Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Outubro

Apolônio de Tiana

À exceção dos eruditos, Apolônio de Tiana quase que só é conhecido de nome. Seu nome não é popular, por falta de uma história ao alcance de todos. Só havia algumas traduções baseadas numa versão latina de formato incômodo. Devemos, pois, agradecer ao sábio helenista que acaba de publicar uma tradução conscienciosa do texto original grego, e aos editores dessa publicação por terem suprido essa lamentável lacuna[1].

Não há datas precisas sobre a vida de Apolônio. Conforme alguns cálculos, ele teria nascido dois ou três anos antes de Jesus Cristo e morrido aos noventa e seis anos, pelos fins do primeiro século. Nasceu em Tiana, cidade grega da Capadócia, na Ásia Menor. Cedo demonstrou ter grande memória, uma inteligência notável, e mostrou grande aplicação ao estudo. De todas as filosofias que estudou, adotou a de Pitágoras, cujos preceitos seguiu rigorosamente até a morte.

Seu pai, um dos mais ricos cidadãos de Tiana, deixou uma fortuna considerável, que ele repartiu com os parentes, ficando apenas com uma pequena parte porque, dizia, o sábio deve saber contentar-se com pouco.

Viajou muito para se instruir. Percorreu a Assíria, a Cítia, a Índia, onde visitou os brâmanes, o Egito, a Grécia, a Itália e a Espanha, por toda parte ensinando a sabedoria. Era amado em toda parte, pela suavidade de seu caráter e honrado por suas virtudes, recrutando numerosos discípulos que lhe acompanhavam os passos a fim de ouvi-lo, alguns dos quais o acompanharam em suas viagens. Um deles, entretanto, Eufrates, invejoso de sua superioridade e de seu crédito, tornou-se seu detrator e mortal inimigo e não cessou de contra ele espalhar calúnias, visando perdê-lo, mas apenas conseguiu aviltar-se.

Apolônio jamais se abalou, e longe de lhe guardar ressentimentos, lamentava-o por sua fraqueza e procurou sempre retribuir-lhe o mal com o bem. Ao contrário, Damis, jovem assírio que ele conheceu em Nínive, a ele se ligou com uma fidelidade a toda a prova. Foi-lhe companheiro assíduo nas viagens, e como depositário de sua filosofia, deixou sobre ele a maior parte das informações que possuímos.

O nome de Apolônio de Tiana se confunde com o de todos os personagens lendários que a imaginação humana vestiu de atributos maravilhosos. Seja qual for o exagero dos fatos a ele atribuídos, é evidente que, ao lado das fábulas, encontra-se um fundo de verdades mais ou menos adulteradas.

Ninguém poderia, com segurança, pôr em dúvida a existência de Apolônio de Tiana. O que é igualmente certo é que ele deve ter feito coisas admiráveis, sem o que ninguém falaria delas. Para que a imperatriz Júlia Domna, esposa de Sétimo Severo, tivesse pedido a Filostrato que escrevesse a sua vida, fora necessário que ele tivesse dado o que falar, pois não é provável que ela tivesse encomendado um romance sobre um homem imaginário ou obscuro.

Que Filostrato tivesse amplificado os fatos, ou que estes lhe tivessem chegado amplificados, é provável e mesmo certo, pelo menos em relação a alguns deles, que estão fora de cogitação. Mas o que não é menos certo é que colheu os dados fundamentais em histórias quase contemporâneas e que deviam ter suficiente notoriedade para merecerem a atenção da imperatriz. Às vezes a dificuldade está em fazer a distinção entre a fábula e a verdade. Neste caso há criaturas que acham mais simples negar tudo.

As personagens dessa natureza são apreciadas muito diversamente. Cada um as julga conforme suas opiniões, suas crenças, e até conforme os seus interesses. Mais do que qualquer outro, Apolônio de Tiana devia alimentar controvérsias, pela época em que viveu e pela natureza de suas faculdades. Atribuíam-lhe, entre outras coisas, o dom de curar, a presciência, a visão a distância, o poder de ler o pensamento, de expulsar os demônios, de transportar-se instantaneamente de um a outro lugar, etc.

Poucos filósofos gozaram em vida de maior popularidade. Seu prestígio ainda era aumentado por sua austeridade de hábitos, mansuetude, simplicidade, desinteresse, caráter benevolente e reputação de sabedoria. O paganismo soltava, então, os seus últimos lampejos, e se debatia contra a invasão do Cristianismo nascente, que quis transformá-lo num deus. Misturando ideias cristãs a ideias pagãs, alguns o tomaram por um santo, e os menos fanáticos nele apenas viram um filósofo. Essa é a opinião mais razoável e o único título que ele aceitou, pois não se considerava filho de Júpiter, como alguns pretendiam que fosse.

Posto que contemporâneo do Cristo, parece que dele não ouviu falar, porque, em sua vida, não fez qualquer alusão ao que se passava na Judeia.

Entre os cristãos que posteriormente o julgaram, uns o declararam louco e impostor; outros, não podendo negar os fatos, pretenderam que operasse prodígios pela assistência do demônio, sem pensar que isso implicava no reconhecimento desses mesmos prodígios e fazia de Satã o rival de Deus, pela dificuldade de distinguir entre os prodígios divinos e os diabólicos. São estas as duas opiniões que prevaleceram na Igreja.

O autor dessa tradução ficou em sábia neutralidade. Não esposou qualquer versão e, a fim de permitir que cada um as apreciasse, indicou com muito escrúpulo todas as fontes que se podem consultar, deixando a cada um a liberdade de, pela comparação dos argumentos pró e contra, tirar a consequência que julgar melhor, limitando-se a dar uma tradução fiel e conscienciosa.

Os fenômenos espíritas, magnéticos e sonambúlicos hoje lançam uma luz nova sobre os fatos atribuídos a esse personagem, demonstrando a possibilidade de certos efeitos até hoje relegados ao domínio fantástico do maravilhoso, e permitindo separar o possível do impossível.

Para começar, o que é o maravilhoso? Responde o ceticismo: É tudo aquilo que, estando fora das leis naturais, é impossível. Depois acrescenta: Se as histórias antigas abundam em fatos desse gênero, é devido ao amor do homem ao maravilhoso. Mas de onde vem esse amor? É o que ele não diz e é o que tentaremos explicar. Isso não será inútil aos nossos interesses.

Aquilo que o homem chama de maravilhoso o transporta pelo pensamento para além dos limites do conhecido e é a inspiração íntima por uma melhor ordem de coisas que o leva a procurar avidamente o que a pode ligá-lo a isso e disso lhe dar uma ideia. Tal aspiração lhe vem da intuição que ele tem, de que essa ordem de coisas deve existir. Não a encontrando na Terra, busca-a na esfera do desconhecido.

Mas não será essa mesma aspiração um indício providencial de que algo existe além da vida corpórea? Ela só é dada ao homem porque os animais, que nada esperam, não buscam o maravilhoso. Intuitivamente o homem compreende que há, fora do mundo visível, uma força da qual faz uma ideia mais ou menos justa, conforme seu desenvolvimento intelectual, e muito naturalmente vê a ação direta dessa força nos fenômenos todos que ele não compreende.

Assim, uma porção de fatos que outrora passavam por maravilhosos, e que hoje são perfeitamente explicados, entraram no domínio das leis naturais. Disso resultou que todos os homens que possuíam faculdades e conhecimentos superiores ao vulgo passaram a ser considerados detentores de uma porção dessa força invisível, ou de possuírem domínio sobre ela. Chamaram-nos de magos ou feiticeiros.

A opinião da Igreja fez prevalecer a ideia de que tal força não poderia provir senão do Espírito do Mal, quando exercida fora de seu seio. Nos tempos da barbárie e da ignorância, ela queimava os supostos magos e feiticeiros. O progresso da Ciência os repôs na Humanidade.

Perguntam os incrédulos: “Onde se encontra o maior número de histórias maravilhosas?” Não é na Antiguidade, entre os povos selvagens, nas classes menos esclarecidas? Isto não prova que elas são um produto da superstição, filha da ignorância? Da ignorância, é incontestável, e por uma razão simples. Os Antigos, que sabiam menos do que nós, não eram menos chocados pelos fenômenos. Conhecendo menos as verdadeiras causas, buscavam causas sobrenaturais para as coisas mais naturais. Com a ajuda da imaginação e secundados pelo medo, por um lado, e, por outro lado, animados pelo gênio poético, teciam contos fantásticos, ampliados pelo gosto da alegoria peculiar aos povos do Oriente. Roubando o fogo do céu, que devia consumi-lo, Prometeu devia passar como um ser sobre-humano, punido por sua temeridade, por ter tripudiado sobre os direitos de Júpiter. Franklin, o moderno Prometeu, é para nós simplesmente um sábio. Montgolfier, elevando-se nos ares, nos tempos mitológicos teria sido tomado por Ícaro. Que teria sido o Sr. Poitevin, elevando-se num cavalo?

Tendo feito uma série de fatos entrarem na ordem natural, a Ciência reduziu muito os fatos maravilhosos. Mas explicou tudo? Conhece ela todas as leis que regem os mundos? Nada mais tem ela a ensinar? Cada dia dá um desmentido a tão orgulhosa pretensão. Não tendo ainda desvendado todos os segredos de Deus, daí resulta que muitos fatos antigos ainda não se acham explicados. Ora, admitindo como possível apenas aquilo que ela compreende, julga mais simples chamá-los de sobrenaturais, fantásticos, isto é, inadmissíveis pela razão. A seus olhos, todos os homens que supostamente os produziram são mitos ou impostores e, ante tal sentença, Apolônio de Tiana não encontraria graça. Ei-lo, assim, condenado pela Igreja, que admite os fatos, como um sequaz de Satã, e pelos cientistas, que os não admitem, como um hábil charlatão.

A lei da gravitação universal abriu uma via nova à Ciência e deu conta de uma porção de fenômenos sobre os quais se haviam erigido teorias absurdas. A lei das afinidades moleculares veio permitir um novo avanço. A descoberta do mundo microscópico lhe abriu novos horizontes. Por sua vez, a eletricidade lhe veio revelar uma nova força insuspeitada. A cada uma dessas descobertas, ela viu serem resolvidas muitas dificuldades, muitos problemas, muitos mistérios incompreendidos ou falsamente interpretados.

Mas quanta coisa ainda resta a esclarecer! Não será possível admitir a descoberta de uma nova lei, de uma nova força que venha lançar a luz sobre pontos ainda obscuros?

Pois bem! É uma nova força que o Espiritismo vem revelar, e essa força é a ação do mundo invisível sobre o visível. Mostrando nessa ação uma lei natural, ele recua mais ainda os limites do maravilhoso e do sobrenatural, porque explica uma porção de coisas que pareciam inexplicáveis, assim como aconteceu com outras, que pareciam inexplicáveis antes da descoberta da eletricidade.

Limita-se o Espiritismo a admitir o mundo invisível como hipótese e meio de explicação? Não, pois seria explicar o desconhecido pelo desconhecido. Ele prova sua existência por fatos patentes, irrefutáveis, como o microscópio provou a existência do mundo dos infinitamente pequenos. Tendo sido demonstrado, portanto, que o mundo invisível nos envolve e que esse mundo é essencialmente inteligente, pois se compõe das almas dos homens que viveram, concebe-se facilmente que possa representar um papel ativo no mundo visível e produza fenômenos de uma ordem particular. São os fenômenos que, não podendo explicar pelas leis conhecidas, a Ciência chama de maravilhosos.

Sendo tais fenômenos uma lei da Natureza, devem ter-se produzido em todos os tempos. Ora, como repousavam na ação de uma força fora da Humanidade, e como todas as religiões têm por princípio a homenagem prestada a essa força, eles serviram de base a todas as religiões. Eis por que os relatos antigos, bem como todas as teogonias, formigam de alusões e alegorias concernentes às relações do mundo invisível com o mundo visível, e que são ininteligíveis se não forem conhecidas tais relações. Querer explicá-los sem isso é querer explicar os fenômenos elétricos sem a eletricidade.

Essa lei é uma chave que abrirá a maior parte dos santuários misteriosos da Antiguidade. Uma vez reconhecida, os historiadores, os arqueólogos, os filósofos verão desenrolar-se um horizonte completamente novo, e a luz brilhará sobre os mais obscuros pontos.

Se essa lei ainda encontra opositores, tem isso de comum com tudo o que é novo. Isso se deve, ainda, ao espírito materialista que domina a nossa época e, em segundo lugar, porque em geral se faz do mundo invisível uma ideia tão falsa, que a incredulidade é uma consequência.

O Espiritismo não só demonstra a sua existência, mas o apresenta sob um aspecto tão lógico que não há lugar para a dúvida de quem quer que se dê ao trabalho de estudá-lo conscienciosamente.

Não pedimos aos cientistas que acreditem, mas como o Espiritismo é uma filosofia que ocupa largo espaço no mundo, mesmo que se tratasse de um sonho, ele merece um exame, pelo menos para se tomar conhecimento do que ele diz. Só uma coisa lhes pedimos: estudá-lo, mas estudá-lo a fundo, para lhe não atribuir aquilo que ele não diz. Depois, então, creiam ou não creiam, que experimentem, ajudados por essa alavanca tomada como simples hipótese, resolver os milhares de problemas históricos, arqueológicos, antropológicos, teológicos, sociológicos, morais, sociais, etc., ante os quais eles têm fracassado, e verão o seu resultado. Pedir-lhes fé seria exigir muito.

Voltemos a Apolônio. Incontestavelmente os Antigos conheciam o magnetismo. Prova disso encontramos em certas pinturas egípcias. Eles conheciam igualmente o sonambulismo e a segunda vista, porque são fenômenos psicológicos naturais; conheciam as várias categorias de Espíritos, que consideravam deuses, bem como suas relações com os homens. Os médiuns curadores, videntes, falantes, auditivos, inspirados, etc., deviam existir entre eles como em nossos dias, como se veem numerosos exemplos entre os árabes. Com o auxílio de tais dados e do conhecimento das propriedades do perispírito, envoltório corporal fluídico dos Espíritos, podemos perfeitamente nos dar conta de vários fatos atribuídos a Apolônio de Tiana, sem recorrer à magia, à feitiçaria, ou à impostura.

Dizemos de vários fatos, porque alguns há cuja impossibilidade o próprio Espiritismo demonstra. É por isso que ele serve para distinguir a verdade do erro. Deixamos aos que tiverem feito um estudo sério e completo dessa ciência o cuidado de fazer a distinção entre o possível e o impossível, o que lhes será fácil.

Encaremos agora Apolônio de outro ponto de vista. Ao lado do médium, que naquele tempo fazia dele um ser quase sobrenatural, nele havia o filósofo, o sábio. Sua filosofia trescalava a suavidade de seus hábitos, de seu caráter e de sua simplicidade em tudo. Pode-se julgá-lo por algumas de suas máximas.

Tendo censurado os lacedomônios degenerados e efeminados, os quais aproveitaram os seus conselhos, escreveu aos éforos:

“Apolônio aos éforos, saúde!

“Os verdadeiros homens não devem cometer faltas, mas só os homens de coração, se as cometem, sabem reconhecê-lo”.

Tendo os lacedomônios recebido do imperador uma carta de censura, vacilavam entre conjurar a sua cólera ou responder com arrogância. Consultaram Apolônio quanto à forma de responder. Ele veio à assembleia e lhes disse apenas estas palavras: “Se Palamédio inventou a escrita, não foi apenas para que se pudesse escrever, mas para que se soubesse quando não se deve escrever.” Interrogando Apolônio, perguntou-lhe o cônsul romano Telesino:

─ Quando vos aproximais do altar, qual a vossa prece?

─ Peço aos deuses que reine a justiça; que as leis sejam respeitadas; que os sábios sejam pobres; que os outros enriqueçam, mas por meios honestos.

─ Quê! Pedindo tantas coisas pensais em ser exaltado?

─ Sem dúvida, porque peço tudo isso numa só palavra, e aproximando-me do altar, digo: “Ó deuses! Dai-me o que me é devido.” Se eu estiver no número dos justos, obterei mais do que pedi. Do contrário, os deuses por-me-ão no número dos maus, punir-me-ão e não poderei fazer censuras aos deuses se, não sendo bom, for castigado.

Conversando com Apolônio sobre a maneira de governar, quando fosse imperador, disse-lhe Vespasiano:

─ Vendo o império aviltado pelos tiranos que vos acabo de citar, quis ouvir o vosso conselho sobre a maneira de erguê-lo na estima dos homens.

─ Um dia, ─ disse Apolônio ─ um dos mais hábeis flautistas mandou seus alunos aos maus tocadores de flauta para lhes ensinar como não se devia tocar. Sabeis agora, Vespasiano, como não se deve reinar. Vossos predecessores vo-lo ensinaram. Reflitamos agora sobre a maneira de bem reinar.

Estando preso em Roma, ao tempo de Domiciano, ele fez uma preleção aos prisioneiros, lembrando-lhes a coragem e a resignação, e lhes disse:

─ Todos os que aqui estamos, achamo-nos presos durante o período a que chamamos vida. Nossa alma, ligada a este corpo perecível, sofre numerosos males, e é escrava de todas as necessidades da condição humana.

Quando estava na prisão, respondendo a um emissário de Domiciano que o induzia a acusar Nerva a fim de obter sua própria liberdade, ele disse:

─ Meu amigo, se fui posto a ferros por haver dito a verdade a Domiciano, o que me acontecerá por ter mentido? O imperador crê que é a franqueza que merece os ferros, mas eu creio que é a mentira.

Numa carta a Eufrates:

─ Perguntei aos ricos se não tinham preocupações.

─ Como não as teríamos? ─ responderam eles.

─ E de onde vêm as vossas preocupações? ─ De nossas riquezas.

─ Eufrates, eu te lamento, pois acabas de enriquecer.

Ao mesmo: “Os homens mais sábios são os mais breves em seus discursos. Se os tagarelas sofressem o que fazem sofrer os outros, não falariam tanto.”

Outra a Críton: “Disse Pitágoras que a Medicina é a mais divina das artes. Se a Medicina é a mais divina das artes, é necessário que o médico se ocupe da alma ao mesmo tempo que do corpo. Como um ser poderia ser são, quando a parte mais importante está doente?”

Outra aos platônicos: “Se oferecem dinheiro a Apolônio e são aparentemente estimáveis, ele não terá dificuldade em aceitar, por pouco que precise. Mas ele jamais aceitará paga pelo que ensina, por mais que necessite.”

Outra a Valério: “Ninguém morre, a não ser aparentemente, como ninguém nasce, a não ser em aparência. Com efeito, a passagem da essência à substância, eis o que se chama nascer. Ao contrário, o que se chama morrer é a passagem da substância à essência”.

Aos sacrificadores de Olímpia: “Os deuses não necessitam de sacrifícios. Que fazer, então, para lhes ser agradável? Se me não engano, é preciso procurar adquirir a divina sabedoria e, tanto quanto possível, prestar serviços aos que o merecem. Eis o de que gostam os deuses. Os próprios ímpios podem fazer sacrifícios”.

Aos efésios do templo de Diana: “Conservastes todos os ritos dos sacrifícios, todo o fausto da realeza. Como banqueteadores e convivas alegres, sois imbatíveis, mas quantas censuras não vos podem ser feitas como vizinhos da deusa noite e dia? Não é de vosso meio que saem todos os trapaceiros, os desordeiros, os mercadores de escravos, todos os homens ímpios e injustos? O templo é um valhacouto de ladrões”.

Aos que se julgam sábios: “Dizei-vos meus discípulos? Então acrescentai que ficais sempre em casa, e que jamais ides às termas; que não matais animais; que não comeis carne; que estais livres de todas as paixões: da inveja, da malignidade, do ódio, da calúnia, do ressentimento; que, enfim, estais no rol dos homens livres. Não fazei como os que, em discursos mentirosos, fazem crer que vivem de um modo, quando vivem de modo totalmente oposto”.

Ao seu irmão Hestieu: “Em toda parte sou olhado como um homem divino; nalguns lugares até me tomam por um deus. Ao contrário, em minha pátria, até agora sou um desconhecido. É de admirar?

Vós mesmos, meus irmãos, bem vejo que ainda não estais convencidos de que eu seja superior a muitos homens pela palavra e pelos hábitos. E como os meus concidadãos e os meus parentes se enganam a meu respeito? Ah! Esse erro me é doloroso. Sei que é belo considerar toda a Terra como sua pátria e todos os homens como seus irmãos e amigos, pois que todos descendem de Deus e são de uma mesma natureza; porque todos têm, igualmente, as mesmas paixões; pois que todos são igualmente homens, quer nascidos gregos, quer bárbaros”.

Estando em Catânia, na Sicília, numa instrução dada aos discípulos, falando do Etna, ele disse: “Escutando-os, sob esta montanha geme encadeado algum gigante, Tifeu ou Enceládio que, em sua longa agonia, vomita todo esse fogo. Concordo que tenham existido gigantes, porque, em diversas paragens, túmulos abertos nos deixam entrever esqueletos que indicam homens de estatura extraordinária, mas não poderia admitir que tivessem entrado em luta contra os deuses. No máximo teriam ultrajado seus templos e suas estátuas. Mas que tenham escalado o Céu e dali expulsado os deuses, é insensato dizer e acreditar. Outra fábula, que parece menos irreverente para com os deuses, e da qual não devemos fazer caso, é que Vulcano trabalhe na forja, nas profundezas do Etna e que aí, incessantemente, faça retinir a bigorna. Em diversos pontos da Terra há outros vulcões e ninguém se lembra de dizer que haja outros tantos gigantes e Vulcanos”.

Certos leitores teriam achado mais interessante que tivéssemos citado os prodígios de Apolônio, comentando-os e os explicando. Mas quisemos, antes de tudo, nele mostrar o filósofo e o sábio, em vez do taumaturgo. Pode-se aceitar ou rejeitar tudo quanto se queira dos fatos maravilhosos a ele atribuídos, mas parece difícil que um homem que diz tais coisas, que professa e pratica tais princípios, seja um saltimbanco, um trapaceiro, um possesso do demônio.

Quanto a prodígios, citaremos apenas um, que prova suficientemente uma das faculdades de que era dotado.

Depois de minuciosa descrição do assassinato de Domiciano, acrescenta Filostrato:

“Enquanto tais fatos se passavam em Roma, Apolônio os via em Éfeso.

“Domiciano foi atacado por Clemente, cerca de meio-dia. No mesmo dia, no mesmo momento, Apolônio dissertava nos jardins, junto aos xistos. De repente baixou um pouco a voz, como se tomado de súbito pavor. Continuou a falar, mas a linguagem não tinha a força ordinária, como quando se fala pensando noutra coisa. Depois calou-se, como quem perde o fio do discurso, lançou para o chão um olhar de espanto, deu três ou quatro passos à frente e exclamou: “Fere o tirano! Fere!” Dir-se-ia que visse não a imagem do fato num espelho, mas o próprio fato em toda a sua realidade.

“Os efésios ─ pois Éfeso em peso ouvia o discurso de Apolônio ─ foram tomados de espanto. Apolônio parou, como um homem que busca ver o desfecho de um acontecimento duvidoso. Enfim exclamou: ‘Tende bom ânimo, efésios. O tirano foi morto hoje. Que digo, hoje? Por Minerva! Acaba de ser morto agora mesmo, quando me interrompi’.

“Os Efésios pensaram que Apolônio houvesse perdido o juízo. Desejavam vivamente que ele tivesse dito a verdade, mas temiam que algum perigo adviesse de tal discurso. ‘Não me admiro’, disse Apolônio, ‘que ainda não me acreditem. A própria Roma inteira ainda não o sabe. Mas eis que o saberá. A notícia se espalha e milhares de cidadãos acreditam. Isto faz pular de alegria o dobro desses homens, e o quádruplo, e o povo inteiro. A notícia chegará até aqui. Podeis adiar, até saberdes do fato, o sacrifício que deveis oferecer aos deuses nesta ocasião. Quanto a mim, vou lhes render graças pelo que vi’.

“Os Efésios permaneceram incrédulos. Em breve, porém, mensageiros trouxeram a boa nova e testemunharam em favor da ciência de Apolônio, porque o assassinato do tirano; o dia em que foi consumado, ao meio-dia; o autor do assassinato que havia encorajado Apolônio, todos estes detalhes eram idênticos aos que os deuses lhe tinham mostrado no dia do seu discurso aos Efésios.”

Naquela época nada mais era preciso para fazê-lo passar por um homem divino. Em nossos dias os cientistas tratá-lo-iam como visionário. Para nós, era dotado da segunda vista, cuja explicação é dada pelo Espiritismo. (Veja-se a teoria do sonambulismo e da dupla vista em O Livro dos Espíritos, nº. 455).

Sua morte apresentou outro prodígio. Uma tarde, tendo entrado no templo de Dictynia, em Linde, na ilha de Creta, a despeito dos cães ferozes que lhe guardavam a entrada e que, em vez de ladrar à sua entrada, vieram acariciá-lo, ele foi barrado pelos guardas do templo, como mago, e acorrentado. Durante a noite ele desapareceu à vista dos guardas, sem deixar traços e sem que lhe encontrassem o corpo. Dizem que então foram ouvidas vozes de moças que cantavam: “Deixai a Terra. Ide para o Céu. Ide!” como para encorajá-lo a elevar-se da Terra para as regiões superiores.

Assim termina Filostrato a descrição da vida de Apolônio:

“Mesmo depois de seu desaparecimento, Apolônio sustentou a imortalidade da alma e ensinou que é correto aquilo que se diz a respeito.

“Havia então em Tiana um certo número de jovens amantes da Filosofia. A maior parte de suas discussões eram acerca da alma. Um deles não podia admitir que ela fosse imortal. Dizia ele:

“─ Eis que há dez meses rogo a Apolônio me revele a verdade sobre a imortalidade da alma, mas ele está tão morto que minhas preces são vãs. Ele não me apareceu, nem mesmo para provar que é imortal.

“Cinco dias depois ele falou do mesmo assunto com os companheiros, depois adormeceu no próprio local da discussão. De repente pulou, como se num acesso de demência. Estava meio adormecido e banhado de suor.

“─ Eu te acredito, gritou ele.

“Os camaradas perguntaram-lhe o que tinha. Respondeu ele:

“─ Vocês não veem o sábio Apolônio? Ele está em nosso meio, escuta a nossa discussão e recita melodiosos cantos sobre a alma.

“─ Onde está ele? ─ perguntaram os outros ─ pois não o vemos, e isso é uma felicidade que preferiríamos a todos os bens da Terra.

“─ Parece que veio só para mim. Ele quer ensinar-me aquilo que eu me recusava a crer. Escutai, pois, escutai os cantos divinos que me faz ouvir: ‘A alma é imortal; não é vossa, mas da Providência. Quando o corpo está esgotado, semelhante a um corredor veloz que transpõe a barreira, a alma se atira e se precipita nos espaços etéreos, tomada de desprezo pela rude e triste escravidão que sofreu. Mas, de que vos importam essas coisas? Conhecê-las-eis quando não mais viverdes. Enquanto entre os vivos, por que tentar penetrar esses mistérios?’

“Tal é o oráculo tão claro, dado por Apolônio sobre o destino da alma. Quis ele que conhecendo a nossa natureza marchássemos com o coração alegre para o fim que nos destinam as Parcas.”

A aparição de Apolônio após a sua morte é tratada como alucinação pela maioria dos comentadores, cristãos e outros, que pretendiam que o jovem tivera a imaginação ferida pelo próprio desejo de vê-lo, o que o levou a pensar tê-lo visto. Entretanto, em todos os tempos, a Igreja admitiu essa espécie de aparição. Ela cita vários exemplos que reconhece como autênticos.

O Espiritismo vem explicar o fenômeno, baseado nas propriedades do perispírito, envoltório fluídico do Espírito que, por uma como que condensação, toma aspecto visível e, como é sabido, pode tornar-se tangível. Sem o conhecimento da lei constitutiva dos Espíritos, esse fenômeno é maravilhoso. Conhecida essa lei, o maravilhoso desaparece e dá lugar a um fenômeno natural.

(Vide em O Livro dos Médiuns a teoria das manifestações visuais, Cap. VI). Admitindo que o jovem tivesse sido joguete de uma ilusão, restaria aos negadores explicarem as palavras que ele atribui a Apolônio, palavras sublimes e opostas às ideias que ele sustentava momentos antes.

O que é que faltava a Apolônio para ser um cristão? Muito pouco, como se vê. Não é agradável a Deus que estabeleçamos um paralelo entre ele e o Cristo. O que prova a incontestável superioridade deste é a divindade de sua missão, é a revolução produzida no mundo inteiro pela doutrina que ele, obscuro, e seus apóstolos, tão obscuros quanto ele, pregaram, enquanto que a de Apolônio morreu com ele.

Seria impiedade apresentá-lo como um rival do Cristo! Mas, se prestarmos atenção a respeito do que disse sobre o culto pagão, ver-se-á que condena as formas supersticiosas e lhes dá terrível golpe, substituindo-as por ideias mais sãs.

Se ele tivesse falado assim no tempo de Sócrates, teria pago com a vida, como este último, aquilo que teriam chamado sua impiedade. Mas, na época em que ele viveu, as crenças pagãs já haviam feito época e ele foi ouvido. Por sua moral preparou os pagãos, em cujo meio viveu, para receberem com menos dificuldade as ideias cristãs, para as quais ele serviu de transição. Julgamo-nos, pois, certos, dizendo que ele serviu de traço de união entre o paganismo e o Cristianismo. Sob tal aspecto, talvez tivesse sido essa a sua missão. Ele podia ser escutado pelos pagãos e não o foi pelos Judeus.



[1] Apolônio de Tiana, sua vida, suas viagens e seus prodígios. Por Filostrato. Nova tradução do texto grego, pelo Sr. Chassang, mestre de conferências na Escola Normal. Um volume in-12 de 500 páginas. Preço, 3,50 francos. Casa Didier Cia., editores. Quai des Augustins, 35, Paris.



Resposta a "Abeille Agénaise" Pelo Sr. Dombre
Lemos o seguinte em “Abeille Agénaise” , de 25 de maio de 1862:

“Temos em mão um artigo encantador, sob o título de Conversas Espíritas. o autor, Sr. Cazenove de Pradines, antigo presidente da Sociedade de Agricultura, Ciências e Artes de Agen, recentemente encarregou o Sr. Magen do prazer e do trabalho de o ler em nossa Academia. Inútil dizer o interesse com que a comunicação foi recebida.

“O Sr. Cazenove assim resume as doutrinas da nova seita, tirando-as de O Livro dos Espíritos:

“1º — Os Espíritos de uma ordem elevada geralmente têm curta passagem na Terra.

“2º Os Espíritos vulgares aqui estão de certo modo sedentários e constituem a massa da população ambiente do mundo invisível. Conservaram mais ou menos os mesmos gostos e inclinações que tinham no invólucro corpóreo. Não podendo satisfazer suas paixões, aproveitam-se dos que a elas se entregam e as excitam.

3º — Só os Espíritos inferiores podem lamentar as alegrias que se afinam com a impureza de sua natureza.

“4º Os Espíritos não podem degenerar; podem ficar estacionários, mas não regridem.

“5º Todos os Espíritos tornar-se-ão perfeitos.

“6º — Os Espíritos imperfeitos procuram apoderar-se e do minar os homens; sentem-se felizes por fazê-los falir.

7º — Os Espíritos são atraídos na razão de sua simpatia pela natureza moral do meio que os evoca. Os inferiores por vezes tomam nomes venerados, a fim de melhor induzir em erro.


“De acordo com esses dados, o Sr. Cazenove, com a finura e a sagacidade do talento que o caracterizam, compôs duas palestras, nas quais toca os dois extremos do corpo social. Através de um suposto médium, de um lado evoca Espíritos inferiores, personificados na figura de célebre espadachim, por exemplo de Cartouche, e os admite a um colóquio singular, que demonstra a perversidade de semelhante doutrina. Por outro lado, são Espíritos de ordem elevada que entram em relação com os homens da atualidade. O contraste, sem dúvida, é picante e ninguém deu com mais fidelidade, tacto e felicidade, tudo quanto o epicurismo, resumido no Espírito de Horácio e de Lucrécio, encerra de sumário, deplorável e falaz.


“Lamentamos muito não poder dar por inteiro aos nossos leitores o trabalho do Sr. Cazenove. Estamos certos de que aplaudiriam não só a forma impecável e perfeitamente acadêmica do escrito, mas, também, o alto pensamento moral que o domina, pois condena sem tibieza um sistema cheio de seduções e de verdadeiros perigos.

J. SERRET”

Resposta do Sr. Dombre

Sr. Redator,

Fui o primeiro a apreciar as observações finas e delicadas feitas pelo Sr. de Cazenove de Pradines no domínio da Doutrina Espírita. O escrito, sob o título de Conversas Espíritas, que esteve em minhas mãos e do qual se faz menção no vosso apreciado jornal de domingo, 25 de maio, é realmente de uma graça encantadora e não desmente o caráter de sagacidade do talento do autor. É uma flor cujas cores e brilho admiro e cuja delicadeza evito alterar, no momento, pelo contato da menor palavra de crítica indiscreta. Mas o vosso entusiasmo por esses diálogos picantes, mais espirituosos que ofensivos à doutrina, vos levaram a enunciar erros tais que é dever de todo bom espírita lembrar-vos, e principalmente meu.

Para começar, devo dizer que as citações escolhidas aqui e ali em O Livro dos Espíritos são grupadas com arte, a fim de apresentar a doutrina sob aspecto desfavorável, mas todo homem prudente e de boa-fé quererá ler aquele livro por inteiro e meditar.

1º. ─ Falais de doutrinas da nova seita. Permiti vos diga que o Espiritismo nem é uma religião nem uma seita. O Espiritismo é um ensino dado aos homens pelos Espíritos que povoam o espaço e que são apenas as almas dos que viveram. Malgrado nosso, sofremos a sua influência a todo instante. Eles são uma força da Natureza, como a eletricidade é outra, sob diverso ponto de vista. Sua existência e sua presença são constatadas por fatos evidentes e palpáveis.

2º. ─ Dizeis: “A perversidade de semelhante doutrina”. Cuidado! O Espiritismo não é senão o Cristianismo na sua pureza; não tem outra divisa em sua bandeira senão esta: “Amor e Caridade”. Isso, então, é perversidade?

3º. ─ Finalmente, falais de um sistema cheio de seduções e verdadeiros perigos. Sim, está cheio de seduções, de atrativos, porque é belo, grande, justo, consolador e, sob todos os pontos de vista, digno da perfeição de Deus. Onde os seus perigos? Em vão os procuram na prática do Espiritismo, mas aí só encontram consolação e melhoramento moral. Perguntai em Paris, em Lyon, em Bordeaux, em Metz, etc., qual o efeito produzido sobre as massas por essa nova crença. Sobretudo Lyon vos dirá em que fonte os operários sem trabalho encontraram tanta resignação e força para suportarem privações de toda espécie.

Ignoro se as livrarias de Agen estão providas de livros como O que é o Espiritismo?, O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, mas, sinceramente, desejo que o vosso pequeno relatório desperte a atenção dos indiferentes, faça-os procurar essas obras e constituírem um núcleo espírita na capital do nosso departamento. Destinada a regenerar o mundo, esta doutrina marcha a passos de gigante. Agen seria uma das últimas cidades onde o Espiritismo adquiriria direito de cidadania? Considero o vosso pequeno artigo como uma pedra que trazeis ao edifício e, uma vez mais, admiro os meios que Deus utiliza para atingir os seus fins.

Vossa imparcialidade e vosso desejo de, pela discussão, chegar à verdade, me são uma garantia de que admitireis esta carta nas colunas de vosso jornal, como resposta ao vosso artigo de 25 de maio.

Atenciosamente,

DOMBRE (de Marmande)


A essa carta, o redator se limitou a dizer o seguinte, na edição de seu jornal de 1º de junho:

“O Sr. Dombre nos escreve de Marmande, a respeito de nossas reflexões sobre O Livro dos Espíritos e os diálogos pelo mesmo sugeridos ao honrado Sr. de Cazenove de Pradines. Esse novo ensino, como prefere chamar o Sr. Dombre, não tem aos nossos olhos o mesmo valor e o mesmo prestígio que parece exercer sobre o nosso espirituoso correspondente.”

(Por diversas vezes o Sr. Dombre mandou àquele jornal colaboração em prosa e verso).

“Respeitamos as convicções dos nossos contraditores, mesmo quando repousam em princípios errados, mas consideramos um dever, malgrado a defesa leal e sincera tentada pelo Sr. Dombre, manter a expressão de um sentimento sobre um sistema completamente fora da verdade.

“Consequentemente, a Abeille Agénaise não se poderia dar à propagação de ideias essencialmente perigosas, e o Sr. Dombre compreenderá o pesar que sentimos por não nos associarmos à manifestação de seus desejos.

“J. SERRET”


OBSERVAÇÃO: Reservar-se o direito de atacar e não admitir resposta é um meio cômodo de ter razão. Resta saber se é o de chegar à verdade. Se uma doutrina que tem por base a caridade e o amor ao próximo; que melhora os homens e os leva a renunciarem aos hábitos de desordem; que dá a fé aos que em nada creem; que faz orar os que nunca oram; que restabelece a união nas famílias divididas; que impede o suicídio; se, dizíamos, uma tal doutrina é perversa, o que serão as que se tornam impotentes para produzir tais resultados? O Sr. Serret teme ajudar a propaganda pela polêmica, e por isso prefere falar sozinho. Pois então, que fale quanto queira, mas o resultado não será menor do que tem sido em toda parte: chamar a atenção e recrutar adeptos para a doutrina.

A. K.


Membros honorários da sociedade de Paris

Para testemunhar sua simpatia e gratidão às pessoas que prestam serviços relevantes e efetivos à causa do Espiritismo, por seu zelo, seu devotamento e seu desinteresse, e que, se necessário, pessoalmente se expõem ao perigo, a Sociedade Espírita de Paris lhes confere o título de membro honorário. Ela tem, assim, o prazer de reconhecer o concurso que dão à obra comum os chefes e fundadores de Sociedades ou grupos que se colocam sob a mesma bandeira e que são dirigidos conforme os princípios do Espiritismo sério, a fim de obterem resultados morais. Os motivos que a guiam são menos as palavras do que os atos. Eles existem não só em várias cidades da França e da Argélia, mas também na Itália, na Espanha, na Áustria, na Polônia, em Constantinopla, na América, etc.

O Sr. Dombre, de Marmande, que desde quando iniciou no Espiritismo não cessou de ser abertamente seu propagandista e defensor, merecia essa distinção. Anunciando-lhe a sua nominação, nós lhe havíamos pedido licença para publicar sua carta ao Padre F... (Ver artigos do mês anterior). Sua resposta merece citação, pois mostra de que maneira certos adeptos compreendem o seu papel:

“Marmande, 10 de agosto de 1862.

“Sr. Allan Kardec,

“Aceito, reconhecido, o título de membro honorário da Sociedade Espírita de Paris. Para corresponder a uma tal distinção, que representa um compromisso, e ao testemunho de simpatia de parte dos membros dessa Sociedade que houveram por bem conferir-me o título, farei sempre e por toda parte esforços para ajudar, na medida de meus meios, na propagação de uma doutrina que me faz feliz aqui na Terra e que fará, também, em tempo mais remoto, a daqueles que querem ainda conservar sobre os olhos a venda da incredulidade.

“Não vejo qualquer obstáculo ou inconveniente na publicação de minha resposta ao diretor do Abeille Agénaise e de minha carta ao Padre F... Minha carta a este último foi assinada: Um católico. Penso que nenhum dos leitores da Revista irá pensar que o autor tenha querido esconder-se no anonimato, pois o temor do julgamento dos homens não tem ascendência sobre mim. Rio dos que riem, porque estou com a verdade. Todo bom espírita deve, pelo exemplo, dar energia aos adeptos tímidos e lhes ensinar a manter alto e firme o estandarte de sua crença.

“Queira, senhor, apresentar meus sinceros agradecimentos à honrada

Sociedade, da qual me felicito por fazer parte e aceitar, etc.

“DOMBRE, proprietário”


Hoje diminuiu singularmente o medo do que os outros poderiam dizer, no que concerne ao Espiritismo, e o número dos que ocultam sua opinião é mínimo. Está reduzido àqueles que temem perder o emprego que os permite viver, e nesse número há muito mais padres do que se pensa. Pessoalmente conhecemos mais de cem.

Nada obstante, notamos em todas as posições sociais, entre os funcionários públicos, oficiais de todas as patentes, médicos, etc., muita gente que há apenas um ano não se teriam declarado espíritas e que hoje sentem-se honrados ao fazê-lo. Essa coragem de opinião, que enfrenta a troça, tem como primeira consequência encorajar os tímidos; depois, mostrar que o número dos adeptos é maior do que se supunha; finalmente, impor silêncio aos galhofeiros, surpreendidos ao ouvir, por todos os lados, a palavra Espiritismo pronunciada por pessoas que a gente encara duas vezes antes de fazer troça. Assim, observa-se que os brincalhões, de algum tempo para cá, baixaram a voz. Mais alguns anos como os que decorreram e seu papel estará findo, porque, por todos os lados ver-se-ão vencidos pela opinião.

O Sr. Dombre não só tem a coragem da opinião. Ele tem a da ação. Ele ocupa resolutamente o espaço e enfrenta os seus adversários, provocando-os à discussão, e eis que um jornalista se recusa, revelando a sua fraqueza, e um pregador, ao qual é feito o melhor oferecimento de uma ocasião para fazer valer os seus argumentos e dar uma cajadada na doutrina, vai saindo com a desculpa de que não tem tempo para responder. Não é uma deserção da batalha? Se ele estivesse seguro de si, e se a religião estivesse em jogo, por que não permanecer para vencer o adversário? Em casos tais, abandonar a partida é perdê-la. Um pregador tem uma vantagem imensa sobre um advogado. É que ele fala sem contraditor. Ele pode dizer o que quiser, e ninguém o refuta. Ao que parece, tal é a maneira pela qual os adversários do Espiritismo entendem a controvérsia.

No momento, o Sr. Dombre não foi o único a se manter sereno. Bordeaux, Lyon e muitas outras cidades menos importantes, até mesmo numerosas aldeias nos ofereceram muitos exemplos, que se multiplicam diariamente. Por todaparte onde os adeptos mostraram firmeza e energia, os antagonistas moderaram os seus impulsos.

Até agora essa coragem de opinião e de ação é muito mais encontrada nas classes médias e obscuras que nas elevadas, mas, se um homem popular, justamente estimado e honrado, influente por seus talentos, posição ou classe, abraça a causa do Espiritismo e ergue a sua bandeira abertamente, ousariam taxar de louco aquele cujo talento e gênio foram exaltados? Sua voz não imporá silêncio aos clamores da incredulidade? Então! Esse homem surgirá, vo-lo garanto. À sua voz os dissidentes se unirão, cedendo à influência de sua autoridade moral. Ele também terá sua missão providencial, como a de todos aqueles que ajudam o avanço da Humanidade; missão geral como tantas outras particulares e locais. Estas últimas, embora mais modestas, não deixam de ter um valor relativo, porque preparam os caminhos. É então que o Espiritismo entrará de velas pandas nos costumes e os modificará profundamente, porque em tudo as ideias serão diferentes. Nós semeamos e ele colherá, ou melhor, eles colherão, porque muitos outros seguirão o seu exemplo.

Espíritas, semeai, semeai muito, para que a colheita seja mais abundante e mais fácil. O passado vos garante o futuro!


O que deve ser a história do Espiritismo

A propósito dessa história, sobre a qual dissemos algumas palavras, várias pessoas nos perguntam o que compreenderia ela, e com esse objetivo nos enviaram diversos relatos de manifestações. Aos que pensaram assim trazer uma pedra ao edifício, agradecemos a intenção, mas diremos que se trata de algo mais sério que um catálogo de fenômenos espíritas encontradiço em muitas obras.

Tendo o Espiritismo que marcar presença nos fastos da Humanidade, será interessante para as gerações futuras saber por que meios ter-se-á ele estabelecido. Será, pois, a história das peripécias que tiverem assinalado os seus primeiros passos; das lutas que tiver enfrentado; dos entraves que lhe terão oposto; de sua marcha progressiva no mundo inteiro.

O verdadeiro mérito é modesto e não busca impor-se. É preciso que a Humanidade conheça os nomes dos primeiros pioneiros da obra, daqueles cuja abnegação e devotamento merecerão ser inscritos em seus anais; das cidades que marcharam na vanguarda; dos que sofreram pela causa, a fim de que sejam abençoados; dos que fizeram sofrer, a fim de que orem por eles, para que sejam perdoados. Numa palavra, de seus amigos dedicados e de seus inimigos confessos ou ocultos.

É preciso que a intriga e a ambição não usurpem o lugar que lhes não pertence, nem um reconhecimento e uma honra que não lhes são devidos. Se há Judas, é preciso que eles sejam desmascarados.

Uma parte, que não será a menos interessante, será a das revelações que sucessivamente anunciaram todas as fases dessa era nova e os acontecimentos de toda ordem que as acompanharam.

Aos que acharem a tarefa presunçosa, diremos que não teremos outro mérito senão o de possuir, por nossa posição excepcional, documentos que não estão em poder de ninguém, e que estão ao abrigo de quaisquer eventualidades. Considerando-se que o Espiritismo está sendo chamado, incontestavelmente, a desempenhar um grande papel na História, é importante que esse papel não seja desnaturado, e que seja mostrada a história autêntica, em oposição às histórias apócrifas que o interesse pessoal poderia fabricar.

Quando aparecerá ela? Não será tão cedo, e talvez não em nossa vida, pois não se destina a satisfazer à curiosidade do momento. Se dela falamos por antecipação, é para que ninguém se equivoque quanto ao seu objetivo e seja anotada a nossa intenção. Aliás, o Espiritismo está em seu começo, e muitas outras coisas acontecerão até lá. Então, é preciso esperar que cada um tenha tomado o seu lugar, certo ou errado.


Arsène Gautier - Uma lembrança de um Espírito

A senhora S..., de Cherbourg, transmitiu-nos a seguinte história:

Um marujo da marinha de guerra, chamado Arsène Gautier, voltou a Cherbourg há quinze ou dezesseis anos, muito doente, em consequência de febres adquiridas na costa da África. Ele veio à casa de um de meus genros, que sabia ser amigo de seu irmão, capitão da marinha mercante que em poucos dias devia chegar a esse porto. Recebemo-lo bem, e como estivesse doente, minha filha J..., então com quatorze ou quinze anos, pediu-me que o convidasse para se aquecer à nossa lareira e tomar um remédio que lhe não seria dado em seu albergue, enquanto esperava a chegada do irmão.

Minha filha teve para com ele cuidados piedosos. Ele morreu ao chegar à sua casa, e depois ninguém mais pensou no caso. Seu próprio nome, escrito ao topo da comunicação espontânea que recebemos a 8 de março último, por intermédio de minha filha J..., hoje médium, não suscitou sua lembrança. Só o reconhecemos pelos detalhes em que ele entrou. Era um homem de inteligência muito limitada e sua vida tinha sido muito penosa. Privado da afeição dos seus, a tudo se havia resignado. Eis a sua comunicação:

“Arsène Gautier. Vós me esquecestes há muito tempo, minha amiga, e eu não vos perdi de vista desde que deixei a Terra, porque sois a única pessoa, o único Espírito simpático que encontrei nessa terra de dor. Eu vos amei com todas as minhas forças, quando não passáveis de uma criança e não tínheis por mim senão um sentimento de piedade, devido à terrível moléstia que me devia levar.

Eu sou feliz. Essa era a primeira existência que Deus me havia dado. É porque meu Espírito era novo e não conhecia qualquer outro Espírito que me liguei muito a vós. Estou feliz e prestes a voltar à Terra para caminhar na direção do Senhor. Tenho a esperança no coração. O caminho, tão difícil para uns, parece-me largo e fácil. Um bom começo, como minha passada existência, é um grande encorajamento! Deus me ajudará. Orareis por mim, para que minha prova tão próxima me seja tão proveitosa quanto a outra. Não sou adiantado, ah! mas chegarei.”

Não tínhamos a menor ideia do Espírito que dera tal comunicação e nos perguntávamos uma à outra quem poderia ser.

O Espírito respondeu:

“Sou irmão de um ex-capitão de Nantes, que era amigo de um parente vosso.” (Isso nos deu uma pista e o Espírito continuou): “Obrigado por vos lembrardes de mim. Só lamento uma coisa, ao entrever minha próxima prova: É ser separado de vós por algum tempo. Adeus. Amo-vos muito.

Arsène Gautier”



OBSERVAÇÃO: Lida na Sociedade de Paris tal comunicação, perguntamos a um dos nossos guias espirituais se era possível que, como ele dizia, fosse aquela sua primeira encarnação. Eis a resposta:

“Sua primeira encarnação na Terra, é possível, mas como Espírito, não. Em suas primeiras encarnações, os Espíritos são quase inconscientes e esse, posto que pouco adiantado, está longe de sua origem. Ele é um desses Espíritos bons, que seguiram o caminho do bem. Seu progresso será rápido, pois apenas terá que se despojar de sua ignorância e não terá que lutar contra as tendências más, como aqueles que tomaram o caminho do mal.”


Pode um Espírito recuar ante a prova?

Uma senhora amiga escreve-nos o seguinte:

“Um dia minha filha recebeu a seguinte comunicação espontânea de um Espírito, que começou assinando Euphrosine Bretel. Como o nome não lembrasse ninguém, perguntamos: ─ Quem és? ─ Sou um pobre Espírito sofredor. Necessito de preces. Dirijo-me a ti porque me conheceste quando eu não era mais que uma criança.

“Rebuscamos a memória e admiti lembrar-me que tal nome de família era o de uma criança de nove a dez anos, que se achava no mesmo internato que minha filha e que adoecera pouco depois da chegada desta. Seu pai veio buscá-la de carro, e as meninas guardaram a lembrança daquela doente, toda embrulhada e gemente. Ela morreu em casa. Em desespero, a mãe a seguiu pouco depois. O pai ficou cego de tanto chorar e morreu no mesmo ano. Desde que admitimos haver reconhecido o nome, o Espírito escreveu: ‘Sou eu. Minha última existência deveria ser uma prova terrível, mas recuei covardemente e desde então sofro sempre. Eu te peço que rogues a Deus para que me conceda a graça de uma nova prova. Submeter-me-ei a ela, por mais dura que seja. Sou tão infeliz! Amo a meu pai e a minha mãe e eles me têm horror. Eles fogem de mim e meu castigo é o de buscá-los incessantemente, para me ver repelida. Vim a ti porque minha lembrança não se apagou inteiramente de tua memória, e dos que podem orar por mim, és a única que conhece o Espiritismo. Adeus! Não me esqueças. Em breve nos veremos.’

“Minha filha então lhe perguntou gracejando: ‘Então vou morrer logo?’ A isso o Espírito respondeu: ‘O tempo, que é longo para vós, não tem medida para nós’.

“Verificamos depois que o prenome e o nome de família estavam perfeitamente corretos.

“Agora me pergunto se é possível a um Espírito encarnado recuar ante uma prova começada.”

A essa pergunta respondemos:

Sim, os Espíritos recuam com frequência ante as provas escolhidas e que eles não têm coragem de suportar, e até de enfrentá-las quando chegado o momento. É a causa da maior parte dos suicídios. Eles recuam também quando se desesperam e murmuram, e assim perdem os benefícios da prova.

Eis por que o Espiritismo, dando a conhecer a causa, o objetivo e as consequências das atribulações da vida, dá, ao mesmo tempo, tantas consolações e tanta coragem, e desvia o pensamento de abreviar os dias. Qual a filosofia que produziu tais resultados sobre os homens?


Resposta a uma pergunta mental

Um ótimo médium de Maine-et-Loire que conhecemos pessoalmente, assim nos escreve:

“Um de nossos amigos, dos menos crentes, mas com enorme desejo de se esclarecer, perguntou-nos um dia se poderia evocar um Espírito sem o nomear, e se este poderia responder a perguntas mentais, sem que o médium lhes tivesse o menor conhecimento. Respondendo que era possível se o Espírito quisesse, o que nem sempre acontece. Em seguida obteve a seguinte resposta:

“Não posso dizer o que me pedis, porque Deus não o permite.

Contudo posso dizer-vos que sofro: é uma dor geral em todos os membros, o que vos deve surpreender, desde que com a morte o corpo apodrece na Terra; mas nos temos um outro corpo espiritual que não morre. Isso nos faz sofrer tanto quanto se tivéssemos nosso corpo corporal. Sofro, mas espero não sofrer sempre. Como épreciso satisfazer à justiça de Deus, é necessário nos resignarmos nesta vida ou na outra. Eu não me privei bastante na Terra, o que me obriga a reparar o tempo perdido. Não me imiteis, pois vos prepararíeis séculos de tormentos. A eternidade é uma coisa séria e infelizmente nela não se pensa tanto quanto seria preciso. Como élamentável que nos esqueçamos de um assunto tão importante quanto a salvação! Pensai nisso!

Vosso antigo cura,
A... T...”


“Era mesmo o cura que o nosso amigo queria evocar. E estas eram as três perguntas que queria fazer:

“Que pensar da divindade de Jesus Cristo?

“A alma é imortal?

“Que meios empregar para expiar as faltas e evitar o castigo?

“Pelo estilo reconhecemos perfeitamente o nosso cura; a expressão corpo corporal, sobretudo, mostra que é o Espírito de um bom cura provinciano, cuja educação deixou algo a desejar.”


OBSERVAÇÃO: As respostas a perguntas mentais são muito comuns e tanto mais interessantes quanto são para o incrédulo de boa-fé uma das provas mais concludentes da intervenção de uma inteligência oculta. Como, porém, a maioria dos fenômenos espíritas, raramente são obtidas à vontade; ao passo que ocorrem espontaneamente a cada passo. No caso acima, o Espírito prestou-se de boa vontade, o que é muito raro, porque, como é sabido, os Espíritos não gostam de perguntas de curiosidade e de prova. Concordam quando há utilidade e muitas vezes não as julgam como nós. Como não se submetem ao capricho dos homens, é, necessário esperar os fenômenos da sua boa vontade ou da sua possibilidade de os produzir. E necessário, por assim dizer, apreendê-los de passagem e não os provocar. Para tanto são precisas paciência e perseverança; e é por isto que os Espíritos reconhecem os observadores sérios e realmente desejosos de instrução, Eles se preocupam muito pouco com as pessoas superficiais, que pensam que basta perguntar para serem atendidas imediatamente.




Poesias espíritas

A criança e o ateu (Sociedade espírita africana - Médium: Srta. O...)

Um belo Espírito, gabando-se de ateu,

Passeava um dia com um rapazinho,

À margem dum regato, cuja margem ensombrada

Os protegia contra os raios do sol.

Vendo fugir a água cristalina,

Diz ao menino o sábio companheiro:

Aonde pensas tu que o curso veloz

Deve conduzi-lo ao deixar este vale?

Ora! Diz ele, certamente um lago sereno

Vai receber o tributo de suas águas;

E no fim da marcha acidentada,

Deste modo terminam todos os riachos.

Pobrezinho! diz a rir o professor,

Como teu espírito se engana!

Aprende agora, aprende, pois,

Como neste mundo tudo é finito.

Quando ele se afasta da sua nascente,

Onde as vagas surgem a cada instante,

É para ir, ao termo de seu curso,

Ao seio do oceano, perdido para sempre.

Assim é ele a nossa própria imagem:

Quando deixamos o mundo sedutor,

Nada mais resta dessa curta passagem

E nós entramos todos no nada.

Ó Deus! diz o menino, com voz desconsolada,

Então isto é verdade?

Tal é nosso destino?

Que! De minha amada mãe

Tudo terei perdido quando ela morrer?

E eu que acreditava que sua alma querida

Podia proteger ainda o seu filhinho,

Com ele partilhar as agruras da vida

E um dia nos unirmos, junto ao Onipotente?

Conserva sempre essa crença,

Diz baixinho o anjo protetor.

Sim, ó querido, guarda bem a esperança,

Sem a qual nesta Terra não há felicidade.

O tempo se escoou.

Muitos anos depois,

Nosso sábio transpôs o largo umbral da morte.

E, como sempre, fiel aos loucos pensamentos,

Morreu dizendo que Deus não existia.

Também o rapazinho atingiu a velhice,

E, sem temor, foi receber a morte,

Pois conservava a fé da juventude,

E nas mãos do Eterno entregou sua sorte.

Vede, vede a multidão devotada

Deixar o Céu e vindo recebê-lo:

Os Espíritos puros são o bando sagrado

Para receber seu irmão exilado.

Mas quem é aquela alma abandonada

Que parece querer de todos se ocultar?

É do sábio infeliz a alma desolada,

Que percebe a ventura sem a poder gozar.

Oh! Que amargo não foi do mestre o sofrimento,

Quando lhe apareceu, em toda a majestade,

Como juiz severo, aquele mesmo Deus,

Que em vida negara em eterno desafio!

Oh! As lágrimas quentes de tanto sofrimento

Vieram rebentar o Espírito orgulhoso!

Ele, que outrora troçava da Esperança

Que o menino buscava para além do sepulcro.

Mas a paternal bondade do Pai Onipotente

Não quis, ó não! puni-lo eternamente.

E em breve essa alma humilde e arrependida,

Uma vez mais à Terra voltará.

Depois, redimida e, enfim, purificada,

Voará para o Céu, feliz e satisfeita.

Irá, inebriada da mais pura alegria,

Repousar aos pés do Onipotente.


Dulcis


A abóbora e a sensitiva (Fábula)

Qual é o teu regime, ó pobre Sensitiva?

Perguntava uma abóbora à delicada flor,

Para ficar assim, tão lânguida, tão magra?

Digo-te com pesar,

A sensibilidade te perde; tu te estiolas;

Morrerás antes da estação;

Se o sol se oculta no horizonte

Vemos se fecharem teus frágeis folíolos:

Um funesto tremor

Percorre a haste ao leve sopro da brisa:

O menor contato põe-te em crise;

Tua vida não é mais que tormento.

E por que tanto mal e tanta solicitude?

Segue o meu exemplo de doce quietude.

Aquilo que em redor de mim se passa

Não me causa a mais leve emoção;

Sustentar-me é minha única ocupação.

Aliás, que importa ao meu temperamento

O mistério do céu? ─ A luz do dia claro,

A escuridão, calor, frio, umidade

Pra tudo é igual

É certo que de minha forma rotunda,

O observador satírico e perverso

Diz: “A abóbora vegeta!”

Mas o dito não me fere.

Rindo eu rolo em leito bem nutrido,

Ansiosa de assentar, no solo que penetro

Minha barriga e meu tamanho.

Nossos gostos diferem, diz a pequena flor.

Não queres consagrar cuidados e a vida

Senão ao bem-estar material.

Mas eu faço melhor, como vês,

Mesmo abreviando a existência

Dedico-me ao prazer

Do sentimento e da inteligência

E terei sempre vivido o bastante.



DOMBRE (de Marmande)




Dissertações espíritas

O Espiritismo e o Espírito maligno (Grupo de Sainte-Gemme - Médium: Sr. C...)

De todos os trabalhos a que se entrega a Humanidade, os preferíveis são os que mais aproximam a criatura de seu criador, que a põem diariamente e a cada instante em condições de admirara obra divina que saiu, e sai, incessantemente, de suas mãos onipotentes.

É dever do homem prosternar-se e adorar continuamente aquele que lhe deu os meios de se melhorar como Espírito, e assim atingir a suprema felicidade, que é o objetivo final para o qual deve tender.

Se há profissões que, quase exclusivamente intelectuais, dão ao homem os meios de elevar o nível da inteligência, um perigo, um grande perigo se acha ao lado dessa vantagem. Prova a história de todos os tempos o que é tal perigo e quantos males pode engendrar.

Sois dotados de uma inteligência superior. A tal respeito mais que os vossos irmãos estais próximos da Divindade, e chegais a negar essa própria Divindade ou a imaginá-la exatamente o contrário do que é. Nunca seria demais repetir nem se cansar de dizer: O orgulho é o mais encarniçado inimigo do gênero humano. Tivésseis mil bocas e todas deveriam repeti-lo incessantemente.

Deus vos criou a todos simples e ignorantes[1]. Tratai de avançar em passo tão seguro quanto possível. Isto depende de vós, pois jamais Deus recusa a graça ao que lhe pede de boa-fé.

Todos os estados podem igualmente vos conduzir ao objetivo desejado, se vos conduzirdes conforme o caminho da justiça e se não dobrardes a vossa consciência à vontade dos caprichos. Nada obstante, há estados nos quais é mais difícil progredir que em outros. Assim, Deus levará em conta aqueles que, tendo aceito como prova uma posição ambígua, tiverem percorrido sem tropeços tal via escorregadia ou, pelo menos, tiverem feito todos os esforços humanamente possíveis para se erguerem.

É aí que se faz necessária uma fé sincera, uma força pouco comum para resistir ao arrastamento para fora da linha de justiça, mas é também aí que se pode fazer um bem imenso aos irmãos infelizes. Ah! Existe um grande mérito naquele que toca o lodaçal, sem que suas vestes e ele próprio se enlameiem. É necessário que uma chama muito pura brilhe em si. Mas, também, que recompensa não lhe é reservada ao deixar a vida terrena![2]

Que aqueles que se acham em semelhantes posições meditem bem estas palavras; que se penetrem bem do espírito que as mesmas encerram, e neles operarse-á uma revolução benéfica que fará com que os suaves impulsos do coração substituam as pressões do egoísmo.

Quem transformará esses homens em homens novos, como indaga o Evangelho? E para realizar esse grande milagre, o que se faz necessário?

É preciso que eles queiram reportar seu pensamento àquilo a que estão destinados a ser depois da morte.

Eles estão todos convencidos de que o amanhã pode não existir, mas, aterrorizados pelo quadro sombrio e desolador das penas eternas, nas quais, por intuição, se recusam a acreditar, abandonam-se à corrente atual da vida; deixam-se arrastar por essa cupidez febril que os leva a acumular sempre, por todos os meios, lícitos ou não; arruínam sem piedade um pobre pai de família e prodigalizam ao vício somas que bastariam para uma cidade viver alguns dias.

Eles desviam os olhos do momento fatal. Ah! Se pudessem encará-lo de frente e com sangue frio, como mudariam de conduta! Como veríamos apressados em devolver ao legítimo dono esse pedaço de pão negro que tiveram a crueldade de roubar para aumentarem, ao preço de uma injustiça, uma fortuna feita de injustiças acumuladas!

O que é preciso para isso? É preciso que brilhe a luz espírita. É preciso se pudesse dizer, como um grande general dizia de uma grande nação: O Espiritismo é como o Sol. Cega quem não o vê! Os homens que se dizem e que se julgam cristãos e que repelem o Espiritismo são perfeitos cegos.

Qual a missão da doutrina, semeada atualmente no mundo pela mão onipotente do Criador? É a de conduzir os incrédulos à fé, os desesperados à esperança, os egoístas à caridade. Eles se dizem cristãos e anatematizam a doutrina de Jesus

Cristo. É verdade que dizem que é o Espírito Maligno que, para melhor se disfarçar, vem pregar tal doutrina neste mundo. Cegos infelizes! Pobres doentes! Que Deus, em sua bondade inesgotável, se digne fazer cessar a vossa cegueira e pôr um termo aos males que vos obsidiam!

Quem vos disse que era o Espírito do Mal? Quem? Vós nada sabeis acerca disto. Pedistes a Deus que vos esclarecesse sobre este assunto? Não, ou, se o fizestes, foi com uma ideia preconcebida. O Espírito do Mal! Sabeis quem vos disse que era o Espírito do Mal? Foi o orgulho, foi o próprio Espírito do Mal que ─ coisa revoltante! ─ vos leva a condenar o Espírito de Deus, representado pelos bons Espíritos que são enviados para regenerar o mundo!

Ao menos examinai a coisa e, conforme a regra estabelecida, condenai ou absolvei. Ah! Se ao menos quisésseis lançar um golpe de vista sobre os resultados inevitáveis que o triunfo do Espiritismo deve determinar! Se quisésseis ver os homens se considerando como irmãos, convencidos todos de que, de um momento para o outro, Deus lhes pedirá contas da maneira pela qual desempenharam a missão que lhes havia sido confiada! Se quisésseis ver em toda parte a caridade substituindo o egoísmo e o trabalho tomando o lugar da preguiça, pois sabeis que o homem nasceu para o trabalho. Deus fez do trabalho uma obrigação a que o homem não pode subtrair-se sem infringir as leis divinas.

Se quisésseis ver de um lado esses infelizes que dizem: Danados neste mundo e no outro, sejamos criminosos e gozemos, e do outro lado esses homens de ferro, esses açambarcadores da fortuna de todos, que dizem: A alma é uma palavra. Deus não existe. Se nada resta de nós após a morte, gozemos a vida. O mundo é composto de exploradores e de explorados. Prefiro estar com os primeiros a estar com os últimos. Depois de mim, o dilúvio. Se lançásseis o olhar sobre esses dois homens que personificam a pilhagem, a pilhagem da boa companhia e a que conduz à prisão; se os vísseis transformados pela crença na imortalidade que lhes deu o Espiritismo, ousaríeis dizer que foi pelo Espírito do Mal?

Vejo o desdém em vossos lábios e vos escuto: Nós é que pregamos a imortalidade e temos crédito por isso. Terão sempre mais confiança em nós do que nesses sonhadores ocos que, se não são trapaceiros, sonharam que os mortos saíam de seus túmulos para se comunicarem com eles. A isso sempre a mesma resposta: Examinai, e se, convencidos de boa-fé, o que não faltará se fordes sinceros, em vez de maldizer, bendireis, o que deve estar muito mais nas vossas atribuições, conforme a lei de Deus.

A lei de Deus! Em vossa opinião, sois os únicos depositários dela e vos admirais que outros tomem uma iniciativa que, segundo pensais, vos pertence exclusivamente. Ora! Escutai o que os Espíritos enviados por Deus têm a vos dizer:

“Vós que levais a sério o vosso ministério, sereis abençoados, porque tereis realizado todas as obras, não só determinadas, mas aconselhadas pelo divino Mestre. E vós que considerastes o sacerdócio como um objetivo humano, não sereis malditos, embora maldizendo os outros, mas Deus vos reserva uma punição mais justa. Dia virá em que sereis obrigados a vos explicardes publicamente sobre os fenômenos espíritas, e esse dia não está longe. Então vos encontrareis na necessidade de julgar, porque vos erigistes em tribunal. Julgar a quem? O próprio Deus, pois nada acontece sem sua permissão.

“Vede onde vos conduziu o Espírito do Mal, isto é, o orgulho! Em vez de vos inclinardes e orar, resistis contra a vontade do único que tem o direito de dizer: Eu quero. Vós, no entanto, dizeis que o demônio é que o diz: Eu quero!

“E agora, se persistirdes em não crer senão nas manifestações dos maus Espíritos, lembrai-vos das palavras do Mestre, que foi acusado de expulsar os demônios em nome de Belzebu: “Todo reino dividido contra si próprio será destruído.”


HIPPOLYTE FORTOUL



[1] Essa preposição, relativa ao estado primitivo das almas, pela primeira vez formulada em O Livro dos Espíritos, é hoje repetida por toda parte nas comunicações. Ela tem, assim, a sua consagração, tanto nessa concordância quanto na lógica, porque nenhum outro princípio responderia melhor à justiça de Deus. Dando a todos os homens o mesmo ponto de partida, deu a todos a mesma tarefa a desempenhar para atingir o fim. Ninguém é privilegiado pela Natureza. Como, porém, todos têm o livre-arbítrio, uns progridem mais rapidamente que outros. Tal princípio da justiça é inconciliável com a doutrina que admite a criação da alma ao mesmo tempo que o corpo. Ele comporta em si mesmo a pluralidade das existências, porque se a alma é anterior ao corpo, é que ela já viveu.




[2] Admiram-se de que Espíritos possam escolher uma reencarnação num desses meios onde se acham em contato incessante com a corrupção. Entre os que se acham em tais posições ínfimas da Sociedade, uns as escolheram por gosto, e para poderem satisfazer inclinações ignóbeis; outros, por missão e dever, a fim de tentarem tirar os seus irmãos do atoleiro e para terem mais mérito lutando, eles próprios, contra os arrastamentos perniciosos. Sua recompensa será proporcional às dificuldades vencidas. É o mesmo caso, entre nós, do operário que é pago em proporção ao perigo a que se expõe no exercício da profissão.





O corvo e a raposa (Sociedade espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 - Médium: Sr. Leymarie)

Desconfiai dos aduladores. É a raça mentirosa. São encarnações de duas caras, que riem para enganar. Infeliz de quem os escuta e neles acredita, pois as noções do verdadeiro nele logo se pervertem. Entretanto, quanta gente se deixa levar por esse engodo mentiroso da adulação! Escutam com satisfação o velhaco que elogia as suas fraquezas, enquanto repelem o amigo sincero que lhes diz a verdade e lhes dá bons conselhos; atraem o falso amigo e afastam o verdadeiro e desinteressado. Para agradá-los é preciso adular, aprovar tudo, tudo aplaudir e achar tudo bom, mesmo o absurdo. E ─ coisa estranha! ─ repelem conselhos sensatos e acreditam na mentira do primeiro que vier, desde que essa mentira lisonjeie as suas ideias. Que quereis? Eles querem ser enganados e o são. Muitas vezes tardiamente percebem as consequências, mas então já está feito o mal, e às vezes ele não tem remédio.

De onde vem isso? A causa desse problema é quase sempre múltipla. A primeira, sem contestação, é o orgulho que os cega quanto à infalibilidade de seu próprio mérito, que julgam superior ao dos demais. Assim, sem dificuldade o tomam como modelo do senso comum. A segunda é devida a uma falta de senso, que lhes não permite vejam o lado certo e o errado das coisas, mas nisto ainda está o orgulho, que oblitera o julgamento, porque, sem orgulho, desconfiariam de si mesmos e se aconselhariam com os que têm mais experiência.

Acreditai, ainda, que os maus Espíritos não estão alheios ao caso. Eles gostam de mistificar e de fazer armadilhas. Quem nelas cairá mais facilmente do que os orgulhosos que são adulados? O orgulho é para eles a falta de couraça de uns, assim como a cupidez é de outros. Eles sabem habilmente disso tirar partido, mas não deixam de dirigir-se aos que, do ponto de vista moral, são mais fortes.

Quereis subtrair-vos à influência dos maus Espíritos? Subi, subi tão alto em virtude que eles não vos possam atingir, e então, vós é que sereis temidos por eles. Mas, se vos deixardes arrastar pela ponta da corda, eles subirão nela para vos forçar a descida; chamar-vos-ão com voz melosa, elogiarão vossa plumagem, e, a exemplo do corvo, deixareis cair o queijo.

SONNET

Estilo de boas comunicações (Sociedade espírita de Paris, 8 de agosto de 1862 - Médium: Sr. Leymarie)

Buscai, na palavra, a sobriedade e a concisão. Poucas palavras, muita coisa. A linguagem é como a harmonia: quanto mais quisermos torná-la rebuscada, menos melodiosa será. A verdadeira ciência é sempre aquela que atrai, não alguns sibaritas cheios de si, mas a massa inteligente que desde muito tempo é desviada do caminho do verdadeiro belo, que é o da simplicidade.

A exemplo de seu Mestre, os discípulos do Cristo haviam adquirido esse profundo saber de bem falar, com sobriedade e concisão, e seu discurso, como o do Mestre, era marcado por essa delicadeza, por essa profundeza que em nossos dias, numa época em que tudo mente ao nosso redor, ainda fazem as grandes vozes do Cristo e dos apóstolos, modelos inimitáveis de concisão e de precisão.

Mas a verdade desceu do alto. Como os apóstolos dos primeiros dias da era cristã, os Espíritos superiores vêm ensinar e dirigir.

O livro dos Espíritos é toda uma revolução, porque é conciso e sóbrio: poucas palavras, muita coisa; nada de flores de retórica; nada de imagens, mas apenas pensamentos grandes e fortes, que consolam e fortalecem. É por isso que ele agrada, e agrada porque é facilmente compreendido. Eis o cunho da superioridade dos Espíritos que o ditaram.

Por que há tantas comunicações vindas de Espíritos que se dizem superiores, refertas de insensatez, de frases inchadas e floridas; uma página para nada dizer? Tende certeza de que não são Espíritos superiores, mas pseudossábios, que julgam produzir efeito, substituindo por palavras o vazio das ideias; a profundeza do pensamento pela obscuridade. Eles não podem seduzir senão os cérebros ocos como os seus, que tomam o ouropel pelo ouro puro e julgam a beleza da mulher pelo brilho dos vestidos.

Desconfiai, pois, dos Espíritos verbosos, de linguagem empolada e confusa que exige tratos à bola para compreender. Reconhecei a verdadeira superioridade pelo estilo conciso, claro e inteligível sem esforço de imaginação. Não meçais a importância das comunicações por sua extensão, mas pela soma de ideias que encerram em pequeno espaço. Para ter o tipo da superioridade real, contai as palavras e as ideias ─ refiro-me às ideias justas, sadias e lógicas ─ e a comparação vos dará a exata medida.

BARBARET

(Espírito familiar)


A Razão e o sobrenatural (Sociedade espírita de Paris - Médium: Sra. Didier)

É o homem limitado na inteligência e nas sensações. Não pode compreender além de certos limites, e então pronuncia a palavra sacramental que tudo explica: Sobrenatural.

A palavra sobrenatural, na ciência nova que estudais, é palavra convencional. Ela existe para nada exprimir. Com efeito, o que essa palavra significa? Fora da Natureza; além do que é conhecido por nós.

Não há nada mais insensato e absurdo do que aplicá-la a tudo quanto está fora de nós. Para o homem que pensa, a palavra sobrenatural não é definitiva. Ela é vaga; ela faz pressentir.

É bem conhecida a frase banal do incrédulo por ignorância: “É sobrenatural. Ora, a razão, etc. etc.” Que é a razão? Ah! Quando a Natureza, alargando-se e agindo dominadora, nos mostra tesouros desconhecidos, a razão, neste sentido, se torna irracional e absurda, pois persiste, a despeito dos fatos. Ora, se há um fato, é que a Natureza o permite. A Natureza tem para nós manifestações sublimes, certamente, mas muito restritas, se entrarmos no domínio do desconhecido. Ah! Quereis escavar a Natureza; conhecer a causa das coisas, causa rerum, e julgais desnecessário pôr de lado vossa razão banal? Estais brincando, senhores. Que é a razão humana senão a maneira de pensar do vosso mundo? Correis de planeta a planeta e pensais que a razão vos deve acompanhar? Não, senhores. A única razão que deveis ter em meio a todos esses fenômenos é o sangue frio e a observação a partir desse ponto de vista, e não do ponto de vista da incredulidade.

Ultimamente abordamos questões muito sérias, como vos lembrais, mas, no meio do que dizíamos, não concluímos que todo mal vem dos homens. Depois de muitas lutas e discussões, também chegam os bons pensamentos, uma nova fé e esperanças novas. O Espiritismo, como eu vos disse ultimamente, é a luz que deve iluminar, de agora em diante, toda inteligência votada ao progresso.

A prece será o único dogma e a única prática do Espiritismo, isto é, a harmonia e a simplicidade. A arte será nova, porque fecundada pelas ideias novas. Pensai que toda obra inspirada por uma ideia filosófico-religiosa é sempre manifestação poderosa e sã, e o Cristo será sempre a Humanidade, mas não a Humanidade sofredora: será a Humanidade triunfante.

LAMENNAIS

ALLAN KARDEC


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