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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1866 > Maio
Maio
Deus está em toda parte
Como é que Deus, tão grande, tão poderoso, tão superior a tudo, pode imiscuir-se em detalhes ínfimos, preocupar-se com os menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo? Tal é a pergunta feita muitas vezes.
Em seu estado atual de inferioridade, só dificilmente os homens podem compreender Deus infinito, porque eles próprios são circunscritos, limitados e por isto o configuram circunscrito e limitado, como eles mesmos; representando-o como um ser circunscrito, dele fazem uma imagem à sua imagem. Nossos quadros que o pintam com traços humanos não contribuem pouco para alimentar este erro no espírito das massas, que nele mais adoram a forma do que o pensamento. É para a maioria um soberano poderoso, sobre um trono inacessível, perdido na imensidade dos céus, e porque suas faculdades e suas percepções são restritas, eles não compreendem que Deus possa ou se digne intervir diretamente nas menores coisas.
Na impotência em que se acha o homem de compreender a essência da divindade, não pode fazer senão uma ideia aproximada, auxiliado por comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos, lhe podem mostrar a possibilidade do que, à primeira vista, lhe parece impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos. É evidente que cada molécula desse fluido produzirá sobre cada molécula da matéria com a qual está em contato uma ação idêntica à que produziria a totalidade do fluido. É o que a química nos mostra a cada passo.
Não sendo inteligente, esse fluido age mecanicamente apenas pelas forças materiais. Mas se supusermos esse fluido dotado de inteligência, de facilidades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não mais cegamente, mas com discernimento, com vontade e liberdade; verá, ouvirá e sentirá.
As propriedades do fluido perispiritual dele nos podem dar uma ideia. Ele não é inteligente por si mesmo, porque é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e das percepções do Espírito; é em consequência da sutileza desse fluido que os Espíritos penetram por toda parte, perscrutam os nossos pensamentos, que veem e agem à distância; é a esse fluido, chegado a um certo grau de depuração, que os Espíritos superiores devem o dom da ubiquidade; basta um raio de seu pensamento dirigido para diversos pontos, para que eles possam aí manifestar sua presença simultânea. A extensão dessa faculdade está subordinada ao grau de elevação e de depuração do Espírito.
Mas os Espíritos, por mais elevados que sejam, são criaturas limitadas em suas faculdades. Seu poder e a extensão de suas percepções não poderiam, sob este ponto de vista, se aproximar de Deus. Contudo podem servir de ponto de comparação. O que o Espírito não pode realizar senão num limite restrito, Deus, que é infinito, o realiza em proporções infinitas. Há ainda, como diferença, que a ação do Espírito é momentânea e subordinada às circunstâncias, ao passo que a de Deus é permanente; o pensamento do Espírito só abarca um tempo e um espaço circunscritos, enquanto o de Deus abarca o Universo e a eternidade. Numa palavra, entre os Espíritos e Deus há a distância do finito ao infinito.
O fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento. Como é o fluido que o transmite, dele está, sob certo modo, impregnado e, na impossibilidade em que nos achamos de isolar o pensamento, ele parece não fazer senão um com o fluido, assim como o som parece ser um com o ar, de sorte que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Do mesmo modo que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se toma inteligente.
Seja ou não seja assim o pensamento de Deus, isto é, que ele aja diretamente ou por intermédio de um fluido, para a facilidade de nossa compreensão representamos esse pensamento sob a forma concreta de um fluido inteligente, enchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação. A Natureza inteira está mergulhada no fluido divino; tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; nenhum ser, por mais ínfimo que seja, deixa de estar, de certo modo, dele saturado.
Assim, estamos constantemente em presença da divindade; não há uma só de nossas ações que possamos subtrair ao seu olhar; nosso pensamento está em contato com o seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê os nossos mais profundos refolhos do coração; estamos nele como ele em nós, segundo a palavra do Cristo. Para estender sua solicitude às menores criaturas, ele não tem necessidade de mergulhar seu olhar do alto da imensidade, nem de deixar a morada de sua glória, pois essa morada está em toda parte. Para serem ouvidas por ele, nossas preces não necessitam transpor o espaço, nem serem ditas com voz retumbante, porque, incessantemente penetrados por ele, nossos pensamentos nele repercutem.
A imagem de um fluido inteligente universal evidentemente não passa de uma comparação, mas própria a dar uma ideia mais justa de Deus que os quadros que o representam sob a figura de um velho de longas barbas, envolto num manto. Não podemos tomar nossos pontos de comparação senão nas coisas que conhecemos; é por isto que dizemos diariamente: o olho de Deus, a mão de Deus, a voz de Deus, o sopro de Deus, a face de Deus. Na infância da Humanidade, o homem toma estas comparações ao pé da letra; mais tarde seu Espírito, mais apto a apreender as abstrações, espiritualiza as ideias materiais. A ideia de um fluido universal inteligente, penetrando tudo, ─ como seria o fluido luminoso, o fluido calórico, o fluido elétrico ou quaisquer outros, se eles fossem inteligentes, ─ tem o objetivo de fazer compreender a possibilidade para Deus de estar em toda parte, de ocupar-se de tudo, de velar pelo broto da erva como pelos mundos. Entre ele e nós a distância foi suprimida. Nós compreendemos a sua presença, e esse pensamento, quando a ele nos dirigimos, aumenta a nossa confiança, porque não mais podemos dizer que Deus está muito longe e é muito grande para se ocupar de nós. Mas este pensamento, tão consolador para o humilde e para o homem de bem, é muito aterrador para o mau e para o orgulhoso endurecidos, que esperavam a ele subtrair-se, graças à distância, e que, de agora em diante, sentir-se-ão sob a influência de seu poder.
Nada nos impede de admitir para o princípio de soberana inteligência um centro de ação, um foco principal radiando sem cessar, inundando o universo com os seus eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde está esse foco? É provável que ele não esteja mais fixo num ponto determinado do que a sua ação. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, essa faculdade, para Deus, deve ser sem limites. Enchendo Deus o Universo, poder-se-ia admitir, a título de hipótese, que esse foco não necessita transportar-se, e que ele se forme em todos os pontos onde sua soberana vontade julgue a propósito produzir-se, de onde se poderia dizer que ele está em toda parte e em parte alguma.
Diante destes problemas insondáveis, nossa razão deve humilhar-se. Deus existe: não poderíamos duvidar; ele é infinitamente justo e bom: é sua essência; sua solicitude se estende a tudo: nós o compreendemos agora; incessantemente em contato com ele, podemos orar a ele com a certeza de ser ouvidos; ele não pode querer senão o nosso bem, por isso devemos ter confiança nele. Eis o essencial.
Quanto ao mais, esperemos que sejamos dignos de compreendê-lo.
Em seu estado atual de inferioridade, só dificilmente os homens podem compreender Deus infinito, porque eles próprios são circunscritos, limitados e por isto o configuram circunscrito e limitado, como eles mesmos; representando-o como um ser circunscrito, dele fazem uma imagem à sua imagem. Nossos quadros que o pintam com traços humanos não contribuem pouco para alimentar este erro no espírito das massas, que nele mais adoram a forma do que o pensamento. É para a maioria um soberano poderoso, sobre um trono inacessível, perdido na imensidade dos céus, e porque suas faculdades e suas percepções são restritas, eles não compreendem que Deus possa ou se digne intervir diretamente nas menores coisas.
Na impotência em que se acha o homem de compreender a essência da divindade, não pode fazer senão uma ideia aproximada, auxiliado por comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que, ao menos, lhe podem mostrar a possibilidade do que, à primeira vista, lhe parece impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos. É evidente que cada molécula desse fluido produzirá sobre cada molécula da matéria com a qual está em contato uma ação idêntica à que produziria a totalidade do fluido. É o que a química nos mostra a cada passo.
Não sendo inteligente, esse fluido age mecanicamente apenas pelas forças materiais. Mas se supusermos esse fluido dotado de inteligência, de facilidades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não mais cegamente, mas com discernimento, com vontade e liberdade; verá, ouvirá e sentirá.
As propriedades do fluido perispiritual dele nos podem dar uma ideia. Ele não é inteligente por si mesmo, porque é matéria, mas é o veículo do pensamento, das sensações e das percepções do Espírito; é em consequência da sutileza desse fluido que os Espíritos penetram por toda parte, perscrutam os nossos pensamentos, que veem e agem à distância; é a esse fluido, chegado a um certo grau de depuração, que os Espíritos superiores devem o dom da ubiquidade; basta um raio de seu pensamento dirigido para diversos pontos, para que eles possam aí manifestar sua presença simultânea. A extensão dessa faculdade está subordinada ao grau de elevação e de depuração do Espírito.
Mas os Espíritos, por mais elevados que sejam, são criaturas limitadas em suas faculdades. Seu poder e a extensão de suas percepções não poderiam, sob este ponto de vista, se aproximar de Deus. Contudo podem servir de ponto de comparação. O que o Espírito não pode realizar senão num limite restrito, Deus, que é infinito, o realiza em proporções infinitas. Há ainda, como diferença, que a ação do Espírito é momentânea e subordinada às circunstâncias, ao passo que a de Deus é permanente; o pensamento do Espírito só abarca um tempo e um espaço circunscritos, enquanto o de Deus abarca o Universo e a eternidade. Numa palavra, entre os Espíritos e Deus há a distância do finito ao infinito.
O fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o intermediário desse pensamento. Como é o fluido que o transmite, dele está, sob certo modo, impregnado e, na impossibilidade em que nos achamos de isolar o pensamento, ele parece não fazer senão um com o fluido, assim como o som parece ser um com o ar, de sorte que podemos, por assim dizer, materializá-lo. Do mesmo modo que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa, dizer que o fluido se toma inteligente.
Seja ou não seja assim o pensamento de Deus, isto é, que ele aja diretamente ou por intermédio de um fluido, para a facilidade de nossa compreensão representamos esse pensamento sob a forma concreta de um fluido inteligente, enchendo o Universo infinito, penetrando todas as partes da criação. A Natureza inteira está mergulhada no fluido divino; tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua previdência, à sua solicitude; nenhum ser, por mais ínfimo que seja, deixa de estar, de certo modo, dele saturado.
Assim, estamos constantemente em presença da divindade; não há uma só de nossas ações que possamos subtrair ao seu olhar; nosso pensamento está em contato com o seu pensamento, e é com razão que se diz que Deus lê os nossos mais profundos refolhos do coração; estamos nele como ele em nós, segundo a palavra do Cristo. Para estender sua solicitude às menores criaturas, ele não tem necessidade de mergulhar seu olhar do alto da imensidade, nem de deixar a morada de sua glória, pois essa morada está em toda parte. Para serem ouvidas por ele, nossas preces não necessitam transpor o espaço, nem serem ditas com voz retumbante, porque, incessantemente penetrados por ele, nossos pensamentos nele repercutem.
A imagem de um fluido inteligente universal evidentemente não passa de uma comparação, mas própria a dar uma ideia mais justa de Deus que os quadros que o representam sob a figura de um velho de longas barbas, envolto num manto. Não podemos tomar nossos pontos de comparação senão nas coisas que conhecemos; é por isto que dizemos diariamente: o olho de Deus, a mão de Deus, a voz de Deus, o sopro de Deus, a face de Deus. Na infância da Humanidade, o homem toma estas comparações ao pé da letra; mais tarde seu Espírito, mais apto a apreender as abstrações, espiritualiza as ideias materiais. A ideia de um fluido universal inteligente, penetrando tudo, ─ como seria o fluido luminoso, o fluido calórico, o fluido elétrico ou quaisquer outros, se eles fossem inteligentes, ─ tem o objetivo de fazer compreender a possibilidade para Deus de estar em toda parte, de ocupar-se de tudo, de velar pelo broto da erva como pelos mundos. Entre ele e nós a distância foi suprimida. Nós compreendemos a sua presença, e esse pensamento, quando a ele nos dirigimos, aumenta a nossa confiança, porque não mais podemos dizer que Deus está muito longe e é muito grande para se ocupar de nós. Mas este pensamento, tão consolador para o humilde e para o homem de bem, é muito aterrador para o mau e para o orgulhoso endurecidos, que esperavam a ele subtrair-se, graças à distância, e que, de agora em diante, sentir-se-ão sob a influência de seu poder.
Nada nos impede de admitir para o princípio de soberana inteligência um centro de ação, um foco principal radiando sem cessar, inundando o universo com os seus eflúvios, como o Sol com a sua luz. Mas onde está esse foco? É provável que ele não esteja mais fixo num ponto determinado do que a sua ação. Se simples Espíritos têm o dom da ubiquidade, essa faculdade, para Deus, deve ser sem limites. Enchendo Deus o Universo, poder-se-ia admitir, a título de hipótese, que esse foco não necessita transportar-se, e que ele se forme em todos os pontos onde sua soberana vontade julgue a propósito produzir-se, de onde se poderia dizer que ele está em toda parte e em parte alguma.
Diante destes problemas insondáveis, nossa razão deve humilhar-se. Deus existe: não poderíamos duvidar; ele é infinitamente justo e bom: é sua essência; sua solicitude se estende a tudo: nós o compreendemos agora; incessantemente em contato com ele, podemos orar a ele com a certeza de ser ouvidos; ele não pode querer senão o nosso bem, por isso devemos ter confiança nele. Eis o essencial.
Quanto ao mais, esperemos que sejamos dignos de compreendê-lo.
A vista de Deus
Considerando-se que Deus está em toda parte, por que não o vemos? Vê-lo-emos ao deixar a Terra? Estas são também perguntas feitas diariamente. A primeira é fácil de resolver: Nossos órgãos materiais têm percepções limitadas, que lhes tornam imprópria a visão de certas coisas, mesmo materiais. É assim que certos fluidos escapam totalmente à nossa visão e aos nossos instrumentos de análise. Vemos os efeitos da peste e não vemos o fluido que a transporta; vemos os corpos a se moverem sob a influência da força da gravitação, mas não vemos essa força.
As coisas de essência espiritual não podem ser percebidas pelos órgãos materiais; só pela visão espiritual é que podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial; assim, só a nossa alma pode ter a percepção de Deus. Ela o vê imediatamente após a morte? É o que só as comunicações de além-túmulo nos podem ensinar. Por elas, sabemos que a visão de Deus só é privilégio das almas mais depuradas e que assim, muito poucas, ao deixar o envoltório terreno, possuem o grau de desmaterialização necessário. Algumas comparações simples nos permitirão compreender isso sem dificuldade.
Aquele que está no fundo de um vale, cercado de espessa bruma, não vê o Sol; contudo, à luz difusa, ele percebe a presença do sol. Se subir a montanha, à medida que ele se eleva, dissipa-se o nevoeiro, a luz se torna cada vez mais viva, mas ainda não o vê. Quando começa a percebê-lo, ele ainda está velado, porque o mínimo de vapor basta para lhe enfraquecer o brilho. Só depois de se haver elevado completamente acima da camada brumosa é que, achando-se num ar perfeitamente puro, ele o vê em todo o seu esplendor.
Dá-se o mesmo com quem tivesse a cabeça envolta por diversos véus. Inicialmente ele não vê absolutamente nada; a cada véu que retira, distingue um clarão cada vez maior; só quando retira o último véu é que vê as coisas nitidamente.
Também se dá o mesmo com um líquido carregado de matérias estranhas. A princípio ele é turvo; a cada destilação sua transparência aumenta, até que, estando completamente purificado, adquire uma limpidez perfeita e não apresenta nenhum obstáculo à visão.
Assim é com a alma. O envoltório perispiritual, embora invisível e impalpável para nós, é para ela uma verdadeira matéria, ainda muito grosseira para certas percepções. Esse envoltório se espiritualiza à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são como véus que obscurecem sua visão; cada imperfeição de que se desfaz é um véu a menos, mas só depois de se ter depurado completamente é que goza da plenitude de suas faculdades.
Sendo Deus a essência divina por excelência, não pode ser percebido em todo o seu brilho senão pelos Espíritos que atingiram o mais alto grau de desmaterialização. Se os Espíritos imperfeitos não o vêem, não é porque estejam mais afastados que os outros, porquanto todos os seres da Natureza, assim como eles, estão mergulhados no fluido divino. Assim como nós estamos na luz, os cegos também estão na luz, contudo não a veem. As imperfeições são véus que ocultam Deus à visão dos Espíritos inferiores; quando a cerração se dissipar, eles o verão resplandecer. Para isto não precisarão subir nem de procurá-lo nas profundezas do infinito; estando a vida espiritual desembaraçada das manchas morais que a obscureciam, eles o verão em qualquer lugar onde se encontrarem, ainda que estivessem na Terra, porquanto ele está em toda parte.
O Espírito se depura muito lentamente, e as diversas encarnações são os alambiques, no fundo dos quais deixa, a cada vez, algumas impurezas. Deixando seu envoltório corporal, ele não se despoja instantaneamente de suas imperfeições; é por isso que alguns, após a morte, não veem Deus mais do que em vida. No entanto, à medida que se depuram, dele têm uma intuição mais clara; se não o veem, compreendem-no melhor; a luz é menos difusa. Assim, quando Espíritos dizem que Deus lhes proíbe de responder a determinada pergunta, não é que Deus lhes apareça ou lhes dirija a palavra para prescrever ou interditar isto ou aquilo. Não; mas eles o sentem, recebem os eflúvios de seu pensamento, como nos acontece com relação aos Espíritos que nos envolvem com seu fluido, embora não os vejamos.
Nenhum homem pode, pois, ver Deus com os olhos da carne. Se esse favor fosse concedido a alguns, só o seria no estado de êxtase, quando a alma está tão desprendida dos laços da matéria quanto é possível durante a encarnação.
Um tal privilégio aliás seria apenas das almas de escol, encarnadas em missão e não em expiação. Mas como os Espíritos da mais elevada ordem resplandecem com um brilho deslumbrante, pode ser que Espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, deslumbrados pelo esplendor que os cerca, julgassem ter visto o próprio Deus. É como alguém que vê um ministro e o toma por seu soberano.
Sob que aparência Deus se apresenta aos que se tornaram dignos desse dom? Sob uma forma qualquer? Sob uma figura humana ou como um foco resplendente de luz? É o que a linguagem humana é incapaz de descrever, porque para nós não existe nenhum ponto de referência que possa dar uma ideia. Somos como cegos a quem em vão procurassem fazer compreender o brilho do Sol. Nosso vocabulário é limitado às nossas necessidades e ao círculo de nossas ideias; o dos selvagens não poderia descrever as maravilhas da civilização; o dos povos mais civilizados é muito pobre para descrever os esplendores do Céu; nossa inteligência muito limitada para compreendê-los, e nossa visão muito fraca ficaria por eles deslumbrada.
As coisas de essência espiritual não podem ser percebidas pelos órgãos materiais; só pela visão espiritual é que podemos ver os Espíritos e as coisas do mundo imaterial; assim, só a nossa alma pode ter a percepção de Deus. Ela o vê imediatamente após a morte? É o que só as comunicações de além-túmulo nos podem ensinar. Por elas, sabemos que a visão de Deus só é privilégio das almas mais depuradas e que assim, muito poucas, ao deixar o envoltório terreno, possuem o grau de desmaterialização necessário. Algumas comparações simples nos permitirão compreender isso sem dificuldade.
Aquele que está no fundo de um vale, cercado de espessa bruma, não vê o Sol; contudo, à luz difusa, ele percebe a presença do sol. Se subir a montanha, à medida que ele se eleva, dissipa-se o nevoeiro, a luz se torna cada vez mais viva, mas ainda não o vê. Quando começa a percebê-lo, ele ainda está velado, porque o mínimo de vapor basta para lhe enfraquecer o brilho. Só depois de se haver elevado completamente acima da camada brumosa é que, achando-se num ar perfeitamente puro, ele o vê em todo o seu esplendor.
Dá-se o mesmo com quem tivesse a cabeça envolta por diversos véus. Inicialmente ele não vê absolutamente nada; a cada véu que retira, distingue um clarão cada vez maior; só quando retira o último véu é que vê as coisas nitidamente.
Também se dá o mesmo com um líquido carregado de matérias estranhas. A princípio ele é turvo; a cada destilação sua transparência aumenta, até que, estando completamente purificado, adquire uma limpidez perfeita e não apresenta nenhum obstáculo à visão.
Assim é com a alma. O envoltório perispiritual, embora invisível e impalpável para nós, é para ela uma verdadeira matéria, ainda muito grosseira para certas percepções. Esse envoltório se espiritualiza à medida que a alma se eleva em moralidade. As imperfeições da alma são como véus que obscurecem sua visão; cada imperfeição de que se desfaz é um véu a menos, mas só depois de se ter depurado completamente é que goza da plenitude de suas faculdades.
Sendo Deus a essência divina por excelência, não pode ser percebido em todo o seu brilho senão pelos Espíritos que atingiram o mais alto grau de desmaterialização. Se os Espíritos imperfeitos não o vêem, não é porque estejam mais afastados que os outros, porquanto todos os seres da Natureza, assim como eles, estão mergulhados no fluido divino. Assim como nós estamos na luz, os cegos também estão na luz, contudo não a veem. As imperfeições são véus que ocultam Deus à visão dos Espíritos inferiores; quando a cerração se dissipar, eles o verão resplandecer. Para isto não precisarão subir nem de procurá-lo nas profundezas do infinito; estando a vida espiritual desembaraçada das manchas morais que a obscureciam, eles o verão em qualquer lugar onde se encontrarem, ainda que estivessem na Terra, porquanto ele está em toda parte.
O Espírito se depura muito lentamente, e as diversas encarnações são os alambiques, no fundo dos quais deixa, a cada vez, algumas impurezas. Deixando seu envoltório corporal, ele não se despoja instantaneamente de suas imperfeições; é por isso que alguns, após a morte, não veem Deus mais do que em vida. No entanto, à medida que se depuram, dele têm uma intuição mais clara; se não o veem, compreendem-no melhor; a luz é menos difusa. Assim, quando Espíritos dizem que Deus lhes proíbe de responder a determinada pergunta, não é que Deus lhes apareça ou lhes dirija a palavra para prescrever ou interditar isto ou aquilo. Não; mas eles o sentem, recebem os eflúvios de seu pensamento, como nos acontece com relação aos Espíritos que nos envolvem com seu fluido, embora não os vejamos.
Nenhum homem pode, pois, ver Deus com os olhos da carne. Se esse favor fosse concedido a alguns, só o seria no estado de êxtase, quando a alma está tão desprendida dos laços da matéria quanto é possível durante a encarnação.
Um tal privilégio aliás seria apenas das almas de escol, encarnadas em missão e não em expiação. Mas como os Espíritos da mais elevada ordem resplandecem com um brilho deslumbrante, pode ser que Espíritos menos elevados, encarnados ou desencarnados, deslumbrados pelo esplendor que os cerca, julgassem ter visto o próprio Deus. É como alguém que vê um ministro e o toma por seu soberano.
Sob que aparência Deus se apresenta aos que se tornaram dignos desse dom? Sob uma forma qualquer? Sob uma figura humana ou como um foco resplendente de luz? É o que a linguagem humana é incapaz de descrever, porque para nós não existe nenhum ponto de referência que possa dar uma ideia. Somos como cegos a quem em vão procurassem fazer compreender o brilho do Sol. Nosso vocabulário é limitado às nossas necessidades e ao círculo de nossas ideias; o dos selvagens não poderia descrever as maravilhas da civilização; o dos povos mais civilizados é muito pobre para descrever os esplendores do Céu; nossa inteligência muito limitada para compreendê-los, e nossa visão muito fraca ficaria por eles deslumbrada.
Uma ressurreição
O Concorde, jornal de Versalhes, de 22 de fevereiro de 1866, relata o episódio seguinte, de uma história publicada em folhetim, sob o título de Na Córsega, esboço a pena.
Uma jovem tinha uma velha tia que lhe servia de mãe e à qual devotava uma ternura filial. A tia adoeceu e morreu. Afastaram a jovem, mas ela plantou-se à porta da câmara mortuária, chorando e orando. De repente julgou ouvir um grito fraco e como um gemido surdo. Abriu a porta precipitadamente e viu a tia, que havia afastado o pano com que a tinham coberto, e que lhe fazia sinal para que se aproximasse. Então lhe disse com voz sumida e fazendo um esforço supremo: “Savéria, há pouco eu estava morta... sim, morta... Eu vi o Senhor... Ele me permitiu voltar um instante a esta Terra para te dar um último adeus e te fazer uma última recomendação.”
Então lhe renovou um conselho muito importante, que lhe havia dado alguns dias antes, do qual dependia o seu futuro. Tratava-se de guardar um segredo absoluto sobre um fato, cuja divulgação deveria arrastar uma dessas terríveis vinganças tão comuns neste país. Tendo a sobrinha prometido conformar-se com sua vontade, ela acrescentou: “Agora posso morrer, porque Deus te protegerá como me protege nesta hora porque, indo-me embora, não levarei o desgosto de deixar atrás de mim uma vingança a satisfazer-se numa trilha de sangue e de maldição... Adeus, minha pobre filha, eu te abençoo.” Depois destas palavras, ela expirou.
Um dos nossos correspondentes, que conhece pessoalmente o autor, lhe perguntou se seu relato era fruto de sua imaginação. “Não, respondeu ele. É a pura verdade. Ouvi o fato da própria boca de Savéria, quando eu estava na Córsega. Citei suas próprias palavras e ainda omiti certos detalhes, receando que me acusassem de exagero.”
Os fatos desta natureza não são únicos; citamos um muito notável na Revista de agosto de 1863, sob o título de O Sr. Cardon, médico. Eles são a prova evidente da existência e da independência da alma, porque, se o princípio inteligente fosse inerente à matéria, extinguir-se-ia com ela. A questão é saber se, por um ato da vontade, a alma pode reentrar momentaneamente na posse do corpo que acaba de deixar.
Não se deve assimilar o fato acima, nem o do médico Cardon, ao estado de letargia. A letargia é uma suspensão acidental da sensibilidade nervosa e do movimento que apresenta o aspecto da morte, mas que não é a morte, pois não há decomposição, e os letárgicos vivem muitos anos após o seu despertar. A vitalidade, por ser latente, não deixa de estar na plenitude da sua força, e a alma não está mais destacada do corpo do que no sono ordinário. Na morte verdadeira, ao contrário, a matéria se desorganiza, a vitalidade se extingue, o perispírito se separa; o trabalho da dissolução começa ainda antes que a morte se consume. Enquanto ela não se consuma, pode haver voltas passageiras à vida, como as que citamos, mas sempre de curta duração, considerando-se que a vontade pode retardar por alguns instantes a separação definitiva do perispírito, mas que ela é impotente para deter o trabalho de dissolução, quando chega o momento. Sejam quais forem as aparências exteriores, pode-se dizer que todas as vezes que houver volta à vida é que não houve morte, na acepção patológica do vocábulo. Quando a morte é completa, essas voltas são impossíveis, pois a isto se opõem as leis fisiológicas.
Nas circunstâncias de que falamos, portanto, podíamos racionalmente admitir que a morte não estivesse consumada. Tendo sido o fato relatado na Sociedade de Paris, o guia de um dos nossos médiuns habituais lhe deu a explicação seguinte, que reproduzimos com toda a reserva, como uma coisa possível, mas não materialmente provada, e a título de observação.
Uma jovem tinha uma velha tia que lhe servia de mãe e à qual devotava uma ternura filial. A tia adoeceu e morreu. Afastaram a jovem, mas ela plantou-se à porta da câmara mortuária, chorando e orando. De repente julgou ouvir um grito fraco e como um gemido surdo. Abriu a porta precipitadamente e viu a tia, que havia afastado o pano com que a tinham coberto, e que lhe fazia sinal para que se aproximasse. Então lhe disse com voz sumida e fazendo um esforço supremo: “Savéria, há pouco eu estava morta... sim, morta... Eu vi o Senhor... Ele me permitiu voltar um instante a esta Terra para te dar um último adeus e te fazer uma última recomendação.”
Então lhe renovou um conselho muito importante, que lhe havia dado alguns dias antes, do qual dependia o seu futuro. Tratava-se de guardar um segredo absoluto sobre um fato, cuja divulgação deveria arrastar uma dessas terríveis vinganças tão comuns neste país. Tendo a sobrinha prometido conformar-se com sua vontade, ela acrescentou: “Agora posso morrer, porque Deus te protegerá como me protege nesta hora porque, indo-me embora, não levarei o desgosto de deixar atrás de mim uma vingança a satisfazer-se numa trilha de sangue e de maldição... Adeus, minha pobre filha, eu te abençoo.” Depois destas palavras, ela expirou.
Um dos nossos correspondentes, que conhece pessoalmente o autor, lhe perguntou se seu relato era fruto de sua imaginação. “Não, respondeu ele. É a pura verdade. Ouvi o fato da própria boca de Savéria, quando eu estava na Córsega. Citei suas próprias palavras e ainda omiti certos detalhes, receando que me acusassem de exagero.”
Os fatos desta natureza não são únicos; citamos um muito notável na Revista de agosto de 1863, sob o título de O Sr. Cardon, médico. Eles são a prova evidente da existência e da independência da alma, porque, se o princípio inteligente fosse inerente à matéria, extinguir-se-ia com ela. A questão é saber se, por um ato da vontade, a alma pode reentrar momentaneamente na posse do corpo que acaba de deixar.
Não se deve assimilar o fato acima, nem o do médico Cardon, ao estado de letargia. A letargia é uma suspensão acidental da sensibilidade nervosa e do movimento que apresenta o aspecto da morte, mas que não é a morte, pois não há decomposição, e os letárgicos vivem muitos anos após o seu despertar. A vitalidade, por ser latente, não deixa de estar na plenitude da sua força, e a alma não está mais destacada do corpo do que no sono ordinário. Na morte verdadeira, ao contrário, a matéria se desorganiza, a vitalidade se extingue, o perispírito se separa; o trabalho da dissolução começa ainda antes que a morte se consume. Enquanto ela não se consuma, pode haver voltas passageiras à vida, como as que citamos, mas sempre de curta duração, considerando-se que a vontade pode retardar por alguns instantes a separação definitiva do perispírito, mas que ela é impotente para deter o trabalho de dissolução, quando chega o momento. Sejam quais forem as aparências exteriores, pode-se dizer que todas as vezes que houver volta à vida é que não houve morte, na acepção patológica do vocábulo. Quando a morte é completa, essas voltas são impossíveis, pois a isto se opõem as leis fisiológicas.
Nas circunstâncias de que falamos, portanto, podíamos racionalmente admitir que a morte não estivesse consumada. Tendo sido o fato relatado na Sociedade de Paris, o guia de um dos nossos médiuns habituais lhe deu a explicação seguinte, que reproduzimos com toda a reserva, como uma coisa possível, mas não materialmente provada, e a título de observação.
(Sociedade Espírita de Paris, 2 de março de 1866 - Médium: Sr. Morin)
No caso que constitui motivo de vossa discussão, há um fato positivo, o da morta que falou à sua sobrinha. Resta saber se esse fato é do domínio material, isto é, se houve volta momentânea à vida corporal, ou se é de ordem espiritual; é esta última hipótese que é a verdadeira, porque a velha senhora estava realmente bem morta. Eis o que se passou:
Ajoelhada à porta da câmara mortuária, a jovem sofreu um impulso irresistível que a levou para junto do leito de sua tia que, como eu disse, estava bem morta. Foi a ardente vontade do Espírito dessa mulher que provocou o fenômeno. Sentindo-se morrer sem poder fazer a recomendação tão vivamente desejada, ela pediu a Deus, numa última e suprema prece, que pudesse dizer à sobrinha o que lhe desejava dizer. Já estando feita a separação, o fluido perispiritual, ainda impregnado de seu desejo, envolveu a jovem e arrastou-a para junto dos despojos. Ali, por uma permissão de Deus, ela tornou-se médium vidente e auditiva; viu e ouviu sua tia falando e agindo, não com o corpo, mas por meio do perispírito ainda vinculado ao corpo, de sorte que houve visão e audição espirituais e não materiais.
A recomendação da tia, feita em tal momento e em circunstâncias que davam a aparência de uma ressurreição, devia impressionar a moça mais vivamente, e fazê-la compreender toda a importância da recomendação. Embora já a tivesse feito em vida, queria levar a certeza de que sua sobrinha concordaria, para evitar as desgraças que resultariam de uma indiscrição. Sua vontade não pôde fazer reviver o seu corpo, contrariando as leis da Natureza, mas pôde dar ao seu envoltório fluídico as aparências de seu corpo.
EBELMAN
No caso que constitui motivo de vossa discussão, há um fato positivo, o da morta que falou à sua sobrinha. Resta saber se esse fato é do domínio material, isto é, se houve volta momentânea à vida corporal, ou se é de ordem espiritual; é esta última hipótese que é a verdadeira, porque a velha senhora estava realmente bem morta. Eis o que se passou:
Ajoelhada à porta da câmara mortuária, a jovem sofreu um impulso irresistível que a levou para junto do leito de sua tia que, como eu disse, estava bem morta. Foi a ardente vontade do Espírito dessa mulher que provocou o fenômeno. Sentindo-se morrer sem poder fazer a recomendação tão vivamente desejada, ela pediu a Deus, numa última e suprema prece, que pudesse dizer à sobrinha o que lhe desejava dizer. Já estando feita a separação, o fluido perispiritual, ainda impregnado de seu desejo, envolveu a jovem e arrastou-a para junto dos despojos. Ali, por uma permissão de Deus, ela tornou-se médium vidente e auditiva; viu e ouviu sua tia falando e agindo, não com o corpo, mas por meio do perispírito ainda vinculado ao corpo, de sorte que houve visão e audição espirituais e não materiais.
A recomendação da tia, feita em tal momento e em circunstâncias que davam a aparência de uma ressurreição, devia impressionar a moça mais vivamente, e fazê-la compreender toda a importância da recomendação. Embora já a tivesse feito em vida, queria levar a certeza de que sua sobrinha concordaria, para evitar as desgraças que resultariam de uma indiscrição. Sua vontade não pôde fazer reviver o seu corpo, contrariando as leis da Natureza, mas pôde dar ao seu envoltório fluídico as aparências de seu corpo.
EBELMAN
Palestras de além-túmulo
O Padre Laverdet
O Sr. Laverdet era um dos pastores da igreja francesa e coadjutor do padre Châtel. Era um homem de grande saber e que, por sua elevação do caráter, gozava da estima dos que o conheceram. Morreu em Paris, em novembro último. Um de seus mais íntimos amigos, o Sr. Monvoisin, o eminente pintor de história, espírita fervoroso, tendo desejado dele receber algumas palavras de além-túmulo, pediu-nos que o evocássemos. A comunicação que ele deu tem para o seu amigo e para o seu irmão um cunho incontestável de identidade, por isto cedemos ao desejo desses dois senhores de publicá-la, e isto com tanto mais boa vontade pelo fato de ela ser instrutiva sob mais de um aspecto.
(Sociedade de Paris, 5 de janeiro de 1866 - Médium: Sr. Desliens)
Evocação. Vosso amigo, Sr. Monvoisin, informou-me hoje de vossa morte e, embora não tivéssemos tido o privilégio de conhecer-vos pessoalmente, conhecíamos a vossa reputação, pela parte que tomastes na formação da igreja francesa. A estima que gozáveis merecidamente, e o estudo que fizestes do Espiritismo antes de morrer, acrescidos do desejo de vosso amigo e de vosso irmão, nos ensejam o desejo de nos comunicarmos convosco, se Deus o permitir. Ficaremos felizes se quiserdes dar as vossas impressões como Espírito, quer sobre a reforma religiosa na qual trabalhastes e as causas que detiveram o seu progresso, quer sobre a Doutrina Espírita.
Resposta. Caro senhor, estou feliz, muito feliz pela boa lembrança de meu caro amigo Sr. Monvoisin. Graças a ele, hoje posso, nesta honrada assembleia, exprimir minha admiração pelo homem cujos notáveis estudos levaram a felicidade a todos os corações deserdados e feridos pela injustiça dos homens. Reformador eu mesmo, mais que qualquer outro estou em posição de apreciar toda a prudência, toda a sabedoria de vossa conduta, caro senhor e mestre, se me permitirdes que vos dê este título.
Pouco satisfeito com as tendências gerais do clero ortodoxo, com sua maneira parcimoniosa de espalhar a luz devida a todos, eu quis, em parceria com o padre Châtel, estabelecer um ensino sob novas bases, com o caráter de religião, mais vinculado às necessidades gerais das classes pobres. A princípio, nosso objetivo foi louvável, mas nosso empreendimento pecava por sua base, por seu propósito, que era tal que deviam vir a nós mais para contraditar à religião estabelecida do que por convicção íntima. Logo o reconhecemos, mas, muito levianos, aceitamos com entusiasmo as crianças que repeliam outros padres, por falta de instrução suficiente ou de formalidades necessárias.
O Espiritismo procede de maneira totalmente diversa; é firme e prudente; não busca a quantidade, mas a qualidade dos adeptos. É um ensino sério e não uma especulação.
Nossa reforma, que desde o início era completamente desinteressada, logo foi considerada, sobretudo pelo padre Châtel, como um meio de fazer fortuna. Esta foi a principal causa de sua ruína. Nós não tínhamos suficientes elementos de resistência, e, é preciso dizê-lo, nem planejamento suficiente, felizmente, sem dúvida, para levar tal empresa a bom termo. O primeiro primaz francês não teve sucessor. Eu não tentei apresentar-me como chefe de uma seita da qual tinha sido um dos fundadores de segunda ordem, porque, em primeiro lugar, não aprovava todas as tendências do padre Châtel, tendências que o caro homem expiou e expia ainda no mundo dos Espíritos. Por outro lado, minha simplicidade o repugnava; abstive-me e por isto hoje me sinto feliz.
Quando novamente me vieram propor a retomada da obra interrompida, a leitura de vossas obras, caro senhor, já tinha lançado profundas raízes em mim. Compreendi que se tratava não só de modificar a forma do ensino, mas, também, o próprio ensino. Por sua natureza, nossa reforma não podia necessariamente ter senão um tempo; fundada sobre uma ideia fixa, sobre uma concepção humana, inteiramente desenvolvida e limitada em seu início, ela devia, mesmo com todas as chances de sucesso, ser em breve ultrapassada pelas sementes progressistas, cuja germinação hoje vemos.
O Espiritismo não tem esse defeito. Ele marcha com o progresso, ele é o próprio progresso e não poderia ser ultrapassado por aquele que ele precede constantemente. Aceitando todas as ideias novas fundamentadas na razão e na lógica, desenvolvendo-as e fazendo surgirem outras desconhecidas, seu futuro está assegurado. Permiti-me, caro senhor, agradecer-vos em particular o prazer que experimentei ao estudar os sábios ensinos publicados sob vossos cuidados. Meu espírito, perturbado pelo desejo de saber o que ocultavam todos os mistérios da Natureza, foi ferido, à sua leitura, pela mais viva luz.
Sei que, por modéstia, repelis qualquer elogio pessoal; sei também que esses ensinamentos não são concepção vossa, mas a reunião de instruções dos vossos guias; não obstante, não é menos à vossa prudente reserva, à vossa habilidade em apresentar cada coisa a seu tempo, à vossa sábia lentidão, à vossa moderação constante, que o Espiritismo deve, depois de Deus e dos bons Espíritos, gozar da consideração que lhe conferem. A despeito de todas as diatribes, de todos os ataques ilógicos e grosseiros, ele não deixa de ser hoje uma opinião que fez lei e que é aceita por numerosas pessoas sensatas e sérias e acima de qualquer suspeita. É uma obra de futuro; está sob a égide do Onipotente, e o concurso de todos os homens superiores e inteligentes será por ele conquistado, a partir do momento em que eles reconhecerem suas verdadeiras tendências, que foram desfiguradas pelos seus adversários.
Infelizmente o ridículo é uma arma poderosa neste país de progresso! Inúmeras pessoas esclarecidas se recusam a estudar certas ideias, mesmo em segredo, quando foram estigmatizadas por pilhérias mesquinhas. Mas há coisas que enfrentam todos os obstáculos. O Espiritismo é uma delas, e em breve soará a hora de sua vitória. Ele unirá em torno de si toda a França, toda a Europa inteligente, e muito tolos e equivocados serão aqueles que ainda ousarem atribuir à imaginação fatos reconhecidos por inteligências excepcionais.
Quanto ao meu estado pessoal, presentemente é satisfatório; dele nada vos direi; apenas chamarei vossa atenção e pedirei vossas preces para o meu antigo colega, o padre Châtel. Orai por ele. Mais tarde o seu espírito tresmalhado, mas elevado, poderá ditar-vos sábias instruções. Agradeço-vos novamente vossa benevolência para comigo e ponho-me inteiramente à vossa disposição, se vos puder ser útil, seja no que for.
Padre LAVERDET.
Evocação. Vosso amigo, Sr. Monvoisin, informou-me hoje de vossa morte e, embora não tivéssemos tido o privilégio de conhecer-vos pessoalmente, conhecíamos a vossa reputação, pela parte que tomastes na formação da igreja francesa. A estima que gozáveis merecidamente, e o estudo que fizestes do Espiritismo antes de morrer, acrescidos do desejo de vosso amigo e de vosso irmão, nos ensejam o desejo de nos comunicarmos convosco, se Deus o permitir. Ficaremos felizes se quiserdes dar as vossas impressões como Espírito, quer sobre a reforma religiosa na qual trabalhastes e as causas que detiveram o seu progresso, quer sobre a Doutrina Espírita.
Resposta. Caro senhor, estou feliz, muito feliz pela boa lembrança de meu caro amigo Sr. Monvoisin. Graças a ele, hoje posso, nesta honrada assembleia, exprimir minha admiração pelo homem cujos notáveis estudos levaram a felicidade a todos os corações deserdados e feridos pela injustiça dos homens. Reformador eu mesmo, mais que qualquer outro estou em posição de apreciar toda a prudência, toda a sabedoria de vossa conduta, caro senhor e mestre, se me permitirdes que vos dê este título.
Pouco satisfeito com as tendências gerais do clero ortodoxo, com sua maneira parcimoniosa de espalhar a luz devida a todos, eu quis, em parceria com o padre Châtel, estabelecer um ensino sob novas bases, com o caráter de religião, mais vinculado às necessidades gerais das classes pobres. A princípio, nosso objetivo foi louvável, mas nosso empreendimento pecava por sua base, por seu propósito, que era tal que deviam vir a nós mais para contraditar à religião estabelecida do que por convicção íntima. Logo o reconhecemos, mas, muito levianos, aceitamos com entusiasmo as crianças que repeliam outros padres, por falta de instrução suficiente ou de formalidades necessárias.
O Espiritismo procede de maneira totalmente diversa; é firme e prudente; não busca a quantidade, mas a qualidade dos adeptos. É um ensino sério e não uma especulação.
Nossa reforma, que desde o início era completamente desinteressada, logo foi considerada, sobretudo pelo padre Châtel, como um meio de fazer fortuna. Esta foi a principal causa de sua ruína. Nós não tínhamos suficientes elementos de resistência, e, é preciso dizê-lo, nem planejamento suficiente, felizmente, sem dúvida, para levar tal empresa a bom termo. O primeiro primaz francês não teve sucessor. Eu não tentei apresentar-me como chefe de uma seita da qual tinha sido um dos fundadores de segunda ordem, porque, em primeiro lugar, não aprovava todas as tendências do padre Châtel, tendências que o caro homem expiou e expia ainda no mundo dos Espíritos. Por outro lado, minha simplicidade o repugnava; abstive-me e por isto hoje me sinto feliz.
Quando novamente me vieram propor a retomada da obra interrompida, a leitura de vossas obras, caro senhor, já tinha lançado profundas raízes em mim. Compreendi que se tratava não só de modificar a forma do ensino, mas, também, o próprio ensino. Por sua natureza, nossa reforma não podia necessariamente ter senão um tempo; fundada sobre uma ideia fixa, sobre uma concepção humana, inteiramente desenvolvida e limitada em seu início, ela devia, mesmo com todas as chances de sucesso, ser em breve ultrapassada pelas sementes progressistas, cuja germinação hoje vemos.
O Espiritismo não tem esse defeito. Ele marcha com o progresso, ele é o próprio progresso e não poderia ser ultrapassado por aquele que ele precede constantemente. Aceitando todas as ideias novas fundamentadas na razão e na lógica, desenvolvendo-as e fazendo surgirem outras desconhecidas, seu futuro está assegurado. Permiti-me, caro senhor, agradecer-vos em particular o prazer que experimentei ao estudar os sábios ensinos publicados sob vossos cuidados. Meu espírito, perturbado pelo desejo de saber o que ocultavam todos os mistérios da Natureza, foi ferido, à sua leitura, pela mais viva luz.
Sei que, por modéstia, repelis qualquer elogio pessoal; sei também que esses ensinamentos não são concepção vossa, mas a reunião de instruções dos vossos guias; não obstante, não é menos à vossa prudente reserva, à vossa habilidade em apresentar cada coisa a seu tempo, à vossa sábia lentidão, à vossa moderação constante, que o Espiritismo deve, depois de Deus e dos bons Espíritos, gozar da consideração que lhe conferem. A despeito de todas as diatribes, de todos os ataques ilógicos e grosseiros, ele não deixa de ser hoje uma opinião que fez lei e que é aceita por numerosas pessoas sensatas e sérias e acima de qualquer suspeita. É uma obra de futuro; está sob a égide do Onipotente, e o concurso de todos os homens superiores e inteligentes será por ele conquistado, a partir do momento em que eles reconhecerem suas verdadeiras tendências, que foram desfiguradas pelos seus adversários.
Infelizmente o ridículo é uma arma poderosa neste país de progresso! Inúmeras pessoas esclarecidas se recusam a estudar certas ideias, mesmo em segredo, quando foram estigmatizadas por pilhérias mesquinhas. Mas há coisas que enfrentam todos os obstáculos. O Espiritismo é uma delas, e em breve soará a hora de sua vitória. Ele unirá em torno de si toda a França, toda a Europa inteligente, e muito tolos e equivocados serão aqueles que ainda ousarem atribuir à imaginação fatos reconhecidos por inteligências excepcionais.
Quanto ao meu estado pessoal, presentemente é satisfatório; dele nada vos direi; apenas chamarei vossa atenção e pedirei vossas preces para o meu antigo colega, o padre Châtel. Orai por ele. Mais tarde o seu espírito tresmalhado, mas elevado, poderá ditar-vos sábias instruções. Agradeço-vos novamente vossa benevolência para comigo e ponho-me inteiramente à vossa disposição, se vos puder ser útil, seja no que for.
Padre LAVERDET.
Pai descuidado com os filhos
Charles-Emmanuel Jean era um operário bom e de caráter suave, mas dado à embriaguez desde a juventude. Tinha sido tomado de viva paixão por uma jovem de seu conhecimento, que inutilmente pedira em casamento. Ela o tinha sempre repelido, dizendo que jamais casaria com um bêbado. Ele casou-se com outra, com a qual teve vários filhos, mas, absorvido pela bebida, não se preocupou nem com a educação nem com o futuro deles. Morreu por volta de 1823, sem que se soubesse em que se havia tornado. Um dos filhos seguiu os passos do pai; partiu para a África e não deu mais notícias. Um outro era de natureza completamente diferente; sua conduta foi sempre regular. Entrando cedo no aprendizado, se fez querido e estimado por seus patrões como operário qualificado, laborioso, ativo e inteligente. Por seu trabalho e suas economias, criou uma posição honrada na indústria e educou de maneira muito conveniente uma numerosa família. É hoje um espírita fervoroso e devotado.
Um dia, numa conversa íntima, ele exprimia o pesar por não ter podido assegurar aos filhos uma fortuna independente; procuramos tranquilizar a sua consciência, felicitando-o, ao contrário, pela maneira como ele havia cumprido seus deveres de pai. Como é bom médium, rogamos que pedisse uma comunicação, sem fazer apelo a um Espírito determinado. Ele escreveu:
“Sou eu, Charles-Emmanuel.”
É meu pai, disse ele. Pobre pai! Ele não é feliz.
O Espírito continuou: Sim, o mestre tem razão; tu fizeste mais por teus filhos do que eu por ti.
Assim, tenho uma tarefa dura a cumprir. Bendiz a Deus, que te deu o amor pela família.
Pergunta (do Sr. Allan Kardec). ─ De onde vinha vossa inclinação pela bebida?
Resposta. ─ Um hábito de meu pai, que eu herdei. É uma provação que deveria ter combatido.
OBSERVAÇÃO: Com efeito, seu pai tinha o mesmo vício, mas não é certo dizer que era um hábito herdado; ele simplesmente cedeu à influência do mau exemplo. Não se herdam defeitos de caráter, como se herdam defeitos de conformação. O livre-arbítrio tudo pode sobre os primeiros e nada sobre os últimos.
P. ─ Qual a vossa posição atual no mundo dos Espíritos?
R. ─ Estou incessantemente a procurar meus filhos e aquela que tanto me fez sofrer, aquela que sempre me repeliu.
P. ─ Deveis ter um consolo no vosso filho Jean, que é um homem honrado e estimado, e que ora por vós, embora vos tivésseis pouco ocupado com ele.
R. ─ Sim, eu sei; ele tem feito e o faz ainda. É por isso que me é permitido falar-vos. Estou sempre perto dele, buscando aliviar suas fadigas; é a minha missão; ela só terminará com a vinda de meu filho para junto de nós.
P. ─ Em que situação vos encontrastes como Espírito, após a morte?
R. ─ A princípio não me julgava morto; bebia sem cessar; via Antoinette, que queria alcançar, mas
que me fugia. Depois, procurava meus filhos, que eu amava, a despeito de tudo, e que minha mulher não me queria dar. Então eu me revoltava, reconhecendo o meu nada e a minha impotência, e Deus me condenou a velar por meu filho Jean, que jamais morreu por acidente, porque sempre e em toda parte eu o salvo de uma morte violenta.
OBSERVAÇÃO: Com efeito, o Sr. Jean escapou muitas vezes, como por milagre, de perigos iminentes; escapou de afogar-se, de ser queimado, de ser esmagado nas engrenagens de uma máquina, de explodir com uma máquina a vapor; na sua juventude foi enforcado por acidente, e sempre um socorro inesperado o salvou no momento mais crítico, o que é devido, ao que parece, à vigilância exercida por seu pai.
P. ─ Dissestes que Deus vos condenou a velar pela segurança de vosso filho. Não vejo nisto uma punição; como o amais, isto deve ser, ao contrário, uma satisfação para vós. Uma porção de Espíritos são prepostos à guarda dos encarnados, dos quais são protetores, e essa é uma tarefa que eles se sentem felizes em cumprir.
R. ─ Sim, mestre. Eu não devia ter-me descuidado dos filhos, como fiz. Agora, a lei da justiça me condena a reparar. Não o faço contra a vontade; sinto-me feliz de fazê-lo por amor a meu filho, mas a dor que ele experimentaria nos acidentes de que o salvo, sou eu que suporto; se ele devesse ser atravessado por dez balas, eu sentiria o mal que ele suportaria, se a coisa se realizasse. Eis a punição que eu atraí, não cumprindo junto dele os meus deveres de pai durante minha vida.
P. (Pelo Sr. Jean). ─ Vedes meu irmão Numa e podeis dizer onde ele está? (Aquele que se entregava à bebida e cuja sorte ficou ignorada).
R. ─ Não, não o vejo, mas o procuro. Tua filha Jeanne o viu na costa da África, cair no mar. Eu não estava lá para socorrê-lo. Eu não podia.
OBSERVAÇÃO: A filha do Sr. Jean, num momento de êxtase, realmente o tinha visto cair no mar, na época de seu desaparecimento.
A punição desse Espírito oferece esta particularidade: Ele sente as dores que deve poupar ao filho. Compreende-se, a partir daí, que a missão seja penosa; mas como ele não se lamenta e a considera como uma justa reparação e que isso não diminui sua afeição por ele, essa expiação lhe é proveitosa.
Um dia, numa conversa íntima, ele exprimia o pesar por não ter podido assegurar aos filhos uma fortuna independente; procuramos tranquilizar a sua consciência, felicitando-o, ao contrário, pela maneira como ele havia cumprido seus deveres de pai. Como é bom médium, rogamos que pedisse uma comunicação, sem fazer apelo a um Espírito determinado. Ele escreveu:
“Sou eu, Charles-Emmanuel.”
É meu pai, disse ele. Pobre pai! Ele não é feliz.
O Espírito continuou: Sim, o mestre tem razão; tu fizeste mais por teus filhos do que eu por ti.
Assim, tenho uma tarefa dura a cumprir. Bendiz a Deus, que te deu o amor pela família.
Pergunta (do Sr. Allan Kardec). ─ De onde vinha vossa inclinação pela bebida?
Resposta. ─ Um hábito de meu pai, que eu herdei. É uma provação que deveria ter combatido.
OBSERVAÇÃO: Com efeito, seu pai tinha o mesmo vício, mas não é certo dizer que era um hábito herdado; ele simplesmente cedeu à influência do mau exemplo. Não se herdam defeitos de caráter, como se herdam defeitos de conformação. O livre-arbítrio tudo pode sobre os primeiros e nada sobre os últimos.
P. ─ Qual a vossa posição atual no mundo dos Espíritos?
R. ─ Estou incessantemente a procurar meus filhos e aquela que tanto me fez sofrer, aquela que sempre me repeliu.
P. ─ Deveis ter um consolo no vosso filho Jean, que é um homem honrado e estimado, e que ora por vós, embora vos tivésseis pouco ocupado com ele.
R. ─ Sim, eu sei; ele tem feito e o faz ainda. É por isso que me é permitido falar-vos. Estou sempre perto dele, buscando aliviar suas fadigas; é a minha missão; ela só terminará com a vinda de meu filho para junto de nós.
P. ─ Em que situação vos encontrastes como Espírito, após a morte?
R. ─ A princípio não me julgava morto; bebia sem cessar; via Antoinette, que queria alcançar, mas
que me fugia. Depois, procurava meus filhos, que eu amava, a despeito de tudo, e que minha mulher não me queria dar. Então eu me revoltava, reconhecendo o meu nada e a minha impotência, e Deus me condenou a velar por meu filho Jean, que jamais morreu por acidente, porque sempre e em toda parte eu o salvo de uma morte violenta.
OBSERVAÇÃO: Com efeito, o Sr. Jean escapou muitas vezes, como por milagre, de perigos iminentes; escapou de afogar-se, de ser queimado, de ser esmagado nas engrenagens de uma máquina, de explodir com uma máquina a vapor; na sua juventude foi enforcado por acidente, e sempre um socorro inesperado o salvou no momento mais crítico, o que é devido, ao que parece, à vigilância exercida por seu pai.
P. ─ Dissestes que Deus vos condenou a velar pela segurança de vosso filho. Não vejo nisto uma punição; como o amais, isto deve ser, ao contrário, uma satisfação para vós. Uma porção de Espíritos são prepostos à guarda dos encarnados, dos quais são protetores, e essa é uma tarefa que eles se sentem felizes em cumprir.
R. ─ Sim, mestre. Eu não devia ter-me descuidado dos filhos, como fiz. Agora, a lei da justiça me condena a reparar. Não o faço contra a vontade; sinto-me feliz de fazê-lo por amor a meu filho, mas a dor que ele experimentaria nos acidentes de que o salvo, sou eu que suporto; se ele devesse ser atravessado por dez balas, eu sentiria o mal que ele suportaria, se a coisa se realizasse. Eis a punição que eu atraí, não cumprindo junto dele os meus deveres de pai durante minha vida.
P. (Pelo Sr. Jean). ─ Vedes meu irmão Numa e podeis dizer onde ele está? (Aquele que se entregava à bebida e cuja sorte ficou ignorada).
R. ─ Não, não o vejo, mas o procuro. Tua filha Jeanne o viu na costa da África, cair no mar. Eu não estava lá para socorrê-lo. Eu não podia.
OBSERVAÇÃO: A filha do Sr. Jean, num momento de êxtase, realmente o tinha visto cair no mar, na época de seu desaparecimento.
A punição desse Espírito oferece esta particularidade: Ele sente as dores que deve poupar ao filho. Compreende-se, a partir daí, que a missão seja penosa; mas como ele não se lamenta e a considera como uma justa reparação e que isso não diminui sua afeição por ele, essa expiação lhe é proveitosa.
Lembranças retrospectivas de um Espírito
(Comunicação espontânea - Tulle, 26 de fevereiro de 1866 - Médium: Sr. Leymarie)
Sabeis, amigos, de que lugar é datada minha comunicação? De uma garganta perdida, onde as casas disputaram suas fiadas às dificuldades acumuladas pela criação. Sobre o declive de colinas quase a pique, serpenteiam ruas trepadas, ou antes penduradas nos flancos dos rochedos. Pobres moradas que abrigaram muitas gerações; em cima dos telhados se acham os jardins, onde os pássaros cantam a sua prece. Quando as primeiras flores anunciam os belos dias cheios de ar e de sol, essa música parece sair das camadas aéreas, e o habitante que dobra e trabalha o ferro, a usina e seu ruído dissonante casam seu ritmo áspero e barulhento à harmonia dos pequenos artistas do bom Deus.
Mas acima dessas casas deterioradas, acavaladas, originais, deslocadas, existem altas montanhas com uma verdura sem par; a cada passo, o passante vê alargar-se o horizonte; as aldeias, as igrejas parecem sair do abismo, e esse panorama estranho, selvagem, mutável, se perde ao longe, dominado por montanhas de cabeças embranquecidas pelas neves.
Mas eu esquecia: sem dúvida deveis perceber uma fita prateada, clara, caprichosa, transparente como um espelho: é a Corrèze. Ora encaixada entre rochedos, é silenciosa e grave; ora se escapa alegre, risonha, através dos prados, dos salgueiros e dos olmeiros, oferecendo sua taça aos lábios de numerosos rebanhos, e sua transparência benfazeja às brincadeiras dos banhistas; ela purifica a cidade, que divide graciosamente.
Eu amo este rincão com suas velhas moradas, seu gigantesco campanário, sua ribeira, seu ruído, sua coroa de castanheiros; eu o amo porque ali nasci, porque tudo o que narro ao vosso espírito benevolente faz parte das lembranças de minha última encarnação. Parentes amados, amigos sinceros sempre me cercaram de ternos cuidados; ajudaram no meu adiantamento espiritual. Chegado às grandezas, eu lhes devia meus sentimentos fraternos; meus trabalhos os honravam, e quando venho como Espírito visitar a cidade de minha infância, não me posso impedir de subir ao Puy-Saint-Clair, a última morada dos cidadãos de Tulle, saudar os restos terrenos dos Espíritos amados.
Estranha fantasia! O cemitério está a quinhentos pés acima da cidade; em volta, o horizonte infinito. A gente está só entre a Natureza, seus prestígios e Deus, o rei de todas as grandezas, de todas as esperanças. Nossos avós tinham querido aproximar os mortos amados de sua verdadeira morada, para lhes dizer: Espíritos, desprendei-vos! O ar ambiente vos chama. Saí resplendentes de vossa prisão, a fim de que o espetáculo encantador deste horizonte imenso vos prepare para as maravilhas que fostes chamados a contemplar. Se tiveram tal pensamento, eu o aprovo, porque a morte não é tão lúgubre quanto querem pintá-la. Ela não é, para os espíritas, a verdadeira vida, a separação desejada, a bem-vinda do exilado nos grupos da erraticidade, onde ele vem estudar, aprender e preparar-se para novas provas?
Em alguns anos, em vez de gemer, de cobrir-se de luto, será uma festa para os Espíritos encarnados essa separação, quando o morto tiver cumprido os seus deveres espíritas em toda a acepção da palavra; mas chorarão, gemerão pelo terrícola egoísta que jamais praticou a caridade, a fraternidade, todas as virtudes, todos os deveres tão bem definidos no Livro dos Espíritos.
Depois de ter falado dos mortos, me permitis falar dos vivos? Eu me ligo muito a todas as esperanças, e meu país, onde há tanto a fazer, bem merece votos sinceros.
O progresso, esse nivelador inflexível, é lento, é verdade, para implantar-se nas regiões montanhosas, mas ele sabe impregnar-se tempestivamente nos hábitos, nos costumes; ele afasta uma a uma as oposições, para deixar entrever, enfim, clarões novos para esses párias do trabalho, cujo corpo, sempre vergado sobre uma terra ingrata, é tão rude quanto o traçado dos sulcos.
A natureza vigorosa desses bravos habitantes espera a redenção espiritual. Eles não sabem o que é pensar, julgar corretamente e utilizar todos os recursos do espírito; só o interesse os domina em toda a sua rudeza e o alimento pesado e comum se presta a essa esterilidade do espírito. Vivendo afastados do ruído da política, das descobertas científicas, eles são como bois, ignorantes de sua força, prontos a aceitar o jugo, e tangidos pelo aguilhão, vão à missa, ao cabaré, à aldeia, não por interesse mas por hábito, dormindo durante as prédicas, saltando aos sons dissonantes de uma gaita, soltando gritos insensatos e obedecendo brutalmente aos movimentos da carne.
O padre se abstém judiciosamente de mudar esses velhos usos e costumes; ele fala da fé, dos mistérios, da paixão, do diabo sempre, e essa mistura incoerente acha um eco sem harmonia nas cabeças dessa brava gente que faz votos, peregrinações com os pés descalços e se entrega aos mais estranhos costumes supersticiosos.
Assim, quando uma criança é doentia, pouco aberta, sem inteligência, logo a levam a uma aldeia chamada São Pao (dizei São Paulo); para começar, ela é mergulhada numa água privilegiada, mas pela qual se paga; depois fazem-na sentar-se numa bigorna benta, e um ferreiro, munido de um pesado martelo, bate vigorosamente na bigorna; dizem que a comoção experimentada pelos golpes repetidos cura infalivelmente o paciente. Chamam a isso: fazer São Pao forjar. As mulheres que sofrem do baço também vão banhar-se na água milagrosa e se fazer forjar. Julgai por este exemplo em cem o que é o ensino dos vigários dessa região.
Entretanto, tomai esse bruto e falai de interesse; logo o camponês astucioso, prudente como um selvagem, se defende com aprumo e vence os mais astutos juízes. Fazei um pouco de luz em seu cérebro, ensinai-lhe os primeiros elementos das ciências, e tereis homens verdadeiros, fortes de saúde, espíritos viris e cheios de boa vontade. Que as estradas de ferro cruzem a região e logo tereis um solo copioso com vinho, frutos deliciosos, grão escolhido, trufa perfumada, castanhas selecionadas, a vide ou o cogumelo sem igual, bosques magníficos, minas de carvão inesgotáveis, ferro, cobre, gado de primeira classe, ar, verdura, paisagens esplêndidas.
E quando tantas esperanças apenas se querem espalhar, quando tantas outras regiões estão, como esta, numa prostração mortal, queiramos que, em todos os corações, em todos os recantos perdidos deste mundo, penetre O Livro dos Espíritos. A doutrina que ele encerra é a única que pode mudar o espírito das populações, arrancando-as à pressão absurda dos que ignoram as grandes leis da erraticidade, e que querem imobilizar a crença humana num dédalo onde eles próprios têm tanto trabalho em se reconhecer. Trabalhemos, pois, todos com ardor nesta renovação desejada que deve derrubar todas as barreiras e criar o fim prometido à geração que em breve virá.
BALUZE
OBSERVAÇÃO: O nome de Baluze é conhecido dos leitores pelas excelentes comunicações que por vezes ele dita ao seu compatriota e médium predileto, o Sr. Leymarie. Foi durante uma viagem deste último à sua terra que ele lhe deu a comunicação acima. Baluze, ilustre historiógrafo, nascido em Tulle em 1630, falecido em Paris em 1718, publicou grande número de obras apreciadas; foi bibliotecário de Colbert. Sua biografia (Dicionário de Feller) diz que “as pessoas do mundo das letras lamentam nele a perda de um sábio profundo, e seus amigos, de um homem suave e benevolente.” Há em Tulle um cais com o seu nome. O Sr. Leymarie, que ignorava a história de São Pao, informou-se e teve a confirmação de que essas práticas supersticiosas ainda estão em uso.
Mas acima dessas casas deterioradas, acavaladas, originais, deslocadas, existem altas montanhas com uma verdura sem par; a cada passo, o passante vê alargar-se o horizonte; as aldeias, as igrejas parecem sair do abismo, e esse panorama estranho, selvagem, mutável, se perde ao longe, dominado por montanhas de cabeças embranquecidas pelas neves.
Mas eu esquecia: sem dúvida deveis perceber uma fita prateada, clara, caprichosa, transparente como um espelho: é a Corrèze. Ora encaixada entre rochedos, é silenciosa e grave; ora se escapa alegre, risonha, através dos prados, dos salgueiros e dos olmeiros, oferecendo sua taça aos lábios de numerosos rebanhos, e sua transparência benfazeja às brincadeiras dos banhistas; ela purifica a cidade, que divide graciosamente.
Eu amo este rincão com suas velhas moradas, seu gigantesco campanário, sua ribeira, seu ruído, sua coroa de castanheiros; eu o amo porque ali nasci, porque tudo o que narro ao vosso espírito benevolente faz parte das lembranças de minha última encarnação. Parentes amados, amigos sinceros sempre me cercaram de ternos cuidados; ajudaram no meu adiantamento espiritual. Chegado às grandezas, eu lhes devia meus sentimentos fraternos; meus trabalhos os honravam, e quando venho como Espírito visitar a cidade de minha infância, não me posso impedir de subir ao Puy-Saint-Clair, a última morada dos cidadãos de Tulle, saudar os restos terrenos dos Espíritos amados.
Estranha fantasia! O cemitério está a quinhentos pés acima da cidade; em volta, o horizonte infinito. A gente está só entre a Natureza, seus prestígios e Deus, o rei de todas as grandezas, de todas as esperanças. Nossos avós tinham querido aproximar os mortos amados de sua verdadeira morada, para lhes dizer: Espíritos, desprendei-vos! O ar ambiente vos chama. Saí resplendentes de vossa prisão, a fim de que o espetáculo encantador deste horizonte imenso vos prepare para as maravilhas que fostes chamados a contemplar. Se tiveram tal pensamento, eu o aprovo, porque a morte não é tão lúgubre quanto querem pintá-la. Ela não é, para os espíritas, a verdadeira vida, a separação desejada, a bem-vinda do exilado nos grupos da erraticidade, onde ele vem estudar, aprender e preparar-se para novas provas?
Em alguns anos, em vez de gemer, de cobrir-se de luto, será uma festa para os Espíritos encarnados essa separação, quando o morto tiver cumprido os seus deveres espíritas em toda a acepção da palavra; mas chorarão, gemerão pelo terrícola egoísta que jamais praticou a caridade, a fraternidade, todas as virtudes, todos os deveres tão bem definidos no Livro dos Espíritos.
Depois de ter falado dos mortos, me permitis falar dos vivos? Eu me ligo muito a todas as esperanças, e meu país, onde há tanto a fazer, bem merece votos sinceros.
O progresso, esse nivelador inflexível, é lento, é verdade, para implantar-se nas regiões montanhosas, mas ele sabe impregnar-se tempestivamente nos hábitos, nos costumes; ele afasta uma a uma as oposições, para deixar entrever, enfim, clarões novos para esses párias do trabalho, cujo corpo, sempre vergado sobre uma terra ingrata, é tão rude quanto o traçado dos sulcos.
A natureza vigorosa desses bravos habitantes espera a redenção espiritual. Eles não sabem o que é pensar, julgar corretamente e utilizar todos os recursos do espírito; só o interesse os domina em toda a sua rudeza e o alimento pesado e comum se presta a essa esterilidade do espírito. Vivendo afastados do ruído da política, das descobertas científicas, eles são como bois, ignorantes de sua força, prontos a aceitar o jugo, e tangidos pelo aguilhão, vão à missa, ao cabaré, à aldeia, não por interesse mas por hábito, dormindo durante as prédicas, saltando aos sons dissonantes de uma gaita, soltando gritos insensatos e obedecendo brutalmente aos movimentos da carne.
O padre se abstém judiciosamente de mudar esses velhos usos e costumes; ele fala da fé, dos mistérios, da paixão, do diabo sempre, e essa mistura incoerente acha um eco sem harmonia nas cabeças dessa brava gente que faz votos, peregrinações com os pés descalços e se entrega aos mais estranhos costumes supersticiosos.
Assim, quando uma criança é doentia, pouco aberta, sem inteligência, logo a levam a uma aldeia chamada São Pao (dizei São Paulo); para começar, ela é mergulhada numa água privilegiada, mas pela qual se paga; depois fazem-na sentar-se numa bigorna benta, e um ferreiro, munido de um pesado martelo, bate vigorosamente na bigorna; dizem que a comoção experimentada pelos golpes repetidos cura infalivelmente o paciente. Chamam a isso: fazer São Pao forjar. As mulheres que sofrem do baço também vão banhar-se na água milagrosa e se fazer forjar. Julgai por este exemplo em cem o que é o ensino dos vigários dessa região.
Entretanto, tomai esse bruto e falai de interesse; logo o camponês astucioso, prudente como um selvagem, se defende com aprumo e vence os mais astutos juízes. Fazei um pouco de luz em seu cérebro, ensinai-lhe os primeiros elementos das ciências, e tereis homens verdadeiros, fortes de saúde, espíritos viris e cheios de boa vontade. Que as estradas de ferro cruzem a região e logo tereis um solo copioso com vinho, frutos deliciosos, grão escolhido, trufa perfumada, castanhas selecionadas, a vide ou o cogumelo sem igual, bosques magníficos, minas de carvão inesgotáveis, ferro, cobre, gado de primeira classe, ar, verdura, paisagens esplêndidas.
E quando tantas esperanças apenas se querem espalhar, quando tantas outras regiões estão, como esta, numa prostração mortal, queiramos que, em todos os corações, em todos os recantos perdidos deste mundo, penetre O Livro dos Espíritos. A doutrina que ele encerra é a única que pode mudar o espírito das populações, arrancando-as à pressão absurda dos que ignoram as grandes leis da erraticidade, e que querem imobilizar a crença humana num dédalo onde eles próprios têm tanto trabalho em se reconhecer. Trabalhemos, pois, todos com ardor nesta renovação desejada que deve derrubar todas as barreiras e criar o fim prometido à geração que em breve virá.
BALUZE
OBSERVAÇÃO: O nome de Baluze é conhecido dos leitores pelas excelentes comunicações que por vezes ele dita ao seu compatriota e médium predileto, o Sr. Leymarie. Foi durante uma viagem deste último à sua terra que ele lhe deu a comunicação acima. Baluze, ilustre historiógrafo, nascido em Tulle em 1630, falecido em Paris em 1718, publicou grande número de obras apreciadas; foi bibliotecário de Colbert. Sua biografia (Dicionário de Feller) diz que “as pessoas do mundo das letras lamentam nele a perda de um sábio profundo, e seus amigos, de um homem suave e benevolente.” Há em Tulle um cais com o seu nome. O Sr. Leymarie, que ignorava a história de São Pao, informou-se e teve a confirmação de que essas práticas supersticiosas ainda estão em uso.
Necrologia - Morte do Doutor Cailleux
(Presidente do grupo Espírita de Montreuil - Sur - Mer)
O Espiritismo acaba de perder um de seus mais dignos e mais fervorosos adeptos na pessoa do Sr. Dr. Cailleux, falecido sexta-feira, 20 de abril de 1866. Não podemos render mais brilhante homenagem à sua memória do que reproduzindo um dos artigos publicados a propósito pelo Journal de Montreuil, de 5 de abril.
“Um homem de bem acaba de extinguir-se em meio à dor geral. O Sr. Cailleux, doutor em medicina há aproximadamente trinta anos, membro do Conselho Municipal, membro da Associação de Beneficência, médico dos pobres, médico das epidemias, morreu sexta-feira última às 7 da noite.
“Segunda-feira, uma imensa multidão, composta de todas as classes da Sociedade, o conduziu à sua última morada. O silêncio religioso que reinou em todo o percurso dava a essa triste e imponente cerimônia o caráter de uma manifestação pública. Esse simples féretro, acompanhado por aproximadamente três mil pessoas em lágrimas ou mergulhadas numa dor muda, teria tocado os mais duros corações. Era toda uma cidade que acorria a prestar a última homenagem a um de seus mais caros habitantes; era toda uma população que queria conduzir até o cemitério aquele que tantas vezes por ela se sacrificara.
“Os pobres que o Sr. Cailleux tinha tantas vezes cumulado de benefícios mostraram que têm um coração reconhecido; um grande número de operários tomaram das mãos dos transportadores o caixão de seu benfeitor e consideraram uma glória levar até o cemitério esse precioso fardo!...
“As pontas da mortalha eram sustidas pelo Sr. Lecomte, 1.º adjunto; pelo Sr. Cosyn, 1.º conselheiro municipal; pelo Sr. Hacot, membro da Associação de Beneficência e pelo Sr. Delplanque, médico e conselheiro municipal.
À frente do cortejo ia o Conselho Municipal, precedido pelo prefeito, Sr. Émile Delhomel. Na assembleia, notavam-se o Sr. Charbonnier, vice-prefeito; o Sr. Martinet, procurador imperial; o Sr. Chefe da Guarnição, todas as notabilidades da cidade e os médicos das localidades vizinhas.
“Um grande número de soldados da guarnição que o Sr. Cailleux havia tratado no Hospital tinha obtido licença para assistir ao enterro e se havia apressado em misturar-se à multidão.
“Ao chegar ao cemitério, um operário rompeu a multidão e, parando diante do túmulo, pronunciou com voz comovida, em meio ao silêncio geral, estas poucas palavras: ‘Homem de bem, que fostes o benfeitor dos pobres e que morrestes vítima de vossa sublime dedicação, recebei nossos últimos adeuses; vossa lembrança ficará eternamente em nossos corações.’ Depois destas palavras, ditadas por um sentimento de reconhecimento, a multidão retirou-se num recolhimento religioso. A tristeza que reinava em todos os rostos bem mostrava que imensa perda acabava de sofrer a cidade de Montreuil.
“Com efeito, o Sr. Cailleux tinha sabido, por suas numerosas qualidades, conquistar a estima geral. Toda a sua vida não tinha sido mais que uma longa série de atos de dedicação; ele trabalhou até o último dia sem querer jamais repousar e, terça-feira última, ainda foi visitar vários doentes no campo. Quando lhe falavam de sua idade avançada e o aconselhavam a descansar de suas numerosas fadigas, de boa vontade teria respondido como Arnauld: ‘Tenho toda a eternidade para repousar.’
Cada hora de sua vida foi consagrada a cuidar dos doentes, a consolar os aflitos. Ele não vivia para si, mas para os seus semelhantes, e toda a sua existência pode resumir-se nestas três palavras: Caridade, Devotamento, Abnegação.
“Nestes últimos tempos, quando a epidemia grassou em Étaples e nas aldeias circunvizinhas, o Dr. Cailleux se pôs inteiramente a serviço dos doentes e percorreu as aldeias infestadas, visitando os pobres, cuidando de uns, socorrendo outros e tendo consolações para todos. Assim, visitou mais de 800 doentes, entrando nas mais insalubres casas, sentando-se à cabeceira dos moribundos e ele próprio lhes administrando os remédios, sem jamais se lamentar, mantendo sempre, ao contrário, um humor constante e uma alegria proverbial. O doente que o visse já ficava meio curado por esse humor jovial, sempre acompanhado de um dito espirituoso que provocava o riso.
“Oito dias antes de sua morte, o Sr. Cailleux foi visitar seus doentes de Berek, Lefaux, Camiers e Étaples, depois, a noite foi consagrada aos doentes da cidade: eis o que era para ele o trabalho de um dia!
“Tanta abnegação ia ser-lhe funesta, e ele devia ser a última vítima do flagelo. A 29 de março começou a sentir uma forte diarreia... Ia repousar quando o chamaram para ver um doente do campo. A despeito dos conselhos dos amigos, ele partiu dizendo: ‘Não quero expor um doente por falta minha; se ele morresse eu seria a causa da morte. Não faço nada mais que cumprir o meu dever.’ Quando voltou, à noite, com mau tempo, manifestaram-se novamente os sintomas da moléstia. Ele foi para a cama, o mal aumentou, no dia seguinte a moléstia estava declarada e sexta-feira ele expirava...
“Fica-se horrorizado quando se pensa nas dores terríveis que deve sentir um homem que conhece a sua posição, que se vê morrer. O próprio Sr. Cailleux indicava o tratamento a dois de seus confrades que tinham corrido para assisti-lo. Ele sabia muito bem que não se curaria. ‘Se a melhora não se fizer sentir logo’, dizia ele, ‘em doze horas não existirei mais.’ Via-se morrer, sentia a força vital diminuir e extinguir-se pouco a pouco, sem poder parar essa marcha para o túmulo. Seus últimos momentos foram calmos e serenos e eu não poderia dar a essa morte um nome melhor do que repouso no Senhor. Beati qui moriuntur in Domino.
“Algumas horas antes de sua morte perguntaram-lhe que remédio deveriam empregar. ‘A ciência humana empregou todos os remédios que estão em seu poder, disse ele. Agora só Deus pode parar o mal; é preciso entregar-se à sua divina providência’
Curvou-se então sobre o leito e, com os olhos fixos na direção do céu, como se tivesse um antegozo da beatitude celeste, expirou sem dor, sem um grito, na mais doce e mais calma das mortes.
“Homem de bem, cuja vida toda não foi senão um longo devotamento, trabalhastes nesta Terra; agora gozais da recompensa que Deus reserva aos que sempre observaram sua lei. Enquanto o egoísmo corria em borbotões na Terra, vós transbordáveis de abnegação e de caridade. Visitar os pobres, socorrer os doentes, consolar os aflitos, eis qual foi a vossa obra. Oh! Quantas famílias vos abençoaram! Quantos pais a quem salvastes os filhos durante a última epidemia, quantas crianças que iam ficar órfãs subtraístes ao flagelo destruidor, quantas famílias salvas por vosso devotamento vieram, segunda-feira, de muitas léguas de distância, para vos acompanhar à vossa última morada e chorar em vosso túmulo!
“Vossa vida foi sempre pura e sem mácula; vossa morte foi heroica; soldado da caridade, sucumbistes salvando vossos irmãos da morte; perecestes ferido pelo flagelo que combatíeis. Esse glorioso devotamento ia receber a sua recompensa e em breve a cruz de honra, que tínheis ganho tão nobremente, ia brilhar em vosso peito... Mas Deus tinha para vós outros desígnios. Ele vos preparava uma recompensa mais bela que as recompensas dos homens. Ele vos preparava a felicidade que reserva aos seus servos fiéis. Vossa alma voou para mundos superiores onde, desembaraçada deste pesado envoltório material, livre de todos os laços que nesta Terra pesam sobre nós, ela goza agora da perfeição e da felicidade que a esperavam.
“Neste dia de felicidade, não nos esqueçais; pensai nos numerosos amigos que deixais nesta Terra e que vossa separação mergulha numa dor profunda. Praza aos Céus que um dia nós vos encontremos no alto, para aí gozar de uma felicidade eterna... É esta esperança que nos consola e que nos dará forças para suportar a vossa ausência com paciência...”
A. J.” Por cópia fiel: JULES DUVAL.
Seja-me permitido, como complemento deste artigo, citar alguns fragmentos do magnífico discurso fúnebre pronunciado há um ano por Victor Hugo.
(Segue um extrato desse discurso, que publicamos na Revista de fevereiro de 1865).
Certamente não são apóstolos do niilismo que escrevem tais palavras.
A carta pela qual nos informam deste acontecimento contém esta passagem:
“O Sr. Cailleux, doutor em Medicina, presidente do grupo espírita de Montreuil, acaba de morrer, vítima de seu devotamento durante o surto de cólera que desolou nossas regiões. Morreu como espírita convicto, e o clero da cidade, por esta razão, julgou dever recusar-lhe sepultura eclesiástica; mas, como vereis pelo número do jornal que vos envio, toda a população rendeu solene homenagem às suas virtudes. Não obstante, a família fez gestões junto ao bispo para que um serviço fúnebre fosse celebrado na igreja, embora tenha havido apenas um enterro civil. Obtiveram autorização, e o serviço foi feito na quinta-feira, 5 de abril.
“O Espiritismo sofre uma grande perda com a morte do Sr. Cailleux e estou persuadido que todos os meus irmãos em crença associar-se-ão aos meus legítimos pesares. Graças ao seu devotamento e ao seu zelo esclarecido, a doutrina fez tão rápidos progressos tanto em nossos campos quanto na cidade, e em seus arredores contam-se algumas centenas de espíritas.
“O Conselho Municipal da cidade de Montreuil decidiu, por unanimidade, por proposta do senhor prefeito, que um monumento público seja erguido às custas da cidade, como homenagem prestada à memória deste homem de bem.”
Mandaram-nos o seguinte resumo de uma comunicação dada por ele aos seus colegas de Montreuil. Dela foi suprimido aquilo que trata de coisas pessoais:
“...Voltais a tratar da minha morte. Ora! Ela foi útil à nossa causa, porquanto despertou a atenção adormecida de muitas almas privadas da verdade e, consequentemente, de vida. Tudo o que desaparece deixa um vazio no lugar que ocupava, mas, sabei-o, esse vazio é apenas aparente; só existe para vós que tendes vista curta, porque ele está cheio, de outro modo. Assim, nada perdeis, repito, com a minha morte; ao contrário, com isto ganhareis muito, não que durante minha vida corpórea eu tenha feito prodígios de caridade próprios a pôr em relevo a doutrina que juntos professamos, mas porque, fiel aos princípios espíritas, eu fui objeto de manifestações hostis que necessariamente deveriam provocar manifestações contrárias. Na Terra jamais a coisa se dá de outra maneira: o bem e o mal não se chocam cada vez que se encontram?
‘‘Portanto, resulta de tudo isto que nesta hora entrais numa fase nova, que nossos bons guias tinham preparado há muito tempo para seus ensinamentos. Mas, de desagregação de vossa Sociedade, não, se persistirdes sempre nos sentimentos de que vos vejo animados neste momento. Sabeis qual a minha recompensa? É ver a felicidade relativa que experimentais pela doutrina pela qual eu me mostrei, em todas as circunstâncias, o zeloso campeão. Para vós é difícil conceber uma alegria mais pura. Que são, ao lado dela, as alegrias grosseiras do vosso mundo? Que são as honras sob as quais escondeis as misérias de vossas almas? Que são os prazeres que buscais para atordoar vossos tristes regressos? O que é tudo isso em comparação com o que eu sinto? Nada! Menos que fumaça.
“Perseverai em vossos sentimentos, perseverai nisso até a morte.
“Vi que vos propondes a vos organizardes regularmente. É uma medida sábia. A fraqueza deve precaver-se sempre contra os embustes e surpresas do espírito do mal. Ah! O espírito do mal! Não é Satã. Ele é encontrado a cada passo no mundo onde vos acotovelais. Regulamentai, pois, a organização de vossas sessões, de vossas evocações, de vossos estudos. Ligai-vos uns aos outros por laços voluntários da caridade, da benevolência e da submissão. Eis a melhor maneira de colher frutos abundantes e doces.”
Eis a primeira comunicação que ele deu na Sociedade de Paris:
(13 de abril de 1866 - Médium: Sr. Morin)
Evocação: ─ Caro e venerado Dr. Cailleux! Em vossa vida, nós vos tínhamos sabido apreciar como espírita fervoroso e devotado. Chamado sem dúvida pela Providência a implantar a doutrina em vossa região, mantivestes a bandeira alta e firme, enfrentando sem desfalecimentos os sarcasmos e as perseguições. Assim, o sucesso coroou vossos esforços. Não é somente o irmão em crença que hoje vimos saudar, por sua partida da Terra, é o homem de bem, aquele que não pregou o Espiritismo apenas por suas palavras, mas que soube fazê-lo amado e respeitado por seu exemplo e pela prática das virtudes cristãs. Recebei, pois, aqui, a expressão de nossas mais vivas simpatias e a esperança de que queirais vir algumas vezes ao nosso meio e associar-vos aos nossos trabalhos.
Resposta. ─ Eis-me aqui. Obrigado. Há pouco faláveis das tendências inerentes ao organismo humano. Observam-se mais especialmente as que se devem aos maus instintos, porque os homens são sempre levados a guardar-se do que lhes pode ser prejudicial ou lhes causar algum embaraço. No entanto, as tendências para o bem muitas vezes passam despercebidas aos olhos da Sociedade, porque é muito mais difícil encontrar e mostrar a violeta do que o cardo.
Se começo assim, não vos surpreendais. Como dizíeis há pouco, o Espírito é o único responsável por seus atos; ele não pode escusar-se, atribuindo sua falta a Deus. Não, os bons e os maus sentimentos são o resultado de conquistas anteriores. Em minha vida, levado por instinto para o bem, para o alívio dos meus irmãos em Deus, declino da honra de todos os vossos louvores, porque não fiz esforço em seguir a via que me traçava o coração; não tive luta a sustentar contra instintos opostos; apenas me deixei ir suavemente pelas inclinações do meu gosto, que me dizia bem alto: “Marcha! Estás no bom caminho!” E a satisfação moral de todo o meu ser inteligente era tão grande, que certamente eu era tão feliz quanto o avarento que satisfaz a sua paixão pelo ouro contemplando-o e o acariciando. Repito-vos que não tenho mérito neste particular; não obstante, agradeço vossas boas palavras, que não são ouvidas em vão por aqueles a quem são dirigidas. Por mais elevados que sejam, os Espíritos sempre sentem a felicidade de um pensamento simpático.
Não demorei a voltar da emoção muito natural resultante da passagem da vida material à vida dos Espíritos, mas a convicção profunda de entrar em um mundo mais vivo ajudou-me a voltar a mim mesmo. Não posso melhor comparar minha passagem de vida à morte senão a um aniquilamento sem sofrimento e sem fadiga. Despertei do outro lado ao suave toque fluídico de meus caros pais e amigos espirituais. Em seguida vi meus pobres despojos mortais, e os bendisse pelos bons e leais serviços, porque, dóceis à minha vontade, em minha vida não tive lutas sérias a sustentar entre o meu Espírito e a minha matéria. Foi, pois, com prazer que acompanhei ao campo de repouso o meu pobre corpo, que me tinha ajudado a impedir que muitos dos meus coencarnados fizessem essa viagem que absolutamente não encaravam como eu.
Perdoo a todos os que, de um ou de outro modo, julgaram fazer-me o mal; quanto aos que se recusaram a orar por mim no templo consagrado, serei mais caridoso que a caridade que eles pregam: Eu oro por eles. É assim que se deve fazer, meus bons irmãos em crença. Crede-me e perdoai aos que lutam contra vós, pois não sabem o que fazem.
Doutor CAILLEUX
OBSERVAÇÃO: As primeiras palavras desta comunicação provam que o Espírito estava presente e havia assistido às discussões da sessão. Com efeito, haviam discutido um fato notável de instinto incendiário precoce, num menino de quatro anos e meio, relatado pelo Salut Public, de Lyon. Esse fato, que forneceu assunto para um estudo importante, será publicado no próximo número.
Notemos também que o Sr. Cailleux fez abstração de todos os preâmbulos ordinários que fazem os Espíritos que acabam de deixar a Terra. Nota-se, na sequência, que ele não é um fazedor de frases nem de cumprimentos.
Diz obrigado e pensa que esta palavra basta para dar a compreender seu pensamento e que com ela nos devemos contentar; depois entra bruscamente na matéria, como um homem que se acha em seu terreno e não quer perder tempo com palavras inúteis; fala como se não tivesse havido nenhuma interrupção em sua existência. Dir-se-ia que o Sr. Cailleux de Montreuil tinha vindo visitar a Sociedade de Paris.
Se ele declina do mérito de seus atos, é certamente por modéstia. Aqueles que fazem o bem sem esforço chegaram a um grau de adiantamento que lho torna natural. Se não têm mais que lutar hoje, lutaram em outras circunstâncias; a vitória foi ganha; aqueles que têm que combater tendências más ainda estão em luta; mais tarde o bem não lhes custará nenhum esforço, e eles fá-lo-ão sem pensar. Por ter vencido mais cedo, o mérito não existe menos.
O Dr. Cailleux é um desses homens que, como o Dr. Demeure e tantos outros, honram a doutrina que professam e dão o mais brilhante desmentido aos detratores do Espiritismo.
“Um homem de bem acaba de extinguir-se em meio à dor geral. O Sr. Cailleux, doutor em medicina há aproximadamente trinta anos, membro do Conselho Municipal, membro da Associação de Beneficência, médico dos pobres, médico das epidemias, morreu sexta-feira última às 7 da noite.
“Segunda-feira, uma imensa multidão, composta de todas as classes da Sociedade, o conduziu à sua última morada. O silêncio religioso que reinou em todo o percurso dava a essa triste e imponente cerimônia o caráter de uma manifestação pública. Esse simples féretro, acompanhado por aproximadamente três mil pessoas em lágrimas ou mergulhadas numa dor muda, teria tocado os mais duros corações. Era toda uma cidade que acorria a prestar a última homenagem a um de seus mais caros habitantes; era toda uma população que queria conduzir até o cemitério aquele que tantas vezes por ela se sacrificara.
“Os pobres que o Sr. Cailleux tinha tantas vezes cumulado de benefícios mostraram que têm um coração reconhecido; um grande número de operários tomaram das mãos dos transportadores o caixão de seu benfeitor e consideraram uma glória levar até o cemitério esse precioso fardo!...
“As pontas da mortalha eram sustidas pelo Sr. Lecomte, 1.º adjunto; pelo Sr. Cosyn, 1.º conselheiro municipal; pelo Sr. Hacot, membro da Associação de Beneficência e pelo Sr. Delplanque, médico e conselheiro municipal.
À frente do cortejo ia o Conselho Municipal, precedido pelo prefeito, Sr. Émile Delhomel. Na assembleia, notavam-se o Sr. Charbonnier, vice-prefeito; o Sr. Martinet, procurador imperial; o Sr. Chefe da Guarnição, todas as notabilidades da cidade e os médicos das localidades vizinhas.
“Um grande número de soldados da guarnição que o Sr. Cailleux havia tratado no Hospital tinha obtido licença para assistir ao enterro e se havia apressado em misturar-se à multidão.
“Ao chegar ao cemitério, um operário rompeu a multidão e, parando diante do túmulo, pronunciou com voz comovida, em meio ao silêncio geral, estas poucas palavras: ‘Homem de bem, que fostes o benfeitor dos pobres e que morrestes vítima de vossa sublime dedicação, recebei nossos últimos adeuses; vossa lembrança ficará eternamente em nossos corações.’ Depois destas palavras, ditadas por um sentimento de reconhecimento, a multidão retirou-se num recolhimento religioso. A tristeza que reinava em todos os rostos bem mostrava que imensa perda acabava de sofrer a cidade de Montreuil.
“Com efeito, o Sr. Cailleux tinha sabido, por suas numerosas qualidades, conquistar a estima geral. Toda a sua vida não tinha sido mais que uma longa série de atos de dedicação; ele trabalhou até o último dia sem querer jamais repousar e, terça-feira última, ainda foi visitar vários doentes no campo. Quando lhe falavam de sua idade avançada e o aconselhavam a descansar de suas numerosas fadigas, de boa vontade teria respondido como Arnauld: ‘Tenho toda a eternidade para repousar.’
Cada hora de sua vida foi consagrada a cuidar dos doentes, a consolar os aflitos. Ele não vivia para si, mas para os seus semelhantes, e toda a sua existência pode resumir-se nestas três palavras: Caridade, Devotamento, Abnegação.
“Nestes últimos tempos, quando a epidemia grassou em Étaples e nas aldeias circunvizinhas, o Dr. Cailleux se pôs inteiramente a serviço dos doentes e percorreu as aldeias infestadas, visitando os pobres, cuidando de uns, socorrendo outros e tendo consolações para todos. Assim, visitou mais de 800 doentes, entrando nas mais insalubres casas, sentando-se à cabeceira dos moribundos e ele próprio lhes administrando os remédios, sem jamais se lamentar, mantendo sempre, ao contrário, um humor constante e uma alegria proverbial. O doente que o visse já ficava meio curado por esse humor jovial, sempre acompanhado de um dito espirituoso que provocava o riso.
“Oito dias antes de sua morte, o Sr. Cailleux foi visitar seus doentes de Berek, Lefaux, Camiers e Étaples, depois, a noite foi consagrada aos doentes da cidade: eis o que era para ele o trabalho de um dia!
“Tanta abnegação ia ser-lhe funesta, e ele devia ser a última vítima do flagelo. A 29 de março começou a sentir uma forte diarreia... Ia repousar quando o chamaram para ver um doente do campo. A despeito dos conselhos dos amigos, ele partiu dizendo: ‘Não quero expor um doente por falta minha; se ele morresse eu seria a causa da morte. Não faço nada mais que cumprir o meu dever.’ Quando voltou, à noite, com mau tempo, manifestaram-se novamente os sintomas da moléstia. Ele foi para a cama, o mal aumentou, no dia seguinte a moléstia estava declarada e sexta-feira ele expirava...
“Fica-se horrorizado quando se pensa nas dores terríveis que deve sentir um homem que conhece a sua posição, que se vê morrer. O próprio Sr. Cailleux indicava o tratamento a dois de seus confrades que tinham corrido para assisti-lo. Ele sabia muito bem que não se curaria. ‘Se a melhora não se fizer sentir logo’, dizia ele, ‘em doze horas não existirei mais.’ Via-se morrer, sentia a força vital diminuir e extinguir-se pouco a pouco, sem poder parar essa marcha para o túmulo. Seus últimos momentos foram calmos e serenos e eu não poderia dar a essa morte um nome melhor do que repouso no Senhor. Beati qui moriuntur in Domino.
“Algumas horas antes de sua morte perguntaram-lhe que remédio deveriam empregar. ‘A ciência humana empregou todos os remédios que estão em seu poder, disse ele. Agora só Deus pode parar o mal; é preciso entregar-se à sua divina providência’
Curvou-se então sobre o leito e, com os olhos fixos na direção do céu, como se tivesse um antegozo da beatitude celeste, expirou sem dor, sem um grito, na mais doce e mais calma das mortes.
“Homem de bem, cuja vida toda não foi senão um longo devotamento, trabalhastes nesta Terra; agora gozais da recompensa que Deus reserva aos que sempre observaram sua lei. Enquanto o egoísmo corria em borbotões na Terra, vós transbordáveis de abnegação e de caridade. Visitar os pobres, socorrer os doentes, consolar os aflitos, eis qual foi a vossa obra. Oh! Quantas famílias vos abençoaram! Quantos pais a quem salvastes os filhos durante a última epidemia, quantas crianças que iam ficar órfãs subtraístes ao flagelo destruidor, quantas famílias salvas por vosso devotamento vieram, segunda-feira, de muitas léguas de distância, para vos acompanhar à vossa última morada e chorar em vosso túmulo!
“Vossa vida foi sempre pura e sem mácula; vossa morte foi heroica; soldado da caridade, sucumbistes salvando vossos irmãos da morte; perecestes ferido pelo flagelo que combatíeis. Esse glorioso devotamento ia receber a sua recompensa e em breve a cruz de honra, que tínheis ganho tão nobremente, ia brilhar em vosso peito... Mas Deus tinha para vós outros desígnios. Ele vos preparava uma recompensa mais bela que as recompensas dos homens. Ele vos preparava a felicidade que reserva aos seus servos fiéis. Vossa alma voou para mundos superiores onde, desembaraçada deste pesado envoltório material, livre de todos os laços que nesta Terra pesam sobre nós, ela goza agora da perfeição e da felicidade que a esperavam.
“Neste dia de felicidade, não nos esqueçais; pensai nos numerosos amigos que deixais nesta Terra e que vossa separação mergulha numa dor profunda. Praza aos Céus que um dia nós vos encontremos no alto, para aí gozar de uma felicidade eterna... É esta esperança que nos consola e que nos dará forças para suportar a vossa ausência com paciência...”
A. J.” Por cópia fiel: JULES DUVAL.
Seja-me permitido, como complemento deste artigo, citar alguns fragmentos do magnífico discurso fúnebre pronunciado há um ano por Victor Hugo.
(Segue um extrato desse discurso, que publicamos na Revista de fevereiro de 1865).
Certamente não são apóstolos do niilismo que escrevem tais palavras.
A carta pela qual nos informam deste acontecimento contém esta passagem:
“O Sr. Cailleux, doutor em Medicina, presidente do grupo espírita de Montreuil, acaba de morrer, vítima de seu devotamento durante o surto de cólera que desolou nossas regiões. Morreu como espírita convicto, e o clero da cidade, por esta razão, julgou dever recusar-lhe sepultura eclesiástica; mas, como vereis pelo número do jornal que vos envio, toda a população rendeu solene homenagem às suas virtudes. Não obstante, a família fez gestões junto ao bispo para que um serviço fúnebre fosse celebrado na igreja, embora tenha havido apenas um enterro civil. Obtiveram autorização, e o serviço foi feito na quinta-feira, 5 de abril.
“O Espiritismo sofre uma grande perda com a morte do Sr. Cailleux e estou persuadido que todos os meus irmãos em crença associar-se-ão aos meus legítimos pesares. Graças ao seu devotamento e ao seu zelo esclarecido, a doutrina fez tão rápidos progressos tanto em nossos campos quanto na cidade, e em seus arredores contam-se algumas centenas de espíritas.
“O Conselho Municipal da cidade de Montreuil decidiu, por unanimidade, por proposta do senhor prefeito, que um monumento público seja erguido às custas da cidade, como homenagem prestada à memória deste homem de bem.”
Mandaram-nos o seguinte resumo de uma comunicação dada por ele aos seus colegas de Montreuil. Dela foi suprimido aquilo que trata de coisas pessoais:
“...Voltais a tratar da minha morte. Ora! Ela foi útil à nossa causa, porquanto despertou a atenção adormecida de muitas almas privadas da verdade e, consequentemente, de vida. Tudo o que desaparece deixa um vazio no lugar que ocupava, mas, sabei-o, esse vazio é apenas aparente; só existe para vós que tendes vista curta, porque ele está cheio, de outro modo. Assim, nada perdeis, repito, com a minha morte; ao contrário, com isto ganhareis muito, não que durante minha vida corpórea eu tenha feito prodígios de caridade próprios a pôr em relevo a doutrina que juntos professamos, mas porque, fiel aos princípios espíritas, eu fui objeto de manifestações hostis que necessariamente deveriam provocar manifestações contrárias. Na Terra jamais a coisa se dá de outra maneira: o bem e o mal não se chocam cada vez que se encontram?
‘‘Portanto, resulta de tudo isto que nesta hora entrais numa fase nova, que nossos bons guias tinham preparado há muito tempo para seus ensinamentos. Mas, de desagregação de vossa Sociedade, não, se persistirdes sempre nos sentimentos de que vos vejo animados neste momento. Sabeis qual a minha recompensa? É ver a felicidade relativa que experimentais pela doutrina pela qual eu me mostrei, em todas as circunstâncias, o zeloso campeão. Para vós é difícil conceber uma alegria mais pura. Que são, ao lado dela, as alegrias grosseiras do vosso mundo? Que são as honras sob as quais escondeis as misérias de vossas almas? Que são os prazeres que buscais para atordoar vossos tristes regressos? O que é tudo isso em comparação com o que eu sinto? Nada! Menos que fumaça.
“Perseverai em vossos sentimentos, perseverai nisso até a morte.
“Vi que vos propondes a vos organizardes regularmente. É uma medida sábia. A fraqueza deve precaver-se sempre contra os embustes e surpresas do espírito do mal. Ah! O espírito do mal! Não é Satã. Ele é encontrado a cada passo no mundo onde vos acotovelais. Regulamentai, pois, a organização de vossas sessões, de vossas evocações, de vossos estudos. Ligai-vos uns aos outros por laços voluntários da caridade, da benevolência e da submissão. Eis a melhor maneira de colher frutos abundantes e doces.”
Eis a primeira comunicação que ele deu na Sociedade de Paris:
(13 de abril de 1866 - Médium: Sr. Morin)
Evocação: ─ Caro e venerado Dr. Cailleux! Em vossa vida, nós vos tínhamos sabido apreciar como espírita fervoroso e devotado. Chamado sem dúvida pela Providência a implantar a doutrina em vossa região, mantivestes a bandeira alta e firme, enfrentando sem desfalecimentos os sarcasmos e as perseguições. Assim, o sucesso coroou vossos esforços. Não é somente o irmão em crença que hoje vimos saudar, por sua partida da Terra, é o homem de bem, aquele que não pregou o Espiritismo apenas por suas palavras, mas que soube fazê-lo amado e respeitado por seu exemplo e pela prática das virtudes cristãs. Recebei, pois, aqui, a expressão de nossas mais vivas simpatias e a esperança de que queirais vir algumas vezes ao nosso meio e associar-vos aos nossos trabalhos.
Resposta. ─ Eis-me aqui. Obrigado. Há pouco faláveis das tendências inerentes ao organismo humano. Observam-se mais especialmente as que se devem aos maus instintos, porque os homens são sempre levados a guardar-se do que lhes pode ser prejudicial ou lhes causar algum embaraço. No entanto, as tendências para o bem muitas vezes passam despercebidas aos olhos da Sociedade, porque é muito mais difícil encontrar e mostrar a violeta do que o cardo.
Se começo assim, não vos surpreendais. Como dizíeis há pouco, o Espírito é o único responsável por seus atos; ele não pode escusar-se, atribuindo sua falta a Deus. Não, os bons e os maus sentimentos são o resultado de conquistas anteriores. Em minha vida, levado por instinto para o bem, para o alívio dos meus irmãos em Deus, declino da honra de todos os vossos louvores, porque não fiz esforço em seguir a via que me traçava o coração; não tive luta a sustentar contra instintos opostos; apenas me deixei ir suavemente pelas inclinações do meu gosto, que me dizia bem alto: “Marcha! Estás no bom caminho!” E a satisfação moral de todo o meu ser inteligente era tão grande, que certamente eu era tão feliz quanto o avarento que satisfaz a sua paixão pelo ouro contemplando-o e o acariciando. Repito-vos que não tenho mérito neste particular; não obstante, agradeço vossas boas palavras, que não são ouvidas em vão por aqueles a quem são dirigidas. Por mais elevados que sejam, os Espíritos sempre sentem a felicidade de um pensamento simpático.
Não demorei a voltar da emoção muito natural resultante da passagem da vida material à vida dos Espíritos, mas a convicção profunda de entrar em um mundo mais vivo ajudou-me a voltar a mim mesmo. Não posso melhor comparar minha passagem de vida à morte senão a um aniquilamento sem sofrimento e sem fadiga. Despertei do outro lado ao suave toque fluídico de meus caros pais e amigos espirituais. Em seguida vi meus pobres despojos mortais, e os bendisse pelos bons e leais serviços, porque, dóceis à minha vontade, em minha vida não tive lutas sérias a sustentar entre o meu Espírito e a minha matéria. Foi, pois, com prazer que acompanhei ao campo de repouso o meu pobre corpo, que me tinha ajudado a impedir que muitos dos meus coencarnados fizessem essa viagem que absolutamente não encaravam como eu.
Perdoo a todos os que, de um ou de outro modo, julgaram fazer-me o mal; quanto aos que se recusaram a orar por mim no templo consagrado, serei mais caridoso que a caridade que eles pregam: Eu oro por eles. É assim que se deve fazer, meus bons irmãos em crença. Crede-me e perdoai aos que lutam contra vós, pois não sabem o que fazem.
Doutor CAILLEUX
OBSERVAÇÃO: As primeiras palavras desta comunicação provam que o Espírito estava presente e havia assistido às discussões da sessão. Com efeito, haviam discutido um fato notável de instinto incendiário precoce, num menino de quatro anos e meio, relatado pelo Salut Public, de Lyon. Esse fato, que forneceu assunto para um estudo importante, será publicado no próximo número.
Notemos também que o Sr. Cailleux fez abstração de todos os preâmbulos ordinários que fazem os Espíritos que acabam de deixar a Terra. Nota-se, na sequência, que ele não é um fazedor de frases nem de cumprimentos.
Diz obrigado e pensa que esta palavra basta para dar a compreender seu pensamento e que com ela nos devemos contentar; depois entra bruscamente na matéria, como um homem que se acha em seu terreno e não quer perder tempo com palavras inúteis; fala como se não tivesse havido nenhuma interrupção em sua existência. Dir-se-ia que o Sr. Cailleux de Montreuil tinha vindo visitar a Sociedade de Paris.
Se ele declina do mérito de seus atos, é certamente por modéstia. Aqueles que fazem o bem sem esforço chegaram a um grau de adiantamento que lho torna natural. Se não têm mais que lutar hoje, lutaram em outras circunstâncias; a vitória foi ganha; aqueles que têm que combater tendências más ainda estão em luta; mais tarde o bem não lhes custará nenhum esforço, e eles fá-lo-ão sem pensar. Por ter vencido mais cedo, o mérito não existe menos.
O Dr. Cailleux é um desses homens que, como o Dr. Demeure e tantos outros, honram a doutrina que professam e dão o mais brilhante desmentido aos detratores do Espiritismo.
Dissertações espíritas
Instruções para o Sr. Allan Kardec
(Paris,23 de abril de 1866 - Médium: Sr. Desliens)
Enfraquecendo dia a dia a saúde do Sr. Allan Kardec em consequência dos excessivos trabalhos que ele não pode suportar, vejo-me na necessidade de lhe repetir novamente o que já lhe disse muitas vezes: Necessitais de repouso; as forças humanas têm limites que o vosso desejo de ver progredir o ensino muitas vezes vos leva a infringir; estais errado porque, assim agindo, não apressareis a marcha da doutrina, mas arruinais a vossa saúde e vos pondes na impossibilidade material de acabar a tarefa que viestes desempenhar aqui em baixo. Vossa doença atual não é senão o resultado de um gasto incessante de forças vitais que não deixa ao organismo o tempo de se refazer e de um aquecimento do sangue produzido pela absoluta falta de repouso. Nós vos sustentamos, sem dúvida, mas com a condição de não desfazerdes o que fazemos. De que serve correr? Não vos disseram muitas vezes que cada coisa viria a seu tempo e que os Espíritos prepostos ao movimento das ideias saberiam fazer surgir circunstâncias favoráveis quando chegasse o momento de agir?
Quando cada espírita recolhe suas forças para a luta, pensais que seja vosso dever esgotar as vossas? Não. Em tudo deveis dar o exemplo, e o vosso lugar será na liça, no momento do perigo. Que faríeis se vosso corpo enfraquecido não mais permitisse ao vosso espírito servir-se das armas que a experiência e a revelação vos puseram nas mãos? ─ Crede-me, deixai para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a obra esboçada em vossas primeiras publicações; vossos trabalhos atuais e algumas pequenas brochuras urgentes têm como absorver o vosso tempo e devem ser os únicos objetos de vossas preocupações atuais.
Não vos falo apenas em meu nome, pois sou aqui delegado de todos esses Espíritos que contribuíram tão poderosamente para a propagação do ensinamento por suas sábias instruções. Eles vos dizem, por meu intermédio, que essa demora que julgais prejudicial ao futuro da doutrina é uma medida necessária sob mais de um ponto de vista, seja porque certas questões não estão ainda completamente elucidadas, seja para preparar os Espíritos para melhor as assimilar. É preciso que outros tenham preparado o terreno; que certas teorias tenham provado a sua insuficiência e cavado um vazio maior. Numa palavra, o momento não é oportuno; poupai-vos, pois, porque quando for tempo, todo o vosso vigor de corpo e de espírito vos será necessário. Até aqui o Espiritismo foi objeto de muitas diatribes; levantou muitas tempestades! Credes que todo o movimento esteja amainado e todos os ódios estejam acalmados e reduzidos à impotência? Desiludi-vos, pois o cadinho depurador ainda não expurgou todas as impurezas; o futuro vos guarda outras provas e as últimas crises não serão menos difíceis de suportar.
Sei que vossa posição particular vos suscita uma porção de trabalhos secundários que absorvem a melhor parte do vosso tempo. As perguntas de toda sorte vos cansam, e considerais um dever respondêlas tanto quanto possível. Farei aqui o que sem dúvida não ousaríeis fazer vós mesmo. Dirigindo-me à generalidade dos espíritas, eu lhes pedirei, no interesse do próprio Espiritismo, que vos poupem toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver instantes que deveis consagrar quase que exclusivamente à conclusão da obra. Se vossa correspondência com isto sofre um pouco, o ensinamento lucrará. Às vezes é necessário sacrificar satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.
A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documentos e de informações; ela vos esclarece quanto à marcha verdadeira e os progressos reais da doutrina; é um termômetro imparcial; vós aí colheis, por outro lado, satisfações morais que mais de uma vez sustentavam a vossa coragem, vendo a adesão que vossas ideias encontram em todos os pontos do globo. Sob esse ponto de vista, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos, e não de entravá-los, criando-vos um excesso de ocupações.
Dr. DEMEURE
Bom senhor Demeure, eu vos agradeço os sábios conselhos. Graças à resolução que tomei de obter ajuda, salvo nos casos excepcionais, a correspondência ordinária pouco sofre agora e não sofrerá mais no futuro. Mas o que fazer com esse atraso de mais de quinhentas cartas que, a despeito de minha boa vontade, não consigo pôr em dia?
R. ─ É preciso, como se diz em linguagem comercial, passá-las em bloco à conta de lucros e perdas. Anunciando esta medida na Revista, vossos correspondentes saberão o que fazer; compreenderão a necessidade e a encontrarão sobretudo justificada pelos conselhos que precedem. Repito que seria impossível que as coisas continuassem assim por mais tempo. Tudo sofreria com isso, inclusive a vossa saúde e a doutrina. Caso necessário, é preciso saber fazer sacrifícios. Tranquilo, de agora em diante, sobre esse ponto, podereis entregar-vos mais livremente aos vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.
DEMEURE
Atendendo a este sábio conselho, rogamos aos nossos correspondentes com os quais há muito estamos em atraso, recebam as nossas desculpas e o nosso pesar por não ter podido responder em detalhe, e como teríamos desejado, às suas bondosas cartas. Receberão aqui, coletivamente, a expressão de nossos sentimentos fraternos.
Quando cada espírita recolhe suas forças para a luta, pensais que seja vosso dever esgotar as vossas? Não. Em tudo deveis dar o exemplo, e o vosso lugar será na liça, no momento do perigo. Que faríeis se vosso corpo enfraquecido não mais permitisse ao vosso espírito servir-se das armas que a experiência e a revelação vos puseram nas mãos? ─ Crede-me, deixai para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a obra esboçada em vossas primeiras publicações; vossos trabalhos atuais e algumas pequenas brochuras urgentes têm como absorver o vosso tempo e devem ser os únicos objetos de vossas preocupações atuais.
Não vos falo apenas em meu nome, pois sou aqui delegado de todos esses Espíritos que contribuíram tão poderosamente para a propagação do ensinamento por suas sábias instruções. Eles vos dizem, por meu intermédio, que essa demora que julgais prejudicial ao futuro da doutrina é uma medida necessária sob mais de um ponto de vista, seja porque certas questões não estão ainda completamente elucidadas, seja para preparar os Espíritos para melhor as assimilar. É preciso que outros tenham preparado o terreno; que certas teorias tenham provado a sua insuficiência e cavado um vazio maior. Numa palavra, o momento não é oportuno; poupai-vos, pois, porque quando for tempo, todo o vosso vigor de corpo e de espírito vos será necessário. Até aqui o Espiritismo foi objeto de muitas diatribes; levantou muitas tempestades! Credes que todo o movimento esteja amainado e todos os ódios estejam acalmados e reduzidos à impotência? Desiludi-vos, pois o cadinho depurador ainda não expurgou todas as impurezas; o futuro vos guarda outras provas e as últimas crises não serão menos difíceis de suportar.
Sei que vossa posição particular vos suscita uma porção de trabalhos secundários que absorvem a melhor parte do vosso tempo. As perguntas de toda sorte vos cansam, e considerais um dever respondêlas tanto quanto possível. Farei aqui o que sem dúvida não ousaríeis fazer vós mesmo. Dirigindo-me à generalidade dos espíritas, eu lhes pedirei, no interesse do próprio Espiritismo, que vos poupem toda sobrecarga de trabalho de natureza a absorver instantes que deveis consagrar quase que exclusivamente à conclusão da obra. Se vossa correspondência com isto sofre um pouco, o ensinamento lucrará. Às vezes é necessário sacrificar satisfações particulares ao interesse geral. É uma medida urgente que todos os adeptos sinceros saberão compreender e aprovar.
A imensa correspondência que recebeis é para vós uma fonte preciosa de documentos e de informações; ela vos esclarece quanto à marcha verdadeira e os progressos reais da doutrina; é um termômetro imparcial; vós aí colheis, por outro lado, satisfações morais que mais de uma vez sustentavam a vossa coragem, vendo a adesão que vossas ideias encontram em todos os pontos do globo. Sob esse ponto de vista, a superabundância é um bem e não um inconveniente, mas com a condição de secundar os vossos trabalhos, e não de entravá-los, criando-vos um excesso de ocupações.
Dr. DEMEURE
Bom senhor Demeure, eu vos agradeço os sábios conselhos. Graças à resolução que tomei de obter ajuda, salvo nos casos excepcionais, a correspondência ordinária pouco sofre agora e não sofrerá mais no futuro. Mas o que fazer com esse atraso de mais de quinhentas cartas que, a despeito de minha boa vontade, não consigo pôr em dia?
R. ─ É preciso, como se diz em linguagem comercial, passá-las em bloco à conta de lucros e perdas. Anunciando esta medida na Revista, vossos correspondentes saberão o que fazer; compreenderão a necessidade e a encontrarão sobretudo justificada pelos conselhos que precedem. Repito que seria impossível que as coisas continuassem assim por mais tempo. Tudo sofreria com isso, inclusive a vossa saúde e a doutrina. Caso necessário, é preciso saber fazer sacrifícios. Tranquilo, de agora em diante, sobre esse ponto, podereis entregar-vos mais livremente aos vossos trabalhos obrigatórios. Eis o que vos aconselha aquele que será sempre vosso amigo devotado.
DEMEURE
Atendendo a este sábio conselho, rogamos aos nossos correspondentes com os quais há muito estamos em atraso, recebam as nossas desculpas e o nosso pesar por não ter podido responder em detalhe, e como teríamos desejado, às suas bondosas cartas. Receberão aqui, coletivamente, a expressão de nossos sentimentos fraternos.
Aquiescência à prece
(Paris, Abril de 1866 - Médium: Sra. D...)
Imaginais quase sempre que o que pedis na prece deve realizar-se por uma espécie de milagre. Esta crença errônea é fonte de uma porção de práticas supersticiosas e de muitas decepções. Também conduz à negação da eficácia da prece. Considerando que vosso pedido não é acolhido da maneira como desejáveis, concluís que ele é inútil e então, por vezes, murmurais contra a justiça de Deus. Outros pensam que tendo Deus estabelecido leis eternas, às quais todos os seres estão submetidos, não é possível derrogá-las para atender aos pedidos que lhe são feitos. É para vos premunir contra o erro, ou melhor, contra o exagero destas duas ideias que me proponho vos dar algumas explicações sobre o modo de aquiescência à prece.
Há uma verdade incontestável, é que Deus não altera nem suspende para ninguém o curso das leis que regem o Universo. Sem isto, a ordem da Natureza seria incessantemente perturbada pelo capricho do primeiro que chegasse. É, pois, certo que toda prece que não pudesse ser atendida senão por uma derrogação dessas leis ficaria sem efeito. Tal seria, por exemplo, a que tivesse por objeto a volta à vida de um homem realmente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo fosse irremediável.
Não é menos certo que nenhuma atenção é dada aos pedidos fúteis ou inconsiderados. Mas ficai persuadidos de que toda prece pura e desinteressada é escutada e que é sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em sua sabedoria, julgasse a propósito não atendê-la. É sobretudo então que deveis dar prova de humildade e de submissão à sua vontade, dizendo-vos que melhor do que vós ele sabe o que vos pode ser útil.
Há, por certo, leis gerais a que o homem está fatalmente submetido, mas é um erro crer que as menores circunstâncias da vida sejam predeterminadas de maneira irrevogável. Se assim fosse, o homem seria uma máquina sem iniciativa e, por consequência, sem responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem. Desde o momento que ele é livre de ir para a direita ou para a esquerda, de agir conforme as circunstâncias, seus movimentos não são regulados como os de uma máquina. Conforme faz ou deixa de fazer uma coisa e conforme a faz de uma maneira ou de outra, os acontecimentos que disso dependem seguem um curso diferente. Desde que subordinados à decisão do homem, não são submetidos à fatalidade. São fatais os que não dependem de sua vontade. Mas, todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade.
O homem tem, pois, um limite, dentro do qual pode mover-se livremente. Essa liberdade de ação tem por limites as leis da Natureza, que ninguém pode transpor; ou, melhor dizendo, essa liberdade, na esfera da atividade em que se exerce, faz parte dessas leis. Ela é necessária, e é por ela que o homem é chamado a concorrer para a marcha geral das coisas. Como ele o faz livremente, tem o mérito do que faz de bem e o demérito do que faz de mal, de sua despreocupação, de sua negligência, de sua inatividade. As flutuações que sua vontade pode causar aos acontecimentos da vida, de modo algum perturbam a harmonia universal, pois essas flutuações fazem parte das provas que incumbem ao homem na Terra.
No limite das coisas que dependem da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar suas leis, aceder a uma prece, quando é justa, e cuja realização pode ser útil; mas acontece muitas vezes que ele julga a sua utilidade e a sua oportunidade diversamente de nós, razão pela qual nem sempre aquiesce. Se lhe aprouver atendê-la, não é modificando seus desígnios soberanos que o faz, mas por meios que não derrogam a ordem legal, se assim se pode dizer. Os Espíritos, executores de sua vontade, são então encarregados de provocar as circunstâncias que devem conduzir ao resultado desejado. Quase sempre esse resultado requer o concurso de algum encarnado. É, pois, esse concurso que os Espíritos preparam, inspirando aos que devem nela cooperar, o pensamento de uma ação; incitando-os a irem a um ponto e não a outro; provocando encontros propícios que parecem devidos ao acaso. Dessa forma, o acaso não mais existe, nem na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimenta.
Nas aflições, a prece é não apenas uma prova de confiança e de submissão à vontade de Deus, que a escuta, se for pura e desinteressada, mas ainda tem por efeito, como sabeis, estabelecer uma corrente fluídica que leva para longe, no espaço, o pensamento do aflito, como o ar leva o som de sua voz. Esse pensamento repercute nos corações simpáticos ao sofrimento e estes, por um movimento inconsciente e como atraídos por um poder magnético, se dirigem para o lugar onde sua presença pode ser útil. Deus, que quer socorrer aquele que implora, sem dúvida poderia fazê-lo por si mesmo, instantaneamente, mas, como eu já disse, ele não faz milagres, e as coisas devem seguir seu curso natural. Ele quer que os homens pratiquem a caridade, socorrendo-se uns aos outros. Por seus mensageiros, leva o lamento onde pode encontrar eco e lá bons Espíritos sopram um bom pensamento. Embora suscitado, o pensamento, pelo simples fato de ser desconhecida sua fonte, deixa ao homem toda a sua liberdade. Nada o constrange. Ele tem, por conseguinte, todo o mérito da espontaneidade se cede à voz que em seu íntimo apela ao sentimento do dever, e tudo o desmerece se, dominado por uma indiferença egoística, ele resiste.
P. ─ Há casos, como num perigo iminente, em que a assistência deve ser imediata. Como pode ela chegar em tempo hábil, se é preciso esperar a boa vontade de um homem e se essa boa vontade está ausente, por força do livre-arbítrio?
R. ─ Não deveis esquecer que os anjos de guarda, os Espíritos protetores, cuja missão é velar pelos que lhes são confiados, os seguem, por assim dizer, passo a passo. Eles não lhes podem evitar as apreensões dos perigos que fazem parte de suas provações, mas se as consequências do perigo podem ser evitadas, como tudo previram com antecedência, não esperaram o último momento para preparar o socorro. Se por vezes se dirigem a homens de má vontade, é com vistas a procurar despertar neles os bons sentimentos, mas não contam com eles.
Quando, numa situação crítica, uma pessoa aparece, como que a propósito, para vos assistir e exclamais: “É a Providência que a envia”, dizeis uma verdade maior do que por vezes supondes.
Se há casos prementes, outros que o são menos exigem um certo tempo para trazer um concurso de circunstâncias favoráveis, sobretudo quando é preciso que os Espíritos triunfem, pela inspiração, sobre a apatia das pessoas cuja cooperação é necessária para o resultado a obter. Essas demoras na realização do desejo são provações para a paciência e a resignação. Ademais, quando acontece a realização do que se desejou, é quase sempre por um encadeamento de circunstâncias tão naturais, que absolutamente nada denuncia uma intervenção oculta; nada denuncia a mais ligeira aparência de maravilhoso. As coisas parecem arranjar-se por si mesmas. Isto deve ser assim pelo duplo motivo que, em primeiro lugar, os meios de ação não se afastam das leis gerais e em segundo lugar, se a assistência dos Espíritos fosse muito evidente, o homem se fiaria neles e habituar-se-ia a não contar consigo mesmo. Essa assistência deve ser compreendida por ele por pensamento, pelo sentido moral, e não pelos sentidos materiais. Sua crença deve ser o resultado de sua fé e de sua confiança na bondade de Deus. Infelizmente, porque não viu o dedo de Deus fazer um milagre para ele, esquece o mais das vezes aquele a quem deve sua salvação, para glorificar o acaso. É uma ingratidão que mais cedo ou mais tarde receberá a sua expiação.
UM ESPÍRITO PROTETOR.
Há uma verdade incontestável, é que Deus não altera nem suspende para ninguém o curso das leis que regem o Universo. Sem isto, a ordem da Natureza seria incessantemente perturbada pelo capricho do primeiro que chegasse. É, pois, certo que toda prece que não pudesse ser atendida senão por uma derrogação dessas leis ficaria sem efeito. Tal seria, por exemplo, a que tivesse por objeto a volta à vida de um homem realmente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo fosse irremediável.
Não é menos certo que nenhuma atenção é dada aos pedidos fúteis ou inconsiderados. Mas ficai persuadidos de que toda prece pura e desinteressada é escutada e que é sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em sua sabedoria, julgasse a propósito não atendê-la. É sobretudo então que deveis dar prova de humildade e de submissão à sua vontade, dizendo-vos que melhor do que vós ele sabe o que vos pode ser útil.
Há, por certo, leis gerais a que o homem está fatalmente submetido, mas é um erro crer que as menores circunstâncias da vida sejam predeterminadas de maneira irrevogável. Se assim fosse, o homem seria uma máquina sem iniciativa e, por consequência, sem responsabilidade. O livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem. Desde o momento que ele é livre de ir para a direita ou para a esquerda, de agir conforme as circunstâncias, seus movimentos não são regulados como os de uma máquina. Conforme faz ou deixa de fazer uma coisa e conforme a faz de uma maneira ou de outra, os acontecimentos que disso dependem seguem um curso diferente. Desde que subordinados à decisão do homem, não são submetidos à fatalidade. São fatais os que não dependem de sua vontade. Mas, todas as vezes que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade.
O homem tem, pois, um limite, dentro do qual pode mover-se livremente. Essa liberdade de ação tem por limites as leis da Natureza, que ninguém pode transpor; ou, melhor dizendo, essa liberdade, na esfera da atividade em que se exerce, faz parte dessas leis. Ela é necessária, e é por ela que o homem é chamado a concorrer para a marcha geral das coisas. Como ele o faz livremente, tem o mérito do que faz de bem e o demérito do que faz de mal, de sua despreocupação, de sua negligência, de sua inatividade. As flutuações que sua vontade pode causar aos acontecimentos da vida, de modo algum perturbam a harmonia universal, pois essas flutuações fazem parte das provas que incumbem ao homem na Terra.
No limite das coisas que dependem da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar suas leis, aceder a uma prece, quando é justa, e cuja realização pode ser útil; mas acontece muitas vezes que ele julga a sua utilidade e a sua oportunidade diversamente de nós, razão pela qual nem sempre aquiesce. Se lhe aprouver atendê-la, não é modificando seus desígnios soberanos que o faz, mas por meios que não derrogam a ordem legal, se assim se pode dizer. Os Espíritos, executores de sua vontade, são então encarregados de provocar as circunstâncias que devem conduzir ao resultado desejado. Quase sempre esse resultado requer o concurso de algum encarnado. É, pois, esse concurso que os Espíritos preparam, inspirando aos que devem nela cooperar, o pensamento de uma ação; incitando-os a irem a um ponto e não a outro; provocando encontros propícios que parecem devidos ao acaso. Dessa forma, o acaso não mais existe, nem na assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimenta.
Nas aflições, a prece é não apenas uma prova de confiança e de submissão à vontade de Deus, que a escuta, se for pura e desinteressada, mas ainda tem por efeito, como sabeis, estabelecer uma corrente fluídica que leva para longe, no espaço, o pensamento do aflito, como o ar leva o som de sua voz. Esse pensamento repercute nos corações simpáticos ao sofrimento e estes, por um movimento inconsciente e como atraídos por um poder magnético, se dirigem para o lugar onde sua presença pode ser útil. Deus, que quer socorrer aquele que implora, sem dúvida poderia fazê-lo por si mesmo, instantaneamente, mas, como eu já disse, ele não faz milagres, e as coisas devem seguir seu curso natural. Ele quer que os homens pratiquem a caridade, socorrendo-se uns aos outros. Por seus mensageiros, leva o lamento onde pode encontrar eco e lá bons Espíritos sopram um bom pensamento. Embora suscitado, o pensamento, pelo simples fato de ser desconhecida sua fonte, deixa ao homem toda a sua liberdade. Nada o constrange. Ele tem, por conseguinte, todo o mérito da espontaneidade se cede à voz que em seu íntimo apela ao sentimento do dever, e tudo o desmerece se, dominado por uma indiferença egoística, ele resiste.
P. ─ Há casos, como num perigo iminente, em que a assistência deve ser imediata. Como pode ela chegar em tempo hábil, se é preciso esperar a boa vontade de um homem e se essa boa vontade está ausente, por força do livre-arbítrio?
R. ─ Não deveis esquecer que os anjos de guarda, os Espíritos protetores, cuja missão é velar pelos que lhes são confiados, os seguem, por assim dizer, passo a passo. Eles não lhes podem evitar as apreensões dos perigos que fazem parte de suas provações, mas se as consequências do perigo podem ser evitadas, como tudo previram com antecedência, não esperaram o último momento para preparar o socorro. Se por vezes se dirigem a homens de má vontade, é com vistas a procurar despertar neles os bons sentimentos, mas não contam com eles.
Quando, numa situação crítica, uma pessoa aparece, como que a propósito, para vos assistir e exclamais: “É a Providência que a envia”, dizeis uma verdade maior do que por vezes supondes.
Se há casos prementes, outros que o são menos exigem um certo tempo para trazer um concurso de circunstâncias favoráveis, sobretudo quando é preciso que os Espíritos triunfem, pela inspiração, sobre a apatia das pessoas cuja cooperação é necessária para o resultado a obter. Essas demoras na realização do desejo são provações para a paciência e a resignação. Ademais, quando acontece a realização do que se desejou, é quase sempre por um encadeamento de circunstâncias tão naturais, que absolutamente nada denuncia uma intervenção oculta; nada denuncia a mais ligeira aparência de maravilhoso. As coisas parecem arranjar-se por si mesmas. Isto deve ser assim pelo duplo motivo que, em primeiro lugar, os meios de ação não se afastam das leis gerais e em segundo lugar, se a assistência dos Espíritos fosse muito evidente, o homem se fiaria neles e habituar-se-ia a não contar consigo mesmo. Essa assistência deve ser compreendida por ele por pensamento, pelo sentido moral, e não pelos sentidos materiais. Sua crença deve ser o resultado de sua fé e de sua confiança na bondade de Deus. Infelizmente, porque não viu o dedo de Deus fazer um milagre para ele, esquece o mais das vezes aquele a quem deve sua salvação, para glorificar o acaso. É uma ingratidão que mais cedo ou mais tarde receberá a sua expiação.
UM ESPÍRITO PROTETOR.
O Espiritismo obriga
Paris, abril, 1866. – Médium, madame B…
O Espiritismo é uma ciência essencialmente moral. Então, os que se dizem seus adeptos não podem, sem cometer uma grave inconsequência, subtrair-se às obrigações que ele impõe.
Essas obrigações são de duas ordens.
A primeira concerne o indivíduo que, ajudado pelas claridades intelectuais que a doutrina espalha, pode melhor compreender o valor de cada um de seus atos, melhor sondar todos os refolhos de sua consciência, melhor apreciar a infinita bondade de Deus, que não quer a morte do pecador mas que ele se converta e viva, e que para lhe deixar a possibilidade de erguer-se de suas quedas, lhe deu a longa série de existências sucessivas, em cada uma das quais, levando o peso de suas faltas passadas, ele pode adquirir novos conhecimentos e novas forças, fazendo-o evitar o mal e praticar o que é conforme à justiça e à caridade. Que dizer daquele que, assim esclarecido quanto aos seus deveres para com Deus, para com os irmãos, permanece orgulhoso, cúpido, egoísta? Não parece que a luz o tenha enceguecido, porque não estava preparado para recebê-la? Desde então marcha nas trevas, embora esteja em meio à luz. Ele só é espírita de nome. A caridade fraterna dos que veem realmente, deve esforçar-se por curá-lo dessa cegueira intelectual. Mas, para muitos dos que se lhe assemelham, será necessária a luz que o túmulo traz, porque seu coração está muito ligado aos prazeres materiais e seu espírito não está maduro para receber a verdade. Numa nova encarnação compreenderão que os planetas inferiores, como a Terra, não passam de uma espécie de escola mútua, onde a alma começa a desenvolver suas faculdades, suas aptidões, para em seguida aplicá-las ao estudo dos grandes princípios da ordem, da justiça, do amor e da harmonia que regem as relações das almas entre si e as funções que elas desempenham na direção do Universo. Eles sentirão que, chamada a uma tão alta dignidade, qual a de se tornar mensageira do Altíssimo, a alma humana não deve aviltar-se, degradar-se ao contato dos prazeres imundos da volúpia; das ignóbeis tentações da avareza que subtrai a alguns filhos de Deus o gozo dos bens que ele deu para todos; compreenderão que o egoísmo, nascido do orgulho, cega a alma e a faz violar os direitos da justiça, da humanidade, porquanto ele engendra todos os males que fazem da Terra um lugar de dores e expiações. Instruído pelas duras lições da adversidade, seu espírito será amadurecido pela reflexão, e seu coração, depois de ter sido ralado pela dor, tornar-se-á bom e caridoso. É assim que aquilo que vos parece um mal, por vezes é necessário para reconduzir os endurecidos. Esses pobres retardatários, regenerados pelo sofrimento, esclarecidos por essa luz interior que podemos chamar de batismo do Espírito, velarão com cuidado sobre si mesmos, isto é, sobre os movimentos do seu coração e o emprego de suas faculdades, para dirigi-los conforme as leis da justiça e da fraternidade. Eles compreenderão que não são apenas obrigados, eles próprios, a se melhorarem, cálculo egoísta que impede o atingimento do objetivo visado por Deus, mas que a segunda ordem das obrigações do espírita, que decorre necessariamente da primeira e a completa, é a do exemplo, que é o melhor meio de propagação e renovação.
Com efeito, aquele que está convencido da excelência dos princípios que lhe são ensinados e que devem, se a eles conformar a sua conduta, proporcionar-lhe uma felicidade duradoura, não pode, se estiver verdadeiramente animado dessa caridade fraterna que está na própria essência do Espiritismo, senão desejar que sejam compreendidos por todos os homens. Daí a obrigação moral de conformar sua conduta com a sua crença e de ser um exemplo vivo, um modelo, como o Cristo o foi para a Humanidade.
Vós, fracas centelhas oriundas do eterno foco do amor divino, certamente não podeis pretender uma tão vasta radiação quanto a do Verbo de Deus encarnado na Terra, mas cada um, na vossa esfera de ação, pode espalhar os benefícios do bom exemplo. Podeis fazer com que a virtude seja amada, cercando-a do encanto dessa benevolência constante que atrai, cativa e mostra, enfim, que a prática do bem é coisa fácil; que gera a felicidade íntima da consciência que se colocou sob sua lei, pois ela é o cumprimento da vontade divina que nos fez dizer, por intermédio do seu Cristo: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.
Ora, o Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios da moral ensinada por Jesus, porque não é senão com o objetivo de fazê-la por todos compreendida, a fim de que por ela todos progridam mais rapidamente, que Deus permite esta universal manifestação do Espírito, vindo explicarvos o que vos parecia obscuro e vos ensinar toda a verdade. Ele vem, como o Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua renovação interior pelas próprias consequências de cada um de seus atos, de cada um de seus pensamentos, porque nenhuma emanação fluídica, boa ou má, escapa do coração ou do cérebro do homem sem deixar uma marca em algum lugar. O mundo invisível que vos cerca é para vós esse Livro de Vida onde tudo se inscreve com uma incrível fidelidade, e a Balança da Justiça divina não é senão uma figura que revela cada um dos vossos atos, cada um dos vossos sentimentos. É, de certo modo, o peso que sobrecarrega a vossa alma e a impede de elevar-se, ou que traz o equilíbrio entre o bem e o mal.
Feliz aquele cujos sentimentos partem de um coração puro. Ele espalha em seu redor uma suave atmosfera que faz amar a virtude e atrai os bons Espíritos; seu poder de radiação é tanto maior quando mais humilde for, e consequentemente mais desprendido das influências materiais que atraem a alma e a impedem de progredir.
As obrigações impostas pelo Espiritismo são, portanto, de uma natureza essencialmente moral, porque são uma consequência da crença; cada um é juiz e parte em sua própria causa; mas as claridades intelectuais que ele traz a quem realmente quer conhecer-se a si mesmo e trabalhar em seu melhoramento são tais que amedrontam os pusilânimes, e é por isso que ele é rejeitado por tantas pessoas. Outros tratam de conciliar a reforma que sua razão lhes demonstra ser uma necessidade com as exigências da Sociedade atual. Daí uma mistura heterogênea, uma falta de unidade que faz da época atual um estado transitório. É muito difícil para a vossa pobre natureza corporal despojar-se de suas imperfeições para revestir o homem novo, isto é, o homem que vive segundo os princípios de justiça e de harmonia desejados por Deus. Com esforços perseverantes, nada obstante, lá chegareis, porque as obrigações impostas à consciência, quando suficientemente esclarecida, têm mais força do que jamais terão as leis humanas baseadas no constrangimento de um obscurantismo religioso que não suporta exame. Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável. Se vossa vida for um belo modelo em que cada um possa achar bons exemplos e sólidas virtudes, onde a dignidade se alia a uma graciosa amenidade, rejubilai-vos, porque tereis compreendido, pelo menos em parte, a que obriga o Espiritismo.
LUÍS DE FRANÇA
Essas obrigações são de duas ordens.
A primeira concerne o indivíduo que, ajudado pelas claridades intelectuais que a doutrina espalha, pode melhor compreender o valor de cada um de seus atos, melhor sondar todos os refolhos de sua consciência, melhor apreciar a infinita bondade de Deus, que não quer a morte do pecador mas que ele se converta e viva, e que para lhe deixar a possibilidade de erguer-se de suas quedas, lhe deu a longa série de existências sucessivas, em cada uma das quais, levando o peso de suas faltas passadas, ele pode adquirir novos conhecimentos e novas forças, fazendo-o evitar o mal e praticar o que é conforme à justiça e à caridade. Que dizer daquele que, assim esclarecido quanto aos seus deveres para com Deus, para com os irmãos, permanece orgulhoso, cúpido, egoísta? Não parece que a luz o tenha enceguecido, porque não estava preparado para recebê-la? Desde então marcha nas trevas, embora esteja em meio à luz. Ele só é espírita de nome. A caridade fraterna dos que veem realmente, deve esforçar-se por curá-lo dessa cegueira intelectual. Mas, para muitos dos que se lhe assemelham, será necessária a luz que o túmulo traz, porque seu coração está muito ligado aos prazeres materiais e seu espírito não está maduro para receber a verdade. Numa nova encarnação compreenderão que os planetas inferiores, como a Terra, não passam de uma espécie de escola mútua, onde a alma começa a desenvolver suas faculdades, suas aptidões, para em seguida aplicá-las ao estudo dos grandes princípios da ordem, da justiça, do amor e da harmonia que regem as relações das almas entre si e as funções que elas desempenham na direção do Universo. Eles sentirão que, chamada a uma tão alta dignidade, qual a de se tornar mensageira do Altíssimo, a alma humana não deve aviltar-se, degradar-se ao contato dos prazeres imundos da volúpia; das ignóbeis tentações da avareza que subtrai a alguns filhos de Deus o gozo dos bens que ele deu para todos; compreenderão que o egoísmo, nascido do orgulho, cega a alma e a faz violar os direitos da justiça, da humanidade, porquanto ele engendra todos os males que fazem da Terra um lugar de dores e expiações. Instruído pelas duras lições da adversidade, seu espírito será amadurecido pela reflexão, e seu coração, depois de ter sido ralado pela dor, tornar-se-á bom e caridoso. É assim que aquilo que vos parece um mal, por vezes é necessário para reconduzir os endurecidos. Esses pobres retardatários, regenerados pelo sofrimento, esclarecidos por essa luz interior que podemos chamar de batismo do Espírito, velarão com cuidado sobre si mesmos, isto é, sobre os movimentos do seu coração e o emprego de suas faculdades, para dirigi-los conforme as leis da justiça e da fraternidade. Eles compreenderão que não são apenas obrigados, eles próprios, a se melhorarem, cálculo egoísta que impede o atingimento do objetivo visado por Deus, mas que a segunda ordem das obrigações do espírita, que decorre necessariamente da primeira e a completa, é a do exemplo, que é o melhor meio de propagação e renovação.
Com efeito, aquele que está convencido da excelência dos princípios que lhe são ensinados e que devem, se a eles conformar a sua conduta, proporcionar-lhe uma felicidade duradoura, não pode, se estiver verdadeiramente animado dessa caridade fraterna que está na própria essência do Espiritismo, senão desejar que sejam compreendidos por todos os homens. Daí a obrigação moral de conformar sua conduta com a sua crença e de ser um exemplo vivo, um modelo, como o Cristo o foi para a Humanidade.
Vós, fracas centelhas oriundas do eterno foco do amor divino, certamente não podeis pretender uma tão vasta radiação quanto a do Verbo de Deus encarnado na Terra, mas cada um, na vossa esfera de ação, pode espalhar os benefícios do bom exemplo. Podeis fazer com que a virtude seja amada, cercando-a do encanto dessa benevolência constante que atrai, cativa e mostra, enfim, que a prática do bem é coisa fácil; que gera a felicidade íntima da consciência que se colocou sob sua lei, pois ela é o cumprimento da vontade divina que nos fez dizer, por intermédio do seu Cristo: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito.
Ora, o Espiritismo não é senão a aplicação verdadeira dos princípios da moral ensinada por Jesus, porque não é senão com o objetivo de fazê-la por todos compreendida, a fim de que por ela todos progridam mais rapidamente, que Deus permite esta universal manifestação do Espírito, vindo explicarvos o que vos parecia obscuro e vos ensinar toda a verdade. Ele vem, como o Cristianismo bem compreendido, mostrar ao homem a absoluta necessidade de sua renovação interior pelas próprias consequências de cada um de seus atos, de cada um de seus pensamentos, porque nenhuma emanação fluídica, boa ou má, escapa do coração ou do cérebro do homem sem deixar uma marca em algum lugar. O mundo invisível que vos cerca é para vós esse Livro de Vida onde tudo se inscreve com uma incrível fidelidade, e a Balança da Justiça divina não é senão uma figura que revela cada um dos vossos atos, cada um dos vossos sentimentos. É, de certo modo, o peso que sobrecarrega a vossa alma e a impede de elevar-se, ou que traz o equilíbrio entre o bem e o mal.
Feliz aquele cujos sentimentos partem de um coração puro. Ele espalha em seu redor uma suave atmosfera que faz amar a virtude e atrai os bons Espíritos; seu poder de radiação é tanto maior quando mais humilde for, e consequentemente mais desprendido das influências materiais que atraem a alma e a impedem de progredir.
As obrigações impostas pelo Espiritismo são, portanto, de uma natureza essencialmente moral, porque são uma consequência da crença; cada um é juiz e parte em sua própria causa; mas as claridades intelectuais que ele traz a quem realmente quer conhecer-se a si mesmo e trabalhar em seu melhoramento são tais que amedrontam os pusilânimes, e é por isso que ele é rejeitado por tantas pessoas. Outros tratam de conciliar a reforma que sua razão lhes demonstra ser uma necessidade com as exigências da Sociedade atual. Daí uma mistura heterogênea, uma falta de unidade que faz da época atual um estado transitório. É muito difícil para a vossa pobre natureza corporal despojar-se de suas imperfeições para revestir o homem novo, isto é, o homem que vive segundo os princípios de justiça e de harmonia desejados por Deus. Com esforços perseverantes, nada obstante, lá chegareis, porque as obrigações impostas à consciência, quando suficientemente esclarecida, têm mais força do que jamais terão as leis humanas baseadas no constrangimento de um obscurantismo religioso que não suporta exame. Mas se, graças às luzes do alto, fordes mais instruídos e compreenderdes mais, também deveis ser mais tolerantes e não empregar, como meio de propagação, senão o raciocínio, porque toda crença sincera é respeitável. Se vossa vida for um belo modelo em que cada um possa achar bons exemplos e sólidas virtudes, onde a dignidade se alia a uma graciosa amenidade, rejubilai-vos, porque tereis compreendido, pelo menos em parte, a que obriga o Espiritismo.
LUÍS DE FRANÇA