelo seu lápis, sem que sua imaginação tivesse podido influenciar, fosse no que fosse.
Fato não menos curioso, e que prova que as comunicações não são reflexo do pensamento, é a de Bernardo, em que nenhum dos assistentes poderia pensar, porque, desde que o médium tomou do lápis, pensava-se que provavelmente seria um dos seus Espíritos habituais, Baluze ou Sonnet. Seria o caso de perguntar: do pensamento de quem aquela comunicação poderia ser um reflexo?
NOTA: Depois da cerimônia, alguns membros da Sociedade se reuniram e receberam espontaneamente a comunicação que se segue, e que estavam longe de esperar.
“Chamo-me Bernardo e vivi em 96 em Passy, então uma aldeia. Eu era um pobre-diabo. Eu ensinava, e só Deus sabe os dissabores que tive de suportar. Que aborrecimento prolongado! Anos inteiros de preocupações e sofrimentos! E eu amaldiçoei Deus, o diabo, os homens em geral e as mulheres em particular. Entre estas nenhuma me veio dizer: “Coragem, paciência!” Foi preciso viver só, sempre só, e a maldade me tornou mau. Desde então erro pelos lugares onde vivi, onde morri.
“Eu vos ouvi hoje. Vossas preces me tocaram profundamente. Acompanhastes um bom e digno Espírito e tudo quanto dissestes e fizestes me comoveu. Eu estava em numerosa companhia e, em comum, oramos por vós todos, pelo futuro de vossas santas crenças. Orai por nós, que necessitamos de socorro. O Espírito de Sanson, que nos acompanhava, prometeu que pensaríeis em nós. Desejo reencarcerar-me, a fim de que minha prova seja útil e conveniente ao meu futuro no mundo dos Espíritos. Adeus, meus amigos. Digo assim porque amais os que sofrem. Para vós: bons pensamentos, futuro feliz.”
Como este episódio se liga à evocação do Sr. Sanson, pareceu-nos dever mencioná-lo, porque encerra eminente assunto de instrução. Cremos cumprir um dever recomendando esse Espírito às preces de todos os verdadeiros espíritas. Elas poderão fortificá-lo nas boas resoluções.
A conversa com o Sr. Sanson teve continuidade na sessão da Sociedade, na primeira sexta-feira depois de 25 de abril e deve ser prosseguida. Aproveitamos a sua boa vontade e as suas luzes para obter novos esclarecimentos, tão precisos quanto possível, sobre o mundo invisível, comparado com o visível, e principalmente sobre a transição de um a outro, o que interessa a toda a gente, de vez que, sem exceção, todos passam por isso. O Sr. Sanson para tanto se pôs a nossa disposição, com sua benevolência habitual. Aliás, como se viu, era seu desejo expresso antes de morrer.
Suas respostas formam um conjunto muito instrutivo e de um interesse tanto maior porque emanam de uma testemunha ocular, que acaba de analisar as suas próprias sensações, e que se exprime ao mesmo tempo com elegância, com profundidade e com clareza. No próximo número publicaremos o conjunto.
Um fato importante, que deve ser destacado, é que o médium que serviu de intermediário no dia do enterro e nos dias seguintes, o Sr. Leymarie, jamais tinha visto o Sr. Sanson e não conhecia o seu caráter nem os seus hábitos. Ele não sabia se Sanson tinha filhos e menos ainda se eles partilhavam ou não de suas ideias sobre o Espiritismo. É, pois, de modo inteiramente espontâneo que a isso se refere, e que o caráter do Sr. Sanson se revelou pelo seu lápis, sem que sua imaginação tivesse podido influenciar, fosse no que fosse.
Fato não menos curioso, e que prova que as comunicações não são reflexo do pensamento, é a de Bernardo, em que nenhum dos assistentes poderia pensar, porque, desde que o médium tomou do lápis, pensava-se que provavelmente seria um dos seus Espíritos habituais, Baluze ou Sonnet. Seria o caso de perguntar: do pensamento de quem aquela comunicação poderia ser um reflexo?
DISCURSO DO SR. ALLAN KARDEC NO ENTERRO DO SR. SANSON
Srs. e colegas da Sociedade Espírita de Paris.
É a primeira vez que trazemos um colega à sua última morada. Este a quem vimos dizer adeus vós conhecestes e soubeste apreciar as suas eminentes qualidades. Lembrando-as aqui apenas diria o que todos sabeis: coração eminentemente reto, de uma lealdade a toda a prova, sua via foi a de um homem de bem em toda a extensão do vocábulo. Penso que ninguém o contestará. Essas qualidades ainda eram postas em destaque por uma grande bondade e uma extrema benevolência. Haverá necessidade de ter praticado ações brilhantes e de deixar um nome à posteridade? Isso não lhe daria um lugar melhor no mundo onde se acha agora. Se, pois, sobre o seu túmulo não vamos lançar uma coroa de louros, todos quantos o conheceram aqui depositam, na sinceridade de seus espíritos, aquelas coroas mais preciosas da estima e da afeição.
Sabeis, senhores, que o Sr. Sanson era dotado de uma inteligência pouco comum e de uma grande justeza de apreciação, ainda mais desenvolvida por uma instrução variada e profunda. De uma simplicidade patriarcal nos seus modos de vida, encontrava em seu próprio íntimo os elementos de uma atividade intelectual que aplicava em pesquisas, em invenções, certamente muito engenhosas, mas que, infelizmente, não lhe trouxeram resultados. Era um desses homens que jamais se aborrecem, porque sempre estão pensando em algo de sério. Conquanto sua posição o tivesse privado daquilo que faz a doçura da vida, seu bom humor jamais se alterava. Creio não exagerar dizendo que era o tipo do verdadeiro filósofo: não do filósofo cínico, mas daquele que está sempre contente com o que tem, sem se atormentar nunca pelo que não tem.
Esses sentimentos sem dúvida constituíam o fundo do seu caráter, mas, nos últimos anos, foram singularmente fortificados por suas crenças Espíritas. Estas o ajudaram a suportar longos e cruéis padecimentos com uma paciência e uma resignação muito cristã, Não há um só dentre nós que o tendo visto em seu leito de dor, não se tenha edificado com a sua calma e a sua inalterável serenidade. Desde muito tempo ele previa o seu fim; mas longe de se apavorar, o esperava como a hora da libertação. Ah! E que a fé espírita dá, nesses momentos supremos, uma força da qual só se dá conta quem a possui. E o Sr. Sanson a possuía em grau supremo.
Que é, então, a fé espírita? Talvez perguntem alguns dos que me escutam.
A fé espírita consiste na convicção íntima de que temos uma alma; que esta alma, ou Espírito, o que é a mesma coisa, sobrevive ao corpo; é feliz ou infeliz, conforme o bem ou o mal que fez em vida. Dirão que isso é sabido por todos. Sim, exceto pelos que crêem que tudo se acaba quando morremos, e estes são mais numerosos do que se pensa neste século. Assim, na opinião destes últimos, os despojos mortais que temos sob os nossos olhos, e que em alguns dias estarão reduzidos a pó, serão tudo quanto resta daquele de quem nos despedimos. Assim, o que é que homenageamos? A um cadáver, Porque de sua inteligência, de seu pensamento, das qualidades que o tomavam amado, nada restará, tudo será aniquilado. O mesmo se dará, quando morrermos.
Essa idéia do nada que nos esperaria não tem algo de pungente e glacial?
Quem, em presença deste túmulo aberto, não sente um calafrio percorrer as veias, ao pensar que amanhã, talvez, o mesmo lhe acontecerá e que, depois de umas pás de terra lançadas sobre o seu corpo, tudo estará terminado para sempre, que não mais pensará, não sentirá, não amará?
Mas ao lado dos que negam, há o número maior dos que duvidam, por não terem uma certeza positiva; e para esses a dúvida é uma tortura.
Vós todos que acreditais firmemente que o Sr. Sanson tinha uma alma, que pensais em que se tenha ela tornado? Onde está? O que faz? Ah! Exclamareis, se nós pudéssemos saber! Jamais a dúvida teria entrado em nosso coração. Porque, sondai bem o fundo dos vossos pensamentos e convencei-vos de que a mais de um entre vós já aconteceu dizer, no foro íntimo, falando da vida futura: “E se assim não fosse?” E o dizeis porque não a compreendíeis; porque dela fazíeis uma idéia que não podia aliar-se à razão.
Ora! O Espiritismo precisamente vem compreendê-la, por assim dizer fazer tocá-la com o dedo e vê-la, tomando-a tão palpável, tão evidente que não mais é possível negá-la do que negar a luz.
Então em que se tornou a alma do nosso amigo? Está aqui, ao nosso lado, escutando-nos, e penetrando o nosso pensamento, julgando o sentimento que anima a cada um nesta cerimônia. Esta alma não é o que vulgarmente pensam: uma chama, uma centelha, algo vago e indefinido. Não a vereis,de acordo com idéias supersticiosas, correr à noite pela terra como um fogo fátuo. Não: ela tem uma forma, um corpo como em vida; mas um corpo fluídico, vaporoso, invisível aos nossos sentidos grosseiros e que, entretanto, em certos casos, torna-se visível. Durante a vida tinha um segundo envoltório, pesado, material, destrutível. Quando esse envoltório se gasta e não mais pode funcionar, cai, como a casca de um fruto maduro, e a alma o deixa como se deixasse velha roupa de trabalho. E esse envoltório da alma do Sr. Sanson, é essa velha roupa que o fazia sofrer, que se acha ao fundo da cova: é tudo o que há dele. Mas conservou o envoltório etéreo, indestrutível, radioso, que nem está sujeito às doenças nem às enfermidades. E assim que está entre nós. Mas não penseis que esteja só: aqui há milhares no mesmo caso, assistindo à nossa despedida e felicitando o recém-chegado por se ter libertado das misérias da Terra. De sorte que, se neste momento o véu que no-los encobre pudesse ser levantado, veríamos uma multidão em redor de nós, se acotovelando e nesse número veríamos o Sr. Sanson, não mais impotente e deitado no leito de sofrimento, mas alerta, lépido, locomovendo-se sem esforço com a rapidez do pensamento, sem esbarrar em qualquer obstáculo.
Essas almas ou Espíritos constituem o mundo invisível, em cujo meio vivemos sem o perceber. De sorte que os parentes e os amigos que perdemos estão mais perto de nós depois da morte do que se em vida tivessem ido para um pais distante.
É a existência desse mundo invisível que o Espírito põe em evidência, pelas relações que com ele é possível estabelecer e porque ai encontramos os nossos conhecidos. Então já não é uma vaga esperança: é uma prova patente. Ora, a prova do mundo invisível é a prova da vida futura. Adquirida essa certeza as idéias mudam completamente, porque a importância da vida terrena diminui à medida que cresce a da vida porvindoura.
Essa a fé no mundo invisível que possuía o Sr. Sanson, Ele o via e o compreendia tão bem que a morte lhe era apenas um pórtico a transpor, a fim de passar de uma vida dolorosa e de miséria para uma vida bem-aventurada.
A serenidade de seus últimos instantes era, pois, ao mesmo tempo, o resultado de sua confiança absoluta na vida futura, que já entrevia, e uma consciência irreprochável, que lhe dizia nada dever. Essa fé tinha sido adquirida no Espiritismo. Porque — necessário é dizê-lo — antes da época em que conheceu essa ciência consoladora, não era materialista, mas era cético. Suas dúvidas, porém, cessaram ante a evidência dos fatos que testemunham e desde então tudo mudou. Colocando-se em pensamento fora da vida material, não mais a via senão como um dia infeliz entre um número infinito de dias felizes. E, longe de se lamentar da amargura da vida, abençoava os sofrimentos como provas que deveriam acelerar o seu progresso.
Caro Sr. Sanson, sois testemunha da sinceridade da pena de todos nós que vos conhecemos e cuja afeição sobrevive. Em nome de todos os meus colegas presentes e ausentes, em nome de todos os vossos parentes e amigos, eu vos digo adeus, mas não um eterno adeus, pois isso seria uma blasfêmia contra a Providência e uma negação da vida futura. Nós, espíritas, menos que quaisquer outros, não devemos pronunciar essa palavra.
Até à vista, pois, caro Sr. Sanson. Que possais gozar no mundo onde vos encontrais agora a felicidade que mereceis e vir estender-nos a mão quando nos chegar a vez de nele entrar.
Permiti-me, senhores, uma curta prece junto a esta cova que se fecha.
Deus Todo-Poderoso, que vossa misericórdia se estenda sobre a alma do Sr. Sanson, que acabais de chamar. Possam ser-lhe contadas as provas que sofreu na Terra, e as nossas preces abrandar e encurtar as penas que terá de sofrer como Espírito.
Bons Espíritos que viestes recebê-la, e sobretudo vós, seu anjo da guarda, assisti-a, para ajudá-la a despojar-se da matéria; dai-lhe a luz e a consciência de si própria, a fim de a tirar da perturbaçãoque acompanha a passagem da vida corpórea à espiritual. Inspirai-a lhe o arrependimento das faltas cometidas e que lhe seja permitidoo desejo de as reparar, a fim de apressar o seu progresso para a vida eterna bem-aventurada.
Alma do Sr. Sanson que acabais de entrar no mundo dos Espíritos, aqui estais entre nós; vedes e nos escutais, pois entre nósapenas se acha o corpo perecível, que acabais de deixar e que em breve será pó.
Este corpo, instrumento de tantas dores, ainda lá está, ao vosso lado. Vós o vedes como o prisioneiro vê as cadeias de que acaba de se libertar. Deixaste o grosseiro invólucro sujeito às vicissitudes e à morte e apenas guardastes o invólucro etéreo, imperecível e inatingível pelos sofrimentos. Se já não viveis pelo corpo, viveis a vida do Espírito, que é isenta das misérias que afligem a humanidade.
Não mais tendes o véu que encobre aos nossos olhos os esplendores da vida futura; d’agora em diante podeis contemplar as novas maravilhas, enquanto ainda estamos mergulhados nas trevas. Ides percorrer o espaço e visitar os mundos livremente, enquanto nos arrastamos na Terra, retidos pelo corpo à vossa frente e, em, presença de tanta grandeza, compreendereis a vaidade de nossos desejos terrenos, de nossas ambições mundanas, de nossas alegrias fúteis, que os homens transformam em delicias.
Entre os homens a morte não passa de curta separação material. Do lugar do exílio, onde nos retém a vontade de Deus, bem como os nossos deveres, nós vos seguimos em pensamento até onde nos for permitido, assim como vos unistes aos que vos precederam. Se não pudermos vos atingir, podereis vir a nós. Vinde, pois, entre aqueles que vos amam e que amastes. Sustentai-os nas provas da vida; velai pelos que vos são caros; protegei-os conforme o vosso poder e abrandai os seus pesares pelo pensamento de que agora estais mais feliz e pela consoladora certeza de estardes um dia reunido em um mundo melhor.
Que vos seja possível, para a felicidade futura, ficar inacessível aos ressentimentos terrenos! Perdoai aos que cometeram faltas para convosco, como eles vos perdoam as que poderíeis ter cometido para com eles. Amém.
Srs. e colegas da Sociedade Espírita de Paris.
É a primeira vez que trazemos um colega à sua última morada. Este a quem vimos dizer adeus vós conhecestes e soubeste apreciar as suas eminentes qualidades. Lembrando-as aqui apenas diria o que todos sabeis: coração eminentemente reto, de uma lealdade a toda a prova, sua via foi a de um homem de bem em toda a extensão do vocábulo. Penso que ninguém o contestará. Essas qualidades ainda eram postas em destaque por uma grande bondade e uma extrema benevolência. Haverá necessidade de ter praticado ações brilhantes e de deixar um nome à posteridade? Isso não lhe daria um lugar melhor no mundo onde se acha agora. Se, pois, sobre o seu túmulo não vamos lançar uma coroa de louros, todos quantos o conheceram aqui depositam, na sinceridade de seus espíritos, aquelas coroas mais preciosas da estima e da afeição.
Sabeis, senhores, que o Sr. Sanson era dotado de uma inteligência pouco comum e de uma grande justeza de apreciação, ainda mais desenvolvida por uma instrução variada e profunda. De uma simplicidade patriarcal nos seus modos de vida, encontrava em seu próprio íntimo os elementos de uma atividade intelectual que aplicava em pesquisas, em invenções, certamente muito engenhosas, mas que, infelizmente, não lhe trouxeram resultados. Era um desses homens que jamais se aborrecem, porque sempre estão pensando em algo de sério. Conquanto sua posição o tivesse privado daquilo que faz a doçura da vida, seu bom humor jamais se alterava. Creio não exagerar dizendo que era o tipo do verdadeiro filósofo: não do filósofo cínico, mas daquele que está sempre contente com o que tem, sem se atormentar nunca pelo que não tem.
Esses sentimentos sem dúvida constituíam o fundo do seu caráter, mas, nos últimos anos, foram singularmente fortificados por suas crenças Espíritas. Estas o ajudaram a suportar longos e cruéis padecimentos com uma paciência e uma resignação muito cristã, Não há um só dentre nós que o tendo visto em seu leito de dor, não se tenha edificado com a sua calma e a sua inalterável serenidade. Desde muito tempo ele previa o seu fim; mas longe de se apavorar, o esperava como a hora da libertação. Ah! E que a fé espírita dá, nesses momentos supremos, uma força da qual só se dá conta quem a possui. E o Sr. Sanson a possuía em grau supremo.
Que é, então, a fé espírita? Talvez perguntem alguns dos que me escutam.
A fé espírita consiste na convicção íntima de que temos uma alma; que esta alma, ou Espírito, o que é a mesma coisa, sobrevive ao corpo; é feliz ou infeliz, conforme o bem ou o mal que fez em vida. Dirão que isso é sabido por todos. Sim, exceto pelos que crêem que tudo se acaba quando morremos, e estes são mais numerosos do que se pensa neste século. Assim, na opinião destes últimos, os despojos mortais que temos sob os nossos olhos, e que em alguns dias estarão reduzidos a pó, serão tudo quanto resta daquele de quem nos despedimos. Assim, o que é que homenageamos? A um cadáver, Porque de sua inteligência, de seu pensamento, das qualidades que o tomavam amado, nada restará, tudo será aniquilado. O mesmo se dará, quando morrermos.
Essa idéia do nada que nos esperaria não tem algo de pungente e glacial?
Quem, em presença deste túmulo aberto, não sente um calafrio percorrer as veias, ao pensar que amanhã, talvez, o mesmo lhe acontecerá e que, depois de umas pás de terra lançadas sobre o seu corpo, tudo estará terminado para sempre, que não mais pensará, não sentirá, não amará?
Mas ao lado dos que negam, há o número maior dos que duvidam, por não terem uma certeza positiva; e para esses a dúvida é uma tortura.
Vós todos que acreditais firmemente que o Sr. Sanson tinha uma alma, que pensais em que se tenha ela tornado? Onde está? O que faz? Ah! Exclamareis, se nós pudéssemos saber! Jamais a dúvida teria entrado em nosso coração. Porque, sondai bem o fundo dos vossos pensamentos e convencei-vos de que a mais de um entre vós já aconteceu dizer, no foro íntimo, falando da vida futura: “E se assim não fosse?” E o dizeis porque não a compreendíeis; porque dela fazíeis uma idéia que não podia aliar-se à razão.
Ora! O Espiritismo precisamente vem compreendê-la, por assim dizer fazer tocá-la com o dedo e vê-la, tomando-a tão palpável, tão evidente que não mais é possível negá-la do que negar a luz.
Então em que se tornou a alma do nosso amigo? Está aqui, ao nosso lado, escutando-nos, e penetrando o nosso pensamento, julgando o sentimento que anima a cada um nesta cerimônia. Esta alma não é o que vulgarmente pensam: uma chama, uma centelha, algo vago e indefinido. Não a vereis,de acordo com idéias supersticiosas, correr à noite pela terra como um fogo fátuo. Não: ela tem uma forma, um corpo como em vida; mas um corpo fluídico, vaporoso, invisível aos nossos sentidos grosseiros e que, entretanto, em certos casos, torna-se visível. Durante a vida tinha um segundo envoltório, pesado, material, destrutível. Quando esse envoltório se gasta e não mais pode funcionar, cai, como a casca de um fruto maduro, e a alma o deixa como se deixasse velha roupa de trabalho. E esse envoltório da alma do Sr. Sanson, é essa velha roupa que o fazia sofrer, que se acha ao fundo da cova: é tudo o que há dele. Mas conservou o envoltório etéreo, indestrutível, radioso, que nem está sujeito às doenças nem às enfermidades. E assim que está entre nós. Mas não penseis que esteja só: aqui há milhares no mesmo caso, assistindo à nossa despedida e felicitando o recém-chegado por se ter libertado das misérias da Terra. De sorte que, se neste momento o véu que no-los encobre pudesse ser levantado, veríamos uma multidão em redor de nós, se acotovelando e nesse número veríamos o Sr. Sanson, não mais impotente e deitado no leito de sofrimento, mas alerta, lépido, locomovendo-se sem esforço com a rapidez do pensamento, sem esbarrar em qualquer obstáculo.
Essas almas ou Espíritos constituem o mundo invisível, em cujo meio vivemos sem o perceber. De sorte que os parentes e os amigos que perdemos estão mais perto de nós depois da morte do que se em vida tivessem ido para um pais distante.
É a existência desse mundo invisível que o Espírito põe em evidência, pelas relações que com ele é possível estabelecer e porque ai encontramos os nossos conhecidos. Então já não é uma vaga esperança: é uma prova patente. Ora, a prova do mundo invisível é a prova da vida futura. Adquirida essa certeza as idéias mudam completamente, porque a importância da vida terrena diminui à medida que cresce a da vida porvindoura.
Essa a fé no mundo invisível que possuía o Sr. Sanson, Ele o via e o compreendia tão bem que a morte lhe era apenas um pórtico a transpor, a fim de passar de uma vida dolorosa e de miséria para uma vida bem-aventurada.
A serenidade de seus últimos instantes era, pois, ao mesmo tempo, o resultado de sua confiança absoluta na vida futura, que já entrevia, e uma consciência irreprochável, que lhe dizia nada dever. Essa fé tinha sido adquirida no Espiritismo. Porque — necessário é dizê-lo — antes da época em que conheceu essa ciência consoladora, não era materialista, mas era cético. Suas dúvidas, porém, cessaram ante a evidência dos fatos que testemunham e desde então tudo mudou. Colocando-se em pensamento fora da vida material, não mais a via senão como um dia infeliz entre um número infinito de dias felizes. E, longe de se lamentar da amargura da vida, abençoava os sofrimentos como provas que deveriam acelerar o seu progresso.
Caro Sr. Sanson, sois testemunha da sinceridade da pena de todos nós que vos conhecemos e cuja afeição sobrevive. Em nome de todos os meus colegas presentes e ausentes, em nome de todos os vossos parentes e amigos, eu vos digo adeus, mas não um eterno adeus, pois isso seria uma blasfêmia contra a Providência e uma negação da vida futura. Nós, espíritas, menos que quaisquer outros, não devemos pronunciar essa palavra.
Até à vista, pois, caro Sr. Sanson. Que possais gozar no mundo onde vos encontrais agora a felicidade que mereceis e vir estender-nos a mão quando nos chegar a vez de nele entrar.
Permiti-me, senhores, uma curta prece junto a esta cova que se fecha.
Deus Todo-Poderoso, que vossa misericórdia se estenda sobre a alma do Sr. Sanson, que acabais de chamar. Possam ser-lhe contadas as provas que sofreu na Terra, e as nossas preces abrandar e encurtar as penas que terá de sofrer como Espírito.
Bons Espíritos que viestes recebê-la, e sobretudo vós, seu anjo da guarda, assisti-a, para ajudá-la a despojar-se da matéria; dai-lhe a luz e a consciência de si própria, a fim de a tirar da perturbaçãoque acompanha a passagem da vida corpórea à espiritual. Inspirai-a lhe o arrependimento das faltas cometidas e que lhe seja permitidoo desejo de as reparar, a fim de apressar o seu progresso para a vida eterna bem-aventurada.
Alma do Sr. Sanson que acabais de entrar no mundo dos Espíritos, aqui estais entre nós; vedes e nos escutais, pois entre nósapenas se acha o corpo perecível, que acabais de deixar e que em breve será pó.
Este corpo, instrumento de tantas dores, ainda lá está, ao vosso lado. Vós o vedes como o prisioneiro vê as cadeias de que acaba de se libertar. Deixaste o grosseiro invólucro sujeito às vicissitudes e à morte e apenas guardastes o invólucro etéreo, imperecível e inatingível pelos sofrimentos. Se já não viveis pelo corpo, viveis a vida do Espírito, que é isenta das misérias que afligem a humanidade.
Não mais tendes o véu que encobre aos nossos olhos os esplendores da vida futura; d’agora em diante podeis contemplar as novas maravilhas, enquanto ainda estamos mergulhados nas trevas. Ides percorrer o espaço e visitar os mundos livremente, enquanto nos arrastamos na Terra, retidos pelo corpo à vossa frente e, em, presença de tanta grandeza, compreendereis a vaidade de nossos desejos terrenos, de nossas ambições mundanas, de nossas alegrias fúteis, que os homens transformam em delicias.
Entre os homens a morte não passa de curta separação material. Do lugar do exílio, onde nos retém a vontade de Deus, bem como os nossos deveres, nós vos seguimos em pensamento até onde nos for permitido, assim como vos unistes aos que vos precederam. Se não pudermos vos atingir, podereis vir a nós. Vinde, pois, entre aqueles que vos amam e que amastes. Sustentai-os nas provas da vida; velai pelos que vos são caros; protegei-os conforme o vosso poder e abrandai os seus pesares pelo pensamento de que agora estais mais feliz e pela consoladora certeza de estardes um dia reunido em um mundo melhor.
Que vos seja possível, para a felicidade futura, ficar inacessível aos ressentimentos terrenos! Perdoai aos que cometeram faltas para convosco, como eles vos perdoam as que poderíeis ter cometido para com eles. Amém.
Palestras familiares de além-túmulo
O capitão Nivrac(Morto a 11 de fevereiro de 1862; evocado a pedido de seu amigo Cap. Blou, membro da sociedade. Médium: Sr. Leymarie)
O Sr. Nivrac era um homem nutrido por sérios estudos e uma notável inteligência. Inutilmente o capitão Blou lhe havia falado do Espiritismo e ofertado todas as obras que tratam do assunto. Ele olhava todas essas coisas como utopias e os que as seguem como sonhadores.
A lº. de fevereiro ele passeava com um de seus camaradas, atacando esse assunto, como de costume, quando, passando em frente a uma vitrine de livraria, viram a brochura O Espiritismo na sua expressão mais simples.
Boa inspiração diz o Sr. Blou.
Comprou-a, o que certamente não teria feito se eu estivesse presente.
Desse dia em diante o capitão Nivrac leu O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e alguns números da Revista Espírita.
Seu espírito e seu coração foram tocados. Longe de atacar, ele vinha fazer-me perguntas, e entre os oficiais tornou-se um zeloso propagandista do Espiritismo, a tal ponto que durante oito dias a doutrina nova foi o assunto de todas as conversas.
Ele desejava muito assistir a uma sessão, quando a morte veio surpreendê-lo sem nenhuma causa aparente de doença. A 11 de fevereiro, terça-feira, estando no banho, às quatro horas, expirava nos braços do médico. “Não estará aí o dedo de Deus”, pergunta o capitão Blou, “permitindo que o meu amigo abrisse os olhos à luz antes de sua morte?”
l. Evocação. ─ Compreendo por que desejais falar-me. Sinto-me feliz com esta evocação e feliz venho a vós, porque é um amigo que me pede e nada podia ser-me mais agradável.
A lº. de fevereiro ele passeava com um de seus camaradas, atacando esse assunto, como de costume, quando, passando em frente a uma vitrine de livraria, viram a brochura O Espiritismo na sua expressão mais simples.
Boa inspiração diz o Sr. Blou.
Comprou-a, o que certamente não teria feito se eu estivesse presente.
Desse dia em diante o capitão Nivrac leu O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns e alguns números da Revista Espírita.
Seu espírito e seu coração foram tocados. Longe de atacar, ele vinha fazer-me perguntas, e entre os oficiais tornou-se um zeloso propagandista do Espiritismo, a tal ponto que durante oito dias a doutrina nova foi o assunto de todas as conversas.
Ele desejava muito assistir a uma sessão, quando a morte veio surpreendê-lo sem nenhuma causa aparente de doença. A 11 de fevereiro, terça-feira, estando no banho, às quatro horas, expirava nos braços do médico. “Não estará aí o dedo de Deus”, pergunta o capitão Blou, “permitindo que o meu amigo abrisse os olhos à luz antes de sua morte?”
l. Evocação. ─ Compreendo por que desejais falar-me. Sinto-me feliz com esta evocação e feliz venho a vós, porque é um amigo que me pede e nada podia ser-me mais agradável.
OBSERVAÇÃO: O Espírito adianta-se à pergunta que ia ser
feita, que era a seguinte: “Posto não tenhamos a vantagem de vos haver
conhecido, pedimos que viésseis em nome do vosso amigo, capitão Blou, nosso
colega, e ficaremos encantados por conversar convosco, se assim quiserdes”.
2. ─
Sois feliz... (O Espírito não deixa concluir a pergunta, que assim terminaria:
...por ter conhecido o Espiritismo antes de morrer?)
─ Sou feliz porque acreditei antes de morrer. Lembro-me das
discussões que tive contigo, meu amigo, porque eu repelia
todas as doutrinas novas. Na verdade eu estava abalado. Eu dizia à minha
mulher, à minha família, que era maluquice escutar semelhantes bobagens e que
te julgava perturbado. Eu assim pensava, mas
felizmente pude crer e esperar. Minha posição é mais feliz porque Deus me
promete um avanço muito desejado.
3. ─
Como pôde uma pequena brochura de algumas páginas ter mais autoridade sobre vós
que as palavras de vosso amigo, no qual devíeis ter confiança?
─ Eu estava abalado, porque a ideia de uma vida melhor está
no fundo de todas as religiões. Eu acreditava
instintivamente, mas as ideias do soldado tinham modificado meus pensamentos.
Eis tudo. Quando li a brochura, fiquei emocionado. Achei que aqueles conceitos revelavam uma doutrina tão clara e
precisa, que Deus me apareceu na sua bondade. O Futuro pareceu-me menos
sombrio. Acreditei, porque devia crer, e a brochura tocava meu coração.
4. ─
De que morrestes?
─ Morri de um derrame cerebral. Deram várias razões: era uma
efusão do cérebro. O tempo estava marcado e eu devia partir.
5. ─
Poderíeis descrever as sensações no momento da morte e depois do vosso despertamento?
─ A passagem da vida à morte é uma sensação dolorosa, mas
rápida. A gente pressente tudo quanto pode acontecer. Toda a vida se apresenta
espontaneamente, como numa miragem, e a gente tem vontade de retomar todo o
passado, a fim de purificar os maus dias, e esse pensamento nos acompanha na
transição espontânea da vida à morte, que não é mais do
que outra vida. Fica-se atordoado pela luz nova e eu fiquei numa
confusão de ideias muito singular. Eu não era um
Espírito perfeito. Não obstante, pude cair em mim
e dou graças a Deus por me haver esclarecido antes de morrer.
OBSERVAÇÃO: Este quadro da passagem da vida à morte tem
uma chocante analogia com o dado pelo Sr. Sanson. Notemos, entretanto, que não
se trata do mesmo médium.
6. ─
Vossa situação atual seria diversa se não tivésseis conhecido e aceitado as
ideias espíritas?
─ Sem dúvida, mas eu tinha uma natureza boa e franca e,
embora não seja muito adiantado, não é menos certo que Deus recompensa as boas
decisões, inclusive a última.
7. ─
É inútil perguntar-vos se... (O Espírito não deixa concluir a pergunta, que
seria: ...ides ver vossa esposa e vossa filha, mas não vos podeis fazer ouvir.
Quereis que lhes transmitamos algum recado?)
─ Sem dúvida, estou sempre perto dela. Encorajo-a a ter
paciência e lhe digo: Coragem, amiga! Enxugue as lágrimas e sorria a Deus, que
lhe dará forças. Pense que minha existência é um avanço, uma purificação, e que
necessito da ajuda de suas preces. Com todas as forças desejo uma encarnação
nova e, posto a separação terrena seja cruel, lembre-se de que a amo, que você
está só e necessita de boa saúde e de muita resignação para se manter. Mas eu
estarei ao seu lado para a encorajar, abençoar e amar.
8. ─
Temos certeza de que vossos camaradas do regimento ficariam felizes se
recebessem algumas palavras vossas. A esta pergunta junto outra, que talvez
caiba na vossa alocução. Até agora o Espiritismo quase não se propagou no
exército, a não ser entre os
oficiais. Pensais que seria útil o fosse
também entre os soldados? Qual seria o resultado?
─ É necessário que a cabeça se torne séria para que o corpo
a siga. Compreendo que os oficiais tenham primeiro aceitado essas soluções
filosóficas e sensatas, dadas pelo Livro
dos Espíritos. Por essas leituras o oficial compreende melhor o seu dever;
torna-se mais sério e menos sujeito a zombar da tranquilidade das famílias;
habitua-se à ordem no seu interior e comer e beber deixam de ser os principais
móveis de sua vida. Por eles, os suboficiais aprenderão e propagarão. Eles
conseguirão, se quiserem. Eu lhes digo: Avante!
Sempre avante! Este é um novo campo de batalha da Humanidade,
apenas sem feridas, sem metralha, mas em tudo a harmonia, o amor e o dever. E o
soldado será um homem liberal, no bom sentido. Ele terá a coragem e a boa
vontade que fazem do operário um bom cidadão, um homem de Deus.
Segui, portanto, o novo rumo! Sede apóstolos, conforme Deus,
e dirigi-vos ao infatigável propagador da Doutrina, o autor do livrinho que me
esclareceu.O soldado que se torna espírita é mais fácil de comandar,
mais submisso, mais disciplinado, porque a submissão lhe será um dever
sancionado pela razão, ao passo que, na maioria dos casos, não passa de
resultado do constrangimento.
Eles não mais se embrutecerão nos excessos que muito
frequentemente engendram as sedições e os levam a ignorar
a autoridade. Dá-se o mesmo com todos os subordinados, seja de que classe
forem: operários, empregados e outros. Eles desempenharão mais
conscienciosamente as suas tarefas quando se derem conta da causa que os
colocou em tal posição na Terra e da recompensa que espera os humildes na outra
vida.
Infelizmente muito poucos creem na outra vida, o que os leva
a dar tudo à vida presente. Se a incredulidade é uma chaga social, o é
sobretudo nas camadas inferiores da Sociedade, onde não há o contrapeso da
educação e o respeito à opinião.
Quando os que são chamados ao exercício da autoridade, seja
a que título for, compreenderem o que lucrarão por terem subordinados imbuídos
de ideias espíritas, farão todos os esforços possíveis para direcioná-los por esse caminho.
Mas, paciência! Isso virá.
LESPINASSE
Uma paixão de além-túmulo
Maximiliano V..., de doze anos, suicida-se por amor
Lê-se no Siècle de 13 de janeiro de 1862:
“Maximilien V..., rapazinho de doze anos, morava com os pais na Rua des Cordiers e estava empregado como aprendiz de tapeceiro. Ele tinha o hábito de ler romances seriados. Todos os momentos que podia subtrair ao trabalho dedicava-os à leitura, que lhe superexcitava a imaginação e lhe inspirava ideias acima de sua idade. Foi assim que ele imaginou sentir uma paixão por uma criatura que tinha ocasião de ver algumas vezes e que estava longe de pensar que tivesse inspirado tal sentimento. Desesperançoso de ver a realização dos sonhos produzidos pelas leituras, resolveu matar-se. Ontem, o porteiro da casa onde ele estagiava encontrou-o sem vida num quartinho no terceiro andar, onde trabalhava sozinho. Enforcara-se em uma corda que afixara numa viga, com um enorme prego.”
As circunstâncias dessa morte, em uma idade tão precoce, deram a pensar que a evocação desse menino poderia fornecer assunto para um ensino útil. Foi feita na sessão da Sociedade a 24 de janeiro último, pelo médium Sr. E. Vézy.
No caso, há um difícil problema de moral, quiçá impossível de resolver pelos argumentos da filosofia ordinária, e ainda menos pela filosofia materialista. Pensam que tudo está explicado dizendo que é uma criança precoce. Mas isto nada explica. É absolutamente como se se dissesse que é dia porque o sol saiu. De onde vem a precocidade? Por que certas crianças ultrapassam a idade normal para o desenvolvimento das paixões e da inteligência? Eis uma das dificuldades contra as quais esbarram todas as filosofias, porque suas soluções deixam sempre uma questão não resolvida e a gente sempre pode indagar por quê. Admita-se a existência da alma e o desenvolvimento anterior, e tudo se explica da maneira mais natural. Com esse princípio, remontais à causa e à fonte de tudo.
(Ao guia espiritual do médium): ─ Poderia dizer-nos se podemos evocar o Espírito do menino a que acabamos de nos referir? ─ Sim. Conduzi-lo-ei, porque ele está sofrendo. Que a sua aparição em vosso meio sirva de exemplo e seja uma lição.
“Maximilien V..., rapazinho de doze anos, morava com os pais na Rua des Cordiers e estava empregado como aprendiz de tapeceiro. Ele tinha o hábito de ler romances seriados. Todos os momentos que podia subtrair ao trabalho dedicava-os à leitura, que lhe superexcitava a imaginação e lhe inspirava ideias acima de sua idade. Foi assim que ele imaginou sentir uma paixão por uma criatura que tinha ocasião de ver algumas vezes e que estava longe de pensar que tivesse inspirado tal sentimento. Desesperançoso de ver a realização dos sonhos produzidos pelas leituras, resolveu matar-se. Ontem, o porteiro da casa onde ele estagiava encontrou-o sem vida num quartinho no terceiro andar, onde trabalhava sozinho. Enforcara-se em uma corda que afixara numa viga, com um enorme prego.”
As circunstâncias dessa morte, em uma idade tão precoce, deram a pensar que a evocação desse menino poderia fornecer assunto para um ensino útil. Foi feita na sessão da Sociedade a 24 de janeiro último, pelo médium Sr. E. Vézy.
No caso, há um difícil problema de moral, quiçá impossível de resolver pelos argumentos da filosofia ordinária, e ainda menos pela filosofia materialista. Pensam que tudo está explicado dizendo que é uma criança precoce. Mas isto nada explica. É absolutamente como se se dissesse que é dia porque o sol saiu. De onde vem a precocidade? Por que certas crianças ultrapassam a idade normal para o desenvolvimento das paixões e da inteligência? Eis uma das dificuldades contra as quais esbarram todas as filosofias, porque suas soluções deixam sempre uma questão não resolvida e a gente sempre pode indagar por quê. Admita-se a existência da alma e o desenvolvimento anterior, e tudo se explica da maneira mais natural. Com esse princípio, remontais à causa e à fonte de tudo.
(Ao guia espiritual do médium): ─ Poderia dizer-nos se podemos evocar o Espírito do menino a que acabamos de nos referir? ─ Sim. Conduzi-lo-ei, porque ele está sofrendo. Que a sua aparição em vosso meio sirva de exemplo e seja uma lição.
2. ─
(A Maximilien.) Você se dá conta de sua situação?
─ Não sei bem onde estou. Há alguma
coisa como se fosse um véu em minha frente. Falo, mas não sei como falo
e como me escutam.
Mas aquilo
que até há pouco ainda era obscuro, já posso ver. Eu estava
sofrendo, e neste instante me sinto aliviado.
3. ─
Você se lembra bem das circunstâncias de sua morte?
─ Elas me parecem muito
vagas. Eu sei que me suicidava sem motivo. Entretanto, como poeta numa outra
encarnação, eu tinha uma espécie de intuição de minha vida passada. Criava
sonhos e quimeras. Enfim, eu amava.
4. ─
Como foi possível chegar a tal extremo?
─ Acabo de responder.
5. ─
É singular que um menino de doze anos seja levado ao suicídio, sobretudo por um
motivo como esse que o arrastou.
─ Vocês são estranhos! Não
disse eu que era poeta numa outra encarnação e que minhas
faculdades tinham ficado mais amplas e desenvolvidas que nos outros? Oh! Na noite em que ainda me
encontro, vejo passar essa sílfide de meus sonhos na Terra, e esse é o castigo
que Deus me inflige, por vê-la bela e leviana
como sempre, passar à minha frente e eu, ébrio de loucura e de amor, quero me
atirar... mas, ah! É como se estivesse preso a um anel de ferro... Chamo... mas
em vão. Ela nem vira a cabeça... Oh! Como sofro então!
6. ─
Você pode descrever a sensação que experimentou quando se reconheceu no mundo
dos Espíritos?
─ Oh! Agora que estou em contato com vocês, sim. Meu corpo
lá estava, inerte e frio e eu planava em volta dele. Eu chorava lágrimas
quentes. Vocês se admiram das lágrimas de uma alma. Oh! Como são quentes e
escaldantes! Sim, eu chorava, porque acabava de reconhecer a enormidade de meu
erro e a grandeza de Deus!... Entretanto não tinha certeza de minha morte e
pensava que meus olhos se fossem abrir... Elvira! chamava eu... supondo
vê-la... Ah! É que eu a amo há muito tempo. Eu amá-la-ei sempre! Que importa se
tiver de sofrer por toda a eternidade, se puder um dia possuí-la noutras
encarnações?
7. ─
Que sensação você sente por estar aqui?
─ Faz-me bem e mal ao mesmo tempo. Bem, porque sei que
compartilham de meu sofrimento. Mal, porque apesar de toda a vontade que tenho
de agradá-los, aceitando as suas preces, não posso, porque então deveria seguir
outro caminho, diferente daquele de meus sonhos.
8. ─
O que podemos fazer que lhe seja útil?
─ Orar, porque a prece é o orvalho divino que refresca o
coração das nossas pobres almas em pena e em sofrimento. Orar. Entretanto,
parece que se vocês me arrancassem do coração o meu amor e o substituíssem pelo
amor divino, então!... Não sei... creio... Olhem! Neste instante eu choro...
Ah... Ah!... Orem por mim!
9. (Ao
guia do médium.) ─ Qual a punição para este Espírito por se haver suicidado? À
vista de sua idade, sua ação é tão culposa quanto a dos outros suicidas?
─ A punição será terrível porque ele
foi mais culpado que os outros. Ele já possuía grandes faculdades: a
força de amar a Deus de maneira poderosa e de fazer o bem. Se os suicidas sofrem longos castigos, Deus pune ainda
mais os que se matam com grandes ideias na mente e no coração.
10. ─ Dissestes que a punição de Maximilien será terrível. Poderíeis dizer-nos em que consistirá?
Parece que ela já começa. Ser-lhe-á reservado mais do que o que pressente?
─ Sem dúvida, pois ele sofre
um fogo que o consome e o devora e que não cessará senão pelos esforços da
prece e do arrependimento.
OBSERVAÇÃO: Ele sofre um fogo
que o consome e o devora. Não é a imagem do fogo do inferno, apresentado como
um fogo material?
11. ─ Há
possibilidade de ser atenuada a sua punição?
─ Sim, orando-se por ele, e sobretudo se
Maximilien se unir às vossas preces.
12. ─ O
objeto da paixão compartilha de seus sentimentos? Esses
dois seres estarão destinados a unir-se um dia? Quais as condições de
sua união e quais os obstáculos que agora a impedem?
─ Os poetas amam as mulheres na Terra? Eles o acreditam por
um dia, ou uma hora. O que eles amam é o ideal; é uma quimera criada por sua
imaginação ardente, amor que não pode ser satisfeito senão por Deus. Todos os
poetas têm uma ficção no coração: a beleza ideal que julgam ver passar na
Terra. Quando encontram uma linda criança que
não deverão possuir jamais, então dizem que a realidade tomou o lugar do sonho.
Mas, se caem na realidade, despencam das regiões
etéreas na matéria e não mais reconhecendo o ser com o qual sonhavam, criam
outras quimeras.
13. (A
Maximilien) ─ Desejamos ainda fazer outras perguntas, que talvez lhe deem
alívio. Em que época você viveu como poeta?
Você tinha um
nome conhecido?
─ No reinado de Luiz XV. Eu era pobre e desconhecido, e amava
uma mulher, um anjo que vi passar num parque, num dia de primavera. Desde então, só a revi em meus sonhos, e meus sonhos
prometiam que eu a possuiria um dia.
14. ─ O
nome Elvira nos parece muito romântico e nos leva a pensar que se trate de um
nome imaginário.
─ Sim, era uma mulher. Sei o seu nome porque um cavalheiro
que passava a seu lado a chamou Elvira. Ah! Era exatamente
a mulher que a minha imaginação havia sonhado. Eu a vejo ainda, sempre bela e
embriagadora. Ela é capaz de me fazer esquecer Deus para vê-la e segui-la.
15. ─
Você sofre e poderá sofrer ainda por muito tempo. De você depende abreviar os
tormentos.
─ Que me importa o
sofrimento? Vocês não sabem o que é um desejo insatisfeito! Meus desejos são carnais? Entretanto me queimam e as pulsações, ao
pensar nela, são mais fortes do que seriam se pensasse em Deus.
16. ─
Nós o lamentamos sinceramente. Para trabalhar por seu próprio adiantamento,
você deve tornar-se útil e pensar em Deus mais do que o faz. É necessário pedir
uma reencarnação visando apenas reparar os erros e a inutilidade das últimas
existências. Não lhe dizemos que deva esquecer Elvira, mas que pense um pouco menos exclusivamente nela e um pouco mais em Deus, que pode
abreviar os seus tormentos, se você fizer o que é necessário. Pela prece, nós o
auxiliaremos nos seus esforços.
─ Obrigado! Orem e tentem arrancar Elvira de meu coração.
Talvez um dia eu lhes agradeça.
Causas da incredulidade
Sr. Allan Kardec,
Li com muita desconfiança, direi mesmo com o sentimento de incredulidade, vossas primeiras publicações sobre o Espiritismo. Mais tarde as reli com enorme atenção, bem como as vossas outras publicações, à medida que apareciam.
Devo dizer sem preâmbulo que eu pertencia à escola materialista, porque de todas as seitas filosóficas ou religiosas era a mais tolerante e a única que não tomava armas para a defesa de um Deus que disse pela boca do Mestre: “Os homens provarão ser meus discípulos amando-se uns aos outros”. Depois, porque a maioria dos guias que tem a Sociedade para inculcar nos espíritos jovens as ideias de moral e de religião, pareciam mais determinados a lançar o pavor nas almas do que ensinar-lhes a bem se conduzirem e a esperar uma recompensa aos seus sacrifícios e uma compensação às suas aflições.
Assim, os materialistas de todas as épocas, e principalmente os filósofos do século passado, a maioria dos quais ilustram as Artes e as Ciências, aumentaram o número de seus prosélitos, à medida que a instrução emancipava as criaturas. Preferiu-se o nada aos suplícios eternos.
É natural que o infeliz compare. Se a comparação lhe for desvantajosa, ele duvidará de tudo. Com efeito, quando vemos o vício na opulência e a virtude na miséria, se não termos uma doutrina raciocinada e provada pelos fatos, o desespero apodera-se da alma, perguntamos o que é que se ganha em ser virtuoso, e atribuímos os escrúpulos da consciência aos preconceitos e aos erros de uma primeira educação.
Ignorando qual o uso que fareis desta carta, mas vos deixando, no caso, inteira liberdade, penso que não será inútil dar a conhecer as causas que operaram a minha conversão.
Eu tinha ouvido falar vagamente do magnetismo. Uns o consideravam coisa séria e real, outros o tratavam de tolice. Assim, não me detive no assunto.
Mais tarde ouvi falar por toda parte das mesas falantes e girantes, mas todos tratavam desse assunto com a mesma linguagem que usavam para o magnetismo, o que fez que também não me interessasse.
Contudo, uma circunstância inteiramente imprevista pôs à minha disposição o Traité de magnétisme et de somnambulisme[1] do Sr. Aubin Gauthier. Li essa obra com uma disposição de espírito continuamente rebelde ao seu conteúdo, tanto o que aí é explicado me parecia extraordinário e impossível. Chegado, porém, àquela página em que aquele homem honesto diz: “Não queremos que acreditem em nossa palavra. Experimentem, de acordo com os princípios que indicamos, e se constatarem que o que adiantamos é certo, tudo quanto pedimos é que ajam com boa-fé e que concordem”.
Essa linguagem de uma certeza racionada, só possível no homem prático, paralisou toda a minha efervescência, submeteu meu espírito à reflexão e o determinou a fazer as experiências. Inicialmente operei com um adolescente da minha família, de cerca de dezesseis anos, e tive resultados que ultrapassaram as esperanças. Será difícil dizer da perturbação que se operou em mim. Eu desconfiava de mim mesmo e me perguntava se não era vítima daquele menino que, havendo adivinhado as minhas intenções, fazia macaquices e simulações para me intrigar.
Para me certificar, tomei certas precauções indicadas e arranjei um magnetizador. Então tive certeza de que realmente o menino se achava sob influência magnética. Esse primeiro ensaio me deu tanta coragem que me entreguei a essa ciência, cujos fenômenos todos tive ocasião de observar, ao mesmo tempo que pude constatar a existência do agente invisível que os produzia.
Qual é esse agente? Quem o dirige? Qual a sua essência? Por que não é visível? São perguntas às quais não posso responder, mas que me levaram a ler o que foi escrito pró e contra as mesas falantes, porque, dizia eu de mim para mim, se um agente invisível podia produzir os efeitos de que eu era testemunha, outro agente, ou talvez o mesmo, poderia certamente produzir outros, de onde concluí que a coisa era possível. Hoje creio, embora nada tenha visto ainda.
Todas essas coisas, por seus efeitos, são tão surpreendentes quanto o Espiritismo, que os críticos aliás combateram muito fracamente e de maneira a não abalar qualquer convicção.
Mas, o que caracteriza diversamente dos efeitos materiais, são os efeitos morais. Para mim é evidente que todo homem que se ocupa disso honestamente, se for bom, tornar-se-á melhor; se for mau, forçosamente modificará o seu caráter.
Outrora a esperança não passava de uma corda em que se penduravam os infelizes. Com o Espiritismo, a esperança é um consolo, os sofrimentos uma expiação e o Espírito, em vez de se rebelar contra os decretos da Providência, suporta pacientemente suas misérias, não maldiz a Deus nem aos homens e marcha sempre para a perfeição. Se eu tivesse sido alimentado por essas ideias, certamente não teria passado pela escola do materialismo, de onde me sinto feliz por ter saído.
Vedes, senhor, que por mais rudes que tenham sido os combates em que me empenhei, minha conversão se operou, e vós sois um daqueles que para ela mais contribuíram. Registrai-a em vossas fichas, porque não será uma das menores. De agora em diante, contai-me no número dos vossos adeptos.
GAUZY
Antigo Oficial Rue Saint-Louis, 23, Batignolles - Paris
Li com muita desconfiança, direi mesmo com o sentimento de incredulidade, vossas primeiras publicações sobre o Espiritismo. Mais tarde as reli com enorme atenção, bem como as vossas outras publicações, à medida que apareciam.
Devo dizer sem preâmbulo que eu pertencia à escola materialista, porque de todas as seitas filosóficas ou religiosas era a mais tolerante e a única que não tomava armas para a defesa de um Deus que disse pela boca do Mestre: “Os homens provarão ser meus discípulos amando-se uns aos outros”. Depois, porque a maioria dos guias que tem a Sociedade para inculcar nos espíritos jovens as ideias de moral e de religião, pareciam mais determinados a lançar o pavor nas almas do que ensinar-lhes a bem se conduzirem e a esperar uma recompensa aos seus sacrifícios e uma compensação às suas aflições.
Assim, os materialistas de todas as épocas, e principalmente os filósofos do século passado, a maioria dos quais ilustram as Artes e as Ciências, aumentaram o número de seus prosélitos, à medida que a instrução emancipava as criaturas. Preferiu-se o nada aos suplícios eternos.
É natural que o infeliz compare. Se a comparação lhe for desvantajosa, ele duvidará de tudo. Com efeito, quando vemos o vício na opulência e a virtude na miséria, se não termos uma doutrina raciocinada e provada pelos fatos, o desespero apodera-se da alma, perguntamos o que é que se ganha em ser virtuoso, e atribuímos os escrúpulos da consciência aos preconceitos e aos erros de uma primeira educação.
Ignorando qual o uso que fareis desta carta, mas vos deixando, no caso, inteira liberdade, penso que não será inútil dar a conhecer as causas que operaram a minha conversão.
Eu tinha ouvido falar vagamente do magnetismo. Uns o consideravam coisa séria e real, outros o tratavam de tolice. Assim, não me detive no assunto.
Mais tarde ouvi falar por toda parte das mesas falantes e girantes, mas todos tratavam desse assunto com a mesma linguagem que usavam para o magnetismo, o que fez que também não me interessasse.
Contudo, uma circunstância inteiramente imprevista pôs à minha disposição o Traité de magnétisme et de somnambulisme[1] do Sr. Aubin Gauthier. Li essa obra com uma disposição de espírito continuamente rebelde ao seu conteúdo, tanto o que aí é explicado me parecia extraordinário e impossível. Chegado, porém, àquela página em que aquele homem honesto diz: “Não queremos que acreditem em nossa palavra. Experimentem, de acordo com os princípios que indicamos, e se constatarem que o que adiantamos é certo, tudo quanto pedimos é que ajam com boa-fé e que concordem”.
Essa linguagem de uma certeza racionada, só possível no homem prático, paralisou toda a minha efervescência, submeteu meu espírito à reflexão e o determinou a fazer as experiências. Inicialmente operei com um adolescente da minha família, de cerca de dezesseis anos, e tive resultados que ultrapassaram as esperanças. Será difícil dizer da perturbação que se operou em mim. Eu desconfiava de mim mesmo e me perguntava se não era vítima daquele menino que, havendo adivinhado as minhas intenções, fazia macaquices e simulações para me intrigar.
Para me certificar, tomei certas precauções indicadas e arranjei um magnetizador. Então tive certeza de que realmente o menino se achava sob influência magnética. Esse primeiro ensaio me deu tanta coragem que me entreguei a essa ciência, cujos fenômenos todos tive ocasião de observar, ao mesmo tempo que pude constatar a existência do agente invisível que os produzia.
Qual é esse agente? Quem o dirige? Qual a sua essência? Por que não é visível? São perguntas às quais não posso responder, mas que me levaram a ler o que foi escrito pró e contra as mesas falantes, porque, dizia eu de mim para mim, se um agente invisível podia produzir os efeitos de que eu era testemunha, outro agente, ou talvez o mesmo, poderia certamente produzir outros, de onde concluí que a coisa era possível. Hoje creio, embora nada tenha visto ainda.
Todas essas coisas, por seus efeitos, são tão surpreendentes quanto o Espiritismo, que os críticos aliás combateram muito fracamente e de maneira a não abalar qualquer convicção.
Mas, o que caracteriza diversamente dos efeitos materiais, são os efeitos morais. Para mim é evidente que todo homem que se ocupa disso honestamente, se for bom, tornar-se-á melhor; se for mau, forçosamente modificará o seu caráter.
Outrora a esperança não passava de uma corda em que se penduravam os infelizes. Com o Espiritismo, a esperança é um consolo, os sofrimentos uma expiação e o Espírito, em vez de se rebelar contra os decretos da Providência, suporta pacientemente suas misérias, não maldiz a Deus nem aos homens e marcha sempre para a perfeição. Se eu tivesse sido alimentado por essas ideias, certamente não teria passado pela escola do materialismo, de onde me sinto feliz por ter saído.
Vedes, senhor, que por mais rudes que tenham sido os combates em que me empenhei, minha conversão se operou, e vós sois um daqueles que para ela mais contribuíram. Registrai-a em vossas fichas, porque não será uma das menores. De agora em diante, contai-me no número dos vossos adeptos.
GAUZY
Antigo Oficial Rue Saint-Louis, 23, Batignolles - Paris
OBSERVAÇÃO: Essa conversão é mais um exemplo da causa mais freqüente da incredulidade. Enquanto forem dadas como verdades absolutas coisas que a razão repele, far-se-ão incrédulos e materialistas. Para fazer crer, é necessário fazer compreender. Nosso século assim o quer; e é preciso marchar com o século, se se não quiser sucumbir. Mas para fazer compreender é necessário que tudo seja lógico: princípios e conseqüências, O Sr. Gauzy proclama uma grande verdade quando diz que o homem prefere a idéia do nada, que põe fim aos sofrimentos, à perspectiva das torturas sem fim, às quais é tão difícil escapar. Assim, procura gozar o mais possível enquanto está na Terra. Perguntai a um homem que sofre o que é que prefere: morrer imediatamente ou viver na dor cinqüenta anos. Sua escolha não será duvidosa. Quem muito quer provar nada prova; à força de exagerar as penas acabou por gerar a descrença. Temos certeza de que muita gente concorda conosco, dizendo que a doutrina do diabo e das penas eternas fez o maior número dos materialistas; que a de um Deus que cria os seres para votar a imensa maioria deles a torturas sem esperança pei faltas passageiras, fez o maior número dos ateus.
[1] Tratado de magnetismo e de sonambulismo. Damos no texto o nome das obras no original sempre que as mesmas não foram traduzidas para a nossa língua. Nota do Tradutor.
[1] Tratado de magnetismo e de sonambulismo. Damos no texto o nome das obras no original sempre que as mesmas não foram traduzidas para a nossa língua. Nota do Tradutor.
Resposta de uma senhora a um padre sobre o Espiritismo
Comunicam-nos de Bordéus que um padre daquela cidade, a 8 de janeiro, escreveu a carta seguinte a uma senhora muito idosa e muito doente. Estamos formalmente autorizados a publicá-la, bem como a resposta que lhe foi dada.
“Senhora,
“Lamento que ontem não tivesse podido trocar ideias em particular sobre certas práticas religiosas contrárias ao ensino da santa Igreja. Falou-se muito disso em vossa família e mesmo num círculo. Eu me sentiria feliz, senhora, de saber que só tendes desprezo por essas superstições diabólicas e que estais sempre sinceramente ligada aos dogmas invariáveis da religião católica.
“Tenho a honra, etc.
X...”
Resposta,“Senhora,
“Lamento que ontem não tivesse podido trocar ideias em particular sobre certas práticas religiosas contrárias ao ensino da santa Igreja. Falou-se muito disso em vossa família e mesmo num círculo. Eu me sentiria feliz, senhora, de saber que só tendes desprezo por essas superstições diabólicas e que estais sempre sinceramente ligada aos dogmas invariáveis da religião católica.
“Tenho a honra, etc.
X...”
“Meu caro Sr. Vigário,
“Estando minha mãe muito doente para responder pessoalmente a vossa bondosa carta de 8 do corrente, apresso-me em fazê-lo por ela e de sua parte, a fim de tranquilizar a vossa solicitude quanto aos perigos que ela e sua família podem correr.
“Caro senhor, em minha casa não se faz nenhuma prática religiosa que possa inquietar os mais fervorosos católicos, a menos que o respeito e a fé pelos mortos, a fé na imortalidade da alma, uma confiança ilimitada no amor e na bondade de Deus e uma observância tão rígida quanto o permite a natureza humana das santas doutrinas do Cristo sejam práticas reprováveis pela santa Igreja Católica.
“Quanto ao que possam dizer de minha família, mesmo em um círculo, estou tranquila. Nem lá nem alhures jamais dirão que algum de nós tenha feito coisas das quais tenha que corar ou esconder-se, e eu não coro nem me oculto por admitir o desenvolvimento e a clareza que as manifestações espíritas espalham, para mim e para muitos outros, sobre aquilo que havia de obscuro do ponto de vista de minha inteligência, em tudo quanto parecia sair das leis da Natureza.
A essas superstições diabólicas eu devo a crença sincera, com reconhecimento, em todos os milagres que a Igreja nos dá como artigo de fé e que, até o presente, eu conservava como símbolos, ou antes, confesso-o, como fantasias. Devo-lhes uma quietude de alma que até agora não tinha obtido, por maiores que tivessem sido meus esforços. Devo-lhes a fé, a fé sem limites, sem reflexão, sem comentários, a fé, enfim, tal qual ordena a Igreja aos seus filhos, tal qual o Senhor deve exigir das criaturas, tal qual o divino Salvador pregou pela palavra e pelo exemplo.
“Tranquilizai-vos, pois, caríssimo senhor! O Bom Pastor reuniu em seu redor as ovelhas indiferentes, que o seguiam maquinalmente e por hábito, e que agora o seguem e o seguirão sempre com amor e reconhecimento. O divino Mestre perdoou a São Tomé por não haver acreditado antes de ver. Então! Ainda hoje ele vem fazer que os incrédulos toquem o seu lado e as suas mãos e é com um amor sem nome que os que duvidavam se aproximam para beijar os seus pés sangrentos e agradecer a esse pai bom e misericordioso por permitir que essas verdades imutáveis se tornem palpáveis, a fim de fortalecer os fracos e esclarecer os cegos que se recusavam até a ver a luz que brilha há tantos séculos.
“Permiti, agora, reabilitar a minha mãe aos olhos da santa Igreja. De toda a minha família, meu marido e eu somos os únicos que temos a felicidade de seguir essa via que cada um tem liberdade de julgar do seu ponto de vista. Apresso-me, pois, em vos tranquilizar a tal respeito.
“Quanto a mim, pessoalmente, encontrei muita força e consolo na certeza palpável de que aqueles que nós amamos e que choramos estão sempre perto de nós, pregando o amor de Deus acima de tudo, o amor ao próximo, a caridade sob todas assuas faces, a abnegação, o esquecimento das injúrias, o bem pelo mal (o que, parece, não se afasta dos dogmas da Igreja).
Aconteça o que acontecer aqui em baixo, apego-me àquilo que sei, ao que vi, pedindo a Deus que envie as suas consolações àqueles que, como eu, não ousavam refletir nos mistérios da religião, com receio de que essa pobre razão humana, que não quer admitir senão aquilo que compreende, destruísse as crenças que o hábito me dava um ar de possuir.
“Agradeço, pois, ao Senhor, cuja bondade e poder incontestáveis permitem aos anjos e aos santos agora se tornarem visíveis, para salvarem os homens da dúvida e da negação, o que tinha sido permitido ao demônio fazer para desviá-los do bom caminho, desde a criação do mundo.
“Tudo é possível a Deus, mesmo os milagres. Hoje eu o reconheço com felicidade e confiança.
“Aceitai, caro senhor vigário, meus sinceros agradecimentos pelo interesse que nos testemunhastes e crede que faço votos ardentes para ver entrar em todos os corações a fé e o amor que hoje tenho a felicidade de possuir.
“Recebei, etc.
“ÉMILIE COLLIGNON”
OBSERVAÇÃO: Dispensamo-nos de comentar essa carta, deixando a cada um a tarefa de apreciála. Apenas diremos que conhecemos um grande número delas, no mesmo sentido.
A passagem que se segue, de uma delas, pode resumi-las, se não quanto aos termos, ao menos quanto ao sentido:
“Posto nascida e batizada na religião Católica Apostólica Romana há trinta anos, isto é, desde a primeira comunhão, eu tinha esquecido minhas preces e o caminho da igreja. Numa palavra, não acreditava em nada senão na realidade da vida presente. Por uma graça do Céu, veio, enfim, o Espiritismo abrir-me os olhos. Hoje os fatos me falaram. Não só creio em Deus e na alma, mas na vida futura, feliz ou infeliz; creio num Deus justo e bom, que pune os maus atos e não as crenças erradas.
“Como um mudo que recupera a palavra, recordei-me de minhas preces e oro, não mais com os lábios e sem compreender, mas de coração, com inteligência, fé e amor. Ainda há pouco tempo eu admitia praticar um ato de fraqueza se me aproximasse dos sacramentos da Igreja. Hoje acredito praticar um ato de humildade agradável a Deus em recebê-los. Vós me repelis mesmo do tribunal da penitência.
Antes de mais nada impondes uma retratação formal de minhas crenças espíritas. Quereis que renuncie a conversar com o filho querido que perdi e que me veio dizer palavras tão doces e consoladoras. Quereis que eu declare que essa criança, que reconheci como se estivesse viva em minha frente, é o demônio. Não! Uma mãe não se engana tão grosseiramente.
“Mas, senhor vigário, são as próprias palavras dessa criança que, tendo-me convencido da vida futura, me reconduzem à igreja! Como quereis que eu creia que é o demônio? Se isso tivesse que ser a última palavra da Igreja, a gente perguntará o que acontecerá quando todo o mundo for espírita?
“Estigmatizastes-me do alto da cátedra; apontastes-me com o dedo; levantastes contra mim uma turba fanática; fizestes retirar de uma pobre mulher que compartilha de minhas crenças o trabalho que lhe permitia viver, dizendo que ela teria auxílio se deixasse de me ver, esperando vencê-la pela fome. Francamente, senhor vigário, Jesus Cristo teria feito isso?
“Dizeis agir conforme a vossa consciência. Não temeis que eu cometa uma violência, mas achais bom que eu aja conforme a minha.
“Repelis-me da Igreja. Não tentarei lá voltar à força, porque em toda parte a prece é agradável a Deus.
“Deixai-me apenas historiar as causas que, de há muito, dela me haviam afastado; que fizeram a princípio nascer em mim a dúvida e desta a negação de tudo.
Se agora sou maldita, como pretendeis, vereis a quem cabe a responsabilidade...”
----------------------------------------------------
OBSERVAÇÃO: As reflexões que brotam de semelhantes coisas resumem-se em duas palavras: Fatal imprudência! Fatal cegueira!
Passamos os olhos sobre um manuscrito intitulado “Memórias de um incrédulo”. É um curioso relato das causas que conduzem o homem às ideias materialistas e dos meios pelos quais ele pode ser reconduzido à fé. Ainda não sabemos se o autor irá publicá-lo.
“Estando minha mãe muito doente para responder pessoalmente a vossa bondosa carta de 8 do corrente, apresso-me em fazê-lo por ela e de sua parte, a fim de tranquilizar a vossa solicitude quanto aos perigos que ela e sua família podem correr.
“Caro senhor, em minha casa não se faz nenhuma prática religiosa que possa inquietar os mais fervorosos católicos, a menos que o respeito e a fé pelos mortos, a fé na imortalidade da alma, uma confiança ilimitada no amor e na bondade de Deus e uma observância tão rígida quanto o permite a natureza humana das santas doutrinas do Cristo sejam práticas reprováveis pela santa Igreja Católica.
“Quanto ao que possam dizer de minha família, mesmo em um círculo, estou tranquila. Nem lá nem alhures jamais dirão que algum de nós tenha feito coisas das quais tenha que corar ou esconder-se, e eu não coro nem me oculto por admitir o desenvolvimento e a clareza que as manifestações espíritas espalham, para mim e para muitos outros, sobre aquilo que havia de obscuro do ponto de vista de minha inteligência, em tudo quanto parecia sair das leis da Natureza.
A essas superstições diabólicas eu devo a crença sincera, com reconhecimento, em todos os milagres que a Igreja nos dá como artigo de fé e que, até o presente, eu conservava como símbolos, ou antes, confesso-o, como fantasias. Devo-lhes uma quietude de alma que até agora não tinha obtido, por maiores que tivessem sido meus esforços. Devo-lhes a fé, a fé sem limites, sem reflexão, sem comentários, a fé, enfim, tal qual ordena a Igreja aos seus filhos, tal qual o Senhor deve exigir das criaturas, tal qual o divino Salvador pregou pela palavra e pelo exemplo.
“Tranquilizai-vos, pois, caríssimo senhor! O Bom Pastor reuniu em seu redor as ovelhas indiferentes, que o seguiam maquinalmente e por hábito, e que agora o seguem e o seguirão sempre com amor e reconhecimento. O divino Mestre perdoou a São Tomé por não haver acreditado antes de ver. Então! Ainda hoje ele vem fazer que os incrédulos toquem o seu lado e as suas mãos e é com um amor sem nome que os que duvidavam se aproximam para beijar os seus pés sangrentos e agradecer a esse pai bom e misericordioso por permitir que essas verdades imutáveis se tornem palpáveis, a fim de fortalecer os fracos e esclarecer os cegos que se recusavam até a ver a luz que brilha há tantos séculos.
“Permiti, agora, reabilitar a minha mãe aos olhos da santa Igreja. De toda a minha família, meu marido e eu somos os únicos que temos a felicidade de seguir essa via que cada um tem liberdade de julgar do seu ponto de vista. Apresso-me, pois, em vos tranquilizar a tal respeito.
“Quanto a mim, pessoalmente, encontrei muita força e consolo na certeza palpável de que aqueles que nós amamos e que choramos estão sempre perto de nós, pregando o amor de Deus acima de tudo, o amor ao próximo, a caridade sob todas assuas faces, a abnegação, o esquecimento das injúrias, o bem pelo mal (o que, parece, não se afasta dos dogmas da Igreja).
Aconteça o que acontecer aqui em baixo, apego-me àquilo que sei, ao que vi, pedindo a Deus que envie as suas consolações àqueles que, como eu, não ousavam refletir nos mistérios da religião, com receio de que essa pobre razão humana, que não quer admitir senão aquilo que compreende, destruísse as crenças que o hábito me dava um ar de possuir.
“Agradeço, pois, ao Senhor, cuja bondade e poder incontestáveis permitem aos anjos e aos santos agora se tornarem visíveis, para salvarem os homens da dúvida e da negação, o que tinha sido permitido ao demônio fazer para desviá-los do bom caminho, desde a criação do mundo.
“Tudo é possível a Deus, mesmo os milagres. Hoje eu o reconheço com felicidade e confiança.
“Aceitai, caro senhor vigário, meus sinceros agradecimentos pelo interesse que nos testemunhastes e crede que faço votos ardentes para ver entrar em todos os corações a fé e o amor que hoje tenho a felicidade de possuir.
“Recebei, etc.
“ÉMILIE COLLIGNON”
OBSERVAÇÃO: Dispensamo-nos de comentar essa carta, deixando a cada um a tarefa de apreciála. Apenas diremos que conhecemos um grande número delas, no mesmo sentido.
A passagem que se segue, de uma delas, pode resumi-las, se não quanto aos termos, ao menos quanto ao sentido:
“Posto nascida e batizada na religião Católica Apostólica Romana há trinta anos, isto é, desde a primeira comunhão, eu tinha esquecido minhas preces e o caminho da igreja. Numa palavra, não acreditava em nada senão na realidade da vida presente. Por uma graça do Céu, veio, enfim, o Espiritismo abrir-me os olhos. Hoje os fatos me falaram. Não só creio em Deus e na alma, mas na vida futura, feliz ou infeliz; creio num Deus justo e bom, que pune os maus atos e não as crenças erradas.
“Como um mudo que recupera a palavra, recordei-me de minhas preces e oro, não mais com os lábios e sem compreender, mas de coração, com inteligência, fé e amor. Ainda há pouco tempo eu admitia praticar um ato de fraqueza se me aproximasse dos sacramentos da Igreja. Hoje acredito praticar um ato de humildade agradável a Deus em recebê-los. Vós me repelis mesmo do tribunal da penitência.
Antes de mais nada impondes uma retratação formal de minhas crenças espíritas. Quereis que renuncie a conversar com o filho querido que perdi e que me veio dizer palavras tão doces e consoladoras. Quereis que eu declare que essa criança, que reconheci como se estivesse viva em minha frente, é o demônio. Não! Uma mãe não se engana tão grosseiramente.
“Mas, senhor vigário, são as próprias palavras dessa criança que, tendo-me convencido da vida futura, me reconduzem à igreja! Como quereis que eu creia que é o demônio? Se isso tivesse que ser a última palavra da Igreja, a gente perguntará o que acontecerá quando todo o mundo for espírita?
“Estigmatizastes-me do alto da cátedra; apontastes-me com o dedo; levantastes contra mim uma turba fanática; fizestes retirar de uma pobre mulher que compartilha de minhas crenças o trabalho que lhe permitia viver, dizendo que ela teria auxílio se deixasse de me ver, esperando vencê-la pela fome. Francamente, senhor vigário, Jesus Cristo teria feito isso?
“Dizeis agir conforme a vossa consciência. Não temeis que eu cometa uma violência, mas achais bom que eu aja conforme a minha.
“Repelis-me da Igreja. Não tentarei lá voltar à força, porque em toda parte a prece é agradável a Deus.
“Deixai-me apenas historiar as causas que, de há muito, dela me haviam afastado; que fizeram a princípio nascer em mim a dúvida e desta a negação de tudo.
Se agora sou maldita, como pretendeis, vereis a quem cabe a responsabilidade...”
----------------------------------------------------
OBSERVAÇÃO: As reflexões que brotam de semelhantes coisas resumem-se em duas palavras: Fatal imprudência! Fatal cegueira!
Passamos os olhos sobre um manuscrito intitulado “Memórias de um incrédulo”. É um curioso relato das causas que conduzem o homem às ideias materialistas e dos meios pelos quais ele pode ser reconduzido à fé. Ainda não sabemos se o autor irá publicá-lo.
O padeiro desumano
Uma correspondência de Crefeld - Prússia Renana, de 25 de janeiro de 1862, e inserta em o Constitucionnel de 4 de fevereiro, contém o seguinte fato:
“Uma pobre viúva, mãe de três filhos, entra numa padaria e pede insistentemente que lhe vendam um pão fiado. O padeiro se recusa. A viúva reduz o pedido a meio pão e, por fim, a uma libra de pão, apenas para seus filhos famintos. O padeiro recusa ainda, deixa o lugar e vai para o fundo da padaria. Crendo não ser vista, a mulher toma um pão e sai. Mas o roubo, imediatamente descoberto, é denunciado à polícia.
“Um agente vai à casa da viúva e a surpreende cortando o pão em pedaços para os filhos. Ela não nega o roubo, mas se desculpa com a necessidade. Embora censurando a dureza do padeiro, o agente insiste para que ela o acompanhe até o comissário.
“A viúva pede apenas alguns instantes para trocar de roupa. Entra no quarto, mas demora bastante até que o agente, perdendo a paciência, resolve abrir a porta. A infeliz estava estirada no chão, coberta de sangue. Com a mesma faca com que cortava o pão para os filhos, tinha posto fim a seus dias.”
Tendo sido lida a notícia na sessão da Sociedade de 14 de fevereiro de 1862, foi proposta a evocação dessa infeliz, quando ela mesma veio manifestar-se espontaneamente, na comunicação que segue.
Acontece muitas vezes que assim se revelam Espíritos de quem falamos. É fora de dúvida que são atraídos pelo pensamento, o que é uma espécie de evocação tácita. Eles sabem que a gente se ocupa deles e vêm. Então se comunicam, se o momento é propício ou se acham um médium que lhes convém. De acordo com isso, compreende-se que não há necessidade de ser um médium, e nem mesmo de ser espírita, para atrair os Espíritos com os quais a gente se ocupa.
“Deus foi bom para a pobre alucinada e venho agradecer-vos a simpatia que tivestes a bondade de me testemunhar. Ah! Diante da miséria e da fome de meus pobres filhinhos, esqueci-me e fali. Então eu disse a mim mesma: Se és impotente para alimentar teus filhos e o padeiro recusa o pão aos que não podem pagar; se não tens dinheiro nem trabalho, morre! Se não estiveres mais com eles, alguém virá em seu auxílio.
“Com efeito, hoje a caridade pública adotou esses pobres órfãos. Deus me perdoou, porque viu a razão vacilar no meu atroz desespero. Fui a vítima inocente de uma Sociedade má, muito mal regulada. Ah! Agradecei a Deus por vos ter feito nascer neste belo país da França, onde a caridade vai descobrir e aliviar todas as misérias.
“Orai por mim, a fim de que possa em breve reparar a falta que cometi, não por covardia, mas por amor materno. Como os vossos Espíritos protetores são bons! Eles me consolam, me fortalecem, me encorajam dizendo que o meu sacrifício não foi desagradável ao grande Espírito que, sob os olhos e a mão de Deus, preside os destinos da Humanidade.”
A POBRE MARY (Médium: Sr. d’Ambel)
“Uma pobre viúva, mãe de três filhos, entra numa padaria e pede insistentemente que lhe vendam um pão fiado. O padeiro se recusa. A viúva reduz o pedido a meio pão e, por fim, a uma libra de pão, apenas para seus filhos famintos. O padeiro recusa ainda, deixa o lugar e vai para o fundo da padaria. Crendo não ser vista, a mulher toma um pão e sai. Mas o roubo, imediatamente descoberto, é denunciado à polícia.
“Um agente vai à casa da viúva e a surpreende cortando o pão em pedaços para os filhos. Ela não nega o roubo, mas se desculpa com a necessidade. Embora censurando a dureza do padeiro, o agente insiste para que ela o acompanhe até o comissário.
“A viúva pede apenas alguns instantes para trocar de roupa. Entra no quarto, mas demora bastante até que o agente, perdendo a paciência, resolve abrir a porta. A infeliz estava estirada no chão, coberta de sangue. Com a mesma faca com que cortava o pão para os filhos, tinha posto fim a seus dias.”
Tendo sido lida a notícia na sessão da Sociedade de 14 de fevereiro de 1862, foi proposta a evocação dessa infeliz, quando ela mesma veio manifestar-se espontaneamente, na comunicação que segue.
Acontece muitas vezes que assim se revelam Espíritos de quem falamos. É fora de dúvida que são atraídos pelo pensamento, o que é uma espécie de evocação tácita. Eles sabem que a gente se ocupa deles e vêm. Então se comunicam, se o momento é propício ou se acham um médium que lhes convém. De acordo com isso, compreende-se que não há necessidade de ser um médium, e nem mesmo de ser espírita, para atrair os Espíritos com os quais a gente se ocupa.
“Deus foi bom para a pobre alucinada e venho agradecer-vos a simpatia que tivestes a bondade de me testemunhar. Ah! Diante da miséria e da fome de meus pobres filhinhos, esqueci-me e fali. Então eu disse a mim mesma: Se és impotente para alimentar teus filhos e o padeiro recusa o pão aos que não podem pagar; se não tens dinheiro nem trabalho, morre! Se não estiveres mais com eles, alguém virá em seu auxílio.
“Com efeito, hoje a caridade pública adotou esses pobres órfãos. Deus me perdoou, porque viu a razão vacilar no meu atroz desespero. Fui a vítima inocente de uma Sociedade má, muito mal regulada. Ah! Agradecei a Deus por vos ter feito nascer neste belo país da França, onde a caridade vai descobrir e aliviar todas as misérias.
“Orai por mim, a fim de que possa em breve reparar a falta que cometi, não por covardia, mas por amor materno. Como os vossos Espíritos protetores são bons! Eles me consolam, me fortalecem, me encorajam dizendo que o meu sacrifício não foi desagradável ao grande Espírito que, sob os olhos e a mão de Deus, preside os destinos da Humanidade.”
A POBRE MARY (Médium: Sr. d’Ambel)
Em seguida à comunicação, o Espírito de Lamennais fez a seguinte apreciação sobre o fato:
“Essa infeliz mulher é uma das vítimas do vosso mundo, de vossas leis, de vossa sociedade. Deus julga as almas, mas também julga os tempos e as circunstâncias; julga as coisas forçadas e o desespero; julga o fundo e não a forma. E ouso afirmar: essa infeliz matou-se não por crime, mas por pudor, por medo da vergonha. E que onde a justiça humana é inexorável, julga e condena os fatos materiais, a justiça divina constata o fundo do coração e o estado de consciência. Seria desejável que em certas naturezas privilegiadas fosse desenvolvido um dom que seria muito útil, não para os tribunais, mas para o adiantamento de algumas pessoas: esse dom é uma espécie de sonambulismo do pensamento que descobre muitas vezes as coisas ocultas, mas que o homem habituado à corrente da vida negligencia e atenua por sua falta de fé. E certo que um médium desse gênero, examinando essa pobre mulher, teria dito: “Essa mulher é abençoada por Deus porque é infeliz e esse homem é amaldiçoado porque recusou o pão”. Ó Deus, quando, pois, todos os teus dons serão reconhecidos e postos em prática? Aos olhos de tua justiça, o que recusou o pão será punido, porque Cristo disse: “Aquele que dá pão a seu próximo, a mim o dá”.
LAMENNAIS (Médium: Sr. A. Didier)
“Essa infeliz mulher é uma das vítimas do vosso mundo, de vossas leis, de vossa sociedade. Deus julga as almas, mas também julga os tempos e as circunstâncias; julga as coisas forçadas e o desespero; julga o fundo e não a forma. E ouso afirmar: essa infeliz matou-se não por crime, mas por pudor, por medo da vergonha. E que onde a justiça humana é inexorável, julga e condena os fatos materiais, a justiça divina constata o fundo do coração e o estado de consciência. Seria desejável que em certas naturezas privilegiadas fosse desenvolvido um dom que seria muito útil, não para os tribunais, mas para o adiantamento de algumas pessoas: esse dom é uma espécie de sonambulismo do pensamento que descobre muitas vezes as coisas ocultas, mas que o homem habituado à corrente da vida negligencia e atenua por sua falta de fé. E certo que um médium desse gênero, examinando essa pobre mulher, teria dito: “Essa mulher é abençoada por Deus porque é infeliz e esse homem é amaldiçoado porque recusou o pão”. Ó Deus, quando, pois, todos os teus dons serão reconhecidos e postos em prática? Aos olhos de tua justiça, o que recusou o pão será punido, porque Cristo disse: “Aquele que dá pão a seu próximo, a mim o dá”.
LAMENNAIS (Médium: Sr. A. Didier)
Dissertações espíritas
Aos membros da sociedade de Paris que partem para a Rússia(Sociedade Espírita de Paris, abril de 1862 - Médium: Sr. E. vezy)
Ide e ensinai, disse o Senhor. É a vós, filhos da grande família que se forma, que me dirijo esta noite. Voltais à vossa pátria e às vossas famílias. No lar, não esqueçais que um outro pai, o Pai Celeste, quis comunicar-se e se vos dar a conhecer. Ide, e que, sobretudo, a semente sempre esteja pronta para ser lançada nas leiras que ides abrir nessa terra que não tem bastante rochas nas entranhas para não se abrir ao arado.
Vossa pátria é chamada a tornar-se grande e forte, não só pela Literatura, pela Ciência, pelo gênio e pelo número, mas ainda por seu amor e seu devotamento ao criador de todas as coisas.
Que a vossa caridade se torne, pois, larga e poderosa. Não receeis espalhar a mancheias em vosso derredor. Sabei que a caridade não se faz somente com a esmola, mas também com o coração!... O coração, eis a grande fonte do bem, a fonte dos eflúvios que se devem espargir e aquecer a vida dos que sofrem em redor de vós!...
Ide e pregai o Evangelho, novos apóstolos do Cristo.
Deus vos situou no alto, a fim de que todos vos possam ver e que vossas palavras sejam bem compreendidas.
Mas é sempre olhando o Céu e a Terra, isto é, Deus e a Humanidade, que atingireis o grande objetivo que vos propondes atingir e para o que nós vos ajudamos.
O campo é vasto. Ide, pois, e semeai, para que em breve possamos fazer a colheita.
Podeis anunciar por toda parte que em breve chegará o grande reino, reino de felicidade e satisfação para todos os que quiseram crer e amar, pois dele participarão.
Recebei, pois, antes de partir, o último conselho que vos damos sob este belo céu que todos amam, sob o céu da França! Recebei o último adeus dos amigos que continuarão a vos ajudar no duro caminho que lá ides percorrer. Entretanto, nossas mãos invisíveis vo-lo tornarão mais fácil, e se souberdes aí ter perseverança, vontade, coragem, vereis caírem os obstáculos à vossa frente.
Quando ouvirem de vossa boca estas palavras: “Todos os homens são irmãos e devem apoiar-se reciprocamente para marchar”, quanta admiração e quantas exclamações! Sorrirão ao verem que professais tal doutrina, e dirão baixinho: “Eles, os grandes, dizem coisas bonitas, mas não são marcos que indicam os caminhos que não percorrem?”
Mostrai. Mostrai-lhes então que o espírita, esse novo apóstolo do Cristo, não está no meio da estrada para indicar a direção, mas toma do machado e do cutelo e se atira às mais sombrias florestas para rasgar o caminho e desviar os espinhos dos passos dos que os seguem.
Sim, os novos discípulos do Cristo devem ser vigorosos; devem marchar com o passo firme e de mãos ativas. Não há barreiras à sua frente. Todas devem cair aos seus esforços e aos seus golpes. As densas florestas, as lianas e as sarças quebrar-se-ão para deixar que vejam um pedaço do céu!
Então aí estará o consolo e a felicidade.
Que recompensa a vossa! Os Espíritos bem-aventurados exclamarão: “Bravo! Bravo!”. Filhos, em breve sereis dos nossos e em breve vos chamaremos nossos irmãos, porque a tarefa que vos impusestes voluntariamente, soubestes desempenhála. Deus tem grandes recompensas para os que trabalham no seu campo. Ele dá a colheita a todos os que contribuem para a grande obra!
Ide, pois, em paz. Ide, que vos abençoamos. Que essa bênção vos dê a felicidade e vos encha de coragem. Não esqueçais nenhum dos vossos irmãos da grande sociedade da França. Todos fazem votos por vós e por vossa pátria, que o Espiritismo tornará poderosa e forte. Ide. Os bons Espíritos vos assistem!
SANTO AGOSTINHO
Vossa pátria é chamada a tornar-se grande e forte, não só pela Literatura, pela Ciência, pelo gênio e pelo número, mas ainda por seu amor e seu devotamento ao criador de todas as coisas.
Que a vossa caridade se torne, pois, larga e poderosa. Não receeis espalhar a mancheias em vosso derredor. Sabei que a caridade não se faz somente com a esmola, mas também com o coração!... O coração, eis a grande fonte do bem, a fonte dos eflúvios que se devem espargir e aquecer a vida dos que sofrem em redor de vós!...
Ide e pregai o Evangelho, novos apóstolos do Cristo.
Deus vos situou no alto, a fim de que todos vos possam ver e que vossas palavras sejam bem compreendidas.
Mas é sempre olhando o Céu e a Terra, isto é, Deus e a Humanidade, que atingireis o grande objetivo que vos propondes atingir e para o que nós vos ajudamos.
O campo é vasto. Ide, pois, e semeai, para que em breve possamos fazer a colheita.
Podeis anunciar por toda parte que em breve chegará o grande reino, reino de felicidade e satisfação para todos os que quiseram crer e amar, pois dele participarão.
Recebei, pois, antes de partir, o último conselho que vos damos sob este belo céu que todos amam, sob o céu da França! Recebei o último adeus dos amigos que continuarão a vos ajudar no duro caminho que lá ides percorrer. Entretanto, nossas mãos invisíveis vo-lo tornarão mais fácil, e se souberdes aí ter perseverança, vontade, coragem, vereis caírem os obstáculos à vossa frente.
Quando ouvirem de vossa boca estas palavras: “Todos os homens são irmãos e devem apoiar-se reciprocamente para marchar”, quanta admiração e quantas exclamações! Sorrirão ao verem que professais tal doutrina, e dirão baixinho: “Eles, os grandes, dizem coisas bonitas, mas não são marcos que indicam os caminhos que não percorrem?”
Mostrai. Mostrai-lhes então que o espírita, esse novo apóstolo do Cristo, não está no meio da estrada para indicar a direção, mas toma do machado e do cutelo e se atira às mais sombrias florestas para rasgar o caminho e desviar os espinhos dos passos dos que os seguem.
Sim, os novos discípulos do Cristo devem ser vigorosos; devem marchar com o passo firme e de mãos ativas. Não há barreiras à sua frente. Todas devem cair aos seus esforços e aos seus golpes. As densas florestas, as lianas e as sarças quebrar-se-ão para deixar que vejam um pedaço do céu!
Então aí estará o consolo e a felicidade.
Que recompensa a vossa! Os Espíritos bem-aventurados exclamarão: “Bravo! Bravo!”. Filhos, em breve sereis dos nossos e em breve vos chamaremos nossos irmãos, porque a tarefa que vos impusestes voluntariamente, soubestes desempenhála. Deus tem grandes recompensas para os que trabalham no seu campo. Ele dá a colheita a todos os que contribuem para a grande obra!
Ide, pois, em paz. Ide, que vos abençoamos. Que essa bênção vos dê a felicidade e vos encha de coragem. Não esqueçais nenhum dos vossos irmãos da grande sociedade da França. Todos fazem votos por vós e por vossa pátria, que o Espiritismo tornará poderosa e forte. Ide. Os bons Espíritos vos assistem!
SANTO AGOSTINHO
Relações amigas entre vivos e mortos
(Sociedade espírita de Argélia - Médium: Sr. B...)
P. ─ Por que, em nossas conversas com os Espíritos de pessoas que mais amamos, sentimos um embaraço, uma frieza mesmo, que jamais teríamos sentido quando vivos?
R. ─ Porque sois materiais e nós não mais o somos. Vou fazer uma comparação que, como todas as comparações, não será absolutamente exata, mas será o bastante para o que quero dizer.
Suponho que experimentes por uma mulher uma dessas paixões que só os romancistas imaginam entre vós e que considerais exageradas, enquanto que para nós parecem diferir pouco das que conhecemos pelo espaço infinito.
Continuo supondo. Depois de ter tido, por algum tempo, a felicidade inefável de falar diariamente com essa mulher e de contemplá-la à vontade, uma circunstância qualquer faz com que não mais possas vê-la e que te deves contentar apenas em ouvi-la. Crês que teu amor resistiria sem nenhum arrefecimento a uma situação desse gênero, prolongada indefinidamente? Confessa que ele sofreria qualquer modificação, ou aquilo que nós chamaríamos uma diminuição.
Vamos mais longe. Não só não podes mais ver essa bela amiga, mas não podes nem mesmo ouvi-la, porque ela foi sequestrada. Não deixam que te aproximes. Prolonga essa situação por alguns anos e verás o que acontece.
Agora, mais um passo. A mulher que amas está morta. Ela está, desde muito, enterrada nas trevas da sepultura. Nova mudança em ti. Não quero dizer que a paixão morreu com o seu objeto, mas sustento que pelo menos transformou-se. É de tal modo que se, por um favor do Céu, a mulher que tanto lamentas e por quem sempre choras viesse apresentar-se à tua frente, não na odiosa realidade de um esqueleto que repousa no cemitério, mas com a forma que tu amavas e adoravas até o êxtase, tens certeza de que o primeiro efeito da aparição imprevista não seria um sentimento de profundo terror?
Como vês, meu amigo, é que as paixões, as afeições vivas não são possíveis em toda a sua extensão senão entre criaturas da mesma natureza, entre mundanos e mundanos, entre Espíritos e Espíritos. Com isso não quero dizer que toda a afeição deva apagar-se com a morte. Quero dizer que ela muda de natureza e toma um outro caráter. Numa palavra, quero dizer que em vossa Terra conservais uma boa lembrança daqueles a quem amastes, mas que a matéria, em cujo meio viveis, não vos permite compreender nem praticar outra coisa senão amores materiais, e que um tal gênero de amor, naturalmente impossível entre vós e nós, vos torna tão canhestros e frios nas vossas relações conosco. Se queres convencer-te, relê algumas conversas espíritas entre parentes, amigos e conhecidos. Tu as julgarás de uma frieza que gelaria os habitantes dos pólos.
Não é por nossa vontade, nem nos entristecemos por isso, desde que sejamos suficientemente elevados na hierarquia dos Espíritos para o notar e compreender. Mas, naturalmente, isso não deixa de ter algumas influências sobre a maneira de ser para convosco.
Lembras-te da história de Hanifa que, podendo entrar em comunicação com a sua filha querida, que ela tanto chorara, faz-lhe esta primeira pergunta: “Há um tesouro oculto nesta casa?” Que bela mistificação recebeu! Essa não foi roubada.
Meu amigo! Penso ter dito o bastante para que bem sintas a causa do mal-estar que necessariamente existe entre vós e nós. Eu poderia ter dito mais. Poderia ter dito, por exemplo, que vemos todas as vossas imperfeições e impurezas do corpo e da alma e que, do vosso lado, tendes a consciência de que o vemos. Confessa que é embaraçoso para ambos os lados. Coloca dois amantes apaixonadíssimos nessa caixa de vidro onde tudo aparece, tanto no moral como no físico, e imagina o que acontecerá.
Quanto a nós, animados por um sentimento de caridade que não podeis compreender, somos, em relação a vós, como a boa mãe a quem as enfermidades e as sujeiras do filho chorão, que lhe tira o sono, não fazem esquecer, nem por um instante, os sublimes instintos da maternidade. Nós vos vemos fracos, feios e maus, contudo, nós vos amamos, porque tratamos de vos melhorar. Entretanto, vós não nos fazeis justiça, temendo-nos mais do que nos amando.
DÉSIRÉ LÉGLISE
(Poeta argelino falecido em 1851)
R. ─ Porque sois materiais e nós não mais o somos. Vou fazer uma comparação que, como todas as comparações, não será absolutamente exata, mas será o bastante para o que quero dizer.
Suponho que experimentes por uma mulher uma dessas paixões que só os romancistas imaginam entre vós e que considerais exageradas, enquanto que para nós parecem diferir pouco das que conhecemos pelo espaço infinito.
Continuo supondo. Depois de ter tido, por algum tempo, a felicidade inefável de falar diariamente com essa mulher e de contemplá-la à vontade, uma circunstância qualquer faz com que não mais possas vê-la e que te deves contentar apenas em ouvi-la. Crês que teu amor resistiria sem nenhum arrefecimento a uma situação desse gênero, prolongada indefinidamente? Confessa que ele sofreria qualquer modificação, ou aquilo que nós chamaríamos uma diminuição.
Vamos mais longe. Não só não podes mais ver essa bela amiga, mas não podes nem mesmo ouvi-la, porque ela foi sequestrada. Não deixam que te aproximes. Prolonga essa situação por alguns anos e verás o que acontece.
Agora, mais um passo. A mulher que amas está morta. Ela está, desde muito, enterrada nas trevas da sepultura. Nova mudança em ti. Não quero dizer que a paixão morreu com o seu objeto, mas sustento que pelo menos transformou-se. É de tal modo que se, por um favor do Céu, a mulher que tanto lamentas e por quem sempre choras viesse apresentar-se à tua frente, não na odiosa realidade de um esqueleto que repousa no cemitério, mas com a forma que tu amavas e adoravas até o êxtase, tens certeza de que o primeiro efeito da aparição imprevista não seria um sentimento de profundo terror?
Como vês, meu amigo, é que as paixões, as afeições vivas não são possíveis em toda a sua extensão senão entre criaturas da mesma natureza, entre mundanos e mundanos, entre Espíritos e Espíritos. Com isso não quero dizer que toda a afeição deva apagar-se com a morte. Quero dizer que ela muda de natureza e toma um outro caráter. Numa palavra, quero dizer que em vossa Terra conservais uma boa lembrança daqueles a quem amastes, mas que a matéria, em cujo meio viveis, não vos permite compreender nem praticar outra coisa senão amores materiais, e que um tal gênero de amor, naturalmente impossível entre vós e nós, vos torna tão canhestros e frios nas vossas relações conosco. Se queres convencer-te, relê algumas conversas espíritas entre parentes, amigos e conhecidos. Tu as julgarás de uma frieza que gelaria os habitantes dos pólos.
Não é por nossa vontade, nem nos entristecemos por isso, desde que sejamos suficientemente elevados na hierarquia dos Espíritos para o notar e compreender. Mas, naturalmente, isso não deixa de ter algumas influências sobre a maneira de ser para convosco.
Lembras-te da história de Hanifa que, podendo entrar em comunicação com a sua filha querida, que ela tanto chorara, faz-lhe esta primeira pergunta: “Há um tesouro oculto nesta casa?” Que bela mistificação recebeu! Essa não foi roubada.
Meu amigo! Penso ter dito o bastante para que bem sintas a causa do mal-estar que necessariamente existe entre vós e nós. Eu poderia ter dito mais. Poderia ter dito, por exemplo, que vemos todas as vossas imperfeições e impurezas do corpo e da alma e que, do vosso lado, tendes a consciência de que o vemos. Confessa que é embaraçoso para ambos os lados. Coloca dois amantes apaixonadíssimos nessa caixa de vidro onde tudo aparece, tanto no moral como no físico, e imagina o que acontecerá.
Quanto a nós, animados por um sentimento de caridade que não podeis compreender, somos, em relação a vós, como a boa mãe a quem as enfermidades e as sujeiras do filho chorão, que lhe tira o sono, não fazem esquecer, nem por um instante, os sublimes instintos da maternidade. Nós vos vemos fracos, feios e maus, contudo, nós vos amamos, porque tratamos de vos melhorar. Entretanto, vós não nos fazeis justiça, temendo-nos mais do que nos amando.
DÉSIRÉ LÉGLISE
(Poeta argelino falecido em 1851)
As duas lágrimas
(Sociedade espírita de Lyon; grupo Villon - Médium: Sra. Boulland)
Um Espírito era forçado a deixar a Terra, que não teria podido visitar, porque vinha de uma região muito inferior. Entretanto, ele havia pedido para sofrer uma prova, e Deus não lha tinha recusado. Ora! A esperança que tinha alimentado ao entrar no mundo terreno não se havia realizado e sua natureza bruta, passando a dominar cada um de seus dias, havia sido marcada por faltas sempre maiores.
Durante muito tempo, todos os Espíritos guias dos homens tinham tentado desviá-lo do caminho que trilhava, mas, cansados de lutar, haviam abandonado esse infeliz a si mesmo, quase temerosos de seu contato.
No entanto, tudo tem um fim. Mais cedo ou mais tarde o crime se descobre e a justiça repressiva dos homens impõe ao culpado a pena de talião. Dessa vez não foi cabeça por cabeça. Foi cabeça por cem. Ontem esse Espírito, depois ter ficado meio século na Terra, ia voltar ao espaço para ser julgado pelo Supremo Juiz, que pesa as faltas muito mais inexoravelmente do que o faríeis vós mesmos.
Em vão os Espíritos guardiães tinham voltado com a condenação e tentado introduzir o arrependimento nessa alma rebelde. Em vão dele tinham aproximado os Espíritos de toda a família. Cada um desejaria arrancar-lhe um suspiro de pesar, ou ao menos um sinal. Aproximava-se o momento fatal e nada emocionava essa alma de bronze e, por assim dizer, bestial.
Entretanto um único pesar, antes de deixar a vida, poderia ter dulcificado os sofrimentos do infeliz, condenado pelos homens a perder a vida, e por Deus aos incessantes remorsos, a horrível tortura semelhante ao abutre a roer o coração que se restaura sem cessar.
Enquanto os Espíritos trabalhavam sem descanso para nele fazer renascer ao menos o pensamento de arrependimento, um outro Espírito, Espírito encantador, dotado de uma sensibilidade e de uma ternura sublimes, voava em redor de uma cabeça muito querida, cabeça ainda viva, e lhe dizia: “Pensa nesse infeliz que vai morrer e fala-me dele”.
Quando a caridade é simpática; quando dois Espíritos se entendem como se fossem apenas um, o pensamento como que se carrega de eletricidade. Logo em seguida o Espírito encarnado disse a esse mensageiro do amor: “Meu filho, procura inspirar um pouco de remorso a esse miserável que vai morrer. Vai e consola-o”.
Pensando nisso, ao compreender tudo o que esse infeliz criminoso ia ter de suportar em sofrimentos para sua expiação, uma lágrima furtiva escapou-se dos olhos daquele que só, nessa hora matinal, levantava-se pensando naquele ser impuro que dentro de instantes deveria prestar contas.
O suave mensageiro recolheu essa lágrima benfazeja na concha da mão minúscula e, em voo rápido, a levou ao tabernáculo onde se guardam essas relíquias, e assim fez a sua prece.
─ Senhor, um ímpio vai morrer. Vós o condenastes, mas dissestes: “Eu perdoo quando há remorso e concedo indulgência quando há arrependimento”. Eis uma lágrima de verdadeira caridade, que extravasou do coração para os olhos do ser que mais amo na Terra. Eu vos trago esta lágrima. É o resgate do sofrimento. Dai-me o poder de enternecer o coração de rocha do Espírito que vai expiar os seus crimes.
─ Vai, respondeu-lhe o Mestre. Vai, meu filho. Essa lágrima bendita pode pagar muitos resgates.
A suave criança partiu e chegou junto do criminoso no momento do suplício. O que ela lhe disse só Deus o sabe; o que se passou naquele ser transviado ninguém compreendeu, mas, abrindo os olhos à luz, ele viu desdobrar-se à sua frente um passado horroroso. Ele, a quem o instrumento fatal não abalava, a quem a condenação à morte tinha feito sorrir, ergueu os olhos e uma grossa lágrima causticante como o chumbo fundido caiu de seus olhos.
A essa prova muda que lhe testemunhava que sua prece tinha sido ouvida, o anjo da caridade estendeu sobre o infeliz as suas brancas asas, recolheu aquela lágrima e parecia dizer: “Infeliz! Sofrerás menos. Eu levo a tua redenção!”
Que contraste pode inspirar a caridade do Criador! O mais impuro dos seres, nos últimos degraus da escada, e o anjo mais casto prestes a entrar no mundo dos eleitos, a um sinal vem estender a sua proteção visível sobre esse pária da Sociedade.
Do alto de seu poderoso tribunal, Deus abençoava essa cena tocante e nós todos dizíamos, rodeando a criança: “Vai receber a tua recompensa.”
A suave mensageira subiu aos Céus, com a lágrima escaldante nas mãos e pôde dizer:
─ Senhor, ele chorou. Eis aqui a prova!
─ Está bem, respondeu o Senhor. Conservai essa primeira gota de orvalho do coração endurecido. Que essa lágrima fecunda vá regar esse Espírito ressequido pelo mal. Mas guardai sobretudo a primeira lágrima que essa criança me trouxe, e que essa gota d’água se torne diamante puro, porque ela é a pérola sem mancha da verdadeira caridade. Contai esse exemplo aos povos e dizei-lhes, solidários uns com os outros: “Olhai e vede! Eis aqui uma lágrima de amor pela Humanidade, e uma lágrima de remorso obtida pela prece. Estas duas lágrimas serão as pedras mais preciosas do vasto escrínio da caridade”.
CÁRITA
Durante muito tempo, todos os Espíritos guias dos homens tinham tentado desviá-lo do caminho que trilhava, mas, cansados de lutar, haviam abandonado esse infeliz a si mesmo, quase temerosos de seu contato.
No entanto, tudo tem um fim. Mais cedo ou mais tarde o crime se descobre e a justiça repressiva dos homens impõe ao culpado a pena de talião. Dessa vez não foi cabeça por cabeça. Foi cabeça por cem. Ontem esse Espírito, depois ter ficado meio século na Terra, ia voltar ao espaço para ser julgado pelo Supremo Juiz, que pesa as faltas muito mais inexoravelmente do que o faríeis vós mesmos.
Em vão os Espíritos guardiães tinham voltado com a condenação e tentado introduzir o arrependimento nessa alma rebelde. Em vão dele tinham aproximado os Espíritos de toda a família. Cada um desejaria arrancar-lhe um suspiro de pesar, ou ao menos um sinal. Aproximava-se o momento fatal e nada emocionava essa alma de bronze e, por assim dizer, bestial.
Entretanto um único pesar, antes de deixar a vida, poderia ter dulcificado os sofrimentos do infeliz, condenado pelos homens a perder a vida, e por Deus aos incessantes remorsos, a horrível tortura semelhante ao abutre a roer o coração que se restaura sem cessar.
Enquanto os Espíritos trabalhavam sem descanso para nele fazer renascer ao menos o pensamento de arrependimento, um outro Espírito, Espírito encantador, dotado de uma sensibilidade e de uma ternura sublimes, voava em redor de uma cabeça muito querida, cabeça ainda viva, e lhe dizia: “Pensa nesse infeliz que vai morrer e fala-me dele”.
Quando a caridade é simpática; quando dois Espíritos se entendem como se fossem apenas um, o pensamento como que se carrega de eletricidade. Logo em seguida o Espírito encarnado disse a esse mensageiro do amor: “Meu filho, procura inspirar um pouco de remorso a esse miserável que vai morrer. Vai e consola-o”.
Pensando nisso, ao compreender tudo o que esse infeliz criminoso ia ter de suportar em sofrimentos para sua expiação, uma lágrima furtiva escapou-se dos olhos daquele que só, nessa hora matinal, levantava-se pensando naquele ser impuro que dentro de instantes deveria prestar contas.
O suave mensageiro recolheu essa lágrima benfazeja na concha da mão minúscula e, em voo rápido, a levou ao tabernáculo onde se guardam essas relíquias, e assim fez a sua prece.
─ Senhor, um ímpio vai morrer. Vós o condenastes, mas dissestes: “Eu perdoo quando há remorso e concedo indulgência quando há arrependimento”. Eis uma lágrima de verdadeira caridade, que extravasou do coração para os olhos do ser que mais amo na Terra. Eu vos trago esta lágrima. É o resgate do sofrimento. Dai-me o poder de enternecer o coração de rocha do Espírito que vai expiar os seus crimes.
─ Vai, respondeu-lhe o Mestre. Vai, meu filho. Essa lágrima bendita pode pagar muitos resgates.
A suave criança partiu e chegou junto do criminoso no momento do suplício. O que ela lhe disse só Deus o sabe; o que se passou naquele ser transviado ninguém compreendeu, mas, abrindo os olhos à luz, ele viu desdobrar-se à sua frente um passado horroroso. Ele, a quem o instrumento fatal não abalava, a quem a condenação à morte tinha feito sorrir, ergueu os olhos e uma grossa lágrima causticante como o chumbo fundido caiu de seus olhos.
A essa prova muda que lhe testemunhava que sua prece tinha sido ouvida, o anjo da caridade estendeu sobre o infeliz as suas brancas asas, recolheu aquela lágrima e parecia dizer: “Infeliz! Sofrerás menos. Eu levo a tua redenção!”
Que contraste pode inspirar a caridade do Criador! O mais impuro dos seres, nos últimos degraus da escada, e o anjo mais casto prestes a entrar no mundo dos eleitos, a um sinal vem estender a sua proteção visível sobre esse pária da Sociedade.
Do alto de seu poderoso tribunal, Deus abençoava essa cena tocante e nós todos dizíamos, rodeando a criança: “Vai receber a tua recompensa.”
A suave mensageira subiu aos Céus, com a lágrima escaldante nas mãos e pôde dizer:
─ Senhor, ele chorou. Eis aqui a prova!
─ Está bem, respondeu o Senhor. Conservai essa primeira gota de orvalho do coração endurecido. Que essa lágrima fecunda vá regar esse Espírito ressequido pelo mal. Mas guardai sobretudo a primeira lágrima que essa criança me trouxe, e que essa gota d’água se torne diamante puro, porque ela é a pérola sem mancha da verdadeira caridade. Contai esse exemplo aos povos e dizei-lhes, solidários uns com os outros: “Olhai e vede! Eis aqui uma lágrima de amor pela Humanidade, e uma lágrima de remorso obtida pela prece. Estas duas lágrimas serão as pedras mais preciosas do vasto escrínio da caridade”.
CÁRITA
Os dois Voltaires
(Sociedade espírita de Paris, Faucherand - Médium: Sr. E. Vézy)
Sou eu mesmo, mas não aquele Espírito trocista e cáustico de outrora. O reizinho do século dezoito, que dominava pelo pensamento e pelo gênio a tantos soberanos, hoje não mais tem nos lábios aquele sorriso mordaz, que fazia tremer os inimigos e os próprios amigos! Meu cinismo desapareceu diante da revelação das grandes coisas que eu tinha pretensão de saber, mas que só conheci no além-túmulo!
Pobres cérebros demasiado estreitos para conterem tantas maravilhas! Humanos, calai-vos e humilhai-vos ante o poder supremo! Admirai e contemplai! É o que podeis fazer. Como quereis aprofundar Deus e o seu grande trabalho? Apesar de todos os seus recursos, a vossa razão não se quebra diante do átomo e do grão de areia que ela não pode definir?
Eu empreguei a minha vida a procurar e conhecer Deus e seu princípio. Minha razão se enfraqueceu e eu cheguei ao ponto não de negar Deus, mas a sua glória, o seu poder e a sua grandeza. Eu o explicava desenvolvendo-se no tempo. Uma intuição celeste me dizia que rejeitasse tal erro, mas eu não escutava e me fiz apóstolo de uma doutrina mentirosa... Sabeis por quê? Porque, no tumulto e na confusão de meus pensamentos, num entrechoque incessante, eu só via uma coisa: meu nome gravado no frontão do templo da memória das nações! Eu só via a glória que me prometia essa juventude universal que me cercava e parecia saborear com suave delícia a essência da doutrina que eu lhe ensinava.
Entretanto, empurrado não sei por qual remorso de minha consciência, quis parar, mas era tarde. Como toda utopia, todo sistema que abraçamos nos arrasta. A princípio segue a torrente, depois nos arrasta e nos quebra, tão rápida e violenta é por vezes a sua queda.
Crede-me, vós que aqui estais à procura da verdade, encontrá-la-eis quando tiverdes tirado de vosso coração o amor às lantejoulas, que um tolo amor-próprio e um tolo orgulho fazem brilhar aos vossos olhos.
Na nova via por onde marchais, não temais combater o erro e desafiá-lo, quando se erguer à vossa frente. Não é uma monstruosidade preconizarmos uma mentira, contra a qual ninguém ousa defender-se, pelo fato de saber-se que fizemos discípulos que ultrapassaram as nossas crenças?
Vedes, meus amigos, que o Voltaire de hoje não é mais aquele do século dezoito. Eu sou mais cristão, porque aqui venho fazer-vos esquecer a minha glória e vos lembrar o que eu fui na juventude e o que eu amava em minha infância.
Oh! Como eu gostava de me perder no mundo dos pensamentos! Minha imaginação ardente e viva percorria os vales da Ásia em busca daquele que chamais Redentor... Eu gostava de percorrer os caminhos que ele tinha percorrido. E como me parecia grande e sublime esse Cristo em meio à multidão! Eu acreditava ouvir a sua voz poderosa, instruindo os povos da Galileia, das bordas do Tiberíades e da Judeia!...
Mais tarde, nas minhas noites de insônia, quantas vezes me ergui para abrir uma velha Bíblia e reler suas páginas santas! Então minha fronte se inclinava diante da cruz, esse sinal eterno da redenção, que une a Terra ao Céu, a criatura ao Criador!... Quantas vezes admirei esse poder de Deus, subdividindo-se, por assim dizer, e cuja centelha se encarna para fazer-se tão pequena, vindo entregar a alma no Calvário, em expiação!...vítima augusta cuja divindade eu negava, e que, entretanto, me fez dizer:
Teu Deus que tu traíste,
Teu Deus que tu blasfemas; Para ti, para o Universo, Morreu nesses lugares!
Sofro, mas expio a resistência que opunha a Deus. Eu tinha a missão de instruir e esclarecer. A princípio o fiz, mas o meu facho se extinguiu nas minhas mãos, na hora marcada para a luz.
Felizes filhos do século dezenove e do século vinte, a vós é que é dado ver luzir o facho da verdade. Fazei que vossos olhos vejam bem a sua luz, porque para vós ela terá radiações celestes, e sua claridade será divina!
VOLTAIRE
Filhos, deixei que em meu lugar falasse um dos vossos grandes filósofos, principal arquiteto do erro. Quis que ele viesse dizer-vos onde está a luz. Que vos parece? Todos virão repetir-vos: “Não há sabedoria sem amor nem caridade”. Dizei-me, que doutrina será mais suave para ensinar que o Espiritismo? Nunca seria demasiado repetir-vos que o amor e a caridade são as duas virtudes supremas que unem, como diz Voltaire, a criatura ao Criador. Oh! Que mistério e que laço sublime! Ínfimo verme da Terra, que pode tornar-se tão poderoso que a sua glória atingirá o trono do Eterno!...
SANTO AGOSTINHO