Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1862

Allan Kardec

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Abril

Frenologia espiritualista e espírita

Perfectibilidade da Raça Negra *

A raça negra é perfectível? Segundo alguns, a questão é julgada e resolvida negativamente. Se assim é, se essa raça é votada por Deus a uma eterna inferioridade, a consequência é que será inútil preocuparmo-nos com ela e que devemos limitar-nos a fazer do negro uma espécie de animal doméstico dedicado à cultura do açúcar e do algodão.

Entretanto a Humanidade, tanto quanto o interesse social, requer um exame mais acurado. É o que tentaremos fazer. Mas como uma conclusão dessa importância num ou noutro sentido, não pode ser alcançada levianamente, e deve apoiar-se em raciocínio sério, pedimos permissão para desenvolver algumas considerações preliminares, que nos servirão para mostrar, mais uma vez, que o Espiritismo é a única chave possível de uma porção de problemas insolúveis com o auxílio dos dados atuais da Ciência.

A frenologia nos servirá de ponto de partida. Exporemos sumariamente as suas bases fundamentais, para melhor compreensão do assunto.

Como se sabe, a frenologia apoia-se no princípio que o cérebro é o órgão do pensamento, como o coração é o da circulação, o estômago o da digestão, o fígado o da secreção da bile. Este ponto é admitido por todos, porque ninguém pode atribuir o pensamento a outra parte do corpo. Cada um sente que pensa pela cabeça e não pelo braço ou pela perna. Além disso, sente-se instintivamente que a sede do pensamento está na fronte: é aí, e não no occipital, que se leva a mão, para indicar que acaba de brotar uma ideia. Para todo o mundo o desenvolvimento da parte frontal leva a presumir mais inteligência do que quando ela é baixa e deprimida. Por outro lado, as experiências anatômicas e fisiológicas demonstraram claramente o papel especial de certas partes do cérebro nas funções vitais, e a diferença dos fenômenos produzidos pela lesão de tal ou qual parte. A esse respeito, as pesquisas científicas não deixam dúvida. As do Sr. Flourens, principalmente, provaram à evidência a especialidade das funções do cerebelo.

Assim, é admitido como princípio que cada parte do cérebro tem a sua função. Além disto, é reconhecido que os cordões nervosos que, originado-se do cérebro, se ramificam em todas as partes do corpo, como os filamentos de uma raiz, são afetados de maneira diferente, conforme a sua destinação. É assim que o nervo óptico, que alcança o olho e se espalha na retina, é afetado pela luz e pelas cores e transmite essas sensações ao cérebro numa porção especial; que o nervo auditivo é afetado pelos sons e os nervos olfativos pelos odores. Se um desses nervos perder a sensibilidade por uma causa qualquer, não haverá mais a sensação: fica-se cego, surdo ou privado do olfato. Esses nervos têm, pois, funções distintas e não podem de modo algum se substituir, embora o mais atento exame não mostre a mais ligeira diferença na sua contextura.

Partindo de tais princípios, a frenologia vai mais longe: localiza todas as faculdades morais e intelectuais, a cada uma das quais determina um lugar especial no cérebro. É assim que ela afeta um órgão com instinto de destruição que, levado ao excesso, se torna crueldade e ferocidade; um outro com a firmeza, cujo excesso, sem a contrapartida do julgamento, produz a teimosia; um outro ao amor pela progenitura; outros à memória das localidades, à dos números, à das formas, ao sentimento poético, à harmonia dos sons, das cores, etc.

Não é aqui o lugar para fazer a descrição anatômica do cérebro. Apenas diremos que se fizermos uma secção longitudinal na massa, reconheceremos que da base partem feixes fibrosos que vão espalhar-se na superfície, apresentando mais ou menos o aspecto de um cogumelo cortado verticalmente. Cada feixe corresponde a uma das circunvoluções na superfície externa, de onde se segue que o desenvolvimento da circunvolução corresponde ao desenvolvimento do feixe fibroso. Segundo a frenologia, sendo cada feixe a sede de uma sensação ou de uma faculdade, conclui ela que a energia da sensação ou da faculdade é proporcional ao desenvolvimento do órgão.

No feto, a caixa óssea do crânio ainda não está formada. A princípio ela é apenas uma película, uma membrana muito flexível, que se modela, consequentemente, nas partes salientes do cérebro e lhes conserva a impressão, à medida que se endurece, pelo depósito de fosfato de cálcio, que é a base dos ossos. Das saliências do crânio a frenologia conclui o volume do órgão, e do volume do órgão conclui o desenvolvimento da faculdade.

Tal é, em poucas palavras, o princípio da ciência frenológica.

Conquanto o nosso objetivo não seja desenvolvê-la aqui, ainda algumas palavras são necessárias quanto ao modo de apreciação. Cometer-se-ia grave erro se se pensasse em poder deduzir o caráter absoluto de uma pessoa pela simples inspeção das saliências do crânio. As faculdades se contrabalançam reciprocamente, se equilibram, se corroboram ou se atenuam umas em relação às outras, de tal sorte que, para julgar um indivíduo, é necessário levar em conta o grau de influência de cada uma, em razão do seu desenvolvimento, depois fazer entrar na balança o temperamento, o meio, os hábitos e a educação.

Suponhamos um homem com o órgão da destruição muito pronunciado, com atrofia dos órgãos das faculdades morais e afetivas. Ele será abjetamente feroz. Mas se à destruição aliar a benevolência, a afeição, as faculdades intelectuais, a destruição será neutralizada e terá o efeito de lhe dar mais energia, e ele poderá ser um homem muito digno, ao passo que o observador superficial que o julgar pela inspeção apenas do primeiro órgão, o tomará por um assassino. Compreendem-se, assim, todas as modificações do caráter, que podem resultar do concurso das outras faculdades, como a astúcia, a circunspecção, a autoestima, a coragem, etc. A só sensação da cor fará o colorista, mas não fará o pintor; a da forma, só, não fará o desenhista; as duas reunidas apenas farão um bom copista, se não houver, ao mesmo tempo, o sentimento da idealidade ou da poesia, e as faculdades reflexivas e comparativas.

Isto basta para mostrar que as observações frenológicas práticas apresentam grande dificuldade e repousam sobre considerações filosóficas, que não estão ao alcance de todos.

Estabelecidas essas preliminares, vejamos a coisa de outro ponto de vista.

De início, dois sistemas radicalmente antagônicos dividiram os frenologistas em materialistas e espiritualistas. Não admitindo nada fora da matéria, dizem os primeiros que o pensamento é um produto da substância cerebral; que o cérebro secreta o pensamento, como as glândulas salivares secretam a saliva, como o fígado secreta a bile. Ora, como a quantidade de secreção é geralmente proporcional ao volume e à qualidade do órgão secretor, eles dizem que a quantidade de pensamentos é proporcional ao volume e à qualidade do cérebro; que cada parte deste, secretando uma ordem particular de pensamentos, os diversos sentimentos e as diversas aptidões estão na razão direta do órgão que os produz.

Não refutaremos essa monstruosa doutrina, que faz do homem uma máquina, sem responsabilidade por seus atos maus e sem mérito pelas boas qualidades, e que apenas deve o seu gênio e as suas virtudes ao acaso de sua organização. ** Com semelhante sistema, toda punição é injusta e todos os crimes são justificados.

Ao contrário, os espiritualistas dizem que os órgãos não são a causa das faculdades, mas os instrumentos das manifestações das faculdades; que o pensamento é um atributo da alma e não do cérebro; que, possuindo por si mesma aptidões diversas, a predominância desta ou daquela faculdade impele o desenvolvimento do órgão correspondente, como o exercício de um braço determina o desenvolvimento dos músculos desse braço. Daí se segue que o desenvolvimento de um órgão é efeito e não causa. Assim, um homem não é poeta porque tenha o órgão da poesia. Ele tem o órgão da poesia porque é poeta, o que é muito diferente.

Mas aqui se apresenta outra dificuldade, ante a qual forçosamente esbarram os frenologistas: se for espiritualista, dirá que o poeta tem o órgão da poesia porque é poeta, mas não nos diz por que ele é poeta; porque o é, em vez de seu irmão, embora educado nas mesmas condições? E assim em relação a todas as outras aptidões.

Só o Espiritismo pode dar a explicação.

Com efeito, se a alma fosse criada ao mesmo tempo que o corpo, a do sábio do Instituto seria tão nova quanto a do selvagem. Então, por que há na Terra selvagens e membros do Instituto? Direis que depende do meio em que vivem. Seja, mas então, por que homens nascidos nos meios mais ingratos e mais refratários se tornam gênios, enquanto que meninos que bebem a Ciência com o leite materno são imbecis?

Os fatos não provam sobejamente que há homens instintivamente bons ou maus, inteligentes ou estúpidos? É, pois, necessário haja um germe na alma. De onde vem ele? Pode-se dizer razoavelmente que Deus os fez de todos os tipos, uns chegando sem esforço e outros nem mesmo com um trabalho sistemático? Haveria nisso justiça e bondade? Evidentemente não. Uma única solução é possível: a preexistência da alma; sua anterioridade ao nascimento do corpo; o desenvolvimento adquirido conforme o tempo vivido e as várias migrações percorridas. Unindo-se ao corpo, a alma traz, pois, o que adquiriu, em boas ou más qualidades. Daí as predisposições instintivas, de onde poder-se dizer com certeza que aquele que nasceu poeta já cultivou a poesia; o que nasceu músico já cultivou a música e o que nasceu facínora já foi mais facínora. Tal é a fonte das faculdades inatas que produzem, nos órgãos afetados à sua manifestação, um trabalho interior, molecular, que determina o seu desenvolvimento.

Isto nos conduz ao exame da importante questão da inferioridade de certas raças e da sua perfectibilidade.

Para começar, estabelecemos como princípio que todas as faculdades, todas as paixões, todos os sentimentos, todas as aptidões estão na natureza; são necessárias à harmonia geral, porque Deus nada faz de inútil; o mal resulta do abuso, bem como da falta de contrapeso e equilíbrio entre as diversas faculdades. Como as faculdades não se desenvolvem simultaneamente, disso resulta que só lentamente se estabelece o equilíbrio; que essa falta de equilíbrio produz os homens imperfeitos, nos quais o mal domina momentaneamente.

Tomemos para exemplo o instinto de destruição. Ele é necessário, porque na Natureza há necessidade de que tudo seja destruído para se renovar. Por isso todas as espécies vivas são, ao mesmo tempo, agentes destruidores e reprodutores. Mas o instinto de destruição isolado é um instinto cego e brutal. Ele domina entre os povos primitivos, entre os selvagens cuja alma ainda não adquiriu faculdades reflexivas próprias a regular a destruição na justa medida.

Em uma única existência poderá o selvagem adquirir essas faculdades que lhe faltam? Seja qual for a educação que lhe derdes desde o berço, dele fareis um São Vicente de Paulo, um cientista, um orador, um artista? Não, porque é materialmente impossível. Contudo esse selvagem tem uma alma. Qual a sorte dessa alma depois da morte? É punida pelos atos bárbaros que ninguém reprimiu? É colocada em igualdade com o homem de bem? Um não é mais racional que o outro. É, então, condenada a ficar eternamente em um estado misto, que nem é felicidade nem desgraça? Isso não seria justo, porque se ela não é mais perfeita, não depende de si.

Não se pode sair desse dilema senão admitindo a possibilidade de progresso. Ora, como pode progredir senão tendo novas existências? Dir-se-á que poderá progredir como Espírito, sem voltar à Terra. Mas, então, por que nós, civilizados e esclarecidos, nascemos na Europa e não na Oceania? Em corpos brancos em vez de corpos negros? Por que um ponto de partida tão diferente, se só se progride como Espírito? Por que Deus nos livrou da longa rota percorrida pelos selvagens?

Nossas almas seriam de natureza diversa das suas? Por que tentar torná-los cristãos? Se os tornais cristãos é que os olhais como vossos iguais perante Deus. E se é vosso igual perante Deus, por que Deus vos concede privilégios?

Por mais que façais não chegareis a nenhuma solução, a não ser admitindo para nós um progresso anterior e para os selvagens um progresso ulterior.

Se a alma do selvagem deve progredir ulteriormente, é que nos alcançará. Se progredimos anteriormente, é que nós fomos selvagens, pois se for diverso o ponto de partida, não haverá mais justiça, e se Deus não for justo, não será Deus.

Temos, assim, forçosamente, duas existências extremas: a do selvagem e a do supercivilizado, mas não haverá meio-termo entre esses dois extremos? Segui a escala dos povos e vereis que há uma cadeia ininterrupta, sem solução de continuidade. Ainda uma vez, todos esses problemas são insolúveis sem a pluralidade de existências. Dizei que os neozelandeses renascerão num povo um pouco menos bárbaro, e assim por diante até a civilização, e tudo se explica; que se, em vez de seguir os degraus da escada, ele os transpuser de um salto e chegar, sem transição, até nós, dará um hediondo espetáculo de um Dumollard, que para nós é um monstro e que nada apresentaria de anormal entre as tribos da África central, de onde talvez tenha saído.

Assim é que, se nos fecharmos em uma existência única, tudo é obscuridade, tudo é problema sem saída, ao passo que com a reencarnação tudo é claridade, tudo tem solução.

Voltemos à frenologia. Ela admite órgãos especiais para cada faculdade, e pensamos que esteja certa. Mas vamos mais longe. Vimos que cada órgão cerebral é formado de um feixe de fibras. Pensamos que cada fibra corresponda a uma nuança da faculdade. É verdade que isto não passa de uma hipótese, mas que poderá abrir caminho a novas observações. O nervo auditivo recebe os sons e os transmite ao cérebro, mas se o nervo é homogêneo, como percebe sons tão variados? É, pois, lícito admitir que cada fibra nervosa seja afetada por um som diferente, com o qual, de certo modo, vibra em uníssono, como as cordas de uma harpa. Todos os tons estão na Natureza. Imaginemos uma centena deles, desde os mais agudos até os mais graves. O homem que possuísse cem fibras correspondentes perceberia todos; outro que só possuísse a metade, só acusaria a metade dos sons, deixando de registrar osoutros, dos quais nem teria consciência. Dá-se o mesmo com as cordas vocais, para exprimir os sons; com as fibras ópticas para perceber as diversas cores; com as olfativas para registrar todos os odores. O mesmo raciocínio pode aplicar-se aos órgãos de todos os gêneros de percepções e de manifestações.

Todos os corpos animados encerram, incontestavelmente, o princípio de todos os órgãos, embora, em certos indivíduos, alguns se achem em estado de tal modo rudimentar que não são suscetíveis de desenvolvimento e que são como se não existissem. Assim, nesses indivíduos, não pode haver percepções nem manifestações correspondentes a esses órgãos. Numa palavra, em relação a essas faculdades, eles são como os cegos para a luz e os surdos para a música.

O exame frenológico dos povos pouco inteligentes constata a predominância das faculdades instintivas e a atrofia dos órgãos da inteligência. Aquilo que é excepcional nos povos adiantados é a regra em certas raças. Por quê? Será uma injusta preferência? Não, é sabedoria, pois a natureza é sempre previdente; nada faz de inútil. Ora, seria inútil dar um instrumento completo a quem não tenha meios para dele se servir. Os Espíritos selvagens são ainda crianças, se assim se pode dizer. Neles muitas faculdades ainda estão latentes. Que faria o Espírito de um hotentote no corpo de um Arago? Seria como alguém que nada sabe de música diante de um piano excelente. Por uma razão inversa, que faria o Espírito de Arago no corpo de um hotentote? Seria como um Liszt diante de um piano contendo apenas algumas cordas estragadas das quais o seu talento não conseguiria jamais tirar sons harmoniosos. Arago, entre os selvagens, com todo o seu gênio, seria tão inteligente quanto o pode ser um selvagem, e nada mais. Ele jamais seria, numa pele negra, membro do Instituto. Seu Espírito faria o desenvolvimento dos órgãos? Dos órgãos fracos, sim; dos rudimentares, não. ***

Assim, a Natureza apropriou os corpos ao grau de adiantamento dos Espíritos que neles devem encarnar-se. Por isso os corpos das raças primitivas possuem menos cordas vibrantes que as raças mais adiantadas.

Há, pois, no homem, dois seres bem distintos: o Espírito, ser pensante, e o corpo, instrumento das manifestações do pensamento, mais ou menos completo, rico em cordas, conforme as necessidades.

Chegamos agora à perfectibilidade das raças. Por assim dizer, essa questão é resolvida pela precedente: apenas temos que deduzir algumas consequências. Elas são perfectíveis pelo Espírito que se desenvolve através de suas várias migrações, em cada uma das quais adquire, pouco a pouco, as faculdades que lhe faltam. Mas, à medida que suas faculdades se ampliam, necessita de um instrumento adequado, como uma criança que cresce precisa de roupas maiores. Ora, sendo os corpos constituídos insuficientes, por seu estado primitivo, necessitam encarnar-se em melhores condições, e assim por diante, conforme o progresso.

As raças são perfectíveis pelo corpo, mas é somente pelo cruzamento com raças mais aperfeiçoadas, que trazem novos elementos que, por assim dizer, aí se enxertam os germes de novos órgãos. Esse cruzamento se faz pelas migrações, pelas guerras e pelas conquistas. Sob esse ponto de vista, as raças são como as famílias que se abastardam quando não recebem sangue novo. Então não se pode dizer que haja raça primitiva pura porque, sem o cruzamento, essa raça será sempre a mesma, pois seu estado de inferioridade depende de sua natureza. Ela degenerará, em vez de progredir, o que determina o seu desaparecimento, ao cabo de certo tempo.

Diz-se a respeito dos negros escravos: “São seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria vão esforço querer instruí-los. São uma raça inferior, incorrigível, profundamente incapaz.” A teoria que acabamos de apresentar permite encará-los sob outro prisma. Na questão do aperfeiçoamento das raças é sempre necessário levar em consideração dois elementos constitutivos do homem: o elemento espiritual e o corporal. É preciso conhecer ambos, e só o Espiritismo nos pode esclarecer quanto à natureza do elemento espiritual, o mais importante, por ser o que pensa e o que sobrevive, ao passo que o corporal se destrói.

Assim, como organização física, os negros serão sempre os mesmos. Como Espíritos, são inquestionavelmente uma raça inferior, isto é, primitiva. São verdadeiras crianças às quais muito pouco se pode ensinar. Mas, por meio de cuidados inteligentes é sempre possível modificar certos hábitos, certas tendências, o que já representa um progresso que levarão para outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório de melhores condições. Trabalhando por sua melhoria, trabalha-se menos pelo seu presente que por seu futuro e, por pouco que se consiga, para eles é sempre uma aquisição. Cada progresso é um passo à frente que facilita novos progressos.

No mesmo envoltório, isto é, com os mesmos instrumentos de manifestação do pensamento, as raças só em estreitos limites são perfectíveis, pelas razões que acabamos de desenvolver. Por isso a raça negra, enquanto raça negra, corporalmente falando, jamais atingirá os níveis das raças caucásicas, mas como Espíritos é outra coisa: pode tornar-se e tornar-se-á aquilo que somos. Apenas necessitará de tempo e de melhores instrumentos. Eis por que as raças selvagens, mesmo em contato com as raças civilizadas, ficam sempre selvagens. Entretanto, à medida que as raças civilizadas se desenvolvem, as selvagens diminuem, até o desaparecimento completo, como desapareceram as raças dos caraíbas, dos guanches e outras. Os corpos desapareceram, mas em que se transformaram os Espíritos? Alguns talvez se achem entre nós.

Dissemos e o repetimos: o Espiritismo rasga novos horizontes a todas as ciências. Quando os cientistas considerarem o elemento espiritual nos fenômenos da Natureza, ficarão surpresos de ver que as dificuldades contra as quais esbarravam a cada passo, desapareceram como que por encanto.

Mas é provável que, para muitos, seja necessário renovar o hábito. Quando voltarem, terão tido tempo de refletir e trarão novas ideias. Acharão as coisas muito mudadas aqui na Terra. As ideias espíritas, que hoje repelem, terão germinado por toda parte e serão a base de todas as instituições sociais. Eles próprios serão educados e alimentados nessa crença que ao seu gênio abrirá novo campo para o progresso da Ciência. Enquanto esperam, enquanto aqui ainda se encontram, que eles procurem a solução deste problema: Por que a autoridade de seu saber e suas negações não tolhem, ao menos por um instante, a marcha cada dia mais rápida das ideias novas?


* Vide Revista Espírita de julho de 1860: Frenologia e Fisiognomonia.
** Vide Revista Espírita de março de l861: A cabeça de Garibaldi.
*** Vide Revista Espírita de outubro de 1861: Os Cretinos.



Consequências da doutrina da reencarnação sobre a propagação do Espiritismo

Um fato que ninguém poderia negar é que o Espiritismo marcha com rapidez. Ora, quando uma coisa se propaga é porque convém. Se o Espiritismo se propaga, é porque convém. Há várias causas para isto. A primeira, e sem contradição, como já explicamos em diversas circunstâncias, é a satisfação moral que proporciona aos que o compreendem e praticam. Mas até mesmo essa causa em parte recebe o seu vigor do princípio da reencarnação.

É o que tentaremos demonstrar.

Nenhuma criatura que reflita deixará de se preocupar com o seu futuro após a morte, o que bem vale a pena. Quem é que não liga mais importância à sua situação na Terra durante alguns anos do que durante uns poucos dias? Mais ainda: durante a primeira parte da vida a gente trabalha, extenua-se de fadiga e se impõe toda sorte de restrições para, na outra metade, garantir-se um pouco de repouso e de bem-estar.

Se temos tantos cuidados por alguns anos indefinidos, não é racional tê-los ainda mais pela vida de além-túmulo, cujo duração é ilimitada? Por que motivo a maioria trabalha mais pelo presente fugidio do que pelo futuro sem fim? É que a gente acredita na realidade do presente e duvida do futuro. Ora, a gente só duvida daquilo que não compreende. Compreenda-se o futuro, e tudo cessará.

Aos próprios olhos daqueles que no estado das crenças vulgares estão melhor convencidos da vida futura, esta se apresenta de maneira tão vaga, que nem sempre basta a fé para fixar as ideias, pois aquela tem mais as características de uma hipótese do que as de uma realidade.

O Espiritismo vem destruir essa incerteza, pelo testemunho dos que viveram e por provas de certo modo materiais.

Toda religião repousa necessariamente sobre a vida futura e todos os dogmas convergem forçosamente para esse fim único. É visando atingir esse fim que eles são praticados, e a fé nos dogmas está na razão direta da eficácia que se lhes atribui para alcançá-lo.

A teoria da vida futura é, pois, a pedra angular de toda doutrina religiosa. Se essa teoria pecar pela base; se abrir brecha a sérias objeções; se ela se contradiz; se for demonstrada a impossibilidade de certas partes, tudo se esboroa. Para começar surge a dúvida. A esta sucede a negação absoluta e os dogmas são arrastados no naufrágio da fé.

Pensaram escapar do perigo proscrevendo o exame e considerando uma virtude a fé cega. Mas pretender impor a fé cega neste século é desconhecer a época em que vivemos. A gente reflete, queira ou não queira; a gente examina, pela força das coisas; a gente quer saber como e por quê. O desenvolvimento das indústrias e das ciências exatas ensina a olhar o terreno onde se põe os pés. É por isso que a gente sonda aquele por onde se diz que caminharemos depois da morte. Se não o reconhecermos sólido, isto é, lógico e racional, dele não nos ocuparemos. Por mais que façam, não conseguirão neutralizar essa tendência, que é inerente ao desenvolvimento intelectual e moral da Humanidade. Segundo uns, é um bem.

Segundo outros, um mal. Seja qual for a maneira de encarar, temos que nos acomodar, queiramos ou não, pois a coisa não pode ser de outro modo.

A necessidade de se dar conta e de compreender vai das coisas materiais às coisas morais. Certamente a vida futura não é uma coisa palpável como uma estrada de ferro e uma máquina a vapor, mas pode ser compreendida pelo raciocínio. Se o raciocínio pelo qual a gente procura demonstrá-la não satisfizer à razão, a gente abandona premissas e conclusões. Interroguem-se aqueles que negam a vida futura e todos dirão que foram conduzidos à incredulidade pelo próprio quadro que lhes era apresentado, com seu cortejo de diabos, de labaredas e de sofrimentos sem fim.

Todas as questões morais, psicológicas e metafísicas se ligam de maneira mais ou menos direta à questão do futuro. Disso resulta que essa última questão de certo modo depende da racionalidade de todas as doutrinas filosóficas e religiosas. Por sua vez, o Espiritismo vem, não como uma religião, mas como doutrina filosófica, trazer a sua teoria, apoiada no fato das manifestações. Ele não se impõe; não exige confiança cega; mete-se entre as criaturas e diz: “Examinai, comparai e julgai. Se achardes algo melhor do que isto que vos dou, tomai-o.” Ele não diz: “Venho derrocar as bases da religião e substituí-la por um culto novo.” Diz: “Dirijo-me não aos que creem e que se acham satisfeitos com suas crenças, mas aos que abandonam as vossas fileiras pela incredulidade e que não os soubestes ou não pudestes reter. Venho dar-lhes, sobre as verdades que repelem, uma interpretação que satisfaça à sua razão e que os leve a aceitá-la. O número dos que tiro do atoleiro da incredulidade é a prova de que o consigo”.

Escutai-os, e todos vos dirão: “Se me tivessem ensinado essas coisas desta maneira em minha infância, eu jamais teria duvidado. Agora creio porque compreendo”.

Deveis repeli-los porque aceitam o espírito e não a letra; o princípio e não a forma? Tendes toda liberdade. Se para vossa consciência isto constitui um dever, ninguém pensará em violentá-la. Mas eu não diria que isso é um erro menor. Digo mais: É uma imprudência.

Como dissemos, a vida futura é o objetivo essencial de toda doutrina moral. Sem a vida futura a moral não tem base. A vitória do Espiritismo está precisamente na sua maneira de apresentar o futuro. Além das provas que ele nos dá, o quadro que ele pinta é tão claro, tão simples, tão lógico, tão conforme à justiça e à bondade de Deus, que involuntariamente a gente diz: “Sim, é assim mesmo que a coisa deve ser; assim eu a tinha imaginado; e se não tinha acreditado é porque me tinham ensinado de outro modo”.

Mas, o que é que dá tal poder à teoria do futuro? O que é que lhe consigna tantas simpatias? Nós dizemos que é a sua lógica inflexível, que resolve todas as dificuldades até agora insolúveis, e isso ela o deve ao princípio da pluralidade das existências. Com efeito, tirai esse princípio e imediatamente surgirão milhares de problemas, cada qual mais insolúvel que o outro.

A cada passo a gente se choca com inúmeras objeções. Essas objeções não eram levantadas outrora, porque ninguém pensava nelas. Mas hoje, que a criança se fez adulto, ele quer ir ao fundo das coisas; quer ver claro o caminho por onde o conduzem; sonda e calcula o valor dos argumentos que lhe apresentam, e se estes não lhe satisfazem à razão, se o deixam no vazio e na incerteza, rejeita-os e espera coisa melhor.

A pluralidade das existências é uma chave que abre novos horizontes; que dá uma razão de ser a inúmeras coisas incompreendidas; que explica o não explicado. Ela concilia todos os acontecimentos da vida com a justiça e a bondade de Deus. Por isso os que haviam chegado a duvidar dessa justiça e a dessa bondade, agora reconhecem o dedo da Providência onde o tinham ignorado.

Sem a reencarnação, com efeito, a que atribuir as ideias inatas? Como justificar a idiotia, o cretinismo, a selvageria, ao lado do gênio e da civilização? A profunda miséria de uns ao lado da felicidade de outros? As mortes prematuras e tantas outras coisas?

Do ponto de vista religioso, certos dogmas, tais como o pecado original, a queda dos anjos, a eternidade das penas, a ressurreição da carne, etc., encontram nesse princípio uma interpretação racional que leva à aceitação do seu espírito, mesmo por aqueles que repeliam a letra.

Em resumo, o homem atual quer compreender. O princípio da reencarnação ilumina o que estava obscuro. Por isso dizemos que esse princípio é uma das causas que dão favorável acolhida ao Espiritismo.

Dir-se-á que a reencarnação não é necessária para crer nos Espíritos e em sua manifestação. Prova disso é que há crentes que não a admitem. É verdade. Também não dizemos que se não possa, sem isso, ser bons espíritas. Não somos daqueles que atiram pedras nos que não pensam como nós. Apenas dizemos que eles não abordaram todos os problemas suscitados pelo sistema unitário, sem o que teriam reconhecido a impossibilidade de lhes dar uma solução.

A ideia da pluralidade das existências a princípio foi acolhida com espanto, com desconfiança. Depois, pouco a pouco, familiarizaram-se com ela, à medida que reconheciam a impossibilidade de, sem ela, saírem das inúmeras dificuldades levantadas pela psicologia e pela vida futura.

Há uma coisa certa. Este sistema ganha terreno diariamente, enquanto o outro o perde. Hoje, na França, os adversários da reencarnação ─ falamos dos que estudaram a Ciência Espírita ─ são em número imperceptível, em comparação com os seus partidários. Mesmo na América, onde eles são mais numerosos, pelas causas que explicamos no número anterior, tal princípio começa a popularizar-se. Daí se pode concluir que não está longe o dia em que, sob esse ponto, não haverá qualquer dissidência.


Epidemia demoníaca na Sabóia

Há tempos os jornais falaram de uma monomania epidêmica que aconteceu numa região da Alta Saboia e contra a qual falharam todos os recursos da medicina e da religião. O único meio que produziu resultados mais ou menos satisfatórios foi a dispersão dos indivíduos por diversas cidades.

A respeito recebemos do capitão B..., membro da Sociedade Espírita de Paris, atualmente em Annecy, a carta adiante transcrita:

“Annecy, 7 de março de 1862.

“Sr. Presidente,

“Querendo ser útil à Sociedade, tenho a honra de remeter-lhe uma brochura, enviada por um de meus amigos, o Dr. Caille, encarregado pelo ministro de acompanhar o inquérito feito pelo Sr. Constant, inspetor das casas de alienados, sobre os casos muito numerosos de demonomania observados na comuna de Morzine, departamento de Thonon, na Alta Saboia.

“Ainda hoje essa infeliz população se acha sob a influência da obsessão, a despeito dos exorcismos, dos tratamentos médicos, das medidas tomadas pelas autoridades e do internamento nos hospitais do departamento. Os casos diminuíram um pouco, mas não cessaram e o mal existe, por assim dizer, em estado latente.

“Com o objetivo de exorcizar esses infelizes, na maioria crianças, o cura mandou trazê-los à igreja, conduzidos por homens vigorosos. Apenas pronunciou as primeiras palavras latinas, produziu-se uma cena terrificante: gritos, saltos furiosos, convulsões, etc., a tal ponto que mandaram chamar a polícia e uma companhia de infantaria para restabelecer a ordem.

“Não me foi possível obter todas as informações que desejava mandar-vos hoje, mas os fatos me parecem bastante sérios e dignos de vosso exame.

“O alienista Dr. Arthaud, de Lyon, fez um relatório para a sociedade

médica desta cidade, que foi publicado pela Gazette Médicale de Lyon e que o senhor poderá obter através do seu correspondente.

“No hospital desta cidade temos duas senhoras de Morzine, em tratamento.

“O Dr. Caille concluiu por uma afecção nervosa epidêmica rebelde a toda espécie de tratamento e de exorcismo. Só o isolamento produziu bons resultados.

“Todos os infelizes obcecados, em suas crises, pronunciam palavras sujas; dão saltos prodigiosos por cima das mesas; trepam em árvores; sobem nos telhados e às vezes profetizam.

“Se fatos idênticos ocorreram nos séculos dezesseis e dezessete nos conventos e nos campos, não é menos certo que no nosso século dezenove eles oferecem a todos os espíritas um assunto de estudo do ponto de vista da obsessão epidêmica, generalizando-se e persistindo durante anos, pois o primeiro caso observado foi há cinco anos.

“Terei a honra de vos enviar todos os documentos e informações que puder obter.

“Receba, etc.

“B...”

As duas comunicações que se seguem foram dadas sobre o assunto, na Sociedade de Paris, por nossos Espíritos habituais:

“Não são médicos, mas magnetizadores, espiritualistas ou espíritas que deveriam ser mandados para dissipar a legião de Espíritos malévolos extraviados no vosso planeta. Digo extraviados porque eles estão apenas de passagem. Entretanto, por muito tempo a infeliz população, manchada ao seu impuro contato, sofrerá, moral e fisicamente.

“Onde o remédio? perguntais. Surgirá do mal, porque os homens, apavorados com essas manifestações, acolherão com entusiasmo o benéfico contato dos bons Espíritos que os sucederão, como a aurora sucede à noite. Essa pobre população, alheia a qualquer trabalho intelectual, não teria conhecido as comunicações inteligentes dos Espíritos, e nem mesmo as teria percebido. A iniciação e os males causados por essa turba impura abrem olhos fechados e as desordens, os atos de demência, são apenas o prelúdio da iniciação, porque todos devem participar da grande luz espírita.

“Não vos lamenteis por essa maneira cruel de proceder. Tudo tem um fim e os sofrimentos devem fecundar, assim como as tempestades que destroem a colheita de uma região enquanto fertilizam outras.

“GEORGES” (Médium: Sra. Costel)


“Os casos de demonomania que agora ocorrem na Saboia também se produzem em muitos outros lugares, notadamente na Alemanha, mas muito principalmente no Oriente.

“Esse fato anormal é mais característico do que pensais. Em verdade, ao observador atento revela uma situação análoga à que se manifestou nos últimos anos do paganismo. Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso bem-amado mestre, encarnou-se na Judeia, sob a personalidade do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de maus Espíritos que, pela possessão, como hoje, se apoderavam das classes sociais mais ignorantes; dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados, numa palavra, dos indivíduos que guardavam os rebanhos ou que se dedicavam aos trabalhos do campo.

“Não percebeis uma grande analogia na reprodução desses fenômenos idênticos de possessão? Ah! Nisto existe um ensinamento muito profundo! Disto deveis concluir que cada vez mais se aproximam os tempos preditos e que o Filho do Homem em breve virá expulsar de novo a turba de Espíritos impuros que se abateram sobre a Terra e reavivar a fé cristã, dando a sua alta e divina sanção às consoladoras revelações e aos regeneradores ensinamentos do Espiritismo.

“Voltando aos casos atuais de demonomania, é preciso lembrar que os cientistas e os médicos do século de Augusto trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina e que toda a sua ciência fracassou ante esse poder desconhecido.

“Ora! Ainda hoje todos os vossos inspetores de epidemias; todos os vossos mais notáveis alienistas, sábios doutores em materialismo puro, fracassam do mesmo modo ante essa doença exclusivamente moral; diante dessa epidemia exclusivamente espiritual.

“Mas, que importa! Meus amigos, vós que fostes tocados pela graça nova, sabeis quanto esses males passageiros são curáveis pelos que têm fé. Esperai, pois. Esperai com confiança a vinda daquele que já resgatou a Humanidade. A hora se aproxima. O Espírito precursor já está encarnado. Em breve, pois, se efetivará o desenvolvimento completo desta doutrina que tomou por divisa: Fora da Caridade não há salvação!

“ERASTO” (Médium: Sr. d’Ambel)


Dever-se-ia concluir, do que precede, que não se trata de uma afecção orgânica, mas de uma influência oculta. Pouco nos custa crer, tendo em vista a constatação de numerosos casos isolados idênticos a este, devidos à mesma causa. Prova disto é que os meios ensinados pelo Espiritismo bastaram para fazer cessar a obsessão.

Está demonstrado pela experiência que os Espíritos perversos não só agem sobre o pensamento, mas também sobre o corpo, com o qual se identificam e do qual se servem como se lhes pertencesse. Eles provocam atos ridículos, gritos, movimentos desordenados com toda a aparência da loucura ou da monomania.

A explicação disso encontra-se em O Livro dos Médiuns, no capítulo “Da obsessão”. Num próximo artigo citaremos alguns fatos que o demonstram de modo incontestável.

Com efeito, é uma espécie de loucura, de vez que se pode dar esse nome a todo estado anormal em que o espírito não age livremente. Nesse ponto de vista, a embriaguez é uma verdadeira loucura acidental.

É necessário, pois, distinguir a loucura patológica da loucura obsessiva. A primeira é produzida por uma desordem nos órgãos da manifestação do pensamento. Notemos que nesse estado de coisas não é o Espírito que é louco, porque ele conserva a plenitude de suas faculdades, como o demonstra a observação. Contudo, estando desorganizado o instrumento de que se serve para manifestar-se, o pensamento, ou melhor, a expressão do pensamento é incoerente.

Na loucura obsessiva não há lesão orgânica. É o próprio Espírito que se acha afetado pela subjugação de um Espírito estranho que o domina e comanda. No primeiro caso é preciso tentar curar o órgão doente; no segundo, basta livrar o Espírito doente do hóspede importuno, a fim de restituir-lhe a liberdade.

Casos semelhantes são muito frequentes e comumente consideram loucura o que não passa de obsessão, para a qual deveriam empregar-se meios morais e não duchas. Pelo tratamento físico, e sobretudo pelo contato com os verdadeiros alienados, muitas vezes tem sido determinada uma loucura real onde esta não existia.

O Espiritismo, que abre novos horizontes a todas as ciências, vem esclarecer também a questão muito obscura das doenças mentais, assinalando uma causa que até agora não era levada em conta, uma causa real, evidente, provada pela experiência e cuja verdade mais tarde será reconhecida. Mas como convencer a admitirem tal causa aqueles que estão sempre dispostos a mandar para o hospício quem quer que tenha a fraqueza de acreditar que temos alma? Como convencê-los de que a alma representa um papel nas funções vitais, e que ela sobrevive ao corpo e pode atuar sobre os vivos?

Graças a Deus as ideias espíritas, para o bem da Humanidade, fazem maior progresso entre os médicos do que era dado esperar, e tudo leva a crer que em futuro não muito remoto a Medicina sairá, enfim, da rotina materialista.

Averiguados os casos isolados de obsessão física ou de subjugação, compreende-se que tal qual uma nuvem de gafanhotos, um bando de maus Espíritos pode cair sobre certo número de criaturas, delas apoderar-se e produzir uma espécie de epidemia moral.

A ignorância, a fraqueza das faculdades e a falta de cultura intelectual naturalmente lhes oferece maiores facilidades, por isso eles atuam de preferência sobre certas classes, embora as pessoas inteligentes e instruídas nem sempre estejam isentas.

Como diz Erasto, foi provavelmente uma epidemia que ocorreu ao tempo do Cristo, da qual frequentemente fala no Evangelho. Mas por que só a sua palavra bastava para expulsar os chamados demônios? Isso prova que o mal não podia ser curado senão por uma influência moral. Ora, quem poderá negar a influência moral do Cristo? Contudo, dirão, empregaram o exorcismo, que é um remédio moral, e nada foi obtido. Se nada produziu é que o remédio é ineficaz, e outro deve ser encontrado, evidentemente. Estudai o Espiritismo e compreendereis a razão. Só o Espiritismo, assinalando a verdadeira causa do mal, pode dar os meios de combater os flagelos de tal natureza.

Mas quando aconselhamos a estudá-lo, entendemos um estudo sério e não com a esperança de encontrar nele uma receita banal, para uso do primeiro que aparecer.

O que acontece na Saboia, chamando a atenção, possivelmente apressará o momento em que será reconhecida a parcela de ação do mundo invisível nos fenômenos da Natureza. Uma vez entrando nesse caminho, a Ciência possuirá a chave de muitos mistérios e verá cair a mais formidável barreira que detém o progresso: o materialismo, que restringe o círculo da observação, em vez de ampliálo.


Respostas à questão dos anjos decaídos

OBSERVAÇÃO: De várias direções recebemos respostas a todas as questões apresentadas no número de janeiro último. Sua extensão não permite a publicação simultânea de todas elas. Por hoje limitamo-nos a dos anjos rebeldes.

(BORDEAUX - MÉDIUM: SRA. CAZEMAJOUX)


Meus amigos, a teoria contida no resumo que acabais de ler é a mais lógica e mais racional. A sã razão não pode admitir a criação de Espíritos puros e perfeitos revoltando-se contra Deus e procurando igualá-lo em poder e grandeza.

Antes de atingir a perfeição, ignorante e fraco, o Espírito, entregue ao seu livre arbítrio, muitas vezes atira-se à corrupção e mergulha com prazer num oceano de iniquidades. Mas o que sobretudo causa a sua perda, é o orgulho. Ele nega Deus e atribui ao acaso a sua existência, as maravilhas da criação e a harmonia universal. Então, infeliz dele! É um anjo decaído. Em vez de avançar para mundos felizes, é até exilado do planeta que habita, indo expiar em mundos inferiores a sua incessante revolta contra Deus.

Irmãos, guardai-vos de imitá-los. Eles são os anjos perversos. Fazei todo esforço para não lhes aumentar o número. Que o facho da fé espírita vos esclareça quanto aos vossos deveres presentes e aos vossos interesses futuros, a fim de que possais um dia evitar a sorte dos Espíritos rebeldes e subir a escala espiritual que leva à perfeição.

Vossos Guias Espirituais.


(HAYA, HOLANDA ─ MÉDIUM: BARÃO DE KOCK)

Sobre esse artigo pouco terei que dizer, senão que ele tem a sublimidade da verdade. Nada tenho a acrescentar ou a subtrair. Felizes os que tiverem fé nessas belas palavras e que aceitarem esta doutrina escrita por Allan Kardec. Kardec é o homem escolhido por Deus para a instrução das criaturas no presente. São palavras inspiradas por Espíritos do bem, Espíritos muito superiores. Tende fé. Lede e estudai toda a doutrina: é um bom conselho que vos dou.

Vosso Guia Espiritual


(SENS ─ MÉDIUM: SR. PICHON)

P. ─ Que devemos pensar da interpretação da doutrina dos anjos decaídos que o Sr. Kardec publicou no último número da Revista Espírita?

R. ─ Que ela é perfeitamente racional e que nós mesmos não a teríamos explicado melhor.

ARAGO


(PARIS. COMUNICAÇÃO PARTICULAR ─ MÉDIUM: SRTA. ESTEFÂNIA)

Está bem explicado, mas é preciso ser franco: há uma coisa que me contraria. Por que falar desse dogma da Imaculada Conceição? Tivestes revelações concernentes à Mãe do Cristo? Deixai essas discussões à Igreja Católica. Lamento tanto mais essa comparação quanto mais os padres dirão e crerão que vós lhes quereis fazer a corte.

Um Espírito amigo sincero do médium e do diretor da Revista Espírita.


(LYON ─ MÉDIUM: SRA. BOUILLANT) Nós acreditávamos outrora que os anjos, depois de haverem morado no mais radioso dos mundos, se tinham revoltado contra Deus e merecido a expulsão do Éden, que Deus lhes havia dado para morada. Tínhamos cantado a sua queda e a sua fraqueza e, acreditando nessa fábula do Paraíso Perdido, o tínhamos ornado com todas as flores da retórica que conhecíamos. Era para nós um tema que oferecia um encanto especial. Esse primeiro homem e essa primeira mulher expulsos de seu oásis, condenados a viver na Terra e presas de todos os males que assediam a Humanidade, eram para o autor uma grande fonte para desenvolver as suas ideias, e o assunto se prestava sobretudo e perfeitamente às nossas ideias melancólicas.

Como os outros, havíamos acreditado no erro e havíamos juntado a nossa palavra a todas as demais que tinham sido proferidas. Mas agora que a nossa existência no espaço nos permitiu julgar as coisas do seu verdadeiro ponto de vista; agora que podemos compreender quanto era absurdo admitir que o Espírito, chegado ao seu mais alto grau de pureza, pudesse retrogradar de repente, revoltar-se contra o seu criador e com ele entrar em luta; agora que podemos julgar por quantos cadinhos o licor deve ser filtrado para se depurar, a ponto de se tornar essência e quintessência, estamos em estado de vos dizer o que são os anjos decaídos e o que deveis crer do Paraíso Perdido.

Em sua imutável lei do progresso, quer Deus que os homens avancem, avancem incessantemente, de século em século, em épocas por ele determinadas. Quando a maioria dos seres que habitam a Terra se torna muito superior à parte terrestre que ocupa, então Deus ordena uma migração de Espíritos, e os que realizaram sua missão com consciência vão habitar regiões que lhes são designadas, mas o Espírito recalcitrante ou preguiçoso, que vem manchar o quadro, é obrigado a ficar na retaguarda. Nessa depuração, ele é repelido, como fazem os químicos com as substâncias que não foram filtradas. Então o Espírito se acha em contato com outros que são inferiores e sofre realmente o constrangimento que lhe é imposto.

Ele se lembra intuitivamente da felicidade de que desfrutava e se acha em meio a seus iguais como flor exótica que tivesse sido de chofre transplantada para um terreno inculto. Tal Espírito se revolta ao compreender a sua superioridade e procura dominar os que o cercam. Essa revolta, essa luta contra si próprio, se transforma em luta contra o Criador que lhe deu vida, e que ele desconhece. Se seus pensamentos se puderem desenvolver, ele derramará o que extravasa do seu coração em recriminações amargas, como o condenado na sua prisão, e sofrerá cruelmente até que tenha expiado a preguiça e o egoísmo que o impediram de acompanhar os seus irmãos.

Eis, meus amigos, quem são os anjos decaídos e por que todos lamentam a perda de seu paraíso.

Procurai, pois, por vossa vez, apressar-vos para que não sejais abandonados quando soar o toque do retorno. Lembrai-vos de tudo o que deveis a vós mesmos. Dizei que vós sois vós e que tendes o vosso livre-arbítrio.

Essa personalidade do Espírito vos explica por que o filho de um cientista por vezes é um idiota e por que a inteligência não se pode transformar em morgadio. Um grande homem bem poderá dar à sua progênie o gabarito de sua figura, mas jamais lhe transmitirá o seu gênio. Podeis estar certos de que todos os gênios que vieram desenvolver os seus talentos entre vós eram filhos de suas próprias obras, porque, como disse um grande sábio: “É que as mães dos Patay, dos Letronne e do grande Arago criaram esses grandes homens muito inocentemente”. Não, meu amigo, a mãe que dá à luz um talento ilustre nada influi no Espírito que anima o seu filho. Esse Espírito já era muito adiantado quando veio reencarnar-se no cadinho da depuração.

Subi, pois, os degraus da escada, degraus luminosos e brilhantes como sóis, pois que Deus os ilumina com sua luz esplêndida, e lembrai-vos de que agora que conheceis o caminho, seríeis muito culpados se vos tornásseis anjos decaídos. Aliás, penso que ninguém ousaria lamentar-vos e cantar novamente para vós o Paraíso Perdido.



MILTON



(FRANCFORT ─ MÉDIUM: SRA. DELTON)

Nada direi sobre essa interpretação dos anjos rebeldes senão que ela faz parte dos ensinamentos que vos devem ser dados a fim de atribuir às coisas mal compreendidas o seu verdadeiro sentido.

Não creiais que o autor desse artigo haja escrito sem assistência, como ele próprio imaginou. Ele acreditou emitir as suas próprias opiniões, razão pela qual ficou desconfiado, ao passo que na realidade ele apenas deu forma às ideias que lhe eram inspiradas.

Sim, ele está certo quando diz que os anjos rebeldes ainda estão na Terra, e que são os materialistas e os ímpios, os que ousam negar o poder de Deus. Não está aí o cúmulo do orgulho? Vós todos que credes em Deus e lhe cantais louvores, vos indignais com tal audácia da criatura, e tendes razão. Sondai, entretanto, a vossa consciência e vede se a cada instante não vos revoltais contra ele, esquecendo as suas santas leis.

Praticais a humildade, vós que acreditais na superioridade do vosso mérito; vós que vos orgulhais pelos dons que haveis recebido; vós que encarais com ciúme e inveja a posição superior do vosso vizinho, os favores que lhe cabem e a autoridade que lhe é concedida?

Praticais a caridade, vós que denegris o vosso irmão; que derramais sobre ele maledicência e calúnia; que em vez de lançar um véu sobre os seus defeitos sentis prazer em exibi-los em público, para humilhá-lo?

Vós, que credes em Deus, sobretudo vós, espíritas, que assim agis, em verdade vos digo que sois mais culpados que o ateu e o materialista, porque tendes a luz e não vedes.

Sim, também sois anjos rebeldes, porque não obedeceis à lei de Deus. No grande dia Deus vos perguntará: Que fizestes dos meus ensinos?

PAULO, Espírito Protetor




Palestras familiares de além-túmulo

Girard Decodemberg

O Sr. Girard de Codemberg, antigo aluno da Escola Politécnica, é autor de um livro intitulado: Le Monde Spirituel, ou Science chrétienne de communiquer intimement avec les puissances célestes et les âmes heureuses[1]. Essa obra contém comunicações excêntricas que denotam manifesta obsessão e cuja publicação os espíritas sérios lamentam. O autor faleceu em 1858 e foi evocado na Sociedade de Paris a 14 de janeiro de 1859.Pode-se ver o resultado dessa evocação na Revista Espírita de abril de 1859. A evocação que se segue foi feita em Bordeaux, em novembro de 1861. A coincidência das duas evocações é digna de nota.

1. ─ Poderíeis responder a algumas perguntas que desejo fazer? ─ É um dever.

2. ─ Qual a vossa posição no mundo dos Espíritos? ─ Feliz, relativamente à da Terra, porque aí eu não via o mundo espiritual senão através da névoa de meus pensamentos, e agora vejo desdobrar-se à minha frente a grandeza e a magnificência das obras de Deus.

3. ─ Numa passagem de vosso livro, que tenho em mãos, dizeis: “Perguntam à mesa o nome de meu anjo da guarda que, conforme a crença americana, não é senão uma alma feliz que teve vida terrena e que, consequentemente, deve ter tido um nome na Sociedade humana”. Dizeis que tal crença é uma heresia. Que pensais hoje dessa heresia? ─ Disse-vos que tinha visto mal porque, inexperiente das práticas espíritas, tinha aceitado como verdades as coisas que me eram ditadas por Espíritos levianos e impostores. Mas, em presença de verdadeiros e sinceros espíritas aqui reunidos esta noite confesso que o anjo da guarda ou Espírito protetor não é senão o Espírito que chegou ao progresso moral e intelectual pelas diversas fases percorridas em suas encarnações nos diversos mundos, e que a reencarnação, que eu negava, é a mais sublime e a maior prova da justiça de nosso Pai, que está no Céu, e que não quer a nossa perda, mas a nossa felicidade.

4. ─ Em vossa obra também falais do purgatório. Que significado quisestes dar a esse vocábulo? ─ Eu pensava, com razão, que os homens não podiam chegar à felicidade sem se purificarem das manchas que o Espírito traz da vida material. Mas, em vez de ser um abismo de fogo, tal qual eu imaginava, ou melhor, tal qual o medo que eu tinha dele, me dava uma fé cega, o purgatório não é senão os mundos inferiores, em cujo número está a Terra, onde todas as misérias a que está sujeita a Humanidade se manifestam de mil formas. Não está aí a explicação do vocábulo purgare?

5. ─ Também dizeis que vosso anjo da guarda respondeu, a propósito do jejum: “O jejum é o complemento da vida cristã e a ele te deves submeter”. O que pensais disto agora? ─ O complemento da vida cristã! E os Judeus e os Muçulmanos que também jejuam! O jejum não é apenas apropriado à vida cristã. Contudo, por vezes é útil, na medida em que pode enfraquecer o corpo e atenuar as revoltas da carne. “Acreditai em mim. Uma vida simples e frugal é melhor que todos os jejuns feitos visando fazer exibição aos homens, mas que não corrigem as inclinações e as tendências para o mal. “Vejo o que exigis de mim. É uma retratação completa de meus escritos. Eu vola devo, porque alguns fanáticos, que não são da época em que escrevi, têm fé cega naquilo que então publiquei como expressão da verdade. Não sou castigado por isso, porque agia de boa-fé, e escrevia sob a influência temerosa das lições da juventude, às quais não podia subtrair a vontade de pensar e agir. Crede-me, no entanto, que será muito restrito o número dos que abandonarão o caminho traçado pelo Sr. Kardec para seguir o meu. Serão pessoas com quem não se deve contar e que são marcadas pelo anjo da libertação para serem arrastadas no turbilhão renovador que deve transformar a Sociedade. “Sim, meus amigos, sede espíritas. É Girard de Codemberg que vos convida a tomardes lugar nesse grande banquete fraterno, porque vós sois e nós somos todos irmãos, e a reencarnação nos torna todos solidários e aperta os laços da fraternidade em Deus.

OBSERVAÇÃO: Esse pensamento de que, no grande movimento que deve operar a renovação da Humanidade, os homens que puderem causar-lhe obstáculo e não aproveitarem os avisos de Deus, dele serão expulsos e enviados a mundos inferiores, hoje se acha reproduzido por todos os lados, em comunicações dos Espíritos. Dá-se o mesmo com este outro: Chegamos ao momento dessa transformação, cujos sintomas já se fazem sentir. O pensamento que assinala o Espiritismo como devendo ser a base dessa transformação é universal. Tal coincidência tem algo de característico. A.K.

6. ─ Dissestes haver evocado a Santa Virgem Maria, da qual recebestes conselhos. Essa manifestação foi real? ─ Quantos dentre vós vos julgais por ela inspirados e sois enganados! Sede vós mesmos vossos e meus juízes.

7. ─ Fizestes à Virgem a seguinte pergunta: “Há, pelo menos, na sorte das almas punidas, a esperança que vários teólogos conservaram da gradação das penas?”. A resposta da Virgem, dizeis, foi esta: “As penas eternas não têm gradação. São todas as mesmas, e as chamas são os seus executores”. Qual a vossa opinião a respeito? ─ As penas infligidas aos maus Espíritos são reais, mas não eternas. Testemunham os vossos pais e amigos que vêm diariamente ao vosso chamado, e que vos dão, sob todas as formas, ensinamentos que apenas confirmam a verdade.

8 ─ Alguém da assistência pergunta se o fogo queima fisicamente ou moralmente. ─ Fogo moral. Espontaneamente o Espírito continua: ─ Caros irmãos em Espiritismo, vós sois escolhidos por Deus para a santa propagação. Mais feliz que eu, um Espírito em missão na vossa Terra vos traçou o caminho, no qual deveis entrar com passo firme e determinado. Sede dóceis e nada temais, pois esse é o caminho do progresso e da moralidade da raça humana. Para mim, que apenas tinha esboçado a obra que vosso mestre vos traçou, porque me faltava coragem para afastar-me do caminho batido, tenho a tarefa de vos guiar à situação de Espírito no caminho bom e seguro onde entrastes. Assim, então, poderei reparar o mal que fiz por ignorância e ajudar com minhas fracas faculdades a grande reforma da Sociedade. Não tenhais mágoa dos irmãos que se afastam de vossas crenças. Ao contrário, agi de maneira que eles não mais se misturem com o rebanho dos verdadeiros crentes, pois são ovelhas sarnentas, e vós deveis evitar o contágio. Adeus. Voltarei com este médium. Até logo.

GIRARD DE CODEMBERG

NOTA: Consultamos quanto à identidade do Espírito e nossos guias responderam: “Sim, meus amigos, ele sofre por ver o mal que causa a doutrina errada que publicou. Mas já tinha expiado esse erro na Terra, porque era obsidiado e a doença de que morreu foi fruto da obsessão”.


De La Bruyère (Sociedade de Bordeaux. Médium: Sra. Cazemajoux)

1. Evocação. ─ Eis-me aqui.

2. ─ Nossa evocação vos dá prazer? ─ Sim, pois muito poucos de vós pensam neste pobre Espírito trocista.

3. ─ Qual a vossa posição no mundo espírita? ─ Feliz

4. ─ Que pensais da atual geração de homens que vive na Terra? ─ Penso que quase nada progrediram em moralidade, pois se eu vivesse entre eles, poderia aplicar os meus Caracteres com a mesma verdade chocante que os destacou quando eu vivia. Encontro os meus gastrônomos, os meus egoístas, os meus orgulhosos nos mesmos pontos em que os deixei quando morri.

5. ─ Vossos Caracteres gozam de merecida reputação. Qual a vossa opinião atual sobre as vossas obras? ─ Penso que não tinham o mérito que lhes atribuís, pois teriam produzido outro resultado. Mas compreendo que nenhum dos que leem se compara a qualquer daqueles retratos, posto a maioria seja expressão chocante da verdade. Todos tendes uma pequena dose de amor-próprio suficiente para aplicar ao próximo os vossos defeitos pessoais e jamais vos reconheceis quando vos pintam com traços verdadeiros.

6. ─ Acabastes de dizer que os Caracteres poderiam ser hoje aplicados com a mesma verdade. Então não achais os homens mais adiantados? ─ Em geral a inteligência avançou, mas o aprimoramento moral não deu um passo. Se Molière e eu ainda pudéssemos escrever, não faríamos senão aquilo que fizemos: trabalhos inúteis que vos advertiram sem vos corrigir. O Espiritismo será mais feliz. Pouco a pouco vos conformareis à sua doutrina e reformareis os vícios que em vida vos apontamos.

7. ─ Pensais que a Humanidade ainda será rebelde aos avisos dados por Espíritos encarnados em missão na Terra e pelos Espíritos que vêm ajudá-los? ─ Não. A época do progresso e a da renovação da Terra e de seus habitantes chegou. É por isso que os bons Espíritos vêm prestar-vos o seu concurso. Eu vos disse bastante por esta noite. Prepararei um dos meus Caracteres para daqui a alguns dias.

8. ─ Os vossos Caracteres não podem ser aplicados também a alguns Espíritos errantes movidos por idênticos sentimentos? ─ A todos os que, na condição de Espíritos, têm ainda as mesmas paixões que em vida os dominavam. Perdoai-me a franqueza, mas quando me chamardes, eu vos direi as coisas sem finura e sem rodeios. Adeus.

JEAN DE LA BRUYÈRE




Poesias Espíritas

Crede nos Espíritos do Senhor

Crede em nós; nós somos a centelha,

Raio brilhante vindo do seio de Deus,

Que projetamos sobre as almas novas,

Que no berço choram o céu azul.

Crede em nós; nossa chama leve,

Espírito errante pelos túmulos amigos,

Venceu o obstáculo, passou a barreira

Entre nós posta pelo Eterno.

Crede em nós.

As trevas e as mentiras

Se dispersam quando, suaves e risonhas,

Vimos do Céu deitar em vossos sonhos

O néctar, o mel e a ambrosia.

Crede em nós. Erramos no espaço

Para vos guiar. Crede em nós,

Que vos amamos...

Cada hora que passa,

Ó exilados, mais nos aproxima.



ELISA MERCOEUR

As Vozes do Céu

As vozes do Céu suspiram na brisa,

Gemem no ar, murmuram nas ondas;

Nas florestas e nos montes cinzentos

Ecoam os seus suspiros.

As vozes do Céu murmuram sob as folhas,

Nos prados, nos bosques e nos campos.

Junto à fonte onde chora contrito

O poeta de tímidas rimas.

As vozes do Céu cantam nos arvoredos,

No loiro trigo, nos jardins em flor,

No risonho azul das nuvens

Na riqueza das cores do arco-íris.

As vozes do Céu choram no silêncio.

Silêncio!

Elas falam ao coração.

E os Espíritos, cujo reino começa,

Vos levam ao vosso criador.



ELISA MERCOEUR




Dissertações Espíritas

Os Mártires do Espiritismo

A propósito do questionamento sobre os milagres do Espiritismo que nos haviam proposto e de que tratamos no último número, também nos propuseram esta pergunta:

“Os mártires selaram com sangue a verdade do Cristianismo. Onde estão os mártires do Espiritismo?”

Tendes mesmo muito interesse em ver os espíritas sobre a fogueira ou lançados às feras! Isto leva a supor que não vos faltaria vontade, caso isso ainda fosse possível. Quereis à fina força pôr o Espiritismo no nível de uma religião! Notai, porém, que ele jamais pretendeu isso; que jamais se arvorou em rival do Cristianismo, do qual se declara filho; que ele combate os seus mais cruéis inimigos: o ateísmo e o materialismo.

Afirmamos, uma vez mais, que ele é uma filosofia que repousa sobre as bases fundamentais de toda religião e sobre a moral do Cristo. Se renegasse o Cristianismo, ele se desmentiria, suicidar-se-ia. São os seus inimigos que o mostram como uma nova seita; que lhe deram sacerdotes e alto clero. Estes gritarão tantas e tantas vezes que é uma religião, que a gente poderia acabar acreditando.

É necessário existir uma religião para haver seus mártires? A Ciência, as Artes, o gênio, o trabalho, em todos os tempos não tiveram os seus mártires, assim como todas as ideias novas?

Não ajudam a fazer mártires os que apontam os espíritas como condenados, como párias a cujo contato se deve fugir; que açulam contra eles a população ignorante e que chegam até a lhes roubar os recursos do trabalho, esperando vencêlos pela fome, na falta de bons argumentos?

Bela vitória, se triunfassem, mas a semente está lançada e germina em toda a parte. Se é cortada num lugar, brota em cem outros.

Tentai então ceifar toda a Terra, mas deixai que falem os Espíritos que se encarregaram de responder à pergunta.


I

Pedistes milagres. Hoje pedis mártires. Já existem os mártires do Espiritismo. Entrai nas casas e os vereis.

Pedis perseguidos. Abri o coração desses fervorosos adeptos da ideia nova que lutam contra os preconceitos, com o mundo, e frequentemente até com a família! Como seus corações sangram e se dilatam, quando seus braços se estendem para abraçar um pai, uma mãe, um irmão ou uma esposa e não recebem a paga do carinho e dos transportes, mas sarcasmos, desdém e desprezo.

Os mártires do Espiritismo são os que a cada passo escutam estas palavras insultuosas: louco, insensato, visionário!... e durante muito tempo terão que suportar essas afrontas da incredulidade e outros sofrimentos ainda mais amargos.

Entretanto, a sua recompensa será bela, porque se o Cristo mandou preparar um lugar soberbo aos mártires do Cristianismo, o que prepara aos mártires do Espiritismo será ainda mais brilhante. Os mártires da infância do Cristianismo marchavam para o suplício, corajosos e resignados, porque não contavam sofrer senão dias, horas ou o segundo do martírio, aspirando a morte como única barreira para viver a vida celeste.

Os mártires do Espiritismo não devem nem mesmo aspirar a morte. Devem sofrer tanto tempo quanto praza a Deus deixá-los na Terra e não ousam julgar-se dignos dos puros gozos celestes logo que deixem a vida. Oram e esperam, murmurando baixinho palavras de paz, de amor e de perdão aos que os torturam, esperando novas encarnações nas quais poderão resgatar passadas faltas.

O Espiritismo elevar-se-á como um templo soberbo. A princípio os degraus serão difíceis de subir. Mas, transpostos os primeiros degraus, bons Espíritos ajudarão a vencer os outros até o lugar simples e reto que conduz a Deus.

Ide, ide, filhos, pregar o Espiritismo!

Pedem mártires. Vós sois os primeiros que o Senhor marcou, pois sois apontados a dedo e sois tratados como loucos e insensatos, por causa da verdade! Eu vos digo, entretanto, que em breve chegará a hora da luz e então não mais haverá perseguidores nem perseguidos. Sereis todos irmãos e o mesmo banquete reunirá opressores e oprimidos!

SANTO AGOSTINHO (Médium: Sr. E. Vézy)


II

O progresso do tempo substituiu as torturas físicas pelo martírio da concepção e do nascimento cerebral das ideias que, filhas do passado, serão as mães do futuro. Quando o Cristo veio destruir o costume bárbaro dos sacrifícios; quando veio proclamar a igualdade e a fraternidade entre o saiote proletário e a toga patrícia, os altares, ainda vermelhos, fumegavam o sangue das vítimas imoladas; os escravos tremiam ante os caprichos do senhor e os povos, ignorando sua grandeza, esqueciam a justiça de Deus.

Nesse estado de rebaixamento moral, as palavras do Cristo teriam sido impotentes e desprezadas pela multidão, se não tivessem sido gritadas pelas suas chagas e tornadas sensíveis pela carne palpitante dos mártires. Para ser cumprida, a misteriosa lei das semelhanças, exigia que o sangue derramado pela ideia resgatasse o sangue derramado pela brutalidade.

Hoje os homens pacíficos ignoram as torturas físicas. Só o seu ser intelectual sofre, porque se debate, comprimido pelas tradições do passado, enquanto aspira novos horizontes.

Quem poderá pintar as angústias da geração presente, suas dúvidas pungentes, suas incertezas, seus ardores impotentes e sua extrema lassitude?

Inquietos pressentimentos de mundos superiores, dores ignoradas pela antiguidade material, que só sofria quando não gozava; dores que são a tortura moderna e que transformarão em mártires aqueles que, inspirados pela revelação espírita, crerão e não serão acreditados; falarão e serão censurados; marcharão e serão repelidos.

Não percais a coragem. Vossos próprios inimigos vos preparam uma recompensa tanto mais bela quanto mais espinhos houverem eles semeado em vosso caminho.

LÁZARO (Médium: Sra. Costel)


III

Como bem dizeis, em todos os tempos as crenças tiveram mártires. Porém, é preciso dizer que muitas vezes o fanatismo estava de ambos os lados e então, quase sempre o sangue corria. Hoje, graças aos moderadores das paixões, aos filósofos, ou antes, a essa filosofia que começou com os escritores do século dezoito, o fanatismo apagou o seu facho e embainhou a espada. Em nossa época quase se não imagina a cimitarra de Maomé; a forca e a roda da Idade Média; as fogueiras e as torturas de toda espécie, do mesmo modo que se não imaginam os magos e as feiticeiras.

Outros tempos, outros costumes, diz um sábio provérbio. O vocábulo costumes é aqui muito elástico, como vedes e, conforme a sua etimologia latina, significa hábitos, maneira de viver. Ora, em nosso século, nossa maneira de ser não é de cobrir-se com cilício, de ir às catacumbas nem de dissimular suas preces aos procônsules e aos magistrados da cidade de Paris.

O Espiritismo, pois, não verá erguer-se o machado e as fogueiras devorarem os seus adeptos. A gente se bate a golpes de ideias, a golpes de livros, a golpes de comentários, a golpes de ecletismo e a golpes de teologia, mas a São Bartolomeu não se repetirá.

Certamente poderá haver algumas vítimas nas nações atrasadas, mas nos centros civilizados só a ideia será combatida e ridicularizada.

Assim, pois, não mais os machados, o feixe de varas, o óleo fervente, mas ficai atentos com o espírito voltairiano mal compreendido. Ele é o carrasco. É preciso preveni-lo, mas não desafiá-lo. Ele ri, em vez de ameaçar; lança o ridículo em vez da blasfêmia e seus suplícios são as torturas do espírito que sucumbe ao abraço do sarcasmo moderno.

Mas, sem desagradar aos pequenos Voltaires de nossa época, a juventude compreenderá facilmente estas três palavras mágicas: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Quanto aos sectários, estes são mais temíveis porque são sempre os mesmos, malgrado o tempo, malgrado tudo. Eles por vezes podem fazer o mal, mas são coxos, mascarados, velhos e rabugentos. Ora, vós que passais pela fonte de Juventa e cuja alma reverdece e remoça, não os temais, porque o seu fanatismo os perderá.

LAMENNAIS (Médium: Sr. A. Didier)


Ataques à ideia nova

Como vedes, começam a comentar as ideias espíritas até nos cursos de teologia, e a Revista Católica tem a pretensão de demonstrar ex-professo, como eles dizem, que o Espiritismo atual é obra do demônio, como se vê no artigo intitulado Do Satanismo no Espiritismo Moderno, daquela revista. Ora! Deixai-os falar! Deixai-osagir. O Espiritismo é como o aço, e todas as serpentes usarão os dentes para mordêlo.

Seja como for, há um fato digno de nota: é que outrora desdenhavam ocupar-se com os que moviam mesas e cadeiras, ao passo que hoje muito se ocupam com esses inovadores, cujas ideias e teorias se elevaram à altura de uma doutrina. Ah! É que essa doutrina, essa revelação abre brecha em todas as antigas doutrinas, em todas as velhas filosofias, insuficientes para satisfazerem as necessidades da razão humana. Assim, sacerdotes, cientistas, jornalistas descem à arena empunhando a pena, para repelir a ideia nova: o progresso. Mas que importa! Não é uma prova irrefragável da propagação dos nossos ensinamentos? Ora! Não se discute, não se combate senão as ideias realmente sérias e suficientemente bem difundidas para não serem tratadas como utopias, como quimeras brotadas de cérebros doentes. Aliás, melhor que ninguém, podeis ver bem a rapidez com que o Espiritismo recruta adeptos diariamente, e isso até nas fileiras esclarecidas do exército, entre oficiais de todas as armas. Não vos inquieteis, pois, com todos esses infelizes que uivam à toa, pois já não sabem onde estão. Eles estão desconcertados. Suas certezas, suas probabilidades se desvanecem ao facho do Espiritismo, porque, no fundo de suas consciências, sentem que apenas nós estamos com a verdade. Digo nós, porque hoje, Espíritos e encarnados, só temos um objetivo: a destruição das ideias materialistas e a regeneração da fé em Deus, a que tudo devemos.

ERASTO (Médium: Sr. d’Ambel)


Perseguição

Bem! Bravo, meus filhos! Estou satisfeito de ver-vos reunidos, lutando com zelo e persistência. Coragem! Trabalhai arduamente no campo do Senhor, porque eu vos digo que chegará o momento em que não será apenas a portas fechadas que será necessário pregar a doutrina santa do Espiritismo.

A carne foi flagelada. É preciso flagelar o Espírito. Ora, em verdade vos digo, quando isso acontecer, estareis prestes a entoardes em uníssono o cântico de ação de graças, e estaremos em vésperas de ouvir um só e mesmo grito sobre a Terra. Mas, eu vo-lo digo, antes da idade de ouro e do reinado do espírito, são necessários grandes sofrimentos, lágrimas e ranger de dentes.

As perseguições já começaram. Espíritas! Sede firmes e mantende-vos de pé. Estais marcados pela unção do Senhor. Sereis chamados de insensatos, de loucos, de visionários. Não mais ferverão o óleo nem erguerão cadafalsos e fogueiras, mas o fogo que usarão para vos levar à renúncia às vossas crenças será mais intenso e ainda mais vivo.

Espíritas! Despojai-vos, portanto, do homem velho, pois é ao homem velho que farão sofrer. Que vossas novas túnicas sejam brancas. Cingi as vossas frontes com coroas e preparai-vos para entrar na liça. Sereis amaldiçoados. Deixai que vossos irmãos vos digam racca; em contrapartida, orai por eles e afastai de suas cabeças o castigo que o Cristo disse estar reservado aos que dissessem racca aos seus irmãos!

Preparai-vos para as perseguições pelo estudo, pela prece, pela caridade. Os servos serão expulsos das casas de seus patrões e tratados como loucos, mas à porta da casa encontrarão o Samaritano e, embora pobres e nus, ainda partilharão com ele as suas vestes e o último pedaço de pão. Ante tal espetáculo, os patrões perguntarão: “Mas, quem são essas criaturas que expulsamos de nossa casa? Só têm um pedaço de pão para esta noite e o dão! Só têm uma capa e a dividem com um estranho!”

Então suas portas serão reabertas, pois vós é que sois os servidores do Mestre. Mas dessa vez eles vos acolherão e vos abraçarão. Pedir-vos-ão que os abençoeis e lhes ensineis a amar. Não mais vos chamarão de servos ou escravos, mas vos dirão: “Meu irmão, vem assentar-te à minha mesa. Há uma só e mesma família na Terra, como há um só e mesmo Pai no Céu”.

Ide, ide meus irmãos! Pregai, e sobretudo sede unidos. O Céu vos está preparado.

SANTO AGOSTINHO (Médium: Sr. E. Vézy)



Bibliografia

O Espiritismo em sua expressão mais simples, do qual já foram vendidos cerca de dez mil exemplares, está em nova impressão com várias correções importantes. Sabemos que já está traduzido em alemão, em russo e em polonês. Concitamos os tradutores a se adaptarem ao texto da nova edição. Recebemos de Viena - Áustria, a tradução alemã publicada naquela cidade, onde se organiza uma Sociedade Espírita sob os auspícios da de Paris.

------------ O segundo volume das Révélations d’outre-tombe[1], pela Sra. H. Dozon, se acha no prelo.

------------ Novamente chamamos a atenção dos leitores para a interessante brochura da senhorita Clémence Guérin, intitulada: Essai biographique sur Andrew Jackson Davis[2], um dos principais escritores espiritualistas dos Estados Unidos. ─ Livraria Ledoyen, Preço l franco.



[1] Revelação de Além-Túmulo. Nota do Tradutor.

[2] Esboço biográfico de Andrew Jackson Davis. Nota do Tradutor.



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