Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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Janeiro

Aos assinantes da revista espírita

A Revista Espírita inicia seu oitavo ano. Já é um período bastante longo quando se trata de uma ideia nova, ao mesmo tempo que um desmentido aos que prediziam a morte prematura do Espiritismo. Como nos anos anteriores, a época de renovação das assinaturas é, para a maioria dos leitores que se dirigem diretamente a nós, a ocasião para reiterar a expressão de seu reconhecimento pelos benefícios da doutrina. Não podendo responder a cada um em particular, pedimo-lhes aceitem aqui nossos sinceros agradecimentos pelos testemunhos de simpatia que têm a bondade de nos dar nesta circunstância. Se a doutrina faz o bem, se dá consolações aos aflitos, se fortalece os fracos e ergue a coragem abatida, é a Deus que se deve agradecer, em primeiro lugar, antes que ao seu servidor, e depois aos grandes Espíritos, que são os verdadeiros iniciadores da ideia e os diretores do movimento. Nem por isto nos sentimos menos tocados profundamente pelos votos que nos são dirigidos, para que a força de ir até o fim de nossa tarefa nos seja conservada. É o que nos esforçamos por merecer por nosso zelo e devotamento que não falharão, a fim de remeter a obra, tão adiantada quanto possível, às mãos daquele que nos deve um dia substituir e realizar com maior força o que ficar inacabado.


Golpe de vista sobre o Espiritismo em 1864

O Espiritismo progrediu ou diminuiu? Esta pergunta interessa tanto aos partidários quanto aos seus adversários. Os primeiros afirmam que cresceu, os outros, que declina. Quais os iludidos? Nem uns, nem outros, porque os que proclamam a sua decadência sabem bem a que se apegam, e o provam a cada instante pelos receios que manifestam e pela importância que lhe atribuem. Alguns, entretanto, agem de boa-fé, pois têm em si uma tal confiança que, por terem desferido um grande golpe no ar, dizem com seriedade: Ele está morto! Ou melhor: Ele deve estar morto!

Os espíritas apoiam-se em dados mais positivos, em fatos que podem constatar. Por nossa posição, podemos julgar ainda melhor o movimento do conjunto, e nos sentimos feliz ao afirmar que a doutrina ganha terreno incessantemente em todas as camadas sociais e que o ano de 1864 não foi menos fecundo que os outros em bons resultados. Na falta de outros indícios, nossa Revista já seria uma prova material do estado da opinião a respeito das ideias novas. Um jornal especial que chega ao seu oitavo ano de existência, e que vê anualmente o número de assinantes crescer em notável proporção; que desde a sua fundação viu três vezes esgotadas as coleções dos anos anteriores, não prova a decadência da doutrina que sustenta, nem a indiferença dos adeptos. Até o mês de dezembro foram recebidas novas assinaturas para o ano findo, e o número dos inscritos a 1º de janeiro de 1865 já era 20% maior do que na mesma época do ano anterior.

Eis aí um fato material, sem dúvida não concludente para os estranhos, mas que para nós é muito mais significativo, porque não solicitamos assinaturas a ninguém, e não as impomos como condição em nenhuma circunstância. Não há nenhuma que seja forçada ou que seja o preço de uma condescendência particular. Além disso, não adulamos ninguém para obter sua adesão à nossa causa. Deixamos que as coisas sigam o seu curso natural, dizendo-nos que se nossa maneira de ver e fazer não for boa, nada a fará prevalecer. Sabemos muito bem que, por não havermos incensado certos indivíduos, os afastamos de nós e que eles se voltaram para o lado de onde vinha o incenso. Mas, que nos importa! Para nós, as pessoas sérias são as mais úteis à causa, e não olhamos como sérios aqueles que são atraídos pelo visco do amorpróprio, como vários o provaram. Nós não os queremos, e lastimamos que tenham dado mais valor ao alento das palavras do que à sinceridade. Temos consciência de que, em toda a nossa vida, jamais ficamos devendo algo à adulação ou à intriga. É por isso que não amealhamos grande coisa, e não é com o Espiritismo que teríamos começado.

Louvamos com felicidade os fatos realizados, os serviços prestados, mas nunca, por antecipação, os serviços que podem ser prestados, ou mesmo que se promete prestar, em primeiro lugar por princípio, e depois porque só temos uma confiança medíocre no valor real dos títulos aceitos por orgulho. Eis por que jamais os sacamos. Quando cessamos de aprovar, não censuramos, mas guardamos silêncio, a menos que o interesse da causa nos leve a rompê-lo.

Aqueles, pois, que vêm a nós, vêm livremente, voluntariamente, atraídos apenas pela ideia que lhes convém, e não por uma solicitação qualquer, ou por nosso mérito pessoal, que é questão secundária, visto que, fosse qual fosse esse mérito, não poderia dar valor a uma ideia que não o tivesse. Por isto dizemos que os testemunhos que recebemos se dirigem à ideia e não à pessoa, e seria tola presunção de nossa parte disso nos envaidecermos. Do ponto de vista da doutrina, esses testemunhos nos vêm, na maior parte, de pessoas que jamais vimos, muitas vezes a quem jamais escrevemos, e às quais certamente jamais fomos o primeiro a escrever. Assim, afastada a ideia de captação ou de camarilha, eis por que dizemos que a situação da Revista tem uma significação particular, como indício do progresso do Espiritismo, e foi só por isto que dela falamos.

Além disso, o ano viu nascerem vários órgãos da ideia: o Sauveur des Peuples, a Lumière, a Voix d’outre-tombe, em Bordéus; o Avenir, em Paris; o Médium Évangélique, em Toulose; em Bruxelas, o Monde musical que, sem ser um jornal especial, trata a questão do Espiritismo de maneira séria. Seguramente, se os fundadores dessas publicações tivessem acreditado que a ideia estava em declínio, não se teriam aventurado a semelhantes empreendimentos.

Em 1864 o progresso ainda está marcado pelo aumento do número de grupos e sociedades espíritas que se formaram numa porção de localidades onde não existiam, quer no estrangeiro, quer na França. A cada instante recebemos o aviso da criação de um novo centro. Esse número é ainda muito maior do que parece, pela quantidade de reuniões íntimas e de família, que não têm qualquer caráter oficial. É contra essas reuniões que todos os rigores de uma oposição sistemática são impotentes, mesmo que inquisitoriais, como na Espanha, onde, entretanto, elas existem em mais de trinta cidades e em casa de pessoas da mais alta classe.

Ao lado desses indícios materiais, há o que se revela pelas relações sociais.

Hoje é raro encontrar pessoas que não conheçam o Espiritismo, ao menos de nome e, quase que por toda parte, encontram-se os que lhe são simpáticos. Aqueles que não creem falam com mais reserva, e cada um pôde constatar quanto diminuiu o espírito trocista: geralmente ele dá lugar a uma discussão mais raciocinada. Salvo algumas piadas da imprensa e alguns sermões mais ou menos acerbos, os ataques violentos e apaixonados são incontestavelmente mais raros. É que os próprios negadores, repelindo a ideia, sofrem, malgrado seu, o seu ascendente e começam a compreender que ela conquistou seu lugar na opinião. Aliás, a maioria encontra adeptos em suas fileiras e entre seus amigos, que podem troçar na intimidade, mas não ousam atacar publicamente. De resto, cada um notou sob quantas formas as ideias espíritas são hoje reproduzidas na literatura, de maneira séria, sem que a palavra seja pronunciada. Jamais se tinham visto tantas produções desse gênero como nestes últimos tempos. Quer seja convicção ou fantasia da parte dos escritores, não deixa de ser um sinal da vulgarização da ideia, porque se a exploram, é com o pensamento de que ela encontrará eco.

Entretanto, o progresso está longe de ser uniforme. Em certas localidades ainda é mantido em cheque pelos preconceitos ou por uma força oculta, mas muitas vezes surge quando menos se espera. É que em muitos lugares há mais partidários do que se pensa, mas que não se põem em evidência. Tem-se a prova disto pela venda de livros, que nesses lugares ultrapassa em muito o número dos espíritas conhecidos. Então, basta uma pessoa que tenha coragem de manifestar sua opinião para que o progresso, de latente, se torne ostensivo. Deve ter sido assim em Paris, que durante muito tempo ficou atrás de qualquer cidade provinciana. Há dois anos, mas sobretudo há um ano, o Espiritismo aqui se desenvolveu com surpreendente rapidez. Hoje os grupos declarados são numerosos e as reuniões privadas inumeráveis. Certamente não é exagero avaliar o número dos adeptos em cem mil, de alto a baixo da escala.

Em resumo, o progresso durante o ano findo é incontestável, se se considerar o conjunto e não as localidades isoladamente. Embora ele não se tenha manifestado por nenhum sinal brilhante, nem qualquer acontecimento excepcional, é evidente que a ideia diariamente se infiltra cada vez mais no espírito das massas, e sempre com mais força. Entretanto, não se deve concluir que esteja terminado o período de luta. Não. Nossos adversários não se dão por batidos tão facilmente. Eles erguem novas baterias em silêncio, por isso temos que nos manter em guarda. Sobre isto diremos algumas palavras num próximo artigo.


Nova cura de uma jovem obsedada de Marmande

Transmite-nos o Sr. Dombre o relato seguinte de uma nova cura das mais notáveis, obtida pelo círculo espírita de Marmande. A despeito de sua extensão, julgamos dever publicá-lo de uma vez, dado o alto interesse que ele apresenta e para que se possa melhor captar o encadeamento dos fatos. Pensamos que os leitores nos serão gratos. Apenas suprimimos alguns detalhes que não nos pareceram de importância capital. Os ensinamentos dela decorrentes são numerosos e graves, e lançam uma luz nova sobre essa questão de atualidade e esses fenômenos que tendem a multiplicar-se. Dada a extensão deste artigo, faremos as considerações no próximo número, a fim de lhes dar os desenvolvimentos necessários.

Senhor Allan Kardec,

É com uma força nova e uma confiança em Deus corroborada pelos fatos que me entusiasmam sem me surpreender, que venho fazer-vos o relato de uma cura de obsessão, notável sob vários aspectos. Oh! Muito cego é quem nisto não vê o dedo de Deus! Todos os princípios da sublime doutrina do Espiritismo aí se acham confirmados: a individualidade da alma, a intervenção dos Espíritos no mundo corpóreo, a expiação, o castigo e a reencarnação são demonstrados de maneira chocante nos fatos com os quais vou entreter-vos. Lamento, como já vos disse, ser obrigado a vos falar de mim, do papel que me coube nesta circunstância, como instrumento de que Deus se dignou servir-se para ferir os olhos. Deveria eu manter silêncio acerca dos fatos relacionados comigo? Penso que não. Estais encarregado de controlar, estudar, analisar os fatos e espalhar a luz. Os menores detalhes devem, pois, ser levados ao vosso conhecimento. Deus, que lê no fundo dos corações, sabe que uma vã satisfação do amor-próprio não foi o meu móvel; aliás, não ignoro que aquele que por privilégio é chamado a fazer qualquer bem, em breve é reduzido à impotência se desconhecer um instante a intervenção divina, e será mesmo feliz se não for castigado!

Chego ao relato dos fatos.

Desde os primeiros dias de setembro de 1864, não se cogitava, em certo bairro da cidade, senão das crises convulsivas experimentadas por uma moça, Valentine Laurent, de treze anos. Essas crises, que se repetiam várias vezes por dia, eram de tal violência que cinco homens, que a sustentavam pela cabeça, pelos braços e pelas pernas, tinham dificuldade de mantê-la na cama. Ela encontrava força suficiente para agitá-los e às vezes até para desprender-se de suas mãos. Então suas mãos se agarravam a tudo. Camisas, vestidos, cobertas da cama eram rasgadas num instante; os dentes também exerciam um papel muito ativo em seus furores, apavorando com razão as pessoas que a cercavam. Se não a tivessem segurado, ela teria partido a cabeça na parede, e malgrado os esforços e as precauções, não ficou isenta de cortes e de contusões.

Não lhe faltaram os recursos da medicina. Quatro médicos a viram sucessivamente; poções de éter, pílulas, medicamentos de toda a natureza, ela tomava tudo sem repugnância; as sanguessugas atrás das orelhas, os vesicatórios nas coxas também não foram poupados, mas sem sucesso. Durante as crises, o pulso era perfeitamente regular; após as crises, nem a menor lembrança dos sofrimentos, das convulsões, mas muito espanto ao ver a casa cheia de gente e seu leito cercado de homens esbaforidos, alguns dos quais lamentavam uma camisa ou um colete rasgado.

O cura de X..., paróquia situada a dois ou três quilômetros de Marmande, gozando na região de uma celebridade nascente, entre certa gente, como curador de toda espécie de males, foi consultado pelo pai da jovem. O cura, sem conhecer a natureza do mal, lhe deu inadvertidamente um pouco de pó branco para a doente tomar, e em seguida ofereceu-se para rezar uma missa. Mas, ah! Nem o pó, nem a missa preservaram a jovem Valentine de quatorze crises no dia seguinte, o que jamais lhe havia ocorrido.

Tanto insucesso nos cuidados de toda sorte necessariamente deveriam ter feito nascer no espírito do vulgo ideias supersticiosas. Com efeito, as comadres falavam alto de malefícios e sortilégios lançados sobre a moça.

Durante esse tempo nós consultamos no silêncio da intimidade os nossos guias espirituais sobre a natureza dessa moléstia, e eis o que nos responderam:

“É uma obsessão das mais graves, cujo caráter mudará muitas vezes de fisionomia. Agi friamente, com calma; observai, estudai e chamai Germaine.”

Na primeira evocação, esse Espírito foi pródigo nas injúrias e mostrou uma grande relutância em responder às nossas interpelações. Nenhum de nós tinha entrado na casa da doente e, antes de intervir queríamos deixar a família esgotar todos os meios que a sua solicitude podia inspirar. Só quando a impotência da ciência e da Igreja foi constatada é que induzimos o pai desesperado a vir assistir à nossa reunião para saber a verdadeira causa do mal de sua filha, e o remédio moral a administrar. Essa primeira sessão foi levada a efeito no dia 16 de setembro de 1864. Antes da evocação de Germaine, nossos guias nos deram a seguinte instrução:

“Tende muito cuidado, muita senso de observação e muito zelo. Tratareis com um Espírito mistificador, que alia a astúcia e a habilidade hipócrita a um caráter muito mau. Não cesseis de estudar, de trabalhar pela moralização desse Espírito e de orar com esse propósito. Recomendai aos pais que, em presença da menina, evitem qualquer manifestação de medo por seu estado. Ele devem, ao contrário, fazê-la entregar-se às suas ocupações ordinárias, e sobretudo não ser bruscos com ela. Que lhe digam, sobretudo, que não há feiticeiros: isto é muito importante. O cérebro jovem e flexível recebe as impressões com muita facilidade e seu moral poderia sofrer com isso; que não a deixem entretida com pessoas susceptíveis de lhe contar histórias absurdas, que dão às crianças ideias falsas e por vezes perniciosas. Que os próprios pais tenham a certeza de que a prece sincera é o único remédio que deve libertar a menina.

Nós vos dissemos, espíritas, que o Espírito de Germaine tem habilidade. Ele arranjará sempre crenças ridículas, rumores que circulam em volta da menina; procurará dar-vos o troco. Tirai partido do caso: a obsessão apresentar-se-á em fases novas. Ficai atentos; pensai que deveis trabalhar com perseverança e seguir com inteligência os menores detalhes que vos porão no rastro das manobras do Espírito. Não vos fieis na calma. Se as crises são os efeitos mais chocantes nas obsessões, há consequências muito mais perigosas. Desconfiai da idiotia e da infantilidade de um obsedado que, como neste caso, não sofre fisicamente. As obsessões são tanto mais perigosas quanto mais dissimuladas; muitas vezes são puramente morais. Este não raciocina, aquele perde a lembrança do que disse e do que fez. Entretanto não se deve julgar muito precipitadamente e tudo atribuir à obsessão. Repito: estudai, discerni, trabalhai seriamente; não espereis tudo de nós; nós vos ajudaremos, pois trabalhamos de acordo, mas não repouseis, crendo que tudo vos será revelado.”


1. Evocação de Germaine ─ Eis-me aqui.

2. ─ Tendes algo a nos dizer, em continuação à nossa última conversa? ─ Não, nada, senhores.

3. ─ Sabeis que nos chocastes muito? ─ Também vós me falais muito mal.

4. ─ Nós vos demos conselhos. Refletistes neles? ─ Sim, muito, eu vo-lo juro, minhas reflexões foram prudentes. Eu estava louca, convenho. Era delírio, mas eis-me calma.

5. ─ Então! Quereis dizer-nos por que torturais essa menina? ─ É inútil voltar ao esse assunto. Seria muito longo para vos contar. Imagino que isto aqui não seja um tribunal. Não me peçam que me sente no banco dos réus e responda ao interrogatório.

6. ─ Não, absolutamente; sois completamente livre; é o interesse por vós e pela menina que nos leva a perguntar por que motivo sério ou por que capricho fazeis esses ataques. ─ Dizeis capricho? Ah! Deveríeis desejar que fosse apenas um capricho, porque, como sabeis, o capricho é mutável e acaba.

7. ─ Estais realmente calma? ─ Bem o vedes.

8. ─ Aparentemente sim, mas não disfarçais os vossos sentimentos? ─ Não venho lançar-vos ciladas; não preciso disso.

9. ─ Quereis afirmá-lo ante os Espíritos que nos rodeiam? ─ Não ponhamos outras pessoas entre nós. Se temos o que dizer e tratar, que seja de vós para mim. Não gosto da intervenção de terceiros.

10. ─ Pois bem! Nós acreditamos que agis de boa-fé, e... ─ É por isto que vos deveríeis contentar com esta garantia. Aliás, eu vos obrigarei a me acreditar, se fizerdes resistência. Não me faltarão provas para vos convencer de minha sinceridade.

GERMAINE

Ao ouvir o nome de Germaine, o pai da obsedada exclamou estupefato: Oh! É engraçado! E ao se retirar repetia várias vezes: É engraçado!

(Isto será explicado adiante).

No dia seguinte, 17, fui pela primeira vez àquela família, com o desejo de ser testemunha de um ataque do Espírito. Fui servido sob medida. Valentine estava em crise; entrei com gente do bairro, que se precipitava para dentro da casa.

Vi estendida sobre um leito uma jovem magnífica, robusta para a sua idade, e sustentada por oito ou dez braços vigorosos, como descrevi acima. Só a cabeça estava livre, agitando-se e chicoteando no ar, em todos os sentidos, com a cabeleira desarranjada. A boca entreaberta deixava ver duas fileiras de dentes brancos e sobretudo ameaçadores. O olhar estava completamente perdido, e as pupilas, das quais só se viam os bordos, estavam alojadas no ângulo do lado do nariz. Acrescente-se a isto uma espécie de grito selvagem, e imaginai o quadro.

Observei um instante a força das sacudidelas e, inclinando-me sobre o rosto da menina, pus minha mão direita sobre sua fronte e a esquerda sobre o peito. Instantaneamente os movimentos e os esforços convulsivos cessaram, e a cabeça pousou, calma, no travesseiro. Dirigi os dedos da mão direita à boca, que se entreabriu e logo um sorriso aflorou em seus lábios. Suas grandes pupilas negras retomaram seu lugar, e àquela figura satânica sucedeu o mais gracioso rosto. A menina manifestou seu espanto por ver tanta gente em seu redor, dizendo que não estava doente. Eram sempre essas as suas primeiras palavras após as crises. Elevei minha alma a Deus, e senti nas pálpebras duas lágrimas de entusiasmo e reconhecimento.

Isto acabava de se passar na manhã de 17. Voltei pelas cinco da tarde, quando habitualmente se multiplicam as crises, mas elas tinham acontecido antes da hora habitual, e haviam terminado. Às sete horas fui jantar em minha casa, mas, apenas chegado, vieram avisar-me que a menina estava numa crise terrível. Fui para lá imediatamente. Depois de tomar com uma mão, perto dos punhos, os dois braços da menina, disse aos homens que a seguravam: Soltai-a. Depois, com minha outra mão sobre o seu peito, vimos que ela se acalmou de repente. A seguir, levando a mão ao seu rosto, provoquei um sorriso e seus olhos retomaram o estado normal. Tinha-se produzido o mesmo efeito da manhã. Fiquei junto à mocinha uma parte da noite. Ela não teve crises, mas dormia agitada. Sua fisionomia tinha algo de convulsivo; viase-lhe o branco dos olhos e ela parecia sofrer moralmente. Gesticulava, falava distintamente e exclamava com um tom enérgico e comovida: Vai-te! Vai-te!... Oh! Que vilã!... E a criança... e a criança... nos rochedos... nos rochedos.

A essa agitação sucedia uma espécie de êxtase; ela chorava e retomava com tom plangente: Ah! Sofres tormentos do inferno!... E eu, queres fazer-me sofrer sempre! ... sempre!... sempre! E estendendo os braços no ar e buscando erguer-se: Bem! Me leva, me leva! A cada instante o pai soltava sua exclamação: Ah! É engraçado! E a mãe acrescentava: Há um mistério nisto. A partir de uma hora da madrugada, a menina dormiu em paz até o amanhecer. Essas agitações, essas censuras, esses êxtases, esse choro se renovaram diariamente após os ataques violentos do Espírito, e duraram muito mais nas noites de 18, 19 e 20 de setembro. Diariamente eu ia para junto da doente e me instalei, por assim dizer, em sua casa. Enquanto eu estava presente, nada se manifestava; mas logo que eu partia, produzia-se nova crise. Eu voltava e a acalmava logo, como se viu. Isto durou vários dias. Certamente era um fenômeno digno de atenção que as crises passassem de súbito pela só imposição das mãos. Havia rumores em toda a cidade, e ali havia matéria para estudo sério; contudo, lamentei não ter visto nenhum dos quatro médicos que haviam tratado a menina virem observá-la.

Durante todo esse tempo, notei na menina, ora uma alegria um pouco exagerada, ora uma espécie de patetice. O pai e a mãe não achavam essas maneiras naturais, o que justificava as previsões de nossos guias.

A 21 de setembro, o pai e a menina foram comigo à sessão. No começo, os guias nos disseram:

Chamai Germaine; pedi-lhe que fique junto de vós, e dizei-lhe isto: “Germaine, sois nossa irmã; esta moça é também nossa irmã e vossa irmã. Se outrora alguma ação funesta vos ligou e fez pesar sobre vós duas a justiça divina, podeis dobrar o juiz supremo. Fazei um apelo à sua misericórdia infinita; pedi-lhe vosso perdão, como nós o pedimos por vós; tocai o Senhor por vossa prece fervorosa e vosso arrependimento. É em vão que buscais calma aos vossos remorsos e um refúgio na vingança; é em vão que procurareis vossa justificação, acabrunhando-a ao peso de vossa acusação. Voltai, pois, à nossa voz. Perdoai e sereis perdoada; não tenteis ludibriar-nos; não creiais que apenas a aparência de franqueza possa seduzir-nos. Sejam quais forem os meios que empregardes, nós os identificaremos e vos oporemos nossa força e nossa vontade. Que vosso coração, enceguecido pelo sofrimento e pelo ódio, se abra à piedade e ao perdão. Não cessaremos de orar ao Eterno e aos bons Espíritos, seus mensageiros fiéis, que derramem sobre vós a consolação e o benefício. O que queremos, Germaine, é vos livrar de vossos sofrimentos. Sereis sempre acolhida por nós como uma irmã; sereis socorrida. Não nos olheis como inimigos, pois queremos a vossa felicidade; não sejais surda às nossas palavras; escutai nossos conselhos e em pouco conhecereis a paz da consciência. O remorso terá fugido para longe, e o arrependimento terá tomado seu lugar. Os bons Espíritos vos acolherão como uma ovelha perdida que terão encontrado. Os maus imitarão vosso exemplo. Nesta família onde provocais a maldição, só falarão bem de vós e haverá reconhecimento. Esta menina também orará por vós, e se o ódio vos desune, o amor um dia vos reunirá. “Sempre se é infeliz quando se está sedento de vingança; não há repouso para aquele que odeia. Aquele que perdoa está perto de amar.

A felicidade e a tranquilidade substituem o sofrimento e a inquietação. Vinde, Germaine, vinde unirvos a nós por vossas preces. Queremos que, a exemplo de Jules[1] e de outros Espíritos que como vós viviam no mal, fiqueis perto de nós sob a feliz proteção de nossos guias. Estais só; sede a filha adotiva desta família que ora ao Eterno pelos que sofrem, e ensina a todos a amá-lo para serem felizes. Se vos obstinardes em permanecer cruel para esta menina, prolongareis e agravareis os vossos sofrimentos, e ouvireis a maldição da menina e dos que a cercam.

“Merecei, pois, dos vossos irmãos, a amizade que vos oferecem de bom coração; cessai essas torturas, de onde vos retirais meio morta. Crede em nossa palavra; crede, sobretudo, nos conselhos dos bons Espíritos que nos guiam, e, particularmente, nos da Pequena Cárita. Não ficareis surda a esta prece. Dai-nos por prova que acolheis a nossa oferta, a paz e o sono sem perturbação à menina durante alguns dias. Vamos orar por vós e não cessaremos de pedir o fim de vossos males.”

Chamamos Germaine e lemos o que acabava de ser ditado.

11. ─ Ouvistes bem e compreendestes os votos que acabamos de exprimir? ─ Sim. Estou mesmo admirada de todas essas promessas. Não mereço tanto. Mas sou um Espírito desconfiado e não ouso nelas crer. Veremos se vossas preces me darão essa calma de que estou privada há tanto tempo. É verdade, estou só e não conheço senão aquela que procura estraçalhar-me.[2] Veremos.

12. ─ Não vedes bons Espíritos junto de vós? ─ Mas não espero nada senão de vós.

13. ─ Então! Em troca do bem que vos queremos fazer, não poderíeis cessar de fazer o mal, de atormentar? ─ E eu sou a causa única desse mal? Ela contribui tanto quanto eu. Dizeis atormentar? Nós lutamos, engalfinhamo-nos; a culpabilidade é compartilhada. Ela foi minha cúmplice. Não vejo por que faríeis pesar apenas sobre mim a responsabilidade por esses atos violentos dos quais também eu sou vítima.

14. ─ Entretanto a menina não vos vai procurar, e se a atormentais, é porque quereis. Tendes o vosso livre-arbítrio. ─ Quem vos disse isso? Estais errados. Uma fatalidade nos liga.

15. ─ Então, contai-nos tudo. ─ Não posso. Aqui não se goza de toda a liberdade... Sou franca.

16. ─ Vamos, Germaine! Vamos orar por vós. Até outra vez! Terminando, os guias nos disseram: “Durante estes dias, reuni-vos no maior número possível. Ocupai-vos mais particularmente dela. Vossa franqueza e vosso zelo a seu respeito a tocarão, e os resultados que buscamos, assim o esperamos, serão rápidos, graças a essa medida.

O dia 22 passou sem crise. À noite reunimo-nos, como de costume.

Evocação de Germaine.

17. ─ Então, Germaine, acreditais em nossa ligação convosco? ─ Tenho direito de duvidar, pois dificilmente o pária acredita no beijo fraterno, que lhe dão de passagem. Estou habituada a ver o desdém e o desprezo me perseguindo.

18. ─ Deus quer que nos amemos uns aos outros. ─ Eu não conheço isto. Aqui, aquele a quem o remorso persegue ou abraça é um inimigo, uma serpente que a gente evita, atirando pedras. Credes que isto não seja revoltante para o maldito? Ele se torna, por instinto, o inimigo de todos; a paixão e o ódio o cegam; infeliz do que cai nas garras desse abutre.

19. ─ Nós, Germaine, vos queremos amar e vos estendemos a mão. ─ Por que não me falaram assim mais cedo? Há, entretanto, corações generosos no mundo em que vivo. Então eu lhes causava medo? Por que jamais me disseram: És nossa irmã e podes partilhar a nossa sorte? Ainda tenho o veneno na alma, sobretudo quando penso no passado. O crime merece uma pena, mas esta punição foi muito grande. Parecia que tudo caía em cima de mim para me esmagar. Nesses momentos desconhece-se Deus. A gente blasfema, negando-o, e se revolta contra ele e contra os seus, quando se está abandonado.

OBSERVAÇÃO: Este último raciocínio do Espírito é resultado da superexcitação em que se acha, mas vem levantar uma questão importante. “Por que, no mundo onde estou, não me falaram como vós?” Porque a ignorância do futuro momentaneamente faz parte do castigo de certos culpados; somente quando vencido o seu endurecimento pelo cansaço é que lhes fazem entrever um raio de esperança como alívio às penas. É preciso que voluntariamente eles voltem os olhos para Deus. Mas os bons Espíritos não os abandonam. Eles se esforçam por lhes inspirar bons pensamentos; espiam os menores sinais de progresso, e, desde que veem neles surgir o germe do arrependimento, provocam instruções que, esclarecendo-os, podem conduzi-los ao bem. Essas instruções lhes são dadas pelos Espíritos no devido tempo, e também podem ser dadas pelos encarnados, a fim de mostrar a solidariedade que existe entre os mundos visível e invisível. No caso de que se trata, era útil para a reabilitação de Germaine que o perdão lhe viesse da parte dos que deviam queixar-se dela, o que era, ao mesmo tempo, um mérito para estes últimos. Tal a razão pela qual a intervenção dos homens muitas vezes é requerida para a melhora e o alívio dos Espíritos sofredores, sobretudo nos casos de obsessão. Certamente a dos bons Espíritos lhes poderia bastar, mas a caridade dos homens para com seus irmãos da erraticidade é para eles próprios um meio de avanço que Deus lhes reservou.

20. ─ O Espírito de Jules, que vedes perto de nós, era também um criminoso, um sofredor e infeliz?... ─ Minha posição foi pior. Citai tudo quanto pode lacerar a alma; dizei quanto o veneno queima as entranhas: eu experimentei tudo, e o mais cruel para mim era estar só, abandonada, maldita. Eu não inspirei piedade a ninguém. Compreendeis a raiva que transborda de meu coração? Sofri muito! Eu não podia morrer; o suicídio não me era possível. E sempre à minha frente o mais sombrio futuro! Jamais vi surgir um clarão. Nenhuma voz me disse: Espera! Então gritei: Raiva, vingança! A mim as vítimas! Pelo menos terei companheiras de sofrimento. Não é a primeira vez que a menina sente os meus abraços[3].

OBSERVAÇÃO: Se alguém nos perguntasse por que Deus permite que maus Espíritos saciem sua raiva nos inocentes, diríamos que não há sofrimento imerecido, e que aquele que hoje é inocente e sofre, sem dúvida tem ainda alguma dívida a pagar. Esses maus Espíritos servem, neste caso, de instrumento de expiação. Sua malevolência é, além disso, uma provação para a paciência, a resignação e a caridade.

21. ─ Agradecei a Deus por vos ter feito sofrer tanto. Esses sofrimentos são a expiação que vos purificou. ─ Agradecer a Deus! Pedis muito! Eu sofri demais! O Inferno era preferível ao que eu suportava. Como me ensinaram, os danados sofrem, choram e gritam juntos; eles podem debater-se e lutar entre si, mas eu estava só. Oh! É horrível! Eu me sinto, ao vos fazer estas descrições, pronta a blasfemar e a cair sobre a minha presa. Não creiais embaraçar-me, pondo entre mim e ela um anjo sorridente. Lutarei com todos, seja quem for.

22. ─ Seja qual for o sentimento que vos agita, só vos oporemos a calma, a prece e o amor. ─ O que mais me agrada é que me falais sem me injuriar, sem me repelir e quereis fazer-me esperar. Oh! Não espereis que eu me entregue imediatamente, porque receio a decepção. Depois de me terdes feito tão belas promessas, tão belas que ainda não posso acreditar, iríeis abandonar-me? Oh! Então o que seria de mim? E eu reflito: Por que essa consolação tão tardia? Por que vós? Seria uma cilada escondida? Vede! Não sei no que crer e o que fazer. Na verdade isto me parece estranho, surpreendente!

OBSERVAÇÃO: Com efeito a experiência prova que as palavras duras e malévolas são um meio impróprio para se desembaraçar dos maus Espíritos. Elas os irritam, o que os leva a maior encarniçamento.

23. ─ Germaine, escutai-me. Vou explicar-vos o que vos surpreende. Desde alguns anos, a imortalidade e a relação das almas com os que ainda estão na Terra nos foram demonstradas de maneira a não deixar qualquer dúvida. O Espiritismo ─ é o nome desta nova doutrina ─ põe os seus adeptos no dever de amar e socorrer os seus irmãos. Nós somos espíritas e, por amor a duas irmãs que sofrem, vós e a menina vossa vítima, viemos a vós para vos oferecer nosso coração e o socorro de nossas preces. Compreendeis agora? ─ Não muito. Raciocinais como jamais ouvi. Assim, tendes que vos ocupar com os que vivem como vós e em vosso meio, e com os Espíritos que sofrem como eu? É um trabalho a que não deve faltar mérito.

24. ─ Se tendes o ensejo de nos julgar sinceros, quereis prometer que serão boas as vossas disposições para com a menina? ─ Boas na medida em que tereis sido bons para comigo. Eu vos julgo todos sinceros. Vossa linguagem me leva a acreditar nisso, mas duvido ainda. Tirai-me essa dúvida e estarei do vosso lado. Vou esforçar-me para fazer o que vou prometervos. À medida que se apagar a dúvida, o mal enfraquecerá, e afastada a dúvida, terá cessado o mal na menina. Se se brincardes comigo, desgraça! Ela morrerá estrangulada. Uma vítima espera, ou sua liberdade, que depende de vós, ou o golpe que tenho sobre sua cabeça. Não é uma ameaça para vos intimidar: é um aviso de que o ódio e a raiva me cegariam. Chegastes a tempo. Ela talvez já estivesse morta. Como nem sempre podemos conversar, dizei aos vossos amigos que vivem onde vivo, que continuem a conversa; que não me repilam, embora minhas maldades não tenham cessado, porque não me empenhei absolutamente. Não podeis exigir mais do que prometi.

Pedimos aos nossos guias que dessem boa acolhida a Germaine. Eles responderam:

“De antemão, ela é nossa irmã muito amada, tanto mais que tem sofrido muito. Vinde, Germaine. Se jamais uma mão amiga apertou a vossa mão, aproximai-vos; nós vos estenderemos as nossas. Só a vossa felicidade nos ocupa. Em nós sempre encontrareis irmãos, malgrado a fraqueza de que ainda vos sentis capaz. Nós vos lamentaremos e não vos condenaremos. Entrai em vossa família. A felicidade nos sorri. Entre nós não correm lágrimas amargas. A alegria substitui a dor, e o amor o ódio. Irmã, vossas mãos!”
“VOSSOS GUIAS”

O dia 23 se passou sem crise, como a da véspera. À noite a mocinha foi com seu pai à sessão, para ouvir Germaine, pela qual já mostrava muito interesse.

Nossos guias nos disseram:

“Começai vossos trabalhos pela evocação de Germaine. Ela o deseja muito. Deveis provar-lhe que ela vos ocupa especialmente. Evitai tudo quanto pudesse parecer esquecimento ou indiferença, a fim de afastar todas as suas dúvidas. Pensai que seus ataques foram apenas suspensos. Sede prudentes. Sede felizes sem amorpróprio e sem orgulho, e sobretudo sede fervorosos em vossas preces. Se ela manifestar o desejo de conversar demoradamente, ainda que tome toda a noite, não regateeis o tempo.”
“VOSSOS GUIAS”

25. Evocação de Germaine. ─ Eis-me aqui, muito mais calma. Eu quero ser justa, creio vo-lo dever. Também vedes que agi como o havia dito. As boas relações fazem os bons amigos. Falai-me, pois, já que sois vozes amigas. É tão estranho e tão novo para mim, que me permitireis saborear um entretenimento onde o ódio será substituído pelo... eu ia dizer amor, e não o conheço! Dizei-me o que devo fazer para amar e ser amada, eu, a pobre miserável Germaine, envelhecida pela desgraça, o opróbrio e o crime!... Entre vós batizam? Eis uma neófita.

─ O batismo que pedis, Jeanne[4], já o recebestes, respondi eu; está no vosso arrependimento, na vossa resolução de marchar por um novo caminho.

O dia 24 de setembro foi tão calmo quanto o precedente.

Na reunião da noite chamamos Germaine.

26. ─ Germaine, nós vos agradecemos... ─ Não me faleis disto, porque me deixais envergonhada. Sou eu que me inclino e peço graça. Devo-te uma grande reparação, pobre menina! A vida de que gozam os Espíritos é eterna. Deus pôs à minha frente os meios e o tempo para reparar as devastações causadas pela cegueira da paixão. Fica tranquila! Ora algumas vezes pela infeliz Germaine, a criminosa que hoje arrependida te pede perdão. Pobre menina, esquece tuas dores e aquela que as causou; não te lembres senão de que agora ela deseja ser tua amiga. Não é mais a mesma Germaine. A prece que derramaram sobre mim tornou minha alma mais limpa; extinguiu-se minha sede de vingança. A lembrança de meu infame passado será minha expiação. Minha prece, junta à vossa, amenizará o remorso que me tortura. Obrigado a vós todos, que me chamastes ao caminho da verdade e do bem, quando eu estava perdida nas profundezas do vício e da impenitência.

“Eu vos acredito agora. A dúvida desapareceu. Amo-vos e vos agradeço por me haverdes salvo e curado. Também vos agradeço por esta pobre menina, a quem restituístes a saúde e a vida.

“Posso dizer-me feliz, porque estou entre bons Espíritos que me consolam e fortalecem por sua moral suave e persuasiva. Não mais estou só; malgrado toda a negrura de minha alma, eles me admitiram em sua bem-aventurada família. Eu sou a doente, eles são meus guardiões. Faltam-me expressões para vos dizer tudo o que sinto.

“Dizei-me todos, sobretudo tu, pobre menina, que me perdoais. Necessito ouvir esta palavra sair de teu coração. Por favor, dai-me esta consolação.”

A jovem Valentina lhe disse: ─ Sim, Germaine, eu vos perdoo; mais ainda: eu vos amo!

─ E nós também, disse eu logo, nós vos amamos como uma irmã.

Germaine continuou: ─ E eu também começo a amar. A quem devo essa transformação? Àqueles a quem injuriei e que, malgrado todo horror que eu lhes devia inspirar, tiveram piedade de mim, me chamaram sua irmã e provaram que não me enganavam.

“Sim, abris-me o caminho para um futuro feliz. Eu era pobre e abandonada e agora vivo entre os que têm muito: não sou mais lastimável. Os bons Espíritos dizem que vão preparar-me para as provações que sofrerei infalivelmente. Munida desta força, voltarei ao meio das criaturas terrenas. Não mais será para semear a morte em redor de mim, mas para amar e merecer sua benevolência e sua amizade.

“Eu teria muito a dizer, mas não quero ser importuna. Oremos. Parece-me que isto me fará bem.

“Deus todo-poderoso, eterno, misericordioso, ouve minha prece. Perdoa minhas blasfêmias, perdoa meus desvios. Eu não conhecia o caminho que leva ao reino do justo. Meus irmãos da Terra me fizeram conhecê-lo; meus irmãos os Espíritos para ele me conduzem. Que a justiça infinita siga o seu curso para a pobre Germaine. Agora ela sofrerá sem se lastimar; nem um murmúrio sairá de sua boca. Reconheço tua grandeza e tua bondade de pai para com os teus bem-aventurados servos, que me vieram tirar do caminho do vício. Que a minha prece suba a ti, e que os anjos que te servem e rodeiam o teu trono possam um dia acolher-me em seu meio, como o fizeram estes bons Espíritos. Hoje compreendo que só a virtude leva à felicidade. Concedei graça, ó meu Deus, aos que, como eu, ainda sofrem. Concedei à menina que torturei as doçuras e as virtudes que constituem a felicidade na Terra.
“GERMAINE”

“Ajuda-te, e o céu te ajudará, vos foi dito. Os Espíritos que vos guiam não farão o trabalho que o dever vos impõe, mas se fordes trabalhadores, eles abreviarão, tanto quanto puderem, a tarefa empreendida sob a bandeira da imortal caridade. Agi, pois, sem desfalecimento e sem fraqueza. Que vossa fé se afirme, e um dia, talvez, vos perguntareis de onde vos vem essa força. Trabalhai pela moralização dos vossos irmãos encarnados e dos Espíritos atrasados. Não vos contenteis em pregar as consolações do Espiritismo. Mostrai a sua grandeza e poder por vossos atos. É a melhor refutação que podereis opor aos adversários. As palavras voam e os atos fortalecem e levantam. Que a felicidade que entrar na família em companhia da jovem doutrina seja devida aos cuidados e à caridade dos sinceros adeptos. Sede confiantes, sem orgulho do que vos acontecer, sem o que, os frutos que daí deveis retirar serão perdidos para vós.
“VOSSOS GUIAS.”

OBSERVAÇÃO: Como se vê, os Espíritos não são inativos nem indiferentes em relação aos Espíritos sofredores, que é preciso trazer ao bem. Mas quando a intervenção do homem pode ser útil, eles lhes deixam a iniciativa e o mérito, sem deixar de secundá-los com seus conselhos e seu encorajamento.

A partir de 25 de setembro, seguindo os conselhos dos nossos guias, adormeci a jovem Valentina todos os dias pelo sono magnético, para livrá-la completamente da ação dos maus fluidos que a tinham envolvido, e fortalecer o seu organismo. Desde sua libertação, ela experimentava mal-estar, incômodos do estômago, pequenos abalos nervosos, consequência inevitável da obsessão.

OBSERVAÇÃO: Para que teria servido o magnetismo se a causa tivesse subsistido? Para começar, teria sido necessário destruir a causa, antes de atacar os efeitos, ou pelo menos agir sobre ambos simultaneamente.

A menina estava um pouco dengosa pelos cuidados e carícias que lhe tinham prodigalizado durante a moléstia. Ela tinha-se tornado um pouco caprichosa e voluntariosa e com má vontade se dispunha a ser adormecida. Um dia até se recusou e eu fui embora. Logo que cheguei em casa, vieram avisar-me que ela estava com uma crise. “Bem, exclamei, é uma punição de Germaine.” Lá voltei imediatamente e encontrei a menina agitando-se na cama. Essa crise não era tão violenta quanto as precedentes, mas tinha os mesmos caracteres. Acalmei-a como nas outras. Algumas horas depois teve uma segunda, que eu detive da mesma forma.

À noite reunimo-nos. Germaine veio sem ser chamada; ela disse que tinha querido dar uma lição à menina e adverti-la de que quando ela não fosse razoável fála-ia sentir a sua presença. Além disso deu-lhe conselhos muito bons e fez sentir aos pais os inconvenientes de ceder aos caprichos dos filhos.

À fase da cura e da conversão do Espírito sucedeu a das revelações relativas ao drama cujo desenlace era a obsessão violenta de Valentine. Por mais interessante e comovedora que seja esta parte do relato, suprimimos os seus detalhes como estranhos, até certo ponto, ao nosso assunto, e porque trata de assuntos contemporâneos, cuja lembrança penosa ainda está presente e tiveram por testemunhas interessadas pessoas ainda vivas. Nós os resumimos para as conclusões que deles devemos tirar. Pelos mesmos motivos dissimulamos os nomes próprios, que nada acrescentariam à instrução que ressalta desta história.

Dessas revelações feitas na intimidade, fora do grupo, e por meio de outro médium, resulta que Germaine é a avó do Sr. Laurent, pai da jovem obsedada Valentina. Ela tinha uma filha, que teve dois filhos, dos quais um é o próprio Sr. Laurent. O outro foi assassinado por sua avó, que o precipitou num barranco, em baixo dos rochedos de... Por esse assassínio ela foi condenada a dez anos de reclusão, que sofreu na prisão de C... Sobre todos esse fatos ela deu as mais minuciosas informações, indicando com exatidão os nomes, os lugares e as datas, de modo a não deixar qualquer dúvida quanto a sua identidade. Esses detalhes íntimos, só conhecidos pelo Sr. Laurent e sua mulher, foram por eles confirmados. Para ser melhor reconhecida por seu neto, ela designou-o por seu apelido, ignorado pelo médium, e só lhe falou em dialeto, como em vida.

Não havia, pois, como se enganar. Germaine era mesmo a avó de Laurent, a condenada por infanticídio. Quanto à sua filha, cujo filho foi morto, é hoje a filha de Laurent, a jovem Valentine, que ela vem ainda atormentar por uma cruel obsessão. Ela explicou a causa do ódio que lhe votava. Elas haviam lutado entre si, como Espíritos, e essa luta continuou quando uma delas reencarnou. Um fato vem confirmar esta asserção: As palavras da mocinha, pronunciadas no sono. Compreende-se que seus pais a tivessem deixado sempre ignorar o que se havia passado na família. Estas palavras: A criança! A criança! Nos rochedos! Nos rochedos! evidentemente eram o resultado da lembrança que seu Espírito conservava no estado de desprendimento.

─ Então, disse eu ao pai de Valentine, estais bem convencido de que é o Espírito de vossa avó? ─ Oh! Senhor, respondeu ele, eu já estava convencido antes desta conversa. O nome de Germaine e as palavras de Valentine, em suas crises, não me deixavam a menor dúvida a respeito. Eu o disse logo à minha mulher. Ainda mais, quando me falastes do Espiritismo e da reencarnação, veio-me o pensamento de que minha mãe estava encarnada em Valentine.

Assim se explicam as repetidas exclamações de Laurent: “É engraçado!” E as de sua mulher: “Nisto há um mistério!”


  • [1] Espírito obsessor da jovem Tereza B..., de Marmande (Revista de junho de 1864)
    [2] A continuação do relato permitirá que sejam entendidas estas últimas palavras.
    [3] Disseram-nos os pais que realmente a criança, aos seis anos, tinha tido crises que eles não podiam entender.
    [4] Aqui parece-nos que o correto seria Germaine. (N. revisor)

Evocação de um surdo-mudo encarnado

O Sr. Rul, membro da Sociedade de Paris, transmite-nos o fato seguinte:

“Em 1862, eu conhecia um jovem surdo-mudo de doze a treze anos. Desejoso de fazer uma observação, perguntei aos guias protetores se não seria possível evocálo. Tendo tido resposta afirmativa, fiz o rapaz vir ao meu quarto e instalei-o numa poltrona, com um prato de uvas, que ele se pôs a devorar apressadamente. Por meu lado, pus-me a uma mesa, orei e fiz a evocação, como de hábito. Ao cabo de alguns instantes minha mão tremeu e escrevi: Eis-me aqui.

“Olhei para o menino. Ele estava imóvel, os olhos fechados, calmo, adormecido, com o prato sobre os joelhos. Tinha parado de comer. Dirigi-lhe as seguintes perguntas:

P. ─ Onde estás agora?

R. ─ Em vosso quarto, em vossa poltrona.

P. ─ Queres dizer por que és surdo-mudo de nascença?

R. ─ É uma expiação de meus crimes passados.

P. ─ Que crimes cometeste?

R. ─ Fui parricida.

P. ─ Podes dizer se tua mãe, a quem amas tão ternamente, não teria sido, como teu pai ou tua mãe, na existência de que falas, o objeto do crime que cometeste?

“Em vão esperei a resposta. Minha mão ficou imóvel. Levantei de novo os olhos para o menino. Ele acabara de despertar e comia as uvas com apetite. Então, tendo pedido aos guias que me explicassem o que acabava de se passar, foi-me respondido:

“Ele deu os ensinamentos que desejavas e Deus não permitiu que te desse outros.”

“Não sei como os partidários da comunicação exclusiva dos demônios nos explicariam esse fato. Para mim, tirei a conclusão de que, se Deus por vezes nos permite evocar um Espírito encarnado, permite-nos igualmente em relação aos desencarnados, quando o fazemos com espírito de caridade.”


OBSERVAÇÃO: Por nosso lado, faremos outra observação a respeito. A prova de identidade aqui resulta do sono provocado pela evocação, e da cessação da escrita no momento do despertar. Quanto ao silêncio guardado sobre a última pergunta, prova a utilidade do véu lançado sobre o passado. Com efeito, suponhamos que a mãe atual desse menino tenha sido sua vítima em outra existência, e que este tenha querido reparar seus erros pela afeição que lhe testemunha. A mãe não seria dolorosamente afetada se soubesse que seu filho foi seu assassino? Sua afeição por ele não ficaria alterada? Foi-lhe permitido revelar a causa de sua enfermidade, como assunto de instrução, a fim de nos dar uma prova a mais que as aflições daqui têm uma causa anterior, quando não está na vida presente, e que assim tudo está estabelecido segundo a justiça. Mas o resto era inútil e teria podido chegar aos ouvidos da mãe, por isso os Espíritos o despertaram, talvez no momento em que sem dúvida ele ia responder. Mais tarde explicaremos a diferença que existe entre a posição desse menino e a de Valentine, do relato precedente.

Além disso, o fato prova um ponto capital: Não é somente depois da morte que o Espírito recobra a lembrança de seu passado. Pode-se dizer que não a perde nunca, mesmo na encarnação, porque, durante o sono do corpo, quando goza de certa liberdade, o Espírito tem consciência de seus atos anteriores. Ele sabe por que sofre, e que sofre justamente; a lembrança só se apaga durante a vida exterior de relação. Mas, em falta de uma lembrança precisa que lhe poderia ser penosa e prejudicar suas relações sociais, ele adquire novas forças nos instantes de emancipação da alma, se souber aproveitá-los.

Deve concluir-se do fato que todos os surdos-mudos tenham sido parricidas? Seria uma consequência absurda, porque a justiça de Deus não está circunscrita em limites absolutos, como a justiça humana.

Outros exemplos provam que essa enfermidade por vezes resulta do mau uso que o indivíduo tenha feito da faculdade da palavra. Mas o quê? perguntarão. A mesma expiação para duas faltas tão diferentes na sua gravidade, isso é justo? Mas os que assim raciocinam então ignoram que a mesma falta oferece infinitos graus de culpabilidade, e que Deus mede a responsabilidade pelas circunstâncias? Além do mais, quem sabe se esse menino, supondo seu crime sem escusas, não sofreu duro castigo no mundo dos Espíritos, e se seu arrependimento e seu desejo de reparar não reduziram a expiação terrena a uma simples enfermidade?

Admitindo, a título de hipótese, pois o ignoramos, que sua mãe atual tenha sido sua vítima, se ele não mantivesse para com ela a resolução tomada de reparar sua falta pela ternura, é certo que um castigo mais terrível o esperaria, quer no mundo dos Espíritos, quer em nova existência.

A justiça de Deus jamais falha e, por ser às vezes tardia, nada perde por esperar. Mas Deus, em sua bondade infinita, jamais condena de maneira irremissível, e sempre deixa aberta a porta do arrependimento. Se o culpado demora a aproveitá-lo, sofrerá por mais tempo. Assim, dele sempre depende abreviar os seus sofrimentos. A duração do castigo é proporcional à duração do endurecimento. É assim que a justiça de Deus se concilia com sua bondade e seu amor às criaturas.




Variedades

O Perispirito descrito em 1805

Extraído da obra alemã Os Fenômenos místicos da vida humana, por MAXIMILIEN PERTY, professor na Universidade de Berne.

Leipzig e Heidelberg, 1861.

Sob o título “Aparição real de minha mulher após sua morte ─ Chemnitz, 1804” ─ o doutor Woetzel publicou um livro que causou grande sensação nos primeiros anos deste século. O autor foi atacado em diversos escritos, sobretudo Wieland o leva a ridículo na Euthanasia. Durante uma doença de sua mulher, Woetzel tinha pedido a esta que se mostrasse a ele após sua morte. Ela lhe fez a promessa, mas, um pouco mais tarde, a seu pedido, seu marido a desobrigou desse compromisso. Contudo, algumas semanas depois de sua morte, um vento violento pareceu soprar no quarto, embora estivesse fechado; a luz quase se extinguiu; uma pequena janela na alcova abriu-se e, com a fraca claridade reinante, Woetzel viu a forma de sua mulher que lhe disse com voz doce: “Carlos, eu sou imortal. Um dia nos reveremos.” A aparição e essas palavras consoladoras se repetiram mais tarde, uma segunda vez. A mulher mostrou-se de vestido branco, com o aspecto que tinha antes de morrer. Um cão que não se tinha mexido à primeira aparição, agitou-se e descreveu um círculo, como em redor de uma pessoa conhecida.

Numa segunda obra sobre o mesmo assunto (Leipzig, 1805), o autor fala de convites que lhe teriam sido dirigidos para desmentir todo o assunto, “porque do contrário muitos cientistas seriam forçados a renunciar ao que, até então, tinham julgado como opiniões verdadeiras e justas, e porque a superstição aí encontraria um alimento.” Mas ele já havia pedido ao conselho da Universidade de Leipzig que lhe permitisse depositar, a respeito, um juramento jurídico. O autor desenvolve sua teoria. Segundo ele, “a alma, depois da morte, seria envolvida por um corpo etéreo, luminoso, por meio do qual poderia tornar-se visível; que ela poderia usar outras vestimentas, por cima desse envoltório luminoso; que a aparição não tinha agido sobre o seu sentido interior, mas unicamente sobre os sentidos exteriores.”

Como se vê, a esta explicação só falta a palavra perispírito. Contudo, Woetzel está errado quando crê que a aparição só atuou nos sentidos exteriores, e não sobre o sentido interior. Sabe-se hoje que é o contrário que se dá. Mas talvez tivesse ele querido dizer que estava perfeitamente desperto, e não em estado de sonho, o que provavelmente lhe teria feito pensar que havia percebido a aparição apenas pela visão corporal, porquanto ele não conhecia nem as propriedades do fluido perispiritual nem o mecanismo da visão espiritual.

Aliás, lendo-se a obra científica do Sr. Pezzani sobre a Pluralidade das existências, tem-se a prova de que o conhecimento do corpo espiritual remonta à mais alta Antiguidade, e que apenas o nome de perispírito é moderno. São Paulo o descreveu na primeira epístola aos coríntios, capítulo XV. Woetzel o reconheceu apenas pela força do raciocínio. Tendo-o estudado nos numerosos fatos que observou, o Espiritismo moderno descreveu as suas propriedades e deduziu as leis de sua formação e de suas manifestações.

Quanto ao que se refere ao cão, isto nada tem de surpreendente. Diversos fatos parecem provar que certos animais sentem a presença dos Espíritos. Na Revista Espírita de junho de 1860 (O Espírito e o cãozinho) citamos um exemplo, que tem notável analogia com o de Woetzel. Não está provado positivamente que eles não podem vê-los. Nada haveria de impossível que, em certas circunstâncias, por exemplo, os cavalos que se amedrontam e obstinadamente se recusam a avançar sem motivo conhecido sofram o efeito de uma influência oculta.


Um novo ovo de Saumur

Ao que parece, Saumur é fecunda em maravilhas ovíparas. Lembram-se que em setembro último, uma galinha, nativa dessa cidade e domiciliada na Rua da Visitation, punha ovos miraculosos, sobre cuja casca viam-se, em relevo, e claramente desenhados, objetos de santidade e inscrições. Isto fez grande sensação em certos meios, e excitou a veia trocista dos incrédulos.

O Echo Saumurois, entre outros, divertiu-se muito com o fato. A massa foi ao local; a autoridade comoveu-se e sugeriram que um policial vigiasse a galinha, para esperar o acontecimento.

Não repetiremos a espirituosa e não menos judiciosa explicação dada pelo Sauveur des Peuples, de Bordéus, de 18 de setembro de 1864, ao qual remetemos os leitores, para os detalhes circunstanciados do caso.

Há pouco tempo, um dos nossos assinantes de Saumur nos remeteu um outro ovo fenomenal, originário da mesma cidade, pedindo que examinássemos bem a bizarria que ele apresenta, embora não houvesse desenhos nem inscrições. Não que ele acreditasse num prodígio, mas, ao contrário, para ter nossa opinião, a fim de opôla às pessoas muito crédulas em matéria de milagres, porque parece que, continuando a série do que se havia passado, esse ovo tinha produzido, também, uma certa sensação no público. Não sabemos se é da mesma galinha. Trata-se do seguinte.

O ovo apresenta na ponta uma excrescência, em forma de cordão grosso, enrolado sobre si mesmo, da mesma natureza da casca, colado a ela em toda a sua extensão, que é de 6 a 7 centímetros. Basta conhecer a formação dos ovos para se dar conta desse fenômeno. Sabe-se que o ovo é formado de uma simples membrana semelhante a uma bacia, na qual se desenvolvem a clara e a gema, germe e alimento do futuro pinto. Alguns por vezes são postos nesse estado. Antes da postura, essa película se cobre de uma camada de carbonato de cálcio, que forma a casca. No caso de que se trata, não sendo o conteúdo suficiente para encher a membrana vesicular, resultou que a parte vazia, formando colo de bacia, ficou contraída, rebatendo-se e se enrodilhando sobre o próprio corpo do ovo. O depósito calcário, formado depois, endureceu o todo, o que deu lugar a essa excrescência anormal. Se toda a capacidade se tivesse enchido, o ovo teria sido monstruoso para um ovo de galinha, porque teria cerca de 10 centímetros em seu maior diâmetro, ao passo que ele tem uma grossura ordinária.

Que relação pode ter tudo isto com o Espiritismo? Absolutamente nenhuma. Se dele falamos, é porque seus detratores quiseram envolver seu nome no primeiro caso, não sabemos bem a que título, a não ser, segundo seu hábito, o de procurar todas as ocasiões de ridicularizá-lo, mesmo nas coisas que lhe são mais estranhas. Quisemos provar uma vez mais que os espíritas não são tão crédulos quanto o dizem. Se um fenômeno insólito se apresenta, eles procuram antes de tudo a explicação no mundo tangível, e não misturam os Espíritos em tudo quanto é extraordinário, porque sabem em que limites e segundo que leis sua ação se exerce.





Notícias bibliográficas

A pluralidade das existências da alma

Por André Pezzani, advogado na corte imperial de Lyon

Esta obra, anunciada há algum tempo e esperada com impaciência, acaba de aparecer na casa dos Srs. Didier & Cia.[1] Todos os que conhecem o autor, sua vasta erudição e seu judicioso espírito de análise e investigação, não duvidavam que esta grave questão da pluralidade das existências fosse por ele tratada de acordo com sua importância. Sentimo-nos feliz ao dizer que ele não falhou na tarefa. Contudo, ele ligou-se pouco ao trabalho de demonstrar essa grande lei da Humanidade pelo seu próprio raciocínio, embora devotando-se a ela. Por mais sábio que seja, ele é modesto, mesmo muito modesto, o que raramente é corolário do saber. Diz ele que sua opinião pessoal pouco pesaria na balança, por isto mais se apoia nas alheias que na sua. Ele quis demonstrar que esse princípio tinha sido entrevisto pelos maiores gênios de todos os tempos; que é encontrado em todas as religiões, por vezes clara e categoricamente formulado, mas muitas vezes velado sob a alegoria, que é implicitamente a primeira fonte de uma porção de dogmas. Ele prova, por documentos autênticos, que a teoria da imortalidade e da progressão da alma fazia parte do ensino secreto só reservado aos iniciados nos mistérios. Nesses tempos remotos isto poderia ter utilidade, como ele demonstra, por ocultar do vulgo certas verdades que as massas não estavam maduras para compreender, e que as teriam confundido, sem esclarecê-las. Sua obra é, pois, rica de citações, desde os livros sagrados dos indus, dos persas, dos judeus, dos cristãos, dos filósofos gregos, dos neoplatônicos, das doutrinas druídicas, até os escritores modernos Charles Bonnet, Ballanche, Fourier, Pierre Leroux, Jean Reynaud, Henri Martin, etc., e, como conclusão e última expressão, os livros espíritas.

Nesse vasto panorama, ele passa em revista todas as opiniões, as teorias diversas sobre a origem e os destinos da alma. A doutrina da metempsicose animal aí é tratada largamente e de maneira nova. Ele demonstra que a da pluralidade das existências humanas a precedeu e que a transmigração em corpos de animais é apenas uma derivação alterada e não o princípio. Era a crença reservada ao vulgo, incapaz de compreender as altas verdades abstratas, e como freio às paixões. A encarnação nos animais era uma punição, uma espécie de inferno visível, atual, que devia impressionar mais que o medo de um castigo moral num mundo espiritual. Eis o que a respeito diz Timeu de Locres, que Cícero assegura ter sido o mestre de Platão:

“Se alguém é vicioso e viola as leis do Estado, é preciso que seja punido pelas leis e pelas censuras; deve-se, então, espantá-lo pelo medo do inferno, pela apreensão das penas contínuas, dos castigos, e pelos terrores e punições inevitáveis que são reservadas aos infelizes criminosos em baixo da terra.

“Louvo muito o poeta jônico (Homero) por haver tornado religiosos os homens, por fábulas antigas e úteis, porque, assim como curamos os corpos com remédios malcheirosos, se eles não cedem aos remédios mais agradáveis, assim também reprimimos as almas por discursos falsos, se elas não se deixarem levar pelos verdadeiros. É pela mesma razão que se devem estabelecer penas passageiras baseadas na crença da transmigração das almas, de sorte que as almas dos homens tímidos passem, após a morte, por corpos de mulheres expostas ao desprezo e às injúrias; as almas dos assassinos, por corpos de animais ferozes, para aí receberem sua punição; as dos impudicos pelos dos porcos e javalis; as dos inconstantes e dos levianos pelos dos pássaros que voam nos ares; as dos preguiçosos, dos inativos, dos ignorantes e dos loucos pela forma dos animais aquáticos. É a deusa Nêmesis que julga todas essas coisas, no segundo período, isto é, no círculo da segunda região em torno da Terra, com os demônios, vingadores dos crimes, que são os inquisidores terrestres das ações humanas, e a quem o Deus condutor de todas as coisas conferiu a administração do mundo cheio de deuses, de homens e de outros animais que foram produzidos segundo a imagem excelente da forma improduzida e eterna.”

Ressalta daí e de vários outros documentos que a maioria dos filósofos professavam ostensivamente a metempsicose animal, como meio, pois nela nem eles próprios acreditavam, e que eles tinham uma doutrina secreta mais racional sobre a vida futura. Tal parece ter sido, também, o sentimento de Pitágoras, que não é, como se sabe, o autor da metempsicose, pois ele foi apenas o seu propagador na Grécia, depois de tê-la encontrado entre os indianos. Aliás, a encarnação na animalidade era apenas uma punição temporária de alguns milhares de anos, mais ou menos conforme a culpabilidade, uma espécie de prisão, da qual, ao sair, a alma entrava na Humanidade. A encarnação animal não era, portanto, uma condição absoluta, mas ela se aliava, como se vê, à reencarnação humana. Era uma espécie de espantalho para os simples, muito mais que um artigo de fé nos filósofos. Assim como se diz às crianças: “Se vocês forem más, o lobo vos comerá”, os Antigos diziam aos criminosos: “Tornar-vos-eis lobos.”

A doutrina da pluralidade das existências, saída das fábulas e dos erros dos tempos de ignorância, tende hoje, de maneira evidente, a entrar na filosofia moderna, abstração feita do Espiritismo, porque os pensadores sérios aí encontram a única solução possível dos maiores problemas da moral e da vida humana. A obra do Sr. Pezzani vem, pois, muito a propósito, lançar a luz da história sobre essa importante questão. Ela poupará pesquisas laboriosas, difíceis e muitas vezes impossíveis para muita gente. O autor não a escreveu do ponto de vista do Espiritismo, que só figura de maneira acessória e como ensinamento. Ele a escreveu do ponto de vista filosófico, de maneira a lhe abrir as portas que lhe teriam sido fechadas se lhe tivesse dado a etiqueta de nova crença. É o complemento da Pluralidade dos mundos habitados, do Sr. Flammarion, que, por seu lado, vulgarizou um dos grandes princípios de nossa doutrina, sem dela falar.


Voltaremos a falar sobre a obra do Sr. Pezzani, fazendo-lhe várias citações.



[1] Um vol in 8º, à venda. Preço 6 francos. No prelo, ed. in 12, preço 3 francos.


O médium evangélico

NOVO JORNAL ESPÍRITA DE TOULOUSE *

O último mês do ano findo viu nascer um novo órgão do Espiritismo, o que vem corroborar nossas reflexões contidas no artigo acima sobre o estado do Espiritismo em 1864. Conforme seu início e a carta que seu diretor teve a bondade de nos escrever antes de sua publicação, devemos contar com um novo campeão para a defesa dos verdadeiros princípios da doutrina. Queremos falar dos que hoje são sancionados pelo grande controle da concordância. Que ele seja bem-vindo.

Esperando que tenhamos podido julgá-lo por suas obras, diremos que se o ditado Nobreza obriga for verdadeiro, com mais forte razão pode dizer-se que o título obriga. O de Médium evangélico é todo um programa e um belo programa, que impõe grandes obrigações mas que, entretanto, poderia entender-se de duas maneiras. Poderia significar que o jornal ocupar-se-á principalmente de controvérsias religiosas, do ponto de vista dogmático, ou que, compreendendo o objetivo essencial do Espiritismo, que é a moralização, será redigido conforme o espírito evangélico, que é sinônimo de caridade, tolerância e moderação. No primeiro caso não o seguiremos, porque o próprio interesse da doutrina exige uma extrema reserva no desenvolvimento de suas consequências e porque muitas vezes a gente recua por querer ir muito depressa: “Não adianta correr; deve-se partir na hora.” No segundo, estaremos inteiramente com ele. Aliás, eis um resumo de sua profissão de fé, posta no alto do primeiro número:

“O jornal que empreendemos fundar, sob o título de Médium evangélico, tem por objetivo entrar em caminhos novos com os quais o mundo hoje se preocupa, quero dizer, nas vias do Espiritismo. Este jornal nos pareceu necessário em Toulouse, na hora em que os espíritas já são incontáveis entre nós, na hora em que seus numerosos grupos diariamente engrossam muito. Com efeito, a publicidade será um meio de fazer melhor conhecer o resultado do trabalho desses diversos grupos e de torná-los mais úteis à grande causa do progresso moral ao qual nos convidam todos os nossos destinos.

“Contudo, a fim de não flutuar ao sabor dos ventos da doutrina, nesses caminhos ainda difíceis, julgamos dever arvorar um estandarte sob cujos auspícios queremos sincera e resolutamente marchar, certos de que o grande princípio da renovação moral está onde não mais há gregos nem romanos, isto é, judeus, protestantes, católicos, mas uma grande família, unida pelos laços da fraternidade, e tendendo para um objetivo comum, na sua ardente carreira através das solidões misteriosas da vida. Esse estandarte vós o conheceis. Não é a cruz de ouro, filha do orgulho e dos vãos pensamentos dos homens, mas a cruz de madeira, filha do devotamento e do sacrifício, digamo-lo, filha da verdadeira caridade.”

Lamentamos que a falta de espaço nos impeça de citar por inteiro a profissão de fé. Mas sem dúvida teremos ocasião de a ela voltar.


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* O Médium Evangélico saí aos sábados, desde 15 de dezembro. Preço: Toulouse. 8 f. por ano, 4 fr. 50 por semestre. — Departamentos, 9 ir. e 5 ir. — Assinaturas em Toulouse, rue de la Pomme, 34; em Paris, boulevard St. - Germain, 68.

Alfabeto espírita

Sob este título o nosso mui honrado irmão no Espiritismo, Sr. Delhez, de Viena, Áustria, cujo zelo pela causa da doutrina é infatigável, acaba de publicar um opúsculo em língua alemã, uma parte do qual contém a tradução francesa. É uma interessante coletânea de comunicações mediúnicas em prosa e verso, recebidas na Sociedade Espírita de Viena, sobre diferentes assuntos de moral, colocadas em ordem alfabética. O opúsculo é encontrado em Viena, em casa do autor, Singerstrasse, 7, e em todas as livrarias. Preço: l florim. O Sr. Delhez é o tradutor do Livro dos Espíritos para a língua alemã.



Instruções dos Espíritos


(Sociedade de Antuérpia - 1864)

I


Reconhecei a grandeza e a misericórdia de Deus para com todas as suas criaturas. A voz do Altíssimo se fez ouvir! Inclinai-vos e sede humildes, porque o poder do Senhor é grande. A Terra inteira deve abalar-se sob sua mão misericordiosa, e os que se submeterem às suas leis serão abençoados, como outrora Abraão, que marchava para uma terra desconhecida, porque a voz do Eterno falava em seu coração.

O Altíssimo vos sustentará, a vós que marchais sob o seu olhar paternal, humildes e crentes. Deixai-vos tratar como pobres de espírito, e o Deus forte vos atrairá a si por sua graça. Sede firmes trabalhando em sua vinha, e desprezai o desdém dos ímpios, porque o Eterno vos tocou com sua mão protetora. Sede corajosos e marchai sem saber aonde ele vos conduz. Ele protege os que apoiam a própria fraqueza em sua força. O Criador é grande. Admirai-o em suas obras.

O Espiritismo espalha-se na Terra, semelhante ao orvalho benéfico da noite, que refresca uma terra muito seca. Ele espalhará em vossas almas o orvalho celeste, e pela unção da graça divina, vossos corações produzirão bons frutos, e vossos trabalhos publicarão sua glória e sua grandeza.

Deus é todo-poderoso, e quando conduzia por sua força o braço de Moisés, as tábuas da lei não abalaram a Terra? Que temeis? Deus vos abandonará à vossa fraqueza, quando deu sua força a Moisés? O Altíssimo não enviou o maná, no deserto? Será ele menos misericordioso para convosco do que foi para com os filhos de Israel, deixando que vossos corações se sequem pela ignorância?

Deus é tão justo quão grande. Apoiai-vos nele e ele vos inundará de sua graça. Vossos corações expandir-se-ão e tornar-se-ão o asilo da fé e da caridade, porque a verdade luziu sobre a Terra, e o Altíssimo vos tocou com a mão benfeitora.

Coragem, espíritas! O Deus forte vos olha. Que vossos corações sejam as tábuas onde ele escreve suas leis, e que nada de impuro manche o templo do Eterno, a fim de que vos torneis dignos de publicar seus mandamentos. Não temais marchar nas trevas, quando a luz divina vos conduz.

Os tempos designados pelo Todo-Poderoso são chegados. As trevas desaparecerão da Terra para darem lugar aos raios divinos que inundarão vossas almas, se não repelirdes a voz de Deus.

A força do Altíssimo espalhar-se-á sobre o seu povo, e os seus filhos o bendirão cantando louvores pela pureza de seus corações. Que nada vos detenha. Que nada vos faça desanimar. Sede firmes nas obras de Deus. Sede todos filhos de uma grande família, e que o olhar do vosso Pai Celeste vos conduza e faça frutificarem os vossos trabalhos.



II

Aproxima-se o reino do Cristo. Os precursores o anunciam; as guerras surdas aumentam; os Espíritos encarnados se agitam ao sopro impuro do príncipe das trevas: é o demônio do orgulho, que lança o seu fogo, semelhante à cratera de um vulcão em erupção. O mundo invisível ergue-se ante a cruz, e toda a hierarquia celeste está em marcha para o combate divino. Espíritas, erguei-vos; dai a mão aos vossos irmãos, os apóstolos da fé, para que sejais fortes ante o exército tenebroso que vos quer engolir. Curvai-vos ante a cruz, que é vossa salvaguarda no perigo, o prêmio da vitória. A luta está eivada de perigos, não o escondemos, mas os combates são necessários para tornarem mais brilhante e mais sólido o triunfo da fé, e para que se cumpram palavras do Cristo: As portas do inferno não prevalecerão contra ela.


III

O homem nunca é mais forte do que quando ele sente a sua fraqueza, pois tudo pode empreender sob o olhar de Deus. Sua força moral cresce em razão de sua confiança, porque sente necessidade de dirigir-se ao Criador, para pôr sua fraqueza ao abrigo das quedas a que a imperfeição humana pode arrastá-lo. Aquele que põe sua vontade na de Deus pode enfrentar impunemente o Espírito do mal, sem se julgar temerário. Se o Ser Supremo permite a luta entre o anjo e o demônio, é para dar à criatura ocasião para triunfar e sacrificar-se nos combates. Quando São Paulo sentiu vibrar em si a voz de Deus, exclamou: “Tudo posso naquele que me fortalece.” E o maior pecador tornou-se o mais zeloso apóstolo da fé. Abandonado à fraqueza de sua natureza ardente e apaixonada, Santo Agostinho sucumbe; torna-se forte aos olhos de Deus, que sempre dá força àquele que a pede para resistir ao mal. Mas o homem, em sua cegueira, julga-se poderoso por si mesmo, e abandonando o socorro de Deus, cai no abismo cavado pelo amor-próprio. Coragem, pois, porque, por mais forte que seja o Espírito que barra o caminho, apoiados na cruz, nada tendes a temer; ao contrário, tudo tereis a ganhar para a vossa alma, que crescerá aos raios divinos da fé. Deixai-vos conduzir através das tempestades e chegareis ao termo de vossa marcha, onde Jesus vos espera.

Todo homem necessita de conselhos. Infeliz aquele que se julga bastante forte por suas próprias luzes, porque terá numerosas decepções. O Espiritismo está cheio de escolhos, mesmo nos grupos, e com mais forte razão, no isolamento. O medo excessivo que tendes de serdes enganados é um bem para vós, porque foi a vossa salvaguarda em muitas circunstâncias. Contudo, vossas comunicações necessitam de controle; não bastam algumas apreciações. Eis por que vossos Espíritos protetores vos aconselharam a vos dirigirdes ao chefe espírita, a fim de serdes esclarecidos sobre o seu valor.

É preciso provar, pela união, que todos os adeptos sérios trabalham em concerto na vinha do Senhor, que vai estender seus ramos sobre o mundo inteiro. Quanto mais se reunirem os obreiros, mais depressa será formada a grande cadeia espírita, e também mais depressa a família humana será inundada pelos eflúvios divinos da fé e da caridade, que regenerarão as almas sob o poder do Criador.

Que cada um de vós leve sua pedra ao edifício, na medida de suas forças, mas se cada um quiser construir à sua vontade, sem levar em conta as instruções que temos dado e que formam a sua base; se não houver entendimento entre vós; se não tiverdes ligação, então fareis uma torre de Babel. Nós vos mostramos este ponto. Que cada um de vós, dele faça o seu objetivo único. Nós vos demos este sinal. Que cada um de vós o inscreva em sua bandeira, e então vos reconhecereis todos e vos estendereis as mãos. Mas Deus dispersará os presunçosos que não tiverem escutado sua voz. Ele cegará os orgulhosos, que se julgam bastante fortes por si mesmos, e os que se afastarem do caminho que lhes é traçado perder-se-ão no deserto.

Espíritas, sede fortes em coragem, perseverança e firmeza, mas humildes de coração, segundo o preceito do Evangelho, e Jesus vos conduzirá através das tormentas e abençoará os vossos trabalhos.

Cada luta enfrentada corajosamente sob o olhar de Deus é uma prece fervorosa, que sobe a ele como o incenso puro e de odor agradável. Se bastasse formular palavras para se dirigir a Deus, os inoperantes apenas teriam que tomar um livro de preces para satisfazer a obrigação de orar. O trabalho, a atividade da alma, é a única boa prece que a purifica e a faz crescer.


FÉNELON

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