Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Julho

Do projeto de caixa geral de socorro e outras instruções para os espíritas

Num dos grupos espíritas de Paris, um médium recebeu ultimamente a comunicação que segue, do Espírito de sua avó:

“Meu caro filho, vou falar-te um instante das questões de caridade que te preocupavam esta manhã, a caminho do trabalho.

“As crianças que são entregues a amas mercenárias e as mulheres pobres que são forçadas, com desprezo do pudor que lhes é caro, a servir, nos hospitais, de material experimental para os médicos e para os estudantes de medicina, são duas grandes chagas que todos os bons corações devem aplicar-se em curar, e isto não é impossível. Que os espíritas façam como os católicos. Que eles economizem um pouquinho por semana e, capitalizando esses recursos, chegarão a fundações sérias, grandes e realmente eficazes. A caridade que alivia um mal presente é uma caridade santa, que eu encorajo com todas as minhas forças, mas a caridade que se perpetua em fundações imortais como as misérias que são destinadas a aliviar, é uma caridade inteligente e que me tornaria feliz ao vê-la posta em prática.

“Gostaria que um trabalho fosse elaborado com o fito de criar de início um primeiro estabelecimento de proporções restritas. Quando se tivesse visto o bom resultado dessa primeira criação, passar-se-ia a outra, que seria aumentada pouco a pouco, como Deus quer que seja aumentada, porque o progresso se realiza por uma marcha lenta, sábia, calculada. Repito que o que proponho não é difícil; não haverá um único espírita verdadeiro que ousaria faltar ao apelo para o alívio de seus semelhantes, e os espíritas são bastante numerosos para formar, pela acumulação de um tanto por semana, um capital suficiente para um primeiro estabelecimento a serviço das mulheres doentes, que seriam cuidadas por mulheres, e que deixariam então de ocultar seus sofrimentos para salvaguardar o seu pudor.

“Entrego estas reflexões à meditação das pessoas benevolentes que assistem à sessão, e estou bem convicta que elas darão bons frutos. Os grupos do interior ligar-se-iam prontamente a uma ideia tão bela e ao mesmo tempo tão útil e paternal. Além do mais, seria um monumento do valor moral do Espiritismo tão caluniado, e que continuará a ser encarniçadamente caluniado ainda por muito tempo.

“Eu disse que a caridade local é boa e que é útil a um indivíduo, mas ela não eleva o espírito das massas como uma obra duradoura. Não seria belo que se pudesse repelir a calúnia dizendo aos caluniadores: “Eis o que nós fizemos. A árvore se reconhece pelo fruto; uma árvore má não dá bons frutos, e a boa árvore não os dá maus.”

“Pensai também nas pobres crianças que saem dos hospitais e que vão morrer em mãos mercenárias, dois crimes simultâneos: o de entregar a criança desarmada e fraca e o daquele que a sacrificou sem piedade. Que todos os corações elevem seus pensamentos para as tristes vítimas da sociedade imprevidente, e que procurem encontrar uma boa solução para salvá-las de suas misérias. Deus quer que tentemos, e dá os meios de alcançar o objetivo; é preciso agir. Triunfamos quando temos fé, e a fé transporta montanhas. Que o Sr. Kardec trate da questão em seu jornal, e vereis como será aclamada com dedicação e entusiasmo.

“Eu disse que era necessário um monumento material que atestasse a fé dos espíritas, como as pirâmides do Egito atestam a vaidade dos Faraós, mas, em vez de fazer loucuras, fazei obras que levam a marca do próprio Deus. Todo mundo deve compreender-me; não insisto.

“Retiro-me, meu caro filho. Tua boa avó, como vês, ama sempre os seus netos, como te amava quando eras criancinha. Quero que tu os ames como eu, e que penses em encontrar uma boa organização.

Tu podes, se quiseres e, se necessário, nós te ajudaremos. Eu te abençoo.

“MARIE G...”

A ideia de uma caixa central e geral de socorro formada entre os espíritas já foi concebida e emitida por homens animados de excelentes intenções, mas não basta que uma ideia seja grande, bela e generosa, é preciso, antes de tudo, que ela seja exequível. Certamente demos mostras suficientes de nosso devotamento à causa do Espiritismo para não ser suspeito de indiferença a respeito disso. Ora, é precisamente por força de nossa própria solicitude que buscamos alertar contra o entusiasmo que cega. Antes de empreender uma coisa, é preciso friamente calcular-lhe os prós e os contras, a fim de evitar revezes sempre desagradáveis, que não deixariam de ser explorados por nossos adversários. O Espiritismo só deve marchar com passo firme, e quando põe os pés num lugar, deve estar seguro de pisar em terreno firme. Nem sempre a vitória é do mais apressado, mas muito mais seguramente daquele que sabe aguardar o momento propício. Há resultados que não podem ser senão obra do tempo e da infiltração da ideia no espírito das massas. Saibamos, pois, esperar que a árvore esteja formada, antes de lhe pedir uma colheita abundante.

Há muito tempo nós vos propúnhamos tratar a fundo da questão em tela, para situá-la no seu verdadeiro terreno e premunir contra as ilusões de projetos mais generosos do que refletidos, cujo abortamento teria consequências lamentáveis. A comunicação relatada acima, sobre a qual tiveram a bondade de pedir nossa opinião, nos oferece a ocasião muito natural. Examinaremos, pois, tanto o projeto de centralização dos recursos quanto o de algumas outras instituições e estabelecimentos especiais para o Espiritismo.

Antes de tudo convém sondar o estado real das coisas. Sem dúvida os espíritas são muito numerosos e seu número cresce incessantemente. Sob este ponto de vista, ele oferece um espetáculo único, o de uma propagação inusitada na história das doutrinas filosóficas, porque não há uma só, sem excetuar o Cristianismo, que tenha ligado tantos partidários em tão poucos anos. Isto é um fato notório que confunde os próprios antagonistas. E o que não é menos característico, é que essa propagação, em vez de fazer-se num centro único, opera-se simultaneamente em toda a superfície do globo e em milhares de centros. Disso resulta que os adeptos, embora sejam muito numerosos, ainda não formam, em parte alguma, uma aglomeração compacta.

Essa dispersão, que à primeira vista parece uma causa de fraqueza, é, ao contrário, um elemento de força. Cem mil espíritas disseminados num país fazem mais pela propagação da ideia do que se estivessem amontoados numa cidade. Cada individualidade é um foco de ação, um germe que produz brotos; por sua vez, cada broto produz mais ou menos, e os ramos, que se reúnem pouco a pouco, cobrirão a região mais prontamente do que se a ação partisse de um ponto único. É absolutamente como se um punhado de grãos tivesse sido atirado ao vento, em vez de serem postos todos no mesmo buraco. Graças a essa quantidade de pequenos centros, a doutrina é menos vulnerável do que se tivesse um só, contra o qual seus inimigos poderiam dirigir toda a sua força. Um exército primitivamente compacto que é dispersado pela força ou por qualquer outra causa, é um exército perdido. Aqui o caso é diferente. A disseminação dos espíritas não é um caso de dispersão, é o estado primitivo tendendo à concentração, para formar uma vasta unidade. A primeira está no fim; a segunda está no seu nascedouro.

Àqueles, pois, que se lamentam de seu isolamento numa localidade, respondemos: Agradecei ao céu, ao contrário, por vos haver escolhido como pioneiros da obra em vossa região. Cabe a vós lançar aí as primeiras sementes. Talvez elas não germinem imediatamente; talvez não chegueis a recolher os frutos; talvez mesmo tenhais que sofrer em vosso trabalho, mas pensai que não se prepara uma terra sem trabalho, e tende certeza de que, mais cedo ou mais tarde, o que tiverdes semeado frutificará. Quanto mais ingrata for a tarefa, mais méritos tereis, ainda que apenas rasgásseis o caminho aos que virão depois de vós.

Sem dúvida, se os espíritas devessem ficar sempre no estado de isolamento, seria uma causa permanente de fraqueza; mas a experiência prova quanto a doutrina é vivaz, e sabemos que para cada ramo abatido, há dez que renascem. Sua generalização é, pois, uma questão de tempo. Ora, por mais rápida que seja a sua marcha, ainda é preciso o tempo suficiente e, enquanto se trabalha na obra, é preciso saber esperar que o fruto esteja maduro antes de colhê-lo.

Essa disseminação momentânea dos espíritas, essencialmente favorável à propagação da doutrina, é um obstáculo à execução de obras coletivas de certa importância, pela dificuldade, senão pela impossibilidade, de reunir num mesmo ponto elementos bastante numerosos.

Dirão que é precisamente para obviar esse inconveniente, para apertar os laços de confraternidade entre os membros isolados da grande família espírita, que se propõe a criação de uma caixa central de socorro. Certamente este é um pensamento grande e generoso que seduz à primeira vista, mas já se refletiu nas dificuldades de execução?

Uma primeira questão se apresenta. Até onde estender-se-ia a ação dessa caixa? Limitar-se-ia à França, ou compreenderia os outros países? Há espíritas em todo o globo. Os de todos os países, de todas as castas e de todos os cultos não são nossos irmãos? Se, pois, a caixa recebesse contribuições de espíritas estrangeiros, o que aconteceria infalivelmente, teria ela o direito de limitar sua assistência a uma única nacionalidade? Poderia conscienciosamente e caridosamente perguntar ao que sofre se é russo, polonês, alemão, espanhol, italiano ou francês? A menos que faltasse ao seu objetivo, ao seu dever, ela deveria estender a sua ação do Peru à China. Basta pensar na complicação das engrenagens de tal empresa para ver quanto ela é quimérica.

Suponhamo-la circunscrita à França, e não seria menos uma administração colossal, um verdadeiro ministério. Quem quereria assumir a responsabilidade de um tal manejo de fundos? Para uma gestão dessa natureza não bastariam integridade e devotamento: seria necessária uma alta capacidade administrativa. Admitindo-se, entretanto, vencidas as primeiras dificuldades, como exercer um controle eficaz sobre a extensão e a realidade das necessidades, sobre a sinceridade da qualidade de espírita? Semelhante instituição em breve veria surgirem adeptos, ou que tais se dizem, aos milhões, mas não seriam estes que iriam alimentar a caixa. A partir do momento que ela existisse, julgá-la-iam inesgotável, e em breve ela se veria impossibilitada de satisfazer a todas as exigências de seu mandato. Fundada sobre tão vasta escala, consideramo-la impraticável, e de nossa parte, não lhe daríamos a mão.

Por outro lado, não teria ela que temer oposição à sua própria constituição? O Espiritismo apenas nasce e ainda não está, por toda parte, em odor de santidade, para que se julgue ao abrigo de suposições malévolas. Não poderiam enganar-se quanto às suas intenções numa operação de tal gênero? Não poderiam supor que, sob uma capa, oculte ele outro objetivo? Numa palavra, fazer assimilações, de que seus adversários alegariam exceção de justiça para excitar a desconfiança contra ele? Por sua natureza, o Espiritismo não é nem pode ser uma filiação, nem uma congregação. Ele deve, pois, no seu próprio interesse, evitar tudo quanto lhe desse aquela aparência.

Então é preciso que, por medo, o Espiritismo fique estacionário? Não é agindo, perguntarão, que ele mostrará o que é, que dissipará a desconfiança e vencerá a calúnia? Sem sombra de dúvida, mas não se deve pedir à criança o que exige as forças da idade viril. Longe de servir ao Espiritismo, seria comprometê-lo e expô-lo aos golpes e à chacota de seus adversários e ligar seu nome a coisas quiméricas. Certamente ele deve agir, mas no limite do possível. Deixemos-lhe, pois, tempo de adquirir as forças necessárias, e então ele dará mais do que se pensa. Ele não está nem sequer completamente constituído em teoria. Como querem que ele dê o que só pode ser o resultado da completude da doutrina?

Aliás, há outras considerações que importa levar em conta.

O Espiritismo é uma crença filosófica, e basta simpatizar com os princípios fundamentais da doutrina para ser espírita. Falamos dos espíritas convictos e não dos que afivelam a máscara, por motivos de interesses ou outros também pouco confessáveis. Esses não se contam, porquanto neles não há nenhuma convicção. Dizem-se espíritas hoje, na esperança de daí tirar vantagens; serão adversários amanhã, se não encontrarem o que buscam, ou então far-se-ão de vítimas de sua dedicação fictícia, e acusarão os espíritas de ingratidão por não sustentá-los. Não seriam os últimos a explorar a caixa geral, para se compensar de especulações abortadas ou reparar desastres causados por sua incúria ou por sua imprevidência, e a lhe atirar pedras, se ela não os satisfizer. Isso tudo não deve parecer estranho, porquanto todas as crenças contam com semelhantes auxiliares e testemunham a representação de semelhantes comédias.

Há também a massa considerável dos espíritas por intuição; os que são espíritas pela tendência e pela predisposição de ideias, sem estudo prévio; os indecisos, que ainda flutuam, à espera dos elementos de convicção que lhes são necessários. Sem exagero, podemos estimá-los em um quarto da população. É o grande canteiro onde se recrutam os adeptos, mas eles ainda não podem ser levados em conta.

Entre os espíritas reais, aqueles que constituem o verdadeiro corpo dos adeptos, há certas distinções a fazer. Na primeira linha há que colocar os adeptos de coração, animados de fé sincera, que compreendem o objetivo e o alcance da doutrina e aceitam todas as consequências para si mesmos; seu devotamento é a toda prova e sem segundas intenções; os interesses da causa, que são os da Humanidade, são sagrados para eles, e eles jamais os sacrificarão a uma questão de amor-próprio ou de interesse pessoal. Para eles, o lado moral não é uma simples teoria; eles esforçam-se por pregar pelo exemplo; não só têm a coragem de sua opinião, mas consideram-na uma glória, e, conforme a necessidade, sabem pagar com sua pessoa.

Vêm a seguir os que aceitam a ideia como filosofia, porque ela lhes satisfaz a visão, mas cuja fibra moral não é suficientemente tocada para compreenderem as obrigações que a doutrina impõe aos que a adotam. O homem velho está sempre ali, e a reforma de si mesmo lhes parece tarefa muito pesada. Mas como não estão menos firmemente convencidos, entre eles encontram-se propagadores e zelosos defensores.

Depois, há pessoas levianas, para quem o Espiritismo está todo inteiro nas manifestações. Para eles é um fato, e nada mais. O lado filosófico passa desapercebido. O atrativo de curiosidade é para eles o móvel principal. Extasiam-se ante o fenômeno e ficam frios ante uma consequência moral.

Enfim, há o número ainda muito grande dos espíritas mais ou menos sérios que não puderam colocar-se acima dos preconceitos e do que os outros dirão, retidos pelo medo do ridículo, bem como aqueles cujas considerações pessoais ou de família e interesses por vezes respeitáveis a administrar, são forçados, de certo modo, a se manterem afastados. Todos esses, numa palavra, que por uma ou por outra causa, boa ou má, não se põem em evidência. A maioria não desejaria mais do que confessar-se espírita, mas não ousam ou não podem. Isso virá mais tarde, à medida que virem outros fazê-lo e perceberem que não há perigo. Esses serão os espíritas de amanhã, como outros são os da véspera. Contudo, não se pode esperar muito deles, porque é necessária uma força de caráter que não é dada a todos, para enfrentar a opinião em certos casos. É preciso, pois, levar em consideração a fraqueza humana. O Espiritismo não tem o privilégio de transformar subitamente a Humanidade, e se a gente pode admirar-se de uma coisa, é do número de reformas que ele já operou em tão pouco tempo. Ao passo que nuns, onde encontra o terreno preparado, ele entra, por assim dizer, de uma vez, noutros só penetra gota a gota, conforme a resistência que encontra no caráter e nos hábitos.

Todos esses adeptos se incluem no cômputo, e por mais imperfeitos que sejam, são sempre úteis, embora num limite restrito. Até nova ordem, se não servissem senão para diminuir as fileiras da oposição, isto já seria alguma ciosa. É por isso que não se deve desdenhar nenhuma adesão sincera, mesmo parcial.

Mas quando se trata de uma obra coletiva importante, para a qual cada um deve trazer seu contingente de ação, como seria a de uma caixa geral, por exemplo, convém levar em conta essas considerações, porque a eficácia do concurso que se pode esperar está na razão da categoria a que pertencem os adeptos. É bem evidente que não se pode contar muito com os que não levam a sério o lado moral da doutrina e, ainda menos, com os que não ousam mostrar-se.

Restam, pois, os adeptos da primeira categoria. Desses, certamente, tudo se pode esperar. São os soldados da vanguarda, que o mais das vezes não atendem ao apelo quando se trata de dar provas de abnegação e devotamento, mas numa cooperativa financeira, cada um contribui conforme os seus recursos, e o pobre não pode dar senão o seu óbolo. Aos olhos de Deus, esse óbolo tem um grande valor, mas para as necessidades materiais ele tem apenas o seu valor intrínseco. Desfalcando todos aqueles cujos meios de subsistência são limitados, aqueles próprios que tiram a subsistência do seu trabalho, o número dos que poderiam contribuir um pouco largamente e de maneira eficaz é relativamente restrito.

Uma observação ao mesmo tempo interessante e instrutiva é a da proporção dos adeptos segundo as categorias. Essa proporção variou sensivelmente e se modifica em razão de progresso da doutrina. Mas, neste momento ela pode ser avaliada aproximadamente da maneira seguinte:

1.ª categoria, espíritas completos, de coração e devotamento, 10%;

categoria, espíritas incompletos, buscando mais o lado científico que o lado moral, 25%;

3ª categoria, espíritas levianos, só interessados nos fatos materiais, 5%, (esta proporção era inversa há dez anos);

4ª categoria, espíritas não confessos ou que se ocultam, 60%.

Relativamente à posição social, evidenciam-se duas classes gerais: de um lado, aqueles cuja fortuna é independente; do outro, os que vivem do trabalho. Em 100 espíritas da 1.ª categoria, há em média 5 ricos para 95 trabalhadores; na 2ª, 70 ricos para 30 trabalhadores; na 3ª, 80 ricos para 20 trabalhadores; e na 4.ª, 99 ricos para l trabalhador.

Seria ilusão pensar que em tais condições uma caixa geral pudesse satisfazer a todas as necessidades, quando a do mais rico banqueiro não bastaria. Não seriam milhares de francos necessários anualmente, mas alguns milhões.

De onde vem essa diferença na proporção entre os que são ricos e os que não o são? A razão é muito simples: os aflitos acham no Espiritismo uma imensa consolação que os ajuda a suportar o fardo das misérias da vida; dá-lhes a razão dessas misérias e a certeza de uma compensação. Assim, não nos surpreende que, tirando mais proveito do benefício, eles o apreciem mais e o tomem mais a sério do que os felizes do mundo.

As pessoas se admiraram que, quando semelhantes projetos vieram a público, nós não apressamos em apoiá-los e patrociná-los. É que, antes de tudo, apegamo-nos a ideias positivas e práticas; o Espiritismo é para nós uma coisa muito séria para empenhá-lo prematuramente em vias onde pudesse encontrar decepções. De nossa parte, não há nisso nem despreocupação nem pusilanimidade, mas prudência, e sempre que ele estiver maduro para avançar, não ficaremos na retaguarda. Não é que nos atribuamos mais perspicácia do que aos outros; é que a nossa posição, permitindo-nos a visão de conjunto, permite-nos julgar os pontos fortes e os fracos talvez melhor do que aqueles que se acham num círculo mais restrito. Aliás, damos a nossa opinião e não pretendemos impô-la a ninguém.

O que acaba de ser dito a respeito da criação de uma caixa geral e central de socorro, aplica-se naturalmente aos projetos de fundação de estabelecimentos hospitalares e outros. Ora, aqui a utopia é ainda mais evidente. Se é fácil pôr um projeto no papel, não é o mesmo quando se chega às vias e meios de execução. Construir um edifício ad hoc já é uma enormidade, e quando estivesse pronto, seria preciso provê-lo de pessoal suficiente e capaz, depois assegurar a sua manutenção, porque tais estabelecimentos custam muito e nada rendem. Não são apenas grandes capitais que se requerem, mas grandes rendimentos. Admitamos, entretanto, que à força de perseverança e de sacrifícios chegue-se a criar, como dizem, um pequeno modelo; quão mínimas não seriam as necessidades que ele poderia satisfazer em relação à massa e à disseminação dos necessitados em um vasto território! Seria uma gota d’água no oceano, e se há tantas dificuldades para um só, mesmo em pequena escala, muito pior seria se se tratasse de multiplicá-los. O dinheiro assim empregado, portanto, não resultaria em proveito senão de alguns indivíduos, ao passo que, judiciosamente repartido, ajudaria a viver um grande número de infelizes.

Seria um modelo, um exemplo, que seja, mas por que aplicar-se em criar quimeras, quando as coisas existem prontas, montadas, organizadas, com meios poderosos de que jamais disporão os particulares? Esses estabelecimentos deixam a desejar; há abusos; eles não suprem todas as necessidades, isto é evidente, contudo, se os compararmos ao que eram há menos de um século, constataremos uma imensa diferença e um progresso constante. A cada dia vê-se a introdução de um melhoramento. Não podemos, pois, duvidar que com o tempo novos progressos sejam realizados, pela força das coisas. As ideias espíritas devem, infalivelmente, apressar a reforma de todos os abusos, porque, melhor que outras, elas penetram os homens com o sentimento do dever; por toda parte onde elas penetrarem, os abusos cairão e o progresso se efetivará. Portanto, em difundi-las é que se faz necessário empenhar-se: aí está a coisa possível e prática; aí está a verdadeira alavanca, alavanca irresistível quando ela tiver adquirido uma força suficiente pelo desenvolvimento completo dos princípios e pelo número dos adeptos sérios. A julgar o futuro pelo presente, podemos afirmar que o Espiritismo terá levado à reforma de muitas coisas muito antes que os espíritas tenham podido acabar o primeiro estabelecimento do gênero desse de que falamos, se algum dia o empreendessem, mesmo que todos tivessem que dar um cêntimo por semana. Por que, então, gastar suas energias em esforços supérfluos, em vez de concentrá-las no ponto acessível e que seguramente deve conduzir ao objetivo? Mil adeptos ganhos para causa e espalhados em mil lugares diversos apressarão mais a marcha do progresso do que um edifício.

Diz o Espírito que ditou a comunicação acima que o Espiritismo deve se afirmar e mostrar o que é por um monumento durável à caridade. Mas de que serviria um monumento à caridade, se a caridade não estiver no coração? Ele ergue uma obra mais durável que um monumento de pedra: é a doutrina e suas consequências, para o bem da Humanidade. É para isso que cada um deve trabalhar com todas as suas forças porque ele durará mais que as pirâmides do Egito.

Pelo fato de que esse Espírito se engana, segundo nós, sobre tal ponto, isto nada lhe tira de suas qualidades. Incontestavelmente, ele está animado de excelentes sentimentos, mas um Espírito pode ser muito bom, sem ser um apreciador infalível de todas as coisas; nem todo bom soldado é necessariamente um bom general.

Um projeto de realização menos quimérica é o da formação de sociedades de socorros mútuos entre os espíritas de uma mesma localidade. Mas, ainda aqui, não é possível isentar-se de algumas das dificuldades que assinalamos: a falta de aglomeração e a cifra ainda pequena daqueles com os quais se pode contar para um concurso efetivo. Outra dificuldade vem da falsa assimilação que fazem dos espíritas a certas classes de indivíduos. Cada profissão apresenta uma delimitação claramente marcada. Pode facilmente estabelecer-se uma sociedade de socorro mútuo entre gente de uma mesma profissão, entre pessoas de um mesmo culto, porque elas se distinguem por alguma coisa de característica, e por uma posição de certo modo oficial e reconhecida. Assim não se dá com os espíritas, que não são registrados como tais em parte alguma, e cuja crença não é atestada por nenhum título. Há espíritas de todas as classes sociais, em todas as profissões, em todos os cultos, e em parte alguma eles constituem uma classe distinta. Sendo o Espiritismo uma crença fundada numa convicção íntima, da qual não se deve satisfação a ninguém, conhecemos apenas aqueles que se põem em evidência ou que frequentam os grupos, e não o número considerável daqueles que, sem se ocultar, não fazem parte de nenhuma reunião regular. Eis por que, a despeito da certeza em que se está de que os adeptos são numerosos, é difícil chegar a uma cifra suficiente, quando se trata de uma operação coletiva.

Acerca das sociedades de socorros mútuos, apresenta-se outra consideração. O Espiritismo não forma, nem deve formar classe distinta, pois se dirige a todos; por seu princípio, ele deve estender sua caridade indistintamente, sem inquirir sobre a crença, porque todos os homens são irmãos. Se ele fundar instituições de caridade exclusivas para os seus adeptos, é forçado a perguntar ao que reclama assistência: “Sois dos nossos? Que prova nos dais? Se não, nada podemos fazer por vós.” Assim, ele mereceria a censura de intolerância que dirige aos outros. Não, para fazer o bem, o espírita não deve sondar a consciência e a opinião, e mesmo que tenha diante de si um inimigo de sua fé, mas infeliz, ele deve ir em seu auxílio, no limite de suas faculdades. É agindo assim que o Espiritismo mostrará o que ele é, e provará que vale mais do que aqueles que se lhe opõem.

As sociedades de socorros mútuos se multiplicam por todos os lados e em todas as classes de trabalhadores. É uma excelente instituição, prelúdio do reino da fraternidade e da solidariedade, de que se sente necessidade. Elas beneficiam os espíritas que delas participam, como a todo mundo. Porque fundálas só para eles, com exclusão dos outros? Que ajudem a propagá-las, porque são úteis; que, para torná-las melhores, nelas façam penetrar o elemento espírita, nelas entrando eles próprios, o que seria mais proveitoso para eles e para a doutrina. Em nome da caridade evangélica inscrita em sua bandeira; em nome dos interesses do Espiritismo, nós os concitamos a evitar tudo quanto possa estabelecer uma barreira entre eles e a Sociedade. Agora que o progresso moral tende a reduzir as que dividem os povos, o Espiritismo não deve erigi-las; sua essência é de penetrar em toda parte; sua missão, melhorar tudo o que existe; ele nisso falharia se se isolasse.

Deve a beneficência ser individual e, neste caso, sua ação não será mais limitada do que se for coletiva? A beneficência coletiva tem vantagens incontestáveis, e longe de censurá-la, nós a encorajamos. Nada mais fácil do que praticá-la nos grupos, recolhendo por meio de cotizações regulares ou de donativos facultativos os elementos de um fundo de socorro. Mas então, agindo num círculo restrito, o controle das verdadeiras necessidades é fácil; o conhecimento que delas se pode ter permite uma distribuição mais justa e mais proveitosa. Com uma módica quantia, bem distribuída e dada com discernimento, podem ser prestados mais serviços reais do que com uma grande soma dada sem conhecimento de causa e por assim dizer ao acaso. É, pois, necessário dar-se conta de certos detalhes, se não se quiser gastar seus recursos sem proveito. Ora, compreende-se que tais cuidados seriam impossíveis se se operasse em vasta escala. Aqui nada de dédalo administrativo, nada de pessoal burocrático. Algumas pessoas de boa vontade, e eis tudo.

Não podemos senão encorajar com todas as forças a beneficência coletiva nos grupos espíritas. Nós conhecemos alguns em Paris, no interior e no Estrangeiro, que são fundados, senão exclusivamente, pelo menos principalmente com esse objetivo, e cuja organização nada deixa a desejar. Lá, membros dedicados vão a domicílio inquirir dos sofrimentos e levar o que às vezes vale mais do que os socorros materiais: as consolações e o encorajamento. Honra a eles, porque bem merecem do Espiritismo! Que cada grupo assim haja em sua esfera de atividade, e todos juntos realizarão maior soma de bens do que uma caixa central quatro vezes mais rica.


Estatística da loucura

O Moniteur de 16 de abril de 1866 trazia o relatório quinquenal dirigido ao Imperador, pelo Ministro da Agricultura, do Comércio e dos Trabalhos Públicos, sobre o estado da alienação mental na França. Esse relatório, muito extenso, sábia e conscienciosamente feito, é uma prova da solicitude com que o Governo trata essa grave questão de humanidade. Os preciosos documentos que ela encerra atestam uma observação atenta. Eles nos interessam tanto mais quanto são um desmentido formal e autêntico às acusações lançadas pelos adversários do Espiritismo, por eles designado como causa preponderante da loucura. Dele extraímos as passagens mais importantes.
É verdade que tais documentos constatam um crescimento considerável do número de alienados, mas veremos que isso nada tem a ver com o Espiritismo. Esse número, que nos asilos especiais, em 1835, era de 10.539, em 1861 é de 30.229; é um aumento de 19.700 em 26 anos, ou seja, em média 750 por ano, como se vê no quadro seguinte, a 1º de janeiro de cada ano:

1835 10.539 1842 15.280 1849 20.231 1856 25.4851836 11.091 1843 15.786 1850 20.061 1857 26.3051837 11.429 1844 16.255 1851 21.353 1858 27.0281838 11.982 1845 17.089 1852 22.495 1859 27.878

1839 12.577 1846 18.013 1853 23.795 1860 28.7611840 13.283 1847 19.023 1854 24.524 1861 30.239

1841 13.887 1848 19.570 1855 24.896

O relatório constata, além disso, este fato capital: o aumento foi progressivo, de ano a ano, entre 1835 e 1846, e desde então foi decrescendo, como indica o quadro abaixo:

De 1836 a 1841, crescimento anual de 5,04%

De 1841 a 1846, crescimento anual de 5,94%

De 1846 a 1851, crescimento anual de 3,71% De 1851 a 1856, crescimento anual de 3,87%

De 1856 a 1861, crescimento anual de 3,14%

Diz o senhor Ministro:

“Em face dessa desaceleração, que se verificou também nas admissões, como demonstrarei mais adiante, é provável que o crescimento realmente excepcional da população de nossos asilos em breve cessará.

“O número de doentes que podiam abrigar convenientemente os nossos asilos era, em fins de 1860, de 31.550. O efetivo dos doentes mantidos na mesma época se elevava a 30.239. O número de lugares disponíveis, em consequência, era de apenas 1.321.

“Do ponto de vista da natureza de sua enfermidade, os doentes em tratamento, a 1º de janeiro de cada um dos anos de 1856 a 1861 (únicos anos para os quais a distinção foi feita), assim se classificavam:

Anos Loucos Idiotas Cretinos

1856 22.602 2.840 43
1857 23.283 2.976 46
1858 23.851 3.134 43
1859 24.395 3.443 40
1860 25.147 3.577 37
1861 26.450 3.746 43

“O fato marcante deste quadro é o aumento considerável, em relação aos loucos, do número de idiotas tratados nos asilos. Em cinco anos ele foi de 32%, ao passo que, no mesmo intervalo, o efetivo de loucos elevou-se apenas 14%. Essa diferença é consequência da admissão nos asilos de um grande número de idiotas que antes ficavam no seio das famílias.

“Dividido por sexo, o efetivo da população total dos asilos oferece, a cada ano, um excedente numérico do sexo feminino sobre o masculino. Eis os números constatados para os doentes existentes no fim de cada um dos anos de 1854 a 1860:



Ano Sexo masc.

Sexo fem.

185412.036

12.860

1855 12.221

13.264

1856 12.632

13.673

1857 12.930

14.098

1858 13.392

14.486

1859 13.876

14.885

1860 14.582

15.657

“A média anual, calculada para este período de seis anos é, para 100 doentes, de 51,90 mulheres e 48,10 homens. Esta desproporção dos sexos, que se repete anualmente desde 1842, com poucas diferenças, é muito notável em presença da superioridade numérica bem constatada do sexo masculino nas admissões, onde se contam 52,91 homens para cada 100 doentes admitidos. Isto se deve, como foi explicado na publicação precedente, à maior mortalidade destes últimos e, além disso, a que sua permanência no asilo é notavelmente menos longa que a das mulheres.

“A partir de 1856, os doentes em tratamento nos asilos foram classificados segundo as chances de cura que seu estado parecia oferecer. As cifras abaixo resumem os fatos constatados para a categoria dos loucos em tratamento a 1º de janeiro de cada ano:

Ano Presumidos curáveis Presumidos incuráveis Total

1856 4.404 18.198 22.602

1857 4.389 18.894 23.283

1858 4.266 19.585 24.851
1859 4.613 19.782 24.395

“Assim, mais de quatro quintos dos loucos mantidos em nossos asilos não oferecem nenhuma chance de cura. Esse triste resultado é consequência da incúria ou da ternura cega da maioria das famílias, que se separam o mais tarde possível de seus alienados, isto é, quando seu mal inveterado não deixa nenhuma esperança de cura.

“Sabe-se com que cuidado os médicos de nossos asilos de alienados, no momento da admissão de um doente, procuram determinar a causa de sua loucura, a fim de poder chegar a atacar o mal em seu princípio e então aplicar um remédio apropriado à sua natureza. Por mais escrupulosas, por mais conscienciosas que sejam essas investigações médicas, seus resultados, é preciso não esquecer, estão longe de equivaler a fatos suficientemente estabelecidos. Com efeito, eles não repousam senão em apreciações cuja exatidão pode ficar prejudicada em diversas circunstâncias. É, em primeiro lugar, a extrema dificuldade de descobrir entre as várias influências sofridas pela razão do doente, a causa decisiva, aquela da qual saiu a alienação. Mencionamos, em segundo lugar, a repugnância das famílias em fazer ao médico confidências completas. Talvez se tenha que levar em conta, igualmente, a tendência atual da maioria dos médicos em considerar as causas morais como inteiramente secundárias e acidentais, para, de preferência, atribuir o mal a causas puramente físicas.

“É com base nestas observações que vou abordar o exame dos quadros relativos às causas presumíveis da alienação dos 38.988 doentes admitidos de 1856 a 1860.

“A loucura se produz mais sob a influência de causas físicas do que causas morais? Eis os fatos colhidos sobre o assunto – abstraída a hereditariedade - para os loucos admitimos em cada um dos cinco anos do período de 1856 a 1860:

Ano Causas físicas Causas morais

1856 2.730 1.724
1857 3.213 2.171
1858 3.202 2.217
1859 3.277 1.986
1860 3.444 2.259 Totais 15.866 10.357

“Conforme estas cifras, em l.000 casos de loucura, 607 foram atribuídos a causas físicas e 393 a causas morais. A loucura produzir-se-ia, pois, mais frequentemente por influências físicas. Esta observação é comum a um e a outro sexo, com a diferença, entretanto, que para as mulheres o número de casos cuja origem foi atribuída a causas morais é relativamente mais elevado do que para os homens.

“Os 15.866 casos em que a loucura foi aparentemente provocada por uma causa física decompõemse da seguinte maneira:

Efeito da idade (demência senil)

2.098

Nudez e miséria

1.008

Onanismo e abusos venéreos

1.026

Excesso alcoólico

3.455

Vício congênito

474

Moléstias próprias da mulher

1.592

Epilepsia

l.498

Outras moléstias do sistema nervoso

1.136

Golpes, quedas, ferimentos, etc.

398

Doenças diversas

2.866

Outras causas físicas

l .164

Total

15.866[1]

“Quanto aos fenômenos de ordem moral, os que parecem produzir a loucura com mais frequência são: para começar, os pesares domésticos e a exaltação do sentimento religioso; a seguir vêm os reveses da fortuna e a ambição insatisfeita. Eis, além disso, a enumeração detalhada dos 10.357 casos de loucura assinalados como consequência imediata dos diversos incidentes da vida moral:

Excesso de trabalho intelectual 358

Pesares domésticos 2549

Pesares resultantes da perda da fortuna 851

Pesares resultantes da perda de ente querido 803

Pesares resultantes da ambição insatisfeita 520

Remorso 102

Cólera 123

Alegria 31

Pudor ferido 69

Amor 767

Ciúme 456

Orgulho 368

Acontecimentos políticos 123

Passagem súbita da vida ativa à inativa e vice-versa 82

Isolamento e solidão 115

Prisão simples 113

Prisão celular 26

Nostalgia 78

Sentimento religioso levado ao excesso 1.095

Outras causas morais 1.728

Total 10.357

“Em suma, abstração feita da hereditariedade, resulta das observações colhidas de doentes admitidos em nossos asilos de alienados, durante o período de 1856 a 1860 que, de todas as causas que concorrem para provocar a loucura, a mais comum é o alcoolismo. Vêm a seguir os pesares domésticos, a idade, as doenças de diversos órgãos, a epilepsia, a exaltação religiosa, o onanismo e as privações de toda espécie.

“O quadro seguinte dá o número de paralíticos, epilépticos, surdos-mudos, escrofulosos e escrofulosos da garganta entre os doentes admitidos pela primeira vez de 1856 a 1860:




Loucos

Idiotas-cretinos

Paralíticos

3.775

69

Epilépticos

1.763

347

Surdos-mudos

133

61

Escrofulosos

381

146

Escrofulosos da garganta (papeira)

123

32

“A loucura se complica com a paralisia muito mais na mulher. Entre os epilépticos, há igualmente mais homens do que mulheres, mas em proporção menor.

“Agora, se pesquisarmos distinguindo os sexos, em que proporções se produzem as curas, anualmente, em relação ao número de doentes tratados, os resultados são os seguintes:



[1] Observar que a soma não confere. Preferimos manter como no original, pois não sabemos se a diferença está nas parcelas ou no total. (N. Editora)


Anos Homens Mulheres Os dois sexos

1854 8,93% 8,65% 8,79%
1855 8,92% 8,81% 8,86%
1856 8,00% 7,69% 7,83%
1857 8,11% 7,45% 7,62%
1858 8,02% 6,74% 7,37%
1859 7,69% 6,71% 7,19%
1860 7,05% 6,95% 7,00%
“Vê-se que, se a loucura é curável, o número proporcional das curas é ainda muito restrito, malgrado os melhoramentos de toda natureza levados ao tratamento dos doentes e a adequação dos asilos. De 1856 a 1860, a proporção média das curas foi, para os loucos de ambos os sexos, em conjunto, de 8,24% dos doentes tratados. É apenas 1/12 (um doze avos). Essa proporção seria muito mais elevada se as famílias não praticassem o grave erro de não se separar de seus alienados senão quando a doença já fez progressos inquietantes.

“Um fato digno de nota é que o número proporcional de homens curados excede, anualmente, o das mulheres. Em 100 loucos tratados, de 1856 a 1860, contaram-se, em média, 8,69 curas para homens e apenas 7,81 para mulheres, ou seja, cerca de um nono a mais para os alienados do sexo masculino.

“Entre os 13.687 loucos que tiveram alta após a cura, de 1856 a 1860, há somente 9.789 para os quais foi possível determinar as influências diversas que tinham ocasionado sua afecção mental. Eis o resumo das indicações recolhidas sob esse ponto de vista:

Causas físicas 5.253 curados

Causas morais 4.536 curados

Total 9.789

“Representando por 1.000 esse número total, constata-se que em 536 doentes curados, a loucura tinha sobrevindo devido a causas físicas e em 464 devido a causas morais. Essas proporções numéricas diferem muito sensivelmente das precedentemente constatadas, no que concerne às admissões de 1856 a 1860, ocasião em que se contaram, em 1.000 admitidos, 393 doentes, apenas, cuja loucura tinha uma causa moral, de onde resulta que, nessa categoria de doentes, as curas obtidas teriam sido relativamente mais numerosas que entre aqueles cuja loucura teve uma causa física.

“Quase metade dos casos curados, para os quais a causa do mal foi colhida, eram devidos às seguintes circunstâncias: alcoolismo 1.738; pesares domésticos 1.171; moléstias diversas 761; moléstias próprias da mulher 723; exaltação dos sentimentos religiosos 460.

“Em 1.522 doentes curados, constatou-se uma predisposição hereditária. É uma proporção de 15% em relação à cifra dos loucos curados”

Desses documentos resulta, em primeiro lugar, que o aumento da loucura constatado desde 1835 é aproximadamente vinte anos anterior ao aparecimento do Espiritismo na França, onde não se ocuparam das mesas girantes mais como divertimento do que como coisa séria senão a partir de 1852, e da parte filosófica senão a partir de 1857. Em segundo lugar, esse aumento seguiu, ano a ano, uma marcha ascendente de 1835 a 1846; de 1847 a 1861 ela foi diminuindo de ano a ano, e a diminuição foi a mais forte de 1856 a 1861, precisamente no período em que o Espiritismo iniciava o seu desenvolvimento. Ora, também foi precisamente nessa época que foram publicadas brochuras e que os jornais se apressaram em repetir que as casas de alienados estavam cheias de loucos espíritas, a tal ponto que várias tinham sido obrigadas a aumentar as suas construções; que ali se contavam, ao todo, mais de quarenta mil. Como podia haver ali mais de 40.000, se o relatório constata um número máximo de 30.339? Em que fonte mais exata que a das autoridades aqueles senhores tomaram os seus dados? Eles provocavam um inquérito: eilo feito tão minuciosamente quanto possível, e se vê se ele lhes dá razão.

O que igualmente ressalta do relatório é o número de idiotas e de cretinos que entra com uma parte considerável no cômputo geral, e o aumento anual desse número, que não pode, evidentemente, ser atribuído ao Espiritismo.

Quanto às causas predominantes da loucura, elas foram, como se vê, minuciosamente estudadas, entretanto o Espiritismo aí não figura nem nominalmente nem por alusão. Teria ele passado desapercebido se, como pretendem alguns, ele sozinho tivesse povoado os hospícios?

Não pensamos que se atribua ao ministro o pensamento de ter querido poupar os espíritas abstendose de mencioná-los, se ele tinha lugar para fazê-lo. Em todo caso, certas cifras viriam refutar qualquer preponderância do Espiritismo no estado das coisas. Se fosse de outro modo, as causas morais superariam em número as causas físicas, ao passo que o contrário é o que se verifica. A quantidade de alienados considerados incuráveis não seria quatro e cinco vezes maior que a dos presumivelmente curáveis, e o relatório não diria que quatro quintos dos loucos mantidos nos asilos não oferecem qualquer chance de cura.

Enfim, em face do desenvolvimento que diariamente toma o Espiritismo, o ministro não diria que, em razão do retardamento que se produziu, é provável que o aumento inteiramente excepcional na população dos asilos em breve será detido.

Em resumo, esse relatório é a mais peremptória resposta que se pode dar aos que acusam o Espiritismo de ser a causa preponderante da loucura. Aqui não são hipóteses nem raciocínios, são números autênticos em contraposição a números fantasiosos; fatos materiais em contraposição a alegações mentirosas de seus detratores interessados em desacreditá-lo perante a opinião pública.






Morte de Joseph Méry

Um homem de talento, inteligência de escol, poeta e literato distinto, o Sr. Joseph Méry morreu em Paris a 17 de junho de 1866, com 67 anos e meio de idade. Embora não fosse adepto confesso do Espiritismo, pertencia à numerosa classe dos que podem ser chamados de espíritas inconscientes, isto é, nos quais as ideias fundamentais do Espiritismo existem no estado de intuição. Podemos, em vista disto, sem sair de nossa especialidade, consagrar algumas linhas que não serão inúteis à nossa instrução.

Seria supérfluo repetir aqui as informações que a maioria dos jornais publicaram, por ocasião de sua morte, sobre a sua vida e as suas obras. Reproduziremos apenas a seguinte passagem da notícia do Siècle (19 de junho), porque é uma justa homenagem prestada ao caráter do homem. Depois de ter enumerado os seus trabalhos literários, o autor do artigo o pinta assim: “Joseph Méry era pródigo na conversação; conversador brilhante, improvisador de estâncias e de finais rimados, semeava ditos engenhosos e paradoxos, com uma veia infatigável; e, particularidade que o honra, jamais privou alguém de um dito engenhoso, uma piada, e jamais deixou de ser benevolente para com todos. É um dos mais belos elogios que pode fazer a uma escritor.”

Dissemos que o Sr. Méry era espírita por intuição. Ele não só acreditava na alma e na sua sobrevivência, no mundo espiritual que nos rodeia, mas na pluralidade das existências, e essa crença nele era o resultado de lembranças. Ele estava persuadido de ter vivido em Roma sob Augusto, na Alemanha, nas Índias, etc. Certos detalhes estavam tão presentes em sua memória, que ele descrevia com exatidão lugares que jamais tinha visto. É a essa faculdade que o autor do artigo precitado faz alusão, quando diz: “Sua imaginação inesgotável criava as regiões que não tinha visto, adivinhava os costumes, descrevendo os habitantes com uma fidelidade tanto mais maravilhosa porque a possuía malgrado seu.

Citamos os fatos mais importantes que lhe concernem a respeito disso no número da Revista de novembro de 1864, reproduzindo, sob o título de Lembranças de existências passadas, o artigo biográfico publicado pelo Sr. Dangeau no Jornal literário de 25 de setembro de 1864, e que acompanhamos de algumas reflexões. Essa faculdade era perfeitamente conhecida de seus confrades em literatura. Que pensavam disso? Para alguns não passava de singular efeito da imaginação, mas como o Sr. Méry era um homem estimado, de caráter simples e reto, que sabiam incapaz de uma impostura, ─ a exatidão de certas descrições locais, aliás, tinha sido reconhecida ─ e não poderiam racionalmente taxá-lo de louco, muitos diziam que aí podia haver algo de verdadeiro. Assim, esses fatos foram lembrados num dos discursos pronunciados em seu enterro. Ora, se tivessem-nos considerado como aberrações de seu espírito, teriam passado em silêncio. É, pois, em presença de um imenso concurso de ouvintes da elite da literatura e da imprensa, numa circunstância grave e solene, uma das que mais respeito impõem, que foi dito que o Sr. Méry se lembrava de ter vivido em outras épocas e o provava por fatos. Isto não pode deixar de dar espaço para reflexão, tanto mais quanto fora do Espiritismo, muitas pessoas adotam a ideia da pluralidade das existências como sendo a mais racional. Os fatos dessa natureza, no que diz respeito ao Sr. Méry, sendo uma das particularidades mais notáveis de sua vida, e tendo tido repercussão por ocasião de sua morte, não poderão senão acreditá-lo.

Ora, quais são as consequências dessa crença, abstração feita do Espiritismo? Se admitirmos que já vivemos uma vez, podemos e devemos mesmo ter vivido várias vezes, e podemos reviver depois desta existência. Se revivemos várias vezes, não pode ser com o mesmo corpo, portanto, há em nós um princípio inteligente independente da matéria, que conserva sua individualidade. É, como se vê, a negação das doutrinas materialistas e panteístas. Considerando-se que esse princípio, essa alma, revivendo na Terra, pode conservar a intuição de seu passado, ela não pode perder-se no infinito após a morte, como se crê vulgarmente; deve, no intervalo de suas existências corporais, ficar no meio em que vivem os homens; devendo retomar novas existências nesta mesma Humanidade, não deve perdê-la de vista; deve seguir as suas peripécias. Eis reconhecido, portanto, o mundo espiritual que nos cerca, em meio ao qual vivemos. Nesse mundo naturalmente se acham os nossos parentes e amigos que devem continuar a interessar-se por nós, como nós nos interessamos por eles, e que não estão perdidos para nós, pois existem e podem estar perto de nós. Eis o que chegam forçosamente a crer e as consequências a que não podem deixar de chegar aqueles que admitem o princípio da pluralidade das existências, e eis no que acreditava Méry. Que faz a mais o Espiritismo? Ele chama esses mesmos seres invisíveis de Espíritos, e diz que, estando em nosso meio, eles podem manifestar sua presença e comunicar-se com os encarnados. Quando o resto foi admitido, isto é tão desarrazoado?

Como vemos, a distância que separa o Espiritismo da crença íntima de uma porção de pessoas é muito pequena. O fato das manifestações não passa de um acessório e de uma confirmação prática do princípio fundamental admitido em teoria. Por que, então, alguns dos que admitem a base repelem o que deve servir de prova? Pela ideia falsa que disto fazem. Mas aqueles que se dão ao trabalho de estudá-lo e nele aprofundar-se, logo reconhecem que estão mais próximos do Espiritismo do que o julgavam, e que a maioria deles são espíritas sem o saber: só lhes falta o nome. Eis por que se veem tantas ideias espíritas emitidas a cada passo pelos mesmos que impugnam o vocábulo e por que essas mesmas ideias são tão facilmente aceitas por certas pessoas. Quando se trata apenas de uma questão de palavras, está-se muito próximo de entendimento.

Tocando em tudo, o Espiritismo entra no mundo por uma infinidade de portas. Uns a ele são trazidos pelo fato das manifestações; outros, pela desgraça que os fere e contra a qual acham nesta crença a única verdadeira consolação; outros pela ideia filosófica e religiosa; outros, enfim, pelo princípio da pluralidade das existências. Méry, contribuindo para dar credibilidade a esse princípio num certo meio, talvez faça mais pela propagação do Espiritismo do que se fosse abertamente espírita confesso.

É precisamente no momento em que esta grande lei da Humanidade vem afirmar-se por fatos e pelo testemunho de um homem honrado, que a Corte de Roma, por seu lado, acaba de desautorizá-la, pondo no índex a Pluralidade das existências da alma, por Pezzani (Jornal le Monde de 22 de junho de 1866). Essa medida inevitavelmente terá como efeito chamar a atenção sobre a questão e provocar o seu exame. A pluralidade das existências não é uma simples opinião filosófica; é uma lei da Natureza que nenhum anátema pode impedir de existir, e com a qual, mais cedo ou mais tarde, a Teologia terá que se pôr de acordo. É um certo excesso apressar-se em condenar, em nome da Divindade, uma lei que, como todas as que regem o mundo, é uma obra da Divindade. Tememos muito que em breve aconteça com essa condenação o que aconteceu com as que foram lançadas contra o movimento da Terra e os períodos de sua formação.

A comunicação seguinte foi obtida na Sociedade de Paris, a 22 de junho de 1866, pelo médium Sr. Desliens.

Pergunta. ─ Sr. Méry, não tínhamos o privilégio de conhecer-vos senão pela reputação, mas os vossos talentos e a merecida estima de que éreis cercado nos levam a esperar encontrar, nas conversas que teremos convosco, uma instrução que teremos a felicidade de aproveitar, todas as vezes que quiserdes vir entre nós.

As perguntas que hoje desejaríamos dirigir-vos, se a proximidade de vossa morte vos permitir responder, são estas:

1.º ─ Como se realizou vossa passagem desta para outra vida, e quais as vossas impressões ao entrar no mundo espiritual?

2.º ─ Em vida conhecíeis o Espiritismo? O que pensáveis dele?

3.º ─ O que dizem de vossas lembranças de vidas passadas é exato? Que influência essas lembranças exerceram sobre vossa vida terrena e os vossos escritos?

Julgamos supérfluo perguntar se sois feliz em vossa nova posição. A bondade do vosso caráter e vossa honorabilidade nos permitem esperar isto.

Resposta. ─ Senhores, estou extremamente tocado pelo testemunho de simpatia que acabais de me dar, que está contido nas palavras do vosso honrado presidente. Sinto-me feliz de atender ao vosso chamado, porque minha situação atual me afirma a realidade de um ensinamento cuja intuição eu trazia ao nascer, e também porque pensais no que resta de Méry, o romancista, e no futuro de minha parte viva e íntima, em minha alma, enfim, ao passo que meus numerosos amigos pensavam, sobretudo, ao me deixar, na personalidade que os abandonava. Eles me lançavam seu último adeus desejando que a terra me fosse leve! Que resta de Méry para eles?... Um pouco de poeira e obras sobre cujo mérito não sou chamado a pronunciar-me... De minha vida nova, nenhuma palavra!

Lembraram das minhas teorias como uma das singularidades de meu caráter; a imposição de minhas convicções como um efeito magnético, um encanto que desapareceria com a minha ausência; mas do Méry que sobreviveu ao corpo, desse ser inteligente que hoje tem consciência de sua vida de ontem e que pensa em sua vida de amanhã, que disseram?... Nada!... Eles nem mesmo pensaram... O romancista tão alegre, tão triste, por vezes tão divertido, partiu; deram-lhe uma lágrima, uma lembrança! Daqui a oito dias nele não pensarão mais, e as peripécias da guerra farão esquecer a volta do pobre exilado à sua pátria.

Insensatos! Há muito tempo eles diziam: “Méry está doente; ele está enfraquecendo; ele está envelhecendo.” Como se enganavam! ... Eu ia para a juventude, crede; o menino que chora ao entrar na vida é que avança para a velhice; o homem maduro que morre reencontra a juventude eterna no alémtúmulo!

A morte foi para mim de uma doçura inefável! Meu pobre corpo, afligido pela doença, teve algumas convulsões finais e nada mais, mas o meu Espírito saía pouco a pouco de seus cueiros e planava, ainda prisioneiro, já aspirando ao infinito!.. Fui libertado sem perturbação, sem abalos; não tive surpresas, porque o túmulo não mais tinha véu para mim. Eu atingia uma margem conhecida; sabia que amigos devotados me esperavam nessa praia, pois não era a primeira vez que eu fazia essa viagem.

Como eu dizia aos meus ouvintes admirados, conheci a Roma dos Césares; comandei como conquistador subalterno nessa Gália que habitava recentemente como cidadão; ajudei a conquistar a vossa pátria, a subjugar vossos bravos antepassados, depois parti para retemperar minhas forças na fonte da vida intelectual para escolher novas provas e novos meios de progresso. Vi as margens do Ganges e dos rios da China; assimilei civilizações tão diferentes da vossa e contudo tão grandes, tão avançadas em seu gênero. Vivi na zona tórrida e nos climas temperados, sempre filósofo e sonhador...

Esta última existência foi para mim como um resumo de todas as precedentes. Adquiri há muito tempo; ainda ontem gastava os tesouros acumulados numa série de existências, de observações e de estudos.

Sim, eu era espírita de coração e de espírito, senão de raciocínio. A preexistência para mim era um fato, a reencarnação uma lei, o Espiritismo uma verdade. Quanto às questões de detalhe, confesso de boafé não haver ligado grande importância. Acreditava na sobrevivência da alma, na pluralidade de suas existências, mas nunca tentei investigar se ela podia, após ter deixado o corpo mortal, livre, manter relações com os que ainda estão ligados à cadeia. Ah! Victor Hugo disse com acerto: “A Terra não é senão a galé do Céu!...” Por vezes quebramos suas cadeias, mas para retomá-la. Certamente não saímos daqui senão deixando aos guardas o cuidado de, chegado o momento, desatar os laços que nos prendem à provação.

Estou feliz, muito feliz, porque tenho consciência de ter vivido bem!

Perdoai-me, senhores, é ainda Méry, o sonhador, quem vos fala, e permiti que eu volte a uma reunião onde me sinto à vontade. Deve haver o que aprender convosco e, se me quiserdes receber no número de vossos ouvintes invisíveis, é com felicidade que ficarei entre vós escutando, instruindo-me e falando, se se oferecer ocasião.

J. MÉRY


Questões e problemas - Identidade dos Espíritos nas comunicações particulares

Por que os Espíritos evocados por um sentimento de afeição muitas vezes se recusam a dar provas incontestáveis de sua identidade?

Compreende-se todo o valor ligado às provas de identidade da parte dos Espíritos que nos são caros. Tal sentimento é muito natural e parece que pelo fato dos Espíritos poderem manifestar-se deve ser-lhes muito fácil atestar a sua personalidade. A falta de provas materiais é, para certas pessoas, sobretudo para as que não conhecem o mecanismo da mediunidade, isto é, a lei das relações entre os Espíritos e os homens, uma causa de dúvida e de penosa incerteza. Embora tenhamos tratado várias vezes desta questão, vamos examiná-la novamente, para responder a algumas perguntas que nos são dirigidas.

Nada temos a acrescentar ao que foi dito sobre a identidade dos Espíritos que vêm unicamente para a nossa instrução, e que deixaram a Terra há algum tempo. Sabemos que ela não pode ser atestada de maneira absoluta e que devemo-nos limitar ao julgamento do valor da linguagem.

A identidade não pode ser constatada com certeza senão para os Espíritos que partiram recentemente, cujo caráter e hábitos se refletem em suas palavras. Nestes, a identidade se revela por mil particularidades. Algumas vezes a prova ressalta de fatos materiais, característicos, mas o mais das vezes de nuanças da própria linguagem e de uma porção de pequenos nadas que, por serem pouco evidentes, não são menos significativos.

Muitas vezes as comunicações deste gênero encerram mais provas do que se pensa, e que descobrimos com mais atenção e menos prevenção. Infelizmente, na maior parte do tempo, as pessoas não se contentam com o que o Espírito quer ou pode dar; querem provas à sua maneira; pedem-lhe para dizer ou fazer isto ou aquilo; que lembre um nome ou um fato, e isso num momento dado, sem pensar nos obstáculos que por vezes a isto se opõem, e paralisam a sua boa vontade. Depois, obtido o que desejam, muitas vezes querem mais. Acham que ainda não é bastante concludente; após um fato, pedem outro e mais outro. Numa palavra, nunca têm bastante para se convencer. É então que, muitas vezes, fatigado por tal insistência, o Espírito cessa completamente de se manifestar, esperando que a convicção chegue por outros meios. Mas muitas vezes também sua abstenção lhe é imposta por uma vontade superior, como punição ao solicitante muito exigente, e também como prova para a sua fé, porque, se por algumas decepções e não obtenção do que quer e pela maneira pela qual o quer, ele viesse a abandonar os Espíritos, esses por sua vez o abandonariam, deixando-o mergulhado nas angústias e nas torturas da dúvida, feliz quando o seu abandono não tem consequências mais graves.

Mas, numa porção de casos, as provas materiais de identidade são independentes da vontade do Espírito e do desejo que ele tem de as dar. Isto se deve à natureza ou ao estado do instrumento pelo qual ele se comunica. Há na faculdade mediúnica uma infinita variedade de nuanças que tornam o médium apto ou impróprio à obtenção de tais ou quais efeitos que, à primeira vista, parecem idênticos, mas que dependem de influências fluídicas diferentes. O médium é como um instrumento de muitas cordas, e não pode emitir som pelas cordas que lhe faltam.

Eis um exemplo notável:

Conhecemos um médium que pode ser posto entre os de primeira ordem, tanto pela natureza das instruções que recebe quanto pela aptidão para se comunicar com quase todos os Espíritos, sem distinção. Inúmeras vezes, em evocações particulares, obteve irrefutáveis provas de identidade, pela reprodução da linguagem e do caráter de pessoas que jamais tinha conhecido. Há algum tempo, fez para uma pessoa que acabava de perder subitamente vários filhos, a evocação de um destes últimos, uma menina. A comunicação refletia perfeitamente o caráter da menina e era tanto mais satisfatória porque respondia a uma dúvida do pai acerca de sua posição como Espírito. Contudo, só havia provas de certo modo morais. O pai achava que um outro filho teria podido dizer o mesmo; queria algo que só a filha pudesse dizer; admirava-se, sobretudo de que o chamasse de pai, em vez do apelido familiar que lhe dava, e que não era um nome francês, partindo da ideia de que se ela dizia uma palavra, podia dizer-lhe outra. Tendo o pai perguntado a razão, eis a resposta que, a respeito, deu o guia do médium:

“Embora inteiramente desprendida, vossa filhinha não estaria em condições de vos fazer compreender por que ela não pode fazer com que o médium repita os termos por vós conhecidos que ela lhe transmite. Ela obedece a uma lei em se comunicando, mas não a compreende suficientemente para explicar o seu mecanismo. A mediunidade é uma faculdade cujas nuanças variam ao infinito e os médiuns que de ordinário tratam de assuntos filosóficos só obtém raramente, e sempre espontaneamente, essas particularidades que fazem reconhecer a personalidade do Espírito de maneira evidente. Quando os médiuns desse gênero pedem uma prova de identidade, no desejo de satisfazer o evocador, as fibras cerebrais tensas por seu desejo já não são bastante maleáveis para que o Espírito as faça mover-se à sua vontade. Daí se segue que as palavras características não podem ser reproduzidas. O pensamento fica, mas a forma não mais existe. Não há, pois, nada de estranhável que vossa filha vos tenha chamado de pai em vez de vos dar a qualificação familiar que esperáveis. Por um médium especial obtereis resultados que vos satisfarão. E só ter um pouco de paciência.”

Depois de alguns dias, achando-se esse senhor no grupo de um dos nossos sócios, obteve de outro médium, pela tiptologia, e em presença do primeiro, não só o nome que desejava, sem que tivesse pedido especialmente, mas outros fatos de notável precisão. Assim, a faculdade do primeiro médium, por mais desenvolvida e flexível que fosse, não se prestava a esse gênero de produção mediúnica. Ele podia reproduzir as palavras que são a tradução do pensamento transmitido, e não termos que exigem um trabalho especial. Por isso, o conjunto da comunicação refletia o caráter e a disposição das ideias do Espírito, mas sem sinais materiais característicos. Um médium não é um mecanismo próprio para todos os efeitos. Assim como não se encontram duas pessoas inteiramente semelhantes no físico e no moral, não há dois médiuns cuja faculdade seja absolutamente idêntica.

É de notar que as provas de identidade quase sempre vêm espontaneamente, no momento em que menos se pensa, ao passo que são dadas raramente quando pedidas. Capricho da parte do Espírito? Não; há uma causa material, que é a seguinte.

As disposições fluídicas que estabelecem as relações entre o Espírito e o médium oferecem nuanças de extrema delicadeza, inapreciáveis por nossos sentidos e que variam de um momento a outro no mesmo médium. Muitas vezes um efeito que não é possível num desejado momento, sê-lo-á uma hora, um dia ou uma semana mais tarde, porque as disposições ou a energia das correntes fluídicas terão mudado. Dá-se aqui como se dá na fotografia, onde uma simples variação na intensidade ou na direção da luz basta para favorecer ou impedir a reprodução da imagem. Um poeta faz versos à vontade? Não. É-lhe necessária a inspiração; se não estiver em condições favoráveis, por mais que cave o cérebro, nada obtém. Perguntailhe por quê. Nas evocações, o Espírito deixado à vontade aproveita disposições que encontra no médium, aproveita o momento propício. Mas, quando essas disposições não existem, ele não pode mais que o fotógrafo com a ausência de luz. A despeito de seu desejo, portanto, ele não pode sempre satisfazer instantaneamente a um pedido de provas de identidade. Eis por que é preferível esperá-las do que solicitálas.

Além disto, é preciso considerar que as relações fluídicas que devem existir entre o Espírito e o médium jamais se estabelecem completamente desde a primeira vez, pois a assimilação só se faz com o tempo e gradualmente. Disso resulta que, inicialmente, o Espírito sempre experimenta uma dificuldade que influi na clareza, na precisão e no desenvolvimento das comunicações, ao passo que, quando o Espírito e o médium estão habituados um ao outro, quando seus fluidos estão identificados, as comunicações se dão naturalmente, porque não há mais resistências a vencer.

Vê-se por aí quantas considerações há que levar em conta no exame das comunicações. É por não fazê-lo e por não conhecer as leis que regem essas espécies de fenômenos que muitas vezes se pede o que é impossível. É absolutamente como se alguém que não conhecesse as leis da eletricidade se admirasse que o telégrafo pudesse experimentar variações e interrupções e concluísse que a eletricidade não existe.

O fato da constatação da identidade de certos Espíritos é um acessório no vasto conjunto dos resultados que o Espiritismo abarca. Se essa constatação fosse impossível, ela nada prejulgaria contra as manifestações em geral, nem contra as consequências morais daí decorrentes. Seria preciso lamentar os que se privassem das consolações que ela proporciona, por não terem obtido uma satisfação pessoal, pois isto seria sacrificar o todo à parte.


QUALIFICAÇÃO DE SANTO APLICADA A CERTOS ESPÍRITOS

Num grupo de província, tendo-se apresentado um Espírito sob o nome de “São José, santo, três vezes santo”, deu lugar a que se fizesse a seguinte pergunta:

Um Espírito, mesmo canonizado em vida, pode dar-se a qualificação de santo, sem faltar à humildade, que é um dos apanágios da verdadeira santidade e, invocando-o, concorda que lhe dêem esse título? O Espírito que o toma deve, por esse fato, ser tido por suspeito?

Um outro Espírito respondeu:

“Deveis rejeitá-lo imediatamente, pois tanto valeria um grande capitão se vos apresentando exibindo pomposamente seus numerosos feitos de armas, antes de declinar o seu nome, ou um poeta que começasse gabando os seus talentos. Veríeis nessas palavras um orgulho deslocado. Assim deve ser com homens que tiveram algumas virtudes na Terra e que foram julgados dignos de canonização, Se eles se vos apresentam com humildade, crede neles; se vierem se fazendo preceder da santidade, agradecei e nada perdereis. O encarnado não é santo porque foi canonizado: só Deus é santo, porque só Ele possui todas as perfeições. Vede os Espíritos superiores, que conheces pela sublimidade de seus ensinamentos: não ousam dizer-se santos; qualificam-se simplesmente de Espíritos de verdade.”



Esta resposta requer algumas retificações. A canonização não implica a santidade, no sentido absoluto, mas simplesmente um certo grau de perfeição. Para alguns a qualificação de santo tornou-se uma espécie de título banal, fazendo parte integrante do nome, para distinguir de seus homônimos, ou se lhes dá por hábito. Santo Agostinho, São Luís, São Tomás, podem, pois, antepor o vocábulo santo à sua assinatura, sem que o façam por um sentimento de orgulho, que estaria tanto mais deslocado em Espíritos superiores que, melhor que outros, nenhum caso fazem das distinções conferidas pelos homens. Seria o mesmo com os títulos nobiliárquicos ou as patentes militares. Seguramente o que foi duque, príncipe ou general na Terra não o é mais no mundo dos Espíritos e, entretanto, assinando, poderão tomar essas qualificações, sem que isto tenha conseqüência para o seu caráter. Alguns assinam: aquele que, em vida na Terra foi o duque de tal. O sentimento do Espírito se revela pelo conjunto de suas comunicações e por sinais inequívocos em sua linguagem; é assim que a gente não se pode enganar quanto aquele que começa por se dizer: “São José, santo, três vezes santo.” Só isto basta para revelar um Espírito impostor, enfeitando-se com o nome de São José. Assim, pôde ver que, graças ao conhecimento dos princípios da doutrina, sua malandragem não encontrou crédulos no círculo onde quis introduzir-se.



O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne a qualificação de santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode gabar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como um nome próprio. Está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. É preciso manter-se em guarda contra os que indevidamente se enfeitam com esse título. São fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem.


Vista retrospectiva das existências do Espírito

Num grupo de província, tendo-se apresentado um Espírito sob o nome de “São José, santo, três vezes santo”, deu lugar a que se fizesse a seguinte pergunta:

Um Espírito, mesmo canonizado em vida, pode dar-se a qualificação de santo, sem faltar à humildade, que é um dos apanágios da verdadeira santidade e, invocando-o, concorda que lhe deem esse título? O Espírito que o toma deve, por esse fato, ser tido por suspeito? Um outro Espírito respondeu:

“Deveis rejeitá-lo imediatamente, pois tanto valeria um grande capitão se vos apresentando exibindo pomposamente seus numerosos feitos de armas, antes de declinar o seu nome, ou um poeta que começasse gabando os seus talentos. Veríeis nessas palavras um orgulho deslocado. Assim deve ser com homens que tiveram algumas virtudes na Terra e que foram julgados dignos de canonização. Se eles se vos apresentam com humildade, crede neles; se vierem se fazendo preceder da santidade, agradecei, e nada perdereis. O encarnado não é santo porque foi canonizado: só Deus é santo, porque só ele possui todas as perfeições. Vede os Espíritos superiores, que conheceis pela sublimidade de seus ensinamentos. Eles não ousam dizer-se santos; qualificam-se simplesmente de Espíritos de verdade.”

Esta resposta requer algumas retificações. A canonização não implica a santidade no sentido absoluto, mas simplesmente um certo grau de perfeição. Para alguns, a qualificação de santo tornou-se uma espécie de título banal, fazendo parte integrante do nome, para distingui-los de seus homônimos, ou se lhes dá por hábito. Santo Agostinho, São Luís, Santo Tomás podem, pois, antepor o vocábulo santo à sua assinatura, sem que o façam por um sentimento de orgulho, que estaria muito mais deslocado em Espíritos superiores porque, melhor que outros, nenhum caso fazem das distinções conferidas pelos homens. Seria o mesmo com os títulos nobiliárquicos ou com as patentes militares. Seguramente o que foi duque, príncipe ou general na Terra não o é mais no mundo dos Espíritos. Entretanto, ao assinarem, eles poderão tomar essas qualificações, sem que isto tenha consequência para o seu caráter. Alguns assinam: Aquele que em vida na Terra foi o duque de tal. O sentimento do Espírito se revela pelo conjunto de suas comunicações e por sinais inequívocos em sua linguagem. É assim que não nos podemos enganar quanto àquele que começa por se dizer “São José, santo, três vezes santo.” Só isto basta para revelar um Espírito impostor, enfeitando-se com o nome de São José. Assim, ele pôde ver que, graças ao conhecimento dos princípios da doutrina, sua malandragem não encontrou crédulos no círculo onde quis introduzir-se.

O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne à qualificação de santo, e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode gabar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como um nome próprio. Ela está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. É preciso manter-se em guarda contra os que indevidamente se enfeitam com esse título. Eles são fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem.

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VISÃO RETROSPECTIVA DAS EXISTÊNCIAS DO ESPÍRITO

A propósito do Dr. Cailleux.

Um dos nossos correspondentes de Lyon nos escreve o seguinte:

“Fiquei surpreso que o Espírito do Dr. Cailleux tenha sido posto em estado magnético para ver desenrolar-se à sua frente o quadro de suas existências passadas (Revista de junho de 1866). Isto parece indicar que o Espírito em questão não as conhecia, porque, em O Livro dos Espíritos, eu leio que ‘Depois da morte, a alma vê e abarca de um golpe de vista suas emigrações passadas’ (Item 243). Esse fato não parece implicar uma contradição?”

Não há aí nenhuma contradição, pois, ao contrário, o fato vem confirmar a possibilidade, para o Espírito, de conhecer suas existências passadas. O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; ele apenas apresenta as bases e os pontos fundamentais que se devem desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação. Ele diz, em princípio, que após a morte a alma vê as suas migrações passadas, mas não diz quando nem como isto se dá. Eis os detalhes de aplicação, que são subordinados às circunstâncias. Sabe-se que nos Espíritos atrasados a visão é limitada ao presente, ou pouco mais, como na Terra. Ela se desenvolve com a inteligência e à medida que eles adquirem consciência de sua situação. Ademais, não deveríamos acreditar que, mesmo em se tratando de Espíritos adiantados, como o Sr. Cailleux, por exemplo, tão logo eles tenham adentrado o mundo espiritual, todas as coisas lhes apareçam subitamente, como uma mudança de decoração ao vivo, nem que tenham constantemente sob os olhos o panorama do tempo e do espaço. Quanto às suas existências anteriores, eles as veem como uma lembrança, como vemos, pelo pensamento, o que éramos e fazíamos nos anos anteriores: as cenas de nossa infância, as posições sociais que ocupamos. Essa lembrança é mais ou menos precisa ou confusa, às vezes nula, segundo a natureza do Espírito, e conforme a Providência julgue conveniente apagá-la ou reavivá-la, como recompensa, punição ou instrução. É um grande erro crer que as aptidões, as faculdades e as percepções sejam iguais em todos os Espíritos. Como na encarnação, eles têm percepções morais e aquelas que podemos chamar de materiais, que variam conforme os indivíduos.

Se o Dr. Cailleux tivesse dito que os Espíritos não podem ter conhecimento de suas existências passadas, aí estaria a contradição, pois isto seria a negação de um princípio admitido. Longe disto, ele afirma o fato; apenas as coisas nele aconteceram de maneira diferente do que nos outros, sem dúvida por motivos de utilidade para ele, e para nós é um motivo de ensinamento, pois isso nos mostra um dos lados do mundo espiritual. O Sr. Cailleux estava morto há pouco tempo; suas existências passadas podiam, pois, não se retratarem ainda claramente em sua memória. Notemos, além disso, que aqui não era uma simples lembrança; era a própria visão das individualidades que ele tinha animado; a imagem de suas antigas formas perispirituais que se lhe apresentavam. Ora, o estado magnético no qual ele se encontrou provavelmente era necessário à produção do fenômeno.

O Livro dos Espíritos foi escrito na origem do Espiritismo, em uma época em que se estava longe de ter feito todos os estudos práticos que foram feitos depois. As observações ulteriores vieram desenvolver e completar os princípios cujo germe ele havia lançado, e é mesmo digno de nota que até hoje elas apenas os confirmaram, sem jamais contradizê-los nos pontos fundamentais.


Poesia espírita — A prece pelos Espíritos

Estou realmente tocado ao te ver, caro filho,

Às minhas ordens submisso, orando a invocar-me,

Censurar, corajoso, a lógica enganadora

E os vãos argumentos de uma seita orgulhosa,

Que pretende que o Espírito cumpre um dever Vindo à tua voz, muito feliz ao poder,

Submisso à lei, fugir e deixar mais depressa

O repouso aborrecido do mundo que habita,

Para voar enfim, às barrancas sem limite,

Que entristecem mais a sombra e o lamento dos mortos.

Aí estão grandes palavras e pomposas frases.

Mas se vêm desvendar as belezas maravilhosas

Dos mundos desconhecidos abrir os horizontes Dos tempos e ensinar-te, em compridas lições,

O princípio e o fim de tua alma imortal,

A grandeza de Deus e seu poder eterno, Sua justiça infinita e seu sublime amor,

Nobre conversador, sê franco: Dirás que em paga,

Se ele te pedir, um dia, uma prece bem curta,

Será muito exigente, quando por vezes na Terra,

Para obter ou pagar um pequeno favor,

És visto suplicante, enterrar o pudor

E mendigar bastante, como um pobre mendigo, Suspirando, o pão que a vida alimenta?

Oh! crê-me, caro filho! desgraça! três vezes! Àquele que sempre, esquecendo sua dor

E as lágrimas de sangue deste mundo invisível,

Escutando nossa voz ainda fica insensível, E não vem de joelhos Orar a Deus por nós.

CASIMIR DELAVIGNE

ALLAN KARDEC

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