Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867

Allan Kardec

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A responsabilidade moral

(Sociedade de Paris, 7 de julho de 1867 - Médium: Sr. Nivard)

Assisto a todas as tuas conversas mentais, mas sem dirigi-las; teus pensamentos são emitidos em minha presença, mas eu não os provoco. É o pressentimento dos casos que têm alguma chance de se apresentar que faz nascerem em ti os pensamentos adequados à solução das dificuldades que eles poderiam te suscitar. Aí está o livre-arbítrio; é o exercício do Espírito encarnado, tentando resolver problemas que provoca para si mesmo.

Com efeito, se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de haver seguido os bons. Ora, essa responsabilidade e esse mérito evidentemente seriam menores do que se fossem resultado do pleno exercício do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito que, nesse caso, age sem qualquer solicitação.

Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam, são o resultado do exercício intelectual, da mesma forma que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal.

Daí não se deve concluir que o homem não é assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que os cercam, muito pelo contrário; os Espíritos, sejam benevolentes ou malévolos, são muitas vezes a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos, mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, quando agis, julgais fazê-lo em virtude do vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e aqueles que realizais sob a influência dos Espíritos, senão no grau do mérito ou da responsabilidade.

Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que este princípio que enuncio não necessita de demonstração. Para prová-lo bastar-me-á fazer uma comparação com o que acontece entre vós.

Se um homem cometeu um crime, e se o tiver cometido seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre aquele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo, concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; ela irá mais longe, porquanto punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime, e sem haver contribuído de outra maneira, esse homem será mais severamente punido do que aquele que foi apenas o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que ensejou execução. Então! Se os homens, neste caso, reduzem a responsabilidade do criminoso e a partilham com o infame que o impeliu a cometer o crime, como queríeis que Deus, que é a própria justiça, não fizesse o mesmo, sendo que vossa razão vos diz que é justo agir assim?

No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade, e pode demonstrar-se invertendo a proposição.

Assim, pois, quando te acontece refletir e transitar com as tuas ideias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando tu analisas, quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem. Eles aí estão, perto de ti, e te escutam; eles veem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplicado quando veem que tuas conclusões estão de acordo com a verdade.

Por vezes lhes ocorre, evidentemente, de se imiscuírem nesse exercício, quer para facilitá-lo, quer para dar ao Espírito alguns estímulos, ou lhe criar algum embaraço, a fim de tornar essa ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica. Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.

Teu pai, que vela por ti, e que está feliz por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave doença).

LOUIS NIVARD.

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