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Outubro
Novos estudos sobre espelhos mágicos ou psíquicos
O vidente da floresta de Zimmerwald
Na Revista Espírita de outubro de 1864, fizemos minucioso relato das observações que acabávamos de fazer de um camponês do cantão de Berne, que possui a faculdade de ver num copo as coisas distantes. Novas visitas que lhe fizemos este ano nos permitiram completar as observações e retificar, em certos pontos, a teoria que havíamos dado dos objetos vulgarmente designados sob o nome de espelhos mágicos, mais exatamente chamados espelhos psíquicos. Como antes de tudo buscamos a verdade e não pretendemos ser infalível, quando acontece nos enganarmos, não hesitamos em reconhecer. Não conhecemos nada de mais tolo do que aferrar-se a uma opinião errada.
Para a compreensão do que se segue, e a fim de evitar repetições, rogamos aos leitores se reportem ao artigo precitado, que contém uma notícia detalhada sobre o vidente em questão e sua maneira de operar.
Apenas lembraremos que se dá o nome de espelhos mágicos a objetos de diversas formas e naturezas, quase sempre de reflexo brilhante, tais como copos, garrafas, vidros e placas metálicas, nos quais certas pessoas veem coisas ausentes. Tendo-nos convencido uma observação atenta que essa faculdade não é senão a dupla vista, isto é, a visão espiritual ou psíquica, independente da visão orgânica, pois a experiência demonstra diariamente que essa faculdade existe sem o concurso de qualquer objeto, tínhamos concluído, de maneira muito absoluta, pela inutilidade desses objetos, pensando que apenas o hábito de empregá-los fazia com que se tornassem necessários, e que todo indivíduo que vê com o seu concurso, poderia ver perfeitamente bem sem eles, se o quisesse. Ora, aqui é que está o erro, como vamos demonstrar.
Daremos previamente um ligeiro relato dos novos fatos observados, porque servem de base às instruções a que os mesmos deram lugar.
Assim, tendo voltado à casa daquele homem, acompanhado pelo Sr. Comandante de W... que teve a gentileza de nos servir de intérprete, logo de saída ele se ocupou de nossa saúde; descreveu com facilidade e perfeita exatidão a sede, a causa e a natureza do mal e indicou os remédios necessários.
Em seguida, sem ser provocado por qualquer pergunta, falou de nossos trabalhos, de seu objetivo e de seus resultados, no mesmo sentido que no ano passado, sem contudo ter conservado qualquer lembrança do que havia dito, mas aprofundou muito mais o assunto, cuja envergadura parece ter compreendido melhor. Entrou em detalhes circunstanciados sobre a marcha atual e futura da causa que nos ocupa, sobre as causas que devem produzir este ou aquele resultado, sobre os obstáculos que nos serão suscitados e os meios de superá-los, sobre as pessoas que nisto representam ou devem representar um papel pró ou contra, aquelas sobre cujo devotamento e sinceridade pode-se ou não se pode contar, descrevendo-as física e moralmente de maneira a provar que as via perfeitamente. Numa palavra, deu-nos uma instrução longamente desenvolvida e logicamente motivada, tanto mais notável quanto confirma, em todos os pontos, e completa, sob certos aspectos, as dos nossos Espíritos protetores. As partes cuja exatidão podíamos apreciar não podiam deixar dúvida sobre a sua clarividência. Tendo tido com ele várias conversas, cada vez ele voltava ao mesmo assunto, confirmando-o ou completando-o, sem jamais se contradizer, mesmo no que havia dito no ano anterior, de que as conversas atuais pareciam ser a continuação.
Sendo essa instrução absolutamente pessoal e confidencial, abstemo-nos de relatá-la em detalhes. Mencionamo-la por causa do fato importante que dela ressalta e que relatamos a seguir. Ela é sem dúvida de alto interesse para nós, mas nosso objetivo principal, voltando a ver esse homem, era fazer novos estudos sobre sua faculdade, no interesse da ciência espírita.
Um fato que constatamos é que não se pode constranger sua lucidez. Ele vê o que se lhe apresenta e o descreve, mas não se lhe pode fazer ver à vontade aquilo que se deseja, nem aquilo em que se pensa, embora leia os pensamentos. Na sessão principal que nos foi consagrada, em vão tentamos chamar sua atenção para outros assuntos; malgrado seus esforços, declarou não ver nada disso no copo.
Quando trata de um assunto, podem-se-lhe fazer perguntas relativas ao mesmo, mas é inútil interrogá-lo sobre a primeira coisa que ocorrer. Entretanto, por vezes lhe ocorre passar bruscamente do assunto que o ocupa a outro completamente estranho; depois volta ao primeiro. Quando se lhe pergunta a razão, responde que diz o que vê, e que isto não depende dele.
Ele vê espontaneamente as pessoas ausentes, quando estas se ligam diretamente ao que é objeto de seu exame, mas não de outro modo. Seu ponto de partida é o consulente, sua pessoa, sua residência. Daí decorrem os fatos consecutivos. Assim, inutilmente tentamos a seguinte experiência. Um dos nossos amigos de Paris, que acabava de nos escrever, desejava que o consultássemos a respeito da doença da filha. Apresentamos-lhe a carta, pedindo-lhe a pusesse no côncavo da mão, sob o fundo do copo, pensando que a radiação do fluido facilitaria a visão da pessoa. Ele não fez nada disso, porque o reflexo branco do papel o incomodava; disse que a pessoa estava muito longe, contudo, alguns instantes antes, acabara de descrever, com perfeita exatidão e detalhes minuciosos, um indivíduo em quem absolutamente não pensávamos, bem como o lugar onde reside, que fica a uma distância quatro vezes maior. Mas essa pessoa estava envolvida no assunto que nos ocupava, ao passo que aquela outra a ele era completamente estranha. O encadeamento dos acontecimentos o conduzia a um, e não ao outro.
Assim, a sua lucidez não é flexível nem manejável, e absolutamente não se presta ao capricho do interrogador. Não está, pois, de modo algum, apto a satisfazer os que a ele viessem apenas por curiosidade. Aliás, como ele lê o pensamento, seu primeiro cuidado é ver a intenção do visitante, caso não o conheça. Se a intenção não for séria, e se ele vê que o objetivo não é moral nem útil, recusa-se a falar e despede quem quer que lhe venha pedir o que se chama a boa sorte ou lhe fazer perguntas fúteis ou indiscretas. Numa palavra, é um vidente sério e não um adivinho.
Sua clarividência, como dissemos no ano passado, se aplica principalmente às fontes e aos cursos d’água subterrâneos. Só acessoriamente e por condescendência se ocupa de outras coisas.
Ele é de uma ignorância absoluta sobre os princípios, mesmo os mais elementares, das ciências, mas tem muito senso natural e, devido à sua lucidez, muitas vezes supre a falta de conhecimentos adquiridos. Eis um exemplo.
Um dia, em nossa presença, alguém o interrogava sobre a possibilidade da existência de uma fonte mineral em certa localidade. Não há, disse ele, porque o terreno não é propício. Nós lhe fizemos ver que a origem das fontes por vezes está muito afastada do lugar onde se mostram, e se infiltram através de camadas terrestres. “É verdade, retorquiu, mas há regiões onde as camadas são horizontais e outras onde são verticais. Nesse de que o senhor fala elas são verticais e aí está o obstáculo.” De onde lhe vinha essa ideia da direção das camadas terrestres, quando não tem a menor noção de Geologia?
Observamo-lo cuidadosamente durante todo o curso de suas operações, e eis o que notamos:
Uma vez sentado, ele toma o seu copo, segura-o como descrevemos em nosso artigo anterior, olha alternativamente o fundo do copo e os assistentes e, durante cerca de um quarto de hora, fala de coisas indiferentes, depois do que, aborda o assunto principal. Nesse momento, seus olhos naturalmente vivos e penetrantes ficam semicerrados, velam-se e se agitam; as pupilas desaparecem para o alto, deixando ver o branco. De vez em quando, ao fixar alguém, as pupilas por um instante se mostram parcialmente, para de novo desaparecerem totalmente e, contudo, olha sempre o fundo do copo e as linhas que traça a giz. Ora, é bem evidente que, nesse estado, não é pelos olhos que ele vê. Salvo esta particularidade, nada há nele de sensivelmente anormal. Sua linguagem é a de um homem grave e sério; fala com simplicidade, sem ênfase, como no estado ordinário, e não como um inspirado.
Na noite em que tivemos a nossa principal sessão, pedimos, através de um médium escrevente, instruções aos bons Espíritos sobre os fatos que acabáramos de testemunhar.
Pergunta. ─ Que pensar das revelações espontâneas que hoje nos fez o vidente da floresta?
Resposta. ─ Quisemos dar-vos uma prova da faculdade desse homem. Preparamos o assunto de que devia ele tratar, por isto ele não pôde responder às outras perguntas que lhe fizestes. O que ele vos disse era apenas a nossa opinião. Ficastes admirado com o que ele vos disse. Ele falava por nós, sem o saber, e neste momento não se lembra mais do que disse, assim como não mais se lembrava do que havia dito no ano passado, porque seu raio de inteligência não chega até lá. Falando, nem mesmo compreendia o alcance do que dizia; ele falava melhor do que poderia tê-lo feito o médium aqui presente, temeroso de ir longe demais. Eis por que nos servimos dele, como instrumento mais dócil, para as instruções que vos queríamos dar.
Pergunta. ─ Ele falou de um indivíduo que, segundo o retrato físico e moral que dele fez, e por sua posição, parecia ser tal criatura. Poderíeis dizer se é realmente a que ele quis designar?
Resposta. ─ Ele disse o que deveis saber.
OBSERVAÇÃO: É portanto evidente que à faculdade natural desse homem se alia à mediunidade, ao menos acidentalmente, senão de maneira permanente. Isto significa que a lucidez lhe é pessoal e não uma questão de Espíritos, mas os Espíritos podem dar a essa lucidez a direção que lhes convém, num caso determinado; inspirar-lhe o que deve dizer e só deixá-lo dizer aquilo que é necessário. É, pois, conforme a necessidade, médium inconsciente.
A faculdade de ver à distância e através dos corpos opacos não nos parece extraordinária, incompreensível, senão porque constitui um sentido de que não gozamos no estado normal. Nós somos exatamente como os cegos de nascença, que não compreendem que se possa conhecer a existência, a forma e as propriedades dos objetos sem tocá-los e não compreendem que o fluido luminoso é o meio que nos põe em contacto com os objetos afastados e nos traz a sua imagem. Sem o conhecimento das propriedades do fluido perispiritual, não compreendemos a visão sem o concurso dos olhos. A tal respeito somos verdadeiros cegos. Ora, a faculdade de ver a distância, com o auxílio do fluido perispiritual, não é mais maravilhosa nem mais miraculosa que a de ver os astros a milhares de léguas, com o auxílio do fluido luminoso[1].
Pergunta. ─ Teríeis a bondade de dizer-nos se o copo de que este homem se serve lhe é verdadeiramente útil; se não poderia igualmente ver em qualquer copo, num objeto qualquer, ou mesmo sem objeto, caso o quisesse; se a necessidade ou a especialidade do copo não seria um efeito do hábito, que lhe faz crer não poder dispensá-lo; enfim, se a presença do copo é necessária, que ação exerce sobre a sua lucidez?
Resposta. ─ Estando o seu olhar concentrado no fundo do copo, o reflexo brilhante a princípio age sobre os olhos, depois sobre o sistema nervoso, e provoca uma espécie de meio sonambulismo, ou, mais exatamente, sonambulismo desperto, no qual o Espírito, desprendido da matéria, adquire a clarividência, a visão da alma, que chamais segunda vista.
Existe uma certa relação entre a forma do fundo do copo e a forma exterior ou disposição de seus olhos. Eis por que ele não encontra facilmente um copo que reúna as condições necessárias (vide artigo de outubro de 1864). Mesmo que aparentemente os copos sejam semelhantes, há no poder refletor e no modo de radiação, segundo a forma, a espessura e a qualidade, nuanças que não podeis apreciar, e que são adequadas ao seu organismo individual.
Para ele, pois, o copo é um meio de desenvolver e fixar sua lucidez. É-lhe realmente necessário, porque nele, não sendo permanente o estado lúcido, necessita ser provocado. Um outro objeto não poderia substituí-lo, e esse mesmo copo, que sobre ele produz esse efeito, nada produziria sobre outra pessoa, mesmo que fosse vidente. Os meios de provocar essa lucidez variam conforme os indivíduos.
[1] Neste momento o Siècle publica, sob o título de A dupla vista, um interessantíssimo romance folhetim de Élie Berthet. Neste momento vem a propósito. Há cerca de dois anos o Sr. Xavier Saintine tinha publicado no Constitutionnel, sob o título de A segunda vista, uma série de fatos baseados na pluralidade das existências e as relações espontâneas que se estabelecem entre os vivos e os mortos. É assim que a literatura ajuda na vulgarização das ideias novas. Apenas falta o vocábulo Espiritismo.
Para a compreensão do que se segue, e a fim de evitar repetições, rogamos aos leitores se reportem ao artigo precitado, que contém uma notícia detalhada sobre o vidente em questão e sua maneira de operar.
Apenas lembraremos que se dá o nome de espelhos mágicos a objetos de diversas formas e naturezas, quase sempre de reflexo brilhante, tais como copos, garrafas, vidros e placas metálicas, nos quais certas pessoas veem coisas ausentes. Tendo-nos convencido uma observação atenta que essa faculdade não é senão a dupla vista, isto é, a visão espiritual ou psíquica, independente da visão orgânica, pois a experiência demonstra diariamente que essa faculdade existe sem o concurso de qualquer objeto, tínhamos concluído, de maneira muito absoluta, pela inutilidade desses objetos, pensando que apenas o hábito de empregá-los fazia com que se tornassem necessários, e que todo indivíduo que vê com o seu concurso, poderia ver perfeitamente bem sem eles, se o quisesse. Ora, aqui é que está o erro, como vamos demonstrar.
Daremos previamente um ligeiro relato dos novos fatos observados, porque servem de base às instruções a que os mesmos deram lugar.
Assim, tendo voltado à casa daquele homem, acompanhado pelo Sr. Comandante de W... que teve a gentileza de nos servir de intérprete, logo de saída ele se ocupou de nossa saúde; descreveu com facilidade e perfeita exatidão a sede, a causa e a natureza do mal e indicou os remédios necessários.
Em seguida, sem ser provocado por qualquer pergunta, falou de nossos trabalhos, de seu objetivo e de seus resultados, no mesmo sentido que no ano passado, sem contudo ter conservado qualquer lembrança do que havia dito, mas aprofundou muito mais o assunto, cuja envergadura parece ter compreendido melhor. Entrou em detalhes circunstanciados sobre a marcha atual e futura da causa que nos ocupa, sobre as causas que devem produzir este ou aquele resultado, sobre os obstáculos que nos serão suscitados e os meios de superá-los, sobre as pessoas que nisto representam ou devem representar um papel pró ou contra, aquelas sobre cujo devotamento e sinceridade pode-se ou não se pode contar, descrevendo-as física e moralmente de maneira a provar que as via perfeitamente. Numa palavra, deu-nos uma instrução longamente desenvolvida e logicamente motivada, tanto mais notável quanto confirma, em todos os pontos, e completa, sob certos aspectos, as dos nossos Espíritos protetores. As partes cuja exatidão podíamos apreciar não podiam deixar dúvida sobre a sua clarividência. Tendo tido com ele várias conversas, cada vez ele voltava ao mesmo assunto, confirmando-o ou completando-o, sem jamais se contradizer, mesmo no que havia dito no ano anterior, de que as conversas atuais pareciam ser a continuação.
Sendo essa instrução absolutamente pessoal e confidencial, abstemo-nos de relatá-la em detalhes. Mencionamo-la por causa do fato importante que dela ressalta e que relatamos a seguir. Ela é sem dúvida de alto interesse para nós, mas nosso objetivo principal, voltando a ver esse homem, era fazer novos estudos sobre sua faculdade, no interesse da ciência espírita.
Um fato que constatamos é que não se pode constranger sua lucidez. Ele vê o que se lhe apresenta e o descreve, mas não se lhe pode fazer ver à vontade aquilo que se deseja, nem aquilo em que se pensa, embora leia os pensamentos. Na sessão principal que nos foi consagrada, em vão tentamos chamar sua atenção para outros assuntos; malgrado seus esforços, declarou não ver nada disso no copo.
Quando trata de um assunto, podem-se-lhe fazer perguntas relativas ao mesmo, mas é inútil interrogá-lo sobre a primeira coisa que ocorrer. Entretanto, por vezes lhe ocorre passar bruscamente do assunto que o ocupa a outro completamente estranho; depois volta ao primeiro. Quando se lhe pergunta a razão, responde que diz o que vê, e que isto não depende dele.
Ele vê espontaneamente as pessoas ausentes, quando estas se ligam diretamente ao que é objeto de seu exame, mas não de outro modo. Seu ponto de partida é o consulente, sua pessoa, sua residência. Daí decorrem os fatos consecutivos. Assim, inutilmente tentamos a seguinte experiência. Um dos nossos amigos de Paris, que acabava de nos escrever, desejava que o consultássemos a respeito da doença da filha. Apresentamos-lhe a carta, pedindo-lhe a pusesse no côncavo da mão, sob o fundo do copo, pensando que a radiação do fluido facilitaria a visão da pessoa. Ele não fez nada disso, porque o reflexo branco do papel o incomodava; disse que a pessoa estava muito longe, contudo, alguns instantes antes, acabara de descrever, com perfeita exatidão e detalhes minuciosos, um indivíduo em quem absolutamente não pensávamos, bem como o lugar onde reside, que fica a uma distância quatro vezes maior. Mas essa pessoa estava envolvida no assunto que nos ocupava, ao passo que aquela outra a ele era completamente estranha. O encadeamento dos acontecimentos o conduzia a um, e não ao outro.
Assim, a sua lucidez não é flexível nem manejável, e absolutamente não se presta ao capricho do interrogador. Não está, pois, de modo algum, apto a satisfazer os que a ele viessem apenas por curiosidade. Aliás, como ele lê o pensamento, seu primeiro cuidado é ver a intenção do visitante, caso não o conheça. Se a intenção não for séria, e se ele vê que o objetivo não é moral nem útil, recusa-se a falar e despede quem quer que lhe venha pedir o que se chama a boa sorte ou lhe fazer perguntas fúteis ou indiscretas. Numa palavra, é um vidente sério e não um adivinho.
Sua clarividência, como dissemos no ano passado, se aplica principalmente às fontes e aos cursos d’água subterrâneos. Só acessoriamente e por condescendência se ocupa de outras coisas.
Ele é de uma ignorância absoluta sobre os princípios, mesmo os mais elementares, das ciências, mas tem muito senso natural e, devido à sua lucidez, muitas vezes supre a falta de conhecimentos adquiridos. Eis um exemplo.
Um dia, em nossa presença, alguém o interrogava sobre a possibilidade da existência de uma fonte mineral em certa localidade. Não há, disse ele, porque o terreno não é propício. Nós lhe fizemos ver que a origem das fontes por vezes está muito afastada do lugar onde se mostram, e se infiltram através de camadas terrestres. “É verdade, retorquiu, mas há regiões onde as camadas são horizontais e outras onde são verticais. Nesse de que o senhor fala elas são verticais e aí está o obstáculo.” De onde lhe vinha essa ideia da direção das camadas terrestres, quando não tem a menor noção de Geologia?
Observamo-lo cuidadosamente durante todo o curso de suas operações, e eis o que notamos:
Uma vez sentado, ele toma o seu copo, segura-o como descrevemos em nosso artigo anterior, olha alternativamente o fundo do copo e os assistentes e, durante cerca de um quarto de hora, fala de coisas indiferentes, depois do que, aborda o assunto principal. Nesse momento, seus olhos naturalmente vivos e penetrantes ficam semicerrados, velam-se e se agitam; as pupilas desaparecem para o alto, deixando ver o branco. De vez em quando, ao fixar alguém, as pupilas por um instante se mostram parcialmente, para de novo desaparecerem totalmente e, contudo, olha sempre o fundo do copo e as linhas que traça a giz. Ora, é bem evidente que, nesse estado, não é pelos olhos que ele vê. Salvo esta particularidade, nada há nele de sensivelmente anormal. Sua linguagem é a de um homem grave e sério; fala com simplicidade, sem ênfase, como no estado ordinário, e não como um inspirado.
Na noite em que tivemos a nossa principal sessão, pedimos, através de um médium escrevente, instruções aos bons Espíritos sobre os fatos que acabáramos de testemunhar.
Pergunta. ─ Que pensar das revelações espontâneas que hoje nos fez o vidente da floresta?
Resposta. ─ Quisemos dar-vos uma prova da faculdade desse homem. Preparamos o assunto de que devia ele tratar, por isto ele não pôde responder às outras perguntas que lhe fizestes. O que ele vos disse era apenas a nossa opinião. Ficastes admirado com o que ele vos disse. Ele falava por nós, sem o saber, e neste momento não se lembra mais do que disse, assim como não mais se lembrava do que havia dito no ano passado, porque seu raio de inteligência não chega até lá. Falando, nem mesmo compreendia o alcance do que dizia; ele falava melhor do que poderia tê-lo feito o médium aqui presente, temeroso de ir longe demais. Eis por que nos servimos dele, como instrumento mais dócil, para as instruções que vos queríamos dar.
Pergunta. ─ Ele falou de um indivíduo que, segundo o retrato físico e moral que dele fez, e por sua posição, parecia ser tal criatura. Poderíeis dizer se é realmente a que ele quis designar?
Resposta. ─ Ele disse o que deveis saber.
OBSERVAÇÃO: É portanto evidente que à faculdade natural desse homem se alia à mediunidade, ao menos acidentalmente, senão de maneira permanente. Isto significa que a lucidez lhe é pessoal e não uma questão de Espíritos, mas os Espíritos podem dar a essa lucidez a direção que lhes convém, num caso determinado; inspirar-lhe o que deve dizer e só deixá-lo dizer aquilo que é necessário. É, pois, conforme a necessidade, médium inconsciente.
A faculdade de ver à distância e através dos corpos opacos não nos parece extraordinária, incompreensível, senão porque constitui um sentido de que não gozamos no estado normal. Nós somos exatamente como os cegos de nascença, que não compreendem que se possa conhecer a existência, a forma e as propriedades dos objetos sem tocá-los e não compreendem que o fluido luminoso é o meio que nos põe em contacto com os objetos afastados e nos traz a sua imagem. Sem o conhecimento das propriedades do fluido perispiritual, não compreendemos a visão sem o concurso dos olhos. A tal respeito somos verdadeiros cegos. Ora, a faculdade de ver a distância, com o auxílio do fluido perispiritual, não é mais maravilhosa nem mais miraculosa que a de ver os astros a milhares de léguas, com o auxílio do fluido luminoso[1].
Pergunta. ─ Teríeis a bondade de dizer-nos se o copo de que este homem se serve lhe é verdadeiramente útil; se não poderia igualmente ver em qualquer copo, num objeto qualquer, ou mesmo sem objeto, caso o quisesse; se a necessidade ou a especialidade do copo não seria um efeito do hábito, que lhe faz crer não poder dispensá-lo; enfim, se a presença do copo é necessária, que ação exerce sobre a sua lucidez?
Resposta. ─ Estando o seu olhar concentrado no fundo do copo, o reflexo brilhante a princípio age sobre os olhos, depois sobre o sistema nervoso, e provoca uma espécie de meio sonambulismo, ou, mais exatamente, sonambulismo desperto, no qual o Espírito, desprendido da matéria, adquire a clarividência, a visão da alma, que chamais segunda vista.
Existe uma certa relação entre a forma do fundo do copo e a forma exterior ou disposição de seus olhos. Eis por que ele não encontra facilmente um copo que reúna as condições necessárias (vide artigo de outubro de 1864). Mesmo que aparentemente os copos sejam semelhantes, há no poder refletor e no modo de radiação, segundo a forma, a espessura e a qualidade, nuanças que não podeis apreciar, e que são adequadas ao seu organismo individual.
Para ele, pois, o copo é um meio de desenvolver e fixar sua lucidez. É-lhe realmente necessário, porque nele, não sendo permanente o estado lúcido, necessita ser provocado. Um outro objeto não poderia substituí-lo, e esse mesmo copo, que sobre ele produz esse efeito, nada produziria sobre outra pessoa, mesmo que fosse vidente. Os meios de provocar essa lucidez variam conforme os indivíduos.
[1] Neste momento o Siècle publica, sob o título de A dupla vista, um interessantíssimo romance folhetim de Élie Berthet. Neste momento vem a propósito. Há cerca de dois anos o Sr. Xavier Saintine tinha publicado no Constitutionnel, sob o título de A segunda vista, uma série de fatos baseados na pluralidade das existências e as relações espontâneas que se estabelecem entre os vivos e os mortos. É assim que a literatura ajuda na vulgarização das ideias novas. Apenas falta o vocábulo Espiritismo.
Consequências da explicação precedente
Ei-nos no ponto principal a que nos propusemos. A explicação precedente parece resolver a questão com perfeita clareza. Tudo está nestas palavras: A lucidez não é permanente nesse homem. O copo é um meio de provocá-la, pela ação da radiação sobre o sistema nervoso, mas é necessário que o modo de radiação esteja em relação com o organismo. Daí a variedade dos objetos que podem produzir tal efeito, conforme os indivíduos predispostos a sofrê-los. Disto resulta:
1.º ─ Que para aqueles em que a visão psíquica é espontânea ou permanente, o emprego de agentes artificiais é inútil.
2.º ─ Que esses agentes são necessários quando a faculdade necessita ser superexcitada.
3.º ─ Que devendo esses agentes ser apropriados ao organismo, o que tem ação sobre uns não tem sobre outros.
Certas particularidades do nosso vidente encontram sua razão de ser nesta explicação.
A carta colocada debaixo do copo, em vez de facilitar o perturbava, porque modificava a natureza do reflexo que lhe é próprio.
Como dissemos, inicialmente ele fala de coisas indiferentes, enquanto olha o copo. É que a ação não é instantânea, e essa conversação preliminar sem objetivo aparente ocorre no tempo necessário à produção do efeito.
Assim como o estado lúcido só se desenvolve gradualmente, não cessa bruscamente. Eis a razão por que esse homem continua vendo ainda por alguns instantes depois de haver deixado de olhar em seu copo, o que nos tinha levado a supor que o objeto fosse útil. Mas como, de certo modo, o estado lúcido é artificial, de vez em quando ele recorre ao copo para mantê-lo.
Até certo ponto compreende-se o desenvolvimento da faculdade por um meio material. Mas, como pode apresentar-se no copo a imagem de uma pessoa distante? Só o Espiritismo pode resolver este problema, pela explicação que ele dá acerca da natureza da alma, de suas faculdades, das propriedades de seu envoltório perispiritual, de sua radiação, de seu poder de emancipação e de seu desprendimento do envoltório corporal. No estado de desprendimento, a alma desfruta de percepções que lhe são próprias, sem o concurso dos órgãos materiais; a visão é um atributo do ser espiritual; ele vê por si mesmo, sem o concurso dos olhos, como ouve sem o concurso do ouvido. Se os órgãos dos sentidos fossem indispensáveis às percepções da alma, seguir-se-ia que, após a morte, não mais tendo esses órgãos, ela seria surda e cega. O desprendimento completo que se dá depois da morte se produz parcialmente durante a vida, e é então que se manifesta o fenômeno da visão espiritual ou, por outras palavras, a dupla vista, ou segunda vista, ou visão psíquica, cujo poder se estende tão longe quanto a radiação da alma.
No caso de que se trata, a imagem não se forma na substância do copo; é a própria alma que, por sua radiação, percebe o objeto no lugar onde ele se encontra. Mas como, nesse homem, o copo é o agente provocador do estado lúcido, a imagem lhe aparece muito naturalmente na direção do copo. É absolutamente como aquele que tem necessidade de um óculo de alcance para ver ao longe o que não pode distinguir a olho nu. A imagem do objeto não está nos vidros da luneta, mas na direção dos vidros, que lhe permitem ver. Tirai-lhe o instrumento e ele nada mais verá. Continuando a comparação, diremos que, assim como aquele que tem uma boa vista não necessita de óculos, aquele que goza naturalmente da visão psíquica não precisa de meios artificiais para provocá-la.
Há alguns anos, um médico descobriu que pondo entre os olhos, na raiz do nariz, uma tampa de garrafa, uma bola de cristal ou de metal brilhante e fazendo convergirem os raios visuais para esse objeto durante algum tempo, a pessoa entrava numa espécie de estado cataléptico, durante o qual se manifestavam algumas das faculdades que se notam nalguns sonâmbulos, entre outras a insensibilidade e a visão à distância através dos corpos opacos, e que esse estado cessava pouco a pouco, após a retirada do objeto. Evidentemente era um efeito magnético, produzido por um corpo inerte. Que papel fisiológico representa o reflexo brilhante nesse fenômeno? É o que ignoramos. Mas foi constatado que se essa condição é necessária na maioria dos casos, mas não sempre, e que o mesmo efeito é produzido em certos indivíduos com o auxílio de objetos moles.
Esse fenômeno, ao qual se deu o nome de hipnotismo, fez furor nos corpos científicos. Experimentaram. Uns tiveram sucesso, outros não, como devia ser, pois as aptidões não eram as mesmas em todos os pacientes. Se a coisa fosse excepcional, certamente valeria a pena ser estudada. Mas, é lamentável dizer, a partir de quando perceberam que era uma porta secreta pela qual o magnetismo e o sonambulismo iriam penetrar, sob outra forma e outro nome, no santuário da ciência oficial, não mais se tratou de hipnotismo (Vide Revista Espírita de janeiro de 1860).
Entretanto, jamais a Natureza perde os seus direitos. Se as leis são desconhecidas por algum tempo, ela tantas vezes volta à carga e as apresenta sob formas tão variadas que, mais cedo ou mais tarde, obriga a abrir os olhos. O Espiritismo é prova disto. Podem negá-lo, denegri-lo, repeli-lo; ele bate em todas as portas de cem maneiras diversas e, bom grado malgrado, penetra naqueles mesmos que dele não querem ouvir falar.
Aproximando este fenômeno daquele que nos ocupa, e sobretudo das explicações dadas acima, observamos, nos efeitos e nas causas, uma analogia chocante. Daí pode-se tirar a conclusão de que os corpos vulgarmente chamados espelhos mágicos não passam de agentes hipnóticos, infinitamente variados em suas formas e efeitos, conforme a natureza e o grau das aptidões.
Sendo assim, não seria impossível que certas pessoas, dotadas espontânea e acidentalmente dessa faculdade, sofressem, malgrado seu, a influência magnética de objetos exteriores, sobre os quais maquinalmente fixam os olhos. Por que o reflexo da água, de um lago, de um pântano, de um riacho, mesmo de um astro, não produziria o mesmo efeito que um copo ou uma garrafa sobre certas organizações convenientemente predispostas? Mas isto é uma hipótese que necessita de confirmação pela experiência.
Além disto, esse fenômeno não é uma descoberta moderna. Ele é encontrado, mesmo em nossos dias, nos povos mais atrasados, tanto é certo que o que está em a Natureza tem o privilégio de ser de todos os tempos e lugares. A princípio aceitam-no como um fato; a explicação vem depois, com o progresso, e à medida que o homem avança no conhecimento das leis que regem o mundo.
Tais são as consequências que nos parecem decorrer logicamente dos fatos observados.
1.º ─ Que para aqueles em que a visão psíquica é espontânea ou permanente, o emprego de agentes artificiais é inútil.
2.º ─ Que esses agentes são necessários quando a faculdade necessita ser superexcitada.
3.º ─ Que devendo esses agentes ser apropriados ao organismo, o que tem ação sobre uns não tem sobre outros.
Certas particularidades do nosso vidente encontram sua razão de ser nesta explicação.
A carta colocada debaixo do copo, em vez de facilitar o perturbava, porque modificava a natureza do reflexo que lhe é próprio.
Como dissemos, inicialmente ele fala de coisas indiferentes, enquanto olha o copo. É que a ação não é instantânea, e essa conversação preliminar sem objetivo aparente ocorre no tempo necessário à produção do efeito.
Assim como o estado lúcido só se desenvolve gradualmente, não cessa bruscamente. Eis a razão por que esse homem continua vendo ainda por alguns instantes depois de haver deixado de olhar em seu copo, o que nos tinha levado a supor que o objeto fosse útil. Mas como, de certo modo, o estado lúcido é artificial, de vez em quando ele recorre ao copo para mantê-lo.
Até certo ponto compreende-se o desenvolvimento da faculdade por um meio material. Mas, como pode apresentar-se no copo a imagem de uma pessoa distante? Só o Espiritismo pode resolver este problema, pela explicação que ele dá acerca da natureza da alma, de suas faculdades, das propriedades de seu envoltório perispiritual, de sua radiação, de seu poder de emancipação e de seu desprendimento do envoltório corporal. No estado de desprendimento, a alma desfruta de percepções que lhe são próprias, sem o concurso dos órgãos materiais; a visão é um atributo do ser espiritual; ele vê por si mesmo, sem o concurso dos olhos, como ouve sem o concurso do ouvido. Se os órgãos dos sentidos fossem indispensáveis às percepções da alma, seguir-se-ia que, após a morte, não mais tendo esses órgãos, ela seria surda e cega. O desprendimento completo que se dá depois da morte se produz parcialmente durante a vida, e é então que se manifesta o fenômeno da visão espiritual ou, por outras palavras, a dupla vista, ou segunda vista, ou visão psíquica, cujo poder se estende tão longe quanto a radiação da alma.
No caso de que se trata, a imagem não se forma na substância do copo; é a própria alma que, por sua radiação, percebe o objeto no lugar onde ele se encontra. Mas como, nesse homem, o copo é o agente provocador do estado lúcido, a imagem lhe aparece muito naturalmente na direção do copo. É absolutamente como aquele que tem necessidade de um óculo de alcance para ver ao longe o que não pode distinguir a olho nu. A imagem do objeto não está nos vidros da luneta, mas na direção dos vidros, que lhe permitem ver. Tirai-lhe o instrumento e ele nada mais verá. Continuando a comparação, diremos que, assim como aquele que tem uma boa vista não necessita de óculos, aquele que goza naturalmente da visão psíquica não precisa de meios artificiais para provocá-la.
Há alguns anos, um médico descobriu que pondo entre os olhos, na raiz do nariz, uma tampa de garrafa, uma bola de cristal ou de metal brilhante e fazendo convergirem os raios visuais para esse objeto durante algum tempo, a pessoa entrava numa espécie de estado cataléptico, durante o qual se manifestavam algumas das faculdades que se notam nalguns sonâmbulos, entre outras a insensibilidade e a visão à distância através dos corpos opacos, e que esse estado cessava pouco a pouco, após a retirada do objeto. Evidentemente era um efeito magnético, produzido por um corpo inerte. Que papel fisiológico representa o reflexo brilhante nesse fenômeno? É o que ignoramos. Mas foi constatado que se essa condição é necessária na maioria dos casos, mas não sempre, e que o mesmo efeito é produzido em certos indivíduos com o auxílio de objetos moles.
Esse fenômeno, ao qual se deu o nome de hipnotismo, fez furor nos corpos científicos. Experimentaram. Uns tiveram sucesso, outros não, como devia ser, pois as aptidões não eram as mesmas em todos os pacientes. Se a coisa fosse excepcional, certamente valeria a pena ser estudada. Mas, é lamentável dizer, a partir de quando perceberam que era uma porta secreta pela qual o magnetismo e o sonambulismo iriam penetrar, sob outra forma e outro nome, no santuário da ciência oficial, não mais se tratou de hipnotismo (Vide Revista Espírita de janeiro de 1860).
Entretanto, jamais a Natureza perde os seus direitos. Se as leis são desconhecidas por algum tempo, ela tantas vezes volta à carga e as apresenta sob formas tão variadas que, mais cedo ou mais tarde, obriga a abrir os olhos. O Espiritismo é prova disto. Podem negá-lo, denegri-lo, repeli-lo; ele bate em todas as portas de cem maneiras diversas e, bom grado malgrado, penetra naqueles mesmos que dele não querem ouvir falar.
Aproximando este fenômeno daquele que nos ocupa, e sobretudo das explicações dadas acima, observamos, nos efeitos e nas causas, uma analogia chocante. Daí pode-se tirar a conclusão de que os corpos vulgarmente chamados espelhos mágicos não passam de agentes hipnóticos, infinitamente variados em suas formas e efeitos, conforme a natureza e o grau das aptidões.
Sendo assim, não seria impossível que certas pessoas, dotadas espontânea e acidentalmente dessa faculdade, sofressem, malgrado seu, a influência magnética de objetos exteriores, sobre os quais maquinalmente fixam os olhos. Por que o reflexo da água, de um lago, de um pântano, de um riacho, mesmo de um astro, não produziria o mesmo efeito que um copo ou uma garrafa sobre certas organizações convenientemente predispostas? Mas isto é uma hipótese que necessita de confirmação pela experiência.
Além disto, esse fenômeno não é uma descoberta moderna. Ele é encontrado, mesmo em nossos dias, nos povos mais atrasados, tanto é certo que o que está em a Natureza tem o privilégio de ser de todos os tempos e lugares. A princípio aceitam-no como um fato; a explicação vem depois, com o progresso, e à medida que o homem avança no conhecimento das leis que regem o mundo.
Tais são as consequências que nos parecem decorrer logicamente dos fatos observados.
Partida de um adversário do Espiritismo para o mundo dos Espíritos
Escrevem-nos de V...:
“Há algum tempo morreu um padre nas nossas vizinhanças. Era um adversário declarado do Espiritismo, mas não um desses adversários furibundos, como se veem tantos, que suprem a falta de boas razões pela violência e pela injúria. Era um homem instruído, de inteligência superior. Combatia-o com talento, sem acrimônia e sem se afastar das conveniências. Infelizmente para ele, malgrado todo seu saber e seu mérito incontestável, ele só lhe pôde opor os lugares-comuns ordinários, e para derrubá-lo não encontrou nenhum desses argumentos que levam ao espírito das massas uma convicção irresistível. Sua ideia fixa, pelo menos a que ele buscava fazer prevalecer, era apenas que o Espiritismo teria um tempo restrito; que sua rápida propagação era apenas um entusiasmo passageiro, e que cairia como todas as ideias utópicas.
“Tivemos a ideia de evocá-lo em nosso pequeno círculo. Sua comunicação pareceu-nos instrutiva, sob vários aspectos, razão pela qual nós vo-la remetemos.
Em nossa opinião, ela tem um incontestável cunho de identidade.
“Eis a comunicação:
Pergunta (ao guia do médium) ─ Teríeis a bondade de dizer se podemos fazer a evocação do Sr. Padre D...?
Resposta. ─ Sim. Ele virá, mas, embora persuadido da realidade de vossos ensinos, de que a morte o convenceu, ainda tentará provar-vos a inutilidade dos vossos esforços para difundi-los de maneira séria. Ei-lo pronto a apoiar-se em dissensões momentâneas suscitadas por alguns irmãos que se desgarraram, para vos provar a insanidade de vossa doutrina. Escutai-o. Sua linguagem vos fará conhecer de que maneira deveis falar-lhe.
Evocação. ─ Caro Espírito do Sr. D..., esperamos que com a ajuda de Deus e dos bons Espíritos, tenhais a bondade de vir comunicar-vos conosco. Todo sentimento de curiosidade, como podeis ver, está longe de nosso pensamento. Provocando esta comunicação, nosso objetivo é dela tirar uma instrução proveitosa para nós e talvez igualmente para vós. Assim, vos seremos reconhecidos pelo que nos quiserdes dizer.
Resposta. ─ Tendes razão de me chamar, mas vos enganais supondo que eu pudesse recusar-me a vir a vós. Acreditai que meu título de adversário do Espiritismo para mim não é outro motivo para guardar silêncio. Tenho boas razões para falar.
Minha vinda é uma confissão, uma afirmação dos vossos ensinos. Eu sei disso e o reconheço. Estou convencido da realidade das manifestações que hoje experimento, mas não é uma razão para que reconheça a sua excelência e que admita como certo o objetivo a que vos propondes. Sim, os Espíritos se comunicam, e não são apenas os demônios, como nós ensinamos, e por motivos óbvios. É inútil que me estenda a respeito, pois conheceis tão bem quanto eu as razões que nos levam a assim agir. Certamente os Espíritos de todas as categorias se comunicam; eu sou uma prova, porque, embora não tenha a vaidade de me acreditar um ser superior, quer pelos conhecimentos, quer pela moralidade, tenho bastante consciência do meu valor para me julgar acima dessas categorias de Espíritos sujeitos à expiação das mais vis imperfeições. Não sou perfeito. Como qualquer outro, posso ter cometido faltas, mas o reconheço com orgulho. Se fui homem de opinião, fui, ao mesmo tempo, homem de bem, no inteiro sentido da palavra.
Escutai-me, pois. Os padres podem estar errados em vos combater. Não sei o que reserva o futuro e não entrarei em discussão sobre se há ou não fundamento em sua oposição, verdadeiramente sistemática; mas, também, examinando com cuidado todas as consequências de uma aceitação, não podem deixar de reconhecer que causaríeis a sua ruína social ou, pelo menos, uma transformação tão absoluta, que todo privilégio, toda separação dos outros homens a rigor seriam aniquiladas. Ora, não se renuncia com alegria no coração a uma realeza muito invejável, a um prestígio que eleva acima do comum, a riquezas que, por serem materiais, não são menos necessárias à satisfação do padre quanto à do homem comum. Pelo Espiritismo, não mais oligarquia clerical; o padre não é ninguém e é alguém; o padre é o homem de bem que ensina a verdade aos seus irmãos; é o operário caridoso que ergue seu companheiro caído; vosso sacerdócio é a fé; vossa hierarquia, o mérito; vosso salário, Deus! É grande! É belo! Mas também, é preciso dizer, mais cedo ou mais tarde é a ruína, não do homem, que não pode senão ganhar com esses ensinos, mas da família clerical. Não se renuncia de boa vontade, repito, às honras, ao respeito que se está habituado a colher. Tendes razão, eu admito, contudo não posso desaprovar nossa atitude frente ao vosso ensino. Digo nossa, porque ainda é minha, a despeito de tudo o que vejo e de tudo o que me podereis dizer.
Admitamos vossa doutrina firmada; ei-la escutada, por toda parte estendendo suas ramificações, entre o povo como nas classes ricas; entre os artistas como entre os literatos; e é este último que vos prestará o concurso mais eficaz, entretanto, o que resultará de tudo isto? Em minha opinião, ei-lo:
Já se operaram divisões entre vós. Existem duas grandes seitas entre os espíritas: os espiritualistas da escola americana e os espíritas da escola francesa. Mas consideremos apenas esta última. Ela é una? Não. Eis, de um lado, os puristas ou kardecistas, que só admitem uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados; é o núcleo principal, mas não está só; diversos ramos, depois de se haverem penetrado pelos grandes ensinamentos do centro, separam-se da mãe comum para formar seitas particulares; outros, não inteiramente destacados do tronco, emitem opiniões subversivas. Cada chefe de oposição tem os seus aliados; os campos ainda não estão delineados, mas se formam e em breve rebentará a cisão. Eu vos digo que o Espiritismo, como as doutrinas filosóficas que o precederam, não poderia ter uma longa duração. Ele nasceu e cresceu, mas agora está no auge e já decresce. Ele diariamente faz alguns adeptos, mas, como o sansimonismo, como o fourrierismo, como os teósofos, ele cairá para talvez ser substituído, mas cairá, eu o creio firmemente.
Contudo, seu princípio existe: os Espíritos. Mas, também, não tem os seus perigos? Os Espíritos inferiores podem comunicar-se, e isto é a sua perda. Os homens são, antes de tudo, dominados por suas paixões, e os Espíritos de que acabo de falar são habituados a excitá-las. Como há mais imperfeições do que qualidades em nossa Humanidade, é portanto evidente que o Espírito do mal triunfará e que se o Espiritismo algo pode, será certamente a invasão de um flagelo terrível para todos.
Assim sendo, concluo que, bom em essência, ele é mau por seus resultados e, então, é prudente rejeitá-lo.
O médium. ─ Caro Espírito, se o Espiritismo fosse uma concepção humana, eu estaria de acordo convosco, mas se vos é impossível negar a existência dos Espíritos, também não podeis desconhecer, no movimento dirigido pelos seres invisíveis, a mão poderosa da divindade. Ora, a menos que negásseis os vossos próprios ensinos de quando estáveis na Terra, não poderíeis admitir que a ação do homem possa ser um obstáculo à vontade de Deus, seu criador. De duas, uma: ou o Espiritismo é uma obra de invenção humana e, como toda obra humana, sujeito à ruína, ou é obra de Deus, a manifestação de sua vontade, e nesse caso nenhum obstáculo poderia impedi-lo, nem mesmo retardá-lo em seu desenvolvimento. Se, pois, reconheceis que existem Espíritos, e que esses Espíritos se comunicam para nos instruir, isto não pode estar fora da vontade divina, porque então existiria, ao lado de Deus, um poder independente, que destruiria sua qualidade de todopoderoso e, por consequência, de Deus. O Espiritismo não poderia ser arruinado pelo fato de algumas dissensões que os interesses humanos poderiam fazer nascer em seu seio.
Resposta. ─ Talvez tenhais razão, meu jovem amigo (o médium era um rapaz), mas eu mantenho o que disse. Cesso qualquer discussão a respeito. Isto à parte, estou à vossa disposição para qualquer pergunta que me queirais fazer.
O médium. ─ Então, considerando que o permitis, sem insistir num assunto que talvez vos fosse penoso prosseguir neste momento, rogaremos nos descrevais vossa passagem desta vida para a em que estais, dizer se ficastes perturbado e se, na vossa posição atual, vos podemos ser úteis.
Resposta. ─ Malgrado meu, não posso deixar de reconhecer a excelência desses princípios que ensinam ao homem o que é a morte e que lhe dão a afeição por seres que lhes são totalmente desconhecidos. Mas... enfim, meu caro rapaz, vou responder à vossa pergunta. Não abusarei do vosso tempo e satisfarei ao vosso desejo em poucas palavras.
Assim, confessarei que no momento de morrer não deixava de estar apreensivo. Era a matéria que me levava a lamentar esta existência? Era a ignorância do futuro? Não vo-lo ocultarei, eu tinha medo! Perguntais se fiquei perturbado. Como entendeis isto? Se quereis dizer com isto que a ação violenta da separação me mergulhou numa espécie de letargia moral, da qual saí como de um sono penoso, sim, fiquei perturbado. Mas se entendeis uma perturbação nas funções da inteligência: a memória, a consciência de mim mesmo, não. Não passei por isto. Contudo, a perturbação se verifica em certos seres; talvez também para mim, se bem que eu não acredite. Mas o que creio é que geralmente esse fenômeno não deve ocorrer imediatamente após a morte. É verdade que fiquei surpreso ao ver a existência do Espírito tal qual ensinais, mas isto não é perturbação. Eis como entendo a perturbação, e em que circunstâncias a experimentei.
Se eu não estivesse certo da verdade da minha crença; se a dúvida entrasse em minha alma a respeito do que até agora acreditei; se uma modificação brusca se tivesse operado em mim na maneira de ver, aí eu teria ficado perturbado. Mas minha opinião é que tal perturbação não se deve dar logo após a morte. Se creio no que me diz a razão, ao morrer, o ser deve ficar tal qual era antes de passar... Só mais tarde, quando o isolamento, a mudança que se opera gradualmente ao seu redor modificam suas opiniões, quando o seu ser experimenta um abalo moral que faz vacilar sua segurança primitiva, é que realmente começa a perturbação.
Perguntais se me podeis ser útil nalguma coisa. Minha religião me ensina que a prece é boa; vossa crença diz que ela é útil. Orai, pois, por mim, e tende certeza de minha gratidão.
Malgrado a dissidência que existe entre nós, não ficarei menos encantado por vir algumas vezes conversar convosco.
PADRE D...
“Há algum tempo morreu um padre nas nossas vizinhanças. Era um adversário declarado do Espiritismo, mas não um desses adversários furibundos, como se veem tantos, que suprem a falta de boas razões pela violência e pela injúria. Era um homem instruído, de inteligência superior. Combatia-o com talento, sem acrimônia e sem se afastar das conveniências. Infelizmente para ele, malgrado todo seu saber e seu mérito incontestável, ele só lhe pôde opor os lugares-comuns ordinários, e para derrubá-lo não encontrou nenhum desses argumentos que levam ao espírito das massas uma convicção irresistível. Sua ideia fixa, pelo menos a que ele buscava fazer prevalecer, era apenas que o Espiritismo teria um tempo restrito; que sua rápida propagação era apenas um entusiasmo passageiro, e que cairia como todas as ideias utópicas.
“Tivemos a ideia de evocá-lo em nosso pequeno círculo. Sua comunicação pareceu-nos instrutiva, sob vários aspectos, razão pela qual nós vo-la remetemos.
Em nossa opinião, ela tem um incontestável cunho de identidade.
“Eis a comunicação:
Pergunta (ao guia do médium) ─ Teríeis a bondade de dizer se podemos fazer a evocação do Sr. Padre D...?
Resposta. ─ Sim. Ele virá, mas, embora persuadido da realidade de vossos ensinos, de que a morte o convenceu, ainda tentará provar-vos a inutilidade dos vossos esforços para difundi-los de maneira séria. Ei-lo pronto a apoiar-se em dissensões momentâneas suscitadas por alguns irmãos que se desgarraram, para vos provar a insanidade de vossa doutrina. Escutai-o. Sua linguagem vos fará conhecer de que maneira deveis falar-lhe.
Evocação. ─ Caro Espírito do Sr. D..., esperamos que com a ajuda de Deus e dos bons Espíritos, tenhais a bondade de vir comunicar-vos conosco. Todo sentimento de curiosidade, como podeis ver, está longe de nosso pensamento. Provocando esta comunicação, nosso objetivo é dela tirar uma instrução proveitosa para nós e talvez igualmente para vós. Assim, vos seremos reconhecidos pelo que nos quiserdes dizer.
Resposta. ─ Tendes razão de me chamar, mas vos enganais supondo que eu pudesse recusar-me a vir a vós. Acreditai que meu título de adversário do Espiritismo para mim não é outro motivo para guardar silêncio. Tenho boas razões para falar.
Minha vinda é uma confissão, uma afirmação dos vossos ensinos. Eu sei disso e o reconheço. Estou convencido da realidade das manifestações que hoje experimento, mas não é uma razão para que reconheça a sua excelência e que admita como certo o objetivo a que vos propondes. Sim, os Espíritos se comunicam, e não são apenas os demônios, como nós ensinamos, e por motivos óbvios. É inútil que me estenda a respeito, pois conheceis tão bem quanto eu as razões que nos levam a assim agir. Certamente os Espíritos de todas as categorias se comunicam; eu sou uma prova, porque, embora não tenha a vaidade de me acreditar um ser superior, quer pelos conhecimentos, quer pela moralidade, tenho bastante consciência do meu valor para me julgar acima dessas categorias de Espíritos sujeitos à expiação das mais vis imperfeições. Não sou perfeito. Como qualquer outro, posso ter cometido faltas, mas o reconheço com orgulho. Se fui homem de opinião, fui, ao mesmo tempo, homem de bem, no inteiro sentido da palavra.
Escutai-me, pois. Os padres podem estar errados em vos combater. Não sei o que reserva o futuro e não entrarei em discussão sobre se há ou não fundamento em sua oposição, verdadeiramente sistemática; mas, também, examinando com cuidado todas as consequências de uma aceitação, não podem deixar de reconhecer que causaríeis a sua ruína social ou, pelo menos, uma transformação tão absoluta, que todo privilégio, toda separação dos outros homens a rigor seriam aniquiladas. Ora, não se renuncia com alegria no coração a uma realeza muito invejável, a um prestígio que eleva acima do comum, a riquezas que, por serem materiais, não são menos necessárias à satisfação do padre quanto à do homem comum. Pelo Espiritismo, não mais oligarquia clerical; o padre não é ninguém e é alguém; o padre é o homem de bem que ensina a verdade aos seus irmãos; é o operário caridoso que ergue seu companheiro caído; vosso sacerdócio é a fé; vossa hierarquia, o mérito; vosso salário, Deus! É grande! É belo! Mas também, é preciso dizer, mais cedo ou mais tarde é a ruína, não do homem, que não pode senão ganhar com esses ensinos, mas da família clerical. Não se renuncia de boa vontade, repito, às honras, ao respeito que se está habituado a colher. Tendes razão, eu admito, contudo não posso desaprovar nossa atitude frente ao vosso ensino. Digo nossa, porque ainda é minha, a despeito de tudo o que vejo e de tudo o que me podereis dizer.
Admitamos vossa doutrina firmada; ei-la escutada, por toda parte estendendo suas ramificações, entre o povo como nas classes ricas; entre os artistas como entre os literatos; e é este último que vos prestará o concurso mais eficaz, entretanto, o que resultará de tudo isto? Em minha opinião, ei-lo:
Já se operaram divisões entre vós. Existem duas grandes seitas entre os espíritas: os espiritualistas da escola americana e os espíritas da escola francesa. Mas consideremos apenas esta última. Ela é una? Não. Eis, de um lado, os puristas ou kardecistas, que só admitem uma verdade depois de um exame atento e da concordância com todos os dados; é o núcleo principal, mas não está só; diversos ramos, depois de se haverem penetrado pelos grandes ensinamentos do centro, separam-se da mãe comum para formar seitas particulares; outros, não inteiramente destacados do tronco, emitem opiniões subversivas. Cada chefe de oposição tem os seus aliados; os campos ainda não estão delineados, mas se formam e em breve rebentará a cisão. Eu vos digo que o Espiritismo, como as doutrinas filosóficas que o precederam, não poderia ter uma longa duração. Ele nasceu e cresceu, mas agora está no auge e já decresce. Ele diariamente faz alguns adeptos, mas, como o sansimonismo, como o fourrierismo, como os teósofos, ele cairá para talvez ser substituído, mas cairá, eu o creio firmemente.
Contudo, seu princípio existe: os Espíritos. Mas, também, não tem os seus perigos? Os Espíritos inferiores podem comunicar-se, e isto é a sua perda. Os homens são, antes de tudo, dominados por suas paixões, e os Espíritos de que acabo de falar são habituados a excitá-las. Como há mais imperfeições do que qualidades em nossa Humanidade, é portanto evidente que o Espírito do mal triunfará e que se o Espiritismo algo pode, será certamente a invasão de um flagelo terrível para todos.
Assim sendo, concluo que, bom em essência, ele é mau por seus resultados e, então, é prudente rejeitá-lo.
O médium. ─ Caro Espírito, se o Espiritismo fosse uma concepção humana, eu estaria de acordo convosco, mas se vos é impossível negar a existência dos Espíritos, também não podeis desconhecer, no movimento dirigido pelos seres invisíveis, a mão poderosa da divindade. Ora, a menos que negásseis os vossos próprios ensinos de quando estáveis na Terra, não poderíeis admitir que a ação do homem possa ser um obstáculo à vontade de Deus, seu criador. De duas, uma: ou o Espiritismo é uma obra de invenção humana e, como toda obra humana, sujeito à ruína, ou é obra de Deus, a manifestação de sua vontade, e nesse caso nenhum obstáculo poderia impedi-lo, nem mesmo retardá-lo em seu desenvolvimento. Se, pois, reconheceis que existem Espíritos, e que esses Espíritos se comunicam para nos instruir, isto não pode estar fora da vontade divina, porque então existiria, ao lado de Deus, um poder independente, que destruiria sua qualidade de todopoderoso e, por consequência, de Deus. O Espiritismo não poderia ser arruinado pelo fato de algumas dissensões que os interesses humanos poderiam fazer nascer em seu seio.
Resposta. ─ Talvez tenhais razão, meu jovem amigo (o médium era um rapaz), mas eu mantenho o que disse. Cesso qualquer discussão a respeito. Isto à parte, estou à vossa disposição para qualquer pergunta que me queirais fazer.
O médium. ─ Então, considerando que o permitis, sem insistir num assunto que talvez vos fosse penoso prosseguir neste momento, rogaremos nos descrevais vossa passagem desta vida para a em que estais, dizer se ficastes perturbado e se, na vossa posição atual, vos podemos ser úteis.
Resposta. ─ Malgrado meu, não posso deixar de reconhecer a excelência desses princípios que ensinam ao homem o que é a morte e que lhe dão a afeição por seres que lhes são totalmente desconhecidos. Mas... enfim, meu caro rapaz, vou responder à vossa pergunta. Não abusarei do vosso tempo e satisfarei ao vosso desejo em poucas palavras.
Assim, confessarei que no momento de morrer não deixava de estar apreensivo. Era a matéria que me levava a lamentar esta existência? Era a ignorância do futuro? Não vo-lo ocultarei, eu tinha medo! Perguntais se fiquei perturbado. Como entendeis isto? Se quereis dizer com isto que a ação violenta da separação me mergulhou numa espécie de letargia moral, da qual saí como de um sono penoso, sim, fiquei perturbado. Mas se entendeis uma perturbação nas funções da inteligência: a memória, a consciência de mim mesmo, não. Não passei por isto. Contudo, a perturbação se verifica em certos seres; talvez também para mim, se bem que eu não acredite. Mas o que creio é que geralmente esse fenômeno não deve ocorrer imediatamente após a morte. É verdade que fiquei surpreso ao ver a existência do Espírito tal qual ensinais, mas isto não é perturbação. Eis como entendo a perturbação, e em que circunstâncias a experimentei.
Se eu não estivesse certo da verdade da minha crença; se a dúvida entrasse em minha alma a respeito do que até agora acreditei; se uma modificação brusca se tivesse operado em mim na maneira de ver, aí eu teria ficado perturbado. Mas minha opinião é que tal perturbação não se deve dar logo após a morte. Se creio no que me diz a razão, ao morrer, o ser deve ficar tal qual era antes de passar... Só mais tarde, quando o isolamento, a mudança que se opera gradualmente ao seu redor modificam suas opiniões, quando o seu ser experimenta um abalo moral que faz vacilar sua segurança primitiva, é que realmente começa a perturbação.
Perguntais se me podeis ser útil nalguma coisa. Minha religião me ensina que a prece é boa; vossa crença diz que ela é útil. Orai, pois, por mim, e tende certeza de minha gratidão.
Malgrado a dissidência que existe entre nós, não ficarei menos encantado por vir algumas vezes conversar convosco.
PADRE D...
Nosso correspondente tinha razão ao dizer que esta comunicação é instrutiva. Com efeito, ela é instrutiva sob vários aspectos, e nossos leitores apreenderão facilmente os graves ensinos que dela ressaltam, sem que tenhamos necessidade de destacá-los. Aí vemos um Espírito que em vida tinha combatido nossas doutrinas e contra ela esgotado todos os argumentos que seu profundo saber lhe havia fornecido. Sábio teólogo, é provável que não tivesse desprezado nenhum. Como Espírito há pouco desencarnado, reconhecendo as verdades fundamentais em que nos apoiamos, nem por isso persiste menos em sua posição, e isto pelos mesmos motivos. Ora, é incontestável que se, mais lúcido no seu estado espiritual, ele tivesse achado argumentos mais peremptórios para nos combater, tê-los-ia feito valer. Longe disto, parece ter medo de ver muito claro, entretanto, pressente uma modificação em suas ideias. Ainda imbuído das ideias terrenas, a elas liga todos os seus pensamentos. O futuro o apavora, por isto não ousa encará-lo.
Responder-lhe-emos como se em vida tivesse escrito o que ditou após a morte. Dirigimo-nos tanto ao homem quanto ao Espírito, assim respondendo aos que partilham sua maneira de ver e nos poderiam opor os mesmos argumentos. Assim, lhe diremos:
Senhor padre, embora tenhais sido nosso adversário declarado e militante na Terra, nenhum de nós assim vos quer hoje e jamais vos quis durante vossa existência, primeiro porque nossa fé faz da tolerância uma lei e aos nossos olhos todas as opiniões são respeitáveis, quando sinceras. A liberdade de consciência é um dos nossos princípios; nós a queremos para os outros, como a queremos para nós. Só a Deus pertence julgar da validade das crenças, e nenhum homem tem o direito de anatematizar em nome de Deus. A liberdade de consciência não tira o direito de discussão e de refutação, mas a caridade ordena não amaldiçoar ninguém. Em segundo lugar, não vos queremos menos, pois vossa oposição não causou nenhum prejuízo à doutrina. Servistes à causa do Espiritismo, malgrado vosso, como todos os que o atacam, ajudando a torná-lo conhecido e provando, sobretudo em razão do vosso mérito pessoal, a insuficiência das armas que empregam para combatê-lo.
Permiti-me, agora, discutir algumas de vossas proposições.
Sobretudo uma me parece pecar, de saída, contra a lógica. É aquela em que dizeis que “O Espiritismo, bom pela essência, é mau por seus resultados.” Parece que esquecestes a máxima do Cristo, tornada proverbial, pela força da verdade: “Uma árvore boa não pode dar maus frutos.” Não se compreenderia que uma coisa boa na sua própria essência, pudesse ser perniciosa.
Em outro momento, dizeis que o perigo do Espiritismo está na manifestação dos maus Espíritos que, em proveito do mal, explorarão as paixões dos homens. Eis uma das teses que sustentáveis em vida. Mas, ao lado dos maus Espíritos, há os bons, que excitam ao bem, ao passo que, segundo a doutrina da Igreja, o poder de se comunicar só é dado aos demônios. Se, pois, achais o Espiritismo perigoso porque admite a comunicação dos maus Espíritos ao lado dos bons, se a doutrina da Igreja fosse verdadeira, seria ainda muito mais perigosa, porque não admite senão a dos maus.
Aliás, não foi o Espiritismo que inventou a manifestação dos Espíritos, nem é a causa de sua comunicação. Ele apenas constata um fato que se produziu em todos os tempos, porque está em a Natureza. Para que o Espiritismo deixasse de existir, fora preciso que os Espíritos parassem de se manifestar. Se essa manifestação oferece perigos, não se deve acusar por isso o Espiritismo, mas a Natureza. A ciência da eletricidade é a causa dos danos causados pelo raio? Certamente que não. Ela dá a conhecer a causa do raio e ensina os meios de desviá-lo. O mesmo ocorre com o Espiritismo. Ele dá a conhecer a causa de uma influência perniciosa que age sobre o homem, malgrado seu, e lhe indica os meios de contra ela se proteger, ao passo que se a ignorasse sofreria os seus efeitos e a ela estaria exposto sem suspeitar.
A influência dos maus Espíritos faz parte dos flagelos a que o homem está exposto aqui embaixo, como as doenças e os acidentes de toda sorte, porque está numa terra de expiação e de provação, onde deve trabalhar por seu adiantamento moral e intelectual. Mas, ao lado do mal, em sua bondade, Deus sempre põe o remédio; ele deu ao homem a inteligência para descobri-lo. É a isto que conduz o progresso das ciências. O Espiritismo vem indicar o remédio a um desses males. Ele ensina que para a ele subtrair-se e neutralizar a influência dos maus Espíritos, é preciso tornar-se melhor, dominar suas más inclinações e praticar as virtudes ensinadas pelo Cristo: a humildade e a caridade. Então a isto chamais de maus resultados?
A manifestação dos Espíritos é um fato positivo, reconhecido pela Igreja. Ora, hoje a experiência vem demonstrar que os Espíritos são as almas dos homens, e essa é razão pela qual há tantos imperfeitos. Se esse fato vem contradizer certos dogmas, o Espiritismo não é mais responsável do que a Geologia por ter demonstrado que a Terra não foi feita em seis dias. O erro é desses dogmas que não estão de acordo com as leis da Natureza. Por essas manifestações, como pelas descobertas da Ciência, Deus quer reconduzir o homem a crenças mais verdadeiras. Repudiar o progresso, portanto, é desconhecer a vontade de Deus; atribuí-lo ao demônio é blasfemar contra Deus. Querer, de bom grado ou de mau grado, manter uma crença contra a evidência e fazer de um princípio reconhecido como falso a base de uma doutrina, é escorar uma casa no esteio bichado. Pouco a pouco e esteio se quebra e a casa cai.
Dizeis que a oposição da Igreja ao Espiritismo tem sua razão de ser e a aprovais, porque seria a ruína do clero, cuja separação do comum dos homens seria aniquilada. Dizeis: “Com o Espiritismo, não mais oligarquia clerical; o padre não é ninguém e é alguém; é o homem de bem que ensina a verdade a seus irmãos; é o operário caridoso que ergue o companheiro caído; vosso sacerdócio é a fé; vossa hierarquia, o mérito; vosso salário, Deus! É grande! É belo! Mas não se renuncia de coração alegre a uma realeza, a um prestígio que vos eleva acima do vulgo, a respeitos, a honras que se está habituado a colher, a riquezas que, por serem materiais, não são tão menos necessárias à satisfação do padre quanto a do homem vulgar.”
Mas quê! Então o clero seria movido por sentimentos tão mesquinhos? Neste ponto ele desconheceria as palavras do Cristo: “Meu reino não é deste mundo”, a ponto de sacrificar o interesse da verdade à satisfação do orgulho, da ambição e das paixões mundanas? Então ele não acreditaria nesse reino prometido por Jesus Cristo, porque a ele prefere o da Terra. Assim, ele teria seu ponto de apoio no Céu apenas em aparência, e para se dar prestígio, mas na verdade para salvaguardar seus interesses terrenos! Nós preferimos crer que se tal for o móvel de alguns de seus membros, não é o sentimento da maioria. Se assim não fosse, seu reino estaria bem próximo de acabar, e vossas palavras seriam sua sentença, porque apenas o reino celeste é o eterno, ao passo que os da Terra são frágeis e instáveis.
Ides muito longe, senhor padre, em vossas previsões sobre as consequências do Espiritismo, mais longe do que eu em meus escritos. Sem vos acompanhar neste terreno, apenas direi, porque cada um o pressente, que o resultado inevitável será uma transformação da Sociedade; ele criará uma nova ordem de coisas, novos hábitos, novas necessidades; ele modificará as crenças, as relações sociais; ele fará à moral o que fazem, do ponto de vista material, todas as grandes descobertas da Indústria e das Ciências. Essa transformação vos apavora e é por isso que, pressentindo-a, vós a afastais do vosso pensamento; quereríeis nela não crer; numa palavra, fechais os olhos para não ver e os ouvidos para não ouvir. Assim há muitos homens na Terra. Contudo, se essa transformação está nos desígnios da Providência, ela se realizará, façam o que fizerem. Será preciso suportá-la de boa vontade ou à força e a ela se dobrar, como os homens do antigo regime tiveram que sofrer as consequências da Revolução, que eles também negavam e declaravam impossível, antes que se tivesse realizado.
A quem lhes houvesse dito que em menos de um quarto de século todos os privilégios estariam abolidos; que um menino, ao nascer, não seria mais coronel; que não mais se compraria um regimento como uma boiada; que o soldado poderia tornar-se marechal e o último plebeu, ministro; que os direitos seriam os mesmos para todos e que o lavrador teria voz igual nos grandes negócios de seu país, ao lado do seu senhor, eles teriam balançado a cabeça em sua incredulidade, contudo, se um deles tivesse então adormecido e acordado, como Epimênides, quarenta anos mais tarde, julgaria achar-se num outro mundo.
É o medo do futuro que vos faz dizer que o Espiritismo terá apenas um tempo. Procurais criar uma ilusão, quereis prová-la para vós mesmo e acabeis crendo de boa-fé, porque isto vos tranquiliza. Mas que razão apresentais? A menos concludente de todas, como é fácil demonstrar.
Ah! Se provásseis peremptoriamente que o Espiritismo é uma utopia, que repousa num erro material de fato, sobre uma base falsa, ilusória, sem fundamento, então teríeis razão. Mas, ao contrário, afirmais a existência do princípio e, ademais, a excelência desse princípio. Reconheceis, e convosco a Igreja, a realidade do fato material sobre o qual repousa: o das manifestações. Tal fato pode ser aniquilado? Não, assim como não se pode aniquilar o movimento da Terra. Levando-se em conta que ele está em a Natureza, produzir-se-á sempre. Esse fato, outrora incompreendido, mas melhor estudado e compreendido em nossos dias, traz em si mesmo consequências inevitáveis. Se não o podeis aniquilar, sois forçado a sofrerlhe as consequências. Segui-o passo a passo em suas ramificações, e chegareis fatalmente a uma revolução nas ideias. Ora, uma mudança nas ideias traz, forçosamente, uma mudança na ordem das coisas. (Vide O que é o Espiritismo).
Por outro lado, o Espiritismo não dobra as inteligências ao seu jugo; ele não impõe uma crença cega; ele quer que a fé se apoie na compreensão. É principalmente nisto, senhor padre, que divergimos na maneira de ver. Assim, a cada um deixa ele inteira liberdade de exame, em virtude do princípio que, sendo a verdade una, mais cedo ou mais tarde ela deve prevalecer sobre o que é falso, e que um princípio baseado no erro cai pela força das coisas. As ideias falsas, postas em discussão, mostram seu lado fraco e se apagam ante o poder da lógica. Essas divergências são inevitáveis no começo; são mesmo necessárias, porque ajudam a depuração e o estabelecimento da ideia fundamental. É preferível que elas se produzam desde o começo, pois a doutrina verdadeira delas se desembaraçará mais cedo. Eis por que sempre dissemos aos adeptos: Não vos inquieteis com as ideias contraditórias que podem ser emitidas ou publicadas. Vede quantas já morreram no nascedouro! Quantos escritos dos quais não mais se fala! O que buscamos? O triunfo, a qualquer preço, de nossas ideias? Não, mas o da verdade. Se entre as ideias contrárias, algumas forem mais verdadeiras que as nossas, elas triunfarão e deveremos adotá-las; se forem falsas, não poderão suportar a prova decisiva do controle do ensino universal dos Espíritos, único critério da ideia que sobreviverá.
Falta exatidão na assimilação que estabeleceis entre o Espiritismo e outras doutrinas filosóficas. Não foram os homens que fizeram do Espiritismo o que ele é, nem os que farão o que ele será mais tarde: são os Espíritos por seus ensinos. Os homens apenas o põem em ação e coordenam os materiais que lhes são fornecidos. Esse ensino ainda não está completo e não se deve considerar o que deram até hoje senão como as primeiras balizas da ciência. Pode-se compará-lo às quatro regras em relação às matemáticas, e ainda estamos nas equações do primeiro grau. É por isso que muita gente ainda não lhe compreende a importância nem o alcance. Mas os Espíritos regulam o ensino à sua vontade, e de ninguém depende fazê-los ir mais depressa ou mais devagar do que eles querem; eles nem acompanham os apressados nem vão a reboque dos retardatários.
O Espiritismo não é obra de um só Espírito nem de um só homem. Ele é obra dos Espíritos em geral. Segue-se daí que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer só é considerada pelos espíritas como opinião individual, que pode ser justa ou falsa e só tem valor quando sancionada pelo ensino da maioria, dado nos diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que dele fez o que ele é e que dele fará o que ele será. Diante desse poderoso critério caem, necessariamente, todas as teorias particulares que são produto de ideias sistemáticas, quer de um homem, quer de um Espírito isolados. Sem dúvida uma ideia falsa pode reunir ao seu redor alguns partidários, mas jamais prevalecerá contra a que é ensinada em toda parte.
O Espiritismo, que apenas acaba de nascer, mas que já levanta questões da mais alta importância, necessariamente põe em efervescência uma porção de imaginações. Cada um vê a coisa de seu ponto de vista. Daí a diversidade de sistemas surgidos em seu começo, a maioria dos quais já ruíram diante da força do ensino geral. Dar-se-á o mesmo com os que não estiverem com a verdade, porque, ao ensino divergente de um Espírito, dado por um médium, opor-se-á sempre o ensino de milhões de Espíritos, dado por milhões de médiuns. Eis a razão pela qual certas teorias excêntricas viveram apenas alguns dias e não saíram do círculo onde nasceram. Privadas de sanção, elas não encontram eco nem simpatia na opinião das massas e se, além disso, chocam a lógica e o senso comum, provocam um sentimento de repulsa que lhes precipita a queda.
Assim, o Espiritismo possui um elemento de estabilidade e de unidade tirado de sua natureza e de sua origem, o que não é próprio de nenhuma das doutrinas filosóficas de concepção puramente humana; é o escudo contra o qual sempre virão quebrar-se todas as tentativas feitas para derrubá-lo ou dividi-lo. Essas divisões jamais podem ser senão parciais, circunscritas e momentâneas.
Falais de seitas que, em vossa opinião, dividem os espíritas, de onde concluís pela próxima ruína de sua doutrina. Mas esqueceis todas as que dividiram o Cristianismo desde seu nascimento, que o ensanguentaram, que o dividem ainda, e cujo número, até hoje, não se eleva a menos de trezentos e sessenta. Contudo, a despeito das dissidências profundas sobre os dogmas fundamentais, o Cristianismo ficou de pé, prova de que é independente dessas questões de controvérsia. Por que quereríeis que o Espiritismo, que se liga, por sua própria base, aos princípios do Cristianismo, e que só é dividido em questões secundárias que dia a dia se esclarecem, sofresse com a divergência de algumas opiniões pessoais, quando tem um ponto de ligação tão poderoso como o controle universal?
Assim, mesmo que o Espiritismo fosse hoje dividido em vinte seitas, o que não é nem será, isto não teria qualquer consequência, porque é o trabalho de parto. Se fossem suscitadas divisões por ambições pessoais, por homens dominados pela ideia de se fazerem chefes de seita, ou de explorar a ideia em proveito de seu amorpróprio ou de seus interesses, sem a menor dúvida seriam as menos perigosas. As ambições pessoais morrem com os indivíduos, e se os que tiverem querido elevar-se não tiverem por si a verdade, suas ideias morrerão com eles, e talvez antes deles. Mas a verdade verdadeira não poderá morrer.
Estais certo, senhor padre, dizendo que haverá ruínas no Espiritismo, mas não como entendeis. As ruínas serão as de todas as opiniões errôneas, que fervem e surgem. Se todas estiverem em erro, cairão todas, o que é inevitável, mas se houver uma só verdadeira, ela infalivelmente sobreviverá.
Duas divisões bem marcadas, e às quais poderia realmente dar-se o nome de seitas, se haviam formado há alguns anos quanto ao ensinamento de dois Espíritos que, enfeitando-se com nomes venerados, tinham captado a confiança de algumas pessoas. Hoje não se fala mais nisto. Diante de que tombaram? Diante do bom-senso e da lógica das massas, de um lado, e diante do ensino geral dos Espíritos concordes com essa mesma lógica.
Contestareis o valor desse controle universal pela razão de que, sendo os Espíritos as almas dos homens, estão igualmente sujeitos ao erro? Mas estaríeis em contradição convosco mesmo. Não admitis que um concílio geral tem mais autoridade que um concílio particular, porque é mais numeroso, e que sua opinião prevalece sobre a de cada padre, de cada bispo e mesmo sobre a do Papa? Que a maioria faz lei em todas as assembleias dos homens? E não queríeis que os Espíritos, que governam o mundo sob as ordens de Deus, também tivessem os seus concílios, as suas assembleias? O que admitis nos homens como sanção da verdade, recusais aos Espíritos? Então esqueceis que se, entre eles, os há inferiores, não é a esses que Deus confia os interesses da Terra, mas aos Espíritos superiores, que transpuseram as etapas da Humanidade, e cujo número é incalculável? E como eles nos transmitem as instruções da maioria? Pela voz de um só Espírito, ou de um só homem? Não, mas como disse, por milhões de Espíritos e milhões de homens. É num único centro, numa cidade, num país, numa casta, num povo privilegiado como outrora os israelitas? Não, é por toda parte, em todos os países, em todas as religiões, na casa dos ricos e na casa dos pobres. Como queríeis que a opinião de alguns indivíduos, encarnados e desencarnados, pudesse triunfar sobre esse conjunto formidável de vozes? Acreditai-me, senhor padre, essa sanção universal vale bem a de um concílio ecumênico.
O Espiritismo é forte, precisamente porque se apoia sobre essa sanção e não sobre opiniões isoladas. Proclama-se ele imutável no que hoje ensina, e diz que nada mais tem a ensinar? Não, porque até hoje seguiu, e seguirá no futuro, o ensino progressivo que lhe for dado, e isto constitui ainda para ele uma causa de força, pois jamais se deixará distanciar pelo progresso.
Esperai um pouco mais, senhor padre, e antes de um quarto de século vereis o Espiritismo cem vezes menos dividido do que hoje é o Cristianismo, após dezoito séculos.
Das flutuações que notastes nas sociedades ou reuniões espíritas, erradamente concluístes pela instabilidade da doutrina. O Espiritismo não é uma teoria especulativa baseada numa ideia preconcebida. É uma questão de fato e, por consequência, de convicção pessoal. Quem quer que admita o fato e as suas consequências é espírita, sem que tenha de fazer parte de uma sociedade. Pode-se ser perfeito espírita sem isto. O futuro do Espiritismo está em seu próprio princípio, princípio imperecível, porque está na Natureza e não nas reuniões, muitas vezes formadas em condições pouco favoráveis, compostas de elementos heterogêneos e, consequentemente, subordinadas a uma porção de eventualidades.
As sociedades são úteis, mas nenhuma é indispensável, e todas poderiam deixar de existir sem que o Espiritismo deixasse de continuar a sua marcha, visto que não é no seio delas que se forma o maior número de convicções. Elas representam muito mais para os crentes que aí buscam centros simpáticos do que para os incrédulos. As sociedades sérias e bem dirigidas são, sobretudo, úteis para neutralizar a má impressão daquelas onde o Espiritismo é mal apresentado ou desfigurado. A Sociedade de Paris não faz exceção à regra, porque não se arroga nenhum monopólio. Ela não consiste no maior ou menor número de seus membros, mas na ideia mãe que representa. Ora, essa ideia é independente de qualquer reunião constituída, e, aconteça o que acontecer, o elemento propagador não deixará de substituí-la. Assim, pode dizer-se que a Sociedade de Paris está em qualquer parte onde se professem os mesmos princípios, do Oriente ao Ocidente, e que se ela morresse materialmente, a ideia sobreviveria.
O Espiritismo é uma criança que cresce e cujos primeiros passos naturalmente são vacilantes; mas, como as crianças precoces, cedo ela fez pressentir a sua força. É por isto que certas pessoas se amedrontam e gostariam de abafá-lo no berço. Se ele se tivesse apresentado como um ser tão débil quanto o supondes, não teria causado tanta contrariedade, nem levantado tantas animosidades, e vós mesmo não teríeis procurado combatê-lo. Deixai, então, a criança crescer e vereis o que dará o adulto.
Predissestes o seu fim próximo, mas inúmeros encarnados e desencarnados também fizeram o seu horóscopo num outro sentido. Escutai, pois, as suas previsões, que se sucedem ininterruptamente há dez anos, e se repetem em todos os pontos do globo.
“O Espiritismo vem combater a incredulidade, que é o elemento dissolvente da Sociedade, substituindo a fé cega, que se extingue, pela fé raciocinada, que vivifica.
“Ele traz o elemento regenerador da Humanidade, e será a bússola das gerações futuras.
“Como todas as grandes ideias renovadoras, ele deverá lutar contra a oposição dos interesses que ferirá e das ideias que derrubará. Suscitar-lhe-ão todos os tipos de entraves; contra ele empregarão todas as armas, leais e desleais, que julgarão próprias a derrubá-lo. Seus primeiros passos serão semeados de urzes e espinhos. Seus adeptos serão denegridos, ridicularizados, vítimas da traição, da calúnia e da perseguição; terão desapontamentos e decepções. Felizes aqueles cuja fé não tiver sido abalada nesses dias nefastos; que tiverem sofrido e combatido pelo triunfo da verdade, porque serão recompensados por sua coragem e sua perseverança.
“Entretanto, o Espiritismo continuará sua marcha através dos embustes e dos escolhos; é inabalável, como tudo o que está na vontade de Deus, porque se apoia nas próprias leis da Natureza, que são as eternas leis de Deus, ao passo que tudo quanto for contrário a essas leis cairá.
“Pela luz que lança sobre os pontos obscuros e controvertidos das Escrituras, ele conduzirá os homens à unidade de crença.
“Dando as próprias leis da Natureza por base aos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, fundará o reino da verdadeira caridade cristã, que é o reino de Deus sobre a Terra, predito por Jesus Cristo.
“Muitos ainda o repelem porque não o conhecem ou não o compreendem, mas quando reconhecerem que ele realiza as mais caras esperanças do futuro da Humanidade, aclamá-lo-ão, e assim como o Cristianismo encontrou um suporte em São Paulo, ele encontrará defensores entre os adversários da véspera. Da multidão surgirão homens de escol, que tomarão em mãos a sua causa e a autoridade de sua palavra imporá silêncio aos detratores.
“A luta ainda durará muito tempo, porque as paixões, superexcitadas pelo orgulho e pelos interesses materiais, não podem apaziguar-se subitamente. Mas essas paixões extinguir-se-ão com os homens, e não passará o fim deste século antes que a nova crença tenha adquirido um lugar preponderante entre os povos civilizados, e do século próximo datará a era da regeneração.”
Responder-lhe-emos como se em vida tivesse escrito o que ditou após a morte. Dirigimo-nos tanto ao homem quanto ao Espírito, assim respondendo aos que partilham sua maneira de ver e nos poderiam opor os mesmos argumentos. Assim, lhe diremos:
Senhor padre, embora tenhais sido nosso adversário declarado e militante na Terra, nenhum de nós assim vos quer hoje e jamais vos quis durante vossa existência, primeiro porque nossa fé faz da tolerância uma lei e aos nossos olhos todas as opiniões são respeitáveis, quando sinceras. A liberdade de consciência é um dos nossos princípios; nós a queremos para os outros, como a queremos para nós. Só a Deus pertence julgar da validade das crenças, e nenhum homem tem o direito de anatematizar em nome de Deus. A liberdade de consciência não tira o direito de discussão e de refutação, mas a caridade ordena não amaldiçoar ninguém. Em segundo lugar, não vos queremos menos, pois vossa oposição não causou nenhum prejuízo à doutrina. Servistes à causa do Espiritismo, malgrado vosso, como todos os que o atacam, ajudando a torná-lo conhecido e provando, sobretudo em razão do vosso mérito pessoal, a insuficiência das armas que empregam para combatê-lo.
Permiti-me, agora, discutir algumas de vossas proposições.
Sobretudo uma me parece pecar, de saída, contra a lógica. É aquela em que dizeis que “O Espiritismo, bom pela essência, é mau por seus resultados.” Parece que esquecestes a máxima do Cristo, tornada proverbial, pela força da verdade: “Uma árvore boa não pode dar maus frutos.” Não se compreenderia que uma coisa boa na sua própria essência, pudesse ser perniciosa.
Em outro momento, dizeis que o perigo do Espiritismo está na manifestação dos maus Espíritos que, em proveito do mal, explorarão as paixões dos homens. Eis uma das teses que sustentáveis em vida. Mas, ao lado dos maus Espíritos, há os bons, que excitam ao bem, ao passo que, segundo a doutrina da Igreja, o poder de se comunicar só é dado aos demônios. Se, pois, achais o Espiritismo perigoso porque admite a comunicação dos maus Espíritos ao lado dos bons, se a doutrina da Igreja fosse verdadeira, seria ainda muito mais perigosa, porque não admite senão a dos maus.
Aliás, não foi o Espiritismo que inventou a manifestação dos Espíritos, nem é a causa de sua comunicação. Ele apenas constata um fato que se produziu em todos os tempos, porque está em a Natureza. Para que o Espiritismo deixasse de existir, fora preciso que os Espíritos parassem de se manifestar. Se essa manifestação oferece perigos, não se deve acusar por isso o Espiritismo, mas a Natureza. A ciência da eletricidade é a causa dos danos causados pelo raio? Certamente que não. Ela dá a conhecer a causa do raio e ensina os meios de desviá-lo. O mesmo ocorre com o Espiritismo. Ele dá a conhecer a causa de uma influência perniciosa que age sobre o homem, malgrado seu, e lhe indica os meios de contra ela se proteger, ao passo que se a ignorasse sofreria os seus efeitos e a ela estaria exposto sem suspeitar.
A influência dos maus Espíritos faz parte dos flagelos a que o homem está exposto aqui embaixo, como as doenças e os acidentes de toda sorte, porque está numa terra de expiação e de provação, onde deve trabalhar por seu adiantamento moral e intelectual. Mas, ao lado do mal, em sua bondade, Deus sempre põe o remédio; ele deu ao homem a inteligência para descobri-lo. É a isto que conduz o progresso das ciências. O Espiritismo vem indicar o remédio a um desses males. Ele ensina que para a ele subtrair-se e neutralizar a influência dos maus Espíritos, é preciso tornar-se melhor, dominar suas más inclinações e praticar as virtudes ensinadas pelo Cristo: a humildade e a caridade. Então a isto chamais de maus resultados?
A manifestação dos Espíritos é um fato positivo, reconhecido pela Igreja. Ora, hoje a experiência vem demonstrar que os Espíritos são as almas dos homens, e essa é razão pela qual há tantos imperfeitos. Se esse fato vem contradizer certos dogmas, o Espiritismo não é mais responsável do que a Geologia por ter demonstrado que a Terra não foi feita em seis dias. O erro é desses dogmas que não estão de acordo com as leis da Natureza. Por essas manifestações, como pelas descobertas da Ciência, Deus quer reconduzir o homem a crenças mais verdadeiras. Repudiar o progresso, portanto, é desconhecer a vontade de Deus; atribuí-lo ao demônio é blasfemar contra Deus. Querer, de bom grado ou de mau grado, manter uma crença contra a evidência e fazer de um princípio reconhecido como falso a base de uma doutrina, é escorar uma casa no esteio bichado. Pouco a pouco e esteio se quebra e a casa cai.
Dizeis que a oposição da Igreja ao Espiritismo tem sua razão de ser e a aprovais, porque seria a ruína do clero, cuja separação do comum dos homens seria aniquilada. Dizeis: “Com o Espiritismo, não mais oligarquia clerical; o padre não é ninguém e é alguém; é o homem de bem que ensina a verdade a seus irmãos; é o operário caridoso que ergue o companheiro caído; vosso sacerdócio é a fé; vossa hierarquia, o mérito; vosso salário, Deus! É grande! É belo! Mas não se renuncia de coração alegre a uma realeza, a um prestígio que vos eleva acima do vulgo, a respeitos, a honras que se está habituado a colher, a riquezas que, por serem materiais, não são tão menos necessárias à satisfação do padre quanto a do homem vulgar.”
Mas quê! Então o clero seria movido por sentimentos tão mesquinhos? Neste ponto ele desconheceria as palavras do Cristo: “Meu reino não é deste mundo”, a ponto de sacrificar o interesse da verdade à satisfação do orgulho, da ambição e das paixões mundanas? Então ele não acreditaria nesse reino prometido por Jesus Cristo, porque a ele prefere o da Terra. Assim, ele teria seu ponto de apoio no Céu apenas em aparência, e para se dar prestígio, mas na verdade para salvaguardar seus interesses terrenos! Nós preferimos crer que se tal for o móvel de alguns de seus membros, não é o sentimento da maioria. Se assim não fosse, seu reino estaria bem próximo de acabar, e vossas palavras seriam sua sentença, porque apenas o reino celeste é o eterno, ao passo que os da Terra são frágeis e instáveis.
Ides muito longe, senhor padre, em vossas previsões sobre as consequências do Espiritismo, mais longe do que eu em meus escritos. Sem vos acompanhar neste terreno, apenas direi, porque cada um o pressente, que o resultado inevitável será uma transformação da Sociedade; ele criará uma nova ordem de coisas, novos hábitos, novas necessidades; ele modificará as crenças, as relações sociais; ele fará à moral o que fazem, do ponto de vista material, todas as grandes descobertas da Indústria e das Ciências. Essa transformação vos apavora e é por isso que, pressentindo-a, vós a afastais do vosso pensamento; quereríeis nela não crer; numa palavra, fechais os olhos para não ver e os ouvidos para não ouvir. Assim há muitos homens na Terra. Contudo, se essa transformação está nos desígnios da Providência, ela se realizará, façam o que fizerem. Será preciso suportá-la de boa vontade ou à força e a ela se dobrar, como os homens do antigo regime tiveram que sofrer as consequências da Revolução, que eles também negavam e declaravam impossível, antes que se tivesse realizado.
A quem lhes houvesse dito que em menos de um quarto de século todos os privilégios estariam abolidos; que um menino, ao nascer, não seria mais coronel; que não mais se compraria um regimento como uma boiada; que o soldado poderia tornar-se marechal e o último plebeu, ministro; que os direitos seriam os mesmos para todos e que o lavrador teria voz igual nos grandes negócios de seu país, ao lado do seu senhor, eles teriam balançado a cabeça em sua incredulidade, contudo, se um deles tivesse então adormecido e acordado, como Epimênides, quarenta anos mais tarde, julgaria achar-se num outro mundo.
É o medo do futuro que vos faz dizer que o Espiritismo terá apenas um tempo. Procurais criar uma ilusão, quereis prová-la para vós mesmo e acabeis crendo de boa-fé, porque isto vos tranquiliza. Mas que razão apresentais? A menos concludente de todas, como é fácil demonstrar.
Ah! Se provásseis peremptoriamente que o Espiritismo é uma utopia, que repousa num erro material de fato, sobre uma base falsa, ilusória, sem fundamento, então teríeis razão. Mas, ao contrário, afirmais a existência do princípio e, ademais, a excelência desse princípio. Reconheceis, e convosco a Igreja, a realidade do fato material sobre o qual repousa: o das manifestações. Tal fato pode ser aniquilado? Não, assim como não se pode aniquilar o movimento da Terra. Levando-se em conta que ele está em a Natureza, produzir-se-á sempre. Esse fato, outrora incompreendido, mas melhor estudado e compreendido em nossos dias, traz em si mesmo consequências inevitáveis. Se não o podeis aniquilar, sois forçado a sofrerlhe as consequências. Segui-o passo a passo em suas ramificações, e chegareis fatalmente a uma revolução nas ideias. Ora, uma mudança nas ideias traz, forçosamente, uma mudança na ordem das coisas. (Vide O que é o Espiritismo).
Por outro lado, o Espiritismo não dobra as inteligências ao seu jugo; ele não impõe uma crença cega; ele quer que a fé se apoie na compreensão. É principalmente nisto, senhor padre, que divergimos na maneira de ver. Assim, a cada um deixa ele inteira liberdade de exame, em virtude do princípio que, sendo a verdade una, mais cedo ou mais tarde ela deve prevalecer sobre o que é falso, e que um princípio baseado no erro cai pela força das coisas. As ideias falsas, postas em discussão, mostram seu lado fraco e se apagam ante o poder da lógica. Essas divergências são inevitáveis no começo; são mesmo necessárias, porque ajudam a depuração e o estabelecimento da ideia fundamental. É preferível que elas se produzam desde o começo, pois a doutrina verdadeira delas se desembaraçará mais cedo. Eis por que sempre dissemos aos adeptos: Não vos inquieteis com as ideias contraditórias que podem ser emitidas ou publicadas. Vede quantas já morreram no nascedouro! Quantos escritos dos quais não mais se fala! O que buscamos? O triunfo, a qualquer preço, de nossas ideias? Não, mas o da verdade. Se entre as ideias contrárias, algumas forem mais verdadeiras que as nossas, elas triunfarão e deveremos adotá-las; se forem falsas, não poderão suportar a prova decisiva do controle do ensino universal dos Espíritos, único critério da ideia que sobreviverá.
Falta exatidão na assimilação que estabeleceis entre o Espiritismo e outras doutrinas filosóficas. Não foram os homens que fizeram do Espiritismo o que ele é, nem os que farão o que ele será mais tarde: são os Espíritos por seus ensinos. Os homens apenas o põem em ação e coordenam os materiais que lhes são fornecidos. Esse ensino ainda não está completo e não se deve considerar o que deram até hoje senão como as primeiras balizas da ciência. Pode-se compará-lo às quatro regras em relação às matemáticas, e ainda estamos nas equações do primeiro grau. É por isso que muita gente ainda não lhe compreende a importância nem o alcance. Mas os Espíritos regulam o ensino à sua vontade, e de ninguém depende fazê-los ir mais depressa ou mais devagar do que eles querem; eles nem acompanham os apressados nem vão a reboque dos retardatários.
O Espiritismo não é obra de um só Espírito nem de um só homem. Ele é obra dos Espíritos em geral. Segue-se daí que a opinião de um Espírito sobre um princípio qualquer só é considerada pelos espíritas como opinião individual, que pode ser justa ou falsa e só tem valor quando sancionada pelo ensino da maioria, dado nos diversos pontos do globo. Foi esse ensino universal que dele fez o que ele é e que dele fará o que ele será. Diante desse poderoso critério caem, necessariamente, todas as teorias particulares que são produto de ideias sistemáticas, quer de um homem, quer de um Espírito isolados. Sem dúvida uma ideia falsa pode reunir ao seu redor alguns partidários, mas jamais prevalecerá contra a que é ensinada em toda parte.
O Espiritismo, que apenas acaba de nascer, mas que já levanta questões da mais alta importância, necessariamente põe em efervescência uma porção de imaginações. Cada um vê a coisa de seu ponto de vista. Daí a diversidade de sistemas surgidos em seu começo, a maioria dos quais já ruíram diante da força do ensino geral. Dar-se-á o mesmo com os que não estiverem com a verdade, porque, ao ensino divergente de um Espírito, dado por um médium, opor-se-á sempre o ensino de milhões de Espíritos, dado por milhões de médiuns. Eis a razão pela qual certas teorias excêntricas viveram apenas alguns dias e não saíram do círculo onde nasceram. Privadas de sanção, elas não encontram eco nem simpatia na opinião das massas e se, além disso, chocam a lógica e o senso comum, provocam um sentimento de repulsa que lhes precipita a queda.
Assim, o Espiritismo possui um elemento de estabilidade e de unidade tirado de sua natureza e de sua origem, o que não é próprio de nenhuma das doutrinas filosóficas de concepção puramente humana; é o escudo contra o qual sempre virão quebrar-se todas as tentativas feitas para derrubá-lo ou dividi-lo. Essas divisões jamais podem ser senão parciais, circunscritas e momentâneas.
Falais de seitas que, em vossa opinião, dividem os espíritas, de onde concluís pela próxima ruína de sua doutrina. Mas esqueceis todas as que dividiram o Cristianismo desde seu nascimento, que o ensanguentaram, que o dividem ainda, e cujo número, até hoje, não se eleva a menos de trezentos e sessenta. Contudo, a despeito das dissidências profundas sobre os dogmas fundamentais, o Cristianismo ficou de pé, prova de que é independente dessas questões de controvérsia. Por que quereríeis que o Espiritismo, que se liga, por sua própria base, aos princípios do Cristianismo, e que só é dividido em questões secundárias que dia a dia se esclarecem, sofresse com a divergência de algumas opiniões pessoais, quando tem um ponto de ligação tão poderoso como o controle universal?
Assim, mesmo que o Espiritismo fosse hoje dividido em vinte seitas, o que não é nem será, isto não teria qualquer consequência, porque é o trabalho de parto. Se fossem suscitadas divisões por ambições pessoais, por homens dominados pela ideia de se fazerem chefes de seita, ou de explorar a ideia em proveito de seu amorpróprio ou de seus interesses, sem a menor dúvida seriam as menos perigosas. As ambições pessoais morrem com os indivíduos, e se os que tiverem querido elevar-se não tiverem por si a verdade, suas ideias morrerão com eles, e talvez antes deles. Mas a verdade verdadeira não poderá morrer.
Estais certo, senhor padre, dizendo que haverá ruínas no Espiritismo, mas não como entendeis. As ruínas serão as de todas as opiniões errôneas, que fervem e surgem. Se todas estiverem em erro, cairão todas, o que é inevitável, mas se houver uma só verdadeira, ela infalivelmente sobreviverá.
Duas divisões bem marcadas, e às quais poderia realmente dar-se o nome de seitas, se haviam formado há alguns anos quanto ao ensinamento de dois Espíritos que, enfeitando-se com nomes venerados, tinham captado a confiança de algumas pessoas. Hoje não se fala mais nisto. Diante de que tombaram? Diante do bom-senso e da lógica das massas, de um lado, e diante do ensino geral dos Espíritos concordes com essa mesma lógica.
Contestareis o valor desse controle universal pela razão de que, sendo os Espíritos as almas dos homens, estão igualmente sujeitos ao erro? Mas estaríeis em contradição convosco mesmo. Não admitis que um concílio geral tem mais autoridade que um concílio particular, porque é mais numeroso, e que sua opinião prevalece sobre a de cada padre, de cada bispo e mesmo sobre a do Papa? Que a maioria faz lei em todas as assembleias dos homens? E não queríeis que os Espíritos, que governam o mundo sob as ordens de Deus, também tivessem os seus concílios, as suas assembleias? O que admitis nos homens como sanção da verdade, recusais aos Espíritos? Então esqueceis que se, entre eles, os há inferiores, não é a esses que Deus confia os interesses da Terra, mas aos Espíritos superiores, que transpuseram as etapas da Humanidade, e cujo número é incalculável? E como eles nos transmitem as instruções da maioria? Pela voz de um só Espírito, ou de um só homem? Não, mas como disse, por milhões de Espíritos e milhões de homens. É num único centro, numa cidade, num país, numa casta, num povo privilegiado como outrora os israelitas? Não, é por toda parte, em todos os países, em todas as religiões, na casa dos ricos e na casa dos pobres. Como queríeis que a opinião de alguns indivíduos, encarnados e desencarnados, pudesse triunfar sobre esse conjunto formidável de vozes? Acreditai-me, senhor padre, essa sanção universal vale bem a de um concílio ecumênico.
O Espiritismo é forte, precisamente porque se apoia sobre essa sanção e não sobre opiniões isoladas. Proclama-se ele imutável no que hoje ensina, e diz que nada mais tem a ensinar? Não, porque até hoje seguiu, e seguirá no futuro, o ensino progressivo que lhe for dado, e isto constitui ainda para ele uma causa de força, pois jamais se deixará distanciar pelo progresso.
Esperai um pouco mais, senhor padre, e antes de um quarto de século vereis o Espiritismo cem vezes menos dividido do que hoje é o Cristianismo, após dezoito séculos.
Das flutuações que notastes nas sociedades ou reuniões espíritas, erradamente concluístes pela instabilidade da doutrina. O Espiritismo não é uma teoria especulativa baseada numa ideia preconcebida. É uma questão de fato e, por consequência, de convicção pessoal. Quem quer que admita o fato e as suas consequências é espírita, sem que tenha de fazer parte de uma sociedade. Pode-se ser perfeito espírita sem isto. O futuro do Espiritismo está em seu próprio princípio, princípio imperecível, porque está na Natureza e não nas reuniões, muitas vezes formadas em condições pouco favoráveis, compostas de elementos heterogêneos e, consequentemente, subordinadas a uma porção de eventualidades.
As sociedades são úteis, mas nenhuma é indispensável, e todas poderiam deixar de existir sem que o Espiritismo deixasse de continuar a sua marcha, visto que não é no seio delas que se forma o maior número de convicções. Elas representam muito mais para os crentes que aí buscam centros simpáticos do que para os incrédulos. As sociedades sérias e bem dirigidas são, sobretudo, úteis para neutralizar a má impressão daquelas onde o Espiritismo é mal apresentado ou desfigurado. A Sociedade de Paris não faz exceção à regra, porque não se arroga nenhum monopólio. Ela não consiste no maior ou menor número de seus membros, mas na ideia mãe que representa. Ora, essa ideia é independente de qualquer reunião constituída, e, aconteça o que acontecer, o elemento propagador não deixará de substituí-la. Assim, pode dizer-se que a Sociedade de Paris está em qualquer parte onde se professem os mesmos princípios, do Oriente ao Ocidente, e que se ela morresse materialmente, a ideia sobreviveria.
O Espiritismo é uma criança que cresce e cujos primeiros passos naturalmente são vacilantes; mas, como as crianças precoces, cedo ela fez pressentir a sua força. É por isto que certas pessoas se amedrontam e gostariam de abafá-lo no berço. Se ele se tivesse apresentado como um ser tão débil quanto o supondes, não teria causado tanta contrariedade, nem levantado tantas animosidades, e vós mesmo não teríeis procurado combatê-lo. Deixai, então, a criança crescer e vereis o que dará o adulto.
Predissestes o seu fim próximo, mas inúmeros encarnados e desencarnados também fizeram o seu horóscopo num outro sentido. Escutai, pois, as suas previsões, que se sucedem ininterruptamente há dez anos, e se repetem em todos os pontos do globo.
“O Espiritismo vem combater a incredulidade, que é o elemento dissolvente da Sociedade, substituindo a fé cega, que se extingue, pela fé raciocinada, que vivifica.
“Ele traz o elemento regenerador da Humanidade, e será a bússola das gerações futuras.
“Como todas as grandes ideias renovadoras, ele deverá lutar contra a oposição dos interesses que ferirá e das ideias que derrubará. Suscitar-lhe-ão todos os tipos de entraves; contra ele empregarão todas as armas, leais e desleais, que julgarão próprias a derrubá-lo. Seus primeiros passos serão semeados de urzes e espinhos. Seus adeptos serão denegridos, ridicularizados, vítimas da traição, da calúnia e da perseguição; terão desapontamentos e decepções. Felizes aqueles cuja fé não tiver sido abalada nesses dias nefastos; que tiverem sofrido e combatido pelo triunfo da verdade, porque serão recompensados por sua coragem e sua perseverança.
“Entretanto, o Espiritismo continuará sua marcha através dos embustes e dos escolhos; é inabalável, como tudo o que está na vontade de Deus, porque se apoia nas próprias leis da Natureza, que são as eternas leis de Deus, ao passo que tudo quanto for contrário a essas leis cairá.
“Pela luz que lança sobre os pontos obscuros e controvertidos das Escrituras, ele conduzirá os homens à unidade de crença.
“Dando as próprias leis da Natureza por base aos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, fundará o reino da verdadeira caridade cristã, que é o reino de Deus sobre a Terra, predito por Jesus Cristo.
“Muitos ainda o repelem porque não o conhecem ou não o compreendem, mas quando reconhecerem que ele realiza as mais caras esperanças do futuro da Humanidade, aclamá-lo-ão, e assim como o Cristianismo encontrou um suporte em São Paulo, ele encontrará defensores entre os adversários da véspera. Da multidão surgirão homens de escol, que tomarão em mãos a sua causa e a autoridade de sua palavra imporá silêncio aos detratores.
“A luta ainda durará muito tempo, porque as paixões, superexcitadas pelo orgulho e pelos interesses materiais, não podem apaziguar-se subitamente. Mas essas paixões extinguir-se-ão com os homens, e não passará o fim deste século antes que a nova crença tenha adquirido um lugar preponderante entre os povos civilizados, e do século próximo datará a era da regeneração.”
Os irmãos Davenport
Os irmãos Davenport, que neste momento atraem a atenção em tão alto grau, são dois jovens de vinte e quatro e vinte cinco anos, nascidos em Buffalo, no Estado de Nova Iorque e que se apresentam em público como médiuns. Contudo, sua faculdade é limitada a efeitos exclusivamente físicos, dos quais o mais notável consiste em se fazerem amarrar com cordas de maneira inextricável e a serem desatados instantaneamente por uma força invisível, a despeito de todas as precauções tomadas para verificar que são incapazes de fazê-lo por si próprios. A isto juntam outros fenômenos mais conhecidos, como o transporte de objetos pelo espaço, o toque espontâneo de instrumentos de música, a aparição de mãos luminosas, a apalpação por mãos invisíveis, etc.
Os Srs. Didier, editores do Livro dos Espíritos, acabam de publicar uma tradução de sua biografia, contendo o relato minucioso dos efeitos que produzem e que, salvo as cordas, têm numerosos pontos de semelhança com os do Sr. Home. A emoção que a presença deles causou na Inglaterra e em Paris dá a essa obra um forte interesse de atualidade. Seu biógrafo inglês, o Dr. Nichols, pois não foram eles que escreveram o livro, mas forneceram os documentos, limitou-se ao relato dos fatos sem explicações; mas os editores franceses tiveram a feliz ideia de juntar à sua publicação, para esclarecimento das pessoas estranhas ao Espiritismo, nossos dois opúsculos: Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas e O Espiritismo na sua Expressão mais Simples, com numerosas notas explicativas no corpo do texto[1]. Assim, nessa obra encontrar-se-ão os ensinamentos desejáveis sobre o caso desses senhores, em cujos detalhes não podemos entrar, pois temos que encarar a questão de outro ponto de vista.
Diremos apenas que sua aptidão para produzir esses fenômenos se revelou de maneira espontânea, desde a sua infância. Durante vários anos eles percorreram as principais cidades da América setentrional, onde adquiriram certa reputação. Em setembro de 1864 vieram à Inglaterra, onde produziram viva sensação. Alternativamente foram ali aclamados, denegridos, ridicularizados e até injuriados pela imprensa e pelo público. Notadamente em Liverpool foram objeto da mais insigne malevolência, a ponto de verem comprometida sua segurança pessoal. As opiniões sobre eles se dividiram: Segundo uns, não passavam de hábeis charlatães; segundo outros, eram de boa-fé e podia-se admitir uma causa oculta para seus fenômenos; mas, em suma, ali conquistaram muito poucos prosélitos à ideia espírita propriamente dita. Naquele país essencialmente religioso, o bom-senso natural repelia o pensamento que seres espirituais viessem revelar sua presença por exibições teatrais e demonstrações de força. Sendo ali pouco conhecida a filosofia espírita, o público confundiu Espiritismo com essas representações, e construiu opinião mais contrária do que favorável à doutrina.
É verdade que na França o Espiritismo começou pelas mesas girantes, mas em condições muito diferentes. Tendo-se revelado imediatamente a mediunidade em grande número de pessoas de todas as idades e de ambos os sexos, e nas famílias mais respeitáveis, os fenômenos se produziram em condições que excluíam qualquer pensamento de charlatanismo; cada um pôde certificar-se por si mesmo, na intimidade, e por observações repetidas, da realidade dos fatos aos quais foi ligado um poderoso interesse quando, saindo dos efeitos puramente materiais que nada diziam à razão, viram as consequências morais e filosóficas deles decorrentes. Se, em vez disto, esse gênero de mediunidade primitiva tivesse sido privilégio de alguns indivíduos isoladas e tivesse sido preciso ir para a frente dos tablados comprar a fé, há muito não se falaria mais dos Espíritos. A fé nasce da impressão moral. Ora, tudo o que é de natureza a produzir uma impressão má, a repele em vez de provocá-la. Haveria hoje muito menos incrédulos, em relação ao Espiritismo, se os fenômenos sempre tivessem sido apresentados de maneira séria. O incrédulo, naturalmente disposto à troça, não pode ser levado a tomar a sério o que é cercado de circunstâncias que não impõem respeito nem confiança. A crítica, que não se dá ao trabalho de aprofundar, forma sua opinião sobre uma primeira aparência desfavorável e confunde o bom e o mau numa mesma reprovação. Muito poucas convicções se formaram em reuniões de caráter público, ao passo que a imensa maioria saiu das reuniões íntimas, onde a notória honorabilidade dos membros podia inspirar toda confiança e desafiar toda suspeita de fraude.
Na última primavera, depois de haver explorado a Inglaterra, os irmãos Davenport vieram a Paris. Algum tempo antes de sua chegada, uma pessoa veio vernos, da parte deles, para pedir que nós os apoiássemos, em nossa Revista. Mas sabese que não nos entusiasmamos facilmente, mesmo pelas coisas que conhecemos e, com mais forte razão, pelas que não conhecemos. Assim, não pudemos prometer um concurso antecipado, tendo por hábito só falar com conhecimento de causa. Na França, onde eles só eram conhecidos pelos relatos contraditórios dos jornais, a opinião, como na Inglaterra, estava dividida a seu respeito. Assim, não podíamos, prematuramente, formular uma censura, que poderia ter sido injusta, nem uma aprovação, da qual teriam podido prevalecer-se. Por isto nos abstivemos.
Em chegando, foram morar no pequeno castelo de Gennevilliers, perto de Paris, onde ficaram vários meses, sem dar ao público notícia de sua presença. Ignoramos o motivo dessa abstenção. Nos últimos dias eles fizeram algumas sessões particulares, de que os jornais deram notícia de um modo mais ou menos pitoresco. Enfim, foi anunciada sua primeira sessão pública para 12 de setembro na sala Hertz. Conhecese o desfecho deplorável dessa sessão que renovou, em escala menor, as cenas tumultuosas de Liverpool, na qual um dos espectadores, pulando para o estrado, quebrou o aparelho desses senhores e, mostrando uma tábua, exclamou: “Eis o truque!” Esse ato inqualificável num país civilizado, levou a confusão ao cúmulo. Não tendo terminado a sessão, devolveram o dinheiro ao público. Mas, como tinham sido doados muitos bilhetes, o caixa constatou um déficit de setecentos francos, ficando assim provado que setenta assistentes que entraram gratuitamente haviam saído com dez francos a mais no bolso, sem dúvida para se indenizarem dos gastos do passeio.
A polêmica que se estabeleceu a respeito dos irmãos Davenport oferece vários pontos instrutivos, que vamos examinar.
A primeira pergunta que os próprios espíritas se fizeram foi esta: Esses senhores são ou não são médiuns? Todos os fatos relatados em sua biografia entram no círculo das possibilidades mediúnicas, porque efeitos análogos, notoriamente autênticos, foram obtidos muitas vezes sob a influência de médiuns sérios. Se os fatos, por si mesmos, são admissíveis, as condições em que eles se produzem, temos que convir, ensejam a suspeita. A que choca logo à primeira vista é a necessidade da obscuridade, que evidentemente facilita a fraude. Mas isto não seria uma objeção sólida. Os efeitos mediúnicos absolutamente nada têm de sobrenatural; todos, sem exceção, são devidos à combinação dos fluidos próprios do Espírito e do médium; esses fluidos, embora imponderáveis, não deixam de ser matéria sutil. Há, pois, aí uma causa e um efeito de certo modo materiais, o que nos levou sempre a dizer que, sendo os fenômenos espíritas baseados nas leis da Natureza, eles nada têm de miraculosos. Como muitos outros fenômenos, eles só nos pareceram miraculosos porque não se conheciam suas leis. Hoje, conhecidas essas leis, desaparecem o sobrenatural e o maravilhoso, dando lugar à realidade. Assim, não há um só espírita que se atribua o dom dos milagres. É isto o que os críticos saberiam, se se dessem ao trabalho de estudar aquilo de que falam.
Para voltar à questão da obscuridade, sabe-se que em química há combinações que não se podem operar à luz; que ocorrem composições e decomposições sob a ação do fluido luminoso. Ora, sendo todos os fenômenos espíritas, como dissemos, o resultado de combinações fluídicas, e esses fluidos sendo da matéria, nada haveria de estranho que em certos casos o fluido luminoso fosse contrário a essa combinação.
Uma objeção mais séria é a pontualidade com que se produzem os fenômenos, em dias e horas certas e à vontade. Esta submissão ao capricho de certos indivíduos é contrária a tudo quanto se sabe da natureza dos Espíritos, e a repetição facultativa de um fenômeno qualquer sempre foi considerada e em princípio deve ser considerada como legitimamente suspeita, mesmo em caso de desinteresse, e com mais forte razão quando se trata de exibições públicas feitas com objetivo de lucro, às quais repugna à razão pensar que Espíritos possam submeter-se.
A mediunidade é uma aptidão natural inerente ao médium, como a faculdade de produzir sons é inerente a um instrumento; mas, da mesma forma que para que um instrumento toque uma ária é preciso um músico, para que um médium produza efeitos mediúnicos são necessários os Espíritos. Os Espíritos vêm quando querem e quando podem, donde resulta que o médium melhor dotado por vezes nada obtém. Então, ele é como um instrumento sem músico. É o que se vê todos os dias; é o que acontecia ao Sr. Home, que muitas vezes ficava meses inteiros sem nada produzir, a despeito de seu desejo, ainda que em presença de um soberano.
Resulta, portanto, da própria essência da mediunidade, e se pode estabelecer como princípio ABSOLUTO, que um médium jamais está seguro de receber um efeito determinado qualquer, porque isso não depende dele. Afirmar o contrário seria provar completa ignorância dos mais elementares princípios da ciência espírita. Para prometer a produção de um fenômeno com hora marcada, é preciso ter à disposição meios materiais que não vêm dos Espíritos. É este o caso dos irmãos Davenport? Ignoramo-lo. O julgamento cabe aos que acompanharam as suas experiências.
Falaram de desafios, de apostas propostas a quem fizesse as melhores mágicas. Os Espíritos não são fazedores de peripécias e jamais um médium sério entrará em luta com alguém e, ainda menos, com um prestidigitador. Este dispõe de meios próprios; o outro é o instrumento passivo de uma vontade estranha, livre, independente e da qual ninguém pode dispor sem seu consentimento. Se o prestidigitador diz que faz mais que os médiuns, deixai-o dizer. Ele tem razão, pois age na certa; diverte o público: é seu propósito; gaba-se: é seu papel; faz a sua propaganda: é uma necessidade da posição. O médium sério, sabendo que não tem nenhum mérito pessoal no que faz, é modesto; não pode envaidecer-se do que não é produto de seu talento, nem prometer o que de si não depende.
Contudo, os médiuns fazem algo mais. Por seu intermédio os bons Espíritos inspiram a caridade e a benevolência para com todos; ensinam aos homens a se olharem como irmãos, sem distinção de castas nem de seitas; a perdoar aos que lhes dizem injúrias; a vencer as más inclinações; a suportar com paciência as misérias da vida; a olhar a morte sem medo, pela certeza da vida futura. Eles dão consolo aos aflitos, coragem aos fracos, esperança aos que não acreditavam, etc.
Eis o que não ensinam nem as mágicas dos prestidigitadores, nem as dos Srs. Davenport.
As condições inerentes à mediunidade não poderiam, assim, prestar-se à regularidade e à pontualidade, que são a condição indispensável das sessões a hora certa, onde, a qualquer preço, é preciso satisfazer o público. Se, entretanto, os Espíritos se prestassem a manifestações desse gênero, o que não seria radicalmente impossível, porquanto há Espíritos de todos os graus possíveis de adiantamento, eles não poderiam ser, em todo caso, senão Espíritos de baixa classe, porque seria soberanamente absurdo pensar que Espíritos, por pouco elevados que fossem, viessem divertir-se fazendo exibições. Mas, mesmo nesta hipótese, o médium não deixaria de estar à mercê de tais Espíritos, que pedem deixá-lo no momento em que sua presença fosse mais necessária e fazer falhar a representação ou a consulta. Ora, como antes de tudo é preciso contentar ao que paga, se os Espíritos não comparecerem, tratam de dispensá-los; com um pouco de habilidade é fácil fazer a mudança. É o que acontece muitas vezes a médiuns originariamente dotados de faculdades reais, mas insuficientes para o objetivo a que se propõem.
De todos os fenômenos espíritas, os que melhor se prestam à imitação são os efeitos físicos. Ora, se bem que as manifestações reais tenham um caráter distintivo e só se produzam em condições especiais bem determinadas, a imitação pode aproximá-las da realidade, a ponto de iludir as pessoas, sobretudo as que não conhecem as leis dos fenômenos verdadeiros. Mas pelo fato de poderem ser imitados, seria ilógico concluir que não existem, assim como ilógico seria pretender que não haja diamantes verdadeiros porque há diamantes artificiais.
Aqui não fazemos qualquer aplicação pessoal. Damos os princípios fundados na experiência e na razão, de onde tiramos esta consequência: que um exame escrupuloso, feito com perfeito conhecimento dos fenômenos espíritas, é o único que permite distinguir a trapaça da mediunidade real. E acrescentamos que a melhor de todas as garantias é o respeito e a consideração que se ligam à pessoa do médium, sua moralidade, sua notória honorabilidade, seu desinteresse absoluto, material e moral. Ninguém discordaria que em tais circunstâncias as qualidades do indivíduo não constituam um precedente que impressiona favoravelmente, porque afastam até a suspeita de fraude.
Não julgamos os Srs. Davenport, e longe de nós pôr em dúvida a sua honorabilidade. Mas, à parte as qualidades morais, das quais não temos nenhum motivo de suspeita, é preciso confessar que eles se apresentam em condições pouco favoráveis para atestar seu título de médiuns, e que é no mínimo com grande leviandade que certos críticos se apressaram em qualificá-los de apóstolos e sumo sacerdotes da Doutrina. O objetivo de sua viagem à Europa está claramente definido nesta passagem de sua biografia:
“Creio, sem cometer erro, que foi a 27 de agosto que os irmãos Davenport deixaram Nova Iorque, trazendo consigo, por causa de uma debilidade sobrevinda ao Sr. William Davenport, um ajudante na pessoa do Sr. William Fay, que não deve ser confundido com o Sr. H. Melleville Fay que, segundo não sei que gênero de autoridade, ao que se diz, foi descoberto no Canadá, tentando produzir manifestações semelhantes, ou pelo menos parecidas. Eles estavam acompanhados pelo Sr. Palmer, muito conhecido como empresário e agente de negócios no mundo dramático e lírico, e a quem, graças à sua experiência, foi confiada a parte material e econômica do empreendimento.”
Está, pois, constatado que foi um empreendimento conduzido por um empresário e agente de negócios dramáticos. Os fatos relatados na biografia estão, ao que nos disseram, nas possibilidades mediúnicas; a idade e as circunstâncias em que começaram a se manifestar afastam o pensamento de charlatanice. Tudo tende, pois, a provar que esses jovens eram realmente médiuns de efeitos físicos, como se encontram muitos em seu país, onde a exploração dessa faculdade tornou-se hábito e nada tem de chocante para a opinião pública. Se eles ampliaram as suas faculdades naturais, como o fizeram outros médiuns exploradores, para aumentar o seu prestígio e suprir a falta de flexibilidade dessas mesmas faculdades, é o que não afirmamos, pois não temos qualquer prova. Mas, admitindo a integridade dessas faculdades, diremos que se iludiram quanto ao acolhimento do público europeu, pois foram apresentadas sob a forma de espetáculo de curiosidade e em condições tão contrárias aos princípios do Espiritismo filosófico, moral e religioso. Os espíritas sinceros e esclarecidos, que aqui são numerosos, sobretudo na França, não podiam aclamá-los em tais condições, nem considerá-los como apóstolos, mesmo supondo uma perfeita sinceridade da parte deles. Quanto aos incrédulos, cujo número é tão grande e que ainda dominam na imprensa, a ocasião de exercer sua veia trocista era muito bela para que a deixassem escapar. Aqueles senhores ofereceram, assim, o flanco à mais larga crítica e lhes deram o direito que cada um compra na bilheteria de um espetáculo qualquer. Ninguém duvida que, se se tivessem apresentado em condições mais sérias, teriam tido outra acolhida; teriam fechado a boca dos detratores. Um médium é forte quando pode dizer corajosamente: “Quanto vos custou vir aqui, e quem vos obrigou a vir? Deus me deu uma faculdade que me pode retirar quando lhe aprouver, como me pode retirar a visão ou a palavra. Só a utilizo para o bem, no interesse da verdade e não para satisfazer a curiosidade ou servir aos meus interesses. Dela só recolho o trabalho do devotamento; nem mesmo procuro a satisfação do amor-próprio, porque ela não depende de mim. Considero-a como uma coisa santa, porque me põe em relação com o mundo espiritual e me permite dar a fé aos incrédulos e consolo aos aflitos. Eu consideraria como um sacrilégio traficar com ela, porque não me julgo com o direito de vender a assistência dos Espíritos, que vêm gratuitamente. Tendo em vista que dela não tiro qualquer proveito, não tenho nenhum interesse em vos enganar.” O médium que assim pode falar é forte, repetimo-lo. É uma resposta sem réplica e que sempre impõe respeito.
Nesta circunstância, a crítica foi mais que malévola; foi injusta e injuriosa e englobou na mesma reprovação todos os espíritas e todos os médiuns, aos quais não poupou os mais ultrajantes epítetos, sem pensar até que altura feria, e que atingia as mais respeitáveis famílias. Não repetiremos expressões que só desonram aos que as proferem. Todas as convicções sinceras são respeitáveis, e vós todos que incessantemente proclamais a liberdade de consciência como um direito natural, pelo menos respeitai-a nos outros. Discuti as opiniões, pois é um direito vosso, mas a injúria sempre foi o pior dos argumentos e jamais é o da boa causa.
Nem toda a imprensa é solidária com esses desvios do decoro; entre os críticos, em relação aos irmãos Davenport, uns há cujo caráter não exclui nem as conveniências nem a moderação, e que são justos. A que vamos citar ressalta precisamente o lado fraco de que falamos. É tirada do Courrier de Paris du Monde Illustré, de 16 de setembro de 1865, com a assinatura de Neuter.
“Uma primeira objeção parecia-me bastar para demonstrar que os bons rapazes que deram uma sessão pública na sala Hertz eram hábeis para os exercícios aos quais os mundos superiores ficavam completamente estranhos. Esta objeção eu a tiro da própria regularidade com que exploravam seu pretenso poder miraculoso. Como garantiam que eram Espíritos que vinha manifestar-se em público em seu proveito, e eis que os irmãos Davenport tratavam esses Espíritos, que afinal de contas não são seus empregados, com tanta liberdade quanto um diretor de teatro ditando regras às suas coristas! Sem perguntar aos seus comparsas sobre-humanos se o dia lhes convinha, se estavam fatigados, se o calor não os incomodava, eles marcavam para uma data fixa, para um hora determinada, e era preciso que os seres fluídicos não se indispusessem naquela data, entrassem em cena naquela hora, executassem sua brincadeiras musicais com a precisão de um músico a quem o seu café concerto concede um cachê de um franco!
“Francamente, era fazer do mundo espírita uma ideia muito mesquinha, no-lo apresentar assim como povoado de gênios comandados, de duendes comissários que iam à cidade a um sinal do patrão. Ora! Jamais um descanso para esses figurantes supra-terrestres! Quando a fluxão do mais humilde cabotino lhe dá o direito de mudar o espetáculo, as almas do bando Davenport eram escravos a quem era interdito tirar um instante de folga. É bem duro morar em planetas fantásticos para ficar reduzido a esse grau de escravidão.
“E para que tarefa convocavam essas infelizes almas de além-túmulo! Para fazer passar suas mãos ─ mãos de almas!!! ─ através das fendas de um armário! Para rebaixá-las até a exibições de saltimbancos! Para obrigá-las a brincar com violões, esses instrumentos grotescos que nem mais querem os trovadores que arrulham nos pátios, de olho em moedas de cinco centavos!...”
Com efeito, não é pôr o dedo na ferida? Se o Sr. Neuter tivesse sabido que o Espiritismo diz precisamente a mesma coisa, embora de maneira menos espirituosa, ele não teria dito: “Mas isto não é Espiritismo!” absolutamente como, ao ver um charlatão, diz: “Isto não é medicina.” Ora, assim como nem a Ciência nem a Religião são solidárias com os que delas abusam, também o Espiritismo não o é com aqueles que lhe tomam o nome. A má impressão do autor vem, pois, não da pessoa dos irmãos Davenport, mas das condições nas quais se colocam perante o público e da ideia ridícula que dão do mundo espiritual as experiências feitas em tais condições, que a própria incredulidade fica chocada por ver explorar e arrastar sobre o tablado. Esta foi a impressão da crítica em geral, que a traduziu em termos mais ou menos polidos. Ela será a mesma sempre que os médiuns não estiverem em condições de natureza a fazer respeitar a crença que professam.
O revés dos irmãos Davenport é uma sorte para os adversários do Espiritismo, que entretanto se afobam para cantar vitória e ridicularizam como podem os seus adeptos, gritando-lhes que ele está mortalmente ferido, como se o Espiritismo estivesse encarnado nos irmãos Davenport. O Espiritismo não está encarnado em ninguém; está na Natureza, e não cabe a ninguém deter-lhe a marcha, porque os que tentam fazê-lo trabalham pelo seu avanço. O Espiritismo não consiste em se fazer amarrar por cordas, nem nesta ou naquela experiência física. Jamais tendo tomado esses senhores sob o seu patrocínio e jamais os tendo apresentado como colunas da Doutrina, que eles nem mesmo conhecem, não recebe nenhum desmentido de sua desventura. Seu fracasso não é um revés para o Espiritismo, mas para os exploradores do Espiritismo.
De duas uma: ou são hábeis prestidigitadores, ou são verdadeiros médiuns. Se são charlatães, devemos ser gratos a todos os que ajudam a desmascará-los; a tal respeito, devemos agradecimentos especiais ao Sr. Robin, porque no caso presta um grande serviço ao Espiritismo, que só poderia ter sofrido caso houvessem acreditado em suas fraudes. Todas as vezes que a imprensa assinalou abusos, explorações ou manobras de natureza a comprometer a Doutrina, os Espíritos sinceros, longe de se lamentarem por isto, aplaudiram. Se são médiuns verdadeiros, as condições em que se apresentam, sendo de natureza a produzir uma impressão desfavorável, não podem servir utilmente à causa. Num caso como no outro, o Espiritismo não tem nenhum interesse em tomar partido a seu favor.
Agora, qual será o resultado de todo este barulho? Ei-lo:
A crônica, que nestes dias de calor tropical passava fome, com isto ganha um assunto que se apressa em segurar, para encher suas colunas carentes de casos políticos e de notícias teatrais ou de salões.
O Sr. Robin aí encontra, para o seu teatro de prestidigitação, uma excelente publicidade que ele explorou com muita habilidade, que lhe desejamos seja muito fecunda, porque todos os dias ele aí fala dos espíritas e do Espiritismo.
Com isto a crítica perde um pouco de consideração, pela excentricidade e pela incivilidade de sua polêmica.
Falando materialmente, talvez os menos beneficiados sejam os Srs. Davenport, cuja especulação se acha singularmente comprometida.
Quanto ao Espiritismo, evidentemente é ele que mais lucrará. Seus adeptos o compreendem tão bem que absolutamente não se emocionam com o que se passa e esperam o resultado com confiança. No interior, onde são, ainda mais que do em Paris, vítimas das troças dos adversários, eles se contentam em lhes responder:
Esperai, e em pouco tempo vereis quem estará morto e enterrado.
Com isto, a princípio o Espiritismo ganhará uma imensa popularidade e tornarse-á conhecido, pelo menos de nome, por uma multidão que dele não tinha ouvido falar. Mas, entre esses, muitos não se contentam com o nome. Sua curiosidade é excitada pelo ardor dos ataques; querem saber o que há com essa doutrina, que dizem tão ridícula; irão à fonte, e quando virem que apenas lhe deram uma paródia, dirão, de si para si, que ela não é uma coisa tão má. Assim, pois, o Espiritismo ganhará por ser melhor compreendido, melhor julgado e melhor apreciado.
Ainda ganhará pondo em evidência os adeptos sinceros e devotados com os quais se pode contar, e distingui-los dos adeptos de nome, que não tomam da doutrina senão as aparências ou a superfície. Seus adversários não deixarão de explorar a circunstância para suscitar divisões ou defecções reais ou simuladas, com cuja ajuda esperam arruinar o Espiritismo. Depois de haverem fracassado por todos os outros meios, aí está a sua suprema e última saída, mas que não lhes dará melhor êxito, porque não destacarão do tronco senão os galhos mortos, que não produziam nenhuma seiva, e o tronco, privado dos ramos parasitas, será revigorado.
Estes resultados, e vários outros que nos abstemos de enumerar, são inevitáveis, e não nos surpreenderíamos de saber que foram os bons Espíritos que provocaram todo esse reboliço para atingirem esse objetivo mais prontamente.
[1] Vide boletim bibliográfico
Os Srs. Didier, editores do Livro dos Espíritos, acabam de publicar uma tradução de sua biografia, contendo o relato minucioso dos efeitos que produzem e que, salvo as cordas, têm numerosos pontos de semelhança com os do Sr. Home. A emoção que a presença deles causou na Inglaterra e em Paris dá a essa obra um forte interesse de atualidade. Seu biógrafo inglês, o Dr. Nichols, pois não foram eles que escreveram o livro, mas forneceram os documentos, limitou-se ao relato dos fatos sem explicações; mas os editores franceses tiveram a feliz ideia de juntar à sua publicação, para esclarecimento das pessoas estranhas ao Espiritismo, nossos dois opúsculos: Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas e O Espiritismo na sua Expressão mais Simples, com numerosas notas explicativas no corpo do texto[1]. Assim, nessa obra encontrar-se-ão os ensinamentos desejáveis sobre o caso desses senhores, em cujos detalhes não podemos entrar, pois temos que encarar a questão de outro ponto de vista.
Diremos apenas que sua aptidão para produzir esses fenômenos se revelou de maneira espontânea, desde a sua infância. Durante vários anos eles percorreram as principais cidades da América setentrional, onde adquiriram certa reputação. Em setembro de 1864 vieram à Inglaterra, onde produziram viva sensação. Alternativamente foram ali aclamados, denegridos, ridicularizados e até injuriados pela imprensa e pelo público. Notadamente em Liverpool foram objeto da mais insigne malevolência, a ponto de verem comprometida sua segurança pessoal. As opiniões sobre eles se dividiram: Segundo uns, não passavam de hábeis charlatães; segundo outros, eram de boa-fé e podia-se admitir uma causa oculta para seus fenômenos; mas, em suma, ali conquistaram muito poucos prosélitos à ideia espírita propriamente dita. Naquele país essencialmente religioso, o bom-senso natural repelia o pensamento que seres espirituais viessem revelar sua presença por exibições teatrais e demonstrações de força. Sendo ali pouco conhecida a filosofia espírita, o público confundiu Espiritismo com essas representações, e construiu opinião mais contrária do que favorável à doutrina.
É verdade que na França o Espiritismo começou pelas mesas girantes, mas em condições muito diferentes. Tendo-se revelado imediatamente a mediunidade em grande número de pessoas de todas as idades e de ambos os sexos, e nas famílias mais respeitáveis, os fenômenos se produziram em condições que excluíam qualquer pensamento de charlatanismo; cada um pôde certificar-se por si mesmo, na intimidade, e por observações repetidas, da realidade dos fatos aos quais foi ligado um poderoso interesse quando, saindo dos efeitos puramente materiais que nada diziam à razão, viram as consequências morais e filosóficas deles decorrentes. Se, em vez disto, esse gênero de mediunidade primitiva tivesse sido privilégio de alguns indivíduos isoladas e tivesse sido preciso ir para a frente dos tablados comprar a fé, há muito não se falaria mais dos Espíritos. A fé nasce da impressão moral. Ora, tudo o que é de natureza a produzir uma impressão má, a repele em vez de provocá-la. Haveria hoje muito menos incrédulos, em relação ao Espiritismo, se os fenômenos sempre tivessem sido apresentados de maneira séria. O incrédulo, naturalmente disposto à troça, não pode ser levado a tomar a sério o que é cercado de circunstâncias que não impõem respeito nem confiança. A crítica, que não se dá ao trabalho de aprofundar, forma sua opinião sobre uma primeira aparência desfavorável e confunde o bom e o mau numa mesma reprovação. Muito poucas convicções se formaram em reuniões de caráter público, ao passo que a imensa maioria saiu das reuniões íntimas, onde a notória honorabilidade dos membros podia inspirar toda confiança e desafiar toda suspeita de fraude.
Na última primavera, depois de haver explorado a Inglaterra, os irmãos Davenport vieram a Paris. Algum tempo antes de sua chegada, uma pessoa veio vernos, da parte deles, para pedir que nós os apoiássemos, em nossa Revista. Mas sabese que não nos entusiasmamos facilmente, mesmo pelas coisas que conhecemos e, com mais forte razão, pelas que não conhecemos. Assim, não pudemos prometer um concurso antecipado, tendo por hábito só falar com conhecimento de causa. Na França, onde eles só eram conhecidos pelos relatos contraditórios dos jornais, a opinião, como na Inglaterra, estava dividida a seu respeito. Assim, não podíamos, prematuramente, formular uma censura, que poderia ter sido injusta, nem uma aprovação, da qual teriam podido prevalecer-se. Por isto nos abstivemos.
Em chegando, foram morar no pequeno castelo de Gennevilliers, perto de Paris, onde ficaram vários meses, sem dar ao público notícia de sua presença. Ignoramos o motivo dessa abstenção. Nos últimos dias eles fizeram algumas sessões particulares, de que os jornais deram notícia de um modo mais ou menos pitoresco. Enfim, foi anunciada sua primeira sessão pública para 12 de setembro na sala Hertz. Conhecese o desfecho deplorável dessa sessão que renovou, em escala menor, as cenas tumultuosas de Liverpool, na qual um dos espectadores, pulando para o estrado, quebrou o aparelho desses senhores e, mostrando uma tábua, exclamou: “Eis o truque!” Esse ato inqualificável num país civilizado, levou a confusão ao cúmulo. Não tendo terminado a sessão, devolveram o dinheiro ao público. Mas, como tinham sido doados muitos bilhetes, o caixa constatou um déficit de setecentos francos, ficando assim provado que setenta assistentes que entraram gratuitamente haviam saído com dez francos a mais no bolso, sem dúvida para se indenizarem dos gastos do passeio.
A polêmica que se estabeleceu a respeito dos irmãos Davenport oferece vários pontos instrutivos, que vamos examinar.
A primeira pergunta que os próprios espíritas se fizeram foi esta: Esses senhores são ou não são médiuns? Todos os fatos relatados em sua biografia entram no círculo das possibilidades mediúnicas, porque efeitos análogos, notoriamente autênticos, foram obtidos muitas vezes sob a influência de médiuns sérios. Se os fatos, por si mesmos, são admissíveis, as condições em que eles se produzem, temos que convir, ensejam a suspeita. A que choca logo à primeira vista é a necessidade da obscuridade, que evidentemente facilita a fraude. Mas isto não seria uma objeção sólida. Os efeitos mediúnicos absolutamente nada têm de sobrenatural; todos, sem exceção, são devidos à combinação dos fluidos próprios do Espírito e do médium; esses fluidos, embora imponderáveis, não deixam de ser matéria sutil. Há, pois, aí uma causa e um efeito de certo modo materiais, o que nos levou sempre a dizer que, sendo os fenômenos espíritas baseados nas leis da Natureza, eles nada têm de miraculosos. Como muitos outros fenômenos, eles só nos pareceram miraculosos porque não se conheciam suas leis. Hoje, conhecidas essas leis, desaparecem o sobrenatural e o maravilhoso, dando lugar à realidade. Assim, não há um só espírita que se atribua o dom dos milagres. É isto o que os críticos saberiam, se se dessem ao trabalho de estudar aquilo de que falam.
Para voltar à questão da obscuridade, sabe-se que em química há combinações que não se podem operar à luz; que ocorrem composições e decomposições sob a ação do fluido luminoso. Ora, sendo todos os fenômenos espíritas, como dissemos, o resultado de combinações fluídicas, e esses fluidos sendo da matéria, nada haveria de estranho que em certos casos o fluido luminoso fosse contrário a essa combinação.
Uma objeção mais séria é a pontualidade com que se produzem os fenômenos, em dias e horas certas e à vontade. Esta submissão ao capricho de certos indivíduos é contrária a tudo quanto se sabe da natureza dos Espíritos, e a repetição facultativa de um fenômeno qualquer sempre foi considerada e em princípio deve ser considerada como legitimamente suspeita, mesmo em caso de desinteresse, e com mais forte razão quando se trata de exibições públicas feitas com objetivo de lucro, às quais repugna à razão pensar que Espíritos possam submeter-se.
A mediunidade é uma aptidão natural inerente ao médium, como a faculdade de produzir sons é inerente a um instrumento; mas, da mesma forma que para que um instrumento toque uma ária é preciso um músico, para que um médium produza efeitos mediúnicos são necessários os Espíritos. Os Espíritos vêm quando querem e quando podem, donde resulta que o médium melhor dotado por vezes nada obtém. Então, ele é como um instrumento sem músico. É o que se vê todos os dias; é o que acontecia ao Sr. Home, que muitas vezes ficava meses inteiros sem nada produzir, a despeito de seu desejo, ainda que em presença de um soberano.
Resulta, portanto, da própria essência da mediunidade, e se pode estabelecer como princípio ABSOLUTO, que um médium jamais está seguro de receber um efeito determinado qualquer, porque isso não depende dele. Afirmar o contrário seria provar completa ignorância dos mais elementares princípios da ciência espírita. Para prometer a produção de um fenômeno com hora marcada, é preciso ter à disposição meios materiais que não vêm dos Espíritos. É este o caso dos irmãos Davenport? Ignoramo-lo. O julgamento cabe aos que acompanharam as suas experiências.
Falaram de desafios, de apostas propostas a quem fizesse as melhores mágicas. Os Espíritos não são fazedores de peripécias e jamais um médium sério entrará em luta com alguém e, ainda menos, com um prestidigitador. Este dispõe de meios próprios; o outro é o instrumento passivo de uma vontade estranha, livre, independente e da qual ninguém pode dispor sem seu consentimento. Se o prestidigitador diz que faz mais que os médiuns, deixai-o dizer. Ele tem razão, pois age na certa; diverte o público: é seu propósito; gaba-se: é seu papel; faz a sua propaganda: é uma necessidade da posição. O médium sério, sabendo que não tem nenhum mérito pessoal no que faz, é modesto; não pode envaidecer-se do que não é produto de seu talento, nem prometer o que de si não depende.
Contudo, os médiuns fazem algo mais. Por seu intermédio os bons Espíritos inspiram a caridade e a benevolência para com todos; ensinam aos homens a se olharem como irmãos, sem distinção de castas nem de seitas; a perdoar aos que lhes dizem injúrias; a vencer as más inclinações; a suportar com paciência as misérias da vida; a olhar a morte sem medo, pela certeza da vida futura. Eles dão consolo aos aflitos, coragem aos fracos, esperança aos que não acreditavam, etc.
Eis o que não ensinam nem as mágicas dos prestidigitadores, nem as dos Srs. Davenport.
As condições inerentes à mediunidade não poderiam, assim, prestar-se à regularidade e à pontualidade, que são a condição indispensável das sessões a hora certa, onde, a qualquer preço, é preciso satisfazer o público. Se, entretanto, os Espíritos se prestassem a manifestações desse gênero, o que não seria radicalmente impossível, porquanto há Espíritos de todos os graus possíveis de adiantamento, eles não poderiam ser, em todo caso, senão Espíritos de baixa classe, porque seria soberanamente absurdo pensar que Espíritos, por pouco elevados que fossem, viessem divertir-se fazendo exibições. Mas, mesmo nesta hipótese, o médium não deixaria de estar à mercê de tais Espíritos, que pedem deixá-lo no momento em que sua presença fosse mais necessária e fazer falhar a representação ou a consulta. Ora, como antes de tudo é preciso contentar ao que paga, se os Espíritos não comparecerem, tratam de dispensá-los; com um pouco de habilidade é fácil fazer a mudança. É o que acontece muitas vezes a médiuns originariamente dotados de faculdades reais, mas insuficientes para o objetivo a que se propõem.
De todos os fenômenos espíritas, os que melhor se prestam à imitação são os efeitos físicos. Ora, se bem que as manifestações reais tenham um caráter distintivo e só se produzam em condições especiais bem determinadas, a imitação pode aproximá-las da realidade, a ponto de iludir as pessoas, sobretudo as que não conhecem as leis dos fenômenos verdadeiros. Mas pelo fato de poderem ser imitados, seria ilógico concluir que não existem, assim como ilógico seria pretender que não haja diamantes verdadeiros porque há diamantes artificiais.
Aqui não fazemos qualquer aplicação pessoal. Damos os princípios fundados na experiência e na razão, de onde tiramos esta consequência: que um exame escrupuloso, feito com perfeito conhecimento dos fenômenos espíritas, é o único que permite distinguir a trapaça da mediunidade real. E acrescentamos que a melhor de todas as garantias é o respeito e a consideração que se ligam à pessoa do médium, sua moralidade, sua notória honorabilidade, seu desinteresse absoluto, material e moral. Ninguém discordaria que em tais circunstâncias as qualidades do indivíduo não constituam um precedente que impressiona favoravelmente, porque afastam até a suspeita de fraude.
Não julgamos os Srs. Davenport, e longe de nós pôr em dúvida a sua honorabilidade. Mas, à parte as qualidades morais, das quais não temos nenhum motivo de suspeita, é preciso confessar que eles se apresentam em condições pouco favoráveis para atestar seu título de médiuns, e que é no mínimo com grande leviandade que certos críticos se apressaram em qualificá-los de apóstolos e sumo sacerdotes da Doutrina. O objetivo de sua viagem à Europa está claramente definido nesta passagem de sua biografia:
“Creio, sem cometer erro, que foi a 27 de agosto que os irmãos Davenport deixaram Nova Iorque, trazendo consigo, por causa de uma debilidade sobrevinda ao Sr. William Davenport, um ajudante na pessoa do Sr. William Fay, que não deve ser confundido com o Sr. H. Melleville Fay que, segundo não sei que gênero de autoridade, ao que se diz, foi descoberto no Canadá, tentando produzir manifestações semelhantes, ou pelo menos parecidas. Eles estavam acompanhados pelo Sr. Palmer, muito conhecido como empresário e agente de negócios no mundo dramático e lírico, e a quem, graças à sua experiência, foi confiada a parte material e econômica do empreendimento.”
Está, pois, constatado que foi um empreendimento conduzido por um empresário e agente de negócios dramáticos. Os fatos relatados na biografia estão, ao que nos disseram, nas possibilidades mediúnicas; a idade e as circunstâncias em que começaram a se manifestar afastam o pensamento de charlatanice. Tudo tende, pois, a provar que esses jovens eram realmente médiuns de efeitos físicos, como se encontram muitos em seu país, onde a exploração dessa faculdade tornou-se hábito e nada tem de chocante para a opinião pública. Se eles ampliaram as suas faculdades naturais, como o fizeram outros médiuns exploradores, para aumentar o seu prestígio e suprir a falta de flexibilidade dessas mesmas faculdades, é o que não afirmamos, pois não temos qualquer prova. Mas, admitindo a integridade dessas faculdades, diremos que se iludiram quanto ao acolhimento do público europeu, pois foram apresentadas sob a forma de espetáculo de curiosidade e em condições tão contrárias aos princípios do Espiritismo filosófico, moral e religioso. Os espíritas sinceros e esclarecidos, que aqui são numerosos, sobretudo na França, não podiam aclamá-los em tais condições, nem considerá-los como apóstolos, mesmo supondo uma perfeita sinceridade da parte deles. Quanto aos incrédulos, cujo número é tão grande e que ainda dominam na imprensa, a ocasião de exercer sua veia trocista era muito bela para que a deixassem escapar. Aqueles senhores ofereceram, assim, o flanco à mais larga crítica e lhes deram o direito que cada um compra na bilheteria de um espetáculo qualquer. Ninguém duvida que, se se tivessem apresentado em condições mais sérias, teriam tido outra acolhida; teriam fechado a boca dos detratores. Um médium é forte quando pode dizer corajosamente: “Quanto vos custou vir aqui, e quem vos obrigou a vir? Deus me deu uma faculdade que me pode retirar quando lhe aprouver, como me pode retirar a visão ou a palavra. Só a utilizo para o bem, no interesse da verdade e não para satisfazer a curiosidade ou servir aos meus interesses. Dela só recolho o trabalho do devotamento; nem mesmo procuro a satisfação do amor-próprio, porque ela não depende de mim. Considero-a como uma coisa santa, porque me põe em relação com o mundo espiritual e me permite dar a fé aos incrédulos e consolo aos aflitos. Eu consideraria como um sacrilégio traficar com ela, porque não me julgo com o direito de vender a assistência dos Espíritos, que vêm gratuitamente. Tendo em vista que dela não tiro qualquer proveito, não tenho nenhum interesse em vos enganar.” O médium que assim pode falar é forte, repetimo-lo. É uma resposta sem réplica e que sempre impõe respeito.
Nesta circunstância, a crítica foi mais que malévola; foi injusta e injuriosa e englobou na mesma reprovação todos os espíritas e todos os médiuns, aos quais não poupou os mais ultrajantes epítetos, sem pensar até que altura feria, e que atingia as mais respeitáveis famílias. Não repetiremos expressões que só desonram aos que as proferem. Todas as convicções sinceras são respeitáveis, e vós todos que incessantemente proclamais a liberdade de consciência como um direito natural, pelo menos respeitai-a nos outros. Discuti as opiniões, pois é um direito vosso, mas a injúria sempre foi o pior dos argumentos e jamais é o da boa causa.
Nem toda a imprensa é solidária com esses desvios do decoro; entre os críticos, em relação aos irmãos Davenport, uns há cujo caráter não exclui nem as conveniências nem a moderação, e que são justos. A que vamos citar ressalta precisamente o lado fraco de que falamos. É tirada do Courrier de Paris du Monde Illustré, de 16 de setembro de 1865, com a assinatura de Neuter.
“Uma primeira objeção parecia-me bastar para demonstrar que os bons rapazes que deram uma sessão pública na sala Hertz eram hábeis para os exercícios aos quais os mundos superiores ficavam completamente estranhos. Esta objeção eu a tiro da própria regularidade com que exploravam seu pretenso poder miraculoso. Como garantiam que eram Espíritos que vinha manifestar-se em público em seu proveito, e eis que os irmãos Davenport tratavam esses Espíritos, que afinal de contas não são seus empregados, com tanta liberdade quanto um diretor de teatro ditando regras às suas coristas! Sem perguntar aos seus comparsas sobre-humanos se o dia lhes convinha, se estavam fatigados, se o calor não os incomodava, eles marcavam para uma data fixa, para um hora determinada, e era preciso que os seres fluídicos não se indispusessem naquela data, entrassem em cena naquela hora, executassem sua brincadeiras musicais com a precisão de um músico a quem o seu café concerto concede um cachê de um franco!
“Francamente, era fazer do mundo espírita uma ideia muito mesquinha, no-lo apresentar assim como povoado de gênios comandados, de duendes comissários que iam à cidade a um sinal do patrão. Ora! Jamais um descanso para esses figurantes supra-terrestres! Quando a fluxão do mais humilde cabotino lhe dá o direito de mudar o espetáculo, as almas do bando Davenport eram escravos a quem era interdito tirar um instante de folga. É bem duro morar em planetas fantásticos para ficar reduzido a esse grau de escravidão.
“E para que tarefa convocavam essas infelizes almas de além-túmulo! Para fazer passar suas mãos ─ mãos de almas!!! ─ através das fendas de um armário! Para rebaixá-las até a exibições de saltimbancos! Para obrigá-las a brincar com violões, esses instrumentos grotescos que nem mais querem os trovadores que arrulham nos pátios, de olho em moedas de cinco centavos!...”
Com efeito, não é pôr o dedo na ferida? Se o Sr. Neuter tivesse sabido que o Espiritismo diz precisamente a mesma coisa, embora de maneira menos espirituosa, ele não teria dito: “Mas isto não é Espiritismo!” absolutamente como, ao ver um charlatão, diz: “Isto não é medicina.” Ora, assim como nem a Ciência nem a Religião são solidárias com os que delas abusam, também o Espiritismo não o é com aqueles que lhe tomam o nome. A má impressão do autor vem, pois, não da pessoa dos irmãos Davenport, mas das condições nas quais se colocam perante o público e da ideia ridícula que dão do mundo espiritual as experiências feitas em tais condições, que a própria incredulidade fica chocada por ver explorar e arrastar sobre o tablado. Esta foi a impressão da crítica em geral, que a traduziu em termos mais ou menos polidos. Ela será a mesma sempre que os médiuns não estiverem em condições de natureza a fazer respeitar a crença que professam.
O revés dos irmãos Davenport é uma sorte para os adversários do Espiritismo, que entretanto se afobam para cantar vitória e ridicularizam como podem os seus adeptos, gritando-lhes que ele está mortalmente ferido, como se o Espiritismo estivesse encarnado nos irmãos Davenport. O Espiritismo não está encarnado em ninguém; está na Natureza, e não cabe a ninguém deter-lhe a marcha, porque os que tentam fazê-lo trabalham pelo seu avanço. O Espiritismo não consiste em se fazer amarrar por cordas, nem nesta ou naquela experiência física. Jamais tendo tomado esses senhores sob o seu patrocínio e jamais os tendo apresentado como colunas da Doutrina, que eles nem mesmo conhecem, não recebe nenhum desmentido de sua desventura. Seu fracasso não é um revés para o Espiritismo, mas para os exploradores do Espiritismo.
De duas uma: ou são hábeis prestidigitadores, ou são verdadeiros médiuns. Se são charlatães, devemos ser gratos a todos os que ajudam a desmascará-los; a tal respeito, devemos agradecimentos especiais ao Sr. Robin, porque no caso presta um grande serviço ao Espiritismo, que só poderia ter sofrido caso houvessem acreditado em suas fraudes. Todas as vezes que a imprensa assinalou abusos, explorações ou manobras de natureza a comprometer a Doutrina, os Espíritos sinceros, longe de se lamentarem por isto, aplaudiram. Se são médiuns verdadeiros, as condições em que se apresentam, sendo de natureza a produzir uma impressão desfavorável, não podem servir utilmente à causa. Num caso como no outro, o Espiritismo não tem nenhum interesse em tomar partido a seu favor.
Agora, qual será o resultado de todo este barulho? Ei-lo:
A crônica, que nestes dias de calor tropical passava fome, com isto ganha um assunto que se apressa em segurar, para encher suas colunas carentes de casos políticos e de notícias teatrais ou de salões.
O Sr. Robin aí encontra, para o seu teatro de prestidigitação, uma excelente publicidade que ele explorou com muita habilidade, que lhe desejamos seja muito fecunda, porque todos os dias ele aí fala dos espíritas e do Espiritismo.
Com isto a crítica perde um pouco de consideração, pela excentricidade e pela incivilidade de sua polêmica.
Falando materialmente, talvez os menos beneficiados sejam os Srs. Davenport, cuja especulação se acha singularmente comprometida.
Quanto ao Espiritismo, evidentemente é ele que mais lucrará. Seus adeptos o compreendem tão bem que absolutamente não se emocionam com o que se passa e esperam o resultado com confiança. No interior, onde são, ainda mais que do em Paris, vítimas das troças dos adversários, eles se contentam em lhes responder:
Esperai, e em pouco tempo vereis quem estará morto e enterrado.
Com isto, a princípio o Espiritismo ganhará uma imensa popularidade e tornarse-á conhecido, pelo menos de nome, por uma multidão que dele não tinha ouvido falar. Mas, entre esses, muitos não se contentam com o nome. Sua curiosidade é excitada pelo ardor dos ataques; querem saber o que há com essa doutrina, que dizem tão ridícula; irão à fonte, e quando virem que apenas lhe deram uma paródia, dirão, de si para si, que ela não é uma coisa tão má. Assim, pois, o Espiritismo ganhará por ser melhor compreendido, melhor julgado e melhor apreciado.
Ainda ganhará pondo em evidência os adeptos sinceros e devotados com os quais se pode contar, e distingui-los dos adeptos de nome, que não tomam da doutrina senão as aparências ou a superfície. Seus adversários não deixarão de explorar a circunstância para suscitar divisões ou defecções reais ou simuladas, com cuja ajuda esperam arruinar o Espiritismo. Depois de haverem fracassado por todos os outros meios, aí está a sua suprema e última saída, mas que não lhes dará melhor êxito, porque não destacarão do tronco senão os galhos mortos, que não produziam nenhuma seiva, e o tronco, privado dos ramos parasitas, será revigorado.
Estes resultados, e vários outros que nos abstemos de enumerar, são inevitáveis, e não nos surpreenderíamos de saber que foram os bons Espíritos que provocaram todo esse reboliço para atingirem esse objetivo mais prontamente.
[1] Vide boletim bibliográfico
Exéquias de um Espírita
A alocução seguinte foi por nós pronunciada nas exéquias do Sr. Nant, um dos nossos colegas da Sociedade de Paris, a 23 de setembro de 1865. Publicamo-la a pedido da família e porque, nas circunstâncias relatadas no artigo precedente, ela mostra onde está a verdadeira doutrina.
“Senhores e caros colegas da Sociedade de Paris, e vós todos, nossos irmãos em crença, aqui presentes:
“Há apenas um mês, vínhamos a este mesmo lugar, render as nossas últimas homenagens a um dos nossos antigos colegas, o Sr. Dozon[1]. A partida de outro irmão aqui nos traz hoje. O Sr. Nant, membro da Sociedade, acaba, também ele, de entregar à terra seus despojos mortais, para revestir o brilhante envoltório dos Espíritos. Vimos, conforme a expressão consagrada, dizer-lhe o último adeus? Não, pois sabemos que a morte não é apenas a entrada na verdadeira vida, mas que não passa de uma separação corporal de alguns instantes, e que o vazio que deixa no lar é apenas aparente.
“Ó doce e santa crença, que incessantemente nos mostra ao nosso lado os seres que nos são caros! Se ele fosse uma ilusão, deveria ser abençoada, porque enche o coração de inefável consolação! Mas não, não é uma esperança vã; é uma realidade, diariamente atestada pelas relações que se estabelecem entre os mortos e os vivos segundo a carne. Abençoada seja, pois, a ciência que nos mostra a tumba como o sólio da libertação, e nos ensina a olhar a morte de frente e sem terror!
“Oh! Meus irmãos! Lamentemos aqueles que o véu da incredulidade ainda cega. É para eles que a morte representa terríveis apreensões! Para os sobreviventes, ela é mais que uma separação; é a destruição, para todo o sempre, dos seres mais queridos. Para aquele que vê aproximar-se a sua última hora, é o abismo do nada, que se abre à sua frente, pensamento horrível que legitima as angústias e os desesperos.
“Que diferença para aquele que não só crê na vida futura, mas que a compreende e com ela se identificou! Ele já não marcha com ansiedade para o desconhecido, mas com confiança para os novos caminhos que se abrem à sua frente. Ele já os entrevê, e conta com sangue frio os minutos que deles ainda o separam, como o viajante que se aproxima do termo da viagem e sabe que à sua chegada vai encontrar repouso e receber os abraços dos amigos.
“Assim foi o Sr. Nant: Sua vida tinha sido a de um homem de bem por excelência; sua morte foi a do justo e do verdadeiro espírita. Sua fé nos ensinos de nossa doutrina era sincera e esclarecida; nela bebeu imensas consolações durante a vida, a resignação nos sofrimentos que o levaram ao seu término, e uma calma radiosa nos últimos instantes. Ele nos ofereceu um tocante exemplo da morte consciente; seguiu com lucidez os progressos da separação, que se operou sem abalos, e quando sentiu partir-se o último elo, abençoou os assistentes; depois, tomando as mãos de seu neto de dez anos, colocou-as sobre os olhos, para que ele próprio os fechasse. Alguns segundos depois soltou o último suspiro, exclamando: Oh! Eu o vejo!
“Nesse momento, seu neto, tomado de violenta emoção, foi subitamente adormecido pelos Espíritos. Em seu êxtase, viu a alma de seu avô, acompanhada por uma porção de outros Espíritos, elevar-se no espaço, mas preso ainda ao envoltório corporal pelo cordão fluídico.
“Assim, à medida que se fechavam sobre ele as portas da vida terrena, abriamse-lhe as do mundo espiritual, cujos esplendores ele entrevia.
“Ó sublime e tocante espetáculo! Por que não tinha ele por testemunhas aqueles que a esta hora troçam da ciência que nos revela tão consoladores mistérios?! Eles a teriam saudado com respeito, em vez de ridicularizá-la. Se lhe atiram a ironia e a injúria, perdoemo-los: é que eles não a conhecem e vão procurá-la onde não está.
“De nossa parte, rendamos graças ao Senhor, que quis retirar de nossos olhos o véu que nos separa da vida futura, porque a morte só parece terrível aos que nada entreveem no Além. Ensinando ao homem de onde vem, para onde vai e por que está na Terra, o Espiritismo dotou-o de um imenso benefício, pois lhe dá coragem, resignação e esperança.
“Caro Sr. Nant, nós vos acompanhamos em pensamento no mundo dos Espíritos, onde ides recolher o fruto de vossas provações terrestres e das virtudes de que destes exemplo. Recebei nosso adeus, até o momento em que nos será permitido aí nos reunirmos.
“Sem dúvida revistes o nosso irmão que vos precedeu há pouco, o Sr. Dozon, que certamente vos acompanha neste momento. Juntamo-nos a ele, em pensamento, na prece que por vós vamos dirigir a Deus”
(Aqui é dita a prece pelos que acabam de deixar a Terra, que se acha no Evangelho segundo o Espiritismo).
NOTA: No momento de imprimir este número da Revista, soubemos que o Sr. Nant, por disposição testamentária, legou 2.000 francos para serem aplicados na propagação do Espiritismo
[1] Sr. Dozon, autor das Revelações de Além-túmulo, 4 vol. Falecido em Passy (Paris), a 1º de agosto de 1865.
“Senhores e caros colegas da Sociedade de Paris, e vós todos, nossos irmãos em crença, aqui presentes:
“Há apenas um mês, vínhamos a este mesmo lugar, render as nossas últimas homenagens a um dos nossos antigos colegas, o Sr. Dozon[1]. A partida de outro irmão aqui nos traz hoje. O Sr. Nant, membro da Sociedade, acaba, também ele, de entregar à terra seus despojos mortais, para revestir o brilhante envoltório dos Espíritos. Vimos, conforme a expressão consagrada, dizer-lhe o último adeus? Não, pois sabemos que a morte não é apenas a entrada na verdadeira vida, mas que não passa de uma separação corporal de alguns instantes, e que o vazio que deixa no lar é apenas aparente.
“Ó doce e santa crença, que incessantemente nos mostra ao nosso lado os seres que nos são caros! Se ele fosse uma ilusão, deveria ser abençoada, porque enche o coração de inefável consolação! Mas não, não é uma esperança vã; é uma realidade, diariamente atestada pelas relações que se estabelecem entre os mortos e os vivos segundo a carne. Abençoada seja, pois, a ciência que nos mostra a tumba como o sólio da libertação, e nos ensina a olhar a morte de frente e sem terror!
“Oh! Meus irmãos! Lamentemos aqueles que o véu da incredulidade ainda cega. É para eles que a morte representa terríveis apreensões! Para os sobreviventes, ela é mais que uma separação; é a destruição, para todo o sempre, dos seres mais queridos. Para aquele que vê aproximar-se a sua última hora, é o abismo do nada, que se abre à sua frente, pensamento horrível que legitima as angústias e os desesperos.
“Que diferença para aquele que não só crê na vida futura, mas que a compreende e com ela se identificou! Ele já não marcha com ansiedade para o desconhecido, mas com confiança para os novos caminhos que se abrem à sua frente. Ele já os entrevê, e conta com sangue frio os minutos que deles ainda o separam, como o viajante que se aproxima do termo da viagem e sabe que à sua chegada vai encontrar repouso e receber os abraços dos amigos.
“Assim foi o Sr. Nant: Sua vida tinha sido a de um homem de bem por excelência; sua morte foi a do justo e do verdadeiro espírita. Sua fé nos ensinos de nossa doutrina era sincera e esclarecida; nela bebeu imensas consolações durante a vida, a resignação nos sofrimentos que o levaram ao seu término, e uma calma radiosa nos últimos instantes. Ele nos ofereceu um tocante exemplo da morte consciente; seguiu com lucidez os progressos da separação, que se operou sem abalos, e quando sentiu partir-se o último elo, abençoou os assistentes; depois, tomando as mãos de seu neto de dez anos, colocou-as sobre os olhos, para que ele próprio os fechasse. Alguns segundos depois soltou o último suspiro, exclamando: Oh! Eu o vejo!
“Nesse momento, seu neto, tomado de violenta emoção, foi subitamente adormecido pelos Espíritos. Em seu êxtase, viu a alma de seu avô, acompanhada por uma porção de outros Espíritos, elevar-se no espaço, mas preso ainda ao envoltório corporal pelo cordão fluídico.
“Assim, à medida que se fechavam sobre ele as portas da vida terrena, abriamse-lhe as do mundo espiritual, cujos esplendores ele entrevia.
“Ó sublime e tocante espetáculo! Por que não tinha ele por testemunhas aqueles que a esta hora troçam da ciência que nos revela tão consoladores mistérios?! Eles a teriam saudado com respeito, em vez de ridicularizá-la. Se lhe atiram a ironia e a injúria, perdoemo-los: é que eles não a conhecem e vão procurá-la onde não está.
“De nossa parte, rendamos graças ao Senhor, que quis retirar de nossos olhos o véu que nos separa da vida futura, porque a morte só parece terrível aos que nada entreveem no Além. Ensinando ao homem de onde vem, para onde vai e por que está na Terra, o Espiritismo dotou-o de um imenso benefício, pois lhe dá coragem, resignação e esperança.
“Caro Sr. Nant, nós vos acompanhamos em pensamento no mundo dos Espíritos, onde ides recolher o fruto de vossas provações terrestres e das virtudes de que destes exemplo. Recebei nosso adeus, até o momento em que nos será permitido aí nos reunirmos.
“Sem dúvida revistes o nosso irmão que vos precedeu há pouco, o Sr. Dozon, que certamente vos acompanha neste momento. Juntamo-nos a ele, em pensamento, na prece que por vós vamos dirigir a Deus”
(Aqui é dita a prece pelos que acabam de deixar a Terra, que se acha no Evangelho segundo o Espiritismo).
NOTA: No momento de imprimir este número da Revista, soubemos que o Sr. Nant, por disposição testamentária, legou 2.000 francos para serem aplicados na propagação do Espiritismo
[1] Sr. Dozon, autor das Revelações de Além-túmulo, 4 vol. Falecido em Passy (Paris), a 1º de agosto de 1865.
Variedades
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão
O Sr. Delanne, que muitos de nossos leitores já conhecem, tem um filho de oito anos. Esse menino, que a cada instante ouve falar do Espiritismo em sua família, e que muitas vezes assiste às reuniões dirigidas por seu pai e sua mãe, assim cedo se viu iniciado na Doutrina, e surpreende pela justeza com que discute os seus princípios. Isto nada tem de surpreendente, pois é a penas o eco das ideias com que foi embalado. Mas, não é esse o objetivo deste artigo: é apenas a introdução no tema do fato que vamos relatar e que tem cabida nas circunstâncias atuais.
As reuniões do Sr. Delanne são graves, sérias e conduzidas com uma ordem perfeita, como devem ser todas aquelas nas quais se quer colher frutos. Embora as comunicações escritas ali ocupem o primeiro lugar, eles também se ocupam, acessoriamente e a título de instrução complementar, de manifestações físicas e tiptológicas, porém a título de ensinamento, e nunca como objeto de curiosidade. Dirigidas com método e recolhimento e sempre apoiadas em algumas explicações teóricas, elas estão nas condições desejadas para levar à convicção, pelas impressões que produzem. É em tais condições que as manifestações físicas são realmente úteis; elas falam ao espírito e impõem silêncio à troça. A gente se sente em presença de um fenômeno cuja profundidade se entrevê e que até afasta a ideia da brincadeira. Se estas espécies de manifestações, de que tanto se tem abusado, fossem sempre apresentadas dessa maneira, em vez de serem um divertimento e pretexto para perguntas fúteis, a crítica não as teria taxado de charlatanice. Infelizmente, muitas vezes dão ensejo a isso.
O filho do Sr. Delanne muitas vezes participara dessas manifestações e, influenciado pelo bom exemplo, as considerava como coisa séria.
Um dia ele se achava em casa de uma pessoa conhecida e brincava no pátio da casa com sua priminha de cinco anos e dois meninos, um de sete e outro de quatro anos. Uma senhora que morava no rés-do-chão os convidou a entrar em sua casa e lhes deu bombons. As crianças, como se pode imaginar, não se fizeram de rogadas.
A senhora perguntou ao filho do Sr. Delanne:
─ Como te chamas, meu filho?
─ Eu me chamo Gabriel, senhora.
─ Que faz teu pai?
─ Senhora, meu pai é espírita.
─ Eu não conheço essa profissão.
─ Mas, senhora, não é uma profissão; meu pai não é pago para isto, ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.
─ Meu rapazinho, não sei o que queres dizer.
─ Como! Jamais ouvistes falar das mesas girantes?
─ Então, meu amigo, bem gostaria que teu pai estivesse aqui para fazê-las girar.
─ Não precisa, senhora, eu mesmo tenho o poder de fazê-las girar.
─ Então, queres experimentar e me mostrar como se procede?
─ Com muito prazer, senhora.
Dito isto, ele se sentou ao pé de uma mesinha da sala e fez se sentarem os seus três amiguinhos; e eis os quatro gravemente pondo as mãos sobre a mesa. Gabriel fez uma evocação, em tom muito sério e com recolhimento. Mal terminou, para grande estupefação da senhora e das crianças, a mesa ergueu-se e bateu com força.
─ Perguntai, senhora, disse Gabriel, quem vem responder pela mesa.
A vizinha interrogou e a mesa soletrou as palavras: teu pai. A senhora empalideceu de emoção. Ela continuou:
─ Então, meu pai, podes dizer se devo mandar a carta que acabo de escrever?
─ Sim, sem falta, respondeu a mesa.
─ Para me provar que és tu, meu bom pai, que estás aí, poderias dizer-me há quantos anos estás morto?
Logo a mesa bateu oito pancadas bem acentuadas. Estava correto o número de anos.
─ Poderias dizer-me teu nome e o da cidade onde morreste?
A mesa soletrou esses dois nomes.
As lágrimas jorraram dos olhos daquela senhora, que não pôde continuar, aterrada por essa revelação e dominada pela emoção.
Seguramente este fato desafia toda suspeita de preparação do instrumento, de ideia preconcebida e de charlatanismo. Também não se podem pôr os dois nomes soletrados à conta do acaso. Duvidamos muito que essa senhora tivesse recebido tamanha impressão numa das sessões dos Srs. Davenport, ou em qualquer outra do mesmo gênero. Ademais, não é a primeira vez que a mediunidade se revela em crianças, na intimidade das famílias. Não é o cumprimento daquelas palavras proféticas: Vossos filhos e vossas filhas profetizarão? (Atos dos Apóstolos, II:17).
As reuniões do Sr. Delanne são graves, sérias e conduzidas com uma ordem perfeita, como devem ser todas aquelas nas quais se quer colher frutos. Embora as comunicações escritas ali ocupem o primeiro lugar, eles também se ocupam, acessoriamente e a título de instrução complementar, de manifestações físicas e tiptológicas, porém a título de ensinamento, e nunca como objeto de curiosidade. Dirigidas com método e recolhimento e sempre apoiadas em algumas explicações teóricas, elas estão nas condições desejadas para levar à convicção, pelas impressões que produzem. É em tais condições que as manifestações físicas são realmente úteis; elas falam ao espírito e impõem silêncio à troça. A gente se sente em presença de um fenômeno cuja profundidade se entrevê e que até afasta a ideia da brincadeira. Se estas espécies de manifestações, de que tanto se tem abusado, fossem sempre apresentadas dessa maneira, em vez de serem um divertimento e pretexto para perguntas fúteis, a crítica não as teria taxado de charlatanice. Infelizmente, muitas vezes dão ensejo a isso.
O filho do Sr. Delanne muitas vezes participara dessas manifestações e, influenciado pelo bom exemplo, as considerava como coisa séria.
Um dia ele se achava em casa de uma pessoa conhecida e brincava no pátio da casa com sua priminha de cinco anos e dois meninos, um de sete e outro de quatro anos. Uma senhora que morava no rés-do-chão os convidou a entrar em sua casa e lhes deu bombons. As crianças, como se pode imaginar, não se fizeram de rogadas.
A senhora perguntou ao filho do Sr. Delanne:
─ Como te chamas, meu filho?
─ Eu me chamo Gabriel, senhora.
─ Que faz teu pai?
─ Senhora, meu pai é espírita.
─ Eu não conheço essa profissão.
─ Mas, senhora, não é uma profissão; meu pai não é pago para isto, ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.
─ Meu rapazinho, não sei o que queres dizer.
─ Como! Jamais ouvistes falar das mesas girantes?
─ Então, meu amigo, bem gostaria que teu pai estivesse aqui para fazê-las girar.
─ Não precisa, senhora, eu mesmo tenho o poder de fazê-las girar.
─ Então, queres experimentar e me mostrar como se procede?
─ Com muito prazer, senhora.
Dito isto, ele se sentou ao pé de uma mesinha da sala e fez se sentarem os seus três amiguinhos; e eis os quatro gravemente pondo as mãos sobre a mesa. Gabriel fez uma evocação, em tom muito sério e com recolhimento. Mal terminou, para grande estupefação da senhora e das crianças, a mesa ergueu-se e bateu com força.
─ Perguntai, senhora, disse Gabriel, quem vem responder pela mesa.
A vizinha interrogou e a mesa soletrou as palavras: teu pai. A senhora empalideceu de emoção. Ela continuou:
─ Então, meu pai, podes dizer se devo mandar a carta que acabo de escrever?
─ Sim, sem falta, respondeu a mesa.
─ Para me provar que és tu, meu bom pai, que estás aí, poderias dizer-me há quantos anos estás morto?
Logo a mesa bateu oito pancadas bem acentuadas. Estava correto o número de anos.
─ Poderias dizer-me teu nome e o da cidade onde morreste?
A mesa soletrou esses dois nomes.
As lágrimas jorraram dos olhos daquela senhora, que não pôde continuar, aterrada por essa revelação e dominada pela emoção.
Seguramente este fato desafia toda suspeita de preparação do instrumento, de ideia preconcebida e de charlatanismo. Também não se podem pôr os dois nomes soletrados à conta do acaso. Duvidamos muito que essa senhora tivesse recebido tamanha impressão numa das sessões dos Srs. Davenport, ou em qualquer outra do mesmo gênero. Ademais, não é a primeira vez que a mediunidade se revela em crianças, na intimidade das famílias. Não é o cumprimento daquelas palavras proféticas: Vossos filhos e vossas filhas profetizarão? (Atos dos Apóstolos, II:17).