Resposta
As razões pelas quais o Espiritismo repudia a palavra milagre, no
que lhe concerne em particular, e em geral para os fenômenos que não
fogem das leis naturais, foram muitas vezes desenvolvidas, quer em
nossas obras sobre a Doutrina, quer em vários artigos da Revista Espírita. Elas estão resumidas na passagem seguinte, tirada do número de maio de 1867.
“Na sua acepção usual, o vocábulo milagre perdeu sua significação primitiva, como tantos outros, a começar pela palavra filosofia (amor
à sabedoria), da qual se servem hoje para exprimir as ideias mais
diametralmente opostas, desde o mais puro espiritualismo até o
materialismo mais absoluto. Ninguém duvida que, no pensamento das
massas, milagre implica a ideia de um fato
extranatural. Perguntai a todos os que acreditam nos milagres se os
olham como efeitos naturais. A Igreja está de tal modo fixada nesse
ponto que anatematiza os que pretendem explicar os milagres pelas leis
da Natureza. A própria Academia assim define este vocábulo: Ato do poder divino, contrário às leis conhecidas da Natureza. ─ Verdadeiro, falso milagre. ─ Milagre certificado. ─ Operar milagres. O dom dos milagres.
Para
ser por todos compreendido, é preciso falar como todo mundo. Ora, é
evidente que se tivéssemos qualificado os fenômenos espíritas de miraculosos, o
público ter-se-ia enganado quanto ao seu verdadeiro caráter, a menos
que de cada vez empregássemos um circunlóquio e disséssemos que há
milagres que não são milagres como geralmente eles são entendidos.
Considerando-se que a generalidade a isto liga a ideia de uma derrogação
das leis naturais, e que os fenômenos espíritas não passam de aplicação
dessas mesmas leis, é bem mais simples, e sobretudo mais lógico, dizer
claramente: Não, o Espiritismo não faz milagres. Dessa maneira, não há
engano nem falsa interpretação. Assim como o progresso das ciências
físicas destruiu uma porção de preconceitos, e fez entrar na ordem dos
fatos naturais um grande número de efeitos outrora considerados como
miraculosos, o Espiritismo, pela revelação de novas leis, vem restringir
ainda o domínio do maravilhoso; dizemos mais: dá-lhe o último golpe, e é
por isto que ele não está por toda parte em odor de santidade, assim
como a Astronomia e a Geologia.”
Aliás, a questão dos milagres é
tratada de maneira completa e com todos os desenvolvimentos que
comporta, na segunda parte da nova obra que publicamos sob o título de A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. A causa natural dos fatos reputados miraculosos, no
sentido vulgar do termo, é explicada. Se o autor do artigo acima se der
ao trabalho e a ler, verá que as curas do Sr. Jacob e todas as do mesmo
gênero não são um problema para o Espiritismo, que há muito tempo sabe a
que se ater nesse ponto. É uma questão quase elementar.
A acepção da palavra milagre, no
sentido de fato extranatural, está consagrada pelo uso; a Igreja a
reivindica para si, como parte integrante de seus dogmas. Parecenos,
pois, difícil fazer esta palavra voltar à sua acepção etimológica, sem
nos expormos a quiproquós. Seria preciso, diz o autor, um vocábulo novo.
Ora, como tudo o que não está fora das leis da Natureza é natural, não
vemos outro podendo abarcá-los todos senão o de fenômenos naturais.
Mas
os fenômenos naturais, reputados miraculosos, são de duas ordens: uns
dependem de leis que regem a matéria, outros de leis que regem a ação do
princípio espiritual. Os primeiros são do campo da Ciência propriamente
dita; os segundos estão mais especialmente no domínio do Espiritismo.
Quanto a estes últimos, como são, na maior parte, uma consequência dos
atributos da alma, a palavra existe: são chamados fenômenos psíquicos; e quando combinados com os efeitos da matéria, poderiam ser chamados psicomateriais ou semipsíquicos.
O autor critica a expressão elemento espiritual, pela razão, diz ele, que o único elemento espiritual é Deus. A resposta para isto é muito simples. A palavra elemento não é aqui tomada no sentido de corpo simples, elementar, de moléculas primitivas, mas no de parte constituinte de um todo. Neste sentido, pode-se dizer que o elemento espiritual é uma parte ativa na economia do Universo, como se diz que o elemento civil e o elemento militar figuram em tal proporção na cifra de uma população; que o elemento religioso entra na educação; que na Argélia há o elemento árabe e o elemento europeu, etc. Por nossa vez, diremos ao autor que, por falta de uma palavra especial para esta última acepção do vocábulo elemento, somos forçados a dele nos servirmos. Aliás, como essas duas acepções não representam ideias contraditórias, como a do vocábulo milagre, não há confusão possível, pois a ideia radical é a mesma.
Se
o autor se der ao trabalho de estudar o Espiritismo, contra o qual
constatamos com prazer que ele não tem uma preconcebida ideia de
negação, nele encontrará a resposta às dúvidas que algumas partes de seu
artigo parecem exprimir, no que se refere à maneira de encarar certas
coisas, salvo, contudo, no que concerne à ciência das concordâncias
numéricas, da qual jamais nos ocupamos, e sobre a qual, por conseguinte,
não poderíamos ter opinião formada.
O Espiritismo não tem a
pretensão de dar a última palavra sobre todas as leis que regem o
Universo, razão pela qual ele jamais disse: Nec plus ultra. Por
sua própria natureza, ele abre caminho a todas as novas descobertas,
mas até que um princípio novo seja constatado, ele não o aceita senão a
título de hipótese ou de probabilidade.