Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1865

Allan Kardec

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Abril

Destruição recíproca dos seres vivos

A destruição dos seres vivos uns pelos outros é uma das leis da Natureza que à primeira vista parece conciliar-se menos com a bondade de Deus. Pergunta-se por que teria ele estabelecido como lei a necessidade se destruírem mutuamente para se alimentarem uns à custa dos outros.

Para aquele que apenas vê a matéria, que limita sua visão à vida presente, isto parece, com efeito, uma imperfeição na obra divina, e daí os incrédulos tiram a conclusão que não sendo Deus perfeito, não há Deus. É que eles julgam a perfeição de Deus a partir de seu ponto de vista. Seu próprio julgamento é a medida de sua sabedoria, e eles pensam que Deus não poderia fazer melhor do que eles próprios fariam. Não lhes permitindo sua curta visão julgar o conjunto, não compreendem que um bem real possa derivar de um mal aparente. Só o conhecimento do princípio espiritual, considerado em sua verdadeira essência, e da grande lei de unidade que constitui a harmonia da criação, pode dar ao homem a chave desse mistério, e mostrar-lhe a sabedoria providencial e a harmonia precisamente onde ele não via senão uma anomalia e uma contradição. Dá-se com esta verdade o mesmo que se dá com muitas outras, pois o homem não é apto para sondar certas profundezas senão quando seu Espírito chega a um suficiente grau de maturidade.

A verdadeira vida, tanto do animal quanto do homem, não está mais no envoltório corporal do que na roupa. Ela está no princípio inteligente que preexiste e sobrevive ao corpo. Esse princípio necessita do corpo para se desenvolver pelo trabalho que ele deve realizar sobre a matéria bruta. O corpo se desgasta nesse trabalho, mas o Espírito não; ao contrário, dele sai cada vez mais forte, mais lúcido e mais capaz. Que importa, pois, se o Espírito muda mais vezes ou menos vezes de envoltório? Ele não deixa de ser Espírito por esse motivo. Acontece absolutamente como se um homem renovasse o seu vestuário cem vezes em um ano. Nem por isso ele deixaria de ser o mesmo homem. Pelo espetáculo incessante da destruição, Deus ensina aos homens o pouco caso que devem fazer do envoltório material, e neles suscita a ideia da vida espiritual, fazendo-os desejá-la como uma compensação.

Perguntarão se Deus não poderia chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem submeter os seres vivos a se destruírem mutuamente. Bem esperto aquele que pretendesse penetrar os desígnios de Deus! Se tudo é sabedoria em sua obra, devemos supor que essa sabedoria não esteja mais ausente neste ponto do que nos outros. Se não o compreendemos, devemos culpar o nosso pouco adiantamento. Contudo, podemos tentar encontrar a razão disto tomando por bússola este princípio: Deus deve ser infinitamente justo e sábio. Busquemos, pois, em tudo, sua justiça e sua sabedoria.

Uma primeira utilidade que se apresenta dessa destruição, utilidade sem dúvida puramente física, é esta: Os corpos orgânicos não se mantêm senão à custa de matérias orgânicas, as únicas que contém os elementos nutritivos necessários à sua transformação. Como os corpos, instrumentos de ação do princípio inteligente, precisam ser incessantemente renovados, a Providência faz com que eles sirvam à sua mútua manutenção. É por isso que os seres se nutrem uns dos outros, isto é, que o corpo se nutre do corpo. No entanto, o Espírito não é aniquilado nem alterado. Ele apenas é despojado de seu envoltório.

Além disso há considerações morais de ordem mais elevada.

A luta é necessária ao desenvolvimento do Espírito, porque é na luta que ele exercita suas faculdades. Aquele que ataca para obter seu alimento e aquele que se defende para conservar sua vida fazem exercícios de astúcia e de inteligência e aumentam, consequentemente, suas forças intelectuais. Um dos dois sucumbe. Mas o que foi que, na realidade, o mais forte ou mais apto tirou do mais fraco? Sua vestimenta de carne, e nada mais. O Espírito, que não morreu, mais tarde tomará outra.

Nos seres inferiores da criação, naqueles em que o senso moral não existe, nos quais a inteligência ainda está no estado de instinto, a luta não poderia ter por móvel senão a satisfação de uma necessidade material. Ora, uma das mais imperiosas necessidades materiais é a da alimentação. Assim, eles lutam unicamente para viver, isto é, para apanhar ou defender uma presa, pois não poderiam ser estimulados por um móvel mais elevado. É nesse primeiro período que a alma se elabora e se prepara para a vida. Quando atingiu o grau de maturidade necessário à sua transformação, ela recebe de Deus novas faculdades: o livre-arbítrio e o senso moral, numa palavra, a centelha divina, que dá um novo curso às suas ideias, dotando-a de novas percepções. Mas as novas faculdades morais de que ela é dotada só se desenvolvem gradativamente, pois nada é brusco na Natureza; há um período de transição, no qual o homem mal se distingue do bruto. Nas primeiras idades domina o instinto animal e a luta ainda tem por móvel a satisfação das necessidades materiais. Mais tarde, o instinto animal e o sentimento moral se contrabalançam; então o homem luta, não mais para se alimentar, mas para satisfazer sua ambição, seu orgulho, a necessidade de dominar. Para isto ainda lhe é necessário destruir. Mas, à medida que o senso moral prepondera, desenvolve-se a sensibilidade e diminui a necessidade de destruição, acabando mesmo por se tornar odiosa e apagar-se. O homem adquire horror ao sangue. Contudo, a luta é sempre necessária ao desenvolvimento do Espírito porque, mesmo tendo chegado a esse ponto, que nos parece culminante, ele está longe de ser perfeito; só ao preço de muita atividade ele adquire conhecimentos e experiência, e se despoja dos últimos vestígios da animalidade. A luta, que era sangrenta e brutal, se torna puramente intelectual. O homem, então, luta contra as dificuldades e não mais contra os seus semelhantes.

NOTA: Esta explicação, como se vê, se liga ao grave problema do futuro dos animais. Nós trataremos desse problema proximamente e a fundo, porquanto nos parece que ele está suficientemente elaborado, e cremos que se pode, desde já, considerá-lo como resolvido, em princípio, pela concordância do ensino.


Sermão sobre o progresso

Escrevem-nos de Montauban:

“Nestes dias passou-se em nossa cidade um fato que impressionou de diferentes maneiras a população. Um pregador protestante, o Sr. Rewile, capelão do rei da Holanda, num discurso pronunciado perante duas mil pessoas, afirmou-se claramente partidário das ideias novas. Sentimo-nos feliz ao ouvir, pela primeira vez, estas sublimes verdades proclamadas do alto de um púlpito cristão, e desenvolvidas com um talento e uma eloquência excepcionais. Ele deve ter sido brilhante, pois os fanáticos se apressaram em lhe dar o título de anticristo. Lamento não poder transmitir o sermão inteiro, mas tentarei analisar algumas passagens.

“O orador tinha tomado como tema o texto: ‘Não vim destruir a lei e os profetas, mas dar-lhes cumprimento. Amai-vos de todo o vosso coração, de toda a vossa alma, de todo o vosso entendimento e ao vosso próximo como a vós mesmos.’

“Segundo o Sr. Rewile, a missão do Cristo entre os homens foi uma missão de caridade e de espiritualidade; sua doutrina parecia, pois, estar em oposição à dos judeus, cujo princípio era: ‘Observância estrita da lei’, princípio que engendraria o egoísmo. Entretanto, a expressão dar-lhes cumprimento explica essa contradição aparente, porque significa completar, tornar mais perfeita. Ora, substituir o egoísmo pela caridade e o culto da matéria pelo culto da espiritualidade era dar cumprimento, completar a lei. Em vão o Cristo tentou fazer essa nação romper as cadeias da matéria, elevando o seu pensamento e fazendo-a encarar seu destino a partir de um ponto de vista mais alto. Ela jamais pôde compreender a profundidade de sua moral. Assim, quando ele quis atacar os abusos de toda sorte, as práticas exteriores, e suavizar os rigores da lei mosaica, foi acusado e covardemente condenado. Os judeus esperavam um messias conquistador que, armado de um cetro de ferro, deveria dar-lhes em partilha o poder temporal, e não compreendiam o que havia de grande, de sublime naquele que, com um frágil caniço na mão, vinha trazer à Humanidade, como dádiva de sua força espiritual, a lei do amor e da caridade.

“Mas os desígnios de Deus sempre se realizam, malgrado todas as resistências, e se os judeus, como obreiros de má vontade, recusaram-se a trabalhar na vinha, nem por isso a Humanidade avançou menos e avançará menos, arrastando em sua passagem tudo o que constitui obstáculo para chegar ao progresso. Sob pena de fracasso, a Igreja cristã deve seguir essa marcha ascendente, porque a Humanidade não foi feita para a Igreja, mas a Igreja para a Humanidade. Infeliz de quem resistisse, pois seria pulverizado pela mão do progresso. O passado não foi construído para responder pelo futuro?

“Que os filhos do século dezenove, contrariamente à conduta dos judeus antigos, compreendam e realizem sua obra! Eles já não experimentam esse frêmito involuntário que agita todas as inteligências de escol e que as impele espontaneamente para a conquista das ideias de espiritualidade, garantia única de felicidade para a Humanidade, porque sem espiritualidade só existe matéria e sem liberdade só há escravidão? Por que, então, resistir por mais tempo a esses nobres impulsos da alma e atribuir ao demônio esses novos sinais dos tempos modernos? Por que não ver aí as inspirações dos mensageiros celestes de um Deus de amor e de caridade, anunciando-nos a renovação da Humanidade?

“Que a Igreja cristã volte ao espírito. Com efeito, que é a Igreja sem o espírito, senão um cadáver, um verdadeiro cadáver na acepção da palavra?... Quem tiver ouvidos que ouça! A verdadeira Igreja, nestes dias críticos, tem o direito de contar com seus filhos... Vamos, de pé, e à obra! Que cada um faça o seu dever. Deus assim o quer! Deus o quer!

“Se o Cristo veio para dar cumprimento, isto é, para completar a lei pela prática do amor a Deus e aos homens, é que ele considerava este preceito como resumo da perfeição humana. A lei de amor a Deus e aos homens é, como ensina o próprio Cristo, uma lei maior, à qual estão subordinadas todas as outras. É, pois, necessário praticá-la na sua mais larga acepção, a fim de se aproximar dele e, consequentemente, de Deus, de que ele foi a mais alta expressão na Terra. Para amar a Deus é preciso amar a verdade, o belo e o bem; é necessário sentir-se transportado interiormente para esses atributos da perfeição moral, mas também é preciso amar a seus irmãos, seus semelhantes, em quem Deus se reflete no que há de verdade, de belo e de bem.

“Por que o Cristo amou a Humanidade até dar a vida por ela? Porque sendo também a mais alta expressão da perfeição humana, ele sentiu no mais alto grau os efeitos dessa lei de amor a Deus e aos homens, e teve que praticá-la de maneira sublime... Praticar a caridade, amar, é marchar a passos largos no caminho da verdade, do belo, do bem. É caminhar para Deus! Amar é viver, é avançar para a imortalidade!”

Segundo estou informado, o Sr. Rewile teria abordado com sucesso a questão das manifestações, em duas conferências para os alunos da Faculdade. Teria respondido vitoriosamente a todas as objeções. Lamento não ter podido ouvi-lo nessa circunstância tão interessante.

OBSERVAÇÃO: Bem tinham dito os Espíritos que o Espiritismo iria encontrar defensores nas próprias fileiras adversárias. Um tal discurso na boca de um ministro da religião e pronunciado do alto do púlpito, é um acontecimento sério. Esperemos ver outros, porque o exemplo da coragem de opinião é contagioso. As ideias novas não tardarão mais a encontrar campeões confessos na alta ciência, na literatura e na imprensa. Elas aí já têm mais simpatias do que se crê. Só o primeiro passo é difícil. Até os dias de hoje pode-se dizer que, com exceção dos órgãos especiais do Espiritismo, que não se dirigem à massa do público indiferente, somente os nossos adversários estiveram com a palavra, e Deus sabe se a usaram! Agora trava-se a luta. Que dirão eles quando virem nomes justamente honrados e estimados saírem de suas fileiras para tomar abertamente nas mãos a bandeira da doutrina? Está dito que tudo se cumprirá.


Extraído do Journal de Saint-Jean d’Angély de 5 de março de 1865

SOCIEDADE DE ESTUDOS ESPÍRITA DE SAINT-JEAN D’ANGELY

GOLPE DE VISTA SOBRE O ESPIRITISMO E SUAS CONSEQÜÊNCIAS


Existe uma secreta harmonia contínua entre o mundo visível e o mundo dos Espíritos. Essa harmonia e suas manifestações possíveis, eis, sem contradita, uma das grandes questões de nossa época. Dela nos propomos tratar nas colunas deste jornal.

Dirigimos a todos, sem dúvida, mas mais particularmente àqueles cujas ocupações diárias impedem de se entregarem ao estudo contínuo, nas grandes obras, dos fatos tão comoventes que, assinalados de um a outro extremo do Universo, são proclamados e atestados pelos homens mais instruídos. Demonstrar a possibilidade desses fatos pela revelação de leis naturais até agora desconhecidas; despojá-los do epíteto irônico de pretensos milagres com que pretendem diminuí-lo aos olhos daqueles que nada sabem sobre isto; iniciá-los no conhecimento da doutrina daí decorrente e deduzir dessa doutrina as consequências tão consoladoras que a mesma contém, eis o nosso objetivo.

Falam de milagres. Se um há, incompreensível aos nossos olhos, é o da frieza e da indiferença, reais ou simuladas, de homens inteligentes e probos, em presença das manifestações que surgem em todos os recantos do mundo e que são diariamente publicadas em profusão.

Se a reprodução daquilo que tantos outros viram apenas conduzisse à satisfação de uma curiosidade infantil, ou não tivesse como resultado senão a utilização dos momentos que não podiam ser melhor empregados, oh! então compreenderíamos o desdém e as leviandades de linguagem.

Já não pode ser assim quando pensamos que se trata não apenas do mais importante objetivo de nossa existência, ou seja, a solução, pela prova palpável da imortalidade de nossas almas, da questão por tanto tempo discutida de nossos destinos futuros, mas que se trata também, e sobretudo, do chamamento, pela convicção dessas grandes verdades, daqueles que delas se afastam para o cumprimento de seus deveres para com Deus, para com os seus semelhantes e para consigo mesmos.

Observai bem: Sois membros de um júri. Testemunhas que desconheceis, que jamais vistes, vêm afirmar o fato mais inverossímil: o assassinato de um pai pelo filho, ou de um filho pelo pai. Acreditais e condenais o miserável autor de semelhante crime, e fazeis bem. Mas, sondemos a questão com a mão na consciência. Pensais que se esse infeliz tivesse acreditado num Deus poderoso e justo; se ele há muito tempo tivesse compreendido que seu ato horrível teria infalivelmente sua punição numa outra existência; pensais que ele não teria recuado ante a realização de seu crime? Não, não pensais. Como nós, dizeis: Sim, a crença, mas a crença firme e sem restrições, a crença absoluta num Deus justo, nas penas e recompensas numa outra vida, onde cada um receberá conforme suas obras aqui, eis o freio que deve ser o mais difícil de quebrar; e ainda tendes razão.

Infelizmente, estas crenças, para a quase universalidade das pessoas, são desconhecidas do grande problema da moralidade universal.

Parai um pouco! ─ grita a maioria delas. ─ Deixamos de estar de acordo. Há muito a nossa inteligência e os nossos estudos nos deram a conhecer a solução que indicais. Para nós, vossas pretensas novas provas são inúteis. Nós somos e sempre fomos crentes.

É precisamente esta a linguagem que nos liga a todos os mártires.

Dizeis que sempre acreditastes, pelo menos nos assegurais. Tanto melhor para vós, senhores. Se é preciso confessá-lo, nós não duvidamos. Recebei nossas sinceras felicitações. Ficaríamos realmente felizes se pudéssemos afirmar outro tanto. Francamente concordamos que malgrado o favor de todas as boas condições que puderam contribuir para elevar as nossas ideias, restava-nos muito caminho a percorrer para termos feito tanto quanto vós fizestes. Quantos de nossos irmãos, com mais forte razão, puderam ficar na retaguarda, privados que estavam por suas posições sociais das vantagens do estudo e eventualmente de alguns bons exemplos?

Sim, a fé está morta. Todos os doutores da lei o confessam e gemem por isto. Jamais, a despeito de seus esforços, jamais a incredulidade foi mais profunda, mais geral. Segui um pouco esta longa fila de homens que acabam de conduzir, como eles dizem, um dos seus à última morada, e ouvireis noventa e cinco por cento deles repetirem: Mais um no fim das penas. Tristes palavras, triste e ao mesmo tempo grande prova da insuficiência dos meios empregados em nossos dias para a propagação da única e verdadeira felicidade de que os homens poderiam desfrutar em nossa Terra, para a propagação da fé.

Deus seja louvado! Um novo farol brilha para todos. Abaixo o privilégio! Lugar para os homens de boa vontade! Sem esforços da inteligência, sem estudos difíceis e custosos, o mais humilde, o menos instruído, como todos os seus irmãos, pode contemplar, se quiser, a luz divina. Só não a verão aqueles que não quiserem ver.

Se assim é, repetimos, os homens mais honestos, os mais instruídos, cujos nomes citaremos por falanges, dão o testemunho mais autêntico. Se assim é, dizemos nós, por que aventurar-se a pôr a luz debaixo do velador? Por que, pelo simples fato de não sentirmos necessidade deles para nós, rejeitar sem exame fenômenos cujo conhecimento e apreciação podem, senão sempre, pelos menos muitas vezes, deter a criatura sobre desfiladeiros fatais para os quais impelem a dúvida e a incredulidade; podem, em todo caso, e por tão pouco, reerguer pela esperança a coragem prestes a sucumbir ao peso do infortúnio?

Eis os benefícios que, pelo exemplo, tão facilmente podemos espalhar em redor de nós, mas que a indiferença, tanto quanto a oposição, podem retardar o seu progresso e a sua difusão.

(Continua)

A. CHAIGNEAU D. ─ M. ─ P.

OBSERVAÇÃO: Nossa previsão emitida no artigo precedente a propósito do sermão de Montauban começa a realizar-se. Eis aqui um jornal que não é órgão do Espiritismo e que hoje acolhe, o que certamente não teria feito há um ano, não o relato dos fatos, mas artigos de fundo, desenvolvendo os princípios da doutrina. E de quem são esses artigos? De um desconhecido? De um ignorante? Não. Eles são de um médico que desfruta na região de uma reputação de saber justamente merecida e de uma consideração devida às suas eminentes qualidades. Mais um exemplo que terá imitadores.

Conhecemos mais de um jornal que não teria repugnância de falar favoravelmente do Espiritismo; que falaria mesmo de boa vontade, se não fosse o medo de desagradar certos leitores e comprometer seus próprios interesses. Esse medo poderia ter fundamento há algum tempo, mas hoje já não tem. Há alguns anos a opinião mudou muito a respeito do Espiritismo. Já não é uma coisa desconhecida. Dele se fala em toda parte, e já não riem tanto. De tal modo a ideia está vulgarizada, que se há alguma coisa que cause espanto é ver a imprensa indiferente a uma questão que preocupa as massas e que conta os seus partidários por milhões em todos os países do mundo e nas mais esclarecidas camadas da sociedade; é, sobretudo, por ver homens de inteligência criticá-la sem dela saber a primeira palavra. É, então, uma questão fútil essa que levanta a cólera de todo um partido? Esse partido comover-se-ia se nela visse apenas um mito sem consequências? Ele riria dela, mas considerando-se que se zanga, que troveja, que acende os seus autosde-fé, com a esperança de matar a ideia, é que existe algo de sério. Ah! Se todos os que se dizem representantes do progresso se dessem ao trabalho de aprofundar a questão, é provável que não a tratassem com tanto desdém.

Seja como for, nosso objetivo aqui não é fazer a sua apologia. Apenas queremos registrar, como um fato constatado, que a ideia espírita tomou posição entre as doutrinas filosóficas; que ela constitui uma opinião cujos representantes se multiplicam de tal modo que seus adversários são os primeiros a proclamá-la. A consequência natural disto é que os jornais que forem francamente simpáticos a esta causa terão as simpatias de seus aderentes, e estes são bastante numerosos para compensar amplamente algumas defecções que eles pudessem experimentar, se é que as experimentariam.

Do ponto de vista da ideia espírita, o público se divide em três categorias: os partidários, os indiferentes e os antagonistas. É evidente que as duas primeiras constituem a imensa maioria. Os partidários a procurarão por simpatia; os indiferentes ficarão satisfeitos por encontrar numa discussão imparcial os meios de esclarecer aquilo que ignoram. Quanto aos antagonistas, em maioria, contentar-se-ão em não ler os artigos que lhes não convêm, mas, por este motivo, não renunciarão a um jornal que lhes agrade sob outros aspectos: suas tendências políticas, sua redação, seus folhetins, ou a variedade de notícias diversas. Aliás, os adversários natos do Espiritismo têm seus jornais especiais. Ema suma, é certo que, no estado atual da opinião, com isto mais ganhariam do que perderiam.

Sem dúvida dirão, e com razão, que a convicção não se impõe, e que um jornal, assim como um indivíduo, não pode abraçar ideias que não sejam as suas. Isto é muito justo, mas não impede a imparcialidade. Ora, até hoje, com pequeníssimo número de exceções, os jornais abriram suas colunas à crítica, tão largamente quanto possível, assim como aos ataques, à própria difamação contra uma numerosa classe de cidadãos, lançando sem escrúpulo o ridículo e o desprezo sobre as pessoas, ao passo que as fecharam impiedosamente à defesa. Quantas vezes a lei não deu à réplica direitos que foram ignorados! Seria necessário, então, recorrer a medidas de rigor, intentar processos? Estes teriam sido aos milhares, de dez anos para cá. Perguntamos se há nisso imparcialidade, justiça, da parte das folhas que incessantemente proclamam a liberdade de pensamento, a igualdade de direitos e a fraternidade. Compreende-se a refutação de uma doutrina que se não compartilha; a discussão raciocinada e de boa-fé dos seus princípios, mas o que não é justo nem leal, é desnaturá-la e fazê-la dizer o contrário do que ela diz, visando desacreditá-la. Ora, é isto o que fazem diariamente os adversários do Espiritismo. Admitir a defesa depois do ataque, a retificação das inexatidões, não seria esposar os princípios. Seria apenas imparcialidade e lealdade. Um jornal poderia mesmo ir mais longe. Sem renunciar às suas convicções e com toda reserva de suas opiniões pessoais, ele poderia admitir a discussão do pró e do contra. Assim, poria seus leitores em condições de julgar uma questão que vale bem a pena, pela repercussão que ela adquire dia a dia.

Devemos, pois, elogios à imparcialidade do jornal que acolhe os artigos do Sr. Chaigneau. Devemo-los, também, ao autor que, como um dos primeiros, entra na arena da publicidade oficial, para aí sustentar a nossa causa, com a autoridade de um homem de Ciência. O artigo referido acima é apenas a introdução ao seu trabalho. O número de 12 de março contém a entrada da matéria. É uma exposição sabiamente embasada do histórico do Espiritismo moderno. Lamentamos que sua extensão não nos permita reproduzi-la.




Correspondência de além-túmulo

Estudo mediúnico

Para a compreensão do fato principal de que se trata, extraímos a passagem seguinte da carta de um assinante. Além disto, é uma simples e tocante expressão das consolações que os aflitos encontram no Espiritismo:

“Permiti que vos diga quanto alívio me deu o Espiritismo, dando-me a certeza de rever num mundo melhor um ser que eu havia amado com um amor sem limites, um irmão querido, falecido na flor da idade. Como é consolador este pensamento que aquele cuja morte choramos, muitas vezes está perto de nós, sustentando-nos quando estamos acabrunhados ao peso da dor, alegrando-se quando a fé no futuro nos deixa entrever um encontro certo! Iniciado há alguns anos nos admiráveis preceitos do Espiritismo, eu tinha aceitado todas as suas verdades e tinha me esforçado por viver aqui de maneira a apressar o meu adiantamento. Minhas boas resoluções tinham sido tomadas muito sinceramente, entretanto, confesso que, não possuindo os elementos necessários para fortalecer e entreter minha crença na comunicação dos Espíritos, pouco a pouco me havia habituado, não a rejeitá-la, mas a encará-la com mais indiferença. É que a desgraça até então me era desconhecida. Hoje, que a Deus aprouve enviar-me uma prova dolorosa, colhi no Espiritismo preciosas consolações, e experimento a necessidade de vo-lo agradecer muito particularmente, como o primeiro propagador desta santa doutrina.

“Não sendo a doutrina do Espiritismo simples hipótese, mas apoiando-se em fatos patentes e ao alcance de todos, as consolações que proporciona não só consistem na certeza de rever pessoas amadas, mas também, e sobretudo, na possibilidade de corresponder-se com elas e delas obter salutares ensinamentos.”

Nesta convicção, o irmão vivo escreveu esta carta ao irmão morto, solicitando a resposta através de um médium.

N..., 14 de março de 1865.

Meu irmão muito amado,

É-me impossível dizer-te quanto fiquei feliz ao ler a carta que me endereçaste através do médium de C... Eu a transmiti aos nossos pobres pais, que afligiste muito, deixando-os de maneira tão inesperada. Eles me pedem que te escreva de novo, que te peça novos detalhes sobre tua existência atual, a fim de poderem crer, por novas provas que darás facilmente, na realidade do ensino dos Espíritos. Mas, antes de tudo, vem para junto deles muitas vezes; inspira-lhes a resignação e a fé no futuro; consola-os, pois necessitam, feridos que estão por um golpe tão imprevisto. Quanto a mim, ó meu irmão bem amado, ficarei sempre feliz quando te for permitido dar notícias tuas. Hoje venho pedir-te novamente detalhes sobre a tua moléstia, tua morte e teu despertar no mundo dos Espíritos.

─ Quais os Espíritos que vieram receber-te à entrada do mundo invisível? ─ Reviste o nosso avô? Ele é feliz? ─ Reviste e reconheceste nossos parentes falecidos antes de ti, mesmo os que não conheceste na Terra? ─ Assististe ao teu enterro? Que impressão sentiste? Peço-te detalhes sobre essa triste cerimônia, que não permitam aos nossos pais duvidar de tua identidade. ─ Poderias dizer-me se algum membro de nossa família poderá tornar-se médium? Não desejarias comunicar-te através de um de nós?

Não posso compreender que não queiras continuar teus estudos de música, que cultivavas com tanto ardor na Terra. Seria um suave consolo para nós se quisesses terminar, através de um médium, os salmos que começaste a musicar em Paris.

Pudeste constatar o vazio imenso causado por tua morte no coração de todos nós. Peço-te que inspires a teus pais a coragem necessária para não sucumbirem nesta prova terrível. Sê muitas vezes com eles e dá-lhes tuas notícias.

Quanto a mim, Deus sabe quanto chorei. Malgrado minha crença no Espiritismo, há momentos em que não posso habituar-me à ideia de não mais te rever nesta Terra, e em que daria a vida para poder apertar-te ao coração.

Adeus, meu nobre amigo. Pensa algumas vezes naquele cujos pensamentos estão constantemente dirigidos para ti, e que fará o possível para ser julgado digno de um dia estar unido a ti.

Abraço-te e te aperto ao coração.

Teu irmão muito devotado, B...


NOTA: Numa comunicação anterior, dada aos pais, através de outro médium, tinha sido dito que o jovem não queria continuar com os estudos de música no mundo dos Espíritos.


Resposta do irmão morto ao irmão vivo

Eis-me aqui, meu bom irmão, mas tu exiges demais. Com a melhor boa vontade, não posso responder, numa única evocação, às numerosas perguntas que me diriges. Não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos transmitirem o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos Espíritos, e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade que leva a maioria dos interessados à negação mais formal das manifestações, o que é muito pouco lisonjeiro e entristece profundamente aqueles que, na falta de instrumentos adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade?

Crê-me, bom irmão, evoca-me em família, e tu mesmo, com um pouco de boa vontade e alguns ensaios perseverantes, poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre junto a ti, porque sei que és espírita e espero em ti. É certo que simpatia atrai simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que se vê por primeira vez. Contudo, vou tentar satisfazer-te.

Minha morte, que vos aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Vosso amor, vossa solicitude, vossa ternura, tinham tornado suave meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos momentos de inspiração musical, eu voltava meu olhar para as regiões luminosas onde tudo é harmonia, e me esquecia a escutar os acordes longínquos da melodia celeste que me inundava com suas doces vibrações. Quantas vezes fiquei absorvido nesses devaneios extáticos aos quais devia o sucesso de meus estudos de música, que continuo aqui! Seria um erro estranho crer que a aptidão individual se perde no mundo espírita. Ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são chamados a viver.

Não choreis mais, vós todos, bem-amados parentes! Para que servem as lágrimas? Para enervar. Para desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas murchas. Mas o carvalho morre, por sua vez, e tem a sorte da rosa que ele chorou e cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.

Ainda algum tempo, e vireis a mim. Então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em suas obras, porque juntos seremos felizes, se vos resignardes à provação que vos atinge.

Aquele que foi teu irmão na Terra e te ama sempre,

B...

Vários ensinamentos importantes ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade experimentada pelo Espírito para se exprimir com o auxílio do instrumento que lhe era dado. Conhecemos pessoalmente esse médium, que há muito tempo deu provas de força e de flexibilidade da faculdade, sobretudo no caso de evocações particulares; é o que se pode chamar um médium seguro e bem assistido. De onde vem, então, esse impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade fluídica existente entre o Espírito e o médium. Cada médium está, assim, mais ou menos apto para receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual Espírito. Ele pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, sem que isto permita pressupor qualquer coisa contra suas qualidades, pois a condição é mais orgânica que moral. Assim, os Espíritos buscam, de preferência, os instrumentos com os quais vibram em uníssono. Impor-lhes o primeiro que surge e crer que dele possam servir-se indiferentemente, seria como se se impusesse a um pianista tocar violino, sob a alegação de que se ele conhece música, deve saber tocar todos os instrumentos.

Sem esta harmonia, a única que pode levar à assimilação fluídica, tão necessária na tiptologia quanto na escrita, as comunicações ou são incompletas, ou impossíveis, ou falsas. Em falta do Espírito, que não podemos ver, se ele não pode manifestar-se livremente, não faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se preocupam com a verdade do que dizem. Essa similitude fluídica por vezes é totalmente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns; outras vezes, e é o caso mais ordinário, ela só se estabelece gradualmente e com o tempo, o que explica por que de hábito os Espíritos que se manifestam por um médium, o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase sempre atestam uma certa dificuldade e são menos explícitas.

Assim, está demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência que não há mais médiuns universais para as evocações senão pela aptidão aos diversos gêneros de manifestações. Aquele que pretendesse receber à vontade e em hora marcada as comunicações de todos os Espíritos e, consequentemente, poder satisfazer os legítimos desejos de todos os que querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de uma ignorância radical dos mais elementares princípios da ciência, ou de charlatanismo e, em todos os casos, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de um bom médium. Pudemos acreditar nisso durante algum tempo, mas hoje os progressos da ciência teórica e prática demonstram que isso, em princípio, é impossível. Quando um Espírito se comunica pela primeira vez por um médium sem qualquer dificuldade, isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito e seu intérprete.

É, pois, um erro impor um médium ao Espírito que se quer evocar. É preciso deixar-lhe a liberdade de escolha de seu instrumento. Mas, perguntarão, como fazer quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Para começar, contentar-se com o que se tem e privar-se do que se não tem. Não está na alçada da ciência espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como à química mudar as da combinação dos elementos.

Entretanto, há aqui um meio de atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o médium deve sempre previamente evocar seu guia espiritual e perguntar se ela é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se ele encontra no médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium ou que aceite a sua assistência. Neste caso o pensamento do Espírito só chega de segunda mão, isto é, depois de haver atravessado dois meios. Compreende-se, então, o quanto é importante que o médium seja bem assistido, porque se o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada. Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel importante, pela natureza dos Espíritos que ele atrai para si. Os mais indignos médiuns podem ter poderosas faculdades, mas os mais seguros são os que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, essas simpatias não são absolutamente garantidas pelos nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos que assinam as comunicações, mas pela natureza constantemente boa das comunicações que eles recebem.

Esses princípios são fundados simultaneamente na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que apresentam provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.

Outro fato ressalta igualmente da comunicação acima. É a confirmação do princípio segundo o qual os Espíritos inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que tinham empreendido na vida corpórea.

É assim que nas comunicações que publicamos damos preferência àquelas de onde pode sair um ensinamento útil.

Quanto à carta do irmão vivo ao irmão morto, é uma ingenuidade e uma tocante expressão da fé sincera na sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros, e da possibilidade de continuar com essas relações de afeição que a eles nos uniam.

Sem dúvida os incrédulos rirão daquilo que aos seus olhos é uma credulidade pueril. Por mais que façam, o nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque quebra o coração e as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; espanta e desespera, em vez de fortalecer e consolar.

Suas diatribes contra o Espiritismo têm por pivô essa doutrina apavorante do nada, então não é de admirar a sua impotência para desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não podia ser duvidosa.

Depois da espantosa catástrofe da igreja de Santiago do Chile em 1864, encontraram na igreja uma caixa de cartas, na qual os fiéis depositavam aquelas que dirigiam à Santa Virgem. Seria possível estabelecer uma paridade entre a carta acima e estas últimas, que desencadearam a verve dos trocistas? Por certo que não. Contudo, o erro não era daqueles que acreditavam na possibilidade de corresponderse com o outro mundo, mas daqueles que exploravam essa crença, dando respostas compatíveis com o pagamento prévio anexado à carta de solicitação. Há poucas superstições que não têm seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância. Acusado de ressuscitá-las, o Espiritismo, ao contrário, vem reduzi-las ao seu justo valor.



Poder curativo do magnetismo espiritual

Espírito do Doutor Demeure

Em nosso artigo do mês passado sobre o Dr. Demeure, prestamos uma justa homenagem às suas eminentes qualidades como homem e como Espírito. O fato seguinte é uma nova prova de sua benevolência, ao mesmo tempo que constata o poder curativo da magnetização espiritual.

Escrevem-nos de Montauban:

O Espírito do bom pai Demeure, vindo engrossar o número de nossos amigos invisíveis que cuidam de nossa moral e do nosso físico, quis manifestar-se desde os primeiros dias por um benefício. A notícia de sua morte ainda não era conhecida dos nossos irmãos de Montauban, quando ele empreendeu espontânea e diretamente a cura de um deles por meio do magnetismo espiritual, apenas pela ação fluídica. Vedes que ele não perdia tempo e continuava como Espírito, assim como dizeis, sua obra de alívio da Humanidade sofredora. Entretanto, há aqui uma importante distinção a fazer. Certos Espíritos continuam vinculados às suas ocupações terrenas, sem consciência de seu estado, julgando-se ainda vivos. Isso é próprio dos Espíritos pouco adiantados, ao passo que o Sr. Demeure se reconheceu imediatamente e age voluntariamente como Espírito, com a consciência de ter maior força nesse estado.

Tínhamos ocultado a morte do Sr. Demeure à Sra. G..., médium vidente e sonâmbula muito lúcida, para poupar sua extrema sensibilidade, e o bom doutor, sem dúvida percebendo nosso ponto de vista, tinha evitado manifestar-se a ela. A 10 de fevereiro último, estávamos reunidos a convite de nossos guias que, diziam eles, queriam aliviar a Sra. G... de um entorse de que ela sofria cruelmente desde a véspera. Não sabíamos mais que isto, e estávamos longe de esperar a surpresa que nos preparavam. Imediatamente depois de ter entrado em estado sonambúlico, a dama soltou gritos lancinantes, mostrando o seu pé. Eis o que se passava:

A Sra. G... via um Espírito curvado sobre sua perna, mas as suas feições ficavam ocultas. Ele operava fricções e massagens, fazendo de vez em quando uma tração longitudinal sobre a parte doente, absolutamente como teria feito um médico. A operação era tão dolorosa que a paciente por vezes vociferava e fazia movimentos desordenados. Mas a crise não teve longa duração. Ao cabo de dez minutos todos os traços de entorse haviam desaparecido. Não havia mais inflamação, e o pé tinha retomado sua aparência normal. A Sra. G... estava curada.

Quando se pensa que para curar completamente uma afecção desse gênero, os mais bem dotados magnetizadores e os mais exercitados, sem falar da medicina oficial que ainda não chegou a uma conclusão sobre tais casos, precisam de um tratamento cuja duração nunca é de menos de trinta e seis horas, para isso consagrando três sessões espirituais diárias de uma hora, esta cura em dez minutos, pelo fluido espiritual, pode bem ser considerada como instantânea, com tanto mais razão, como diz o próprio Espírito numa comunicação que se encontra a seguir, que era de sua parte uma primeira experiência, feita visando uma aplicação posterior, em caso de êxito.

Entretanto, o Espírito continuava desconhecido da médium e persistia em não mostrar suas feições. Ele dava mesmo a impressão de querer fugir, quando, de um pulo, nossa doente, que minutos antes não podia dar um passo, se lança no meio da sala para apertar a mão do seu médico espiritual. Ainda essa vez, o Espírito havia desviado a face, deixando apenas sua mão na dela. Nesse momento a Sra. G... solta um grito e cai no chão extenuada. Ela acabara de reconhecer o Sr. Demeure no Espírito curador. Durante a síncope, ela recebeu os cuidados dedicados de vários Espíritos simpáticos. Enfim, readquirida a lucidez sonambúlica, ela conversou com os Espíritos, trocando fortes apertos de mão, principalmente com o Espírito do doutor, que respondia a seus testemunhos de afeição, penetrando-a de um fluido reparador.

Não é uma cena empolgante e dramática, na qual parecia serem vistas todas as personagens representando seu papel na vida humana? Não é uma prova entre mil que os Espíritos são seres perfeitamente reais, tendo um corpo e agindo como faziam na Terra? Estávamos felizes por encontrar o nosso amigo espiritualizado, com seu excelente coração e sua delicada solicitude. Em vida ele tinha sido médico da médium; conhecia sua extrema sensibilidade e a tinha conduzido como se fosse sua filha. Esta prova de identidade dada àqueles a quem o Espírito amava não é tocante e apta a fazer encarar a vida futura sob seu aspecto mais consolador? Eis a comunicação recebida do Sr. Demeure, no dia seguinte a esta sessão:

“Meus bons amigos, estou ao vosso lado e vos amo sempre como no passado. Que felicidade poder comunicar-me com os que me são caros! Como fiquei feliz, ontem à noite, por me tornar útil e aliviar nossa cara médium vidente! É uma experiência que me servirá e que porei em prática no futuro, sempre que se apresentar uma ocasião favorável. Hoje seu filho está muito doente, mas espero que logo o curemos. Tudo isto lhe dará coragem para perseverar no estudo do desenvolvimento de sua faculdade. (O filho da Sra. G... realmente foi curado de uma angina inflamatória, com medicação homeopática ordenada pelo Espírito).

“Daqui a algum tempo poderemos fornecer-vos ocasião de testemunhardes fenômenos que ainda não conheceis, e que serão de grande utilidade para a ciência espírita. Ficarei feliz em poder contribuir pessoalmente nessas manifestações, que teria tido muito prazer em ver quando vivo, mas, graças a Deus, hoje as assisto de maneira muito particular e que me prova evidentemente a verdade do que se passa entre vós. Crede, meus bons amigos, que sinto sempre um verdadeiro prazer em me tornar útil aos meus semelhantes, e em ajudá-los a propagar estas belas verdades que devem mudar o mundo, trazendo-o a melhores sentimentos.

“Adeus, meus amigos. Até à vista.

“ANTOINE DEMEURE”


Não é curioso ver um Espírito, já sábio na Terra, como Espírito fazer estudos e experiências para adquirir mais habilidade no alívio de seus semelhantes? Há nesta confissão uma louvável modéstia que confere o verdadeiro mérito, ao passo que os Espíritos pseudossábios geralmente são presunçosos.

O último número da Revista cita uma comunicação do Sr. Demeure, como dada em Montauban a 1º de fevereiro. Foi a 26 de janeiro que ele a ditou. Essa data tem, na minha opinião, uma certa importância, porque foi o dia seguinte ao da sua morte. No segundo parágrafo diz ele:... “Gozo de uma lucidez rara nos Espíritos há tão pouco tempo desprendidos da matéria.” Com efeito, essa lucidez prova um rápido desprendimento que é próprio dos Espíritos moralmente muito adiantados.


OBSERVAÇÃO: A cura relatada acima é um exemplo da ação do magnetismo espiritual puro, sem qualquer mistura do magnetismo humano. Por vezes os Espíritos se servem de médiuns especiais, como condutores de seu fluido. São os médiuns curadores propriamente ditos, cuja faculdade apresenta graus muito diversos de energia, conforme sua aptidão pessoal e a natureza dos Espíritos pelos quais são assistidos. Conhecemos em Paris uma pessoa há oito meses atingida de exostoses na anca e no joelho, que lhe causam grandes sofrimentos e a prendem ao leito. Um de seus jovens amigos, dotado dessa preciosa faculdade, lhe deu cuidados pela simples imposição das mãos, durante alguns minutos, sobre a cabeça, e pela prece, que o doente acompanhava com fervor edificante. Este último experimentava, no momento, uma crise muito dolorosa, análoga à sentida pela Sra. G..., logo seguida de uma calma perfeita. Então sentia a impressão enérgica de várias mãos, que massageavam e estiravam a perna, que se via alongar-se de 10 a 12 centímetros. Nele já há uma melhora muito sensível, porque começa a andar, mas a antiguidade e a gravidade do mal necessariamente tornam a cura mais difícil e mais demorada que uma simples entorse.

Faremos observar que a mediunidade curadora ainda não é apresentada, ao que saibamos, com caracteres de generalidade e de universalidade, mas, ao contrário, restrita como aplicação, isto é, que o médium tem uma ação mais poderosa sobre certos indivíduos do que sobre outros, e não cura todas as doenças. Compreende-se que assim deva ser, quando se conhece o papel capital que representam as afinidades fluídicas em todos os fenômenos da mediunidade. Algumas pessoas só gozam dela acidentalmente e para um determinado caso. Seria, pois, um erro crer que, pelo fato de termos obtido uma cura, mesmo difícil, podem ser obtidas todas, pela razão que o fluido próprio de certos doentes é refratário ao fluido do médium. A cura é tanto mais fácil quanto mais naturalmente se opera a assimilação dos fluidos. Assim, é surpreendente que algumas pessoas frágeis e delicadas exerçam uma ação poderosa sobre indivíduos fortes e robustos. É que nesse caso, essas pessoas são bons condutores do fluido espiritual, ao passo que homens vigorosos podem ser maus condutores. Eles têm somente seu fluido pessoal, fluido humano que jamais tem a pureza e o poder reparador do fluido depurado dos bons Espíritos.

De acordo com isto, compreendem-se as causas maiores que se opõem a que a mediunidade curadora se torne uma profissão. Para dela fazer ocupação, seria preciso ser dotado de uma faculdade universal. Ora, só Espíritos encarnados da mais elevada ordem poderiam possuí-la nesse grau. Ter essa presunção, mesmo exercendo-a com desinteresse e por pura filantropia, seria uma prova de orgulho que por si só seria um sinal de inferioridade moral.

A verdadeira superioridade é modesta. Ela faz o bem sem ostentação e apaga-se em vez de procurar o brilho. Aquele que tem renome vai buscá-la e a descobre, ao passo que o presunçoso corre à busca do renome que muitas vezes lhe escapa. Jesus dizia àqueles que ele havia curado: “Ide, dai graças a Deus e não o digais a ninguém.” É uma grande lição para os médiuns curadores.

Lembraremos aqui que a mediunidade curadora está exclusivamente na ação fluídica mais ou menos instantânea; que ela não deve ser confundida com o magnetismo humano, nem com a faculdade que têm certos médiuns de receber dos Espíritos a indicação de remédios. Estes últimos são apenas médiuns receitistas, como outros são médiuns poetas ou desenhistas.

Palestras familiares de além-túmulo

PIERRE LEGAY, DITO GRANDE PIERROT

(Continuação ─ Ver a Revista de novembro de 1864)



Pierre Legay, parente da Sra. Delanne, ofereceu-nos o singular espetáculo de um Espírito que, dois anos depois de sua morte, ainda se julgava vivo, cuidava de negócios, viajava de carro, pagava sua passagem em estradas de ferro, visitava Paris pela primeira vez, etc. Damos hoje a conclusão desse estado, que seria difícil de compreender se não nos reportássemos aos detalhes dados na Revista de novembro de 1864.

Inutilmente o Sr. e a Sra. Delanne tinham tentado arrancar seu parente de seu erro. Seu guia espiritual lhes tinha dito que esperassem, pois não era chegado o momento.

Nos primeiros dias de março último, eles dirigiram esta pergunta a seu guia:

P. ─ Depois da última visita de Pierre Legay, mencionada na Revista Espírita, nenhuma resposta dele pudemos obter. A respeito disso nos dissestes que quando chegasse o momento, ele próprio nos daria suas impressões. Pensais que ele possa fazê-lo agora?

R. ─ Sim, meu filhos. A hora é chegada. Ele vos poderá responder e vos fornecerá vários assuntos de estudo e de ensinamentos. Deus tem seus pontos de vista.

P. ─ (A Pierre Legay). Caro amigo, estais aqui?

R. ─ Sim, meu amigo.

P. ─ Vedes o meu objetivo vos evocando hoje?

R. ─ Sim, pois tenho junto a mim amigos que me instruíram sobre tudo quanto se passa de admirável neste momento na Terra. Meu Deus! Que coisa estranha é tudo isto!

P. ─ Dizeis que tendes amigos que vos cercam e vos instruem. Podeis dizer quem são eles?

R. ─ Sim, são amigos, mas não os conheci senão depois que despertei. Sabeis que eu dormi? Chamo dormir o que chamais morrer.

P. ─ Podeis dizer o nome de alguns desses amigos?

R. ─ Tenho constantemente ao meu lado um homem, que na verdade eu deveria chamar de anjo, porque é tão suave, tão bom, tão belo que julgo que os anjos devam ser todos como esse aí. Depois está Didelot (o pai da Sra. Delanne), que também está aqui; depois os vossos pais, meu amigo. Oh! Como eles são bons! Ah! é engraçado como a gente se encontra; está também nossa irmã superiora. Por exemplo, ela é sempre a mesma; ela não mudou nada. Mas como tudo isto é curioso!

NOTA: A irmã que o Espírito designa morava na comuna de Treveray, e havia dado as primeiras instruções à Sra. Delanne. Ela só se manifestou uma vez, há três anos.

─ Vede! Também vós, jardineiro! (Nome familiar dado a um tio da Sra. Delanne, que jamais se havia manifestado). Mas como eu sou bobo! É em casa de vossa sobrinha que nós estamos. Então! Estou contente de vos ver. Isto me deixa à vontade, porque, palavra de honra, sou transportado não sei como desde algum tempo; vou mais rápido que o trem e percorro o espaço sem me dar conta como. Sois como eu, Didelot? Ele parece achar tudo isto natural. Parece que já está habituado. Aliás, ele o faz há mais tempo que eu (Ele havia morrido há seis anos), e compreendo que esteja menos admirado. Mas como é engraçado! Ah! É muito engraçado! Dizei-me, vós sabeis, meu primo, convosco estou à vontade. Ora, francamente, dizei-me, então, que é o que se chama morrer?

O SENHOR DELANNE: ─ Meu amigo, chama-se morrer, deixar à terra o corpo grosseiro, para dar à alma o desprendimento de que ela necessita para entrar na vida real, a grande vida do Espírito. Sim, estais nisso, meu caro, nesse mundo ainda desconhecido por muitos homens da Terra. Ei-vos saído da letargia ou entorpecimento que se segue à separação da alma e do corpo. Vedes vosso anjo da guarda, amigos que vos rodeiam. Foram eles que vos trouxeram entre nós, para vos provar a imortalidade e a individualidade de vossa alma. Ficai orgulhoso e feliz porque, como vedes agora, a morte é a vida. Eis, também, por que atravessais o espaço com a rapidez do raio e podeis conversar conosco em Paris, como se tivésseis um corpo material como o nosso. Esse corpo, já não o tendes. Agora tendes apenas um envoltório fluídico e leve, que não mais vos prende à Terra.

P. LEGAY: Singular expressão: morrer! Mas, então, dai um outro nome ao momento em que a alma deixa seu corpo à terra, porque tal instante não é o da morte... Eu me lembro... Eu estava apenas desembaraçado dos laços que me prendiam ao corpo, e meus sofrimentos, em vez de diminuírem, não fizeram senão aumentar. Eu via meus filhos disputando para ter cada um deles a parte que lhe tocava. Eu os via sem cuidarem das terras que eu lhes deixava, e então eu me havia posto a trabalhar ainda com mais força do que nunca. Estava lá, lamentando por verificar que não me compreendiam. Então eu não estava morto. Asseguro-vos que experimentava os mesmos receios e as mesmas fadigas que com o meu corpo, e contudo, não o tinha mais. Explicai-me isto. Se é assim que se morre é uma engraçada maneira de morrer. Dizei-me vossa ideia sobre isto e depois vos direi a minha, porque agora estes bons amigos têm a bondade de me dizer. Vamos, meu primo, dizei-me a vossa ideia.

O SR. DELANNE: Meu amigo, quando os Espíritos deixam seus corpos, eles são envolvidos num segundo corpo, como vos disse; esse é fluídico; não o deixam jamais. Então, é com esse corpo que pensáveis trabalhar, como em vida com o outro. Podeis depurar esse corpo semimaterial pelo vosso progresso moral. E se a palavra morte não vos convém para precisar esse momento, chamai-o transformação, se quiserdes. Se tivestes que sofrer coisas que vos foram penosas, é que vós mesmo, em vida, talvez vos tenhais apegado demais às coisas materiais, negligenciando as coisas espirituais que interessavam ao vosso futuro. (Ele estava muito interessado). É um pequeno castigo que Deus vos impôs para resgatar vossas faltas, dando-vos os meios de vos instruir e abrir os olhos à luz.

P. LEGAY: Então, meu caro, não é a este momento que se deve dar o nome de transformação, porque o Espírito não se transforma tão depressa se não for imediatamente ajudado a se reconhecer pela prece, e se não o esclarecem sobre sua verdadeira posição, quer, como acabo de dizer, orando por ele, quer o evocando. Eis por que há tantos Espíritos, como o meu, que ficam estacionários. Para os Espíritos da categoria do meu, há transição, mas não transformação; ele não consegue se dar conta do que lhe acontece. Eu arrastei, ou antes, julguei arrastar o meu corpo com o mesmo esforço e os mesmos males que sobre a Terra. Quando fui destacado de meu corpo, sabeis o que experimentei? Ora! O que se experimenta depois de uma queda que atordoa por um momento, ou melhor, depois de um desmaio, do qual fazem a gente voltar com vinagre. Despertei sem me aperceber que o corpo me havia deixado. Vim aqui a Paris, onde estou, pensando mesmo aqui estar em carne e osso e vós não poderíeis ter-me convencido do contrário se desde então eu não estivesse morto.

Sim, morre-se, mas não é no momento em que se deixa o corpo; é no momento em que o Espírito, percebendo sua verdadeira situação, é tomado de uma vertigem, não consegue mais compreender o que lhe dizem, não vê mais as coisas que lhe explicam da mesma maneira; então se perturba. Vendo que não é mais compreendido, ele procura, e como o cego que é ferido subitamente, pede um guia que não vem imediatamente, não mesmo. É preciso que fique algum tempo nas trevas, onde para ele tudo é confuso. Ele está perturbado, e é preciso que o desejo o impulsione com ardor a pedir a luz, que lhe não é concedida senão depois de terminada a agonia e chegada a hora da libertação. Então, meu primo, é quando o Espírito se acha nesse momento que é o momento da morte, porque não mais sabemos reconhecer-nos. É preciso, repito, que sejamos ajudados pela prece para sair desse estado, e é também quando é chegada a hora da libertação que se deve empregar a palavra transformação para os Espíritos de minha ordem.

Oh! Obrigado por vossas boas preces, obrigado, meu amigo. Sabeis quanto vos amava, e vos amarei muito mais de agora em diante. Continuai fazendo vossas boas preces por mim, para o meu adiantamento. Obrigado ao homem que soube pôr à luz essas grandes verdades santas, das quais tantos outros antes dele haviam desdenhado ocupar-se. Sim, obrigado por terdes associado meu nome ao de tantos outros. Oraram por mim lendo algumas linhas que eu vos tinha vindo dar. Assim, obrigado, também, a todos quantos oraram por mim, e hoje, graças à prece, cheguei a compreender o seu alcance. Por minha vez, procurarei ser útil a vós todos.

Eis o que tinha a vos dizer e ficai tranquilos. Hoje não tenho mais dinheiro a lamentar, mas, ao contrário, tenho todo o meu tempo a vos dar.

Não deve tal mudança vos admirar muito? Pois bem, doravante, como agora, assim será, pois agora vejo claro, aqui e de muito longe.

PIERRE LEGAY

OBSERVAÇÃO: O novo estado em que se encontra Pierre Legay, deixando de considerar-se deste mundo, pode ser considerado como um segundo despertar do Espírito. Esta situação se liga à grande questão da morte espiritual que está em estudo neste momento. Agradecemos aos espíritas que à vista do nosso relato oraram por esse Espírito. Eles podem ver que ele se apercebeu disto e achou-se bem.

Manifestações espontâneas em Marselha

As manifestações de Poitiers neste momento têm sua réplica em Marselha. Há de concluir-se que os assim chamados brincalhões que abalaram a primeira cidade sem serem descobertos, se transportaram para a segunda, onde também não os descobrem? É preciso convir que são mistificadores muito hábeis, para assim frustrarem as pesquisas da polícia e de todos quantos se interessaram em descobrilos.

A Gazette du Midi de 5 de março traz a respeito desse assunto esta curta notícia:

“Durante o dia de sexta-feira, o bairro Chave estava abalado, e no boulevard com esse nome, numerosos grupos estacionavam perto da casa n.º 80. Corria o rumor de que naquela casa passavam-se cenas estranhas, que tinham posto em fuga os moradores do imóvel enfeitiçado. Diziam que fantasmas passeavam por ali; a certa hora são ouvidos ruídos estranhos e mãos invisíveis fazem os móveis se entrechocarem, bem como as baixelas e as baterias de cozinha. Foi necessária a intervenção da polícia para manter a ordem no seio desses grupos, que aumentavam a cada instante. A propósito, o que há de razoável para dizer, ao que parece, é que a casa de que se trata não oferece toda a solidez requerida, sobre um terreno minado pelas águas. Alguns estalos ouvidos e transformados pelo medo em artes de feitiçaria, terão motivado rumores que não tardarão a dissipar-se.”

CAUVIÈRE


Eis o relato circunstanciado que nos é transmitido pelo Dr. Chavaux, de Marselha, em data de 14 de março:

“Há uns quinze dias, tive a honra de vos dar alguns detalhes sobre as manifestações que se produzem, há mais de um mês, na casa nº. 80 do Boulevard Chave. Só dizia o que tinha ouvido dizer; hoje venho dizer o que eu mesmo vi e ouvi.

“Tendo obtido permissão de visitar a casa. Lá fui sexta-feira, 10 de março, ao apartamento do primeiro andar, ocupado pela Sra. A... e suas duas filhas, uma de oito anos e outra de dezesseis. Exatamente à uma hora, houve uma viva detonação na própria casa, seguida de nove outras, no espaço de três quartos de hora. À segunda detonação, que parecia partir do interior da peça onde estávamos, vi formarse um leve vapor e depois se fez sentir um pronunciado cheiro de pólvora. Tendo entrado a Sra. R... à oitava detonação, disse que havia um cheiro de pólvora. Isto me deu prazer, porque me provava que não era coisa da minha imaginação.

“Segunda-feira, dia 13, fui novamente à casa, às oito e meia da noite. Às nove horas ouviu-se a primeira detonação, e no espaço de uma hora houve trinta e oito. Disse a Sra. C...: ‘Se estes ruídos são produzidos por Espíritos, que façam mais dois, totalizando quarenta.’ No mesmo momento as duas detonações foram ouvidas, uma seguida da outra, com um barulho assustador. Olhamo-nos todos com surpresa e mesmo pavor. A Sra. C... disse ainda: ‘Começo a compreender que há Espíritos neste negócio; para me convencer completamente, queria que os Espíritos batessem ainda dez vezes, o que faria cinquenta.’ As dez detonações ocorreram em menos de um quarto de hora.

“Esses ruídos por vezes têm a força de um tiro de canhão de pequeno calibre, dado numa casa; as portas e janelas se abalaram, bem como as paredes e o piso; os objetos pendurados nas paredes foram vivamente agitados; dir-se-ia que a casa se abala de todos os lados e vai cair, mas não acontece nada disso. Depois do tiro, não há a menor fenda, nada está estragado e tudo entra na calma ordinária. Esses disparos às vezes se dão com intervalos de um a cinco minutos, outras vezes até seis disparos são feitos um imediatamente após o outro. A polícia fez uma aparição e nada descobriu.

“Eis, caro mestre, toda a verdade e a mais exata verdade. “Recebei, etc.

“CHAVAUX, D. M. P.

“Rua du Petit Saint-Jean, 24.”


Uma outra carta, de 17 de março, contém o seguinte:

“Ontem passamos parte da noite na casa do Boulevard Chave, nº 80. A reunião era composta de sete pessoas. As detonações começaram às onze horas, e no intervalo de dez minutos contamos vinte e duas. Podemos compará-las às de um canhão pequeno. Podia-se ouvi-las a uma grande distância da casa. Essa casa está em muito boas condições de solidez, contrariamente ao que diz a Gazette du Midi.

“Disseram-me que ontem à noite ocorreram quatro detonações numa outra casa do mesmo boulevard, e que eram mais fortes que as primeiras.

“Recebei, etc.

“CARRIER.”


Dirão que a causa está inteiramente descoberta: vê-se a fumaça e sente-se o cheiro da pólvora, e não se adivinham os meios empregados pelos mistificadores?

─ Parece-nos que mistificadores se servem de pólvora para produzir, durante mais de um mês, semelhantes detonações no próprio apartamento onde se encontram as testemunhas; que têm a complacência de repeti-las segundo o desejo que lhes é expresso. Não devem estar nem muito longe nem muito escondidos. Por que, então, não foram descobertos?

─ Mas então, de onde vem esse cheiro de pólvora?

─ Isto é outra questão que será tratada a seu tempo. Enquanto se espera, os ruídos são um fato e o fato tem uma causa. Ireis atribuí-la à malevolência? Então procurai os malfeitores.




Poesias espíritas

O Espiritismo

O Espiritismo é o desenvolvimento do Evangelho, a extensão e a expansão da vida.

É pois verdade!

Sua sombra querida

Vem ajudar e sustentar meus cantos,

E penetrar de ebriez infinita

A vaga feliz dos pressentimentos.

Como um reflexo que envolve minh’alma,

Seu nobre Espírito derrama luzes,

Enche-me os dias de invisível chama,

E minhas noites de encantados sonhos.

Então dos Céus se as idades invoco,

Uma lembrança me traz o seu sopro

E dissipando as nuvens do presente,

Transforma meu passado em meu futuro.

“Criança, me diz, abandona a Terra;

“De novo terás os dias do passado,

“E o que te foi pai estará ao teu lado,

“E eternos amores no coração.



MARIE-CAROLINE QUILLET
Membro da Sociedade dos Escritores.
Pont-L’Évêque (Calvados).


A Sra. Quillet, autora de Églantine solitaire, acaba de publicar um volumezinho encantador com o título de Une heure de poésie, que será apreciado por todos os amantes dos bons versos. Sendo a obra estranha à Doutrina Espírita, embora de modo algum a ela contrária, sua apreciação escapa da especialidade de nossa Revista. Limitar-nos-emos a dizer que a autora prova uma coisa, é que, contrariamente à opinião de alguns de seus confrades em literatura, pode-se ter espírito e acreditar nos Espíritos.

A Sra. Quillet nos escreve o que segue, a respeito das comunicações da Sra. Foulon, publicadas no número de março.

“A Sra. Foulon pensa que os homens não compreenderiam a poesia do Espiritismo. Ela deve ter razão do seu ponto de vista luminoso. Sem dúvida os poetas sentem suas asas pesadas pelas trevas de nossa atmosfera. Mas o instinto, a dupla vista, de que são dotados, vêm auxiliar-lhes a inteligência. Eu creio que cada um é chamado, conforme suas aptidões, ao grande trabalho da renovação terrestre: os poetas, os filósofos, pela inspiração dos Espíritos; os mártires, os trabalhadores, pelo gênio dos filósofos e pelos cantos do poeta. Esses cantos não passam de um suspiro, é verdade, mas no exílio dos suspiros formam a base e o complemento do concerto.”

Em apoio às palavras ela junta as seguintes estrofes:


Aos poetas

Despertai, apóstolos e poetas;

Escutai os oráculos do tempo.

O ar carrega o sopro dos profetas

Retine o Hosana nas asas do vento.

O Sinai de nuvens está coberto;

Ruge o Etna no horror de seus fogos;

No entanto o Eterno dispensa as tormentas,

E para a Terra ilumina os céus.

A verdade ressurge da parábola;

Seu puro brilho toca-nos a fronte,

De nova luz o símbolo clareia,

E os raios da fé vem aquecer.

A fé, o amor, o vero sol das almas,

Aos mais obscuros mostra a claridade;

E as chamas de seu disco ela alimenta,

Pelo labor e pela caridade.

Vinde, mártires de sublime canto;

Abri a voz a estranhos lutadores.

Aos quatro ventos, sobre os nobres cimos,

Ide plantar de Jesus a humilde cruz.


A Sra. Quillet está certa quando diz que todos são chamados a concorrer à obra da renovação terrestre. Ninguém contesta a influência da poesia, mas ela se equivoca quanto ao pensamento da Sra. Foulon, quando esta diz: “O entusiasmo invadiu-me a alma e espero que seja um pouco tarde para vos entreter com o Espiritismo sério, e não com o Espiritismo poético, que não é bom para os homens. Eles não o compreenderiam.” O Espírito não entende por Espiritismo poético as ideias espíritas traduzidas pela poesia, mas o Espiritismo ideal, produto de uma imaginação entusiasta; e por Espiritismo sério, o Espiritismo científico, apoiado nos fatos e na lógica, que melhor convém à natureza positiva dos homens de nossa época, o que é objeto de nossos estudos.



Enterro espírita

Sob este título, o Monde musical de Bruxelas, de 5 de março de 1865, dá conta, nos seguintes termos, das exéquias da Sra. Vauchez, mãe de um dos nossos excelentes irmãos em Espiritismo:

“Nossos amigos e colaboradores, os irmãos Vauchez, perderam sua mãe há alguns dias. Os cuidados com que, nos últimos tempos, um e outro cercaram essa dama respeitável eram o sinal e o efeito de uma ternura que não nos propomos descrever.

“Os dois irmãos são espíritas. Reunidos a amigos da mesma crença, acompanharam o corpo de sua mãe até o túmulo. Ali, o Vauchez mais velho exprimiu, em palavras tão simples quão justas, ao Espírito de sua mãe, que, segundo a fé dos espíritas, estava presente e os escutava. Essa separação produzia tristeza, ainda que ele devesse estar persuadido que ela entrava numa vida melhor, e que não deixaria de manter comunicação com eles e de inspirá-los, fortalecendo-os sem esmorecimento na senda do bem. Ele ratificou a certeza de que seus últimos votos seriam realizados pela consagração a duas boas obras, entre outros, os gastos economizados no enterro puramente civil e sem qualquer cerimonial. Esses votos são: que seja feita uma fundação em favor da creche de Saint-Josse-ten-Noode, e uma contribuição em favor dos velhos pobres.

“Depois desta espécie de conversa entre o filho e a alma de sua mãe, o Sr. Herezka, um dos amigos espíritas da família, exprimiu em versos, com a mesma simplicidade, sentimentos cuja reprodução vai dar a conhecer uma parte do que há de bom e de bem numa crença que diariamente e por toda parte se torna a de um maior número de homens que se contam entre gente instruída. Eis as palavras do Sr.

Herezka à alma da morta:

A fossa está largamente aberta;

Breve ao túmulo escancarado

Descerão teus despojos;

Mas, livre do fardo vil,

Tu te vais, no espaço planando,

Seguir a senda do progresso.

Não mais dúvida nem dor!

A corrente do mal está quebrada,

Só o bem mora em teu coração,

Com o corpo morto está o ódio.

Que o amor e a caridade

Te guiem à eternidade!

Para os nossos irmãos dos outros mundos

Vai levar nossos votos fraternais.

Dize-lhes que aqui almas fecundas,

Eternos frutos amadurecendo,

Aqui, nesta Terra revelaram

O suave mistério da morte.

Dize-lhes: “Vossos amigos de lá

“Contra a orgulhosa ignorância

“Vão travar os combates mortais;

“Para esta tarefa gloriosa

“Vosso concurso invocam,

“Espíritos! Vamos em seu auxílio!”

Vem sempre acalmar as nossas dores;

Oh! Vem! Vem falar-nos desses céus

Em nossos momentos de desfalecimento,

E faze aos nossos olhos resplender

Aquela centelha luminosa

Que vem da fonte imortal.


Após estas palavras, os irmãos Vauchez e seus amigos se retiraram sem ruído, sem ostentação, sem emoção dolorosa, como se tivessem vindo acompanhar alguém que empreendesse uma longa viagem, em todas as condições desejáveis de bemestar e segurança. Mesmo sem sermos espírita, tínhamos participado do cortejo. Aqui somos apenas o narrador de um fato: a cerimônia tão tocante quanto notável pela simplicidade e pela sinceridade da crença e das intenções.

ROSELLI


A Sra. Vauchez sucumbiu após trinta e dois anos de uma moléstia que há vinte anos a retinha no leito. Ela havia aceito com alegria as crenças espíritas e nelas tinha colhido grandes consolações em seus longos e cruéis sofrimentos. Vimo-la quando de nossa última viagem a Bruxelas e ficamos edificado com sua coragem, sua resignação e sua confiança na misericórdia de Deus. Eis as primeiras palavras por ela ditadas aos filhos, pouco depois de seu último suspiro:

“O véu que ainda nos encobre o mundo extraterrestre acaba de ser levantado para mim. Vejo, sinto, vivo! Deus todo-poderoso, obrigado! A vós, meus guias, meus anjos de guarda e protetores, obrigado! Vós, meus filhos, tu, minha filha, resignação, pois sois espíritas. Não choreis por mim. Eu vivo a vida eterna, vivo na luz etérea; vivo e não sofro mais; minhas dores cessaram, minha prova terminou. Obrigado a vós, meus amigos, por terdes pensado em evocar-me logo. Fazei-o muitas vezes. Eu vos assistirei, estarei convosco.

“Deus teve piedade de meus sofrimentos. Oh! Meus amigos, como é bela a vida da alma, quando desprendida da matéria! Bons Espíritos velam sobre vós. Tornaivos dignos de sua proteção. Neste momento estou assistida por vosso protetor, o bom São Vicente de Paulo.

“MARGUERITE VAUCHEZ”.




Notícias bibliográficas

Confusão no império de Satã

Brochura pequena in-8º de 150 páginas. Em Angers, no Lemesle e Cia. Em Paris, no Palais-Royal. Preço, 2 francos.

Provas dadas ao fanatismo religioso de que os Espíritos não são demônios, em resposta às conversas sobre os Espíritos, do jesuíta Pe. Xavier Pailloux. Digressão histórica por ele provocada e demonstração que Satã e o inferno dos satanistas são um mito, seguidas de dados dos Espíritos sobre o estado póstumo do homem e impressões após a morte.

Mais tarde trataremos dessa obra.


L' Echo D'Outre-Tombe (O eco de além-túmulo)

Jornal espírita publicado em Marselha, sob a direção do Sr. Gilet, que circula todos os domingos. Escritório em Marselha, no Boulevard Chave, n.º 81. Preço: 10 francos por ano.

Este jornal traz no alto a divisa: Fora da caridade não há salvação. Sentimonos feliz por vê-lo arvorar uma bandeira que é o signo de ligação de todos os espíritas sinceros. Seguindo sem desviar-se da rota que ele indica, temos certeza que não há de desgarrar-se. Assim como dissemos a propósito do médium evangélico de Toulouse, “Como a nobreza, o título obriga.” O Espiritismo conta, assim, com um órgão a mais numa das principais cidades da França.


Concordância da fé e da razão

Esta brochura é do mesmo autor de Lettres sur le Spiritisme écrites à des ecclesiastiques. Esta última obra trata mais especialmente da questão religiosa, e sentimo-nos feliz por constatar que o autor o fez com notável poder de lógica, ao mesmo tempo que traz uma louvável moderação em suas refutações. Num estilo elegante e correto, ele diz as maiores verdades sem ferir a ninguém. É o melhor meio de persuadir. Nós a recomendamos aos nossos leitores, que aí encontrarão excelentes argumentos.



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