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Setembro
Inauguração de um grupo espírita em BordeauxDISCURSO DE ABERTURA
A despeito de certa má vontade, multiplicam-se diariamente os grupos espíritas. Consideramos um dever e um prazer apresentar aos nossos numerosos leitores o discurso inaugural de um deles, feito pelo seu fundador, Sr. Condat, a 20 de março de 1862.
A maneira pela qual a séria questão do Espiritismo nele é encarada prova quanto agora são compreendidos o seu objetivo e o seu verdadeiro alcance social. Sentimo-nos feliz em dizer que tal sentimento é hoje geral, porque em toda parte a curiosidade é substituída pelo desejo de instrução e de melhora. Foi o que constatamos nas visitas a várias cidades de província.
Vimo-los consagrar-se a comunicações instrutivas e apreciarem seu valor, os médiuns que as recebem. É um fato característico na história do estabelecimento do Espiritismo. Desconhecemos o grupo ao qual nos referimos, mas julgamos suas tendências pelo discurso inaugural. O orador não teria tido essa linguagem ante um auditório leviano e superficial, reunido para se distrair. São as reuniões sérias que dão uma ideia séria do Espiritismo, por isso nunca seria demais encorajar a sua multiplicação.
Senhoras e Senhores.
Pedindo recebais os meus agradecimentos pela benevolente acolhida ao meu convite, permiti-me que vos dirija algumas palavras sobre o motivo de nossa reunião. Em falta de talento, espero encontreis a convicção de um homem profundamente dedicado ao progresso da Humanidade.
Muitas vezes o viajor intrépido, aspirando atingir o pico da montanha, encontra o estreito caminho obstruído por uma rocha; outras vezes, também, no curso das idades, a Humanidade que tende a aproximar-se de Deus, encontra o seu obstáculo: seu rochedo é o materialismo. Ela estaciona por algum tempo, talvez séculos, mas a força invencível a que obedece, agindo na proporção da resistência, triunfa do obstáculo e a Humanidade, sempre solicitada a marchar avante, retoma a caminhada com impulso maior.
Assim, senhores, não nos admiremos quando se manifesta uma dessas grandes ideias que melhor denunciam a origem celeste do homem; quando se produz um desses fatos prodigiosos que vêm perturbar os cálculos restritos e as observações limitadas da ciência materialista. Não nos espantemos, e sobretudo não nos deixemos desencorajar pelas resistências que se opõem a tudo quanto pode servir para demonstrar que o homem não é apenas um pouco de barro, cujos elementos, após a morte, voltarão à Terra.
Antes constatemos, e o constatemos com alegria, nós, os adeptos do Espiritismo, nós, os filhos do século dezenove, filhos de um século que foi a manifestação mais completa, por assim dizer a encarnação do ceticismo e de suas desencorajadoras consequências; constatemos que a Humanidade está em marcha!
Vede o progresso que aqui faz o Espiritismo, nesta cidade grande, bela e inteligente. Vede como por toda parte a dúvida se apaga às claridades da ciência nova.
Contemos, senhores, e confessemos com sinceridade, quantos de nós ainda ontem com um sorriso de incredulidade nos lábios, estamos hoje com o pé na estrada e o coração resolvido a não recuar. Isto é compreensível, pois estamos na corrente e ela nos arrasta.
Que é, então, essa doutrina, senhores? Aonde nos conduz?
Despertar a coragem do homem, ampará-lo nos desfalecimentos, fortificá-lo contra as vicissitudes da vida, reanimar a sua fé, provar-lhe a imortalidade da alma, não só por demonstração, mas pelos fatos, eis a doutrina e aonde ela conduz!
Que outra doutrina produzirá sobre o moral e sobre o intelecto melhores resultados? Será a negação de uma vida futura que lhe poderão opor como preferível, no interesse da Humanidade inteira e para a perfeição moral e intelectual de cada um individualmente?
Tomando por princípio as palavras seguintes, que resumem todo o materialismo: “Tudo acaba quando se abre um túmulo”, que é o que se consegue produzir senão o nada?
Experimento uma penosa sensação, uma espécie de pudor por haver feito um paralelo entre esses dois extremos. A esperança de encontrar num mundo melhor os nossos entes queridos cuja alma abriu as asas, e o horror invencível que experimentamos, que o próprio ateu experimenta ao pensar que tudo estaria aniquilado com o último sopro da parte material do nosso ser, bastariam para afastar toda ideia de comparação. Contudo, senhores, se todas as consolações encerradas no Espiritismo não passassem de crença; se fossem apenas um sistema puramente especulativo, uma engenhosa ficção, como objetam os apóstolos do materialismo, para submeterem certas inteligências fracas a umas tantas regras chamadas arbitrariamente virtude, e desse modo retê-las fora dos sedutores apetites da matéria, compensação que num dia de piedade o autor dessa ordem fatal, que a uns dá tudo e à maioria reserva o sofrimento, teria concedido o sofrimento essa maioria para distrair-se.
Essas engenhosas combinações, senhores, estabelecidas como consequência de um princípio sem base e simples fruto da imaginação não seriam, para as inteligências fortes, para o homem que sabe fazer uso da razão, um tormento a mais, acrescentado aos tormentos da fatalidade a que ele não poderia subtrair-se?
Sem dúvida a demonstração é uma coisa admirável. Ela prova, antes de mais nada, a razão humana e a alma, essa abstração da matéria. Mas até hoje seu ponto de partida único foi a expressão de Descartes: “Penso, logo existo.” Hoje o Espiritismo veio dar uma força imensa ao princípio da imortalidade da alma, apoiado em fatos tangíveis e irrefutáveis.
O que precede explica por que e como aqui estamos reunidos. Mas, senhores, deixai-me ainda comunicar-vos uma impressão que sempre senti, um desejo constantemente renovado, cada vez que me encontrei em presença de uma Sociedade que tem por objetivo o aperfeiçoamento moral do homem. Eu gostaria de ter participado do primeiro grupo, das primeiras comunicações de alma para alma dos fundadores; gostaria de ter presidido ao desenvolvimento do germe da ideia que, como o grão tornado gigante, mais tarde produziu frutos abundantes.
Ora, senhores! Hoje que tenho a felicidade de vos reunir para propor a formação de um novo grupo espírita, minha ideia tem plena aceitação e vos peço que, como eu, conserveis no coração e na memória a data de 20 de março.
Agora, senhores, é tempo de passar à prática, que talvez eu tenha retardado. Sem transição, para reparar a perda de tempo tão largamente dedicado a desabafos, abordarei o objetivo de nossa reunião, pedindo que vos previnais contra uma objeção que naturalmente se manifestará em vosso espírito, como se manifestou no meu, quanto à indispensável necessidade de médiuns, quando se quer formar um grupo espírita.
Aí está, senhores, a aparência de uma dificuldade, mas não uma dificuldade. Inicialmente, a ausência de médiuns em nossas sessões não as tornará estéreis, crede-o. Eis uma ideia que vos apresento, pedindo o vosso conselho. Procederemos assim:
A primeira parte de cada sessão seria dedicada à leitura de O livro dos Espíritos e de O livro dos médiuns. A segunda seria consagrada à formação de médiuns, entre nós e, acreditai, senhores, se seguirmos os conselhos e os ensinos dados nessas obras de nosso venerado chefe, Sr. Allan Kardec, a faculdade mediúnica não tardará a se desenvolver na maior parte de nós. Então os nossos trabalhos receberão sua mais larga e suave recompensa, porque Deus, o grande criador de todas as coisas, o juiz infalível, não se enganará quanto ao bom uso que queremos fazer da preciosa faculdade mediúnica. Ele não deixará, pois, de nos dar a mais bela recompensa que possamos ambicionar, a de permitir que um de nós, ao menos, obtenha tal faculdade no mesmo grau que vários médiuns sérios que temos, nesta noite, a felicidade de contar entre nós.
Nossos queridos irmãos Gourgues e Sab , que tenho a honra de vos apresentar, assistindo a nossa sessão inaugural, quiseram dar-lhe o mais alto grau de solenidade. Que eles nos deem a esperança, que lhes suplicamos, e que com a frequência que lhes for possível, nos venham visitar. Sua presença fortalecerá a nossa fé e avivará o ardor daqueles dentre nós que ante o insucesso das primeiras tentativas mediúnicas poderiam cair no desânimo.
Sobretudo, senhores, não tomemos um caminho errado. Demo-nos perfeita conta de nossa empresa e de seu objetivo. Seria vítima de lamentável engano quem fosse tentado a fazer parte do grupo que vamos formar, apenas levado pela esperança de encontrar distrações fúteis e fora da boa moral pregada pelos bons Espíritos.
“O fim essencial do Espiritismo”, disse nosso venerado chefe, “é o melhoramento das criaturas. Nele só se deve procurar aquilo que possa ajudar o progresso moral e intelectual. Não se deve perder de vista que a crença no Espiritismo só é proveitosa àquele de quem se possa dizer: Ele hoje é melhor que ontem”.
Não esqueçamos que o nosso pobre planeta é um purgatório, onde expiamos, por nossa existência atual, as faltas cometidas nas precedentes. Isso prova, senhores, que nenhum de nós pode-se dizer perfeito, pois enquanto tivermos faltas a expiar, reencarnaremos. Nossa presença na Terra atesta, portanto, a nossa imperfeição.
O Espiritismo fincou as balizas da rota que conduz a Deus. Marchemos sem perdê-las vista. A linha traçada pelos bons Espíritos, geômetras da Divindade, está ladeada de precipícios. As urzes e os espinhos são as suas margens. Não temamos os arranhões. Que são tais feridas, comparadas à felicidade eterna, que acolherá o viajor que chegou ao termo da viagem?
Esse termo, senhores, esse objetivo há muito tempo é objeto de minhas meditações. Abarcando o meu passado com um olhar, e voltando-me para reconhecer o espinheiro que me havia ferido, o obstáculo que me tinha feito tropeçar, não pude deixar de fazer o que faz todo homem, ao menos uma vez na vida: o balanço, por assim dizer, das alegrias e dos desgostos, dos bons momentos de coragem e das horas de desânimo. E, com a mente tranquila e a alma livre, isto é, dobrada sobre si mesma, desprendida da matéria, eu disse a mim mesmo: A existência humana é apenas um sonho, mas um sonho horroroso, que começa quando a alma ou Espírito encarnado da criança se ilumina aos primeiros lampejos da inteligência, para terminar no aniquilamento da morte. A morte! Essa palavra pavorosa para tantas pessoas, na verdade é apenas o despertar desse sono horrível, a benfeitora compassiva que nos liberta do pesadelo insuportável que nos acompanhou passo a passo, desde nosso nascimento.
Falo em geral, mas não de maneira absoluta. A vida do homem de bem não tem mais esses mesmos caracteres. Aquilo que ele fez de bom, de grande, de útil, ilumina com puras claridades o sonho de sua existência. Para ele, a passagem da vida à morte é feita sem transição dolorosa. Ele nada deixa em sua retaguarda que pudesse comprometer o futuro de sua nova existência espiritual, recompensa de suas boas obras.
Mas, ao contrário, para os cegos voluntários que tiverem constantemente fechados os olhos para melhor negarem a existência de Deus; que se tiverem recusado à contemplação do sublime espetáculo de suas obras divinas, provas e manifestações de sua bondade, de sua justiça e de seu poder, para esses direi que terão um terrível despertar, cheio de amargos lamentos, sobretudo por haverem desconhecido os benéficos conselhos de seus irmãos espíritas. O sofrimento moral que terão de suportar durará até que um arrependimento sincero mova a piedade de Deus, que lhes concederá a graça de nova encarnação.
Muita gente ainda vê nas comunicações espíritas uma obra do demônio. Contudo o seu número diminui dia a dia. Esse feliz decréscimo é evidentemente devido à curiosidade de visitar os grupos espíritas e de ler O livro dos Espíritos, porque, no número dos curiosos encontram-se pessoas que se convencem, principalmente as que leem aquele livro.
Não acrediteis, senhores, que atraireis muitos adeptos à nossa doutrina fazendoos primeiramente assistirem às nossas sessões. Não. Tenho a íntima convicção de que uma criatura completamente estranha à doutrina não se convencerá pelo que vir em nossos trabalhos. Terá antes vontade de rir dos fenômenos, em vez de levá-los a sério.
Quanto a mim, senhores, creio ter feito muito mais pela doutrina levando alguém a ler O Livro dos Espíritos do que levando-o a uma das nossas sessões. Quando tenho certeza de que a leitura foi feita e de que deu os frutos que não pode deixar de dar, oh! então levo com satisfação aquela pessoa a um grupo espírita. Tenho certeza de que nesse momento ela se dará conta de tudo o que vir e compreenderá, e que aquele que possivelmente riria antes daquela leitura, sentirá efeitos diametralmente opostos. Não quero dizer que chorará.
A melhor maneira de terminar é com uma citação retirada de O livro dos Espíritos. Ela convencerá, mais que minhas pobres palavras, aqueles que ainda duvidam do fundo de verdade sobre o qual repousam as crenças espíritas:
“Os que dizem que as crenças espíritas ameaçam invadir o mundo proclamam, por isso mesmo, a sua força, porque uma ideia destituída de base e de lógica não se tornaria universal. Se, pois, o Espiritismo se estabelece em toda parte, se recruta principalmente nas camadas esclarecidas, como todos reconhecem, é porque tem um fundo de verdade. Contra essa tendência serão vãos os esforços dos detratores. O que prova isto é que o próprio ridículo com que tentam cobri-lo, longe de deter a sua marcha, parece dar-lhe vida nova. Tal resultado justifica plenamente o que muitas vezes nos têm dito os Espíritos: ‘Não vos inquieteis com a oposição. Tudo quanto fizerem contra vós reverterá a vosso favor e os vossos maiores adversários servirão à vossa causa, sem o querer. Contra a vontade de Deus não prevalecerá a má vontade dos homens.’”
CONDAT
A maneira pela qual a séria questão do Espiritismo nele é encarada prova quanto agora são compreendidos o seu objetivo e o seu verdadeiro alcance social. Sentimo-nos feliz em dizer que tal sentimento é hoje geral, porque em toda parte a curiosidade é substituída pelo desejo de instrução e de melhora. Foi o que constatamos nas visitas a várias cidades de província.
Vimo-los consagrar-se a comunicações instrutivas e apreciarem seu valor, os médiuns que as recebem. É um fato característico na história do estabelecimento do Espiritismo. Desconhecemos o grupo ao qual nos referimos, mas julgamos suas tendências pelo discurso inaugural. O orador não teria tido essa linguagem ante um auditório leviano e superficial, reunido para se distrair. São as reuniões sérias que dão uma ideia séria do Espiritismo, por isso nunca seria demais encorajar a sua multiplicação.
Senhoras e Senhores.
Pedindo recebais os meus agradecimentos pela benevolente acolhida ao meu convite, permiti-me que vos dirija algumas palavras sobre o motivo de nossa reunião. Em falta de talento, espero encontreis a convicção de um homem profundamente dedicado ao progresso da Humanidade.
Muitas vezes o viajor intrépido, aspirando atingir o pico da montanha, encontra o estreito caminho obstruído por uma rocha; outras vezes, também, no curso das idades, a Humanidade que tende a aproximar-se de Deus, encontra o seu obstáculo: seu rochedo é o materialismo. Ela estaciona por algum tempo, talvez séculos, mas a força invencível a que obedece, agindo na proporção da resistência, triunfa do obstáculo e a Humanidade, sempre solicitada a marchar avante, retoma a caminhada com impulso maior.
Assim, senhores, não nos admiremos quando se manifesta uma dessas grandes ideias que melhor denunciam a origem celeste do homem; quando se produz um desses fatos prodigiosos que vêm perturbar os cálculos restritos e as observações limitadas da ciência materialista. Não nos espantemos, e sobretudo não nos deixemos desencorajar pelas resistências que se opõem a tudo quanto pode servir para demonstrar que o homem não é apenas um pouco de barro, cujos elementos, após a morte, voltarão à Terra.
Antes constatemos, e o constatemos com alegria, nós, os adeptos do Espiritismo, nós, os filhos do século dezenove, filhos de um século que foi a manifestação mais completa, por assim dizer a encarnação do ceticismo e de suas desencorajadoras consequências; constatemos que a Humanidade está em marcha!
Vede o progresso que aqui faz o Espiritismo, nesta cidade grande, bela e inteligente. Vede como por toda parte a dúvida se apaga às claridades da ciência nova.
Contemos, senhores, e confessemos com sinceridade, quantos de nós ainda ontem com um sorriso de incredulidade nos lábios, estamos hoje com o pé na estrada e o coração resolvido a não recuar. Isto é compreensível, pois estamos na corrente e ela nos arrasta.
Que é, então, essa doutrina, senhores? Aonde nos conduz?
Despertar a coragem do homem, ampará-lo nos desfalecimentos, fortificá-lo contra as vicissitudes da vida, reanimar a sua fé, provar-lhe a imortalidade da alma, não só por demonstração, mas pelos fatos, eis a doutrina e aonde ela conduz!
Que outra doutrina produzirá sobre o moral e sobre o intelecto melhores resultados? Será a negação de uma vida futura que lhe poderão opor como preferível, no interesse da Humanidade inteira e para a perfeição moral e intelectual de cada um individualmente?
Tomando por princípio as palavras seguintes, que resumem todo o materialismo: “Tudo acaba quando se abre um túmulo”, que é o que se consegue produzir senão o nada?
Experimento uma penosa sensação, uma espécie de pudor por haver feito um paralelo entre esses dois extremos. A esperança de encontrar num mundo melhor os nossos entes queridos cuja alma abriu as asas, e o horror invencível que experimentamos, que o próprio ateu experimenta ao pensar que tudo estaria aniquilado com o último sopro da parte material do nosso ser, bastariam para afastar toda ideia de comparação. Contudo, senhores, se todas as consolações encerradas no Espiritismo não passassem de crença; se fossem apenas um sistema puramente especulativo, uma engenhosa ficção, como objetam os apóstolos do materialismo, para submeterem certas inteligências fracas a umas tantas regras chamadas arbitrariamente virtude, e desse modo retê-las fora dos sedutores apetites da matéria, compensação que num dia de piedade o autor dessa ordem fatal, que a uns dá tudo e à maioria reserva o sofrimento, teria concedido o sofrimento essa maioria para distrair-se.
Essas engenhosas combinações, senhores, estabelecidas como consequência de um princípio sem base e simples fruto da imaginação não seriam, para as inteligências fortes, para o homem que sabe fazer uso da razão, um tormento a mais, acrescentado aos tormentos da fatalidade a que ele não poderia subtrair-se?
Sem dúvida a demonstração é uma coisa admirável. Ela prova, antes de mais nada, a razão humana e a alma, essa abstração da matéria. Mas até hoje seu ponto de partida único foi a expressão de Descartes: “Penso, logo existo.” Hoje o Espiritismo veio dar uma força imensa ao princípio da imortalidade da alma, apoiado em fatos tangíveis e irrefutáveis.
O que precede explica por que e como aqui estamos reunidos. Mas, senhores, deixai-me ainda comunicar-vos uma impressão que sempre senti, um desejo constantemente renovado, cada vez que me encontrei em presença de uma Sociedade que tem por objetivo o aperfeiçoamento moral do homem. Eu gostaria de ter participado do primeiro grupo, das primeiras comunicações de alma para alma dos fundadores; gostaria de ter presidido ao desenvolvimento do germe da ideia que, como o grão tornado gigante, mais tarde produziu frutos abundantes.
Ora, senhores! Hoje que tenho a felicidade de vos reunir para propor a formação de um novo grupo espírita, minha ideia tem plena aceitação e vos peço que, como eu, conserveis no coração e na memória a data de 20 de março.
Agora, senhores, é tempo de passar à prática, que talvez eu tenha retardado. Sem transição, para reparar a perda de tempo tão largamente dedicado a desabafos, abordarei o objetivo de nossa reunião, pedindo que vos previnais contra uma objeção que naturalmente se manifestará em vosso espírito, como se manifestou no meu, quanto à indispensável necessidade de médiuns, quando se quer formar um grupo espírita.
Aí está, senhores, a aparência de uma dificuldade, mas não uma dificuldade. Inicialmente, a ausência de médiuns em nossas sessões não as tornará estéreis, crede-o. Eis uma ideia que vos apresento, pedindo o vosso conselho. Procederemos assim:
A primeira parte de cada sessão seria dedicada à leitura de O livro dos Espíritos e de O livro dos médiuns. A segunda seria consagrada à formação de médiuns, entre nós e, acreditai, senhores, se seguirmos os conselhos e os ensinos dados nessas obras de nosso venerado chefe, Sr. Allan Kardec, a faculdade mediúnica não tardará a se desenvolver na maior parte de nós. Então os nossos trabalhos receberão sua mais larga e suave recompensa, porque Deus, o grande criador de todas as coisas, o juiz infalível, não se enganará quanto ao bom uso que queremos fazer da preciosa faculdade mediúnica. Ele não deixará, pois, de nos dar a mais bela recompensa que possamos ambicionar, a de permitir que um de nós, ao menos, obtenha tal faculdade no mesmo grau que vários médiuns sérios que temos, nesta noite, a felicidade de contar entre nós.
Nossos queridos irmãos Gourgues e Sab , que tenho a honra de vos apresentar, assistindo a nossa sessão inaugural, quiseram dar-lhe o mais alto grau de solenidade. Que eles nos deem a esperança, que lhes suplicamos, e que com a frequência que lhes for possível, nos venham visitar. Sua presença fortalecerá a nossa fé e avivará o ardor daqueles dentre nós que ante o insucesso das primeiras tentativas mediúnicas poderiam cair no desânimo.
Sobretudo, senhores, não tomemos um caminho errado. Demo-nos perfeita conta de nossa empresa e de seu objetivo. Seria vítima de lamentável engano quem fosse tentado a fazer parte do grupo que vamos formar, apenas levado pela esperança de encontrar distrações fúteis e fora da boa moral pregada pelos bons Espíritos.
“O fim essencial do Espiritismo”, disse nosso venerado chefe, “é o melhoramento das criaturas. Nele só se deve procurar aquilo que possa ajudar o progresso moral e intelectual. Não se deve perder de vista que a crença no Espiritismo só é proveitosa àquele de quem se possa dizer: Ele hoje é melhor que ontem”.
Não esqueçamos que o nosso pobre planeta é um purgatório, onde expiamos, por nossa existência atual, as faltas cometidas nas precedentes. Isso prova, senhores, que nenhum de nós pode-se dizer perfeito, pois enquanto tivermos faltas a expiar, reencarnaremos. Nossa presença na Terra atesta, portanto, a nossa imperfeição.
O Espiritismo fincou as balizas da rota que conduz a Deus. Marchemos sem perdê-las vista. A linha traçada pelos bons Espíritos, geômetras da Divindade, está ladeada de precipícios. As urzes e os espinhos são as suas margens. Não temamos os arranhões. Que são tais feridas, comparadas à felicidade eterna, que acolherá o viajor que chegou ao termo da viagem?
Esse termo, senhores, esse objetivo há muito tempo é objeto de minhas meditações. Abarcando o meu passado com um olhar, e voltando-me para reconhecer o espinheiro que me havia ferido, o obstáculo que me tinha feito tropeçar, não pude deixar de fazer o que faz todo homem, ao menos uma vez na vida: o balanço, por assim dizer, das alegrias e dos desgostos, dos bons momentos de coragem e das horas de desânimo. E, com a mente tranquila e a alma livre, isto é, dobrada sobre si mesma, desprendida da matéria, eu disse a mim mesmo: A existência humana é apenas um sonho, mas um sonho horroroso, que começa quando a alma ou Espírito encarnado da criança se ilumina aos primeiros lampejos da inteligência, para terminar no aniquilamento da morte. A morte! Essa palavra pavorosa para tantas pessoas, na verdade é apenas o despertar desse sono horrível, a benfeitora compassiva que nos liberta do pesadelo insuportável que nos acompanhou passo a passo, desde nosso nascimento.
Falo em geral, mas não de maneira absoluta. A vida do homem de bem não tem mais esses mesmos caracteres. Aquilo que ele fez de bom, de grande, de útil, ilumina com puras claridades o sonho de sua existência. Para ele, a passagem da vida à morte é feita sem transição dolorosa. Ele nada deixa em sua retaguarda que pudesse comprometer o futuro de sua nova existência espiritual, recompensa de suas boas obras.
Mas, ao contrário, para os cegos voluntários que tiverem constantemente fechados os olhos para melhor negarem a existência de Deus; que se tiverem recusado à contemplação do sublime espetáculo de suas obras divinas, provas e manifestações de sua bondade, de sua justiça e de seu poder, para esses direi que terão um terrível despertar, cheio de amargos lamentos, sobretudo por haverem desconhecido os benéficos conselhos de seus irmãos espíritas. O sofrimento moral que terão de suportar durará até que um arrependimento sincero mova a piedade de Deus, que lhes concederá a graça de nova encarnação.
Muita gente ainda vê nas comunicações espíritas uma obra do demônio. Contudo o seu número diminui dia a dia. Esse feliz decréscimo é evidentemente devido à curiosidade de visitar os grupos espíritas e de ler O livro dos Espíritos, porque, no número dos curiosos encontram-se pessoas que se convencem, principalmente as que leem aquele livro.
Não acrediteis, senhores, que atraireis muitos adeptos à nossa doutrina fazendoos primeiramente assistirem às nossas sessões. Não. Tenho a íntima convicção de que uma criatura completamente estranha à doutrina não se convencerá pelo que vir em nossos trabalhos. Terá antes vontade de rir dos fenômenos, em vez de levá-los a sério.
Quanto a mim, senhores, creio ter feito muito mais pela doutrina levando alguém a ler O Livro dos Espíritos do que levando-o a uma das nossas sessões. Quando tenho certeza de que a leitura foi feita e de que deu os frutos que não pode deixar de dar, oh! então levo com satisfação aquela pessoa a um grupo espírita. Tenho certeza de que nesse momento ela se dará conta de tudo o que vir e compreenderá, e que aquele que possivelmente riria antes daquela leitura, sentirá efeitos diametralmente opostos. Não quero dizer que chorará.
A melhor maneira de terminar é com uma citação retirada de O livro dos Espíritos. Ela convencerá, mais que minhas pobres palavras, aqueles que ainda duvidam do fundo de verdade sobre o qual repousam as crenças espíritas:
“Os que dizem que as crenças espíritas ameaçam invadir o mundo proclamam, por isso mesmo, a sua força, porque uma ideia destituída de base e de lógica não se tornaria universal. Se, pois, o Espiritismo se estabelece em toda parte, se recruta principalmente nas camadas esclarecidas, como todos reconhecem, é porque tem um fundo de verdade. Contra essa tendência serão vãos os esforços dos detratores. O que prova isto é que o próprio ridículo com que tentam cobri-lo, longe de deter a sua marcha, parece dar-lhe vida nova. Tal resultado justifica plenamente o que muitas vezes nos têm dito os Espíritos: ‘Não vos inquieteis com a oposição. Tudo quanto fizerem contra vós reverterá a vosso favor e os vossos maiores adversários servirão à vossa causa, sem o querer. Contra a vontade de Deus não prevalecerá a má vontade dos homens.’”
CONDAT
Carta do Sr. Dombre a um pregador
Tendo pregado em Marmande durante o mês de maio último, o Frei F..., dominicano, num de seus últimos sermões decidiu atirar algumas pedras contra o Espiritismo. O Sr. Dombre desejaria uma discussão mais ampla do assunto, e que o Frei F..., em vez de limitar-se aos ataques banais, abordasse resolutamente certas questões de detalhes. Temendo, porém, que seu nome não tivesse bastante prestígio para convencê-lo, mandou-lhe a carta abaixo, sob o pseudônimo de Um católico.
“Senhor pregador,
“Acompanho com assiduidade vossas instruções dogmáticas de todas as noites. Por deplorável fatalidade, sexta-feira cheguei mais tarde que de costume e soube, ao sair da igreja, que tínheis começado, sob a forma de escaramuça, um ataque contra o Espiritismo. Alegro-me por isso, em nome dos católicos fervorosos. “Se bem me informaram, estas são as questões afloradas:
“1º. ─ O Espiritismo é uma religião nova, do século XIX;
“2º. ─ Incontestavelmente há comunicações com os Espíritos;
“3º. ─ Nas comunicações com os Espíritos, bem constatadas, bem reconhecidas, vós vos encarregais de provar, depois de longos e sérios estudos que fizestes do Espiritismo, que os Espíritos que se comunicam não são outra coisa além do demônio;
“4º. ─ Finalmente, seria perigoso, do ponto de vista da salvação da alma, tratar do Espiritismo antes que a Igreja se pronuncie a respeito.
“Aprecio muito esse quarto item, mas se se reconhece, de antemão, que é o demônio, a Igreja nada mais tem a fazer.[1]
“Eis quatro questões importantes que desejo ver resolvidas para de um só golpe confundir os espíritas e os católicos de nome, que nem creem no demônio nem nas penas eternas, mas admitem um Deus e a imortalidade da alma, bem como os materialistas, que em nada creem.
“À primeira questão ─ O Espiritismo é uma religião? ─ os espíritas respondem: Não, o Espiritismo não é uma religião e não pretende sê-lo. O Espiritismo se baseia na existência de um mundo invisível, formado por seres incorpóreos, que povoam o espaço e que são apenas as almas dos que viveram na Terra e em outros globos. Esses seres, que nos rodeiam incessantemente, exercem sobre os homens, malgrado seu, uma grande influência. Eles representam um papel muito ativo no mundo moral e, até certo ponto, no mundo físico. O Espiritismo está na Natureza e pode dizer-se que, numa certa ordem de coisas, é uma força, como, sob outro ponto de vista, o é a eletricidade, o é a gravitação. O Espiritismo desvenda-nos o mundo invisível, e isto não é novidade, pois o menciona a história de todos os povos. O Espiritismo repousa sobre princípios gerais, independentes de qualquer questão dogmática. Tem consequências morais, é certo, no sentido do Cristianismo, mas não tem culto, nem templos, nem ministros. Cada um pode fazer de suas opiniões uma religião, mas daí para a constituição de uma nova igreja há muita distância. Assim, o Espiritismo não é uma religião nova. Eis, senhor pregador, o que dizem os espíritas quanto à primeira questão.
“A essa questão riem os falsos católicos e os materialistas. Os primeiros, se estão entre os felizes deste mundo, riem com um sorriso amarelo, pois a doutrina que comporta a pluralidade de existências ou reencarnações lhes fere os prazeres e o orgulho. É horrível pensar numa volta em condições talvez inferiores! Os espíritas lhes dizem: “Eis a justiça, a verdadeira igualdade”. Mas não lhes convém uma tal igualdade. Os materialistas, espíritos fortes e compostos de pretensos sábios, riem gostosamente, porque não acreditam no futuro. A sua sorte e a do cachorrinho que os acompanha são absolutamente as mesmas, e eles preferem isso.
“Acerca da segunda questão: Há comunicação com os Espíritos, os espíritas e nós, católicos fervorosos, estamos de acordo. Os falsos católicos e os materialistas têm o riso da incredulidade.
“À terceira questão: Somente o demônio se comunica, os espíritas riem por sua vez; os materialistas também riem, zombando dos que acreditam nas comunicações e dos que, nelas crendo, as atribuem aos demônios. Os falsos católicos silenciam e parecem dizer: Vocês lá que se entendam.
“À quarta questão: É preciso esperar o pronunciamento da Igreja, dizem os espíritas: ‘Com certeza chegará o dia em que a crença no Espiritismo será tão vulgarizada, tão espalhada que a Igreja, a menos que queira ficar só, será forçada a seguir a corrente. O Espiritismo fundir-se-á então no Catolicismo e o Catolicismo no Espiritismo’. A essa questão o materialista ri ainda e diz: ‘Que me importa!’ O falso católico sente uma espécie de despeito. Como eu disse antes, ele não poderá acomodar-se a essa doutrina. Seu egoísmo e seu orgulho ficam chocados. Ele repele a eventualidade dessa fusão e diz: ‘É impossível. O Espiritismo é pura utopia, que não dará quatro passos no mundo’[2] “Aceitai, etc.
“Um católico fervoroso”
Numa carta dirigida a Bordeaux, sobre o assunto, diz o Sr. Dombre:
“Frei F... procurou saber quem era o espírita e não o católico fervoroso que lhe havia escrito aquela carta. Seus emissários vieram a mim e me disseram:
“─ Frei F... teria necessidade de sete ou oito sermões para responder, mas faltalhe o tempo. Assim, queria saber de quem se trata.
“Minha resposta foi:
“─ Garanto-lhes que o autor da carta dar-se-á a conhecer, caso ele queira responder de cadeira.
“Parece que aqui sabem, por experiência, que quanto mais se fala contra o Espiritismo, mais prosélitos se fazem e que acharam melhor fazer silêncio, pois Frei F... partiu sem voltar ao assunto.
“Certamente direis que há um pouco de temeridade em querer entrar na liça.
Conheço bem a nossa localidade: é necessário barulho.
“Os inimigos sistemáticos ou interessados do Espiritismo apenas querem o mutismo e eu os quero ensurdecer com discussões. Em torno dos incrédulos que discutem há sempre indiferentes ou predispostos a crer, que tiram proveito da luta, relativamente à instrução espírita.
“Talvez me digais:
“─ Mas pensais que saireis honrosamente dessas polêmicas?
“─ Ah! Meu Deus! Quando se é assinante da Revista Espírita e se leu todos os livros da doutrina; quando se está inteiramente imbuído dos argumentos em que ela se apoia e dos que são dados pelos Espíritos, a gente sai como Minerva, armado dos pés à cabeça e nada se teme.”
OBSERVAÇÃO: Eles dizem:
Credes na reencarnação, mas a pluralidade das existências é contrária aos dogmas, que admitem apenas uma. Por isso mesmo estais fora da Igreja.
A isso repetiremos o que temos dito centenas de vezes:
─ Outrora expulsastes da Igreja, anatematizando, excomungando, condenando como heréticos os que acreditavam no movimento da Terra.
Eles responderão:
─ Isso foi num tempo de ignorância.
─ Seja. Mas se a Igreja é infalível, deveria sê-lo outrora como hoje, e sua infalibilidade não pode ser submetida às flutuações da Ciência mundana. Mas ultimamente, e apenas há um quarto de século, neste século de luzes, não tem ela condenado as descobertas científicas relativas à formação do globo? Que aconteceu agora? E que teria acontecido se ela persistisse em repelir de seu seio todos os que acreditam nessas coisas? Não haveria mais católicos, nem mesmo o Papa. Por que, então, teve a Igreja que ceder? É porque o movimento dos astros e a sua formação repousam em leis da Natureza e porque contra essas leis não há opinião que se sustente.
Quanto à reencarnação, de duas, uma: ou ela existe, ou não existe. Não há meio termo. Se existe, é porque está nas leis da Natureza. Se um dogma diz o contrário, trata-se de saber se a razão está com o dogma ou com a Natureza, que é obra de Deus.
A reencarnação, pois, não é uma opinião, um sistema, como uma opinião política ou social, que podemos admitir ou impugnar. É um fato ou não é. Se é um fato, por mais que contrarie o gosto de todo o mundo, nada do que digam o impedirá de ser um fato.
Por conta própria cremos firmemente que a reencarnação, longe de ser contrária aos dogmas, dá uma explicação lógica das vidas sucessivas, que as torna aceitáveis pela maioria dos que as repeliam, porque as não compreendiam. Temos a prova no grande número de pessoas trazidas às crenças religiosas pelo Espiritismo.
Mas admitamos essa incompatibilidade, se quiserem. Então apresentaremos a questão frontalmente:
─ Quando for reconhecida a pluralidade das existências ─ o que não tardará muito ─ como uma lei natural; quando todo o mundo reconhecer essa lei como a única compatível com a justiça de Deus, e como a única a explicar o que sem ela será inexplicável, o que fareis?
─ Fareis o que fizestes com o movimento da Terra e os seis dias da Criação, e não será difícil conciliar o dogma com essa lei.
A.K.
[1] Se a Igreja ainda não se pronunciou, a questão do demônio não passa de opinião individual, sem sanção legal, e isso é tão certo que nem todos os eclesiásticos a compartilham. Conhecemos muitos nesse caso. Até mais ampla informação, a dúvida é permitida, e desde já pode-se ver que a doutrina do demônio tem pouco império sobre as massas. Se a Igreja a proclamasse oficialmente, seria de temer que de tal julgamento decorresse o que decorreu da declaração de heresia e da condenação outrora pronunciada contra o movimento da Terra, do mesmo modo que, em nossos dias, com os anátemas contra a Ciência, a propósito dos seis períodos da Criação. Cremos que seria mais sábio e mais prudente que o clero não se apressasse em liquidar a questão, afirmando uma coisa que atualmente provoca mais riso e incredulidade do que medo e na qual ─ podemos atestar ─ muitos padres não creem mais do que nós, por ser ilógica. Expor-se a receber um desmentido do futuro e depois confessar o erro, é prejudicar à autoridade moral da Igreja, que proclama a infalibilidade de seus julgamentos. Melhor seria abster-se. Aliás, digam o que disserem do Espiritismo, a experiência aí está para provar que sua marcha é irresistível. É uma ideia que se implanta por toda parte com rapidez espantosa, porque satisfaz, ao mesmo tempo, à razão e ao coração. Para detê-lo fora preciso opor-lhe uma doutrina que satisfizesse melhor, e certamente não será a do demônio e das penas eternas.
A. K.
[2] Há falsos católicos, verdadeiros católicos e materialistas que usam essa linguagem. Que o tivessem dito há alguns anos, poder-se-ia conceber. Mas nos últimos quatro ou cinco anos ele deu tantos passos e os dá todos os dias, que em breve terá atingido o seu objetivo. Procure-se na História uma doutrina que tenha avançado tanto em tão pouco tempo. Em presença desse resultado inaudito de uma propagação contra a qual vêm quebrar-se todos os raios e todas as troças; que cresce na razão da violência dos ataques, é, na verdade, muita ingenuidade dizer que o Espiritismo é simples fogo de palha. Se assim é, por que tanta cólera? Deixem que ele se apague por si mesmo. Nós que ocupamos os primeiros postos para vê-lo marchar, que lhe acompanhamos todas as peripécias, vemos a sua conclusão. Então é a nossa vez de rir.
A. K.
“Senhor pregador,
“Acompanho com assiduidade vossas instruções dogmáticas de todas as noites. Por deplorável fatalidade, sexta-feira cheguei mais tarde que de costume e soube, ao sair da igreja, que tínheis começado, sob a forma de escaramuça, um ataque contra o Espiritismo. Alegro-me por isso, em nome dos católicos fervorosos. “Se bem me informaram, estas são as questões afloradas:
“1º. ─ O Espiritismo é uma religião nova, do século XIX;
“2º. ─ Incontestavelmente há comunicações com os Espíritos;
“3º. ─ Nas comunicações com os Espíritos, bem constatadas, bem reconhecidas, vós vos encarregais de provar, depois de longos e sérios estudos que fizestes do Espiritismo, que os Espíritos que se comunicam não são outra coisa além do demônio;
“4º. ─ Finalmente, seria perigoso, do ponto de vista da salvação da alma, tratar do Espiritismo antes que a Igreja se pronuncie a respeito.
“Aprecio muito esse quarto item, mas se se reconhece, de antemão, que é o demônio, a Igreja nada mais tem a fazer.[1]
“Eis quatro questões importantes que desejo ver resolvidas para de um só golpe confundir os espíritas e os católicos de nome, que nem creem no demônio nem nas penas eternas, mas admitem um Deus e a imortalidade da alma, bem como os materialistas, que em nada creem.
“À primeira questão ─ O Espiritismo é uma religião? ─ os espíritas respondem: Não, o Espiritismo não é uma religião e não pretende sê-lo. O Espiritismo se baseia na existência de um mundo invisível, formado por seres incorpóreos, que povoam o espaço e que são apenas as almas dos que viveram na Terra e em outros globos. Esses seres, que nos rodeiam incessantemente, exercem sobre os homens, malgrado seu, uma grande influência. Eles representam um papel muito ativo no mundo moral e, até certo ponto, no mundo físico. O Espiritismo está na Natureza e pode dizer-se que, numa certa ordem de coisas, é uma força, como, sob outro ponto de vista, o é a eletricidade, o é a gravitação. O Espiritismo desvenda-nos o mundo invisível, e isto não é novidade, pois o menciona a história de todos os povos. O Espiritismo repousa sobre princípios gerais, independentes de qualquer questão dogmática. Tem consequências morais, é certo, no sentido do Cristianismo, mas não tem culto, nem templos, nem ministros. Cada um pode fazer de suas opiniões uma religião, mas daí para a constituição de uma nova igreja há muita distância. Assim, o Espiritismo não é uma religião nova. Eis, senhor pregador, o que dizem os espíritas quanto à primeira questão.
“A essa questão riem os falsos católicos e os materialistas. Os primeiros, se estão entre os felizes deste mundo, riem com um sorriso amarelo, pois a doutrina que comporta a pluralidade de existências ou reencarnações lhes fere os prazeres e o orgulho. É horrível pensar numa volta em condições talvez inferiores! Os espíritas lhes dizem: “Eis a justiça, a verdadeira igualdade”. Mas não lhes convém uma tal igualdade. Os materialistas, espíritos fortes e compostos de pretensos sábios, riem gostosamente, porque não acreditam no futuro. A sua sorte e a do cachorrinho que os acompanha são absolutamente as mesmas, e eles preferem isso.
“Acerca da segunda questão: Há comunicação com os Espíritos, os espíritas e nós, católicos fervorosos, estamos de acordo. Os falsos católicos e os materialistas têm o riso da incredulidade.
“À terceira questão: Somente o demônio se comunica, os espíritas riem por sua vez; os materialistas também riem, zombando dos que acreditam nas comunicações e dos que, nelas crendo, as atribuem aos demônios. Os falsos católicos silenciam e parecem dizer: Vocês lá que se entendam.
“À quarta questão: É preciso esperar o pronunciamento da Igreja, dizem os espíritas: ‘Com certeza chegará o dia em que a crença no Espiritismo será tão vulgarizada, tão espalhada que a Igreja, a menos que queira ficar só, será forçada a seguir a corrente. O Espiritismo fundir-se-á então no Catolicismo e o Catolicismo no Espiritismo’. A essa questão o materialista ri ainda e diz: ‘Que me importa!’ O falso católico sente uma espécie de despeito. Como eu disse antes, ele não poderá acomodar-se a essa doutrina. Seu egoísmo e seu orgulho ficam chocados. Ele repele a eventualidade dessa fusão e diz: ‘É impossível. O Espiritismo é pura utopia, que não dará quatro passos no mundo’[2] “Aceitai, etc.
“Um católico fervoroso”
Numa carta dirigida a Bordeaux, sobre o assunto, diz o Sr. Dombre:
“Frei F... procurou saber quem era o espírita e não o católico fervoroso que lhe havia escrito aquela carta. Seus emissários vieram a mim e me disseram:
“─ Frei F... teria necessidade de sete ou oito sermões para responder, mas faltalhe o tempo. Assim, queria saber de quem se trata.
“Minha resposta foi:
“─ Garanto-lhes que o autor da carta dar-se-á a conhecer, caso ele queira responder de cadeira.
“Parece que aqui sabem, por experiência, que quanto mais se fala contra o Espiritismo, mais prosélitos se fazem e que acharam melhor fazer silêncio, pois Frei F... partiu sem voltar ao assunto.
“Certamente direis que há um pouco de temeridade em querer entrar na liça.
Conheço bem a nossa localidade: é necessário barulho.
“Os inimigos sistemáticos ou interessados do Espiritismo apenas querem o mutismo e eu os quero ensurdecer com discussões. Em torno dos incrédulos que discutem há sempre indiferentes ou predispostos a crer, que tiram proveito da luta, relativamente à instrução espírita.
“Talvez me digais:
“─ Mas pensais que saireis honrosamente dessas polêmicas?
“─ Ah! Meu Deus! Quando se é assinante da Revista Espírita e se leu todos os livros da doutrina; quando se está inteiramente imbuído dos argumentos em que ela se apoia e dos que são dados pelos Espíritos, a gente sai como Minerva, armado dos pés à cabeça e nada se teme.”
OBSERVAÇÃO: Eles dizem:
Credes na reencarnação, mas a pluralidade das existências é contrária aos dogmas, que admitem apenas uma. Por isso mesmo estais fora da Igreja.
A isso repetiremos o que temos dito centenas de vezes:
─ Outrora expulsastes da Igreja, anatematizando, excomungando, condenando como heréticos os que acreditavam no movimento da Terra.
Eles responderão:
─ Isso foi num tempo de ignorância.
─ Seja. Mas se a Igreja é infalível, deveria sê-lo outrora como hoje, e sua infalibilidade não pode ser submetida às flutuações da Ciência mundana. Mas ultimamente, e apenas há um quarto de século, neste século de luzes, não tem ela condenado as descobertas científicas relativas à formação do globo? Que aconteceu agora? E que teria acontecido se ela persistisse em repelir de seu seio todos os que acreditam nessas coisas? Não haveria mais católicos, nem mesmo o Papa. Por que, então, teve a Igreja que ceder? É porque o movimento dos astros e a sua formação repousam em leis da Natureza e porque contra essas leis não há opinião que se sustente.
Quanto à reencarnação, de duas, uma: ou ela existe, ou não existe. Não há meio termo. Se existe, é porque está nas leis da Natureza. Se um dogma diz o contrário, trata-se de saber se a razão está com o dogma ou com a Natureza, que é obra de Deus.
A reencarnação, pois, não é uma opinião, um sistema, como uma opinião política ou social, que podemos admitir ou impugnar. É um fato ou não é. Se é um fato, por mais que contrarie o gosto de todo o mundo, nada do que digam o impedirá de ser um fato.
Por conta própria cremos firmemente que a reencarnação, longe de ser contrária aos dogmas, dá uma explicação lógica das vidas sucessivas, que as torna aceitáveis pela maioria dos que as repeliam, porque as não compreendiam. Temos a prova no grande número de pessoas trazidas às crenças religiosas pelo Espiritismo.
Mas admitamos essa incompatibilidade, se quiserem. Então apresentaremos a questão frontalmente:
─ Quando for reconhecida a pluralidade das existências ─ o que não tardará muito ─ como uma lei natural; quando todo o mundo reconhecer essa lei como a única compatível com a justiça de Deus, e como a única a explicar o que sem ela será inexplicável, o que fareis?
─ Fareis o que fizestes com o movimento da Terra e os seis dias da Criação, e não será difícil conciliar o dogma com essa lei.
A.K.
[1] Se a Igreja ainda não se pronunciou, a questão do demônio não passa de opinião individual, sem sanção legal, e isso é tão certo que nem todos os eclesiásticos a compartilham. Conhecemos muitos nesse caso. Até mais ampla informação, a dúvida é permitida, e desde já pode-se ver que a doutrina do demônio tem pouco império sobre as massas. Se a Igreja a proclamasse oficialmente, seria de temer que de tal julgamento decorresse o que decorreu da declaração de heresia e da condenação outrora pronunciada contra o movimento da Terra, do mesmo modo que, em nossos dias, com os anátemas contra a Ciência, a propósito dos seis períodos da Criação. Cremos que seria mais sábio e mais prudente que o clero não se apressasse em liquidar a questão, afirmando uma coisa que atualmente provoca mais riso e incredulidade do que medo e na qual ─ podemos atestar ─ muitos padres não creem mais do que nós, por ser ilógica. Expor-se a receber um desmentido do futuro e depois confessar o erro, é prejudicar à autoridade moral da Igreja, que proclama a infalibilidade de seus julgamentos. Melhor seria abster-se. Aliás, digam o que disserem do Espiritismo, a experiência aí está para provar que sua marcha é irresistível. É uma ideia que se implanta por toda parte com rapidez espantosa, porque satisfaz, ao mesmo tempo, à razão e ao coração. Para detê-lo fora preciso opor-lhe uma doutrina que satisfizesse melhor, e certamente não será a do demônio e das penas eternas.
A. K.
[2] Há falsos católicos, verdadeiros católicos e materialistas que usam essa linguagem. Que o tivessem dito há alguns anos, poder-se-ia conceber. Mas nos últimos quatro ou cinco anos ele deu tantos passos e os dá todos os dias, que em breve terá atingido o seu objetivo. Procure-se na História uma doutrina que tenha avançado tanto em tão pouco tempo. Em presença desse resultado inaudito de uma propagação contra a qual vêm quebrar-se todos os raios e todas as troças; que cresce na razão da violência dos ataques, é, na verdade, muita ingenuidade dizer que o Espiritismo é simples fogo de palha. Se assim é, por que tanta cólera? Deixem que ele se apague por si mesmo. Nós que ocupamos os primeiros postos para vê-lo marchar, que lhe acompanhamos todas as peripécias, vemos a sua conclusão. Então é a nossa vez de rir.
A. K.
O Espiritismo numa distribuição de Premios
Um dos nossos colegas da Sociedade Espírita de Paris manda-nos cópia da carta que damos a seguir e por ele dirigida às diretoras do pensionato onde estuda uma de suas filhas, em Paris.
“Senhoras,
“Peço permissão para algumas reflexões sobre um discurso pronunciado na distribuição de prêmios do vosso pensionato. Minha condição de pai de família, e sobretudo de pai de uma de vossas alunas, dá-me direito a esta apreciação.
“O autor do discurso, estranho ao vosso estabelecimento e, segundo me disseram, professor do Colégio C..., permitiu-se longos motejos, não sei bem a propósito de que, sobre a Ciência Espírita e os médiuns. Eu compreenderia se ele emitisse a sua opinião sobre a matéria em qualquer outra circunstância, mas perante um auditório como aquele em que falava, em presença de gente moça confiada aos vossos cuidados, permiti vos diga, a questão estava deslocada e o tema era mal escolhido para buscar sucesso.
“Entre outras coisas, disse aquele senhor que ‘as pessoas que se ocupam de experiências das mesas e outros fenômenos ditos espíritas, ou de ordem psicológica são jograis, tolas ou estúpidas’.
“Encontro-me, senhoras, entre os que se ocupam do assunto e não o oculto. Ademais, tenho certeza de não ter sido o único em vossa reunião.
“Não tenho a pretensão de ser sábio, como o vosso orador, e assim, do seu ponto de vista, talvez eu seja um estúpido. Contudo, a expressão é bastante grosseira quando a gente se dirige a pessoas que não conhece e quando se generaliza o pensamento, mas com certeza minha posição e meu caráter me põem ao abrigo do epíteto de jogral.
“Aquele senhor parece ignorar que essa estupidez conta hoje milhões de adeptos no mundo inteiro e que os supostos jograis se acham até nas mais altas camadas da Sociedade, sem o que teria ele refletido que suas palavras poderiam dirigir-se a mais de uma de suas ouvintes. Se ele provou, por essa tirada intempestiva, uma falta de tato e de elegância, também provou que falava de uma coisa que jamais estudou.
“Quanto a mim, senhoras, há quatro anos estudo, observo, e o resultado de minhas observações convenceu-me, como a tantos outros, que, em certas circunstâncias, o nosso mundo material pode entrar em relações com o mundo espiritual. As provas do fato eu as tenho tido aos milhares, por toda parte, em todos os países que visitei, e sabeis que as tenho tido, e muitas, em minha família, com minha esposa, que é médium sem ser jogral, com parentes e amigos que como eu procuravam a verdade.
“Não penseis, senhoras, que eu tenha acreditado à primeira vista e sem exame. Como disse, estudei e observei conscienciosamente, friamente, com calma e sem ideia preconcebida, e só depois de maduras reflexões tive a felicidade de me convencer da realidade de tais coisas. Digo felicidade porque, confessarei, o ensino religioso que havia recebido não fora suficiente para esclarecer a minha razão e eu me havia tornado céptico. Agora, graças ao Espiritismo, às provas patentes que ele fornece, já não o sou, porque pude assegurar-me da imortalidade da alma e de suas consequências. Se aí está o que aquele senhor chama uma estupidez, ao menos deveria abster-se de dizê-lo em presença de vossas alunas, que bem poderão, e mais cedo do que pensais, dar-se conta dos fenômenos cujo véu lhes levantaram. Para tanto, bastará que entrem no mundo. A nova ciência aí faz grandes e rápidos progressos, eu vo-lo garanto.
“Então, não é de temer que elas façam esta reflexão: Se nos induziram em erro sobre essas matérias; se nos quiseram ocultar a verdade, não nos poderão ter enganado sobre outros pontos? Na dúvida, a mais elementar prudência recomenda a abstenção.
“Em todo o caso, nem era o lugar, nem o momento de abordar semelhante assunto.
“Senhoras, julguei meu dever comunicar-vos as minhas impressões.
“Peço-vos as acolhais com a vossa bondade habitual.
“Aceitai, etc.
“Senhoras,
“Peço permissão para algumas reflexões sobre um discurso pronunciado na distribuição de prêmios do vosso pensionato. Minha condição de pai de família, e sobretudo de pai de uma de vossas alunas, dá-me direito a esta apreciação.
“O autor do discurso, estranho ao vosso estabelecimento e, segundo me disseram, professor do Colégio C..., permitiu-se longos motejos, não sei bem a propósito de que, sobre a Ciência Espírita e os médiuns. Eu compreenderia se ele emitisse a sua opinião sobre a matéria em qualquer outra circunstância, mas perante um auditório como aquele em que falava, em presença de gente moça confiada aos vossos cuidados, permiti vos diga, a questão estava deslocada e o tema era mal escolhido para buscar sucesso.
“Entre outras coisas, disse aquele senhor que ‘as pessoas que se ocupam de experiências das mesas e outros fenômenos ditos espíritas, ou de ordem psicológica são jograis, tolas ou estúpidas’.
“Encontro-me, senhoras, entre os que se ocupam do assunto e não o oculto. Ademais, tenho certeza de não ter sido o único em vossa reunião.
“Não tenho a pretensão de ser sábio, como o vosso orador, e assim, do seu ponto de vista, talvez eu seja um estúpido. Contudo, a expressão é bastante grosseira quando a gente se dirige a pessoas que não conhece e quando se generaliza o pensamento, mas com certeza minha posição e meu caráter me põem ao abrigo do epíteto de jogral.
“Aquele senhor parece ignorar que essa estupidez conta hoje milhões de adeptos no mundo inteiro e que os supostos jograis se acham até nas mais altas camadas da Sociedade, sem o que teria ele refletido que suas palavras poderiam dirigir-se a mais de uma de suas ouvintes. Se ele provou, por essa tirada intempestiva, uma falta de tato e de elegância, também provou que falava de uma coisa que jamais estudou.
“Quanto a mim, senhoras, há quatro anos estudo, observo, e o resultado de minhas observações convenceu-me, como a tantos outros, que, em certas circunstâncias, o nosso mundo material pode entrar em relações com o mundo espiritual. As provas do fato eu as tenho tido aos milhares, por toda parte, em todos os países que visitei, e sabeis que as tenho tido, e muitas, em minha família, com minha esposa, que é médium sem ser jogral, com parentes e amigos que como eu procuravam a verdade.
“Não penseis, senhoras, que eu tenha acreditado à primeira vista e sem exame. Como disse, estudei e observei conscienciosamente, friamente, com calma e sem ideia preconcebida, e só depois de maduras reflexões tive a felicidade de me convencer da realidade de tais coisas. Digo felicidade porque, confessarei, o ensino religioso que havia recebido não fora suficiente para esclarecer a minha razão e eu me havia tornado céptico. Agora, graças ao Espiritismo, às provas patentes que ele fornece, já não o sou, porque pude assegurar-me da imortalidade da alma e de suas consequências. Se aí está o que aquele senhor chama uma estupidez, ao menos deveria abster-se de dizê-lo em presença de vossas alunas, que bem poderão, e mais cedo do que pensais, dar-se conta dos fenômenos cujo véu lhes levantaram. Para tanto, bastará que entrem no mundo. A nova ciência aí faz grandes e rápidos progressos, eu vo-lo garanto.
“Então, não é de temer que elas façam esta reflexão: Se nos induziram em erro sobre essas matérias; se nos quiseram ocultar a verdade, não nos poderão ter enganado sobre outros pontos? Na dúvida, a mais elementar prudência recomenda a abstenção.
“Em todo o caso, nem era o lugar, nem o momento de abordar semelhante assunto.
“Senhoras, julguei meu dever comunicar-vos as minhas impressões.
“Peço-vos as acolhais com a vossa bondade habitual.
“Aceitai, etc.
« A. GASSIER
“Rua de la Chaussée, 38 ─ d’Antin.”
OBSERVAÇÃO: O Espiritismo alastra-se por toda parte, de modo que é raro não se encontre, numa assembleia qualquer, certo número de adeptos. Fazer tiradas virulentas contra uma opinião que cresce sem cessar; servir-se de expressões ferinas perante um auditório que se não conhece, é expor-se a molestar gente respeitável e, por vezes, a ver-se chamado à ordem. Fazê-lo numa reunião que, por sua natureza, mais do que em qualquer outra, exige estrita observância das conveniências, onde toda palavra deve ser um ensinamento, é um erro. Se uma dessas jovens cujos pais se ocupam do Espiritismo lhes dissesse: “Sois jograis, iludidos ou estúpidos”, não poderia ela justificar-se, dizendo: “Foi o que me ensinaram na distribuição de prêmios?”
Faria esse senhor uma surtida semelhante contra os protestantes ou os judeus, chamando-os de heréticos e danados, ou contra tal ou qual opinião política? Não, porque há poucos colégios onde não haja alunos cujos pais professem diferentes opiniões políticas ou religiosas, e ele temeria ferir a estes últimos. Então! Que ele fique sabendo que hoje, especialmente na França, há a mesma quantidade de espíritas que de judeus e protestantes, e que dentro em pouco haverá tantos quantos há de católicos.
Aliás, ali, como em toda parte, o resultado será contrário à intenção. Eis uma porção de moças, naturalmente curiosas, muitas das quais jamais ouviram falar de tais coisas, e que quererão conhecê-las na primeira ocasião. Elas experimentarão a mediunidade e, infalivelmente, algumas triunfarão; falarão às suas companheiras, e assim por diante.
Proibis se ocupem de tais coisas; as amedrontais com a ideia do diabo; será uma razão a mais para que o façam às escondidas, pois quererão saber o que lhes dirá o diabo. Elas não ouvem falar diariamente dos bons diabos, dos diabos cor de rosa? Ora, aí está o perigo porque, inexperientes e sem um orientador prudente e esclarecido, poderão achar-se sob influências perniciosas, das quais não saberiam livrar-se. Daí podem resultar inconvenientes muito mais graves porque, à vista da proibição feita e por medo dos castigos, nada ousarão dizer.
Proibis que escrevam? Nem sempre é fácil. As professoras do internato sabem disso. Mas, o que fareis com aquelas que se tornarem médiuns videntes e auditivas? Podereis tapar-lhes os olhos e os ouvidos? Eis, senhor orador, o que pode produzir o vosso discurso imprudente, com o qual certamente ficastes muito satisfeito.
O resultado é absolutamente outro nos filhos educados pelos pais nessas ideias. Para começar, eles nada têm a esconder, sendo assim preservados contra os perigos da inexperiência. Depois, cedo isso lhes dá uma piedade raciocinada, que a idade fortifica. Tornam-se mais dóceis, mais submissos, mais respeitadores. A certeza da presença dos pais mortos, que os veem incessantemente, com os quais podem entreter-se e dos quais recebem sábios conselhos, é-lhes um freio poderoso, pelo medo salutar que aqueles inspiram.
Quando a geração for educada nas crenças espíritas, ver-se-á outra juventude, mais estudiosa e menos turbulenta. Isso já pode ser avaliado pelo efeito que tais ideias produzem nos jovens que delas se compenetram.
Faria esse senhor uma surtida semelhante contra os protestantes ou os judeus, chamando-os de heréticos e danados, ou contra tal ou qual opinião política? Não, porque há poucos colégios onde não haja alunos cujos pais professem diferentes opiniões políticas ou religiosas, e ele temeria ferir a estes últimos. Então! Que ele fique sabendo que hoje, especialmente na França, há a mesma quantidade de espíritas que de judeus e protestantes, e que dentro em pouco haverá tantos quantos há de católicos.
Aliás, ali, como em toda parte, o resultado será contrário à intenção. Eis uma porção de moças, naturalmente curiosas, muitas das quais jamais ouviram falar de tais coisas, e que quererão conhecê-las na primeira ocasião. Elas experimentarão a mediunidade e, infalivelmente, algumas triunfarão; falarão às suas companheiras, e assim por diante.
Proibis se ocupem de tais coisas; as amedrontais com a ideia do diabo; será uma razão a mais para que o façam às escondidas, pois quererão saber o que lhes dirá o diabo. Elas não ouvem falar diariamente dos bons diabos, dos diabos cor de rosa? Ora, aí está o perigo porque, inexperientes e sem um orientador prudente e esclarecido, poderão achar-se sob influências perniciosas, das quais não saberiam livrar-se. Daí podem resultar inconvenientes muito mais graves porque, à vista da proibição feita e por medo dos castigos, nada ousarão dizer.
Proibis que escrevam? Nem sempre é fácil. As professoras do internato sabem disso. Mas, o que fareis com aquelas que se tornarem médiuns videntes e auditivas? Podereis tapar-lhes os olhos e os ouvidos? Eis, senhor orador, o que pode produzir o vosso discurso imprudente, com o qual certamente ficastes muito satisfeito.
O resultado é absolutamente outro nos filhos educados pelos pais nessas ideias. Para começar, eles nada têm a esconder, sendo assim preservados contra os perigos da inexperiência. Depois, cedo isso lhes dá uma piedade raciocinada, que a idade fortifica. Tornam-se mais dóceis, mais submissos, mais respeitadores. A certeza da presença dos pais mortos, que os veem incessantemente, com os quais podem entreter-se e dos quais recebem sábios conselhos, é-lhes um freio poderoso, pelo medo salutar que aqueles inspiram.
Quando a geração for educada nas crenças espíritas, ver-se-á outra juventude, mais estudiosa e menos turbulenta. Isso já pode ser avaliado pelo efeito que tais ideias produzem nos jovens que delas se compenetram.
Perseguições
Considerando-se que a troça se esboroou na couraça do Espiritismo e serve mais a propagá-lo do que a desacreditá-lo, seus inimigos ensaiam outro meio que, prenunciamos, não dará melhores resultados e provavelmente ainda criará mais prosélitos. Tal meio é a perseguição. Dizemos que fará mais por uma razão muito simples. É que, levando a sério o Espiritismo, sua importância cresce. Além disso, quanto mais uma causa faz sofrer, mais nos apegamos a ela. Sem dúvida recordamse os leitores das belas comunicações dadas sobre os mártires do Espiritismo, publicadas na Revista de abril último. Essa fase há muito tempo foi anunciada pelos Espíritos. Disseram eles:
“Quando virem a impotência da arma do ridículo, experimentarão a da perseguição. Não mais haverá martírios sangrentos, mas muitos irão sofrer nos seus interesses e nas suas afeições. Procurarão desunir as famílias, reduzir os adeptos pela fome, dar-lhes alfinetadas, por vezes piores que a morte. Mas aí encontrarão ainda almas sólidas e fervorosas que saberão enfrentar as misérias do mundo, na esperança do futuro melhor que as espera. Lembrai-vos das palavras do divino Salvador: ‘Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados’. Tende certeza, entretanto, que a era da perseguição, na qual em breve entrareis, terá curta duração e os vossos inimigos colherão apenas vergonha, porque as armas que empregarem contra vós voltar-se-ão contra eles”.
Começou a era predita. De várias direções assinalam-vos atos que a gente lamenta sejam praticados pelos ministros de um Deus de paz e de caridade. Não falaremos das violências feitas à consciência, expulsando da igreja aqueles que a ela conduz o Espiritismo. Tendo tido tal meio resultados mais ou menos negativos, buscaram outros mais eficazes.
Poderíamos citar as localidades onde criaturas que vivem de seu trabalho foram ameaçadas de verem cortados os seus recursos; outras onde os adeptos foram marcados pela animadversão pública, perseguidos pelos moleques de rua; outras onde expulsam das escolas as crianças cujos pais se ocupam do Espiritismo; uma outra onde um pobre professor foi demitido e reduzido à miséria, porque tinha em casa O livro dos Espíritos. Deste recebemos tocante prece em versos, cheia dos mais nobres sentimentos e da mais sincera piedade. Acrescentemos que espírita benfeitor estendeu-lhe a mão; acrescentemos, ainda, em tais circunstâncias, que ele foi vítima de infame traição, por parte de um homem no qual havia confiado e que parecia entusiasmado por aquele livro.
Numa pequena cidade onde o Espiritismo conta com bom número de adeptos, um missionário disse do púlpito, na última quaresma: “Confio que no auditório só se encontrem bons fiéis, e que não haja nem judeus, nem protestantes, nem espíritas”. Parece que confiava muito pouco em sua palavra, para converter os que tivessem vindo ouvi-lo com o fito de se esclarecerem.
Numa comuna perto de Bordeaux quiseram impedir se reunissem mais de cinco espíritas, sob o pretexto de que isso era proibido por lei. Mas uma autoridade superior reconduziu a autoridade local à legalidade. Desse pequeno vexame resultou que hoje três quartos dessa comuna são espíritas.
No departamento de Tarn-et-Garonne, os espíritas de várias localidades quiseram reunir-se e foram acusados de conspiração contra o governo. Essa ridícula acusação caiu logo, como tinha de ser, e provocou o riso.
Em compensação, contaram-nos que um magistrado disse: “Prouvera a Deus que todo mundo fosse espírita! Nossos tribunais teriam menos que fazer e a ordem pública nada teria a temer.” Ele enunciou assim uma grande e profunda verdade, pois já se começa a perceber a influência moralizadora que o Espiritismo exerce sobre as massas.
Não é um resultado maravilhoso ver homens, sob a influência dessa crença, renunciarem ao alcoolismo, aos hábitos do deboche, aos excessos degradantes e ao suicídio? Homens violentos tornarem-se comportados, suaves, pacíficos e bons pais de família? Homens que blasfemavam o nome de Deus, orando com fervor e piedosamente aproximando-se dos altares? É a tais homens que expulsais da igreja! Ah! Rogai a Deus para que, se ainda estão reservados dias de provação à Humanidade, haja muitos espíritas, porque estes aprenderam a perdoar aos inimigos e consideram como primeiro dever do cristão estender-lhes a mão no momento do perigo, em vez de lhes pisar no pescoço.
Um livreiro da Charente escreve-nos o seguinte:
“Não temi proclamar abertamente minhas opiniões espíritas. Pus de lado as mesquinharias mundanas, sem me preocupar se o que fazia viria prejudicar o meu negócio. Contudo, estava longe de esperar o que me aconteceu. Se o mal se tivesse limitado a piadas, pouco seria. Mas, ah! Graças aos que pouco entendem a Religião, tornei-me a ovelha negra do rebanho, a peste do distrito. Sou apontado como o precursor do anticristo. Usaram de toda influência ─ inclusive a calúnia ─ para me derrubar, tirar-me a freguesia, numa palavra, arruinar-me. Ah! Os Espíritos nos falam de perseguições, de mártires do Espiritismo. Não me orgulho com isso, mas, sem dúvida, estou entre as vítimas. É verdade que minha família sofre com isso, mas tenho o consolo de uma esposa que partilha de minhas ideias espíritas. Não tardará que meus filhos estejam em idade de compreender essa bela doutrina. Pretendo esclarecê-los em nossa bela crença. Que Deus me conserve a possibilidade ─ por mais que façam para ma tirar ─ de instruí-los e prepará-los para por sua vez lutarem, se isto for preciso.
“Os fatos relatados em vossa Revista do mês de maio têm uma chocante analogia com o que me aconteceu. Como o autor da carta, fui repelido impiedosamente do confessionário. Antes de tudo o vigário queria fazer-me renunciar às ideias espíritas. De sua imprudência resulta que jamais me verá nas cerimônias religiosas. Se ajo mal, deixo a responsabilidade ao seu autor.”
As passagens que se seguem são extraídas de uma carta que nos vem de uma aldeia dos Vosges. Conquanto estejamos autorizados a declinar o nome do autor e a localidade, não o faremos por uma questão compreensível, mas temos a carta em mãos e a usaremos quando reputarmos necessário. É idêntico a todos os casos citados e que, conforme sua maior ou menor importância, mais tarde figurarão na história do estabelecimento do Espiritismo.
“Não sou muito versado em literatura para tratar dignamente do assunto que pretendo. Não obstante, tentarei fazer-me compreender, desde que perdoeis a imperfeição do meu estilo e da minha redação, porque há vários meses ardo de desejo de me corresponder convosco, pois meu filho me enviou os preciosos livros que contêm as instruções da Doutrina Espírita e dos médiuns.
“Quando eu voltava do campo, ao cair da noite, avistei os livros que o carteiro trouxera. Apressei-me em jantar e deitar-me, com uma vela à cabeceira, pensando em ler até que o sono viesse fechar-me os olhos, mas li a noite inteira com tal avidez que não tive vontade de dormir.”
Segue a enumeração das causas que o haviam levado à absoluta incredulidade religiosa e que omitimos por uma questão de respeito.
“Todas estas considerações repassavam diariamente por meu espírito; o desgosto apoderara-se de mim; eu havia caído num estado de ceticismo duríssimo; depois, em minha triste solidão, de aborrecimento e desespero, julgando-me inútil à Sociedade, estava decidido a pôr termo a meus dias tão infelizes, pelo suicídio.
“Ah! Senhor! Não sei se alguém jamais poderá fazer uma ideia do efeito que produziu sobre mim a leitura de O Livro dos Espíritos.
“Renasceu a confiança; o amor de Deus tomou-me o coração e eu sentia como que um bálsamo divino em todo o meu ser. Ah! dizia eu, em toda a vida busquei a verdade e a justiça de Deus e só encontrei abusos e mentiras, e agora, em meus dias de velhice, tenho a felicidade de encontrar essa verdade tão desejada. Que mudança em minha situação que, de tão triste, tornou-se tão suave! Agora me acho continuamente em presença de Deus e de seus Espíritos bem-aventurados, meu criador, protetores, amigos fiéis.
“Creio que as mais belas expressões poéticas seriam insuficientes para pintar uma tão agradável situação. Quando meu peito fraco o permite, distraio-me cantando hinos e cânticos que, ao que parece, lhes são mais agradáveis. Enfim, sou feliz, graças ao Espiritismo. Ultimamente escrevi a meu filho, que me mandara aqueles livros, com o que me tornara mais feliz do que se tivesse posto em minhas mãos a mais brilhante fortuna.”
Segue-se um minucioso relato de ensaios de mediunidade, feitos na aldeia, entre adeptos, com os resultados obtidos. Entre aqueles apareceram vários médiuns, um dos quais parece admirável. Chamaram pais e amigos, que lhes deram incontestáveis provas de identidade e Espíritos Superiores que lhes deram conselhos excelentes.
“Todas essas evocações foram levadas ao cura por criaturas alcoviteiras, que em grande parte as desnaturaram. A 18 de maio último, ensinando o catecismo aos seus alunos para a primeira comunhão, o cura vomitou milhares de injúrias contra a casa C... (um dos principais adeptos) e contra mim. Depois, disse ao filho de C...: ‘Não te quero, mas em dois anos serás bastante forte para ganhar a vida. Aconselhote que deixes os teus pais, que não são capazes de te dar bons exemplos’. Que belo catecismo! Na mesma tarde, subiu ao púlpito de propósito, para repetir o sermão feito aos seus alunos pouco antes, dizendo com muita volubilidade que não reconhecíamos o inferno e não temíamos dedicar-nos ao roubo e à rapinagem para nos enriquecermos à custa alheia; que nos dávamos a sortilégios e superstições da Idade Média e mil outras invectivas.
“A propósito escrevi uma carta ao procurador imperial de M..., mas antes de enviá-la quis consultar o Espírito de São Vicente de Paulo na primeira reunião. Esse bom Espírito fez o médium escrever o seguinte: ‘Lembrai-vos destas palavras do Cristo: ‘Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem’’. Depois disso, queimei a minha carta.
“O ruído desta doutrina espalha-se por todas as aldeias vizinhas.
“Muitos me pediram e encomendaram livros, que não me restam. Todos os que compreendem um pouco a leitura querem conhecer e passam de mão em mão.
“Depois de haver lido O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns, meu primeiro cuidado foi ver se eu podia ser médium. Nada tendo obtido durante oito dias, comuniquei a meu filho a falta de êxito. Como ele morava perto de um magnetizador, este propôs que me escrevesse uma carta, que ele magnetizaria, e com isso eu poderia com certeza fazer a evocação de minha esposa. O pobre magnetizador não imaginava que me fornecia chicote para açoitá-lo.
“Com isso tornei-me médium auditivo. Pus-me novamente em posição de escrever e imediatamente disseram-me ao ouvido: ‘Procuram ludibriar teu filho’. Durante três dias, com uma força crescente, esse aviso me vinha ao ouvido e desviava a atenção que eu devia prestar ao que fazia. Escrevi ao meu filho sobre o caso, advertindo-o para que desconfiasse daquele homem. Na volta do correio escreveu-me, censurando as dúvidas que eu levantara contra aquele homem, que lhe merecia toda confiança. Poucos dias depois mandou-me nova carta, com linguagem diferente, dizendo que havia expulso o infeliz intrujão que, com aparência de honestidade, servia-se de sua suposta qualidade para melhor enganar as vítimas. Expulsando-o, mostrou-lhe a minha carta que de uma distância de cem léguas o havia pintado tão bem.”
OBSERVAÇÃO: Esta carta dispensa comentários. Vê-se que o sermão do senhor cura produziu efeito no meio dos aldeões, como alhures. Se, em tal circunstância, foi o diabo que tomou o nome de São Vicente de Paulo, o senhor cura lhe deve ser grato.
Não temos razão para dizer que os próprios adversários fazem a propaganda e, sem o querer, servem à nossa causa? Digamos, entretanto, que fatos como esse constituem exceções. Pelo menos preferimos assim pensar. Conhecemos muitos padres honestos, que deploram essas coisas, como impolíticas e imprudentes.
Se nos apontam alguns atos deploráveis, também nos assinalam muitos de um caráter verdadeiramente ético. Um sacerdote dizia a um seu penitente que o consultava sobre o Espiritismo:
“Nada acontece sem a permissão de Deus. Portanto, essas coisas só acontecem por sua vontade”.
Um moribundo mandou chamar um padre e lhe disse:
─ Senhor padre! Há cinquenta anos eu não frequentava as igrejas e havia esquecido Deus. Foi o Espiritismo que me reconduziu a ele e por isso vos mandei chamar antes de morrer. Dar-me-eis a absolvição?
─ Meu filho, ─ respondeu o padre, ─ os desígnios de Deus são impenetráveis. Dai-lhe graças por vos haver enviado essa tábua de salvação. Morrei em paz. Poderíamos citar cem casos semelhantes.
“Quando virem a impotência da arma do ridículo, experimentarão a da perseguição. Não mais haverá martírios sangrentos, mas muitos irão sofrer nos seus interesses e nas suas afeições. Procurarão desunir as famílias, reduzir os adeptos pela fome, dar-lhes alfinetadas, por vezes piores que a morte. Mas aí encontrarão ainda almas sólidas e fervorosas que saberão enfrentar as misérias do mundo, na esperança do futuro melhor que as espera. Lembrai-vos das palavras do divino Salvador: ‘Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados’. Tende certeza, entretanto, que a era da perseguição, na qual em breve entrareis, terá curta duração e os vossos inimigos colherão apenas vergonha, porque as armas que empregarem contra vós voltar-se-ão contra eles”.
Começou a era predita. De várias direções assinalam-vos atos que a gente lamenta sejam praticados pelos ministros de um Deus de paz e de caridade. Não falaremos das violências feitas à consciência, expulsando da igreja aqueles que a ela conduz o Espiritismo. Tendo tido tal meio resultados mais ou menos negativos, buscaram outros mais eficazes.
Poderíamos citar as localidades onde criaturas que vivem de seu trabalho foram ameaçadas de verem cortados os seus recursos; outras onde os adeptos foram marcados pela animadversão pública, perseguidos pelos moleques de rua; outras onde expulsam das escolas as crianças cujos pais se ocupam do Espiritismo; uma outra onde um pobre professor foi demitido e reduzido à miséria, porque tinha em casa O livro dos Espíritos. Deste recebemos tocante prece em versos, cheia dos mais nobres sentimentos e da mais sincera piedade. Acrescentemos que espírita benfeitor estendeu-lhe a mão; acrescentemos, ainda, em tais circunstâncias, que ele foi vítima de infame traição, por parte de um homem no qual havia confiado e que parecia entusiasmado por aquele livro.
Numa pequena cidade onde o Espiritismo conta com bom número de adeptos, um missionário disse do púlpito, na última quaresma: “Confio que no auditório só se encontrem bons fiéis, e que não haja nem judeus, nem protestantes, nem espíritas”. Parece que confiava muito pouco em sua palavra, para converter os que tivessem vindo ouvi-lo com o fito de se esclarecerem.
Numa comuna perto de Bordeaux quiseram impedir se reunissem mais de cinco espíritas, sob o pretexto de que isso era proibido por lei. Mas uma autoridade superior reconduziu a autoridade local à legalidade. Desse pequeno vexame resultou que hoje três quartos dessa comuna são espíritas.
No departamento de Tarn-et-Garonne, os espíritas de várias localidades quiseram reunir-se e foram acusados de conspiração contra o governo. Essa ridícula acusação caiu logo, como tinha de ser, e provocou o riso.
Em compensação, contaram-nos que um magistrado disse: “Prouvera a Deus que todo mundo fosse espírita! Nossos tribunais teriam menos que fazer e a ordem pública nada teria a temer.” Ele enunciou assim uma grande e profunda verdade, pois já se começa a perceber a influência moralizadora que o Espiritismo exerce sobre as massas.
Não é um resultado maravilhoso ver homens, sob a influência dessa crença, renunciarem ao alcoolismo, aos hábitos do deboche, aos excessos degradantes e ao suicídio? Homens violentos tornarem-se comportados, suaves, pacíficos e bons pais de família? Homens que blasfemavam o nome de Deus, orando com fervor e piedosamente aproximando-se dos altares? É a tais homens que expulsais da igreja! Ah! Rogai a Deus para que, se ainda estão reservados dias de provação à Humanidade, haja muitos espíritas, porque estes aprenderam a perdoar aos inimigos e consideram como primeiro dever do cristão estender-lhes a mão no momento do perigo, em vez de lhes pisar no pescoço.
Um livreiro da Charente escreve-nos o seguinte:
“Não temi proclamar abertamente minhas opiniões espíritas. Pus de lado as mesquinharias mundanas, sem me preocupar se o que fazia viria prejudicar o meu negócio. Contudo, estava longe de esperar o que me aconteceu. Se o mal se tivesse limitado a piadas, pouco seria. Mas, ah! Graças aos que pouco entendem a Religião, tornei-me a ovelha negra do rebanho, a peste do distrito. Sou apontado como o precursor do anticristo. Usaram de toda influência ─ inclusive a calúnia ─ para me derrubar, tirar-me a freguesia, numa palavra, arruinar-me. Ah! Os Espíritos nos falam de perseguições, de mártires do Espiritismo. Não me orgulho com isso, mas, sem dúvida, estou entre as vítimas. É verdade que minha família sofre com isso, mas tenho o consolo de uma esposa que partilha de minhas ideias espíritas. Não tardará que meus filhos estejam em idade de compreender essa bela doutrina. Pretendo esclarecê-los em nossa bela crença. Que Deus me conserve a possibilidade ─ por mais que façam para ma tirar ─ de instruí-los e prepará-los para por sua vez lutarem, se isto for preciso.
“Os fatos relatados em vossa Revista do mês de maio têm uma chocante analogia com o que me aconteceu. Como o autor da carta, fui repelido impiedosamente do confessionário. Antes de tudo o vigário queria fazer-me renunciar às ideias espíritas. De sua imprudência resulta que jamais me verá nas cerimônias religiosas. Se ajo mal, deixo a responsabilidade ao seu autor.”
As passagens que se seguem são extraídas de uma carta que nos vem de uma aldeia dos Vosges. Conquanto estejamos autorizados a declinar o nome do autor e a localidade, não o faremos por uma questão compreensível, mas temos a carta em mãos e a usaremos quando reputarmos necessário. É idêntico a todos os casos citados e que, conforme sua maior ou menor importância, mais tarde figurarão na história do estabelecimento do Espiritismo.
“Não sou muito versado em literatura para tratar dignamente do assunto que pretendo. Não obstante, tentarei fazer-me compreender, desde que perdoeis a imperfeição do meu estilo e da minha redação, porque há vários meses ardo de desejo de me corresponder convosco, pois meu filho me enviou os preciosos livros que contêm as instruções da Doutrina Espírita e dos médiuns.
“Quando eu voltava do campo, ao cair da noite, avistei os livros que o carteiro trouxera. Apressei-me em jantar e deitar-me, com uma vela à cabeceira, pensando em ler até que o sono viesse fechar-me os olhos, mas li a noite inteira com tal avidez que não tive vontade de dormir.”
Segue a enumeração das causas que o haviam levado à absoluta incredulidade religiosa e que omitimos por uma questão de respeito.
“Todas estas considerações repassavam diariamente por meu espírito; o desgosto apoderara-se de mim; eu havia caído num estado de ceticismo duríssimo; depois, em minha triste solidão, de aborrecimento e desespero, julgando-me inútil à Sociedade, estava decidido a pôr termo a meus dias tão infelizes, pelo suicídio.
“Ah! Senhor! Não sei se alguém jamais poderá fazer uma ideia do efeito que produziu sobre mim a leitura de O Livro dos Espíritos.
“Renasceu a confiança; o amor de Deus tomou-me o coração e eu sentia como que um bálsamo divino em todo o meu ser. Ah! dizia eu, em toda a vida busquei a verdade e a justiça de Deus e só encontrei abusos e mentiras, e agora, em meus dias de velhice, tenho a felicidade de encontrar essa verdade tão desejada. Que mudança em minha situação que, de tão triste, tornou-se tão suave! Agora me acho continuamente em presença de Deus e de seus Espíritos bem-aventurados, meu criador, protetores, amigos fiéis.
“Creio que as mais belas expressões poéticas seriam insuficientes para pintar uma tão agradável situação. Quando meu peito fraco o permite, distraio-me cantando hinos e cânticos que, ao que parece, lhes são mais agradáveis. Enfim, sou feliz, graças ao Espiritismo. Ultimamente escrevi a meu filho, que me mandara aqueles livros, com o que me tornara mais feliz do que se tivesse posto em minhas mãos a mais brilhante fortuna.”
Segue-se um minucioso relato de ensaios de mediunidade, feitos na aldeia, entre adeptos, com os resultados obtidos. Entre aqueles apareceram vários médiuns, um dos quais parece admirável. Chamaram pais e amigos, que lhes deram incontestáveis provas de identidade e Espíritos Superiores que lhes deram conselhos excelentes.
“Todas essas evocações foram levadas ao cura por criaturas alcoviteiras, que em grande parte as desnaturaram. A 18 de maio último, ensinando o catecismo aos seus alunos para a primeira comunhão, o cura vomitou milhares de injúrias contra a casa C... (um dos principais adeptos) e contra mim. Depois, disse ao filho de C...: ‘Não te quero, mas em dois anos serás bastante forte para ganhar a vida. Aconselhote que deixes os teus pais, que não são capazes de te dar bons exemplos’. Que belo catecismo! Na mesma tarde, subiu ao púlpito de propósito, para repetir o sermão feito aos seus alunos pouco antes, dizendo com muita volubilidade que não reconhecíamos o inferno e não temíamos dedicar-nos ao roubo e à rapinagem para nos enriquecermos à custa alheia; que nos dávamos a sortilégios e superstições da Idade Média e mil outras invectivas.
“A propósito escrevi uma carta ao procurador imperial de M..., mas antes de enviá-la quis consultar o Espírito de São Vicente de Paulo na primeira reunião. Esse bom Espírito fez o médium escrever o seguinte: ‘Lembrai-vos destas palavras do Cristo: ‘Perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem’’. Depois disso, queimei a minha carta.
“O ruído desta doutrina espalha-se por todas as aldeias vizinhas.
“Muitos me pediram e encomendaram livros, que não me restam. Todos os que compreendem um pouco a leitura querem conhecer e passam de mão em mão.
“Depois de haver lido O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns, meu primeiro cuidado foi ver se eu podia ser médium. Nada tendo obtido durante oito dias, comuniquei a meu filho a falta de êxito. Como ele morava perto de um magnetizador, este propôs que me escrevesse uma carta, que ele magnetizaria, e com isso eu poderia com certeza fazer a evocação de minha esposa. O pobre magnetizador não imaginava que me fornecia chicote para açoitá-lo.
“Com isso tornei-me médium auditivo. Pus-me novamente em posição de escrever e imediatamente disseram-me ao ouvido: ‘Procuram ludibriar teu filho’. Durante três dias, com uma força crescente, esse aviso me vinha ao ouvido e desviava a atenção que eu devia prestar ao que fazia. Escrevi ao meu filho sobre o caso, advertindo-o para que desconfiasse daquele homem. Na volta do correio escreveu-me, censurando as dúvidas que eu levantara contra aquele homem, que lhe merecia toda confiança. Poucos dias depois mandou-me nova carta, com linguagem diferente, dizendo que havia expulso o infeliz intrujão que, com aparência de honestidade, servia-se de sua suposta qualidade para melhor enganar as vítimas. Expulsando-o, mostrou-lhe a minha carta que de uma distância de cem léguas o havia pintado tão bem.”
OBSERVAÇÃO: Esta carta dispensa comentários. Vê-se que o sermão do senhor cura produziu efeito no meio dos aldeões, como alhures. Se, em tal circunstância, foi o diabo que tomou o nome de São Vicente de Paulo, o senhor cura lhe deve ser grato.
Não temos razão para dizer que os próprios adversários fazem a propaganda e, sem o querer, servem à nossa causa? Digamos, entretanto, que fatos como esse constituem exceções. Pelo menos preferimos assim pensar. Conhecemos muitos padres honestos, que deploram essas coisas, como impolíticas e imprudentes.
Se nos apontam alguns atos deploráveis, também nos assinalam muitos de um caráter verdadeiramente ético. Um sacerdote dizia a um seu penitente que o consultava sobre o Espiritismo:
“Nada acontece sem a permissão de Deus. Portanto, essas coisas só acontecem por sua vontade”.
Um moribundo mandou chamar um padre e lhe disse:
─ Senhor padre! Há cinquenta anos eu não frequentava as igrejas e havia esquecido Deus. Foi o Espiritismo que me reconduziu a ele e por isso vos mandei chamar antes de morrer. Dar-me-eis a absolvição?
─ Meu filho, ─ respondeu o padre, ─ os desígnios de Deus são impenetráveis. Dai-lhe graças por vos haver enviado essa tábua de salvação. Morrei em paz. Poderíamos citar cem casos semelhantes.
Uma reconciliação pelo Espiritismo.
Muitas vezes provou o Espiritismo sua benéfica influência restabelecendo a harmonia entre famílias e indivíduos. Disso temos numerosos exemplos, na maioria casos íntimos que nos foram confiados, por assim dizer, sob o selo da confissão e que, por isso, não podem ser revelados. Já não temos o mesmo escrúpulo para o fato seguinte, de tocante interesse.
Um capitão da marinha mercante do Havre, nosso conhecido pessoal, é excelente espírita e bom médium. Havia iniciado ao Espiritismo vários homens de sua equipagem e só tinha motivos para se felicitar pela ordem, disciplina e bom comportamento. Tinha a bordo seu irmão de dezoito anos e um piloto de dezenove, ambos bons médiuns, animados de fé viva e que recebiam com fervor e reconhecimento os sábios conselhos dos Espíritos protetores. Uma noite, porém, discutiram. Das palavras foram a vias de fato. Assim, acertaram lugar e hora para se baterem a bordo, na manhã seguinte. Tomada a decisão, separaram-se. À noite sentiram vontade de escrever e, cada qual de seu lado, recebeu dos guias invisíveis uma séria admoestação sobre a futilidade de sua discussão e conselhos sobre a felicidade da amizade, com um convite à reconciliação, sem preconceitos. Movidos pelo mesmo sentimento, os dois jovens deixaram simultaneamente seu lugar, e vieram chorando lançar-se nos braços um do outro. Desde então nenhuma nuvem turvou a sua mútua compreensão.
O próprio capitão nos fez o relato. Vimos o seu caderno de comunicações espíritas, bem como os dos dois jovens, onde lemos aquela de que acabamos de falar.
O fato seguinte ocorreu ao mesmo capitão, numa de suas travessias. Temos o prazer de transcrevê-lo, posto que alheio ao nosso assunto.
Foi em alto mar, com o melhor tempo do mundo, quando ele recebeu a seguinte comunicação: “Toma todas as precauções, porque amanhã, às duas horas, cairá uma borrasca e teu navio correrá grande perigo.”
Como nada deixava prever o mau tempo, o capitão logo pensou numa mistificação. Contudo, para não ter motivos para censurar-se, ao acaso tomou algumas medidas. Não teve de que se arrepender, pois exatamente na hora predita desencadeou-se violenta tempestade e durante três dias o navio enfrentou os maiores perigos que já lhe ocorreram. Graças, porém, às precauções tomadas, safou-se sem acidentes.
O fato da reconciliação sugeriu-nos as seguintes reflexões.
Um dos resultados do Espiritismo bem compreendido ─ e insistimos na expressão bem compreendido ─ é o desenvolvimento do sentimento de caridade. Mas, como se sabe, a própria caridade tem um conceito muito elástico, que vai desde a simples esmola até o amor aos inimigos, que é a sublimação da caridade. Pode-se dizer que ela resume todos os nobres impulsos da alma para com o próximo. O verdadeiro espírita, como o verdadeiro cristão, pode ter inimigos. Não os teve o Cristo? Mas ele não é o inimigo de ninguém, pois está sempre apto a perdoar e a pagar o mal com o bem.
Se dois verdadeiros espíritas tiverem tido outrora motivos para recíproca animosidade, sua reconciliação será fácil, porque o ofendido esquece a ofensa e o ofensor reconhece a sua sem-razão. Desde então não mais querelas entre eles, porque serão reciprocamente indulgentes e farão mútuas concessões. Nenhum deles procurará impor ao outro um perdão humilhante, que irrita e fere mais do que acalma.
Se, em tais condições, dois indivíduos podem viver em boa harmonia, pode dar-se o mesmo com um grande número de indivíduos, que então serão tão felizes quanto é possível sê-lo na Terra, porque a maior parte de nossas atribulações surge do contato com os maus. Suponde, então, uma nação inteira imbuída de tais princípios. Não seria ela a mais feliz do mundo?
Aquilo que é, quando muito, possível para os indivíduos, dirão uns, é utopia para as massas, a menos que se dê um milagre. Ora! Tal milagre, o Espiritismo já fez muitas vezes, em pequena escala, nas famílias desunidas, onde restabeleceu a paz e a concórdia. O futuro provará que pode fazê-lo em larga escala.
Um capitão da marinha mercante do Havre, nosso conhecido pessoal, é excelente espírita e bom médium. Havia iniciado ao Espiritismo vários homens de sua equipagem e só tinha motivos para se felicitar pela ordem, disciplina e bom comportamento. Tinha a bordo seu irmão de dezoito anos e um piloto de dezenove, ambos bons médiuns, animados de fé viva e que recebiam com fervor e reconhecimento os sábios conselhos dos Espíritos protetores. Uma noite, porém, discutiram. Das palavras foram a vias de fato. Assim, acertaram lugar e hora para se baterem a bordo, na manhã seguinte. Tomada a decisão, separaram-se. À noite sentiram vontade de escrever e, cada qual de seu lado, recebeu dos guias invisíveis uma séria admoestação sobre a futilidade de sua discussão e conselhos sobre a felicidade da amizade, com um convite à reconciliação, sem preconceitos. Movidos pelo mesmo sentimento, os dois jovens deixaram simultaneamente seu lugar, e vieram chorando lançar-se nos braços um do outro. Desde então nenhuma nuvem turvou a sua mútua compreensão.
O próprio capitão nos fez o relato. Vimos o seu caderno de comunicações espíritas, bem como os dos dois jovens, onde lemos aquela de que acabamos de falar.
O fato seguinte ocorreu ao mesmo capitão, numa de suas travessias. Temos o prazer de transcrevê-lo, posto que alheio ao nosso assunto.
Foi em alto mar, com o melhor tempo do mundo, quando ele recebeu a seguinte comunicação: “Toma todas as precauções, porque amanhã, às duas horas, cairá uma borrasca e teu navio correrá grande perigo.”
Como nada deixava prever o mau tempo, o capitão logo pensou numa mistificação. Contudo, para não ter motivos para censurar-se, ao acaso tomou algumas medidas. Não teve de que se arrepender, pois exatamente na hora predita desencadeou-se violenta tempestade e durante três dias o navio enfrentou os maiores perigos que já lhe ocorreram. Graças, porém, às precauções tomadas, safou-se sem acidentes.
O fato da reconciliação sugeriu-nos as seguintes reflexões.
Um dos resultados do Espiritismo bem compreendido ─ e insistimos na expressão bem compreendido ─ é o desenvolvimento do sentimento de caridade. Mas, como se sabe, a própria caridade tem um conceito muito elástico, que vai desde a simples esmola até o amor aos inimigos, que é a sublimação da caridade. Pode-se dizer que ela resume todos os nobres impulsos da alma para com o próximo. O verdadeiro espírita, como o verdadeiro cristão, pode ter inimigos. Não os teve o Cristo? Mas ele não é o inimigo de ninguém, pois está sempre apto a perdoar e a pagar o mal com o bem.
Se dois verdadeiros espíritas tiverem tido outrora motivos para recíproca animosidade, sua reconciliação será fácil, porque o ofendido esquece a ofensa e o ofensor reconhece a sua sem-razão. Desde então não mais querelas entre eles, porque serão reciprocamente indulgentes e farão mútuas concessões. Nenhum deles procurará impor ao outro um perdão humilhante, que irrita e fere mais do que acalma.
Se, em tais condições, dois indivíduos podem viver em boa harmonia, pode dar-se o mesmo com um grande número de indivíduos, que então serão tão felizes quanto é possível sê-lo na Terra, porque a maior parte de nossas atribulações surge do contato com os maus. Suponde, então, uma nação inteira imbuída de tais princípios. Não seria ela a mais feliz do mundo?
Aquilo que é, quando muito, possível para os indivíduos, dirão uns, é utopia para as massas, a menos que se dê um milagre. Ora! Tal milagre, o Espiritismo já fez muitas vezes, em pequena escala, nas famílias desunidas, onde restabeleceu a paz e a concórdia. O futuro provará que pode fazê-lo em larga escala.
Resposta ao convite dos espíritas de Lyon e de Bordeaux
Meus caros irmãos e amigos espíritas de Lyon,
Apresso-me em vos dizer quanto sou sensível ao novo testemunho de simpatia que me acabais de dar, com o amável e grato convite para visitar-vos também este ano. Aceito-o com prazer, porque para mim é sempre uma felicidade encontrar-me em vosso meio.
Amigos, minha alegria é grande ao ver a família crescer a olhos vistos. É a mais eloquente resposta que se pode dar aos tolos e ignóbeis ataques contra o Espiritismo. Parece que tal crescimento lhes aumenta o furor, porque, hoje mesmo, recebi uma carta de Lyon, anunciando a remessa de um jornal dessa cidade, La France littéraire, no qual a doutrina em geral, e minhas obras em particular, são agredidas de maneira tão desagradável que me consultam se devem responder pela imprensa ou pelos tribunais. Digo que a resposta deve ser o desprezo.
Se a doutrina não fizesse progressos, se minhas obras fossem natimortas, ninguém se inquietaria e nada diriam. São os nossos sucessos que exasperam os inimigos. Deixemo-los, pois, derramar a sua raiva impotente, que mostra como sentem próxima a sua derrota. Eles não são tão tolos para se agarrarem a um aborto. Quanto mais ignóbeis forem os seus ataques, menos estes devem ser temidos, porque são desprezados pelas criaturas honestas e provam que eles não têm boas razões a opor, pois só sabem dizer injúrias.
Continuai, pois, meus amigos, a grande obra de regeneração iniciada sob tão felizes auspícios, e em breve colhereis os frutos da perseverança. Provai, sobretudo por vossa união e pela prática do bem, que o Espiritismo é a dádiva da paz e da concórdia entre os homens, e fazei que vendo-vos se possa dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.
Meus amigos, sinto-me feliz por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo para todos, não poderia haver divisões. Uma mesma bandeira vos deve guiar e nela está inscrito: Fora da caridade não há salvação. Ficai certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira sentirá necessidade de se unir, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela inveja e pela cupidez. Essa máxima, verdadeira âncora de salvação, pois será o repouso após a fadiga, o Espiritismo terá a glória de havê-la proclamado por primeiro. Inscrevei-a em todos os locais de reunião e em vossas casas. Que ela seja, de agora em diante, a palavra de união entre todos os homens que sinceramente querem o bem, sem segundas intenções pessoais. Mas fazei melhor ainda: Gravai-a em vossos corações, e desde já desfrutareis a calma e a serenidade que aí acharão as gerações futuras, quando ela será a base das relações sociais. Vós sois os pioneiros. Deveis dar o exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem.
Não esqueçais que a tática dos vossos inimigos encarnados e desencarnados é dividir-vos. Provai-lhes que perdem seu tempo na tentativa de suscitar, entre os grupos, sentimentos de inveja e rivalidades, que seriam uma apostasia da verdadeira doutrina espírita cristã.
As 500 assinaturas que subscrevem o convite que tivestes a bondade de me enviar representam uma manifestação contra essa tentativa, e há muitas outras que terei o prazer de aí ver. Aos meus olhos é mais que simples fórmula. É um compromisso de marchar pelo caminho que nos traçam os bons Espíritos. Eu as conservarei preciosamente, porque um dia constituirão os gloriosos arquivos do Espiritismo.
Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos estão duros. Não devemos fazer despesas inúteis. O dinheiro que isso custaria seria melhor empregado em auxílio aos que mais tarde necessitarão. Eu vos digo com toda a sinceridade que o pensamento de que aquilo que faríeis por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos, me tiraria o prazer da reunião.
Não vou a Lyon para exibição nem para receber homenagens, mas para me entender convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos e ajudar-vos com os meus conselhos, tanto quanto estiver em minhas possibilidades. O que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Crede que os termos tão afetuosos do vosso convite valem para mim mais que todos os banquetes do mundo, ainda que oferecidos num palácio. Que me restaria de um banquete? Nada, ao passo que vosso convite fica como preciosa lembrança e uma prova de vossa afeição.
Até breve, meus amigos.
Se Deus quiser, terei o prazer de vos apertar as mãos cordialmente.
A.K.
Apresso-me em vos dizer quanto sou sensível ao novo testemunho de simpatia que me acabais de dar, com o amável e grato convite para visitar-vos também este ano. Aceito-o com prazer, porque para mim é sempre uma felicidade encontrar-me em vosso meio.
Amigos, minha alegria é grande ao ver a família crescer a olhos vistos. É a mais eloquente resposta que se pode dar aos tolos e ignóbeis ataques contra o Espiritismo. Parece que tal crescimento lhes aumenta o furor, porque, hoje mesmo, recebi uma carta de Lyon, anunciando a remessa de um jornal dessa cidade, La France littéraire, no qual a doutrina em geral, e minhas obras em particular, são agredidas de maneira tão desagradável que me consultam se devem responder pela imprensa ou pelos tribunais. Digo que a resposta deve ser o desprezo.
Se a doutrina não fizesse progressos, se minhas obras fossem natimortas, ninguém se inquietaria e nada diriam. São os nossos sucessos que exasperam os inimigos. Deixemo-los, pois, derramar a sua raiva impotente, que mostra como sentem próxima a sua derrota. Eles não são tão tolos para se agarrarem a um aborto. Quanto mais ignóbeis forem os seus ataques, menos estes devem ser temidos, porque são desprezados pelas criaturas honestas e provam que eles não têm boas razões a opor, pois só sabem dizer injúrias.
Continuai, pois, meus amigos, a grande obra de regeneração iniciada sob tão felizes auspícios, e em breve colhereis os frutos da perseverança. Provai, sobretudo por vossa união e pela prática do bem, que o Espiritismo é a dádiva da paz e da concórdia entre os homens, e fazei que vendo-vos se possa dizer que seria desejável que todos fossem espíritas.
Meus amigos, sinto-me feliz por ver tantos grupos unidos no mesmo sentimento, marchando de comum acordo para o nobre objetivo a que nos propomos. Sendo tal objetivo exatamente o mesmo para todos, não poderia haver divisões. Uma mesma bandeira vos deve guiar e nela está inscrito: Fora da caridade não há salvação. Ficai certos de que em torno dela é que a Humanidade inteira sentirá necessidade de se unir, quando se cansar das lutas engendradas pelo orgulho, pela inveja e pela cupidez. Essa máxima, verdadeira âncora de salvação, pois será o repouso após a fadiga, o Espiritismo terá a glória de havê-la proclamado por primeiro. Inscrevei-a em todos os locais de reunião e em vossas casas. Que ela seja, de agora em diante, a palavra de união entre todos os homens que sinceramente querem o bem, sem segundas intenções pessoais. Mas fazei melhor ainda: Gravai-a em vossos corações, e desde já desfrutareis a calma e a serenidade que aí acharão as gerações futuras, quando ela será a base das relações sociais. Vós sois os pioneiros. Deveis dar o exemplo, a fim de encorajar os outros a vos seguirem.
Não esqueçais que a tática dos vossos inimigos encarnados e desencarnados é dividir-vos. Provai-lhes que perdem seu tempo na tentativa de suscitar, entre os grupos, sentimentos de inveja e rivalidades, que seriam uma apostasia da verdadeira doutrina espírita cristã.
As 500 assinaturas que subscrevem o convite que tivestes a bondade de me enviar representam uma manifestação contra essa tentativa, e há muitas outras que terei o prazer de aí ver. Aos meus olhos é mais que simples fórmula. É um compromisso de marchar pelo caminho que nos traçam os bons Espíritos. Eu as conservarei preciosamente, porque um dia constituirão os gloriosos arquivos do Espiritismo.
Ainda uma palavra, meus amigos. Indo ver-vos, uma coisa desejo: é que não haja banquete, e isto por vários motivos. Não quero que minha visita seja ocasião para despesas que poderiam impedir a presença de alguns e privar-me do prazer de ver todos reunidos. Os tempos estão duros. Não devemos fazer despesas inúteis. O dinheiro que isso custaria seria melhor empregado em auxílio aos que mais tarde necessitarão. Eu vos digo com toda a sinceridade que o pensamento de que aquilo que faríeis por mim em tal circunstância poderia ser uma causa de privação para muitos, me tiraria o prazer da reunião.
Não vou a Lyon para exibição nem para receber homenagens, mas para me entender convosco, consolar os aflitos, encorajar os fracos e ajudar-vos com os meus conselhos, tanto quanto estiver em minhas possibilidades. O que de mais agradável me podeis oferecer é o espetáculo de uma união boa, franca e sólida. Crede que os termos tão afetuosos do vosso convite valem para mim mais que todos os banquetes do mundo, ainda que oferecidos num palácio. Que me restaria de um banquete? Nada, ao passo que vosso convite fica como preciosa lembrança e uma prova de vossa afeição.
Até breve, meus amigos.
Se Deus quiser, terei o prazer de vos apertar as mãos cordialmente.
A.K.
AO SR. SABÒ, DE BORDEAUX
Sinto-me sensibilizado pelo desejo que me testemunharam muitos espíritas de Bordeaux, de ver-me entre eles ainda este ano. Se não surgir qualquer obstáculo imprevisto, tenho a intenção de lhes fazer uma breve visita, pelo menos para lhes agradecer a boa acolhida do ano passado. Mas, tenho a satisfação de lhes dar a conhecer que desejo não haja banquete. Não vou ao vosso meio para receber ovações, mas para dar instruções aos que delas sentem necessidade e com os quais terei o prazer de conversar.
Alguns quiseram dar à minha visita o nome de visita pastoral. Não desejo que tenha outro caráter. Crede que me sinto mais honrado com um franco e cordial acolhimento de forma muito simples do que com uma recepção cerimoniosa, que nem convém ao meu caráter e hábitos, nem aos meus princípios.
Se entre eles não reinasse união, não seria um banquete que a produziria. Ao contrário. Se ela existe, pode manifestar-se de outra forma que não seja por uma festa, em que haverá lugar para o amor-próprio, mas que não tocaria um verdadeiro espírita, nem por uma despesa inútil, que seria mais bem empregada em aliviar infortúnios. Cotizai-vos, pois, em minha intenção, se o quiserdes, e permiti que eu contribua com o meu óbolo. Mas, em vez de comer o dinheiro, que ele sirva para alimentar aqueles a quem falta o necessário. Então será uma festa do coração e não do estômago. Mais vale ser abençoado pelos infelizes que pelos cozinheiros.
A sinceridade da união traduz-se por atos e, mais ainda, por atos íntimos do que por demonstrações aparatosas. Que eu veja por toda parte reinar a paz e a concórdia na grande família. Que cada um ponha de lado as vãs suscetibilidades e as rivalidades pueris, filhas do orgulho. Que todos tenham como objetivo único o triunfo e a propagação da doutrina, e que para isso concorram com zelo, perseverança e abnegação de todo interesse e de toda vaidade pessoal. Eis o que para mim será uma verdadeira festa; o que me cumulará de prazer e me permitirá trazer da segunda visita a Bordeaux a mais suave e agradável lembrança.
Peço-vos comuniqueis minhas intenções aos nossos irmãos espíritas e crer-me, etc.
A.K.
Achamo-nos no dever de publicar estas duas respostas, para que não se equivoquem quanto aos sentimentos que nos guiam nas visitas que fazemos aos centros espíritas. Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos de outras cidades que nos fizeram idêntico convite. Lamentamos que o tempo não nos permita ir a toda parte. Fá-lo-emos sucessivamente.
No instante de expedi-las, um convite dos mais gentis e atenciosos nos é feito em nome dos membros da Sociedade Espírita de Viena - Áustria. Lamentamos muito a absoluta impossibilidade de irmos até lá este ano.
Alguns quiseram dar à minha visita o nome de visita pastoral. Não desejo que tenha outro caráter. Crede que me sinto mais honrado com um franco e cordial acolhimento de forma muito simples do que com uma recepção cerimoniosa, que nem convém ao meu caráter e hábitos, nem aos meus princípios.
Se entre eles não reinasse união, não seria um banquete que a produziria. Ao contrário. Se ela existe, pode manifestar-se de outra forma que não seja por uma festa, em que haverá lugar para o amor-próprio, mas que não tocaria um verdadeiro espírita, nem por uma despesa inútil, que seria mais bem empregada em aliviar infortúnios. Cotizai-vos, pois, em minha intenção, se o quiserdes, e permiti que eu contribua com o meu óbolo. Mas, em vez de comer o dinheiro, que ele sirva para alimentar aqueles a quem falta o necessário. Então será uma festa do coração e não do estômago. Mais vale ser abençoado pelos infelizes que pelos cozinheiros.
A sinceridade da união traduz-se por atos e, mais ainda, por atos íntimos do que por demonstrações aparatosas. Que eu veja por toda parte reinar a paz e a concórdia na grande família. Que cada um ponha de lado as vãs suscetibilidades e as rivalidades pueris, filhas do orgulho. Que todos tenham como objetivo único o triunfo e a propagação da doutrina, e que para isso concorram com zelo, perseverança e abnegação de todo interesse e de toda vaidade pessoal. Eis o que para mim será uma verdadeira festa; o que me cumulará de prazer e me permitirá trazer da segunda visita a Bordeaux a mais suave e agradável lembrança.
Peço-vos comuniqueis minhas intenções aos nossos irmãos espíritas e crer-me, etc.
A.K.
Achamo-nos no dever de publicar estas duas respostas, para que não se equivoquem quanto aos sentimentos que nos guiam nas visitas que fazemos aos centros espíritas. Aproveitamos a oportunidade para agradecer aos de outras cidades que nos fizeram idêntico convite. Lamentamos que o tempo não nos permita ir a toda parte. Fá-lo-emos sucessivamente.
No instante de expedi-las, um convite dos mais gentis e atenciosos nos é feito em nome dos membros da Sociedade Espírita de Viena - Áustria. Lamentamos muito a absoluta impossibilidade de irmos até lá este ano.
Poesias espíritas
Peregrinação da almaAssim como o sangue, na circulação
Em íntimas gotas vem do coração,
Nossa vida emana, sim, da Divindade
No infinito gravita durante a Eternidade.
A Terra é um lugar de prova e sofrimento;
Aí está o nosso pranto, aí o ranger de dentes.
Aí é o inferno e o nosso livramento,
Na proporção do mal, em seus antecedentes.
Assim, pois, cada um deixando este vil mundo,
Se eleva mais ou menos, vai a outro planeta.
Conforme for mais puro, ou for ainda imundo,
Seu ser se desenvolve, ou aqui resta grilheta.
É que ninguém atinge do eleito a posição,
Sem antes expiar todos os malefícios,
Se o cáustico remorso, pesar e oração
Não lançam sobre o mal o véu dos benefícios.
Como um errante Espírito, manchado inda de lama,
Vem tomar novo corpo aqui, para sofrer,
Renascer para a virtude numa família humana
Depurar-se no bem e de novo morrer.
Encarnar-se entre nós vêm por devotamento
É vontade de Deus as almas escolhidas,
Servas de um Deus bom, do grão merecimento
Pregar a lei do amor, curar nossas feridas.
E uma vez terminada esta missão tão santa
Logo Deus as destaca ao celeste labor,
De onde a alma se eleva e alegremente canta
Nesse coro infinito do oceano do amor.
Terminadas, assim, nossas provas um dia.
Pelo amor elevados a santas regiões,
Triunfantes iremos ao seio da harmonia,
A aumentar dos eleitos as nobres legiões.
Lá por felicidade e cúmulo de delícias
Aos que nos foram caros Deus nos reunirá;
Fundidos na ventura de mui santas carícias
De um Céu sempre puro nos abençoará.
No bem, como no belo, mudada a condição,
Seremos transferidos para a santa cidade
Onde veremos, sim, crescer a gratidão
Pelo imenso tesouro que é a Felicidade.
Dos mundos graduados seguindo a imensa escala,
Sempre mais depurados, mudando de confins,
Iremos terminar onde tudo se instala,
A renascer do amor, brilhantes serafins.
De uma raça nova seremos pioneiros
E os anjos da guarda dos homens do futuro;
Da vontade de Deus seremos mensageiros
Vigilantes fiéis de um mundo nascituro.
De Deus tal é o poder real, assim parece,
No imenso percurso da pobre Humanidade.
Inclinemos, então, que a ordem não perece:
Cantando glória a Deus por toda a Eternidade.
OBSERVAÇÃO: Talvez possam os críticos severos fazer algumas restrições a esses versos. Deixamo-lhes a tarefa e consideramos apenas a ideia, cuja justeza, do ponto de vista espírita, não pode ser negada. É mesmo a alma em suas peregrinações, pelo trabalho depurador, para chegar à felicidade sem fim. Um ponto, entretanto, que parece dominar, é muito ortodoxo, e não poderíamos admiti-lo. Está expresso na quadra da epigrafe: No infinito gravita durante a Eternidade. Se por isso entende o autor que a alma sobe incessantemente, resulta que jamais chegaria à felicidade perfeita. Diz a razão que, sendo a alma um ser finito, sua ascensão para o bem absoluto deve ter um limite; que, chegada a um certo ponto, não ficará em perpétua contemplação, aliás, pouco atraente, e que seria uma perpétua inutilidade, mas terá uma atividade incessante e bem-aventurada, como auxiliar da Divindade.
[1] Por uma falha tipográfica, o original foi publicado sem a quinta estrofe. O Sr. Allan Kardec a incluiu no número de novembro, com uma pequena nota explicativa. Pondo aquela estrofe no devido lugar, pareceu-nos necessário este aviso e desnecessária a nota final do mês de novembro. O Tradutor.
[1] Por uma falha tipográfica, o original foi publicado sem a quinta estrofe. O Sr. Allan Kardec a incluiu no número de novembro, com uma pequena nota explicativa. Pondo aquela estrofe no devido lugar, pareceu-nos necessário este aviso e desnecessária a nota final do mês de novembro. O Tradutor.
O anjo da guarda (Sociedade espírita Africana - Médium: Srta. O...)
Pobres humanos, que sofreis na Terra,
Consolai-vos, enxugai o pranto.
Em vão ronca a tormenta sobre vós:
Os guias vos envolvem com seu manto.
Deus, o Deus tão bom e vosso pai,
A todos deu um anjo e um irmão.
De voz amiga, ajuda e proteção.
Queremos após esta vida
A vossa felicidade
E conduzir-vos ao Céu,
Aos planos da claridade.
Se vísseis nosso sorriso,
Aos vossos passos primeiros,
Se vísseis nossa tristeza
Quando ficais derradeiros!
Queremos só ensinar
O segredo que é o bem
Para que vos torneis anjos,
Anjos da guarda também.
Sim, após todas as penas,
Já vos tendo depurado,
O Senhor vos manda à Terra
Do progresso encarregado.
Assistindo os pequeninos
De modo suave e terno,
Puro como o amor materno.
Guiai, então, com segurança
Para a celeste esperança.
DULCIS
OBSERVAÇÃO: Estes versos e mais outros, de certa extensão, não menos notáveis, sob o título A Criança e o Ateu, que publicaremos no próximo número, foram publicados no Echo de Sétif da Argélia, a 31 de julho de 1862, precedidas da seguinte nota:
“Um dos nossos assinantes enviou-nos as duas poesias que se seguem recebidas por um médium de Constantina, nos primeiros dias deste mês. Embora não os considerando isentos de crítica, do ponto de vista das regras de versificação, nós os publicamos porque explicam, pelo menos em parte, a Doutrina Espírita, que tende a se espalhar por toda a superfície do globo.”
Esse médium parece ter a especialidade da poesia. Ele já recebeu grande número de versos, que escreve com incrível facilidade, sem nenhuma rasura, posto desconheça as regras da métrica. Vimos um membro da Sociedade de Constantina, em presença do qual foram escritos.
OBSERVAÇÃO: Estes versos e mais outros, de certa extensão, não menos notáveis, sob o título A Criança e o Ateu, que publicaremos no próximo número, foram publicados no Echo de Sétif da Argélia, a 31 de julho de 1862, precedidas da seguinte nota:
“Um dos nossos assinantes enviou-nos as duas poesias que se seguem recebidas por um médium de Constantina, nos primeiros dias deste mês. Embora não os considerando isentos de crítica, do ponto de vista das regras de versificação, nós os publicamos porque explicam, pelo menos em parte, a Doutrina Espírita, que tende a se espalhar por toda a superfície do globo.”
Esse médium parece ter a especialidade da poesia. Ele já recebeu grande número de versos, que escreve com incrível facilidade, sem nenhuma rasura, posto desconheça as regras da métrica. Vimos um membro da Sociedade de Constantina, em presença do qual foram escritos.
Dissertações espíritas
Estudos uranográficos (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sr. Flammarion)De certo modo, as três comunicações abaixo constituem a iniciação de um jovem médium. Vê-se o que prometem para o futuro. São a introdução a uma série de estudos, ditados pelo Espírito que se propõe desenvolver, sob o título de Estudos Uranográficos. Deixamos ao leitor a apreciação do fundo e da forma.
I
Há tempos vos foi anunciado, aqui e alhures, por vários Espíritos e diversos médiuns, que vos seriam feitas revelações sobre o sistema dos mundos. Fui chamado a contribuir para tal predição, na ordem de meu destino.
Antes de abrir o que poderia chamar os nossos estudos uranográficos, importa fixar bem o primeiro princípio, a fim de que o edifício, assentado em bases sólidas, tenha condições de durabilidade.
Esse primeiro princípio, essa primeira causa, é o grande e soberano poder que deu vida aos mundos e aos seres; este preâmbulo a toda meditação séria é Deus. Ante esse nome venerado tudo se inclina e a harpa etérea dos Céus faz vibrar as suas cordas de ouro.
Oh! vós, filhos da Terra, vós que há tanto tempo balbuciais esse grande nome sem compreendê-lo, quantas teorias aventurosas foram escritas desde o começo das idades nos anais da filosofia humana! Quantas interpretações erradas da consciência universal vieram à luz através de crenças caducas dos povos antigos! E, hoje ainda, que a era cristã em seu esplendor raiou sobre o mundo, que ideia se faz do primeiro dos seres, do ser por excelência, daquele que é?
Não vimos, nos últimos tempos, o panteísmo orgulhoso elevar-se soberbo até aquele que julgou certo qualificar de ser absorvente, de grande todo, de cujo seio tudo saiu e no qual tudo deve entrar e se confundir um dia, sem distinção de individualidades?
Não vimos o ateísmo grosseiro instalar vergonhosamente o ceticismo negativista e corruptor de todo progresso intelectual, a despeito do que tenham dito os sofistas seus defensores?
Seria interminável mencionar escrupulosamente todos os erros que foram aceitos a respeito do princípio primordial e eterno, e a reflexão é bastante para vos mostrar que o homem terreno errará sempre que pretender explicar esse problema insolúvel para muitos Espíritos desencarnados.
Cabe-nos dizer-vos implicitamente que deveis, ou melhor, que nós devemos inclinar-nos humildemente ante o Grande Ser. Cabe-nos dizer-vos, filhos, que se de nós depende nos elevarmos até a ideia do Ser Infinito, isso nos deve bastar e interditar a todos a orgulhosa pretensão de manter os olhos abertos diante do Sol, sem ficarmos logo enceguecidos pelo deslumbrante esplendor de Deus na sua eterna glória.
Guardai bem isto, porque é o prelúdio de nossos estudos: Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas, e poderemos penetrar juntos, humildemente e ao mesmo tempo estudiosamente, no santuário onde ele semeou os dons de seu infinito poder.
GALILEU
Há tempos vos foi anunciado, aqui e alhures, por vários Espíritos e diversos médiuns, que vos seriam feitas revelações sobre o sistema dos mundos. Fui chamado a contribuir para tal predição, na ordem de meu destino.
Antes de abrir o que poderia chamar os nossos estudos uranográficos, importa fixar bem o primeiro princípio, a fim de que o edifício, assentado em bases sólidas, tenha condições de durabilidade.
Esse primeiro princípio, essa primeira causa, é o grande e soberano poder que deu vida aos mundos e aos seres; este preâmbulo a toda meditação séria é Deus. Ante esse nome venerado tudo se inclina e a harpa etérea dos Céus faz vibrar as suas cordas de ouro.
Oh! vós, filhos da Terra, vós que há tanto tempo balbuciais esse grande nome sem compreendê-lo, quantas teorias aventurosas foram escritas desde o começo das idades nos anais da filosofia humana! Quantas interpretações erradas da consciência universal vieram à luz através de crenças caducas dos povos antigos! E, hoje ainda, que a era cristã em seu esplendor raiou sobre o mundo, que ideia se faz do primeiro dos seres, do ser por excelência, daquele que é?
Não vimos, nos últimos tempos, o panteísmo orgulhoso elevar-se soberbo até aquele que julgou certo qualificar de ser absorvente, de grande todo, de cujo seio tudo saiu e no qual tudo deve entrar e se confundir um dia, sem distinção de individualidades?
Não vimos o ateísmo grosseiro instalar vergonhosamente o ceticismo negativista e corruptor de todo progresso intelectual, a despeito do que tenham dito os sofistas seus defensores?
Seria interminável mencionar escrupulosamente todos os erros que foram aceitos a respeito do princípio primordial e eterno, e a reflexão é bastante para vos mostrar que o homem terreno errará sempre que pretender explicar esse problema insolúvel para muitos Espíritos desencarnados.
Cabe-nos dizer-vos implicitamente que deveis, ou melhor, que nós devemos inclinar-nos humildemente ante o Grande Ser. Cabe-nos dizer-vos, filhos, que se de nós depende nos elevarmos até a ideia do Ser Infinito, isso nos deve bastar e interditar a todos a orgulhosa pretensão de manter os olhos abertos diante do Sol, sem ficarmos logo enceguecidos pelo deslumbrante esplendor de Deus na sua eterna glória.
Guardai bem isto, porque é o prelúdio de nossos estudos: Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas, e poderemos penetrar juntos, humildemente e ao mesmo tempo estudiosamente, no santuário onde ele semeou os dons de seu infinito poder.
GALILEU
II
Estabelecido o primeiro ponto de nossa tese, a segunda questão que se apresenta é a do poder que conserva os seres e que se convencionou chamar Natureza. Depois do vocábulo que tudo resume, aquele que tudo representa. Mas o que é a Natureza?
Ouvi antes a definição do naturalista moderno. Ele diz que “A Natureza é o trono exterior do poder divino”. A tal definição juntarei esta, que resume todas as ideias dos observadores: “A Natureza é o poder efetivo do Criador”. Notemos a dupla explicação do mesmo vocábulo que, por uma maravilhosa combinação da linguagem, representa duas coisas à primeira vista tão diversas. Com efeito, a Natureza, no primeiro sentido, representa o efeito, cuja causa é expressa no segundo. Uma paisagem do horizonte sem fim; de árvores exuberantes sob as quais sentimos a vida subir com a seiva; de um prado esmaltado de flores perfumosas e coroado pelo sol, a isso se chama Natureza.
Agora, se se quiser designar a força que orienta os astros no espaço ou que faz germinar o grão de trigo? É ainda a Natureza.
Que a constatação dessas várias expressões seja para vós uma fonte de profundas reflexões; que ela sirva para ensinar-vos que se nos servimos do mesmo vocábulo para significar o efeito e a causa, é que realmente causa e efeito são uma só e a mesma coisa.
O astro atrai o astro, no espaço, segundo leis inerentes à constituição do Universo, e é atraído com força idêntica à que nele reside. Eis a causa e o efeito.
O raio solar perfuma a flor e a abelha aí vai buscar o mel. Aqui, o perfume ainda é efeito e causa.
Onde quer que na Terra ponhais os olhos, podereis constatar essa dupla natureza.
Concluamos daí que se a Natureza é, como a denominei, a força efetiva de Deus, ela é, ao mesmo tempo, o trono desse mesmo poder; ela é ao mesmo tempo ativa e passiva, efeito e causa, matéria e força imaterial; ela é a lei que cria, a lei que governa, a lei que embeleza; ela é o ser e a imagem; ela é a manifestação do poder criador, infinitamente bela, infinitamente admirável, infinitamente digna da vontade da qual é a mensageira.
GALILEU
Ouvi antes a definição do naturalista moderno. Ele diz que “A Natureza é o trono exterior do poder divino”. A tal definição juntarei esta, que resume todas as ideias dos observadores: “A Natureza é o poder efetivo do Criador”. Notemos a dupla explicação do mesmo vocábulo que, por uma maravilhosa combinação da linguagem, representa duas coisas à primeira vista tão diversas. Com efeito, a Natureza, no primeiro sentido, representa o efeito, cuja causa é expressa no segundo. Uma paisagem do horizonte sem fim; de árvores exuberantes sob as quais sentimos a vida subir com a seiva; de um prado esmaltado de flores perfumosas e coroado pelo sol, a isso se chama Natureza.
Agora, se se quiser designar a força que orienta os astros no espaço ou que faz germinar o grão de trigo? É ainda a Natureza.
Que a constatação dessas várias expressões seja para vós uma fonte de profundas reflexões; que ela sirva para ensinar-vos que se nos servimos do mesmo vocábulo para significar o efeito e a causa, é que realmente causa e efeito são uma só e a mesma coisa.
O astro atrai o astro, no espaço, segundo leis inerentes à constituição do Universo, e é atraído com força idêntica à que nele reside. Eis a causa e o efeito.
O raio solar perfuma a flor e a abelha aí vai buscar o mel. Aqui, o perfume ainda é efeito e causa.
Onde quer que na Terra ponhais os olhos, podereis constatar essa dupla natureza.
Concluamos daí que se a Natureza é, como a denominei, a força efetiva de Deus, ela é, ao mesmo tempo, o trono desse mesmo poder; ela é ao mesmo tempo ativa e passiva, efeito e causa, matéria e força imaterial; ela é a lei que cria, a lei que governa, a lei que embeleza; ela é o ser e a imagem; ela é a manifestação do poder criador, infinitamente bela, infinitamente admirável, infinitamente digna da vontade da qual é a mensageira.
GALILEU
III
Nosso terceiro estudo terá por tema o espaço.
Várias definições lhe têm sido dadas, sendo esta a principal: A extensão que separa dois corpos. Daí certos sofistas deduziram que onde não houver corpos não haverá espaço.
É sobre isso que se basearam os teólogos para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que os corpos, em número finito, não poderiam formar uma série infinita, e que onde não houvesse corpos, também não haveria espaço.
Também definiram o espaço como o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde age a matéria, etc. Deixemos nos tratados onde elas repousam, todas essas definições que nada definem.
O espaço é uma dessas palavras que representam uma ideia primitiva e axiomática, evidente por si mesma, e que as várias definições dadas nada mais fazem que obscurecer. Todos sabemos o que é o espaço, e desejo apenas estabelecer a sua infinitude, para que estudos ulteriores não encontrem barreiras opostas à investigação de nosso ponto de vista.
Ora, digo que o espaço é infinito porque é impossível opor-lhe qualquer limite e porque, a despeito da dificuldade de conceber o infinito, é-nos mais fácil viajar eternamente no espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não houvesse mais extensão a percorrer.
Para imaginar, tanto quanto possível em faculdades, a infinitude do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida em meio ao infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a prodigiosa velocidade da faísca elétrica, que transpõe milhares de léguas por segundo, apenas tivéssemos deixado este globo e percorrido milhões de léguas, encontrar-nos-emos num ponto de onde a Terra apenas nos aparece como pálida estrela. Um instante após, seguindo sempre na mesma direção, chegamos a estrelas longínquas, que apenas distinguimos de nossa estação terrestre. De lá, não só a Terra estará inteiramente fora de nossas vistas, nas profundezas do céu, mas ainda o vosso próprio Sol, no seu esplendor, estará eclipsado pela distância que dele nos separa. Animados ainda pela mesma velocidade do relâmpago, transpomos sistemas de mundos à medida que avançamos no espaço, ilhas de luz etérea, vias estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos com a mesma profusão com que semeou plantas nos prados terrestres.
Ora, faz apenas alguns minutos que estamos viajando e já centenas de milhões de milhões de léguas nos separam da Terra; milhões de mundos passaram aos nossos olhos e, contudo, escutai:
Na realidade não avançamos um passo no Universo.
Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares, e incessantemente com a mesma velocidade do relâmpago, não teremos avançado nada! E isso de qualquer lado para o qual marchemos, para qualquer lado para o qual nos dirijamos, partindo deste grão invisível que deixamos, e que se chama Terra.
Eis o que é o espaço.
Várias definições lhe têm sido dadas, sendo esta a principal: A extensão que separa dois corpos. Daí certos sofistas deduziram que onde não houver corpos não haverá espaço.
É sobre isso que se basearam os teólogos para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que os corpos, em número finito, não poderiam formar uma série infinita, e que onde não houvesse corpos, também não haveria espaço.
Também definiram o espaço como o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde age a matéria, etc. Deixemos nos tratados onde elas repousam, todas essas definições que nada definem.
O espaço é uma dessas palavras que representam uma ideia primitiva e axiomática, evidente por si mesma, e que as várias definições dadas nada mais fazem que obscurecer. Todos sabemos o que é o espaço, e desejo apenas estabelecer a sua infinitude, para que estudos ulteriores não encontrem barreiras opostas à investigação de nosso ponto de vista.
Ora, digo que o espaço é infinito porque é impossível opor-lhe qualquer limite e porque, a despeito da dificuldade de conceber o infinito, é-nos mais fácil viajar eternamente no espaço, em pensamento, do que parar num ponto qualquer, depois do qual não houvesse mais extensão a percorrer.
Para imaginar, tanto quanto possível em faculdades, a infinitude do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida em meio ao infinito, para um ponto qualquer do Universo, com a prodigiosa velocidade da faísca elétrica, que transpõe milhares de léguas por segundo, apenas tivéssemos deixado este globo e percorrido milhões de léguas, encontrar-nos-emos num ponto de onde a Terra apenas nos aparece como pálida estrela. Um instante após, seguindo sempre na mesma direção, chegamos a estrelas longínquas, que apenas distinguimos de nossa estação terrestre. De lá, não só a Terra estará inteiramente fora de nossas vistas, nas profundezas do céu, mas ainda o vosso próprio Sol, no seu esplendor, estará eclipsado pela distância que dele nos separa. Animados ainda pela mesma velocidade do relâmpago, transpomos sistemas de mundos à medida que avançamos no espaço, ilhas de luz etérea, vias estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos com a mesma profusão com que semeou plantas nos prados terrestres.
Ora, faz apenas alguns minutos que estamos viajando e já centenas de milhões de milhões de léguas nos separam da Terra; milhões de mundos passaram aos nossos olhos e, contudo, escutai:
Na realidade não avançamos um passo no Universo.
Se continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos cem vezes seculares, e incessantemente com a mesma velocidade do relâmpago, não teremos avançado nada! E isso de qualquer lado para o qual marchemos, para qualquer lado para o qual nos dirijamos, partindo deste grão invisível que deixamos, e que se chama Terra.
Eis o que é o espaço.
GALILEU
Férias da sociedade espírita de Paris
(Sociedade espírita de Paris, 1º de Agosto de 1862 - Médium: Sr. E. Vezy)
Ides, pois, separar-vos por algum tempo, mas os bons Espíritos estarão sempre com os que lhes pedirem auxílio e apoio.
Se cada um de vós deixa a mesa do mestre, não é apenas para exercício ou repouso, mas ainda para servir, onde quer que estiverdes, à grande causa humanitária, sob cuja bandeira viestes procurar abrigo.
Bem compreendeis que para o espírita fervoroso não há horas designadas para o estudo. Toda a sua vida não é mais que uma hora, e ainda demasiado curta para o trabalho a que se dedica: o desenvolvimento intelectual das raças humanas!...
Os galhos não se destacam do tronco porque deste se afastam. Ao contrário, dão lugar a novos impulsos que os unem e os solidarizam.
Aproveitai estas férias que vão espalhar-vos, para vos tornardes ainda mais fervorosos, a exemplo dos apóstolos do Cristo. Saí deste cenáculo, fortes e corajosos. Que vossa fé e as vossas boas obras reúnam em torno de vós milhares de crentes, que abençoarão a luz que espalhareis em vosso redor.
Coragem! Coragem! No dia do encontro, quando a auriflama do Espiritismo vos chamar ao combate e se desdobrar sobre vossas cabeças, que cada um tenha em volta de si os adeptos que houver formado sob sua bandeira, e os bons Espíritos dirão o seu número e o levarão a Deus!
Não durmais, pois, espíritas, à hora da sesta. Velai e orai! Eu já vos disse, e outras vozes vo-lo repetirão: Soa o relógio dos séculos e uma vibração retine. Ela chama os que se acham na noite, e infelizes serão os que não a quiserem escutar!
Ó espíritas! Ide, despertai os adormecidos e dizei-lhes que vão ser surpreendidos pelas vagas do mar que sobe em rugidos surdos e terríveis. Ide dizerlhes que escolham um lugar mais iluminado e mais sólido, porque eis que os astros declinam e a Natureza inteira se move, treme e se agita!...
Mas, após as trevas, eis a luz, e aqueles que não tiverem querido ver e ouvir imigrarão naquela hora para mundos inferiores, a fim de expiar e esperar longamente, mui longamente, os novos astros que devem elevar-se e esclarecê-los. E o tempo lhes parecerá a eternidade, pois não lobrigarão o término de suas penas, até o dia em que começarem a crer e compreender.
Espíritas, não mais vos chamarei crianças, mas homens, homens valentes e corajosos! Soldados da nova fé, combatei valentemente. Armai o braço com a lança da caridade e cobri o corpo com o escudo do amor. Entrai na liça! Alerta! Alerta! Calcai aos pés o erro e a mentira e estendei a mão aos que vos perguntarem: “Onde está a luz?”
Dizei-lhes que os que marcham guiados pela estrela do Espiritismo não são pusilânimes; que se não deslumbrem com miragens e não aceitem como leis senão aquilo que ordena a razão fria e sã; que a caridade é a sua divisa e que não se despojem por seus irmãos senão em nome da solidariedade universal e nunca para ganharem um paraíso, que sabem muito bem que não podem possuir senão quando tiverem expiado o bastante!... Que conheçam Deus e que, antes de tudo, saibam que ele é imutável em sua justiça, e que, consequentemente, não pode perdoar uma vida de faltas acumuladas, por um segundo de arrependimento, como não pode punir uma hora de sacrilégio, por uma eternidade de suplício!...
Sim, espíritas, contai os anos de arrependimento pelo número das estrelas, mas sabei que a idade de ouro virá para aquele que tiver sabido contá-las!...
Ide, pois, trabalhadores e soldados, e que cada um volte com a pedra ou o seixo que deve auxiliar na construção do novo edifício. Eu vos digo, em verdade, que desta vez não mais tereis que temer a confusão, mesmo querendo elevar ao Céu a torre que o coroará. Ao contrário, Deus estenderá a sua mão no vosso caminho, a fim de vos abrigar das tempestades.
Eis a segunda hora do dia. Eis os servidores que vêm de novo, da parte do Mestre, procurar trabalhadores. Vós que estais desocupados, vinde, e não espereis a última hora!...
SANTO AGOSTINHO
Se cada um de vós deixa a mesa do mestre, não é apenas para exercício ou repouso, mas ainda para servir, onde quer que estiverdes, à grande causa humanitária, sob cuja bandeira viestes procurar abrigo.
Bem compreendeis que para o espírita fervoroso não há horas designadas para o estudo. Toda a sua vida não é mais que uma hora, e ainda demasiado curta para o trabalho a que se dedica: o desenvolvimento intelectual das raças humanas!...
Os galhos não se destacam do tronco porque deste se afastam. Ao contrário, dão lugar a novos impulsos que os unem e os solidarizam.
Aproveitai estas férias que vão espalhar-vos, para vos tornardes ainda mais fervorosos, a exemplo dos apóstolos do Cristo. Saí deste cenáculo, fortes e corajosos. Que vossa fé e as vossas boas obras reúnam em torno de vós milhares de crentes, que abençoarão a luz que espalhareis em vosso redor.
Coragem! Coragem! No dia do encontro, quando a auriflama do Espiritismo vos chamar ao combate e se desdobrar sobre vossas cabeças, que cada um tenha em volta de si os adeptos que houver formado sob sua bandeira, e os bons Espíritos dirão o seu número e o levarão a Deus!
Não durmais, pois, espíritas, à hora da sesta. Velai e orai! Eu já vos disse, e outras vozes vo-lo repetirão: Soa o relógio dos séculos e uma vibração retine. Ela chama os que se acham na noite, e infelizes serão os que não a quiserem escutar!
Ó espíritas! Ide, despertai os adormecidos e dizei-lhes que vão ser surpreendidos pelas vagas do mar que sobe em rugidos surdos e terríveis. Ide dizerlhes que escolham um lugar mais iluminado e mais sólido, porque eis que os astros declinam e a Natureza inteira se move, treme e se agita!...
Mas, após as trevas, eis a luz, e aqueles que não tiverem querido ver e ouvir imigrarão naquela hora para mundos inferiores, a fim de expiar e esperar longamente, mui longamente, os novos astros que devem elevar-se e esclarecê-los. E o tempo lhes parecerá a eternidade, pois não lobrigarão o término de suas penas, até o dia em que começarem a crer e compreender.
Espíritas, não mais vos chamarei crianças, mas homens, homens valentes e corajosos! Soldados da nova fé, combatei valentemente. Armai o braço com a lança da caridade e cobri o corpo com o escudo do amor. Entrai na liça! Alerta! Alerta! Calcai aos pés o erro e a mentira e estendei a mão aos que vos perguntarem: “Onde está a luz?”
Dizei-lhes que os que marcham guiados pela estrela do Espiritismo não são pusilânimes; que se não deslumbrem com miragens e não aceitem como leis senão aquilo que ordena a razão fria e sã; que a caridade é a sua divisa e que não se despojem por seus irmãos senão em nome da solidariedade universal e nunca para ganharem um paraíso, que sabem muito bem que não podem possuir senão quando tiverem expiado o bastante!... Que conheçam Deus e que, antes de tudo, saibam que ele é imutável em sua justiça, e que, consequentemente, não pode perdoar uma vida de faltas acumuladas, por um segundo de arrependimento, como não pode punir uma hora de sacrilégio, por uma eternidade de suplício!...
Sim, espíritas, contai os anos de arrependimento pelo número das estrelas, mas sabei que a idade de ouro virá para aquele que tiver sabido contá-las!...
Ide, pois, trabalhadores e soldados, e que cada um volte com a pedra ou o seixo que deve auxiliar na construção do novo edifício. Eu vos digo, em verdade, que desta vez não mais tereis que temer a confusão, mesmo querendo elevar ao Céu a torre que o coroará. Ao contrário, Deus estenderá a sua mão no vosso caminho, a fim de vos abrigar das tempestades.
Eis a segunda hora do dia. Eis os servidores que vêm de novo, da parte do Mestre, procurar trabalhadores. Vós que estais desocupados, vinde, e não espereis a última hora!...
SANTO AGOSTINHO
Aos centros espíritas que devemos visitar
O número de centros que nos propomos visitar, aliado à extensão do trajeto, não nos permite consagrar a cada um o tempo que desejaríamos. Julgamos útil aproveitar o melhor possível esse tempo para instrução. Com tal objetivo é nosso propósito responder, tanto quando nos for possível, a perguntas sobre as quais desejam esclarecimentos.
Temos notado que, ao fazer tal proposta durante as reuniões, geralmente não sabem o que perguntar e muitos se calam por timidez ou por dificuldade de formular o seu pensamento. A fim de evitar esse duplo inconveniente, pedimos que previamente preparem as perguntas por escrito e nos remetam a lista antes da reunião. Assim poderemos classificá-las metodicamente, eliminar repetições e responder de modo mais satisfatório para todos, refutando, ao mesmo tempo, as objeções à doutrina.
Temos notado que, ao fazer tal proposta durante as reuniões, geralmente não sabem o que perguntar e muitos se calam por timidez ou por dificuldade de formular o seu pensamento. A fim de evitar esse duplo inconveniente, pedimos que previamente preparem as perguntas por escrito e nos remetam a lista antes da reunião. Assim poderemos classificá-las metodicamente, eliminar repetições e responder de modo mais satisfatório para todos, refutando, ao mesmo tempo, as objeções à doutrina.
Ao Sr. E. K.
Ignoro completamente a inscrição de que me fala em sua carta de 2 de agosto, datada de Guingamp, por uma razão muito simples. É que eu jamais estive na Bretanha. E acrescento que jamais ouvi falar desse Manè, Thécel, Pares de outro gênero, como o chamais. Se ele pôde produzir sobre o senhor uma impressão benéfica, agradeça ao seu autor desconhecido. Em todo o caso, terei prazer em recebê-lo quando vier a Paris, onde, entretanto, só estarei de volta nos primeiros dias de outubro. Será um prazer dar-lhe verbalmente todas as explicações que desejar.
ALLAN KARDEC
Ignoro completamente a inscrição de que me fala em sua carta de 2 de agosto, datada de Guingamp, por uma razão muito simples. É que eu jamais estive na Bretanha. E acrescento que jamais ouvi falar desse Manè, Thécel, Pares de outro gênero, como o chamais. Se ele pôde produzir sobre o senhor uma impressão benéfica, agradeça ao seu autor desconhecido. Em todo o caso, terei prazer em recebê-lo quando vier a Paris, onde, entretanto, só estarei de volta nos primeiros dias de outubro. Será um prazer dar-lhe verbalmente todas as explicações que desejar.
ALLAN KARDEC
Ao Sr. E. K.
Ignoro completamente a inscrição de que me fala em sua carta de 2 de agosto, datada de Guingamp, por uma razão muito simples. É que eu jamais estive na Bretanha. E acrescento que jamais ouvi falar desse Manè, Thécel, Parès de outro gênero, como o chamais. Se ele pôde produzir sobre o senhor uma impressão benéfica, agradeça ao seu autor desconhecido. Em todo caso, terei prazer em recebê-lo quando vier a Paris, onde, entretanto, só estarei de volta nos primeiros dias de outubro. Será um prazer dar-lhe verbalmente todas as explicações que desejar.