Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

O magnetismo e o Espiritismo comparados

(Sociedade de Paris, 12 de maio de 1867 - Médium, Sr. Desliens)

“Ocupei-me em vida da prática do magnetismo do ponto de vista exclusivamente material. Ao menos assim o cria. Hoje sei que a elevação voluntária ou involuntária da alma que faz desejar a cura do doente é uma verdadeira magnetização espiritual.

“A cura se deve a causas excessivamente variáveis: Tal moléstia, tratada de tal maneira, cede ante a força de ação material; tal outra, que é idêntica, mas menos acentuada, não experimenta qualquer melhora, embora os meios curativos empregados talvez sejam ainda mais poderosos. A que se devem, então, essas variações de influências? ─ A uma causa ignorada pela maioria dos magnetizadores, que não investem senão nos princípios mórbidos materiais; elas são consequência da situação moral do indivíduo.

“A doença material é um efeito. Para destruí-lo não basta atacá-lo, agarrá-lo corpo a corpo e o aniquilar. Persistindo a causa, ela produzirá novos efeitos mórbidos quando estiver afastada a ação curativa.

“O fluido transmissor da saúde no magnetismo é um intermediário entre a matéria e a parte espiritual do ser, e que poderia comparar-se ao perispírito. Ele une dois corpos um ao outro; é um ponto sobre o qual passam os elementos que devem trazer a cura nos órgãos doentes. Sendo um intermediário entre o Espírito e a matéria, em consequência de sua composição molecular, esse fluido pode transmitir tão bem uma influência espiritual quanto uma influência puramente animal.

“O que é, efetivamente, o Espiritismo, ou melhor, o que é a mediunidade, essa faculdade até aqui incompreendida, cuja extensão considerável estabeleceu sobre bases incontestáveis os princípios fundamentais da nova revelação? É pura e simplesmente uma variedade da ação magnética exercida por um ou vários magnetizadores desencarnados, sobre um paciente humano, agindo no estado de vigília ou no estado extático, consciente ou inconscientemente.

“Existe, enfim, uma terceira variedade do magnetismo ou do Espiritismo, conforme se toma como ponto de partida a ação dos encarnados sobre os encarnados, ou a dos Espíritos relativamente livres sobre Espíritos aprisionados num corpo; esta terceira variedade, que tem por princípio a ação dos encarnados sobre os Espíritos, revela-se no tratamento e na moralização dos Espíritos obsessores.

“O Espiritismo não é, pois, senão o magnetismo espiritual, e o magnetismo não é outra coisa senão o Espiritismo humano.

“Com efeito, como procede o magnetizador que quer submeter à sua influência um sensitivo sonambúlico? Ele envolve-o em seu fluido; ele o possui numa certa medida e, notai-o, sem jamais conseguir aniquilar seu livre-arbítrio, sem poder transformá-lo em coisa sua, um instrumento passivo. Muitas vezes o magnetizado resiste à influência do magnetizador, e age num sentido quando este desejaria que a ação fosse diametralmente oposta. Embora, geralmente, o sonâmbulo esteja adormecido, e que o seu próprio Espírito aja enquanto o seu corpo fica mais ou menos inerte, também acontece, embora mais raramente, que o sensitivo simplesmente fascinado, iluminado, fique em vigília, embora com maior tensão de espírito e uma inusitada exaltação de suas faculdades.

“E agora, como procede o Espírito que deseja comunicar-se? Envolve o médium com o seu fluido; possui-o em certa medida, sem jamais dele fazer uma coisa, um instrumento puramente passivo. Objetar-me-eis, talvez, que nos casos de obsessão, de possessão, o aniquilamento do livre-arbítrio parece ser completo. Haveria muito a dizer sobre esta questão, porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, como foi possível constatar em muitas ocasiões. Mesmo no caso da obsessão, encontro uma confirmação, uma prova em apoio à minha teoria, lembrando que a obsessão se exerce também de encarnado a encarnado, e que temos visto magnetizadores aproveitando o domínio que exerciam, para levar seus sonâmbulos a cometerem ações censuráveis. Aqui, como sempre, a exceção confirma a regra.

Embora geralmente o sensitivo mediúnico esteja desperto, em certos casos, que se tornam cada vez mais frequentes, o sonambulismo espontâneo se declara no médium, e este fala por si mesmo, ou por sugestão, absolutamente como o sonâmbulo magnético se conduz nas mesmas circunstâncias.

“Enfim, como procedeis relativamente aos Espíritos obsessores ou simplesmente inferiores que desejais moralizar? Agis sobre eles por atração fluídica; vós os magnetizais, as mais das vezes inconscientemente, para retê-los em vosso círculo de ação, e algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis em torno deles uma toalha fluídica que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessenciada.

“Como vos foi dito muitas vezes, não há lacunas na obra da Natureza, nem saltos bruscos, mas transições insensíveis que fazem com que passemos pouco a pouco de um para o outro estado, sem nos apercebermos da mudança, a não ser pela consciência de uma situação melhor.

“O magnetismo é, pois, um grau inferior do Espiritismo, e que insensivelmente se confunde com este último, por uma série de variedades, pouco diferentes uma da outra, como o animal é um estado superior da planta, etc. Num caso como no outro, são dois degraus da escada infinita que liga todas as criações, desde o ínfimo átomo até Deus criador! Acima de vós está a luz ofuscante, que vossos fracos olhos ainda não podem suportar; abaixo estão as trevas profundas que os vossos mais poderosos instrumentos de óptica ainda não puderam iluminar. Ontem nada sabíeis; hoje vedes o abismo profundo no qual se perde a vossa origem. Pressentis o objetivo infinitamente perfeito para o qual tendem todas as vossas aspirações. A quem deveis todos esses conhecimentos? Ao magnetismo! Ao Espiritismo! A todas as revelações que decorrem de uma lei de relação universal entre todos os seres e seu criador! A uma ciência surgida ontem por vossa concepção, mas cuja existência se perde na noite dos tempos porque é uma das bases fundamentais da criação.

“De tudo isto concluo que o magnetismo, desenvolvido pelo Espiritismo, é a chave mestra da saúde moral e material da Humanidade futura.

“E. QUINEMANT.”

OBSERVAÇÃO: A justeza das apreciações e a profundeza do novo ponto de vista que encerra esta comunicação, a ninguém escapam. Embora desencarnado há bem pouco tempo, o Sr. Quinemant se revela, logo de saída, e sem a menor hesitação, como um Espírito de incontestável superioridade. Tão logo desprendido da matéria, que não parece haver deixado sobre ele qualquer traço, ele desdobra suas faculdades com uma força notável que promete aos seus irmãos da Terra mais um bom conselheiro.

Os que pretendiam que o Espiritismo se arrastava a par dos lugares-comuns e das banalidades, podem ver, pelas questões que ele aborda há algum tempo, se ele fica estacionário; e o verão ainda melhor à medida que lhes for permitido desenvolver as suas consequências. Entretanto, a bem dizer, ele não ensina nada de novo. Se estudados cuidadosamente os seus princípios constitutivos fundamentais, veremos que eles encerram o germe de tudo. Mas esses germes só se podem desenvolver gradativamente; se nem todos florescem ao mesmo tempo, é que a extensão do círculo de suas atribuições não depende da vontade dos homens, mas da vontade dos Espíritos, que regulam o grau de seus ensinamentos de acordo com a oportunidade. É em vão que os homens gostariam de antecipar-se sobre o tempo, pois eles não podem constranger a vontade dos Espíritos que agem conforme as inspirações superiores, e não se deixam levar pela impaciência dos encarnados. Se necessário, eles sabem tornar estéril essa impaciência. Assim, deixai-os agir. Fortifiquemo-nos no que eles ensinam, e estejamos certos de que eles saberão, em tempo útil, fazer com que o Espiritismo dê o que ele tem a dar.

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