Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

Você está em: Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866 > Fevereiro


Fevereiro

O Espiritismo segundo os espíritas

Do Jornal La discussion

La Discussion, jornal hebdomadário político e financeiro impresso em Bruxelas, não é uma dessas folhas levianas que visam, pelo fundo e pela forma, ao divertimento do público frívolo. É um jornal sério, acreditado sobretudo no mundo financeiro e que se acha no seu undécimo ano[1]. Sob o título de O Espiritismo segundo os espíritas, o número de 31 de dezembro de 1865 traz o artigo seguinte:



“Espíritas e Espiritismo são agora dois vocábulos muito conhecidos e frequentemente empregados, embora fossem ignorados há poucos meses. Contudo, a maioria das pessoas que deles se servem estão a perguntar o que exatamente significam, e embora cada um faça essa pergunta a si mesmo, ninguém a expressa, pois todos querem passar por conhecedores da chave que mata a charada.

“Algumas vezes, entretanto, a curiosidade embaraça a ponto de trazer a pergunta aos lábios e, satisfazendo ao vosso desejo, cada um vos explica.

“Alguns pretendem que o Espiritismo é o truque do armário dos irmãos Davenport; outros afirmam que não passa da magia e da feitiçaria de outrora, que querem reconduzir ao prestígio, sob um novo nome. Segundo as comadres de todos os bairros, os espíritas têm conversas misteriosas com o diabo, com o qual fizeram um compromisso prévio. Enfim, lendo-se os jornais, fica-se sabendo que os espíritas são todos uns loucos ou, pelo menos, vítimas de certos charlatões chamados médiuns. Esses charlatões vêm, com ou sem armários, dar representações a quem lhas queira pagar, e para mais valorizar suas trapaças, dizem operar sob a influência oculta dos Espíritos de além-túmulo.

“Eis o que eu tinha aprendido nestes últimos tempos. Tendo em vista o desacordo dessas respostas, resolvi, para me esclarecer, ir ver o diabo, ainda que me vencesse, ou me deixar enganar por um médium, ainda que tivesse de perder a razão. Lembrei-me, então, muito a propósito, de um amigo que suspeitava fosse espírita, e fui procurá-lo, a fim de que ele me proporcionasse meios de satisfazer a minha curiosidade.

“Comuniquei-lhe as diversas opiniões que havia recolhido, e expus o objetivo de minha visita. Mas o amigo riu-se muito do que chamava a minha ingenuidade e me deu, mais ou menos, a seguinte explicação:

‘O Espiritismo não é, como creem vulgarmente, uma receita para fazer as mesas dançarem ou para executar truques de escamoteação, e é um erro que todos cometem querendo nele encontrar o maravilhoso.

‘O Espiritismo é uma ciência, ou melhor, uma filosofia espiritualista, que ensina a moral.

‘Não é uma religião, porque que não tem dogmas nem culto, nem sacerdotes nem artigos de fé. É mais que uma filosofia, porque sua doutrina é estabelecida sobre a prova certa da imortalidade da alma. É para fornecer essa prova que os espíritas evocam os Espíritos de além-túmulo.

‘Os médiuns são dotados de uma faculdade natural que os torna aptos a servir de intermediários aos Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação aos olhos de quem quer que ignore a sua explicação. Mas a faculdade mediúnica não é privilégio exclusivo de certos indivíduos. Ela é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em graus diversos, ou sob formas diferentes.

‘Assim, para quem conhece o Espiritismo, todas as maravilhas de que acusam essa doutrina não passam de fenômenos de ordem física, isto é, de efeitos cuja causa reside nas leis da Natureza.

‘Os Espíritos, entretanto, não se comunicam com os vivos com o único objetivo de lhes provar a sua existência: Foram eles que ditaram e desenvolvem diariamente a filosofia espiritualista.

‘Como toda filosofia, esta tem o seu sistema, que consiste na revelação das leis que regem o Universo e na solução de um grande número de problemas filosóficos ante os quais, até aqui, a Humanidade impotente foi constrangida a inclinar-se.

‘É assim que o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino e a causa de nossa existência aqui na Terra. Ele desvenda o mistério da morte; dá a razão dos vícios e virtudes do homem; diz o que são o homem, o mundo, o Universo. Enfim, faz o quadro da harmonia universal, etc.

‘Este sistema repousa em provas lógicas e irrefutáveis que têm, elas próprias, por árbitro de sua verdade, fatos palpáveis e a mais pura razão. Assim, em todas as teorias que ele expõe, age como a Ciência e não adianta um ponto senão quando o precedente esteja completamente certificado. Assim, o Espiritismo não impõe a confiança, porque, para ser aceito, não precisa senão da autoridade do bomsenso.

‘Este sistema, uma vez estabelecido, dele deduz, como consequência imediata, um ensinamento moral.

‘Essa moral não é senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser humano; e é a de todas as religiões e de todas as filosofias, porque pertence a todos os homens. Mas, desvinculada de todo fanatismo, de toda superstição, de todo espírito de seita ou de escola, resplandece em toda a sua pureza.

‘E a nessa pureza que ela haure toda a sua grandeza e toda a sua beleza, de sorte que é a primeira vez que a moral nos aparece revestida de um brilho tão majestoso e tão esplêndido.

‘O objetivo de toda moral é ser praticada; mas esta, sobretudo, tem essa condição como absoluta, porque ela denomina espíritas não os que aceitam os seus preceitos, mas apenas os que põem os seus preceitos em ação.

‘Direi quais são as suas doutrinas? Aqui não pretendo ensinar, e o enunciado das máximas conduzirme-ia, necessariamente, ao seu desenvolvimento.

‘Direi apenas que a moral espírita nos ensina a suportar a desgraça sem desprezá-la; a gozar a felicidade sem a ela nos apegarmos. Direi que ela nos rebaixa sem nos humilhar, como nos eleva sem nos ensoberbecer; coloca-nos acima dos interesses materiais, sem por isto estigmatizá-los com o aviltamento, porque nos ensina, ao contrário, que todas as vantagens com que somos favorecidos são outras tantas forças que nos são confiadas e por cujo emprego somos responsáveis para conosco e para com os outros.

‘Vem, então, a necessidade de especificar essa responsabilidade, as penas ligadas à infração do dever e as recompensas de que desfrutam os que o cumprem. Mas também aí, as asserções não são tiradas senão dos fatos e podem verificar-se até a perfeita convicção.

‘Tal é esta filosofia, onde tudo é grande porque tudo é simples; onde nada é obscuro, porque tudo é provado; onde tudo é simpático, porque cada questão interessa a cada um de nós.

‘Tal é esta ciência que, projetando uma viva luz sobre as trevas da razão, de repente desvenda os mistérios que julgávamos impenetráveis e recua até o infinito o horizonte da inteligência.

‘Tal é esta doutrina que pretende tornar felizes, melhorando-os, todos os que concordam em segui-la, e que, enfim, abre à Humanidade uma via segura para o progresso moral.

‘Tal é, finalmente, a loucura que contagiou os espíritas e a feitiçaria que eles praticam.’

“Assim, sorrindo, terminou o meu amigo, que, a meu pedido, permitiu-me com ele visitar algumas reuniões espíritas, onde as experiências se aliam aos ensinamentos.

“Voltando para casa, recordei o que eu havia dito, em concerto com todo mundo, contra o Espiritismo, antes de pelo menos conhecer o significado desse vocábulo, e essa lembrança encheu-me de amarga confusão.

“Então pensei que, a despeito dos severos desmentidos infringidos ao orgulho humano pelas descobertas da Ciência moderna, quase não sonhamos, na época de progresso em que nos encontramos, em tirar proveito dos ensinamentos da experiência; e que estas palavras escritas por Pascal há duzentos anos, ainda por muitos séculos serão de rigorosa exatidão: ‘É uma doença peculiar ao homem crer que possui a verdade diretamente; e é por isto que ele está sempre disposto a negar aquilo que para ele é incompreensível.”

“A. BRIQUEL.”


Como se vê, o autor deste artigo quis apresentar o Espiritismo sob sua verdadeira luz, despido das fantasias com que o veste a crítica, numa palavra, tal qual o admitem os espíritas, e sentimo-nos feliz ao dizer que o conseguiu perfeitamente. Com efeito, é impossível resumir a questão de maneira mais clara e precisa. Devemos, também, felicitar a direção do jornal que, com aquele espírito de imparcialidade que gostaríamos de encontrar em todos aqueles que fazem profissão de liberalismo e posam como apóstolos da liberdade de pensar, acolheu uma profissão de fé tão explícita.

Ademais, suas intenções em relação ao Espiritismo estão nitidamente formuladas no artigo seguinte, publicado no número de 28 de janeiro:



[1] Redação em Bruxelas, Montagne de Sion, 17; Paris, Rua Bergère, 31. Preço para a França: 12 francos por ano; 7 francos por semestre; cada número de 8 páginas, grande in-folio: 25 centavos.





Como ouvimos falar do Espiritismo

“O artigo publicado em nosso número de 31 de dezembro, sobre o Espiritismo, provocou numerosas perguntas, querendo saber se nos propomos tratar posteriormente deste assunto e se nos transformamos em seu órgão. A fim de evitar equívocos, torna-se necessária uma resposta categórica. Ei-la:

O Discussion é um jornal aberto a todas as ideias progressistas. Ora, o progresso não pode ser feito senão por ideias novas que de vez em quando vêm mudar o curso das ideias estabelecidas. Repeli-las porque destroem as que foram acalentadas, é, aos nossos olhos, faltar à lógica. Sem nos tornarmos apologistas de todas as elucubrações do espírito humano, o que também não seria mais racional, consideramos como um dever de imparcialidade pôr o público em condições de julgá-las. Para tanto, basta apresentá-las tais quais são, sem tomar, prematuramente, partido pró ou contra, porque, se forem falsas, não será a nossa adesão que as tornará justas, e se forem justas, nossa desaprovação não as tornará falsas. Em tudo, é a opinião pública e o futuro que pronunciam a última sentença. Mas, para apreciar o lado forte e o fraco de uma ideia, é preciso conhecê-la em sua essência, e não tal qual a apresentam os interessados em combatê-la, isto é, o mais das vezes truncada e desfigurada. Se, pois, expomos os princípios de uma teoria nova, não queremos que seus autores ou seus partidários possam censurar-nos por lhes fazer dizer o contrário do que dizem. Agir assim não é assumir a sua responsabilidade: é dizer o que é e reservar a opinião de todo mundo. Nós colocamos a ideia em evidência em toda a sua verdade. Se ela for boa, fará o seu caminho e nós lhe teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido o meio de ser julgada com conhecimento de causa.

“É assim que procederemos em relação ao Espiritismo. Seja qual for a maneira de ver a seu respeito, ninguém pode dissimular a extensão que ele tomou em poucas anos. Pelo número e pela qualidade de seus partidários, ele conquistou uma posição entre as opiniões aceitas. As tempestades que ele desencadeia, o encarniçamento com que o combatem em certo meio, são, para os menos clarividentes, o indício de que ele encerra algo de sério, porque emociona tanta gente. Pensem dele o que quiserem pensar, é incontestavelmente uma das grandes questões na ordem do dia. Assim, não seríamos consequentes com o nosso programa se o deixássemos passar em silêncio. Nossos leitores têm direito de pedir que lhes demos a conhecer o que é essa doutrina que provoca tão grande ruído. Nosso interesse está em satisfazê-los, e nosso dever é fazê-lo com imparcialidade. Pouco lhes importa nossa opinião pessoal sobre a coisa; o que esperam de nós é um relato exato dos fatos e das atitudes de seus partidários para que possam formar sua própria opinião.

“Como nos conduziremos no caso? É muito simples: iremos à própria fonte; faremos pelo Espiritismo o que fazemos pelas questões de política, de finanças, de ciência, de arte ou de literatura, isto é, disto encarregaremos homens especiais. As questões de Espiritismo serão, pois, tratadas por espíritas, como as de arquitetura por arquitetos, a fim de que não nos qualifiquem de cegos raciocinando sobre as cores e que não nos apliquem as palavras de Fígaro: ‘Precisavam de um calculista e tomaram um dançarino.’

“Em suma, o Discussion não se apresenta como órgão nem apóstolo do Espiritismo; abre-lhe suas colunas, como a todas as ideias novas, sem pretender impor essa opinião aos seus leitores, sempre livres de a controlar, aceitar ou rejeitar. Ele deixa aos seus redatores especiais toda liberdade de discutir os princípios, pelo que eles assumem pessoalmente a responsabilidade. Mas o que, no interesse de sua própria dignidade, ele repelirá sempre, é a polêmica agressiva e pessoal.”


Curas de obsessões

Escreveram-nos de Cazères, a 7 de janeiro de 1866:

“Eis um segundo caso de obsessão que assumimos e levamos a bom termo no mês de julho último. A obsedada tinha vinte e dois anos; gozava de saúde perfeita; apesar disso, de repente foi acometida de um acesso de loucura. Seus pais a trataram com médicos, mas inutilmente, pois o mal, em vez de desaparecer, tornava-se cada vez mais intenso, a ponto de, durante as crises, ser impossível contê-la. Vendo isso, os pais, a conselho dos médicos, obtiveram sua internação num hospício, onde seu estado não apresentou qualquer melhora. Nem eles nem a doente jamais haviam cogitado do Espiritismo, que nem mesmo conheciam; mas, tendo ouvido falar na cura de Jeanne R..., de que vos falei, eles vieram procurar-nos e saber se poderíamos fazer alguma coisa por sua filha infeliz. Respondemos nada poder garantir antes de conhecer a verdadeira causa do mal. Consultados em nossa primeira sessão, os guias disseram que a jovem era subjugada por um Espírito muito rebelde, mas que acabaríamos trazendo-o ao bom caminho e que a cura consequente nos daria a prova dessa afirmação. Assim, escrevi aos pais, residentes a 35 quilômetros de nossa cidade, dizendo que a moça seria curada e que a cura não demoraria muito, sem, contudo, precisarmos a época.

“Evocamos o Espírito obsessor durante oito dias seguidos e fomos bastante felizes para mudar suas más disposições e fazê-lo renunciar a seu propósito de atormentar a vítima. Com efeito, a doente ficou curada, como nossos guias haviam anunciado.

“Os adversários do Espiritismo repetem incessantemente que a prática desta doutrina conduz ao hospício. Ora! Nós lhes podemos dizer, nesta circunstância, que o Espiritismo dele faz sair aqueles que lá haviam entrado.”

Entre mil outros, este fato é uma nova prova da existência da loucura obsessional, cuja causa é totalmente diferente da causa da loucura patológica, e ante a qual a Ciência falhará enquanto se obstinar em negar o elemento espiritual e sua influência sobre a organização fisiológica. Aqui o caso é bem evidente: Eis uma jovem, de tal modo apresentando os caracteres da loucura, a ponto de se enganarem os médicos, que é curada a léguas de distância por pessoas que jamais a viram, sem nenhum medicamento ou tratamento médico, apenas pela moralização do Espírito obsessor.

Há, pois, Espíritos obsessores cuja ação pode ser perniciosa à razão e à saúde. Não é certo que se a loucura tivesse sido ocasionada por uma lesão orgânica qualquer, esse meio teria sido impotente? Se objetassem que essa cura espontânea pode ser devida a uma causa fortuita, responderíamos que se tivéssemos somente um fato para citar, sem dúvida seria temerário daí deduzir a afirmação de um princípio tão importante, mas os exemplos de curas semelhantes são muito numerosos. Eles não são privilégio de um indivíduo e se repetem todos os dias em diversos lugares, sinais indubitáveis de que repousam sobre uma lei da Natureza.

Citamos várias curas do mesmo gênero, notadamente em fevereiro de 1864 e janeiro de 1865, que contêm dois relatos completos eminentemente instrutivos.

Eis outro fato, não menos característico, obtido no grupo de Marmande:

Numa aldeia a algumas léguas desta cidade, havia um camponês atingido por uma loucura tão furiosa, que perseguia as pessoas a golpes de forcado para matá-las, e que, na falta de pessoas, atacava os animais no pátio. Corria incessantemente pelos campos e não voltava mais para casa. Sua presença era perigosa; assim, foi fácil obter autorização para interná-lo no hospício de Cadilac. Não foi sem vivo pesar que sua família se viu obrigada a tomar essa atitude. Antes de levá-lo, tendo um dos parentes ouvido falar das curas obtidas em Marmande, em casos semelhantes, foi procurar o Sr. Dombre e lhe disse:

“─ Senhor, disseram-me que curais os loucos, por isso vim vos procurar.

“Depois contou-lhe de que se tratava, acrescentando:

“─ Como vedes, dá tanta pena separarmo-nos desse pobre J..., que antes eu quis ver se não havia um meio de evitar essa separação.

“─ Meu bravo homem, disse-lhe o Sr. Dombre, não sei quem me dá esta reputação; é verdade que algumas vezes consegui dar a razão a pobres insensatos, mas isto depende da causa da loucura. Embora não vos conheça, não obstante verei se vos posso ser útil.

“Tendo ido imediatamente com o indivíduo à casa do seu médium habitual, obteve do guia a certeza de que se tratava de uma obsessão grave, mas que com perseverança ela chegaria a termo. Então disse ao camponês:

“─ Esperai ainda alguns dias, antes de levar o vosso parente a Cadilac; vamos ocupar-nos do caso; voltai de dois em dois dias para dizer-nos como ele se acha.

No mesmo dia puseram-se em ação. A princípio, como em casos semelhantes, o Espírito mostrou-se pouco tratável; pouco a pouco acabou por humanizar-se e finalmente renunciou ao propósito de atormentar aquele infeliz. Um fato muito particular é que declarou não ter qualquer motivo de ódio contra aquele homem; que, atormentado pela necessidade de fazer o mal, havia se agarrado a ele como a qualquer outro; que agora reconhecia estar errado, pelo que pedia perdão a Deus.

O camponês voltou depois de dois dias, e disse que o parente estava mais calmo, mas ainda não tinha voltado para casa e se ocultava nas sebes.

Na visita seguinte, ele tinha voltado para casa, mas estava sombrio e mantinha-se afastado; já não procurava bater em ninguém.

Alguns dias depois ia à feira e fazia seus negócios, como de hábito. Assim, oito dias haviam bastado para trazê-lo ao estado normal, e sem nenhum tratamento físico.

É mais que provável que se o tivessem encerrado com os loucos ele teria perdido a razão completamente.

Os casos de obsessão são tão frequentes que não é exagero dizer que nos hospícios de alienados mais da metade apenas têm a aparência de loucura e que, por isto mesmo, a medicação vulgar não faz efeito.

O Espiritismo nos mostra na obsessão uma das causas perturbadoras da saúde física, e, ao mesmo tempo, nos dá o meio de remediá-la; é um de seus benefícios. Mas, como foi reconhecida essa causa, senão pelas evocações? Assim, as evocações servem para alguma coisa, digam o que disserem os seus detratores.

É evidente que os que não admitem nem a alma individual nem a sua sobrevivência, ou que, admitindo-a, não se dão conta do estado do Espírito após a morte, devem olhar a intervenção de seres invisíveis em tais circunstâncias como uma quimera; mas o fato brutal dos males e das curas aí está.

Não poderiam ser levadas à conta da imaginação as curas operadas à distância, em pessoas que jamais foram vistas, sem o emprego de qualquer agente material. A doença não pode ser atribuída ao Espiritismo, porque ela atinge também os que nele não acreditam, bem como crianças que dele não têm qualquer ideia. Entretanto, aqui nada há de maravilhoso, mas efeitos naturais que existiram em todos os tempos, que então não eram compreendidos, e que se explicam do modo mais simples, agora que se conhecem as leis em virtude das quais se produzem.

Não se veem, entre os vivos, seres maus atormentando outros mais fracos, até deixá-los doentes e mesmo até matá-los, e isto sem outro motivo senão o desejo de fazer o mal?

Há dois meios de levar paz à vítima: subtraí-la à autoridade de sua brutalidade, ou neles desenvolver o sentimento do bem. O conhecimento que agora temos do mundo invisível no-lo mostra povoado dos mesmos seres que viveram na Terra, uns bons, outros maus. Entre estes últimos, uns há que se comprazem ainda no mal, em consequência de sua inferioridade moral e ainda não se despojaram de seus instintos perversos; eles estão em nosso meio, como quando vivos, com a única diferença que em vez de terem um corpo material visível, eles têm um corpo fluídico invisível; mas não deixam de ser os mesmos homens, com o senso moral pouco desenvolvido, buscando sempre ocasiões de fazer o mal, encarniçando-se sobre os que lhes são presa e que conseguem submeter à sua influência. Obsessores encarnados que eram, são obsessores desencarnados, tanto mais perigosos quanto agem sem ser vistos. Afastá-los pela força não é fácil, visto que não se pode apreender-lhes o corpo. O único meio de dominálos é o ascendente moral, com cuja ajuda, pelo raciocínio e sábios conselhos, chega-se a torná-los melhores, ao que são mais acessíveis no estado de Espírito do que no estado corporal. A partir do instante em que são convencidos a voluntariamente deixar de atormentar, o mal desaparece, quando causado pela obsessão. Ora, compreende-se que não são as duchas nem os remédios administrados ao doente que podem agir sobre o Espírito obsessor. Eis todo o segredo dessas curas, para as quais não há palavras sacramentais nem fórmulas cabalísticas: conversamos com o Espírito desencarnado, moralizamo-lo, educamo-lo, como teríamos feito enquanto ele era vivo. A habilidade consiste em saber tomá-lo pelo seu caráter, em dirigir com tato as instruções que lhe são dadas, como o faria um instrutor experimentado. Toda a questão se reduz a isto: Há ou não Espíritos obsessores? A isto respondemos o que dissemos acima: Os fatos materiais aí estão.

Por vezes perguntam por que Deus permite que os maus Espíritos atormentem os vivos. Poderíamos igualmente perguntar por que ele permite que os vivos se atormentem entre si. Perdemos muito de vista a analogia, as relações e a conexão que existem entre o mundo corporal e o mundo espiritual, que se compõem dos mesmos seres em dois estados diferentes. Aí está a chave de todos esses fenômenos considerados sobrenaturais.

Não nos devemos admirar mais das obsessões do que das doenças e outros males que afligem a Humanidade. Eles fazem parte das provas e das misérias devidas à inferioridade do meio onde nossas imperfeições nos condenam a viver, até que estejamos suficientemente melhorados para merecer dele sair. Os homens sofrem aqui as consequências de suas imperfeições, porque se fossem mais perfeitos, aqui não estariam.


O naufrágio do Borysthène

Sem dúvida a maioria dos nossos leitores leu nos jornais o comovente relato do naufrágio do Borysthène, na costa da Argélia, a l5 de dezembro de 1865. Extraímos a passagem seguinte do relato de um passageiro salvo do desastre, publicado no Siècle de 26 de janeiro:

“...No mesmo instante, um estalo terrível, indefinível, se fez ouvir, acompanhado de abalos tão violentos que eu caí por terra. Depois ouvi um marinheiro gritar: ‘Meu Deus! Estamos perdidos! Orai por nós!’ Acabávamos de bater num rochedo e o navio abriu-se; a água entrava no porão, aos borbotões. Os soldados que estavam deitados na ponte tentavam safar-se de qualquer jeito, soltando gritos horríveis; os passageiros, seminus, atiravam-se para fora das cabines; as pobres mulheres se agarravam a todo mundo, suplicando que as salvassem. Rogavam a Deus aos gritos; despediam-se. Um negociante engatilhou a pistola e queria estourar o cérebro; arrancam-lhe a arma.

“Os abalos continuaram; o sino de bordo tocava o alarme, mas o vento rugia tão furioso que o sino não era ouvido a cinquenta metros. Eram gritos, urros, preces; era não sei que de horroroso, de lúgubre, de espantoso. Jamais li, jamais vi cena tão horrível, tão pungente. Estar ali, cheio de vida e de saúde, em face de uma morte que se julga certa, é uma situação horrível!

“Naquele momento supremo e indescritível, o vigário, Sr. Moisset, a todos deu a sua bênção. A voz cheia de lágrimas desse pobre padre, recomendando a Deus duzentos e cinquenta infelizes que o mar ia tragar, revolvia todas as entranhas.”

Não há um grande ensinamento nessa espontaneidade da prece, em face de um perigo iminente? No meio dessa multidão apertada no navio, certamente havia incrédulos, que antes nem pensavam em Deus nem em sua alma, e eis que, em presença de uma morte que julgam certa, volvem o olhar para o Ser Supremo, como para a única tábua de salvação. É que no momento em que se ouve soar a última hora, involuntariamente o mais endurecido coração se pergunta o que vai ser dele. O doente, em seu leito, espera até o último momento, por isso desafia todo poder sobre-humano; e quando a morte o fera, na maioria das vezes já perdeu a consciência de si mesmo. Num campo de batalha há uma superexcitação que faz esquecer o perigo; e depois, nem todos são atingidos e todos têm alguma chance de escapar. Mas no meio do oceano, quando o seu navio está sendo tragado, nada mais se espera além do socorro dessa Providência que se havia esquecido, e à qual o ateu está pronto para pedir um milagre. Mas ah! Passado o perigo, quantos não dão graças ao acaso e à sua boa sorte, ingratidão pela qual mais cedo ou mais tarde pagarão caro. (O Evangelho segundo o Espiritismo, Cap.XXVII, item 8).

Em semelhante circunstância, qual o pensamento do espírita sincero? “Eu sei, diz ele, que me devo esforçar por conservar a vida corporal; farei, portanto, tudo quanto estiver ao meu alcance para escapar do perigo porque, se me abandonasse voluntariamente, seria um suicídio; mas se a Deus apraz ma retirar, que importa que seja de um modo ou de outro, um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde? A morte não me traz qualquer apreensão, porque sei que apenas o corpo morre e que é a entrada na verdadeira vida, a do Espírito livre, onde encontrarei todos os que me são caros”. Ele entrevê, pelo pensamento, o mundo espiritual, objetivo de suas aspirações, das quais só alguns instantes ainda o separam, e do qual a morte do corpo, que o retinha na Terra, vai enfim lhe dar acesso; alegra-se, em vez de afligir-se, como o prisioneiro que vê se abrirem as portas da sua prisão. Só uma coisa o entristece: deixar aqueles que ele ama. Mas consola-o a certeza de que não os abandonará; que estará mais vezes e mais facilmente junto deles do que em vida; que poderá vê-los e protegê-los. Se, ao contrário, escapou do perigo, dirá: “Já que Deus ainda me deixa viver na Terra, é que minha tarefa e minhas provas ainda não acabaram. O perigo que corri é um aviso que Deus me dá, para manter-me pronto para partir no primeiro momento e proceder de maneira que isso aconteça nas melhores condições possíveis.” Depois lhe agradecerá o sursis concedido, e esforçar-se-á para dele tirar proveito para o seu progresso.

Um dos mais curiosos episódios desse drama é o fato daquele passageiro que queria estourar os miolos, dando-se morte certa, ao passo que, correndo o risco do naufrágio, podia surgir um socorro inesperado. Que móvel podia levá-lo àquele ato insensato? Muitos dirão que tinha perdido a cabeça, o que é possível; mas talvez se tivesse emocionado, malgrado seu, por uma intuição da qual não se dava conta. Embora não tenhamos nenhuma prova material da verdadeira explicação que é dada a seguir, o conhecimento das relações que subsistem entre as diversas existências, pelo menos lhe dá um alto grau de probabilidade.

As duas comunicações seguintes foram dadas na sessão da Sociedade de Paris de 12 de janeiro.

I

A prece é o veículo dos mais poderosos fluidos espirituais, que são como um bálsamo salutar para as feridas da alma e do corpo. Ela atrai todos os seres para Deus, e de certo modo faz a alma sair da espécie de letargia em que se acha mergulhada quando esquece os deveres para com o seu Criador. Dita com fé, provoca nos que a ouvem o desejo de imitar aqueles que oram, porque o exemplo e a palavra também levam fluidos magnéticos de grande força. As que foram ditas no navio naufragado, pelo padre, com o acento da convicção mais tocante e da mais santa resignação, tocaram o coração de todos aqueles infelizes que julgavam chegada sua última hora.

Quanto àquele homem que queria suicidar-se em face de uma morte certa, a ideia lhe veio de uma instintiva repulsa pela água, porque seria a terceira vez que ele morreria dessa maneira, e ele passou por alguns momentos de angústias terríveis. Naquele momento, ele teve a intuição de todas as suas misérias passadas, que se ergueram vagamente em seu espírito, por isso ele queria acabar diferentemente. Duas vezes afogou-se voluntariamente, e tinha arrastado consigo toda a família. A impressão confusa que lhe tinha ficado dos sofrimentos suportados lhe davam a apreensão desse gênero de morte.

Orai por aqueles infelizes, meus bons amigos. A prece de várias pessoas forma um feixe que sustenta e fortalece a alma pela qual é feita. Ela lhe dá força e resignação.

SÃO BENTO

(Médium: Sra. Dellane)

II

Não é raro ver pessoas que há muito tempo não pensavam em orar, fazê-lo quando ameaçadas de um perigo iminente e terrível. De onde vem essa instintiva propensão a aproximar-se de Deus nos momentos críticos? Do mesmo impulso que leva a nos aproximarmos de alguém que sabemos poder defender-nos quando estamos num grande perigo. Então as suaves crenças dos primeiros anos, as sábias instruções, os piedosos conselhos dos pais, vêm como um sonho à memória desses homens trêmulos que pouco antes imaginavam Deus muito longe deles, ou negavam a utilidade de sua existência. Esses espíritos fortes, tornados pusilânimes, sentem tanto mais as angústias da morte quanto maior o tempo em que em nada acreditavam. Pensavam não ter necessidade de Deus e que podiam bastar-se. Para lhes fazer sentir a utilidade de sua existência, Deus permitiu fossem expostos a um fim terrível, sem esperança de ajuda por nenhum socorro humano. Então, eles se lembram de que outrora rezaram e que a prece dissipa a tristeza, faz suportar os sofrimentos com coragem e suaviza os últimos momentos do agonizante.

Tudo isto aparece a esse homem em perigo; tudo isto o incita a orar de novo àquele a quem orou na infância. Então ele se submete e ora a Deus do mais íntimo do coração, com uma fé viva que toca as raias do desespero, para que lhe perdoe os erros passados. Nessa hora suprema, não mais pensa em todas as vãs dissertações sobre a existência de Deus, pois não mais duvida. Nesse momento, ele crê, e aí está uma prova que a prece é uma necessidade da alma; que se ela não tivesse resultado, a aliviaria menos e deveria, por isto mesmo, ser repetida mais vezes; mas felizmente ela tem uma ação mais positiva e é reconhecido, como vos foi demonstrado, que a prece tem para todos uma imensa utilidade, para aqueles que a fazem, como para aqueles para os quais ela se aplica.

O que eu disse só é verdadeiro para o maior número, porque, ah! há alguns que nem mesmo recuperam a fé na hora derradeira; que, com o vazio na alma, pensam que vão abismar-se no nada e, por uma espécie de frenesi, eles próprios querem precipitar-se no nada. Esses são os mais infelizes, e vós , que sabeis toda a utilidade e todos os efeitos da prece, orai sobretudo por eles.

ANDRÉ

(Médium: Sr. Charles B.)


Antropofagia

Lê-se no Siècle de 26 de dezembro de 1865:

O almirantado inglês acaba de dirigir às cidades marítimas que fazem armamentos para a Oceania uma circular, na qual anuncia que, desde algum tempo, nota-se entre os habitantes das ilhas do Grande Oceano um redobramento da antropofagia. Nessa circular, aconselha os capitães de navios mercantes a tomar todas as precauções necessárias para evitar que sua equipagem seja vítima desse horroroso costume.

“Há cerca de um ano as equipagens de quatro navios foram devoradas pelos antropófagos das Novas

Hébridas da baía de Jervis ou da Nova Caledônia, e todas as medidas devem ser tomadas para evitar a repetição de tão cruéis desgraças.”

Eis como o jornal le Monde explica essa recrudescência da antropofagia:

“Tivemos o cólera, a epizootia, a catapora; os legumes e os animais estão doentes. Eis uma epidemia mais dolorosa ainda, que o almirantado inglês nos dá a conhecer: os selvagens da Oceania, ao que se diz, redobram na antropofagia. Vários casos horríveis chegaram ao conhecimento dos lordes do almirantado. As equipagens de vários navios ingleses desapareceram. Ninguém duvida que nossas autoridades marítimas também tomem medidas, porque dois navios franceses foram atacados, as equipagens tomadas e devoradas pelos selvagens. O espírito se detém ante esses horrores, dos quais não puderam triunfar todos os esforços de nossa civilização. Quem sabe de onde vêm essas criminosas inspirações?

“Que palavra de ordem foi dada a todos esse pagãos, disseminados em centenas e milhares de ilhas nas imensidades dos mares do Sul? Sua paixão monstruosa, apaziguada por um momento, reaparece a ponto de chamar a repressão e inquietar as forças da Terra. É um desses problemas cuja solução só o dogma católico pode dar. O espírito das trevas em certos momentos age com toda a liberdade. Antes dos acontecimentos graves, agita-se, impele suas criaturas, sustenta-as e as inspira. Grandes acontecimentos se preparam. A revolução julga chegada a hora de proceder ao coroamento do edifício; recolhe-se para a luta suprema; investe contra a chave da abóbada da sociedade cristã. A hora é grave e parece que a Natureza inteira pressente e prevê a sua gravidade.”

Admiramos de não ver, entre as causas do redobramento da ferocidade nos selvagens, figurar o Espiritismo, este bode expiatório de todos os males da Humanidade, como foi outrora o Cristianismo em Roma. Talvez aí esteja implicitamente compreendido, como sendo, segundo uns, obra do Espírito das trevas. “Só o dogma católico, diz le Monde, pode dar a explicação desse problema.” Não vemos que a explicação seja muito clara, nem o que o espírito revolucionário da Europa tem de comum com esses bárbaros. Até achamos nesse dogma uma complicação da dificuldade.

Os antropófagos são homens: ninguém jamais o pôs em dúvida. Ora, o dogma católico não admite a preexistência da alma, mas a criação de uma alma nova ao nascimento de cada corpo. Daí resulta que Deus cria lá almas de comedores de homens e aqui almas capazes de se tornarem santos. Por que essa diferença? É um problema cuja solução a Igreja jamais deu, entretanto, é uma pedra angular essencial. Conforme sua doutrina, a recrudescência da antropofagia não se pode explicar senão assim: É que neste momento a Deus apraz criar um maior número de almas antropófagas. A solução é pouco satisfatória e sobretudo pouco consequente com a bondade de Deus.

A dificuldade aumenta se considerarmos o futuro dessas almas. Em que se tornam após a morte? São tratadas do mesmo modo que as que têm consciência do bem e do mal? Isto não seria nem justo nem racional. Com o seu dogma, a Igreja, em vez de explicar, fica num impasse, do qual não pode sair senão apelando para o mistério, que não se pode tentar compreender, espécie de non possumus que corta cerce as questões embaraçosas.

Ora! Para esse problema que a Igreja não pode resolver, o Espiritismo encontra a mais simples solução e mais racional, na lei da pluralidade das existências, a que todos os seres estão submetidos, e em virtude da qual progridem. Assim, as almas dos antropófagos ainda estão próximas de sua origem. Suas faculdades intelectuais e morais ainda são obtusas e pouco desenvolvidas e nelas, por isso mesmo, dominam os instintos animais.

Mas essas almas não estão destinadas a ficar perpetuamente nesse estado inferior, que as privaria para sempre da felicidade das almas mais adiantadas. Elas crescem em raciocínio, esclarecem-se, depuram-se, melhoram-se, instruem-se em existências sucessivas. Revivem nas raças selvagens, enquanto não ultrapassarem os limites da selvageria. Chegadas a um certo grau, deixam esse meio para encarnar-se numa raça um pouco mais adiantada; dessa a uma outra, e assim sucessivamente, sobem em grau, em razão dos méritos que adquirem e das imperfeições de que se despojam, até atingirem o grau de perfeição de que é susceptível a criatura. A via do progresso a nenhuma está fechada, de tal sorte que a mais atrasada das almas pode pretender a suprema felicidade. Mas umas, em virtude do seu livre-arbítrio, que é o apanágio da Humanidade, trabalham com ardor por sua depuração e sua instrução, em se despojar dos instintos materiais e dos cueiros da origem, porque, a cada passo que dão para a perfeição, veem mais claro, compreendem melhor e são mais felizes. Essas avançam mais prontamente, gozam mais cedo: eis a sua recompensa. Outras, sempre em virtude de seu livre-arbítrio, demoram-se no caminho, como estudantes preguiçosos e de má vontade, ou como operários negligentes, chegam mais tarde, sofrem mais tempo: eis a punição ou, se quiserdes, o seu inferno. Assim se confirma, pela pluralidade das existências progressivas, a admirável lei de equidade e de justiça que caracteriza todas as obras da criação. Comparai esta doutrina com a da Igreja, sobre o passado e o futuro das almas e vede qual a mais racional, mais conforme à justiça divina e que melhor explica as desigualdades sociais.

Seguramente a antropofagia é um dos mais baixos degraus da escala humana na Terra, porque o selvagem que não mais come o seu semelhante já está em progresso. Mas de onde vem a recrudescência desse instinto bestial? Nota-se, de saída, que ela é apenas local e que, em suma, o canibalismo desapareceu em grande parte da Terra. É inexplicável sem o conhecimento do mundo invisível e de suas relações com o mundo visível. Pelas mortes e nascimentos, alimentam-se um do outro, se derramam um no outro. Ora, os homens imperfeitos não podem fornecer ao mundo invisível almas perfeitas e as almas perversas; encarnando-se, não podem fazer senão homens maus. Quando as catástrofes, os flagelos, atingem ao mesmo tempo um grande número de homens, há uma chegada em massa de almas no mundo dos Espíritos. Devendo essas almas reviver, em virtude da lei da Natureza, e para o seu adiantamento, as circunstâncias podem igualmente reconduzi-las em massa para a Terra.

O fenômeno de que se trata depende, pois, simplesmente, da encarnação acidental, nos meios ínfimos, de um maior número de almas atrasadas, e não da malícia de Satã, nem da palavra de ordem dada ao povo da Oceania. Ajudando no desenvolvimento do senso moral dessas almas durante a sua vida na Terra, o que é a missão dos homens civilizados, elas melhoram. E quando retomarem uma existência corpórea para continuar a progredir, elas farão homens menos maus do que foram, mais esclarecidos, de instintos menos ferozes, porque o progresso realizado não se perde nunca. É assim que gradualmente se realiza o progresso da Humanidade.

O jornal le Monde está certo, dizendo que grandes acontecimentos se preparam. Sim, uma transformação se elabora na Humanidade. Já se fazem sentir os primeiros abalos do parto; o mundo corporal e o mundo espiritual se agitam, porque é a luta entre o que acaba e o que começa. Em proveito de quem será essa transformação? Sendo o progresso a lei providencial da Humanidade, não se pode dar senão em proveito do progresso. Mas os grandes partos são laboriosos; não é sem abalos e sem grandes destruições no solo que se extirpam dos terrenos a limpar as ervas daninhas, que têm longas e profundas raízes.


A Espineta de Henrique III

O fato seguinte é a continuação da interessante história da Música e letra do rei Henrique III, relatada na Revista de julho de 1865. Desde então, o Sr. Bach tornou-se médium escrevente, mas ele pratica pouco, devido à fadiga resultante. Só o faz quando incitado por uma força invisível, que se traduz por uma viva agitação e um tremor da mão, porque, então, a resistência é mais penosa que o exercício. Ele é mecânico, no mais absoluto sentido do vocábulo, e não tem consciência nem lembrança do que escreve.

Um dia em que se achava nessa disposição, escreveu esta quadra:

Le roy Henry donne cette grande espinette

A Baldazzarini, très-bon musicien.

Si elle n'est bonne ou pas assez coquette

Pour souvenir, du moins, qu'il la conserve bien.

(O rei Henrique dá esta grande espineta

A Baldazzarini, muito bom músico.

Se não for boa ou bastante elegante

Como lembrança, que ao menos a conserve.)

A explicação destes versos, que para o Sr. Bach não tinham sentido, lhe foi dada em prosa.

“O rei Henrique, meu senhor, que me deu a espineta que possuís, tinha escrito uma quadra num pedaço de pergaminho que tinha mandado pregar no estojo e mandou-ma uma manhã. Alguns anos mais tarde, tendo que fazer uma viagem, e como eu levava minha espineta para fazer música, temendo que o pergaminho fosse arrancado e se perdesse, tirei-o, e para não perdê-lo, coloquei num pequeno nicho, à esquerda do teclado, onde ainda se encontra.”

A espineta é a origem dos pianos atuais, na sua maior simplicidade. Era tocada da mesma maneira. Era um pequeno cravo de quatro oitavas, de cerca de um metro e meio de comprimento por quarenta centímetros de largura, e sem pés. As cordas, no interior, eram dispostas como nos pianos, e tocadas por meio de teclas. Era transportada à vontade, num estojo, como os contrabaixos e os violoncelos. Para utilizá-la, era colocada sobre uma mesa ou sobre um cavalete.

O instrumento estava então em exposição no museu retrospectivo, nos Champs-Élysées, onde não era possível fazer a busca indicada. Quando ela lhe foi feita, o Sr. Bach, juntamente com o filho, apressou-se em examinar todos os cantos, mas inutilmente, de sorte que a princípio pensou tratar-se de uma mistificação. Não obstante, para nada ter a censurar-se, desmontou-a completamente e descobriu, à esquerda do teclado, entre duas tabuinhas, uma fresta tão estreita que não cabia a mão. Examinou esse recanto, cheio de poeira e de teias de aranha, e daí retirou um pedaço de pergaminho dobrado, enegrecido pelo tempo, com trinta e um centímetros por sete e meio, sobre o qual estava escrita a quadra seguinte, em caracteres da época, bastante grandes:

Moy le Roy Henry trois octroys cette espinette

A Baltasarini, mon gay musicien,

Mais sis dit mal soñe, ou bien ma moult simplette

Lors pour mon souvenir dans lestuy garde bien.

HENRY.

(Eu, o Rei Henrique III, dou esta espineta

A Baltazzarini, meu alegre músico, Se soa mal ou bem, mas muito simplesmente Como lembrança minha guarde-a no estojo.)

HENRIQUE


Esse pergaminho tem furos nos quatro cantos, que são, evidentemente os dos pregos que o fixaram na caixa. Além disto, tem nas bordas uma porção de furos alinhados e regularmente espaçados, que parecem ter sido feitos por preguinhos. Foi exposto na sala de sessões da Sociedade, e todos tivemos o prazer de examiná-lo, bem como a espineta, na qual o Sr. Bach tocou e cantou a ária a que nos referimos, e que lhe foi revelada em sonho.

Os primeiros versos ditados, como se vê, reproduziam o mesmo pensamento que os do pergaminho, dos quais são a tradução em linguagem moderna, e isto antes que estes últimos fossem descobertos.

O terceiro verso é obscuro e contém, sobretudo, o vocábulo ma, que parece não ter qualquer sentido e não se ligar à ideia principal e que, no original, está enquadrado num filete. Inutilmente procuramos a sua explicação, e o Sr. Bach também não o sabia. Estando um dia em casa dele, espontaneamente e em minha presença, teve ele uma comunicação de Baldazarini, dada em nossa intenção, nestes termos.

“Amico mio,

“Estou contente contigo; escreveste esses versos na minha espineta; minha promessa está cumprida e agora estou tranquilo. (Alusão a outros versos ditados ao Sr. Bach e que Baldazarini lhe tinha dito que escrevesse no instrumento). Quero dizer uma palavra ao sábio presidente que te vem visitar.

(O toi Allan Kardec, dont les travaux utiles

Instruisent chaque jour des spirites nouveaux, Tu ne nous fais jamais des questions futiles; Aussi les bons Esprits éclairent tes travraux.

Mais il te faut lutter contre les ignorants Qui, sur notre terre, se croyeyen des savants. Ne te rebute pas; la fâche est dificile; Pour lout propagateur fût-ce jamais facile? )


O tu, Allan Kardec, cujos trabalhos úteis

Instruem cada dia novos espíritas,

Jamais nos diriges perguntas fúteis;

Assim, os bons Espíritos iluminem teus trabalhos.

Mas é preciso lutar contra os ignorantes

Que, na Terra, se acreditam sábios.

Não desanimes; a tarefa é difícil;

E algum dia foi fácil para os propagadores?

“O rei troçava de minha pronúncia em seus versos; eu sempre dizia ma em vez de mas. Addio, amico.”

BALDAZZARINI


Assim foi dada, sem pergunta prévia, a explicação da palavra ma. É o vocábulo italiano que significa mas, intercalado por brincadeira, e pelo qual o rei designava Baldazzarini que, como muitos de sua nação, o pronunciavam muitas vezes. Assim, o rei, dando aquela espineta ao seu músico, lhe diz: “Se ela não é boa, se soa mal ou si ma (Baltazzarini) a julga muito simples, de bem pouco valor, que ele a guarde em seu estojo, como lembrança minha.”

A palavra ma está enquadrada num filete, como uma palavra entre parênteses. Certamente por muito tempo teríamos procurado esta explicação, que não podia ser reflexo do pensamento do Sr. Bach, porque ele próprio não a compreendia. Mas o Espírito percebeu que precisávamos dessa explicação para completar o nosso relato, e aproveitou a ocasião para no-la dar, sem que nos tivesse ocorrido solicitar-lha, porque, quando o Sr. Bach se pôs a escrever, nós ignorávamos, bem como ele, qual era o Espírito que se comunicava.

Restava uma importante questão a resolver, a de saber se a escrita do pergaminho era realmente de próprio punho de Henrique III. O Sr. Bach foi à Biblioteca Imperial, para compará-la com a dos manuscritos originais. Encontraram, a princípio, alguns que não tinham perfeita similitude, mas apenas um mesmo tipo de letra. Com outras peças, a identidade era absoluta, tanto para o corpo da escrita quanto para a assinatura. Essa diferença provinha de que a caligrafia do rei era variável, circunstância que logo mais será explicada.

Não poderia haver dúvida quanto à autenticidade dessa peça, embora certas pessoas, que professam uma incredulidade radical em relação às coisas ditas sobrenaturais, tenham pretendido que não passava de uma imitação muito exata. Ora, observaremos que aqui não se trata de uma escrita mediúnica dada pelo Espírito do rei, mas de um manuscrito original escrito pelo próprio rei, em vida, e que nada tem de mais maravilhoso do que aqueles que circunstâncias fortuitas permitem descobrir diariamente. O maravilhoso, se maravilhoso existe, não está senão na maneira pela qual sua existência foi revelada. É bem certo que se o Sr. Bach se tivesse contentado em dizer que o tinha encontrado por acaso em seu instrumento, não teriam levantado qualquer objeção.

Estes fatos tinham sido relatados na sessão da Sociedade de 19 de janeiro de 1866, à qual estava presente o Sr. Bach. O Sr. Morin, membro da Sociedade, médium sonâmbulo muito lúcido, e que, em seu sono magnético, vê perfeitamente os Espíritos e com eles se entretém, assistia a essa sessão em estado de sonambulismo. Durante a primeira parte da sessão, consagrada a leituras diversas, à correspondência e ao relato de fatos, o Sr. Morin, com quem não se ocupavam, parecia em conversa mental com seres invisíveis. Ele lhes sorria e trocava apertos de mão em eles. Quando chegou sua vez de falar, pediram-lhe que designasse os Espíritos que ele via e que lhes pedisse para nos transmitirem, por seu intermédio, o que nos quisessem dizer para nossa instrução. Não lhe foi dirigida uma única pergunta direta. Só mencionamos sumariamente alguns dos fatos passados, para dar uma ideia do desenvolvimento da sessão e para chegar ao assunto principal de que nos ocupávamos.

Nomeá-los todos, disse ele, seria impossível, pois o número é muito grande; aliás, há muitos que não conheceis, e que vêm para se instruir. A maioria deles queria falar, mas cedem o lugar aos que no momento têm coisas mais importantes a dizer.

Para começar, está ao nosso lado o nosso colega Sr. Didier, o último que partiu para o mundo dos Espíritos, que não falta a nenhuma das nossas sessões e que vejo exatamente como em vida, com a mesma fisionomia; dir-se-ia que está aí com o seu corpo material; apenas ele não tosse mais. Ele me transmite as suas impressões, sua opinião sobre as coisas atuais, e me encarrega de vos transmitir as suas palavras.

Vem a seguir um homem moço que se suicidou recentemente em circunstâncias especiais e cuja situação descreve, o qual apresenta uma fase, de certo modo nova, do estado de certos suicidas após a morte, em razão das causas determinantes do suicídio e da natureza de seus pensamentos.

Depois vem o Sr. B..., espírita fervoroso falecido há alguns dias, em consequência de uma operação cirúrgica, e que tinha bebido em sua crença e na prece a força para suportar corajosamente e com resignação seus longos sofrimentos. “Que reconhecimento”, diz ele, “devo eu ao Espiritismo! Sem ele eu certamente teria posto fim às minhas torturas e seria como esse jovem infeliz que acabais de ver. A ideia do suicídio me veio mais de uma vez, mas sempre a repeli. Sem isso, como teria sido triste a minha sorte! Hoje sou feliz, oh! muito feliz, e agradeço aos nossos irmãos, que me assistiram com suas preces cheias de caridade. Ah! Se soubessem que suaves e salutares eflúvios a prece de coração derrama sobre os sofrimentos!”

“Mas, então, para onde me conduzem?” continua o sonâmbulo; “A um abrigo miserável! Lá está um homem ainda moço, que morre de dor no peito... a miséria é completa: nada para se aquecer, nada para comer! Sua mulher, esgotada pela fadiga e pelas privações, não pode mais trabalhar... Ah! Último e triste recurso!... Ela não tem mais cabelos... ela os cortou e vendeu por alguns cêntimos!... Quantos dias isto lhes permitirá viver?... É horroroso!”

Solicitado a indicar o domicílio dessa pobre gente, ele disse: “Esperai!” Depois parece escutar o que lhe dizem; toma um lápis e escreve um nome, com indicação da rua e número. Feita a verificação na manhã seguinte, tudo foi achado perfeitamente exato.

Refeito da emoção e voltando o seu Espírito ao local da sessão, ele falou ainda de várias outras pessoas e de diversas coisas que foram para os nossos guias espirituais assunto de instrução de alto significado, e que teremos ocasião de relatar em outra oportunidade.

De repente ele exclamou: “Mas há aqui Espíritos de todas as sortes! Uns foram príncipes, reis! Aqui está um que avança; tem o rosto longo e pálido, uma barbicha pontiaguda, uma espécie do gorro encimado por uma faísca. Ele me pede que vos diga:

“O pergaminho de que falastes e que tendes aos vossos olhos foi mesmo escrito por minha mão e, a respeito, eu vos devo uma explicação.

“Em meu tempo não se escrevia com tanta facilidade quanto hoje, sobretudo os homens de minha posição. Os materiais eram menos cômodos e menos aperfeiçoados; a escrita era mais lenta, mais grossa, mais pesada; assim, refletia melhor as impressões da alma. Como sabeis, eu não era de humor estável, e conforme estivesse com boa ou má disposição, minha escrita mudava de caráter. É o que explica a diferença que se nota nos meus manuscritos que restam. Quando escrevi esse pergaminho para o meu músico, enviando-lhe a espineta, estava num dos meus momentos de satisfação. Se procurardes em meus manuscritos aqueles cuja letra se assemelha à deste, reconhecereis, pelos assuntos tratados, que eu devia estar num desses bons momentos, e aí tereis outra prova de identidade.”

Por ocasião da descoberta desse escrito, do qual o Grand Journal falou no número de 14 de janeiro, o mesmo jornal contém, no número de 21 de janeiro, o artigo seguinte:

“Aprofundemos a questão da correspondência, mencionando a carta da senhora condessa de Martino, relativa à espineta do Sr. Bach. A senhora condessa de Martino está persuadida que o correspondente sobrenatural do Sr. Bach é um impostor, visto que deveria assinar Baldazzarini e não Baltazzarini, que é italiano de cozinha.”

De começo faremos notar que essa chicana a propósito de ortografia de um nome próprio é sofrivelmente pueril, e que o epíteto de impostor, na ausência do correspondente invisível no qual a senhora condessa não acredita, cai sobre um homem honrado, o que não é de muito bom gosto. Em segundo lugar, Baldazzarini, simples músico, espécie de trovador, bem podia não dominar a língua italiana na sua pureza, numa época em que não se gabavam de instrução. Contestariam a identidade de um francês que escrevesse em francês de cozinha, e não se vê gente que não é capaz de escrever corretamente o próprio nome? Por sua origem, Baldazzarini não deveria estar muito acima da cozinha. Mas essa crítica cai diante de um fato: é que os franceses, pouco familiarizados com as nuanças da ortografia italiana, ouvindo pronunciar esse nome, naturalmente o escrevem à francesa. O próprio rei Henrique III, na quadra encontrada e citada acima, o escreve simplesmente Baltasarini, embora ele não fosse cozinheiro. Assim foi com os que mandaram ao Grand Journal o relato do fato. Quanto ao músico, nas diversas comunicações que ditou ao Sr. Bach, e das quais temos em mãos vários originais, assinou Baldazzarini e às vezes Baldazzarrini, como se pode verificar. A falta não é dele, mas daqueles que por ignorância afrancesaram o nome, nós em primeiro lugar.

É verdadeiramente curioso ver as puerilidades a que se apegam os adversários do Espiritismo, prova evidente da penúria de boas razões.


Os ratos de Équihen

Um dos nossos assinantes de Boulogne-sur-Mer manda-nos o seguinte, em data de 24 de dezembro de 1865:


“Há alguns dias soube que em Équihen, aldeia de pescadores perto de Boulogne, em casa de um tal L..., fazendeiro muito rico, passavam-se coisas com o caráter de manifestações físicas espontâneas, e que lembram as de Grandes-Ventes, perto de Dieppe, de Poitiers, de Marselha, etc. Todos os dias, pelas sete horas da noite, se ouvem pancadas e muito barulho de objetos rolando no soalho. Um armário fechado à chave se abre de repente e as roupas que ele contém são lançadas no meio do quarto; as camas, sobretudo a da filha da casa, são bruscamente desfeitas por várias vezes.

“Embora a população estivesse longe de se ocupar de Espiritismo, e mesmo de saber o que é isto, pensaram que o autor dessa desordem, cuja causa todas as pesquisas e vigilância muito minuciosa não tinham podido descobrir, bem poderia ser um irmão do tal L..., antigo militar, falecido há dois anos na Argélia. Parece que ele tinha recebido dos parentes a promessa que, se morresse em serviço, mandariam trazer o corpo para Équihen. Essa promessa não foi cumprida, por isso supunham que era o Espírito desse irmão que vinha diariamente, há seis semanas, comover a casa e, em consequência, toda a aldeia.

“O clero abalou-se com os fenômenos. Quatro curas da localidade e dos arredores, depois cinco redentoristas e três ou quatro religiosas vieram e exorcizaram o Espírito, mas inutilmente. Vendo que não conseguiam fazer cessar o barulho, aconselharam o tal L... a partir para a Argélia à procura do corpo de seu irmão, o que ele fez sem delongas. Antes da partida, esses senhores fizeram com que toda a família se confessasse e comungasse; depois disseram que havia necessidade de rezar missas, sobretudo uma missa cantada, depois missas rezadas diariamente. Houve a primeira e os redentoristas foram encarregados das outras. Recomendaram às senhoras L..., expressamente, que abafassem os ruídos e dissessem a quem viesse indagar se a coisa continuava, que todo o barulho era produzido pelos ratos. E acrescentavam que elas deveriam abster-se de divulgar esses rumores, pois isso seria uma grave ofensa a Deus, porque existe uma seita que procura destruir a religião; que se ela soubesse o que se passa, não deixaria de prevalecerse, a fim de prejudicá-la, pelo que a família seria responsável perante Deus; que era uma infelicidade que a coisa já se tivesse espalhado.

A partir desse momento, as portas foram trancadas com barricadas, a entrada do pátio cuidadosamente fechada a chave e a entrada interdita a todos aqueles que vinham todas as noites ouvir o barulho.

Mas, se puseram chave em todas as portas, não puderam trancar todas as línguas, e os ratos agiram tão bem que eram ouvidos num raio de dez léguas. Piadistas disseram ter visto os ratos roendo as roupas íntimas, mas não atirá-las para fora dos quartos, nem abrir portas fechadas a chave. É que, diziam eles, provavelmente são ratos de uma nova espécie, importados por algum navio estrangeiro. Esperamos com impaciência que os mostrem ao público.”

O mesmo fato nos é relatado por dois outros correspondentes.

Disso tudo ressalta uma primeira consideração, é que esses senhores do clero, que eram numerosos e interessados em descobrir uma causa vulgar, não teriam deixado de revelá-la, caso existisse, e sobretudo não teriam prescrito a pequena mentira dos ratos, sob pena de incorrer no desagrado de Deus. Então reconheceram a intervenção de um poder oculto. Mas, por que o exorcismo é sempre impotente em semelhantes casos? Para isto há, de saída, uma primeira razão peremptória: é que o exorcismo se dirige aos demônios; ora, os Espíritos obsessores e batedores não são demônios, mas seres humanos; assim, o exorcismo não os atinge. Em segundo lugar, o exorcismo é um anátema e uma ameaça que irrita o Espírito malfeitor, e não uma instrução capaz de tocá-lo e conduzi-lo ao bem.

Na circunstância presente, aqueles senhores reconheceram que podia ser o Espírito do irmão morto em Argélia, do contrário não teriam aconselhado que fossem buscar o seu corpo, a fim de cumprir a promessa que lhe fora feita; não teriam recomendado missas, que não poderiam ser ditas em favor dos demônios. O que se torna, pois, a doutrina dos que pretendem que somente os demônios se manifestam e que tal poder é negado às almas dos homens? Se um Espírito humano pôde fazê-lo no caso de que se trata, por que não poderia fazê-lo em outros? Por que um Espírito bom e benevolente não se comunicaria por outros meios além da violência, para ser lembrado por aqueles que ele amou e lhes dar sábios conselhos?

É preciso ser consequente consigo mesmo. Dizei com todas as letras, de uma vez por todas, que são sempre os demônios, sem exceção: a gente acreditará no que quiser. Ou então reconhecei que os Espíritos são as almas dos homens, e que, entre eles, há Espíritos bons e maus que podem manifestar-se.

Aqui se apresenta uma questão especial, do ponto de vista espírita. Como Espíritos podem importarse com o fato de seus corpos estarem num lugar e não em outro? Os Espíritos de uma certa elevação a isso não ligam absolutamente, mas os menos avançados não são tão desprendidos da matéria, a ponto de não ligarem importância às coisas terrestres, de que o Espiritismo oferece numerosos exemplos.

Mas aqui o Espírito pode ser solicitado por outro motivo, o de lembrar ao irmão que ele faltou à sua promessa, negligência que este não podia desculpar por falta de recursos, pois ele era rico. Talvez ele tivesse pensado com seus botões: “Bah! Meu irmão está morto, ele não virá fazer a sua reclamação, e será uma grande despesa a menos.” Ou, suponhamos que o irmão, fiel à palavra, logo tivesse ido à Argélia, mas não tivesse encontrado o corpo, ou que, dada a confusão da guerra, tivesse trazido outro corpo, que não o do irmão; este último não teria ficado menos satisfeito, porque o dever moral teria sido cumprido. Os Espíritos nos dizem sem cessar: “O pensamento é tudo. A forma nada é. Não nos prendamos a ela.”


Novo e infinito enterro do Espiritismo

Quantas vezes já disseram que o Espiritismo está morto e enterrado! Quantos escritores já se gabaram de lhe haver dado o golpe de misericórdia, uns porque tinham dito palavrões temperados com sal grosso, outros porque haviam descoberto um charlatão enfeitado com o nome de espírita, ou alguma imitação grosseira de um fenômeno! Sem falar de todos os sermões, ordenações e brochuras da mesma fonte de onde o menor julgava ter lançado o raio, o aparecimento dos espectros no teatro foi saudado por um hurrah! em toda a linha. “Temos o segredo desses espíritas ─ diziam os jornais à porfia, grandes e pequenos, desde Perpignan até Dunkerque ─ jamais eles se erguerão desta cacetada!” Os espectros passaram e o Espiritismo ficou de pé. Depois vieram os irmãos Davenport, apóstolos e sumo sacerdotes do Espiritismo que eles não conheciam, e que nenhum espírita conhecia. Aí, ainda, o Sr. Robin teve a glória de salvar a França e a Humanidade pela segunda vez, tocando muito bem os negócios de seu teatro. A imprensa teceu uma coroa a esse corajoso defensor do bom-senso, a esse sábio que havia descoberto os fios do Espiritismo, como o Sr. Dr. Jobert (de Lamballe) tinha descoberto o fio do músculo que range. Entretanto, os irmãos Davenport partiram sem as honras da guerra; o músculo que range afogou-se e o Espiritismo continua passando muito bem. Evidentemente isto prova uma coisa, é que ele não consiste nem nos espectros do Sr. Robin, nem nas cordas e nos pandeiros dos Srs. Davenport, nem no músculo curto perônio[1]. É, pois, mais um golpe que falha.

Mas desta vez, eis o bom, o verdadeiro, e é impossível que o Espiritismo se reerga. São o Événement, o Opinion nationale e o Grand Journal que nos informam e o afirmam. Uma coisa muito original é que ao Espiritismo apraz reproduzir todos os fatos que lhe opõem e que, segundo seus adversários, devem matá-lo. Se ele os julgasse muito perigosos, se calaria. Eis pois, de que se trata:

“O célebre ator inglês Sothem acaba de escrever a um jornal de Glasgow uma carta que dá o último golpe no Espiritismo. Esse jornal o censurava por atacar sem quartel os irmãos Davenport e os adeptos das influências ocultas, depois que ele próprio deu sessões de Espiritismo na América, sob o nome de Sticart, que agora era o seu pseudônimo de teatro. O Sr. Sothem confessa muito bem ter frequentemente mostrado aos seus amigos que era capaz de executar todas as trapaças dos espíritas, e mesmo ter dado golpes ainda mais maravilhosos, mas nunca suas experiências foram executadas fora de um pequeno círculo de amigos e conhecidos. Jamais pediu que alguém desembolsasse um vintém, pois ele próprio cobria as despesas de suas experiências, depois das quais ele e os amigos se reuniam num alegre jantar.

“Com o concurso de um americano muito ativo, obteve os mais curiosos resultados: a aparição de fantasmas, ruído de instrumentos, a assinatura de Shakespeare, mãos invisíveis passando pelo cabelo dos espectadores, aplicando-lhes tapas, etc., etc.

“O Sr. Sothem sempre disse que todas essas mágicas eram resultado de combinações engenhosas, de habilidade e destreza sem que Espíritos do outro mundo aí tivessem participação.

“Em resumo, o célebre artista declara que desafia os Hume, os Davenport e todos os espíritas do mundo, a fazerem alguma manifestação que ele não possa superar.

“Ele jamais pretendeu fazer profissão de sua habilidade, mas apenas desconcertar os trapaceiros, que ultrajam a religião e roubam o dinheiro do público, fazendo-o crer que têm um poder sobrenatural; que mantêm relações com o outro mundo; que podem evocar as almas dos mortos. O Sr. Sothem não faz circunlóquios para dar a sua opinião. Ele diz as coisas por seus nomes; para ele um gato é um gato e os Rollets... são ladrões.”

Os Srs. Davenport tinham contra si duas coisas que os nossos adversários reconheceram: as exibições teatrais e a exploração. Crendo de boa-fé ─ pelo menos gostamos de admiti-lo ─ que o Espiritismo consiste em fortes estratagemas por parte dos Espíritos, os adversários esperavam que os espíritas fossem tomar partido a favor desses senhores; ficaram um pouco desapontados quando os viram, ao contrário, desautorizar esse gênero de manifestações como prejudicial aos princípios da doutrina, e demonstrar que é ilógico admitir que os Espíritos estejam a toda hora às ordens do primeiro que surgir, querendo servir-se deles para ganhar dinheiro. Certos críticos, por sua própria iniciativa, fizeram valer este argumento contra os Srs. Davenport, sem suspeitar que defendiam a causa do Espiritismo. A ideia de pôr os Espíritos em cena e fazê-los servir de comparsas com o fito do interesse provocou um sentimento geral de repulsa, quase de desgosto, mesmo nos incrédulos, que disseram: “Nós não cremos nos Espíritos, mas se eles existem, não é em tais condições que se devem mostrar, e devemos tratá-los com mais respeito.” Eles não acreditavam em Espíritos vindo a tanto por sessão, e estavam perfeitamente certos, de onde podemos concluir que a exibição de coisas extraordinárias e a exploração são os piores meios de fazer prosélitos. Se o Espiritismo patrocinasse tais coisas, este seria o seu lado fraco. Seus adversários o compreendem tão bem, que é nesse ponto que eles não perdem a menor ocasião de tocar, crendo atingir a doutrina. O Sr. Gérôme, do Univers Illustré, respondendo ao Sr. Blanc de Lalésie (vide nossa Revista de dezembro), que o censurava por falar do que não conhecia, disse: “Praticamente estudei o Espiritismo com os irmãos Davenport, o que me custou 15 francos. É verdade que os irmãos Davenport hoje trabalham a preços mais suaves: por 3 ou 5 francos pode-se ver a farsa, os preços de Robin, praticamente!”

O autor do artigo sobre a jovem cataléptica da Suábia, que não é espírita (Vide o número de janeiro), tem o cuidado de ressaltar, como prova de confiança nesses fenômenos extraordinários, que os pais não pensam absolutamente em tirar partido das estranhas faculdades de sua filha.

A exploração da ideia espírita é, portanto, sem sombra de dúvida, um motivo de descrédito. Os espíritas desautorizam a especulação, e é por isto que têm o cuidado de apresentar o ator Sothem como completamente desinteressado, na esperança de torná-lo um argumento vitorioso. É sempre essa ideia, que o Espiritismo só vive de fatos maravilhosos e de trapaças.

Que a crítica bata quanto queira nesses abusos; que desmascare os truques e os cordões dos charlatães, e o Espiritismo, que não usa qualquer processo secreto e cuja doutrina é toda moral, não poderá senão ganhar em ser desembaraçado dos parasitas que dele fazem um degrau e dos que lhe desnaturam o caráter.

O Espiritismo teve como adversários homens de real valor, como saber e como inteligência, que contra ele desencadearam, sem sucesso, todo o arsenal da argumentação. Veremos se o ator Sothem terá mais êxito que os outros para enterrá-lo. Ele estaria enterrado há muito se estivesse alicerçado nos absurdos que lhe atribuem. Se, pois, depois de morta a charlatanice e desacreditadas as práticas ridículas, ele continua existindo, é que há nele algo de mais sério que não foi possível atingir.



[1] Vide a Revista Espírita de junho de 1859: O músculo que range. O Moniteur e outros jornais anunciaram, há tempos, que o Sr. Dr. Jobert (de Lamballe) tinha sido atingido por alienação mental e atualmente se achava numa casa de saúde. Este triste acontecimento certamente não é fruto de sua crença nos Espíritos.





Os Qüiproquós

A avidez com que os detratores do Espiritismo recolhem as menores notícias que julgam ser-lhe desfavoráveis os expõe a singulares enganos. Sua pressa em publicá-las é tal que nem têm tempo de lhes verificar a exatidão. Aliás, para que tanto esforço! A verdade do fato é uma questão secundária; o essencial é que dela ressalte o ridículo. Por vezes essa precipitação tem os seus inconvenientes e, em todo caso, atesta uma leviandade que está longe de valorizar a crítica.

Outrora os pelotiqueiros eram simplesmente chamados escamoteadores. Esse vocábulo caiu em descrédito e foi substituído por prestidigitadores, mas que ainda lembrava muito os trapaceiros (jogadores de copos). O célebre Conte, parece-nos, foi o primeiro que se ornou com o título de físico e que obteve o privilégio, sob a Restauração, de pôr em seus anúncios e na fachada de seu teatro: Físico do rei. Daí por diante, não houve o menor escamoteador a percorrer feiras que também não se intitulasse físico, professor de física, etc., maneira, como qualquer outra, de atirar pó nos olhos de certo público que, não sabendo mais, os coloca, de boa-fé, na mesma linha dos físicos da Faculdade de Ciências. Certamente a arte da prestidigitação tem feito imensos progressos, e não se pode contestar que alguns a praticam com brilho, conhecimentos especiais, um talento real e um caráter honesto. Mas isso nunca passa da arte de produzir ilusões com mais ou menos habilidade, e não é uma ciência séria, com seu lugar no Instituto.

O Sr. Robin adquiriu, nesse gênero, uma celebridade para a qual não contribuiu pouco o papel que desempenhou no caso dos irmãos Davenport. Esses senhores, com ou sem razão, diziam que operavam auxiliados por Espíritos. De sua parte seria um novo meio de atrair a curiosidade, saindo dos caminhos batidos? Não é aqui o lugar de discutir a questão. Seja como for, pelo simples fato de se dizerem agentes dos Espíritos, os que não o admitem de forma alguma gritarão: Alto lá! O Sr. Robin, como homem hábil, não tardou em aproveitar a oportunidade. Ele declara produzir os mesmos efeitos por simples passes de mágica. Julgando mortos os Espíritos, a crítica canta vitória e o proclama vencedor.

Mas o entusiasmo é cego e por vezes comete estranhos equívocos. Há muitos Robin no mundo, como há muitos Martin. Eis que um Sr. Robin, professor de física, acaba de ser eleito membro da Academia de Ciências. Não há mais dúvida, não pode deixar de ser o Sr. Robin, o físico do boulevard du Temple, o rival dos irmãos Davenport, que todas as noites destroça os Espíritos em seu teatro, e sem mais ampla informação, um jornal sério, a Opinion Nationale, em seu folhetim de sábado, 20 de janeiro, publica o seguinte artigo:

“Os acontecimentos da semana devem estar errados. Havia, entretanto, entre eles, alguns bastante curiosos. Por exemplo, a eleição de Charles Robin para a Academia de Ciências. Há muito tempo aqui defendíamos a sua candidatura, mas pregavam bem alto contra ela em vários lugares. O fato é que esse nome Robin tem algo de diabólico. Lembrai-vos de Robin des Bois. O herói das Memórias do Diabo não se chamava Robin? É um físico tão sábio quanto amável, o Sr. Robin, que amarrou o guizo[1] no pescoço dos Davenport. O guiso cresceu, cresceu; tornou-se mais enorme e mais estrondoso que o sino grande de Notre-Dame. Os pobres farsistas, ensurdecidos pelo ruído que faziam, tiveram que fugir para a América e a própria América já não os quer mais. Grande vitória do bom-senso; derrota do sobrenatural! Ele contava tomar uma desforra da Academia de Ciências, e fez esforços heroicos para excluir esse inimigo, esse positivista, esse descrente ilustre que se chama Charles Robin. E eis que no próprio seio de uma Academia tão bem pensante, o sobrenatural ainda é derrotado. Charles Robin vai sentar-se à esquerda do Sr. Pasteur. E não mais estamos no tempo das doces fábulas, no tempo feliz e lamentado em que o cajado do pastor se impunha a Robin carneiro!

“ED. ABOUT.”

Para quem a mistificação? Seríamos realmente tentados a crer que algum Espírito maligno conduziu a pena do autor do artigo.

Eis outro quiproquó que, pelo fato de ser menos divertido, não prova menos a leviandade com que o crítico acolhe sem exame tudo quanto acredita ser contrário ao Espiritismo, e que se obstina, a despeito de tudo quanto foi dito, a encarnar nos irmãos Davenport, de onde conclui que tudo quanto é um revés para esses senhores, também o é para a Doutrina, que não é mais solidária com os que lhe tomam o nome do que a verdadeira Física não o é com os que usurpam o nome de físico.

Vários jornais apressaram-se em reproduzir o artigo seguinte, do Messager franco-américain. Entretanto, melhor que ninguém, eles deveriam saber que nem tudo quanto é impresso é palavra do Evangelho:

“Estes pobres irmãos Davenport não podiam escapar ao ridículo que espera os charlatões de toda espécie. Acreditados e elogiados nos Estados Unidos, onde durante muito tempo fizeram dinheiro, depois descobertos e zombados na capital da França, menos fácil para sofrer o engodo, teriam que receber, na mesma sala de suas grandes exibições em New York, o último desmentido que mereciam.

“Esse desmentido acaba de lhes ser dado publicamente, pelo seu antigo comparsa, o Sr. Fay, na sala do Cooper Institute, sábado à noite, em presença de numerosa assistência.

“Ali o Sr. Fay desvendou tudo, os segredos do famoso armário, o segredo das cordas e dos nós e de todas as charlatanices por tanto tempo empregadas com sucesso. Comédia humana! E dizer que há gente séria e instruída que admirou e defendeu os irmãos Davenport e que chamou de Espiritismo as farsas que talvez fossem toleradas no carnaval!”

Não temos que tomar a defesa dos Srs. Davenport, cujas exibições sempre condenamos, como contrárias aos princípios da sã Doutrina Espírita. Mas, seja qual for a opinião que se faça a seu respeito, a bem da verdade devemos dizer que foi um erro inferir desse artigo que eles estivessem em New York e ali tivessem sido escarnecidos. Sabemos de fonte segura que deixando Paris eles voltaram à Inglaterra, onde se acham no momento. O Sr. Fay, que teria desvendado seus segredos, não é o seu cunhado William Fay, que os acompanha, mas um tal H. Melleville Fay, que produzia efeitos semelhantes na América, e do qual se fala em sua biografia, com a recomendação de não confundi-los. Nada há de estranhável que esse senhor, que lhes fazia concorrência, tenha julgado conveniente aproveitar a sua ausência para lhes pregar uma peça e desacreditá-los em proveito próprio. Nessa luta pelo fenômeno não se poderia ver Espiritismo. É o que dá a entender o fim do artigo, por esta frase: “E dizer que há gente séria e instruída... que chamou de Espiritismo as farsas que talvez fossem toleradas no carnaval!” Essa exclamação tem o ar de uma censura dirigida aos que confundem coisas tão disparatadas.

Os irmãos Davenport forneceram aos detratores do Espiritismo ocasião ou pretexto para um formidável levante, em presença do qual ele ficou de pé, calmo e impassível, continuando sua rota sem se abalar com o barulho que faziam em seu redor. Um fato digno de nota é que os seus adeptos, longe de ficarem apavorados, foram unânimes em considerar essa efervescência como eminentemente útil à causa, certos de que o Espiritismo só tem a ganhar por ser conhecido. A crítica atacou com todas as suas armas os Srs. Davenport, julgando neles matar o Espiritismo. Se ele não gritou, é porque não se sentiu ferido. O que ela matou foi precisamente o que ele condena e desaprova: a exploração, as exibições públicas, o charlatanismo, as manobras fraudulentas, as imitações grosseiras de fenômenos naturais que se produzem em condições muito diferentes, o abuso de um nome que representa uma doutrina toda moral, de amor e de caridade. Após esta rude lição, julgamos que seria temerário tentar a fortuna por meios semelhantes.

É verdade que disso resultou uma confusão momentânea no espírito de algumas pessoas, uma espécie de hesitação muito natural naqueles que só ouviram a censura lançada com parcialidade, sem separar o verdadeiro do falso. Mas, deste mal saiu um grande bem: o desejo de conhecer, que só poderá ser proveitoso para a Doutrina.

Obrigado, pois, à crítica, por ter feito, com a ajuda dos poderosos meios de que dispõe, o que os espíritas não teriam podido por si mesmos. Ela adiantou a questão de alguns anos, e mais uma vez convenceu seus adversários de sua impotência. Aliás, o público ouviu tanto o nome dos Davenport, que isto começa a lhe parecer tão fastidioso quanto o grito de Lambert.

Já é tempo da crônica encontrar um novo assunto para explorar.



[1] Em francês, grelot, insígnia da loucura. (N. do revisor)



Notícia bibliográfica

O nosso artigo do mês passado sobre o Dicionário Universal levou várias pessoas a pedir informações sobre o modo de assinatura e pagamento. Eis a nota que, a respeito, nos foi dada pela direção:

Preço de cada fascículo de 8 páginas: 10 centavos. Saem dois fascículos por semana.

Remessas pelo correio só podem ser feitas em séries de 40 fascículos, ao preço de 4 francos para Paris, 5 francos para os Departamentos e 6 francos para o exterior.

Subscrição para um número qualquer de séries, mediante simples remessa do montante ao diretor, Boulevard Sebastopol, 38 - Paris. A lª série está à venda; a 2ª ficará pronta dentro em pouco.

As pessoas que desejam receber a obra em fascículos devem dirigir-se às livrarias da sua localidade.

TEXTOS RELACIONADOS

Mostrar itens relacionados