Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866

Allan Kardec

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Dezembro

O trabalhador Thomas Martin e Luís XVIII

As revelações feitas a Luís XVIII por um trabalhador da Beauce, pouco depois da segunda entrada dos Bourbons, tiveram na época uma grande repercussão, e ainda hoje a sua lembrança não se apagou. Mas poucas pessoas conhecem os detalhes desse incidente, do qual só o Espiritismo pode agora dar a chave, como de todos os fatos deste gênero. É um assunto de estudo, tanto mais interessante quanto os fatos, quase contemporâneos, são de perfeita autenticidade, tendo em vista que eles são constatados por documentos oficiais. Vamos fazer deles um sucinto resumo, mas suficiente para que sejam apreciados.

Thomas-Ignace Martin era um pequeno trabalhador do burgo de Gallardon, situado a quatro léguas de Chartres. Nascido em 1783, ele tinha, consequentemente, trinta e três anos quando se deram os acontecimentos que vamos relatar. Morreu a 8 de maio de 1834. Era casado, pai de quatro filhos em tenra idade e gozava em sua comuna da reputação de um homem perfeitamente honesto. Os relatórios oficiais o pintam como um homem de bom-senso, embora de grande ingenuidade, por força de sua ignorância das coisas mais vulgares; de caráter brando e pacífico, não se metia em nenhuma intriga; de uma retidão perfeita em todas as coisas e de completo desinteresse, de que deu numerosas provas, o que exclui toda ideia de ambição de sua parte.

Assim, quando voltou à sua aldeia após a visita ao rei, retomou as suas ocupações habituais como se nada tivesse havido, evitando mesmo falar do que lhe tinha acontecido. Ao partir para Paris, o diretor do hospício de Charenton teve um trabalho imenso para fazê-lo aceitar 25 francos para as despesas de viagem. No ano seguinte, estando sua mulher grávida de um quinto filho, uma pessoa distinta por sua posição e que sabia de seus parcos recursos, mandou propor, por um terceiro, 150 francos para cobrir as necessidades nessa circunstância. Martin recusou, dizendo: “Não pode ser que por causa destas coisas que me acontecem sempre me ofereçam dinheiro, porque sem isto não falariam de mim, nem mesmo me conheceriam. Mas como a coisa não vem de mim, nada devo receber por isto. Assim, agradecei a essa pessoa porque, embora eu não seja rico, nada quero receber.” Em outras circunstâncias recusou somas mais consideráveis que o teriam deixado em situação confortável.

Martin era simples, mas não era nem crédulo nem supersticioso; praticava seus deveres religiosos escrupulosamente, mas sem exagero ou ostentação e sempre no justo limite do necessário, visitando o seu cura no máximo uma vez por ano. Não havia nele, consequentemente, nem hipocrisia nem superexcitação religiosa. Nada em seus hábitos e em seu caráter era de natureza a exaltar-lhe a imaginação. Ele tinha visto com prazer a volta dos Bourbons, mas sem se ocupar de política de modo algum e sem entrar em qualquer partido. Dedicado inteiramente ao trabalho do campo desde a infância, não lia livros nem jornais.

Compreende-se facilmente a importância destas informações sobre o caráter de Martin no caso de que se trata. Desde que um homem não é movido nem pelo interesse, nem pela ambição, nem pelo fanatismo, nem pela credulidade supersticiosa, ele adquire sérios direitos à confiança. Ora, eis como, sumariamente, se passaram os acontecimentos que lhe advieram.

A 15 de janeiro de 1816, pelas duas e meia da tarde, ele estava ocupado em apagar uma queimada num campo a três quartos de légua de Gallardon, num recanto muito deserto, quando de repente se lhe apresentou um homem de cerca de cinco pés e uma ou duas polegadas, corpo delgado, rosto afilado, delicado e muito branco, vestindo uma levita ou casaco dourado, totalmente abotoado e caindo até os pés, com sapatos amarrados com cordões e com um chapéu redondo de copa alta. Esse homem disse a Martin:

“É preciso que va encontrar o rei e lhe dizer que sua pessoa está em perigo, bem como a dos príncipes; que gente má ainda tenta derrubar o governo; que vários escritos ou cartas já circularam em algumas províncias de seus Estados a esse respeito; que é preciso que ele faça uma apuração criteriosa e geral em todos esses Estados e, sobretudo, na capital; que também é preciso que ele reabilite o dia do Senhor, a fim de que o santifiquem; que esse dia santo é desconhecido por grande parte de seu povo; é preciso que ele faça cessar os trabalhos públicos nesses dias; que faça ordenar preces públicas pela conversão do povo; que o estimule à penitência; que sejam abolidas e aniquiladas todas as desordens que se cometem nos dias que precedem a santa quaresma; sem todas estas coisas a França cairá em novas desgraças.”

Um pouco surpreendido pela aparição súbita, Martin lhe respondeu:

─ Mas bem podeis ir encontrar outros que não eu, para uma missão como esta. Imagine que eu iria falar com rei com mãos assim (sujas de excrementos)!

─ Não, replicou o desconhecido, é você que irá.

─ Mas, replicou Martin, se sabeis tanto, bem podeis ir vós mesmo procurar o rei e lhe dizer tudo isto. Por que vos dirigis a um homem pobre como eu, que nem sabe explicar-se?

─ Não serei eu quem irá, disse-lhe o desconhecido, é você; preste atenção ao que digo e você fará tudo o que ordeno.

Depois destas palavras, Martin o viu desaparecer mais ou menos assim: Seus pés pareceram elevarse do solo, a cabeça baixar e o corpo, se apequenando, acabou por desaparecer à altura da cintura, como se tivesse evaporado no ar. Mais espantado por esta maneira de desaparecer do que pela aparição súbita, Martin quis ir embora, mas não pôde; ele ficou, malgrado seu, e voltou à sua tarefa, que devia durar duas horas e meia mas não durou senão uma hora e meia, o que dobrou o seu espanto.

Talvez achem pueris certas recomendações que Martin deveria fazer ao rei, sobretudo quanto à guarda do domingo, tendo em vista o meio aparentemente sobrenatural empregado para transmiti-las e as dificuldades que esse cometimento deveria encontrar. Mas é provável que não fosse senão uma espécie de passaporte para chegar a ele, porque o objetivo principal da revelação, que era de altíssima gravidade, não deveria ser conhecido, como se verá mais tarde, senão no momento da entrevista. O essencial era que Martin pudesse chegar ao rei, e para isto a intervenção de alguns membros do alto clero era necessária. Ora, sabe-se da importância que o clero liga à guarda do domingo; como o soberano não se daria conta quando a voz do Céu ia fazer-se ouvir por um milagre? Convinha, pois, incentivar Martin, em vez de desencorajá-lo. Contudo, era preciso que as coisas marchassem por si mesmas.

Martin apressou-se em contar ao seu irmão o que lhe havia acontecido e ambos foram comunicá-lo ao cura da paróquia, o Sr. Laperruque, que se esforçou por dissuadir Martin e a atribuir a coisa à conta de sua imaginação.

No dia 18, às seis horas da tarde, tendo Martin descido ao porão para apanhar umas batatas, o mesmo indivíduo lhe apareceu de pé, ao seu lado, enquanto ele estava ajoelhado, ocupado em apanhá-las. Apavorado, ele largou ali mesmo a vela e fugiu. No dia 18, nova aparição à entrada de um lagar, e Martin fugiu novamente.

No domingo, 21 de janeiro, Martin entrava na igreja à hora das vésperas; quando tomava água benta, percebeu o desconhecido, que também a tomava e que o seguiu até a entrada de seu banco. Durante toda a duração do ofício ele esteve muito recolhido e Martin notou que ele não tinha o chapéu na cabeça nem nas mãos. Ao sair da igreja ele o seguiu até a sua casa, caminhando ao seu lado, com o chapéu na cabeça. Quando chegaram no portão, o homem de repente postou-se diante dele, face a face, e lhe disse:

─ Cumpra a sua missão e faça o que eu lhe disse; você não ficará tranquilo enquanto a sua missão não for cumprida.

Depois de pronunciar essas palavras, desapareceu, sem que nem dessa vez nem nas aparições seguintes Martin o tivesse visto extinguir-se gradualmente, como da primeira vez. A 24 de janeiro, nova aparição no celeiro, seguida destas palavras:

─ Faça o que eu mando; já é tempo.

Notemos estes dois modos de desaparecimento: o primeiro, que não poderia ser o caso de um ser corporal em carne e osso, sem dúvida tinha por objetivo provar que era um ser fluídico, estranho à humanidade material, circunstância que deveria ser ratificada 50 anos depois e explicada pelo Espiritismo, cujas doutrinas confirmava, ao mesmo tempo que devia fornecer um assunto de estudo.

Sabe-se que nestes últimos tempos a incredulidade procurou explicar as aparições por efeitos ópticos e que, quando apareceram no teatro fenômenos artificiais deste gênero, produzidos por uma combinação de espelhos e de luzes, houve um clamor geral na imprensa, para dizer: “Eis que descobrimos, enfim, o segredo de todas as aparições! É com o auxílio de semelhantes meios que essa crença absurda se espalhou em todos os tempos e que todas as pessoas crédulas foram vítimas de subterfúgios!”

Nós refutamos, como deveríamos, (Revista, julho de 1863), essa estranha explicação, digna rival do famoso músculo que range, do Dr. Jobert de Lamballe, que acusava todos os espíritas de loucos, e que ele próprio, ah! enlanguesceu durante vários anos num hospício de alienados. Mas perguntaremos, no presente caso, por que e como os aparelhos dessa natureza, necessariamente complicados e volumosos, poderiam ter sido dispostos e manobrados num campo isolado de qualquer habitação, e onde Martin se achava absolutamente só, sem que ele de nada se tivesse apercebido? Como esses mesmos aparelhos, que funcionam no escuro, com o auxílio de luzes artificiais, poderiam ter produzido uma imagem em pleno sol? Como poderiam ter sido instantaneamente transportados para o porão, para o celeiro, lugares geralmente pouco equipados para a produção de tais efeitos, para uma igreja, e da igreja seguir Martin até a sua casa, sem que ninguém notasse? Estas espécies de imagens artificiais são vistas por todos os espectadores. Como é que dentro da igreja e ao sair da igreja somente Martin viu o indivíduo? Dirão que ele nada viu, mas que, de boa-fé, foi vítima de uma alucinação? Essa explicação é desmentida pelo fato material das revelações feitas ao rei e que, como se verá, não podiam ser do conhecimento prévio de Martin. Há nisso um resultado positivo, material, que não é do campo das ilusões.

O cura de Gallardon, a quem Martin relatava fielmente as aparições, e que as anotava com exatidão, julgou que deveria determinar que ele fosse ver o seu bispo, em Versalhes, para o qual lhe deu uma carta de recomendação circunstanciada. Uma vez lá, Martin repetiu tudo quanto havia visto, e depois de diversas perguntas, o bispo o encarregou de perguntar ao desconhecido, de sua parte, se ele aparecesse novamente, o seu nome, quem era ele e por quem era enviado, recomendando-lhe que tudo dissesse ao seu cura.

Alguns dias depois da volta de Martin, o senhor cura recebeu uma carta de seu bispo, pela qual lhe testemunhava que o homem que ele lhe tinha mandado parecia ter muita lucidez acerca do importante objetivo em questão. A partir desse momento estabeleceu-se uma correspondência contínua entre o bispo e o cura de Gallardon. O Monsenhor, por seu lado, dada a gravidade da primeira aparição, achou que deveria fazer dela um caso ministerial e de polícia; em consequência, enviava cada relatório que recebia do senhor cura ao Sr. Descazes, ministro da polícia geral.

Na terça-feira 30 de janeiro, o desconhecido apareceu de novo a Martin e lhe disse:

─ Sua missão foi bem iniciada, mas os que a têm em suas mãos dela não se ocupam; eu estava presente, embora invisível, quando você fez a sua declaração; foi-lhe dito para perguntar meu nome e da parte de quem eu vinha; meu nome ficará desconhecido, e aquele que me enviou (mostrando o céu) está acima de mim.

─ Como vos dirigis sempre a mim, para uma missão como esta, eu que sou apenas um campônio? Há tanta gente de espírito!

─ É para abater o orgulho, disse o desconhecido, mostrando a terra; de sua parte, você não deve orgulhar-se do que viu e ouviu, porque o orgulho desagrada soberanamente a Deus; pratique a virtude; assista aos ofícios que se fazem em sua paróquia aos domingos e nos feriados; evite os cabarés e as más companhias, onde se comete toda sorte de impurezas e onde há toda sorte de más conversas. Não faça nenhum carreto aos domingos e dias de festa.

Durante o mês de fevereiro, o desconhecido apareceu várias vezes a Martin e lhe disse, entre outras coisas:

─ Persista, ó meu amigo, e conseguirá. Você aparecerá diante da incredulidade e a confundirá. Tenho mais uma coisa a lhe dizer que os convencerá e eles nada terão a responder. Apresse a sua missão; eles não fazem nada do que lhe tenho dito; aqueles que têm o caso em suas mãos estão embriagados de orgulho; a França está em estado de delírio; ela será entregue a toda sorte de desgraças. Você irá encontrar o rei e dir-lhe-á o que eu anunciei; ele poderá admitir consigo seu irmão e seus sobrinhos. Quando você estiver diante do rei, eu revelarei coisas secretas do tempo de seu exílio, mas cujo conhecimento só lhe será dado no momento em que você for levado à sua presença.

Neste meio tempo o Sr. Conde de Breteuil, Prefeito de Chartres, recebeu uma carta do ministro da polícia geral, que o convidava a verificar “se essas aparições dadas como miraculosas não passavam de imaginação de Martin, uma verdadeira ilusão de seu espírito exaltado, ou enfim se o pretenso enviado desconhecido, e talvez o próprio Martin, não deveriam ser severamente examinados pela polícia e em seguida entregues ao tribunais”.

No dia 5 de março Martin recebeu a visita de seu desconhecido, que lhe disse:

─ Em breve você vai aparecer perante o primeiro magistrado de seu departamento; é preciso que você relate as coisas como lhe são anunciadas; é preciso não considerar nem a qualidade nem a dignidade.

Martin não havia sido informado que devia ir ao prefeito; não há aqui, pois, uma simples comunicação sobre uma coisa vaga, é a previsão de um fato que vai acontecer. Isto é constantemente repetido na sequência desses acontecimentos; Martin sempre foi informado por seu desconhecido do que iria acontecer, das pessoas em cuja presença ele iria se encontrar, dos lugares aonde ele seria conduzido. Ora, isto não é resultado da ilusão e de ideias quiméricas. Se o indivíduo diz a Martin que no dia seguinte ele verá tal pessoa, ou será conduzido a tal lugar, e a coisa se realiza, é um fato positivo que não pode provir da imaginação.

No dia seguinte, 6 de março, acompanhado pelo Sr. Cura, Martin foi ver o prefeito, em Chartres. A princípio este conversou longamente em particular com o cura; depois mandou entrar Martin e lhe perguntou:

─ Mas se eu o algemasse e o metesse na prisão por anunciar semelhantes coisas, você continuaria a dizer o que diz?

Martin respondeu sem se intimidar:

─ Como quiserdes; não posso dizer senão a verdade.

─ Mas, prosseguiu o Sr. Prefeito, se você aparecesse ante uma autoridade superior à minha, perante o ministro, por exemplo, sustentaria o que me acaba de dizer?

─ Sim, senhor, replicou Martin, e diante do próprio rei.

O prefeito, surpreso por tanta segurança a par de tanta simplicidade, e mais ainda pelos estranhos relatos que lhe havia feito o cura, decidiu enviar Martin ao ministro.

No dia seguinte, 7 de março, Martin partia para Paris escoltado pelo Sr. André, tenente de polícia, que tinha ordem de vigiar todos os seus passos e de não deixá-lo nem de dia nem de noite. Hospedaramse na Rua Montmartre, hotel de Calais, num quarto de dois leitos.

Na sexta-feira, 5 de março, o Sr. André conduziu Martin ao quartel da polícia geral. Entrando no pátio, o desconhecido lhe apareceu e disse:

─ Você vai ser interrogado de várias maneiras; não tema, nem se inquiete, mas diga as coisas como elas são.

Depois destas palavras, desapareceu.

Não relataremos aqui todos os interrogatórios a que submeteram Martin o ministro e os seus secretários, sem que ele se deixasse intimidar pelas ameaças, nem desconcertar pelas armadilhas que lhe armaram para fazê-lo cair em contradição consigo mesmo, vencendo seus interrogadores por suas respostas cheias de senso e de sangue-frio. Tendo Martin descrito seu desconhecido, o ministro lhe disse:

─ Ora! Você não o verá mais, porque acabo de prendê-lo.

─ Eh! Como pudestes prendê-lo, redarguiu Martin, pois ele desaparece como um relâmpago?

─ Se desaparece para você, não desaparece para todo o mundo.

E dirigindo-se a um de seus secretários:

─ Ide ver se o homem que mandei prender ainda lá está.

Alguns instantes depois o secretário voltou e respondeu:

─ Senhor, ele continua lá.

─ Bem! disse Martin, se o prendestes e me mostrardes, eu certamente o reconhecerei. Eu o vi muitas vezes para poder reconhecê-lo.

A seguir veio um homem que examinou minuciosamente a cabeça de Martin, afastando os cabelos para a esquerda e para a direita. O próprio ministro também a examinou, sem dúvida para ver se tinha qualquer sinal indicador de loucura, ao que Martin se contentava em dizer:

─ Olhai quanto quiserdes. Eu jamais adoeci em minha vida! Quando chegou ao hotel, à noite, Martin disse ao Sr. André:

─ Mas o ministro me tinha dito que havia posto na prisão o homem que me aparecia. Então ele o soltou, pois me apareceu depois e me disse:

─ Você foi interrogado hoje, mas não querem fazer o que eu disse. Aquele que você viu de manhã quis fazer você acreditar que me havia prendido. Pode dizer-lhe que ele não tem nenhum poder sobre mim e que já é tempo para o rei ser avisado.

No mesmo instante o Sr. André foi fazer o seu relato à polícia, enquanto Martin, sem inquietude, deitou-se e dormiu pacificamente.

No dia seguinte, 9, tendo Martin descido para pedir as botas do tenente, o desconhecido se apresentou no meio da escada e lhe disse:

─ Você vai ser visitado por um médico que deseja verificar se você tem a imaginação descompensada e se perdeu a razão, mas os que o enviam são mais loucos que você.

Com efeito, no mesmo dia o célebre alienista Sr. Pinel veio visitá-lo e submeteu-o a um interrogatório adequado a esse gênero de informações. “A despeito de sua habilidade”, diz o relatório, “ele não pôde conseguir nenhuma indicação, por menor que fosse, de provável alienação. Suas pesquisas não conduziram senão a uma simples conjectura de possibilidade de alucinação e de mania intermitente”.

Parece que para certas pessoas nada mais é preciso para ser taxado de loucura, além de não pensar como eles. Eis por que os que creem em alguma coisa do outro mundo passam por loucos aos olhos dos que em nada creem.

Depois da visita do Dr. Pinel, o desconhecido apresentou-se a Martin e lhe disse:

─ É preciso que você vá falar com o rei. Quando estiver em sua presença eu lhe inspirarei o que terá que lhe dizer. Eu me sirvo de você para abater o orgulho e a incredulidade. Eles estão tentando descartar o problema, mas se você não realizar a sua tarefa ela será descoberta por outros caminhos.

A 10 de março, estando Martin só em seu quarto, o desconhecido lhe apareceu e disse:

─ Eu lhe havia dito que meu nome ficaria ignorado, mas considerando-se que a incredulidade é tão grande, é preciso que lhe revele o meu nome. Eu sou o anjo Rafael, anjo muito célebre junto a Deus. Eu tenho o poder de ferir a França com toda a sorte de flagelos.

A estas palavras, Martin foi tomado de pavor e experimentou uma espécie de crispação.

Um outro dia, tendo o Sr. André saído com Martin, encontrou um oficial seu amigo, com o qual conversou durante uma hora em inglês, que naturalmente Martin não entendia. No dia seguinte, o desconhecido, que ele agora chama o anjo, lhe disse:

─ Os que ontem estavam com você falaram a seu respeito, mas você não entendia sua linguagem. Eles disseram que você vinha para falar com o rei, e um deles pediu que quando voltasse à sua terra o outro lhe desse notícias, para ele saber como a coisa se teria passado.

O Sr. André, a quem Martin dava conta de toda a conversa com o desconhecido, ficou muito surpreendido por ver que o que tinha dito em inglês, para não ser por ele entendido, estava descoberto.

Embora o relatório do Dr. Pinel não concluísse pela loucura, mas apenas por uma possibilidade de alucinação, Martin não deixou de ser levado ao hospício de Charenton, onde ficou de 13 de março a 2 de abril. Lá foi objeto de minuciosa vigilância e submetido ao estudo especial dos especialistas. Igualmente fizeram inquéritos em sua terra, quanto aos seus antecedentes e aos de sua família, sem que, malgrado todas as investigações, tivessem constatado a menor aparência ou causa predeterminante de loucura. A bem da verdade, é preciso dizer que ele ali foi constantemente tratado com muito carinho da parte do Sr. Royer-Collard, diretor chefe da casa, e por outros médicos, e que não o submeteram a nenhum desses tratamentos em uso nesse tipo de estabelecimentos. Se ali foi colocado, era muito menos por medida de sequestro do que para ter mais facilidade de observar o seu real estado de espírito.

Durante sua estada em Charenton, ele recebeu visitas muito frequentes de seu desconhecido, as quais não apresentaram nenhuma particularidade notável, a não ser esta em que lhe disse:

─ Haverá discussões: uns dirão que é imaginação, outros que é um anjo de luz, e outros que é um anjo das trevas. Eu permito que você me toque.

Então, contou Martin, ele me apertou a mão direita; depois abriu o casaco pela frente e, quando este estava aberto, pareceu-me mais brilhante que os raios do sol e não pude encará-lo; fui obrigado a pôr a mão em frente aos olhos. Quando ele fechou o casaco, nada mais vi brilhando; ele me pareceu como antes. Esse abrir e fechar se operaram sem nenhum movimento de sua parte.

Outra vez, quando escrevia ao seu irmão, ele viu a seu lado o desconhecido, que lhe ditou uma parte da carta, lembrando as predições que havia feito sobre as desgraças de que a França estava ameaçada. Eis, pois, Martin ao mesmo tempo médium vidente e escrevente.

Por mais cuidado que tivessem tido para que não houvesse vazamento do caso, ele não deixou de produzir uma certa sensação nas altas camadas oficiais. Entretanto, é provável que não tivesse atingido o objetivo se o arcebispo de Reims, grande esmoler da França, depois arcebispo de Paris e cardeal de Périgord, por ele não se tivesse interessado. Ele falou com Luís XVIII e lhe propôs receber Martin. O rei lhe declarou que nada tinha ouvido ainda, tanto é certo que muitas vezes os soberanos são os últimos a saber o que se passa em seu redor e que mais lhes interessa. Em consequência, ordenou que Martin lhe fosse apresentado.

A 2 de abril Martin foi conduzido de Charenton à casa do ministro da polícia geral. Enquanto esperava o momento de ser recebido, seu desconhecido lhe apareceu e disse:

─ Você vai falar com rei e ficará sozinho com ele; não tenha nenhum receio de aparecer diante do rei; para o que terá que lhe dizer, as palavras lhe virão à boca.

Foi a última vez que o viu. O ministro lhe fez uma acolhida muito benevolente e disse que ia mandar levá-lo às Tulherias.

Geralmente acredita-se que Martin veio por conta própria a Paris, apresentou-se no castelo, insistindo para falar com o rei; que tendo sido repelido, voltou à carga com tanta persistência que Luís XVIII, tendo sido informado, mandou que entrasse. Como vimos, as coisas passaram de outro modo. Só em 1828, quatro anos após a morte do rei, ele deu a conhecer as particularidades secretas que lhe foram reveladas e lhe causaram profunda impressão, pois tal era o objetivo essencial dessa visita, sendo que os outros motivos alegados, como dissemos, não passaram de um meio de chegar a ele. Seu desconhecido lhe deixou ignorar essas coisas até o último momento, com receio de que uma indiscrição arrancada por artifício dos interrogatórios levasse o projeto ao fracasso, o que inevitavelmente teria ocorrido.

Depois de sua visita ao rei, Martin foi dizer seu adeus ao diretor de Charenton e partiu imediatamente para a sua terra, onde retomou o curso habitual de seus trabalhos, sem jamais atribuir-se mérito pelo que lhe havia acontecido.

O objetivo a que nos propúnhamos neste relato era demonstrar os pontos pelos quais ele se liga ao Espiritismo. Sendo as particularidades relatadas a Luís XVIII estranhas ao nosso assunto, abster-nosemos de relatá-las. Diremos apenas que elas se referiam a coisas de família da maior intimidade; comoveram o rei a ponto de fazê-lo chorar muito, e ele declarou mais tarde que as coisas que lhe tinham sido reveladas só eram conhecidas por Deus e por ele. Elas tiveram por consequência fazer renunciar à sagração cujos preparativos já haviam sido ordenados[1].

Não relataremos nesta entrevista senão algumas passagens da ata de 1828, ditada pelo próprio Martin, e onde se revela o caráter e a simplicidade do homem.

“Chegamos às Tulherias pelas três horas, sem que ninguém houvesse dito qualquer coisa. Chegamos até o primeiro criado de Luís XVIII, a quem entregamos a carta e que, depois de a ter lido, me disse: ‘Sigam-me.’ Paramos alguns momentos, porque o Sr. Decazes estava com o rei. Quando o ministro saiu eu entrei, e antes que dissesse uma palavra, o rei disse ao criado que se retirasse e fechasse as portas.

“O rei estava sentado à sua mesa, diante da porta; havia penas, papel e livros. Saudei o rei dizendo: “─ Senhor, eu vos saúdo.

“O rei me disse:

“─ Bom dia, Martin.

“E eu disse para mim mesmo: Ela sabe o meu nome.

“─ Vós sabeis, Senhor, certamente, por que eu venho.

“─ Sim, sei que você tem qualquer coisa a me dizer e disseram-me que era algo que só podeis dizer a mim. Sente-se.

“Então eu me sentei numa poltrona em frente ao rei de modo que havia a mesa entre nós. Então lhe perguntei como passava. O rei me disse:

“─ Passo um pouco melhor do que nos últimos dias; e você, como vai? “─ Eu estou bem.

“─ Qual o assunto de sua viagem?

“E eu lhe disse:

“─ Podeis mandar chamar, se quiserdes, vosso irmão e seus filhos.

“O rei me interrompeu, dizendo:

“─ É inútil, eu lhes direi o que você tiver que me dizer.

“Depois disto, eu contei ao rei todas as aparições que eu tinha tido e que estão no relato.

“─ Eu sei de tudo isto; o arcebispo de Reims me disse tudo, mas parece que você tem algo a me dizer em particular e em segredo.

“Então senti virem à minha boca as palavras que o anjo me havia prometido, e disse ao rei:

“─ O segredo que tenho a vos dizer é que... (Seguem detalhes que, como as instruções dadas na continuação da conversa, sobre certas medidas a tomar e a maneira de governar, não podiam senão ser inspiradas no momento, pois estão fora do alcance do grau de cultura de Martin).

“Foi a esse relato que o rei, tocado de espanto e profundamente comovido, disse:

“─ Ó meu Deus! Ó meu Deus! Isto é muito verdadeiro; só Deus, você e eu sabemos disto; prometame guardar o maior segredo sobre todas estas comunicações.

“E eu lhe prometi, e depois lhe disse:

“─ Evitai fazer-vos sagrar, porque se o tentásseis, seríeis ferido de morte na cerimônia da sagração. “Desse momento até o fim da conversa o rei chorava sem parar.

“Quando eu terminei, ele me disse que o anjo que me havia aparecido era o que conduzia o jovem Tobias a Rages e que o fez casar. Depois perguntou qual de minhas mãos o anjo havia apertado.

“─ Esta, respondi, mostrando a direita. O rei ma tomou, dizendo:

“─ Que eu toque a mão que o anjo apertou. Ore sempre por mim.

“─ Certamente, Senhor; eu e minha família, assim como o Sr. cura de Gallardon, temos sempre orado para que as coisas saíssem bem.

“Saudei o rei, dizendo-lhe:

“─ Eu vos auguro boa saúde. Disseram-me que uma vez cumprida minha missão junto ao rei, eu vos pedisse permissão para voltar à minha família, e me foi anunciado que não me recusaríeis e que não me aconteceria nenhum transtorno, nem nenhum mal.

“─ Nada mais lhe acontecerá. Dei ordens para que o mandassem de volta. O ministro vai lhe dar jantar e leito e papéis para você voltar amanhã.

“─ Mas eu ficaria contente se voltasse a Charenton para lhes dizer adeus e apanhar uma camisa que deixei lá.

“─ Não lhe é incômodo ficar em Charenton? Esteve bem lá?

“─ Incômodo nenhum, e certamente se lá não tivesse estado bem, não pediria para lá voltar.

“─ Então, já que é seu desejo lá voltar, o ministro o fará conduzir em meu nome.

“Voltei a encontrar o meu condutor, que me esperava, e fomos juntos à casa do ministro.

“Feito em Gallardon, a 9 de março de 1828.

“Assinado: THOMAS MARTIN”

A conversa de Martin com o rei durou pelo menos 55 minutos.

Se depois de sua visita ao rei, Martin não mais viu o seu desconhecido, as manifestações não deixaram de continuar sob outra forma. De médium vidente, ele tornou-se auditivo. Eis alguns fragmentos de cartas que ele escrevia ao antigo cura de Gallardon:

28 de janeiro de 1821

“Senhor cura, escrevo para vos dar conhecimento de uma coisa que me aconteceu. Terça-feira última, 23 de janeiro, quando arava no campo, ouvi uma voz que me chamou, sem ter visto ninguém, e disse-me: ‘Filho de Japhet! Para e presta atenção às palavras que te são dirigidas.’ No mesmo instante os meus cavalos pararam, sem que nada eu tivesse dito, porque estava muito surpreso. Eis o que me disse: ‘Nesta grande região uma árvore está plantada e, na mesma camada, está plantada uma outra que é inferior à primeira; a segunda árvore tem dois galhos, dos quais um feneceu e logo depois secou por causa de um vento furioso, e esse vento não cessou de soprar. No lugar desse galho surgiu outro, novo, tenro, que o substituiu; mas esse vento, que é sempre agitado, elevar-se-á um dia com tais abalos que... e depois dessa catástrofe espantosa, os povos estarão na última desolação. Ora, meu filho, para que esses dias sejam abreviados; invoca o Céu para que o vento fatal que sairá do noroeste seja barrado por barreiras poderosas, e que seus progressos nada tenham de danosos. Estas coisas são obscuras para ti, mas outros as compreenderão facilmente.’

“Eis, senhor, o que me aconteceu na terça-feira, cerca de uma hora da tarde. Não compreendo nada disto. Vós me direis se compreendeis alguma coisa. A ninguém falei de tudo isto, nem mesmo à minha mulher, porque o mundo é mau. Estava decidido a guardar tudo isto em silêncio, mas me decidi a vos escrever hoje, porque esta noite não pude dormir, e tenho tido sempre essas palavras na memória. Peçovos guardá-las em segredo, porque o mundo zombaria delas. Senhor, trataram-me de filho de Japhet. Não conheço ninguém em nossa família com este nome. Talvez ele se tenha enganado; talvez me tivesse tomado por outro.”

8 de fevereiro de 1821

“Eu vos tinha proibido de falar do que vos contei. Estava errado, porque isto não pode ficar oculto. Necessariamente é preciso que isto passe diante dos grandes e dos primeiros do Estado, para que se veja o perigo de que estão ameaçados, pois o vento de que vos falei dentro em pouco vai fazer terríveis desastres, porque esse vento sopra sempre em torno da árvore. Se não prestarem atenção a isto, dentro em pouco ela será arrancada. No mesmo momento, outra árvore, com o que dela sai experimentará a mesma sorte. Ontem a mesma voz me veio falar, e nada vi.”

21 de fevereiro de 1821

“Senhor, esta manhã tive um grande pavor. Eram nove horas. Ouvi um grande ruído junto a mim e nada vi, mas ouvi falar, depois de cessado o ruído, e disseram-me: ‘Por que tivestes medo? Não temais; não venho fazer mal algum. Estais surpreso por ouvir e nada ver; não vos admireis; é preciso que as coisas sejam descobertas. Eu me sirvo de vós para vos enviar, como sou enviado. Os filósofos, os incrédulos, os ímpios não creem que suas manobras sejam vistas, mas é preciso que sejam confundidos... Ficai tranquilo, continuai a ser o que tendes sido; vossos dias estão contados e não vos escapará um só. Eu vos proíbo de vos prosternardes diante de mim, porque sou apenas um servo como vós.’

“Senhor, eis o que me foi dito. Não sei qual a pessoa que me fala; ele tem a voz bastante forte e muito clara. Pensei em falar, mas não ousei, porque não vejo ninguém.”

Resta saber qual é a individualidade do Espírito que se manifestou. Era realmente o anjo Rafael? É mesmo permitido duvidar e haveria muito a dizer contra tal opinião. Mas, em nossa opinião, esta é uma questão muito secundária. O fato capital é o da manifestação, da qual não se poderia duvidar e da qual todos os incidentes têm sua razão de ser pelo resultado proposto e hoje têm o seu lado instrutivo.

Um fato que sem dúvida não terá escapado a ninguém é esta palavra de Martin, a respeito de uma soma que lhe ofereceram: “Como a coisa não vem de mim, nada devo receber por isto.” Eis, pois, um simples camponês, médium inconsciente que, há cinquenta anos, época na qual se estava longe de pensar no Espiritismo, tem, por si mesmo, a intuição dos deveres impostos pela mediunidade, da santidade deste mandato. Seu bom-senso, sua lealdade natural lhe fazem compreender que o que vem de uma fonte celeste e não de si, não deve ser pago.

Talvez se admirem das dificuldades que encontrou Martin para desempenhar a missão de que estava encarregado. Perguntarão por que os Espíritos não o fizeram chegar diretamente ao rei? Essas dificuldades, essa lentidão, como dissemos, tiveram sua utilidade. Era preciso que ele passasse por Charenton, onde sua razão foi submetida às investigações mais rigorosas da ciência oficial e pouco crédula, para que fosse constatado que não era louco nem exaltado. Como se viu, os Espíritos triunfaram dos obstáculos preparados pelos homens; mas como os homens têm o seu livre-arbítrio, eles não podiam impedi-los de pôr entraves.

Notemos, a propósito, que Martin, por assim dizer, não fez, por si mesmo, nenhum esforço para chegar ao rei. As circunstâncias a isso o conduziram quase que malgrado seu, e sem que ele tivesse necessidade de insistir muito. Ora, essas circunstâncias evidentemente foram conduzidas pelos Espíritos, agindo sobre o pensamento dos encarnados, porque a missão de Martin era séria e devia realizar-se.

Dá-se o mesmo em todos os casos análogos. Além da questão de prudência, é evidente que, sem as dificuldades que existem de chegar até eles, os soberanos seriam assaltados por pretensos reveladores. Nestes últimos tempos, quantas pessoas se julgaram chamadas a semelhantes missões, que não eram senão o resultado de obsessões, em que o seu orgulho era posto em jogo, malgrado seu, e não podiam chegar senão a mistificações! A todos os que julgaram dever consultar-nos em semelhantes casos, sempre dissemos, demonstrando-lhes os sinais evidentes pelos quais se traem os Espíritos mentirosos: “Guardaivos de qualquer manobra que infalivelmente vos levaria à confusão. Ficai certos de que se vossa missão for real, sereis postos em condições de realizá-la; que se tiverdes de vos encontrar, num dado momento, num certo lugar, aí sereis conduzido, malgrado vosso, por circunstâncias que terão a aparência de um efeito do acaso. Além disto, tende a certeza que quando uma coisa está nos desígnios de Deus, é forçoso que ela se realize, e que ele não subordina a sua realização à boa ou má vontade dos homens. Desconfiai das missões anunciadas e pregadas por antecipação, porque não passam de engodos para o orgulho; as missões se revelam por fatos. Desconfiai também das predições com dia e hora certa, porque elas jamais procedem de Espíritos sérios.” Temos sido bastante felizes ao deter mais de uma, nas quais os acontecimentos puderam provar a prudência destes conselhos.

Como se vê, há mais de uma similitude entre estes fatos e os de Joana d’Arc, não que haja qualquer comparação a estabelecer quanto à importância dos resultados obtidos, mas quanto à causa do fenômeno, que é exatamente a mesma e, até um certo ponto, quanto ao objetivo. Como Joana d’Arc, Martin foi advertido por um ser do mundo espiritual para ir falar ao rei para salvar a França de um perigo e, também como ela, não foi sem dificuldade que chegou até ele. Contudo, há entre as duas manifestações a diferença que Joana d’Arc apenas ouvia a voz que a aconselhava, ao passo que Martin via constantemente o indivíduo que lhe falava, não em sonho ou em sonho extático, mas sob a aparência de um ser vivo, como seria um agênere.

Mas, de outro ponto de vista, os fatos acontecidos a Martin, embora menos retumbantes, não tiveram menor alcance como prova da existência do mundo espiritual e de suas relações com o mundo corporal e porque, sendo contemporâneos e de incontestável notoriedade, não podem ser postos no rol das histórias lendárias. Por sua repercussão, eles serviriam de balizas ao Espiritismo que devia, poucos anos depois, confirmar a sua possibilidade por uma explicação racional e pela lei em virtude da qual se produzem, e fazê-los passar do domínio do maravilhoso para o dos fenômenos naturais. Graças ao Espiritismo, não há uma só das fases que as revelações de Martin apresentaram das quais não possamos dar conta perfeitamente.

Martin era um médium inconsciente, dotado de uma aptidão de que se serviram os Espíritos, como de um instrumento, para chegar a um resultado determinado, e esse resultado estava longe de estar inteiro na revelação feita a Luís XVIII. O Espírito que se manifestou a Martin o caracteriza perfeitamente, dizendo: “Eu me sirvo de você para abater o orgulho e a incredulidade.” Esta missão é a de todos os médiuns destinados a provar, por fatos de todos os gêneros, a existência do mundo espiritual e de uma força superior à Humanidade, porque tal é o objetivo providencial das manifestações. Acrescentaremos que o próprio rei foi um instrumento nesta circunstância. Era preciso uma posição tão elevada quanto a sua, a própria dificuldade de a ele chegar, para que o caso tivesse repercussão e à autoridade de uma coisa oficial. As minuciosas investigações a que Martin foi submetido só podiam aumentar a autenticidade dos fatos, porque não tomariam todas estas precauções para um simples particular; a coisa teria passado quase despercebida, ao passo que ainda hoje dela nos recordamos e ela fornece uma prova autêntica em apoio aos fenômenos espíritas.



[1] Os detalhes circunstanciados e as provas em apoio se acham numa obra intitulada: O passado e o futuro explicados pelos acontecimentos extraordinários ocorridos a Thomas Martin trabalhador de Beauce. ─ Paris, 1832, BRICON livreiro, Rua du Vieux-Colombier, 19; Marselha, mesma casa, Rua du Saint-Sépulcre, 17. Esta obra está esgotada e é hoje muito rara.



O príncipe de Hohenlohe, médium curador

A mediunidade curadora está na ordem do dia, e tudo quanto se liga a esta questão oferece um interesse de atualidade. Transcrevemos da Vérité de Lyon, de 21 de outubro de 1866, o artigo seguinte sobre as curas do Príncipe Hohenlohe, que nessa oportunidade fizeram grande sensação. Esta notícia faz parte de uma série de artigos muito instrutivos sobre médiuns curadores.

A este respeito sentimo-nos feliz por constatar que a Vérité, que está em seu quarto ano, prossegue com sucesso o curso de suas sábias e interessantes publicações, que lançam luz sobre a história do Espiritismo e no-lo mostram em toda parte, na Antiguidade como nos tempos modernos. Se, sobre certos pontos, não compartilhamos todas as opiniões de seu principal redator, o Sr. A. P..., não deixamos de reconhecer que, por suas laboriosas pesquisas, ele presta à causa um serviço real, que todos os espíritas sérios apreciam.

Com efeito, provar que a Doutrina Espírita atual não é senão a síntese de crenças universalmente espalhadas, partilhadas por homens cuja palavra tem autoridade e que foram nossos primeiros mestres em filosofia, é mostrar que ela não se assenta sobre a base frágil da opinião de um só. Que desejam os espíritas senão encontrar o maior número possível de aderentes às suas crenças? Deve ser para eles uma satisfação, e ao mesmo tempo que uma consagração de suas ideias, encontrá-las mesmo antes deles. Jamais compreendemos que homens de bom-senso tenham podido concluir contra o Espiritismo moderno que ele não é o primeiro inventor dos princípios que proclama, ao passo que aí está precisamente o que constitui uma parte de sua força e deve credenciá-lo. Negar a sua ancianidade para o denegrir, é mostrarse soberanamente ilógico e muito desajeitado, porquanto ele jamais se atribuiu o mérito da primeira descoberta. É, pois, equivocar-se fragorosamente sobre os sentimentos que animam os espíritas, atribuirlhes ideias tão estreitas e a tola pretensão de pensar em molestá-los objetando-lhes que o que professam era conhecido antes deles, quando eles são os primeiros a encarar o passado para aí descobrir os traços da ancianidade de suas crenças, que eles fazem remontar às primeiras idades do mundo, porque elas são fundadas nas leis da Natureza, que são eternas.

Nenhuma grande verdade saiu em todas os detalhes do cérebro de um indivíduo. Todas, sem exceção, tiveram precursores que as pressentiram ou as entreviram em algumas partes. O Espiritismo tem a honra, pois, de contar os seus por milhares, e entre os homens mais justamente considerados. Pô-los à luz é mostrar o número infinito de pontos pelos quais ele se liga à história da Humanidade.

Mas em parte alguma encontra-se o Espiritismo completo: sua coordenação em corpo de doutrina, com todas as suas consequências e suas aplicações, sua correlação com as ciências positivas, é uma obra essencialmente moderna, mas por toda parte encontram-se os seus elementos esparsos, misturados a crenças supersticiosas de que foi preciso fazer a triagem. Se reunissem as ideias que se acham disseminadas na maioria dos filósofos antigos e modernos, nos escritores sacros e profanos, os fatos inumeráveis e infinitamente variados produzidos em todas as épocas, e que atestam as relações do mundo visível com o mundo invisível, chegar-se-ia a constituir o Espiritismo tal qual é hoje: é o argumento invocado contra ele por certos detratores. Foi assim que ele procedeu? Ele é uma compilação de ideias antigas rejuvenescidas pela forma? Não, ele saiu inteirinho de observações recentes, mas longe de se julgar diminuído pelo que foi dito e observado antes dele, sente-se fortalecido e engrandecido.

Uma história do Espiritismo antes da época atual ainda está por fazer. Um trabalho dessa natureza, feito conscienciosamente, escrito com precisão, clareza, sem alongamentos supérfluos e fastidiosos que tornariam a leitura penosa, seria uma obra eminentemente útil, um documento precioso a consultar. Seria antes uma obra de paciência e de erudição do que uma obra literária, e que consistiria principalmente na citação das passagens dos diversos escritores que emitiram pensamentos, doutrinas ou teorias que se acham no Espiritismo de hoje. Quem fizer tal trabalho conscientemente terá muito merecido da doutrina.

Voltemos ao nosso assunto, do qual nos desviamos um pouco, sem o querer, mas talvez não sem utilidade.

O Espiritismo moderno não descobriu nem inventou a mediunidade curadora e os médiuns curadores, como também não descobriu nem inventou outros fenômenos espíritas. Considerando-se que a mediunidade curadora é uma faculdade natural subordinada a uma lei, como todos os fenômenos da Natureza, ela deve ter-se produzido em diversas épocas, como o constata a História, mas estava reservado ao nosso tempo, com o auxílio das novas luzes que possuímos, dar-lhe uma explicação racional e fazê-la sair do domínio do maravilhoso. O príncipe de Hohenlohe nos oferece um exemplo tanto mais notável por tratar-se de fatos que se passaram antes que se cogitasse do Espiritismo e dos médiuns. Eis o resumo dado pelo jornal la Vérité:

“No ano de 1829 veio a Wurtzbourg, cidade considerável da Baviera, um santo sacerdote, o príncipe de Hohenlohe. Enfermos e doentes iam pedir-lhe para obter do céu a sua cura, o socorro de suas preces. Ele invocava sobre aqueles as graças divinas, e em breve se viu um grande número desses infortunados, curados de repente. O rumor dessas maravilhas repercutiu longe. A Alemanha, a França, a Suíça, a Itália, uma grande parte da Europa tiveram notícia. Numerosos escritos foram publicados, que perpetuarão sua lembrança. Entre os testemunhos autênticos e dignos de fé, que certificam a realidade dos fatos, basta aqui transcrever alguns cujo conjunto constitui uma prova convincente.

“Para começar, eis um resumo do que a respeito escreveu o Sr. Scharold, conselheiro de legação em Wurtzbourg e testemunha de grande parte das coisas que relata.

“Há dois anos, uma princesa de dezessete anos, Mathilde de Schwartzemberg, filha do príncipe deste nome, se achava na casa de saúde do Sr. Haine, em Wurtzbourg. Era-lhe absolutamente impossível andar. Em vão os médicos mais famosos da França, da Itália e da Áustria tinham esgotado todos os recursos de sua arte para curar a princesa dessa enfermidade. Somente o Sr. Haine, que obteve ajuda das luzes e da experiência do célebre médico Sr. Textor, tinha conseguido, à força de cuidados prodigalizados à doente, pô-la em condições de manter-se de pé; e ela, fazendo esforços, tinha conseguido executar alguns movimentos como para andar, mas sem andar realmente. Pois bem! A 20 de junho de 1821 ela deixou o leito de repente, e andou muito livremente.

“Eis como a coisa se passou. De manhã, pelas dez horas, o príncipe Hohenlohe foi visitar a princesa, que mora na casa do Sr. Reinach, deão do capítulo. Quando entrou em seu apartamento perguntou-lhe, como em conversa, em presença de sua governanta, se tinha fé firme que Jesus Cristo poderia curá-la de sua doença. À sua resposta de que estava intimamente persuadida, o príncipe disse à piedosa doente que orasse do fundo do coração e pusesse sua confiança em Deus.

“Quando ela parou de orar, o príncipe lhe deu sua bênção e disse: ‘Vamos, princesa, levantai-vos; agora estais curada e podeis andar sem dores...’ Todas as pessoas da casa foram chamadas imediatamente. Não sabiam como exprimir seu espanto por uma cura tão pronta e tão incompreensível. Todos caíram de joelhos na mais viva emoção e cantaram louvores ao Todo-Poderoso. Felicitaram a princesa por sua felicidade e juntaram suas lágrimas às que a alegria fazia correr de seus olhos.

“Esta notícia, espalhando-se pela cidade, provocou admiração. Corriam em multidão para se assegurarem do acontecimento pelos próprios olhos. A 21 de junho, a princesa já se havia mostrado em público. Impossível descrever o deslumbramento que ela experimentou, vendo-se fora do leito de cruéis sofrimentos.

“A 25, o príncipe de Hohenlohe deu outro exemplo notável da graça que possui. A esposa de um ferreiro da rua Semmels não podia mais ouvir nem mesmo as batidas da marreta de sua forja. Ela foi encontrar o príncipe no pátio do presbitério Hung e pediu-lhe socorro. Enquanto estava de joelhos, ele lhe impôs as mãos sobre a cabeça, e tendo orado algum tempo, com os olhos erguidos para o céu, tomou-a pela mão e a ergueu. Qual não foi o espanto dos espectadores quando essa mulher, levantando-se, disse que ouvia soar o relógio da igreja! Voltando para casa, não deixava de contar a todos que a interrogavam o que acabara de acontecer.

“A 26, uma pessoa ilustre (o príncipe real da Baviera), foi curado imediatamente de uma moléstia que, segundo as regras da medicina, exigia muito tempo e daria muito sofrimento. Esta notícia causou viva alegria nos corações dos habitantes de Wurtzbourg.

“O príncipe de Hohenlohe também teve êxito na cura de uma doente que duas vezes tinha tentado curar, mas que, a cada vez, apenas tinha obtido um ligeiro alívio. Esta cura foi operada na cunhada do Sr. Broili, negociante. Há muito tempo ela era afligida por uma paralisia muito dolorosa. A casa vibrou de gritos de alegria.

“No mesmo dia foi devolvida a visão à viúva Balzano, que há muitos anos estava completamente cega. Convenci-me por mim mesmo deste fato.

“Logo depois de ter saído do espetáculo desta cena tocante, fui testemunha de uma outra cura, operada na casa do Sr. General D... Uma jovem senhora tinha a mão direita de tal modo estropiada, que não podia usá-la nem estendê-la. Ela imediatamente deu prova de sua perfeita cura, levantando com aquela mão uma cadeira muito pesada.

“No mesmo dia, um paralítico cujo braço esquerdo estava completamente anquilosado foi curado completamente. Uma cura de dois outros paralíticos se fez logo depois. Ela também foi completa e ainda mais rápida.

“A 28, eu mesmo vi com que prontidão e solidez o príncipe Hohenlohe curou crianças. Tinham-lhe trazido um menino do campo, que só andava com muletas. Poucos minutos depois esse menino, transbordando de alegria, corria pela rua sem as muletas. Nesse meio tempo um menino mudo, que apenas soltava alguns sons inarticulados, foi trazido ao príncipe. Alguns minutos depois começou a falar. Pouco depois uma pobre mulher trouxe sua filhinha às costas, com ambas as pernas estropiadas. Pô-la aos pés do príncipe. Um momento depois ele entregou a menina à sua mãe, que então viu a filha correr e pular de alegria.

“A 29, uma mulher de Neustadt, paralítica e cega, lhe foi trazida numa charrete. Estava cega há vinte e cinco anos. Pelas três horas da tarde apresentou-se no castelo de nossa cidade, para implorar o socorro do príncipe de Hohenlohe, no momento em que ele entrava no vestíbulo, que tem a forma de grande tenda. Caindo aos pés do príncipe, ela suplicava, em nome de Jesus Cristo, que lhe prestasse socorro. O príncipe orou por ela, deu-lhe sua bênção e lhe perguntou se acreditava firmemente que em nome de Jesus ela poderia recuperar a vista. Como respondeu que sim, mandou que se erguesse. Ela se retirou. Mas, logo que se afastou alguns passos, de repente seus olhos se abriram. Ela viu, e deu todas as provas que lhe pediram da faculdade que acabara de recuperar. Todas as testemunhas desta cura, entre as quais grande número de senhores da corte, ficaram deslumbrados de admiração.

“A cura de uma mulher do hospital civil, que haviam trazido ao príncipe, não é menos admirável. Essa mulher, chamada Elisabeth Laner, filha de um sapateiro, tinha a língua tão vivamente afetada que por vezes passava quinze dias sem poder articular uma sílaba. Suas faculdades mentais tinham sofrido muito. Quase tinha perdido o uso dos membros, de sorte que ficava no leito como uma massa. Pois bem! Essa pobre mulher foi hoje ao hospital sem ajuda de ninguém. Ela goza de todos os sentidos, como há doze anos, e sua língua soltou-se tão bem que ninguém no hospício fala com tanta volubilidade quanto ela.

“No dia 30, depois do meio-dia, o príncipe deu um exemplo extraordinário de cura. Uma charrete, em volta da qual estavam reunidos milhares de espectadores, tinha vindo de Musmerstadt. Nela estava um pobre estudante aleijado dos braços e das pernas, atrofiados de maneira horrível.

“O príncipe, que ouviu a súplica desse infeliz para aliviá-lo, veio até a charrete. Orou cerca de cinco minutos com as mãos postas e erguidas para o céu, falou várias vezes ao estudante e enfim lhe disse: ‘Levantai-vos, em nome de Jesus Cristo.’ O estudante efetivamente levantou-se, mas com sofrimentos que não pôde disfarçar. O príncipe lhe disse que não perdesse a confiança. O infortunado, que alguns minutos antes não podia mover braços nem pernas, pôs-se de pé e perfeitamente livre em cima da charrete. Depois, erguendo os olhos para o céu, com a mais terna expressão de reconhecimento, exclamou: ‘O Deus! Vós me socorrestes!’ Os espectadores não puderam conter as lágrimas.

“As curas miraculosas operadas em Wurtzbourg pelo príncipe de Hohenlohe poderiam fornecer assunto para mais de cem quadros de ex-voto.”

Notar-se-á a analogia chocante que existe entre estes fatos de curas e os de que somos testemunhas. O Sr. de Hohenlohe se achava nas melhores condições para o desenvolvimento de sua faculdade, e assim a conservou até o fim. Como nessa época não se lhe conhecia a verdadeira origem, era considerada como um dom sobrenatural, e o Sr. de Hohenlohe como operador de milagres. Mas por que é ela vista por centenas de pessoas, numas como um dom do céu e noutras como obra satânica? Não conhecemos nenhum médium curador que tenha dito que recebeu seu poder do diabo: todos, sem exceção, só operam invocando o nome de Deus, e declaram nada poder fazer sem a sua vontade. Mesmo aqueles que ignoram o Espiritismo e agem por intuição recomendam a prece, na qual reconhecem um poderoso auxiliar. Se agissem pelo demônio, cometeriam a ingratidão de o renegar, e o demônio não é tão modesto nem tão desinteressado para deixar àquele que procura combater o mérito do bem que faz, porquanto isto seria perder seus auxiliares em vez de recrutá-los. Alguém já viu um negociante gabar aos seus fregueses a mercadoria do seu vizinho em detrimento da sua e os aconselhar a ir a ele? Na verdade, há razão para rir do diabo, porque dele se faz um ser muito tolo e estúpido.

A comunicação seguinte foi dada pelo príncipe de Hohenlohe na Sociedade de Paris.

(Sociedade de Paris, 26 de outubro de 1866 Médium: Sr. Desliens).

Senhores, venho entre vós com imenso prazer, pois minhas palavras podem tornar-se para todos um útil assunto de instrução.

Fraco instrumento da Providência, pude contribuir para fazer glorificar o seu nome e venho de boa vontade entre aqueles que têm por objetivo principal conduzir-se segundo as suas leis, e avançar tanto quanto lhes for possível no caminho da perfeição. Vossos esforços são louváveis e eu me considerarei como muito honrado em assistir a alguns de vossos trabalhos. Vamos, então, desde já, às manifestações que provocaram a minha presença entre vós.

Como dissestes, e com razão, a faculdade de que eu era dotado era simples resultado da mediunidade. Eu era instrumento; os Espíritos agiam e, se algo eu pude, não foi certamente senão por meu grande desejo de fazer o bem e pela convicção íntima que a Deus tudo é possível. Eu cria! ... e as curas que obtinha vinham incessantemente aumentar a minha fé.

Como todas as faculdades mediúnicas que hoje concorrem para a vulgarização do ensino espírita, a mediunidade curadora foi exercida em todos os tempos e por indivíduos pertencentes às diversas religiões.

─ Deus semeia por toda parte os seus mais adiantados servos, para deles fazer balizas de progresso, entre aqueles que estão mais afastados da virtude e, direi mesmo, sobretudo entre eles... Como um bom pai que ama igualmente a todos os seus filhos, sua solicitude se espalha sobre todos, mas mais particularmente sobre os que mais necessitam de apoio para avançar. ─ É assim que não é raro encontrar homens dotados de faculdades extraordinárias para a multidão, entre os simples. E, por esta palavra, eu entendo aqueles cuja pureza de sentimentos não foi manchada pelo orgulho e pelo egoísmo. É verdade que a faculdade pode igualmente existir em pessoas indignas, mas ela não é, nem poderia ser, senão passageira. É um meio enérgico de lhes abrir os olhos: tanto pior para eles se teimam em conservá-los fechados.

Eles reentrarão na obscuridade de onde saíram, com a confusão e o ridículo por cortejo, se Deus não punir, desde esta vida, seu orgulho e sua obstinação em desconhecer a sua voz.

Seja qual for a crença íntima de um indivíduo, se suas intenções forem puras e se ele estiver inteiramente convencido da realidade daquilo em que crê, ele pode, em nome de Deus, operar grandes coisas. A fé transporta montanhas: dá a visão aos cegos e o entendimento espiritual àqueles que antes erraram nas trevas da rotina e do erro.

Quanto à melhor maneira de exercer a faculdade de médium curador, há apenas uma: É manter-se modesto e puro e imputar a Deus e às potências que dirigem a faculdade, tudo o que se realiza.

Os que perdem os instrumentos da Providência, é que não se julgam simples instrumentos; eles querem que seus méritos sejam em parte a causa da escolha de sua pessoa; o orgulho os embriaga e o precipício se escancara sob seus passos.

Educado na religião católica, penetrado da santidade de suas máximas, tendo fé em seu ensino, como todos os meus contemporâneos, eu considerava como milagres as manifestações de que era objeto. Hoje sei que é coisa inteiramente natural e que pode e deve acomodar-se com a imutabilidade das leis do Criador, para que sua grandeza e sua justiça permaneçam intactas.

Deus não poderia fazer milagres!... porque seria dar a presumir que a verdade não fosse bastante forte para afirmar-se por si mesma, e, por outro lado, não seria lógico demonstrar a eterna harmonia das leis da Natureza, perturbando-as com fatos em desacordo com a sua essência.

Quanto a adquirir a faculdade de médium curador, não há método para isso, pois todo mundo pode, em certa medida, adquirir essa faculdade, e agindo em nome de Deus, cada um fará suas curas. Os privilegiados aumentarão em número, à medida que a doutrina se vulgarizar, e é muito simples, pois que haverá mais indivíduos animados de sentimentos puros e desinteressados.

PRÍNCIPE HOHENLOHE




Variedades

Senhorita Dumesnil, jovem atraente

Vários jornais falaram de uma jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos que estejam a uma certa distância e de erguer, pelo simples contato, uma cadeira na qual esteja sentada uma pessoa. O Petit Journal de 4 de novembro trazia, sobre o caso, o artigo seguinte:

“A pega branca de Dinan não é mais surpreendente, como fenômeno, do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte.

“Senhor,

“Venho assinalar-vos um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se quiserdes ter o trabalho de verificá-lo, nele encontrareis amplo material para numerosos artigos.

“Uma jovem, a senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo quanto é de madeira se dirige instantaneamente para ela. Esta faculdade se revelou nela há cerca de três semanas. Até o presente este fenômeno extraordinário e ainda não explicado só se manifestou às pessoas do círculo da moça, os vizinhos, etc., que constataram o fato há poucos dias. A faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se, e disseram-me que ela está em vias de tratar com um empresário que se propõe exibir publicamente o fenômeno.

“Ontem ela foi à casa de um grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará em apoderar-se de tal acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais a primazia.

“Esta jovem dedica-se ao trabalho de polidora e mora com seus pais, que são gente pobre.

“Na esperança de que nos explicareis este mistério inexplicável, peço-vos recebais minhas saudações muito sinceras.”

BRUNET

Empregado na Casa Christofle, Rua de Bondy, 56.

“Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em assunto de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar na lareira... senão carvão...”

Eis um fenômeno certamente estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil constatar, e se as leis conhecidas são impotentes para explicá-lo, é evidente que ele revela a existência de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno é ver homens inteligentes não terem por semelhantes fatos senão uma desdenhosa indiferença e piadas de mau gosto. Entretanto, não se trata nem de Espíritos nem de Espiritismo. Que convicção esperar de pessoas que não têm nenhuma, que não a buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser melhor empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam? Temos dito sempre: Com as pessoas que têm ideias preconcebidas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é deixá-las tranquilas e lhes provar que não precisamos delas. Se alguma coisa deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-la e empregá-la quando chegar o momento.

Para voltar ao caso da moça, seus pais, que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida imaginaram que para eles havia uma fonte de fortuna. Não nos cabe criticá-los, porque, ignorando até mesmo o nome do Espiritismo e dos médiuns, eles não podiam compreender as consequências de uma exploração desse gênero. Sua filha era para eles um fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos bulevares, entre os outros fenômenos. Fizeram melhor; instalaram-na no Grand-Hotel, lugar mais conveniente para a aristocracia produtiva. Mas, ah! Os sonhos dourados logo se desvaneceram. Os fenômenos não se produziam mais senão em raros momentos e de maneira tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida instalação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha justamente no momento em que os espectadores que pagaram suas entradas estão reunidos e esperam que lha deem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale, para especulação, ter um menino com duas cabeças, porque pelo menos ele sempre ali está. Que fazer se eles não têm cordões para substituir os atores invisíveis? A atitude mais honrosa é retirar-se. Contudo, parece, conforme uma carta publicada num jornal, que a menina não perdeu inteiramente o seu poder, mas ele está sujeito a tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.

Um de nossos amigos, espírita esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou mediocremente satisfeito com o resultado. Disse-nos ele: “Creio na sinceridade dessas pessoas, mas para os incrédulos o efeito não se produz, neste momento, em condições a desafiar suspeitas. Sabendo que a coisa é possível, não nego; constato minhas impressões. Como apanhei supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, enganando as pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que não afirmo senão com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com auxílio de habilidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material vulgar. Ademais, lá é proibido ser espírita, agir pelos Espíritos e até neles acreditar.”

Vale observar que desde a desventura dos irmãos Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários rejeitam qualquer participação dos Espíritos em seus negócios, e fazem bem, porque o Espiritismo só tem a ganhar em não ser envolvido nessas exibições. É um serviço a mais, prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo recrutará prosélitos.

Uma outra observação é que toda vez que se trata de alguma manifestação espontânea ou de um fenômeno qualquer atribuído a uma causa oculta, eles geralmente contratam como peritos certas pessoas, às vezes sábios, que não sabem o a-bê-cê do que devem observar e que vêm com uma ideia preconcebida de negação. A quem encarregam de decidir se há ou não intervenção dos Espíritos ou uma causa espiritual? Precisamente aos que negam a espiritualidade, que não creem nos Espíritos e não querem que eles existam. Tem-se certeza prévia de sua resposta. Eles evitam ouvir o conselho de quem quer que seja apenas suspeito de acreditar no Espiritismo, porque, em primeiro lugar, seria dar crédito à coisa, e em segundo lugar, eles temeriam uma solução contrária ao que eles querem. Eles não se dão conta que só um espírita esclarecido é apto a julgar as circunstâncias em que os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um químico é apto a conhecer a composição de um corpo, e que a este respeito, os espíritas são mais cépticos do que muita gente; que longe de acreditar, por complacência, num fenômeno apócrifo, eles têm o maior interesse em o assinalar como tal e desmascarar a fraude.

Contudo, disto ressalta uma instrução: a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se eles fossem o resultado de qualquer meio artificial, produzir-se-iam na hora desejada. É a reflexão que leva um jornalista convidado a ir ao Grand-Hotel. Havia naquele dia alguns convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não conseguiu o menor efeito. “A pobre menina,” disse o jornalista, “estava desolada, e seu rosto traía a inquietude”. “Tranquilize-se,” disse-lhe ele, “não só este insucesso não me desencoraja, mas me leva a crer que o seu relato é sincero. Se houvesse algum charlatanismo ou truque de sua parte, o seu golpe não teria falhado. Eu voltarei amanhã”. Com efeito, voltou cinco vezes seguidas, sem mais resultados. Na sexta vez ela tinha deixado o hotel. “De onde concluo”, acrescenta o jornalista, “que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à custa de suas virtudes eletromagnéticas, teve que retomar seu lugar nos ateliers de polimento do Sr. Ruolz.”

Tendo sido constatados os fatos, é certo que havia nela uma disposição orgânica especial que se prestava a esse gênero de fenômenos; mas, de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua faculdade dependesse só do seu organismo, ela a teria à sua disposição, como se dá com um peixe-elétrico. Considerando-se que sua vontade, seu mais ardente desejo, era impotente para produzir o fenômeno, havia, então, no fato uma causa que lhe era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns melhor dotados nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha sido a sua faculdade, ela fez mais para a convicção de certas pessoas do que se tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando, diante do público, como nos golpes de prestidigitação.

É verdade que nada atesta de maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça de agir à sua vontade. A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que aí não haja Espíritos, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta gente se obstina em negar.

Se essa força fosse aqui puramente elétrica, denotaria, contudo, uma importante modificação na eletricidade, porquanto ela age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto valeria muito a pena ser estudado.


Revista da imprensa relativa ao Espiritismo

Por mais que digam e façam, as ideias espíritas estão no ar; vêm à luz de qualquer maneira, na forma de romances ou de pensamentos filosóficos, e a imprensa as acolhe desde que não seja pronunciado o nome Espiritismo. Não poderíamos citar todos os pensamentos que ela registra diariamente, assim fazendo Espiritismo sem saber. Que importa o nome, se a coisa aí está? Um dia esses senhores ficarão muito admirados de haver feito Espiritismo, como o Sr. Jourdain ficou por ter falado em prosa. Muita gente anda ao lado do Espiritismo sem o suspeitar; estão na fronteira, quando se julgam bem longe. Com exceção dos materialistas puros, que certamente são minoria, podemos dizer que as ideias da filosofia espírita correm o mundo; o que muitos ainda repelem são as manifestações mediúnicas, uns por sistema, outros porque, tendo observado mal, sofreram decepções; mas como as manifestações são fatos, mais cedo ou mais tarde terão que aceitá-las. Eles se negam a ser espíritas unicamente pela ideia falsa que ligam a essa palavra. Que aqueles que aí não chegam pela porta larga, aí cheguem pela lateral, o resultado é o mesmo; hoje o impulso está dado e o movimento não pode ser detido.

Por outro lado, como é anunciado, uma porção de fenômenos se produzem, que parecem afastar-se das leis comuns e atordoam a Ciência, na qual em vão buscam a sua explicação; passá-los em silêncio, quando têm certa notoriedade, seria difícil. Ora, esses fenômenos, que se apresentam sob os mais variados aspectos, à força de se multiplicarem, acabam despertando a atenção e pouco a pouco familiarizam com a ideia de uma força espiritual fora das forças materiais. É sempre um meio de chegar ao objetivo. Os Espíritos batem de todos os lados e de mil maneiras diferentes, de sorte que os golpes sempre alcançam uns ou outros.

Entre os pensamentos espíritas que encontramos em diversos jornais, citaremos os seguintes:

No discurso pronunciado a 11 de novembro último pelo Sr. Eichthal, um dos redatores do Temps, no túmulo do Sr. Charles Duveyrier, assim se exprime o orador:

“Duveyrier morreu numa calma profunda, cheio de confiança em Deus e de fé na eternidade da vida, orgulhoso de seus longos anos consagrados à elaboração e ao desenvolvimento de uma crença que deve resgatar todos os homens da miséria, da desordem e da ignorância, certo de haver pago a sua dívida, de ter dado à geração que o segue mais do que tinha recebido da que o precedeu. Parou como um valente operário, acabada a sua tarefa, deixando a outros o trabalho de continuá-la.

“Se seus despojos mortais não atravessaram os templos consagrados para chegar ao campo de repouso, não foi por um injusto desdém contra as crenças imortais, mas é que nenhuma das fórmulas que tivessem sido pronunciadas sobre seus despojos teriam dado a ideia que ele fazia da vida futura. Duveyrier não desejava, não acreditava ir para o Céu gozar de uma beatitude pessoal sem fim, enquanto a maioria dos homens ficaria condenada a sofrimentos sem esperança. Cheio de Deus e vivendo em Deus, mas ligado à Humanidade, é no seio da Humanidade que ele esperava reviver para concorrer eternamente nessa obra de progresso que a aproxima incessantemente do ideal divino.” ─ (O Temps, 14 de novembro de 1866).

O Sr. Duveyrier tinha feito parte da seita sansimonista. É a crença da qual falamos acima, a cujo desenvolvimento ele tinha consagrado vários anos de sua vida; mas as suas ideias sobre o futuro da alma, como se vê, aproximavam-se muito das que a Doutrina Espírita ensina. Contudo, não se deve inferir das palavras: “É no seio da Humanidade que ele esperava reviver” que ele acreditasse na reencarnação. Sobre este ponto ele não tinha qualquer ideia definida; entendia por isto que a alma, em vez de se perder no infinito, ou ser absorvida numa beatitude inútil, ficava na esfera da Humanidade, a cujo progresso concorria por sua influência. Mas esta ideia é precisamente o que também ensina o Espiritismo; é a do mundo invisível que nos rodeia. As almas vivem em meio a nós como vivemos em meio a elas. O Sr. Duveyrier era, pois, ao contrário da maioria de seus confrades da imprensa, não só profundamente espiritualista, mas três quartas partes espírita. O que lhe faltava para ser completamente espírita? Provavelmente ter sabido o que era o Espiritismo, porque lhe possuía as bases fundamentais: a crença em Deus, na individualidade da alma, na sua sobrevivência e na sua imortalidade, em sua presença no meio dos homens após a morte e em sua ação sobre eles. O que diz a mais o Espiritismo? Que essas mesmas almas revelam sua presença por uma ação direta, e que estamos incessantemente em comunicação com elas. Vem provar pelos fatos o que no Sr. Duveyrier e em muitos outros não estava senão no estado de teoria e de hipótese.

Concebe-se que aqueles que só acreditam na matéria tangível repilam tudo, mas é mais surpreendente ver espiritualistas rejeitando a prova do que constitui o fundo de sua crença. Aquele que assim relatava os pensamentos do Sr. Duveyrier sobre o futuro da alma, o Sr. Eichthal, seu amigo e seu correligionário em sansimonismo, que provavelmente partilhava até certo ponto das suas opiniões, não é menos adversário declarado do Espiritismo do que ele. Ele quase não suspeitava que o que dizia em louvor do Sr. Duveyrier não era nada mais nada menos que uma profissão de fé espírita.

As palavras seguintes, do Sr. Louis Jourdan, do Siècle, a seu filho, foram reproduzidas pelo Petit Journal de 3 de setembro de 1866.

“Eu te sinto vivo, de uma vida superior à minha, meu Prosper, e quando soar a minha última hora, eu me consolarei em deixar os que amamos juntos, pensando que vou encontrar-te e unir-me a ti. Sei que esta consolação não me virá sem esforços; sei que será preciso conquistá-la trabalhando corajosamente por meu próprio melhoramento, como pelo dos outros; farei pelo menos tudo quanto estiver ao meu alcance para merecer a recompensa que ambiciono: reencontrar-te. Tua lembrança é o farol que nos guia e o ponto de apoio que nos sustenta através das trevas que nos envolvem. Percebemos um ponto luminoso na direção do qual avançamos resolutamente; esse ponto é aquele onde vives, meu filho, em companhia de todos aqueles que amei aqui embaixo e que partiram antes de mim para sua vida nova.”

Que de mais profundamente espírita do que estas suaves e tocantes palavras! O Sr. Louis Jourdan está ainda mais perto do Espiritismo que o Sr. Duveyrier, porque há muito tempo crê na pluralidade das existências terrenas, como se pôde ver pela citação que fizemos na Revista de dezembro de 1862. Ele aceita a filosofia espírita, mas não o fato das manifestações, que não repele absolutamente, mas sobre o qual não está suficientemente esclarecido. É, entretanto, um fenômeno bastante sério quanto às suas consequências, porque só ele pode explicar tantas coisas incompreensíveis que se passam aos nossos olhos, para merecer ser aprofundado por um observador como ele; porque se as relações entre o mundo visível e o mundo invisível existem, é toda uma revolução nas ideias, nas crenças, na filosofia; é a luz projetada sobre uma porção de questões obscuras; é o aniquilamento do materialismo; é, enfim, a sanção de suas mais caras esperanças em relação a seu filho. Que elementos os homens que se fazem campeões das ideias progressivas e emancipadoras colheriam na doutrina se soubessem tudo quanto ela encerra para o futuro! Não resta dúvida que surgirão aqueles que compreenderão o poder desta alavanca e saberão dela tirar proveito!

O Événement de 4 de novembro último relatava a seguinte anedota concernente ao célebre compositor Glück. Quando da primeira representação de Ifigênia, a 19 de abril de 1774, a que assistiam Luís XVI e a rainha Maria Antonieta, esta quis, em pessoa, coroar seu antigo professor de música. Depois da representação, chamado ao camarote do rei, Glück ficou de tal modo comovido que não pôde proferir uma palavra e apenas teve forças para agradecer à rainha com o olhar. Vendo Maria Antonieta, que naquela noite usava um colar de rubis, Glück inteiriçou-se:

─ Grande Deus! exclamou ele, salvai a rainha! Salvai a rainha! Sangue! Sangue!

─ Onde? perguntaram de todos os lados.

─ Sangue! Sangue! No pescoço! gritou o músico.

Maria Antonieta estava trêmula.

─ Depressa, um médico, disse ela, meu pobre Glück está enlouquecendo.

O músico tinha caído numa poltrona.

─ Sangue! Sangue, murmurava ele... Salvai a arquiduquesa Maria... Salvai a rainha!

─ O infeliz maestro toma o vosso colar por sangue, disse o rei a Maria Antonieta. Ele tem febre.

A rainha levou a mão ao pescoço, arrancou o colar e tomada de terror atirou-o longe. Levaram Glück desfalecido.

O autor do artigo termina assim:

Eis, caro leitor, a história que me contou na ópera o músico alemão, e que reli no dia seguinte numa biografia do imortal autor de Alceste. É verdadeira? É fantasia? Ignoro-o. Mas não seria possível que homens de gênio, cujo espírito elevado plana acima da Humanidade, tivessem, em certas horas de inspiração, essa faculdade misteriosa que se chama a segunda vista? (Albert Wolff).

O Sr. Albert Wolff arremessou mais de uma flecha no Espiritismo e nos espíritas, e eis que ele próprio admite a possibilidade da segunda vista, e mais do que isto, a previsão pela segunda vista. Provavelmente ele não se dá conta a que consequências conduz o reconhecimento de tal faculdade. Mais um que se acotovela com o Espiritismo sem se aperceber, sem talvez ousar confessá-lo, e que nem por isso deixa de atirar pedras contra ele. Se lhe dissessem que é espírita, ele daria pulos, indignado, exclamando: Eu! Crer nos irmãos Davenport! Porque, para a maioria desses senhores, o Espiritismo está todo inteiro no golpe das cordas. Lembramo-nos que um deles, a quem um correspondente censurava por falar do Espiritismo sem conhecê-lo, respondeu em seu jornal: “Enganai-vos. Eu estudei o Espiritismo na escola dos irmãos Davenport, e a prova é que isto me custou l5 francos.” Cremos haver citado o fato nalguma parte da Revista. Que se lhes pode mais pedir? Eles não sabem mais do que isso.

O Siècle de 27 de agosto de 1866 citava as seguintes palavras da Sra. George Sand, a propósito da morte do Sr. Ferdinand Pajot:

“A morte do Sr. Ferdinand Pajot é um fato dos mais dolorosos e lamentáveis. Esse jovem, dotado de notável beleza e pertencente a excelente família, era, além disso, um homem de coração e de ideias generosas. Pudemos mesmo apreciá-lo, cada vez que invocamos a sua caridade para os pobres do nosso círculo. Dava largamente, mais largamente talvez do que o autorizavam os seus recursos, e dava com espontaneidade, com confiança, com alegria. Ele era sincero, independente, bom como um anjo. Casado há pouco com uma jovem encantadora, será lamentado como o merece. Depois desta cruel morte, devo dar-lhe uma terna e maternal bênção: ilusão, se quiserem, mas creio que entramos melhor na vida que se segue a esta quando aí chegamos escoltados pela estima e a afeição dos que acabamos de deixar.”

A Sra. Sand é ainda mais explícita em seu livro Mademoiselle de la Quintinie. Na página 318 lê-se: “Senhor padre, quando quiserdes que demos um passo para a vossa igreja, começai por nos fazer ver um concílio reunido e decretando que o inferno das penas eternas é uma mentira e uma blasfêmia, e tereis o direito de exclamar: ‘Vinde a nós vós todos que quereis conhecer Deus.’

Na página 320: “Pedir a Deus para extinguir nossos sentidos, para endurecer o nosso coração, para tornarmos odiosos os mais sagrados laços, é pedir-lhe que renegue e destrua a sua obra; é pedir que ele volte sobre seus passos, fazendo-nos voltar nós mesmos, fazendo-nos retrogradar para as existências inferiores, abaixo do animal, abaixo da planta, talvez abaixo do mineral.”

Na página 323: “Entretanto, seja qual for a vossa sorte entre nós, vereis claro um dia além da tumba, e como não creio mais nos castigos sem fim, bem como nas provações sem fruto, anuncio-vos que nos encontraremos em qualquer parte onde nos entenderemos melhor e onde nos amaremos em vez de nos combatermos; mas, como vós, não creio na impunidade do mal e na eficácia do erro. Creio, pois, que expiareis o endurecimento do vosso coração por grandes dilacerações de coração numa outra existência.”

Ao lado destes pensamentos eminentemente espíritas, aos quais só falta o nome que se obstinam em lhes recusar, por vezes se encontram outros, um pouco menos sérios, que lembram o belo tempo das troças mais ou menos espirituosas sob as quais pensavam que poderiam sufocar o Espiritismo. Pode-se julgar pelas amostras seguintes, que são como os foguetes perdidos do fogo de artifício.

O Sr. Ponson du Terrail, em seu Dernier mot de Rocambole, publicado em folhetim no Figaro, assim se exprime:

“Contudo os ingleses superariam os americanos em matéria de superstição. As mesas girantes, antes de fazer entre nós a felicidade de cem mil imbecis, passaram estações em Londres e aí receberam uma hospitalidade das mais corteses. Pouco a pouco o relato do coveiro tinha feito o giro de Hampstead, cidade célebre por seus jumentos e seus criadores, e os magnatas da região não tinham hesitado um só instante em decidir que a casa de campo, à noite, era assombrada por Espíritos.”

O Sr. Ponson du Terrail, que outorga tão generosamente um diploma de imbecilidade a cem mil indivíduos, naturalmente julga ter mais espírito do que eles, mas não crê ter um espírito em si mesmo, sem o que é provável que não os enviasse ao país dos jumentos.

Sem dúvida ele perguntará: Que relação pode haver entre as mesas girantes e os sublimes pensamentos que citastes há pouco? Há, respondemos nós, a mesma relação que existe entre o vosso corpo, quando valsa, e o vosso espírito, que o faz valsar; entre a rã, que dançava no prato de Galvani e o telégrafo transatlântico; entre a maçã que cai e a lei da gravitação que rege o mundo. Se Galvani e Newton não tivessem meditado sobre esse fenômenos tão simples e tão vulgares, hoje não teríamos tudo o que a indústria, as artes e a Ciência deles tiraram. Se cem mil imbecis não tivessem buscado a causa que faz girar as mesas, ainda hoje ignoraríamos a existência e a natureza do mundo invisível que nos rodeia; não saberíamos de onde viemos antes de nascer e para onde iremos ao morrer. Entre esse cem mil imbecis, muitos talvez acreditassem ainda em demônios cornudos, nas chamas eternas, na magia, nos feiticeiros e nos sortilégios. As mesas girantes são para os pensamentos sublimes sobre o futuro da alma o que o gérmen é para a árvore que dele saiu: são os rudimentos da ciência do homem.

Lia-se no Écho d’Oran de 24 de abril de 1866:

“Acaba de se passar em El-Afroun um fato que afetou penosamente a nossa população. Um dos mais antigos habitantes de nossa aldeia, o Sr. Pagès, acaba de morrer. Sabeis que ele estava imbuído das ideias ─ eu ia dizer das loucuras ─ do Sr. Allan Kardec e que fazia profissão do Espiritismo. Fora desta extravagância, era um perfeito cavalheiro, estimado por todos os que o conheciam. Assim, ficaram muito admirados ao saber que o senhor cura se havia recusado a enterrá-lo, sob o pretexto que o Espiritismo é contrário ao Cristianismo. Não está no Evangelho: ‘Fazei o bem pelo mal’, e se esse pobre Sr. Pagès é culpado por ter crido no Espiritismo, não é uma razão a mais para orar por ele?”

O Sr. Pagès, que conhecíamos por correspondência há muito tempo, escrevia-nos o seguinte:

“O Espiritismo fez de mim um outro homem. Antes de conhecê-lo eu era como muitos outros: não acreditava em nada, e contudo, sofria ao pensamento de que, morrendo, tudo está acabado para nós. Por vezes experimentava um profundo desencorajamento, e me perguntava para que serve fazer o bem. O Espiritismo me fez o efeito de uma cortina que se levanta para nos mostrar uma decoração magnífica. Hoje vejo claro; o futuro não é mais duvidoso e por isto estou muito feliz. Dizer-vos da felicidade que experimento me é impossível; parece que estou como um condenado à morte, a quem acabam de dizer que não morrerá e que vai deixar sua prisão para ir a um belo país, viver em liberdade. Não é esse efeito, caro senhor, que isto deve produzir? A coragem me voltou com a certeza de viver para sempre, porque compreendi que o que com isto adquirimos em bem não é pura perda; compreendi a utilidade de fazer o bem; compreendi a fraternidade e a solidariedade que ligam todos os homens. Sob o império deste pensamento me esforcei por melhorar-me. Sim, posso dizer sem vaidade, corrigi-me de muitos defeitos, embora me restem ainda muitos. Agora sinto que morrerei tranquilo, porque sei que não farei senão trocar uma roupa estragada por uma nova, com a qual me sentirei mais à vontade.”

Eis, pois, um homem que, aos olhos de certas pessoas, era razoável, sensato, quando não acreditava em nada, e que é taxado de loucura pelo único fato de ter crido na imortalidade da alma pelo Espiritismo. E são essas mesmas pessoas, que não creem nem na alma nem na prece, que lhe atiraram pedras por suas crenças em vida e o perseguem com seus sarcasmos até depois de sua morte, e que invocam o Evangelho contra o ato de intolerância e a recusa de preces de que ele foi objeto, ele que só acreditou no Evangelho e na ação da prece graças ao Espiritismo!


Santo Agostinho acusado de Cretinismo

Sob o título de Cretinismo, a Vedette de Limbourg, jornal de Tongres, na Bélgica de 1º de setembro de 1866, contém o artigo seguinte, reproduzido pela Gazette de Huy:

“Um livro dado como prêmio num pensionato de religiosas, caiu em nossas mãos. Abrimo-lo e o acaso nos fez ler, entre outras curiosas passagens, a seguinte, que nos parece muito digna de ser posta aos olhos do leitor. Trata do papel desempenhado pelos anjos. Quem quer que o percorra certamente não deixará de perguntar como é possível que uma obra contendo semelhantes absurdos possa achar um editor! Em nossa opinião, quem imprime semelhantes asneiras é tão culpado quanto aquele que as escreve. Sim, não tememos afirmá-lo, autor e impressor devem ser diplomados mestres em cretinismo por ousarem lançar semelhantes desafios à razão, à Ciência, que dizemos! ao mais vulgar bom-senso. Eis a passagem de que se trata:

“Segundo Santo Agostinho, o mundo visível é governado por criaturas invisíveis, por puros Espíritos e há anjos que presidem cada coisa visível, todas as espécies de criaturas que estão no mundo, quer sejam elas animadas, quer inanimadas.

“Os céus e os astros têm seus anjos motores, as águas têm um anjo particular, como é referido no Apocalipse; o ar tem os seus anjos, que governam os ventos, como se vê no mesmo livro, que nos ensina ainda que o elemento do fogo também tem os seus. Os reinos têm os seus anjos; as províncias também têm os que as guardam, como se vê na Gênese, porque os anjos que apareceram a Jacob eram os guardas das províncias por onde ele passava, etc.”

“Pode-se julgar por esta prova o gênero de leitura que faz a juventude educada nos conventos. É possível conceber ─ permitam a expressão ─ qualquer coisa de mais profundamente estúpida?

“Para encher a medida, o editor faz preceder a obra de uma advertência, onde se podem ler estas linhas: ‘Em seu livro, que não convém menos aos eclesiásticos do que aos leigos, o autor emprega uma força de raciocínio e de estilo que aclara e submete o espírito; de sua pena flui uma unção que penetra e ganha o coração. É a obra de um homem profundamente versado na espiritualidade.’

“Nós dizemos: é a obra de um homem tornado louco pelo ascetismo, muito mais a lamentar que a censurar.”

Até agora Santo Agostinho tinha sido respeitado até mesmo por aqueles que não partilham de suas crenças. A despeito dos erros manifestos devidos ao estado dos conhecimentos científicos de seu tempo, ele é universalmente considerado como um dos gênios, uma das glórias da Humanidade, e eis que com uma penada um obscuro escritor, um desses jovens que se julgam a luz do mundo, atira lama sobre esse renome secular e pronuncia contra ele, na sua alta razão, a acusação de cretinismo, tudo isto porque Santo Agostinho acreditava em criaturas invisíveis, em puros Espíritos presidindo a todas as coisas visíveis. Por conta disto, quantos cretinos não há entre os mais estimados literatos contemporâneos! Não ficaríamos surpreendidos de ver um dia acusarem de cretinismo Chateaubriand, Lamartine, Victor Hugo, George Sand e tantos outros.

Eis a escola que aspira a regenerar a Sociedade pelo materialismo. Assim, pretende ela que a Humanidade volte à demência. Mas podemos ficar tranquilos, porque seu reino, se algum dia chegar, será de curta duração. Ele percebe muito bem sua fraqueza contra a opinião geral que a repele, razão pela qual se agita com uma espécie de frenesi.





Noticias bibliográficas

Novos príncipios de filosofia médica pelo Dr. Chauvet, de Tours (1)

Em nosso número de outubro apenas pudemos anunciar esta obra, lamentando que a extensão dos artigos cuja publicação não podia ser adiada nos impedia de fazer uma apreciação mais cedo.

Embora, por sua especialidade, esse livro pareça estranho às matérias que nos ocupam, não obstante a elas se liga, pelo próprio princípio sobre o qual se apoia, porque o autor faz interferir claramente o princípio espiritualista na ciência mais manchada de materialismo. Ele não faz espiritualidade mística, como alguns a compreendem, mas, se assim se pode dizer, espiritualidade positiva e científica. Ele se aferra em demonstrar a existência do princípio espiritual que há em nós; sua conexão com o organismo, auxiliada pelo laço fluídico que os une; o papel importante que esses dois elementos representam na economia; os erros inevitáveis nos quais caem forçosamente os médiuns que tudo atribuem à matéria, e as luzes de que se privam desprezando o princípio espiritual. A passagem seguinte indica suficientemente o ponto de vista sob o qual ele encara a questão. Diz ele, na pág. 34: “Em suma, a constituição humana resulta:

1.º ─ de um princípio espiritual independente, ou alma imortal;

2.º ─ de um corpo fluídico permanente;

3.º ─ de um organismo material, dissolúvel, animado durante a vida por um fluido especial.

“A união temporária do primeiro destes elementos constitutivos com o terceiro se opera pela combinação de seus fluidos respectivos (fluido perispiritual e fluido vital), de onde resulta um fluido misto que ao mesmo tempo penetra todo o corpo, irradia em torno dele, por vezes a grandes distâncias e através de todos os obstáculos, como o demonstram os fenômenos magnéticos, sonambúlicos e outros, que o materialismo de todas as cores repele com um desdém soberbo, sob o pretexto de maravilhoso e charlatanismo, porque eles vêm contestar suas teorias insensatas.”

Da ação do elemento fluídico sobre o organismo ele chega à demonstração, de certo modo matemática, do poder de ação das quantidades infinitesimais sobre a economia. Esta demonstração nos pareceu nova e uma das mais claras que já lemos. Deixamos aos especialistas a apreciação da parte técnica, que não discutimos. Mas do ponto de vista filosófico, essa obra é uma das primeiras aplicações na ciência positiva das leis reveladas pelo Espiritismo e, por este motivo, tem seu lugar marcado nas bibliotecas espíritas. Embora o nome do Espiritismo não seja pronunciado, o autor pode ter certeza de não ter a aprovação das pessoas que têm por princípio a negação de tudo o que se refere à espiritualidade.


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(1) Vol. In-12, preço 3 fr. Tours, casa Guilland-Verger. – Paris, casa Baillère 19, rue Hautefeuille.





Os dogmas da igreja de Cristo
Explicada pelo Espiritismo por Apolon de Boltinn (1)

O assunto deste livro apresentava um escolho perigoso que o autor evitou prudentemente, abstendose de tratar das questões que não estão na ordem do dia, e sobre as quais o Espiritismo ainda não foi chamado a se pronunciar. O Espiritismo, não admitindo como princípios autorizados senão os que receberam a sanção do ensinamento geral, as soluções que podem ser dadas sobre questões ainda não elaboradas de opinião pessoal não são senão opiniões dos homens ou dos Espíritos, suscetíveis de receber mais tarde o desmentido da experiência. Essas soluções prematuras não poderiam representar responsabilidade da doutrina, mas poderiam induzir em erro a opinião pública fazendo crer que ela as aceita. Foi o que compreendeu perfeitamente o Sr. Boltinn, pelo que o felicitamos. Assim o seu livro pode ser aceito pelo Espiritismo e posto no rol das obras chamadas a prestar serviço à causa. Ele é escrito com prudência, moderação, método e clareza. Vê-se que o autor fez um estudo aprofundado das Escrituras santas e dos teólogos da Igreja latina e da Igreja grega, cujas palavras comenta e explica como um homem que conhece o terreno que pisa. Seus argumentos têm a força dos fatos, da lógica e da concisão. Que o livro do nosso irmão da Rússia seja bem-vindo entre nós. É assim que, em nome do Espiritismo, todos os povos se dão as mãos.


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(1) 1 vol. In-8o, traduzido do russo; preço: 4 fr. – Paris, casa Reinwald, 15, rue des Saints-Pères.




A União Espírita Bordelesa

Soubemos com viva satisfação que a Union Spirite Bordelaise vai retomar o curso de suas publicações momentaneamente interrompidas por longa e grave doença de seu diretor e por circunstâncias independentes de sua vontade.

No prelo

Écho poétique d‘outre-tombe
Poesias mediúnicas recebidas pelo Sr. Vavasseur.

Esta coletânea formará um volume gr. in-18, de cerca de 200 páginas, no formato de Que é o Espiritismo? preço: 2 francos; pelo correio 2,20 francos.


Necrologia - Sra. Dozon - Sr. Fournier - Sr. D'Ambel


O Espiritismo acaba de perder uma de suas mais fervorosas adeptas na pessoa da Sra. Dozon, viúva do Sr. Henri Dozon, autor de várias obras sobre o Espiritismo, falecido a l.º de agosto de 1865. Ela faleceu em Passy, a 23 de novembro de 1866.

A Sra. Dozon, atingida por uma moléstia orgânica incurável, estava há muito tempo num estado de enfraquecimento e de sofrimento extremos, e a cada dia via a morte se aproximar; encarava-a com a serenidade de uma alma pura que tem a consciência de só haver feito o bem, e profundamente convencida de que não era senão a passagem de uma vida de provações a uma vida melhor, no limiar da qual ela ia encontrar, para recebê-la, seu caro marido e aqueles a quem ela havia amado. Suas previsões não foram frustradas; a vida espiritual, na qual ela que estava iniciada, realizou todas as suas esperanças e ainda mais. Ela aí recolhe os frutos de sua fé, de seu devotamento, de sua caridade para com os que lhe fizeram mal, de sua resignação no sofrimento e da coragem com que sustentou suas crenças contra os que consideravam-na um crime. Se nela o corpo estava enfraquecido, o Espírito tinha conservado toda a sua força, toda a sua lucidez até o último momento. Ela morreu com plena lucidez, como alguém que parte em viagem, não levando consigo nenhum traço de fel contra aqueles dos quais tinha de que se lamentar. Seu desprendimento foi rápido e a perturbação de curta duração. Assim, pôde manifestar-se antes da inumação. Sua morte e seu despertar foram os de uma espírita de coração, que se esforçou para pôr em prática os preceitos da doutrina.

Sua única apreensão era de ser enterrada viva, e esse pensamento a perseguiu até o fim. Ela dizia: “Parece que me vejo na fossa e que sufoco debaixo da terra, que escuto cair sobre mim.” Depois de sua morte ela explicou esse medo, dizendo que na sua precedente existência tinha sido morta assim e que a terrível impressão que seu Espírito tinha sentido havia despertado no momento de morrer de novo.

Nenhuma prece espírita foi feita ostensivamente em seu túmulo, para não chocar certas suscetibilidades, mas a Sociedade Espírita de Paris, da qual ela havia feito parte, reuniu-se no lugar de suas sessões, após a cerimônia fúnebre, para renovar-lhe o testemunho de suas simpatias.

O Espiritismo viu partir um outro de seus representantes na pessoa do Sr. Fournier-Duplan, antigo negociante, falecido em Rochefort-sur-Mer, a 22 de outubro de 1866. O Sr. Fournier-Duplan era há muito tempo um adepto sincero e devotado, compreendendo o verdadeiro objetivo da doutrina, cujos ensinos se esforçava para pôr em prática. Era um homem de bem, amado e estimado por todos os que o conheciam, um daqueles que o Espiritismo se honra de contar em suas fileiras. Os infelizes nele perdem um sustentáculo. Ele tinha bebido nas suas crenças o remédio contra a dúvida sobre o futuro, a coragem nas provas da vida e a calma de seus últimos instantes. Como a Sra. Dozon e tantos outros, partiu cheio de confiança em Deus, sem apreensão do desconhecido, porque sabia para onde ia, e sua consciência lhe dava a esperança de aí ser acolhido com simpatia pelos bons Espíritos. Sua esperança também não foi enganada, e as comunicações que deu provam que lá ocupa o lugar reservado aos homens de bem.

Uma morte que nos surpreendeu tanto quanto nos afligiu foi a do Sr. d’Ambel, antigo diretor do jornal Avenir, ocorrida a 17 de novembro de 1866. Suas exéquias se realizaram na Igreja de Notre-Dame de Lorette, sua paróquia. A malevolência dos jornais que dele falaram revelou-se, nesta circunstância, de maneira lamentável, por sua afetação em ressaltar, exagerar, envenenar, como se tivessem prazer em revolver o ferro na ferida, tudo quanto esta morte poderia ter de penoso, sem consideração pelas suscetibilidades de família, esquecendo até o respeito que se deve aos mortos, sejam quais forem suas opiniões e suas crenças em vida. Esses mesmos jornais teriam gritado escândalo e profanação contra quem quer que dessa maneira tivesse falado de um dos seus. Mas nós vimos, pela citação que fizemos acima, a propósito da morte do Sr. Pagès, que o túmulo não é respeitado pelos adversários do Espiritismo.

Os homens imparciais, contudo, prestarão aos espíritas a justiça de reconhecer que jamais estes se afastaram do respeito, das conveniências e das leis da caridade, na morte dos que tinham sido seus maiores inimigos e que os tinham atacado sem o mínimo de consideração. Contentam-se em orar por eles.

Vimos com prazer o jornal le Pays, de 25 de novembro, embora num artigo pouco simpático à doutrina, responder com energia essa falta de consideração de alguns confrades, e censurar, como ela merece, a mistura de publicidade nas coisas íntimas da família. O Siècle de 19 de novembro também tinha noticiado o acontecimento com todas as conveniências desejáveis. Acrescentaremos que o morto não deixa filhos e que sua viúva retirou-se para a sua família.


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O número de janeiro será, como de hábito, remetido a todos os antigos assinantes. Os números seguintes só o serão à medida das renovações.

ALLAN KARDEC

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