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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863
Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863
Contendo
Os fatos de manifestação de Espíritos, bem como todas as notícias relativas ao Espiritismo.
O ensino dos Espíritos sobre as coisas do mundo visível e do mundo invisível; sobre as ciências, a moral, a imortalidade da alma, a natureza do homem e seu futuro.
A história do Espiritismo na antiguidade; suas relações com o magnetismo e o sonambulismo; a explicação de lendas e crenças populares, da mitologia de todos os países, etc.
Publicada sob a direção
do sr. Allan Kardec.
Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente.
A potência da causa inteligente se dá em razão da grandeza do efeito.
Janeiro
Estudos sobre os possessos de MorzineCausas da obsessão e meios de combate
(II artigo)
Em nosso artigo precedente (de dezembro último), foi exposta a maneira pela qual se exerce a ação dos Espíritos sobre o homem, ação, por assim dizer, material.
Sua causa está inteiramente no perispírito, princípio não só de todos os fenômenos espíritas propriamente ditos, mas de uma porção de efeitos morais, fisiológicos e patológicos incompreendidos antes do conhecimento desse agente, cuja descoberta, se assim se pode dizer, abrirá horizontes novos à Ciência, quando esta se decidir a reconhecer a existência do mundo invisível.
Como vimos, o perispírito representa importante papel em todos os fenômenos da vida. Ele é a fonte de múltiplas afecções, cuja causa é em vão buscada pelo escalpelo na alteração dos órgãos, e contra as quais é impotente a terapêutica.
Por sua expansão explicam-se, ainda, as reações de indivíduo a indivíduo, as atrações e repulsões instintivas, a ação magnética, etc. No Espírito livre, isto é, desencarnado, o perispírito substitui o corpo material. Ele é o agente sensitivo, o órgão através do qual o Espírito age.
Pela natureza fluídica e expansiva do perispírito, o Espírito atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza.
O homem, que vive em meio ao mundo invisível, está incessantemente submetido a essas influências, do mesmo modo que às da atmosfera que respira, e essa influência se traduz por efeitos morais e fisiológicos, dos quais não se dá conta e que ele frequentemente atribui a causas inteiramente contrárias.
Essa influência difere, naturalmente, segundo as boas ou más qualidades do Espírito, como ficou explicado no artigo precedente. Se ele for bom e benevolente, a influência, ou a impressão, se assim o preferirem, será agradável e salutar. É como as carícias de uma terna mãe, que toma o filho nos braços. Se ele for mau e perverso, ela será dura, penosa, ansiosa e por vezes malfazeja. Ela não o abraça, constringe.
Vivemos nesse oceano fluídico, incessantemente a braços com correntes contrárias, que atraímos ou repelimos, ou às quais nos abandonamos, conforme nossas qualidades pessoais, mas em cujo meio o homem sempre conserva o seu livre-arbítrio, atributo essencial de sua natureza, em virtude do qual pode sempre escolher o seu caminho.
Como se vê, isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica, tal qual esta é vulgarmente compreendida. Estando a ação do mundo invisível na ordem das coisas naturais, ela se exerce sobre o homem, abstração feita de qualquer conhecimento espírita. Estamos a elas submetidos como o estamos à ação da eletricidade atmosférica, mesmo sem saber Física; como ficamos doentes sem conhecer Medicina.
Ora, assim como a Física nos ensina a causa de certos fenômenos e a Medicina a de certas doenças, o estudo da ciência espírita nos ensina a dos fenômenos devidos às influências ocultas do mundo invisível e nos explica o que, sem isto, nos parecia inexplicável.
A mediunidade é o meio direto de observação. O médium ─ permitam-nos a comparação ─ é o instrumento de laboratório pelo qual a ação do mundo invisível se traduz de maneira patente. Pela facilidade que ela nos oferece de repetir as experiências, permite-nos estudar o modo e as diversas nuanças dessa ação. Foi desses estudos e dessas observações que nasceu a ciência espírita. Todo indivíduo que, de uma maneira qualquer, sofre a influência dos Espíritos, é, por isso mesmo, médium, e por isso mesmo pode-se dizer que todos os indivíduos são médiuns. Mas é pela mediunidade efetiva, consciente e facultativa, que se chegou a constatar a existência do mundo invisível, e pela diversidade das manifestações obtidas ou provocadas que tomamos conhecimento da qualidade dos seres que o compõem, e do papel que eles representam na Natureza. O médium fez pelo mundo invisível o mesmo que o microscópio fez pelo mundo dos infinitamente pequenos.
É, pois, uma nova força, uma nova energia, uma nova lei, numa palavra, que nos foi revelada.
É realmente inconcebível que a incredulidade chegue a repelir essa ideia porque ela pressupõe em nós uma alma, um princípio inteligente que sobrevive ao corpo.
Se se tratasse da descoberta de uma substância material e não inteligente, seria aceita sem dificuldade, mas uma ação inteligente fora do homem é para eles superstição. Se da observação dos fatos produzidos pela mediunidade remontarmos aos fatos gerais, poderemos, pela similitude dos efeitos, concluir pela similitude das causas. Ora, é constatando a analogia dos fenômenos de Morzine com aqueles que diáriamente a mediunidade põe aos nossos olhos, que nos parece evidente a participação de Espíritos malfeitores naquelas circunstâncias, e não o será menos para quantos hajam meditado acerca dos numerosos casos isolados relatados na Revista Espírita.
A única diferença está no caráter epidêmico da afecção.
A História registra vários fatos semelhantes, entre os quais o das religiosas de Loudun, dos convulsionários de Saint-Médard, dos das Cévènes e dos possessos do tempo do Cristo. Estes últimos, sobretudo, apresentam notável analogia com os de Morzine. Uma coisa digna de nota é que, em qualquer parte onde esses fenômenos se produziram, a ideia de que eram devidos aos Espíritos era dominante e como que intuitiva naqueles que eram afetados.
Se nos quisermos reportar ao nosso primeiro artigo; à teoria da obsessão contida em O Livro dos Médiuns e aos fatos relatados na Revista, veremos que a ação dos maus Espíritos sobre as criaturas de quem se apoderam apresenta nuanças extremamente variadas de intensidade e duração, conforme o grau de malignidade e perversidade do Espírito, e também de acordo com o estado moral da pessoa que lhes dá acesso mais ou menos fácil.
Muitas vezes tal ação é temporária e acidental, mais maliciosa e desagradável que perigosa, como no caso que relatamos no artigo precedente.
O fato seguinte pertence a essa categoria.
O Sr. Indermühle, de Berne, membro da Sociedade Espírita de Paris, contounos que, em sua propriedade de Zimmerwald, seu administrador, homem de força hercúlea, sentiu-se, à noite, agarrado por um indivíduo que o sacudia vigorosamente.
Dir-se-ia que era um pesadelo. Mas não, porque o homem estava bem desperto, levantou-se e lutou por algum tempo com aquele que o agarrava, e quando se sentiu livre, tomou do sabre que estava pendurado ao lado do leito e pôs-se a esgrimi-lo no escuro, sem nada atingir. Acendeu uma vela e procurou em vão por toda parte. A porta estava bem fechada.
Logo que ele voltou ao leito, o jardineiro que estava no quarto ao lado começou a pedir socorro, debatendo-se e gritando que o estrangulavam. O caseiro correu para o quarto do jardineiro, mas, como no seu caso, não encontrou ninguém.
Uma criada que dormia no mesmo prédio ouviu todo o barulho. Apavorados, todos foram, no dia seguinte, contar ao Sr. Indermühle o que se havia passado.
Depois de informar-se de todos os detalhes e de assegurar-se que nenhum estranho poderia ter-se introduzido nos quartos, o Sr. Indermühle foi levado a crer que se tratava de uma brincadeira de mau gosto de algum Espírito, porque, há algum tempo, inequívocas manifestações físicas de diversas modalidades se produziam em sua própria casa.
Ele tranquilizou os seus serviçais, recomendando que observassem cuidadosamente tudo quanto se passasse, caso a coisa se repetisse.
Como ele e sua esposa são médiuns, ele evocou o Espírito perturbador, que confessou o fato e desculpou-se dizendo: “Eu vos queria falar, pois sou infeliz e necessito de vossas preces. Há muito tempo faço tudo o que posso para vos chamar a atenção: Eu vos toco, e até já vos puxei a orelha (do que se recordou o Sr. Indermühle), mas sem resultado. Então, pensei que fazendo a cena da noite passada pensaríeis em me chamar. Fizeste-o e estou contente, mas asseguro-vos que não tinha más intenções. Prometei chamar-me algumas vezes e orar por mim.”
O Sr. Indermühle fez-lhe uma severa advertência, repetiu a conversa, deu-lhe uma lição de moral que ele escutou com prazer, orou por ele e disse à sua gente que fizesse o mesmo, o que foi feito, pois são piedosos, e desde então tudo ficou em ordem.
Infelizmente nem todos têm tão boa disposição. Esse não era mau. Há alguns, porém, cuja ação é tenaz, permanente, e pode até mesmo haver consequências desagradáveis para a saúde da criatura, mais do isto, para as faculdades intelectuais, caso o Espírito chegue a subjugar a sua vítima a ponto de neutralizar seu livrearbítrio e de levá-la a dizer e fazer extravagâncias. Tal é o caso da loucura obsessiva, muito diversa nas causas, senão nos efeitos, da loucura patológica.
Em nossa viagem, vimos o jovem obsidiado, do qual falamos na Revista de janeiro de 1861, sob o título de Espírito batedor de Aube, e ouvimos do pai e de testemunhas oculares a confirmação dos fatos. O rapaz tem agora dezesseis anos; é saudável, grande, perfeitamente constituído e, contudo, queixa-se do estômago e de fraqueza dos membros, o que, segundo ele, o impede de trabalhar. Vendo-o, pode-se facilmente crer seja a preguiça sua principal doença, o que nada tira à realidade dos fenômenos produzidos há cinco anos e que, sob muitos aspectos, lembram os de Bergzabern (Revista de maio, junho e julho de 1858). Já não é o mesmo com sua saúde moral. Em criança era muito inteligente e na escola aprendia com facilidade.
Desde então suas faculdades enfraqueceram sensivelmente. É preciso acrescentar que só recentemente ele e seus pais tomaram conhecimento do Espiritismo, ainda por ouvir dizer e muito superficialmente, pois nada leram. Antes, nunca tinham ouvido falar. Não era possível, assim, ter uma causa provocadora.
Os fenômenos materiais praticamente cessaram ou são hoje muito raros, mas o estado moral é o mesmo, o que é tanto mais lamentável para os pais, que vivem do trabalho.
Sabe-se da influência da prece em tais casos, mas, como nada se pode esperar do rapaz nesse sentido, seria necessário o concurso dos pais.
Eles estão persuadidos de que o filho está sob malévola influência oculta, mas sua crença não vai muito além, e sua fé religiosa é das mais fracas.
Dissemos ao pai que era necessário orar, mas orar seriamente e com fervor. “É o que já me disseram”, respondeu ele. “Orei algumas vezes, mas sem resultado. Se eu soubesse que orando diversas vezes durante vinte e quatro horas e isto acabaria, eu o faria exatamente agora.” Vê-se por aí de que maneira a gente é secundada nessas circunstâncias pelos maiores interessados.
Eis a contrapartida do caso, e uma prova da eficácia da prece quando feita com o coração e não com os lábios.
Certa moça, contrariada em suas inclinações, havia-se casado com um homem com quem ela não simpatizava. A mágoa que sofreu levou-a a um distúrbio das faculdades mentais. Sob o domínio de uma ideia fixa, ela perdeu a razão e teve de ser internada. Ela jamais ouvira falar de Espiritismo, mas se dele se tivesse ocupado, teriam dito que os Espíritos lhe haviam transtornado a cabeça. O mal provinha, assim, de uma causa moral acidental e exclusivamente pessoal. Compreende-se que em tais casos os remédios normais nenhum efeito produziriam, e como não havia obsessão aparente, podia-se também duvidar da eficácia da prece.
Um amigo da família, membro da Sociedade Espírita de Paris, achou que deveria interrogar um Espírito superior acerca desse caso, o qual lhe respondeu:
“A ideia fixa dessa senhora, por causa dela mesma, atrai para junto dela uma porção de Espíritos maus que a envolvem com seus fluidos, alimentam as suas ideias e impedem que lhe cheguem as boas influências.
“Os Espíritos dessa natureza abundam sempre em meios semelhantes àquele em que ela se encontra, e frequentemente constituem obstáculo à cura dos doentes.
Contudo, podereis curá-la, mas para tanto é necessária uma força moral capaz de vencer a resistência, e tal força não é dada a um só. Cinco ou seis espíritas sinceros se reúnam todos os dias, durante alguns instantes e peçam com fervor a Deus e aos bons Espíritos que a assistam, e que a vossa ardente prece seja, ao mesmo tempo, uma magnetização mental.
“Para tanto, não necessitais estar junto a ela. Ao contrário, podeis, pelo pensamento, levar-lhe uma salutar corrente fluídica, cuja força estará na razão direta de vossa intenção, e aumentada pelo número. Dessa maneira podereis neutralizar o mau fluido que a envolve. Fazei isto, tende fé em Deus e esperai.”
Seis pessoas se dedicaram a essa obra de caridade, e durante um mês não faltaram um só dia à missão que haviam aceito. Depois de alguns dias, a doente estava sensivelmente mais calma. Quinze dias mais tarde a melhora era manifesta, e agora ela voltou para sua casa em estado perfeitamente normal, ignorando ainda, assim como seu marido, de onde lhe veio a cura.
A maneira de agir é aqui indicada claramente e nada teríamos a acrescentar de mais preciso à explicação dada pelo Espírito. A prece não tem apenas o efeito de chamar para junto do doente um socorro estranho, mas também o de exercer uma ação magnética.
De que não seria capaz o magnetismo, ajudado pela prece! Infelizmente certos magnetizadores, a exemplo de muitos médicos, fazem abstração do elemento espiritual. Eles veem apenas a ação mecânica, assim se privando de poderoso auxiliar. Esperamos que os verdadeiros espíritas vejam neste fato, mais uma prova do bem que podem fazer em circunstâncias semelhantes.
Aqui naturalmente se apresenta uma questão de grande importância:
O exercício da mediunidade pode provocar o desarranjo da saúde e das faculdades mentais?
É de se notar que, assim formulada, esta é a pergunta feita pela maioria dos antagonistas do Espiritismo, ou melhor, em vez de fazerem uma pergunta, eles transformam o princípio em axioma, afirmando que a mediunidade conduz à loucura. Referimo-nos à loucura real e não a esta, mais burlesca do que séria, com que gratificam os nossos adeptos.
Poder-se-ia conceber essa pergunta da parte de quem acreditasse na existência dos Espíritos e na ação que eles podem exercer, porque, para eles, existe algo de real. Mas, para os que não acreditam, a pergunta é um contrassenso, porque, se nada existe, esse nada não poderá produzir coisa alguma.
Sendo essa tese insustentável, eles se escudam nos perigos da superexcitação cerebral que, em sua opinião, pode ser causada pela simples crença nos Espíritos.
Não voltaremos a esse ponto já estudado, mas perguntaremos se já foi feita a estatística de todos os cérebros transtornados pelo medo do diabo e dos terríveis quadros das torturas do inferno e da danação eterna, e se é mais prejudicial acreditarmos que temos junto de nós Espíritos bons e benevolentes, nossos parentes, nossos amigos e nosso anjo da guarda, ou o demônio.
Desde que se admita a existência dos Espíritos e sua ação, a pergunta formulada da seguinte maneira é mais racional e mais séria:
O exercício da mediunidade pode provocar numa pessoa a invasão de maus Espíritos e suas consequências?
Jamais dissimulamos os escolhos encontradiços na mediunidade, razão por que multiplicamos, em O Livro dos Médiuns, as instruções a tal respeito, e não temos cessado de recomendar o seu estudo prévio, antes de se entregarem à prática. Assim, desde a publicação daquele livro, o número de obsidiados diminuiu sensível e notoriamente, porque poupa uma experiência que os noviços muitas vezes só adquirem às próprias custas. Afirmamos mais uma vez: Sim, sem experiência, a mediunidade tem inconvenientes, dos quais o menor seria ser mistificado por Espíritos enganadores e levianos. Fazer Espiritismo experimental sem estudo é fazer manipulações químicas sem saber química.
Os numerosos exemplos de pessoas obsidiadas e subjugadas da mais desagradável maneira, sem jamais terem ouvido falar de Espiritismo, provam à saciedade que o exercício da mediunidade não tem o privilégio de atrair os maus Espíritos. Mais do que isto, prova a experiência que ela é um meio de afastá-los, pois permite reconhecê-los.
Contudo, como por vezes alguns vagam em redor de nós, pode acontecer que, encontrando oportunidade para se manifestarem, aproveitem-na, desde que encontrem no médium uma predisposição física ou moral que o torne acessível à sua influência. Ora, tal predisposição está no indivíduo e em causas pessoais anteriores, e não surgiram da mediunidade. Pode-se dizer que o exercício da faculdade é uma ocasião e não uma causa.
Mas, se algumas criaturas estão neste caso, outras há que oferecem uma resistência intransponível aos maus Espíritos, que a elas não se dirigem. Falamos de Espíritos realmente maus e malfeitores, os únicos realmente perigosos, e não de Espíritos levianos e zombeteiros, que se insinuam por toda a parte.
A presunção de julgar-se invulnerável pelos maus Espíritos muitas vezes tem sido punida de modo cruel, porque eles jamais são impunemente desafiados pelo orgulho. O orgulho é a porta que lhes dá mais fácil acesso, pois ninguém oferece menos resistência do que o orgulhoso, quando é atacado pelo seu lado fraco. Antes de nos dirigirmos aos Espíritos, convém, pois, encouraçarmo-nos contra o assalto dos maus, assim como se marchássemos em terreno onde tememos picadas de cobras. Isto se consegue, inicialmente, pelo estudo prévio, que indica a rota e as precauções a tomar; em seguida, pela prece. Mas é necessário bem nos compenetrarmos de que, em verdade, o único preservativo está em nós, em nossa própria força, e nunca nas coisas exteriores, e que não há talismãs, nem amuletos, nem palavras sacramentais, nem fórmulas sagradas ou profanas que tenham a menor eficácia se não tivermos em nós mesmos as qualidades necessárias. Assim, essas qualidades é que devem ser adquiridas.
Se estivéssemos bem compenetrados do objetivo essencial e sério do Espiritismo; se nos preparássemos constantemente para o exercício da mediunidade por um fervoroso apelo a nosso anjo da guarda e aos nossos Espíritos protetores; se nos estudássemos, esforçando-nos por nos purificarmos de nossas imperfeições, os casos de obsessão mediúnica seriam ainda mais raros.
Infelizmente, muitos veem apenas o fato das manifestações. Não contentes com as provas morais que abundam em seu redor, querem a qualquer preço dar-se à satisfação de comunicar-se pessoalmente com os Espíritos, forçando o desenvolvimento de uma faculdade por vezes neles inexistente, guiados mais pela curiosidade do que pelo sincero desejo de melhorar-se. Disso resulta que, em vez de se envolverem numa atmosfera fluídica salutar; de se cobrirem com as asas protetoras de seus anjos guardiães; de buscarem o domínio das fraquezas morais, escancaram a porta aos Espíritos obsessores que os teriam atormentado de outra maneira e em outra ocasião, mas que aproveitam a que lhes é ofertada.
Que dizer, então, daqueles que fazem um jogo das manifestações e nelas veem apenas um motivo para distração e curiosidade ou nelas procuram meios de satisfazer a ambição, a cupidez ou os interesses materiais? É nesses casos que se pode dizer que o exercício da mediunidade pode provocar a invasão dos maus Espíritos. Sim, é perigoso brincar com essas coisas. Quantas pessoas leem O Livro dos Médiuns unicamente para saber como agir, porque o que mais lhes interessa é a receita ou a maneira de proceder! O lado moral do problema é acessório. Assim, não se deve imputar ao Espiritismo o que é resultado da imprudência. Voltemos aos possessos de Morzine.
Aquilo que um Espírito pode fazer a uma criatura, vários Espíritos podem fazer sobre diversos indivíduos, simultaneamente, e dar à obsessão um caráter epidêmico.
Uma nuvem de maus Espíritos pode invadir uma localidade e aí manifestar-se de várias maneiras. Foi uma epidemia de tal gênero que se alastrou na Judeia, ao tempo do Cristo, e, em nossa opinião, é uma epidemia semelhante que abateu-se sobre Morzine.
É o que procuraremos estabelecer num próximo artigo, no qual destacaremos os caracteres essencialmente obsessivos dessa afecção. Analisaremos os relatórios dos médicos que a observaram, entre outros o do Dr. Constant, bem como os meios de cura empregados, seja pela medicina, seja pelos exorcismos.
Os servos - História de um criado
O caso descrito em nosso número de dezembro último, sob o
título O tugúrio e o salão, lembra-nos
outro, um tanto pessoal.
Numa viagem feita há dois anos, vimos,
numa família
da alta sociedade, um jovem criado, cujo rosto
fino e inteligente nos chamou a atenção pelo ar de distinção. Nada, em suas
maneiras, denotava inferioridade. Sua dedicação
ao serviço dos amos não tinha essa obsequiosidade servil própria da gente de tal condição.
Voltando àquela família no ano seguinte, não mais vimos o
rapaz e perguntamos se fora despedido. “Não”, disseram-me, “ele foi passar uns dias em sua terra e morreu.
Lamentamos muito, pois era um excelente empregado e tinha sentimentos realmente acima de sua posição. Era-nos
muito dedicado e nos deu provas do maior devotamento.”
Mais tarde veio-nos a ideia de evocá-lo. Eis o que ele nos
disse:
1. ─
Em minha penúltima encarnação eu era, como se
diz na Terra, de boa família, arruinada pela
prodigalidade de meu pai. Muito cedo fiquei órfão e sem recursos. O Sr. de G...
foi meu benfeitor. Educou-me como filho e deu-me uma boa educação, que me
encheu de vaidade. Na última existência eu quis
expiar meu orgulho, nascendo em condição servil e tive
ocasião de provar minha dedicação ao meu
benfeitor. Até lhe salvei a vida, sem que ele o tivesse notado. Era ao mesmo
tempo uma prova, da qual tirei proveito, pois
tive bastante força para não me corromper no contacto com um meio geralmente
vicioso. A despeito dos maus exemplos, fiquei puro, pelo que dou graças a Deus
por ter sido recompensado com a felicidade de que
desfruto.
2. ─
Em que condições você salvou a vida do Sr. de
G...?
─ Num passeio a cavalo, em que só eu
o seguia, percebi uma grande árvore que caía ao seu lado, sem que ele a visse. Chamei-o, com um grito terrível. Ele voltou-se bruscamente, enquanto a árvore
caía aos seus pés. Sem o movimento que provoquei, ele teria sido esmagado.
NOTA: Ao ser relatado o fato ao Sr. de
G..., ele lembrou-se perfeitamente.
3. ─
Por que você morreu tão jovem?
─ Deus tinha julgado minha prova
suficiente.
4. ─
Como você pôde tirar proveito da prova, se não
tinha lembrança da vida anterior e da causa que a motivara?
─ Em minha humilde posição, restava-me o instinto do orgulho,
que tive a sorte de dominar. Isto tornou a prova proveitosa,
sem o que eu teria de recomeçá-la. Em seus
momentos de liberdade, o meu Espírito se recordava e, ao despertar, ficava-me
um desejo intuitivo de resistir às tendências, que sentia
serem más. Tive
mais mérito na luta do que se me lembrasse do passado. A lembrança de minha
antiga posição teria exaltado o meu orgulho, perturbando-me, ao passo que tive
que lutar apenas contra o arrastamento da nova posição.
5. ─
Você havia recebido uma educação brilhante. De que isto lhe serviu
na última existência, já que você não se
recordava dos conhecimentos que havia adquirido?
─ Esses conhecimentos teriam sido inúteis, e até mesmo um contra-senso, em minha nova situação.
Ficaram latentes, e hoje eu os reencontro. Contudo, não me foram inúteis, pois
desenvolveram minha inteligência. Instintivamente eu tinha gosto pelas coisas elevadas,
o que me inspirava repulsa pelos exemplos baixos e ignóbeis que tinha sob meus olhos. Sem tal educação eu teria sido um simples criado.
6. ─
Os exemplos de servidores dedicados a seus amos até à
abnegação, têm por causa vínculos
anteriores?
─ Sem dúvida. É pelo menos o
caso mais comum. Por vezes tais criados são membros da própria
família ou, como eu, devedores que pagam
uma dívida de reconhecimento e cujo devotamento lhes ajuda a
progredir. Não sabeis de todos os efeitos das simpatias e antipatias que
essas relações anteriores produzem no mundo. Não! A morte não interrompe tais
relações, que se perpetuam, às vezes, de um a outro século.
7. ─
Por que tais exemplos de devotamento dos servos
são hoje tão raros?
─ Sua causa é o espírito de egoísmo e de orgulho do vosso
século, desenvolvido pela incredulidade e pelas ideias materialistas. A
verdadeira fé é destruída pela cupidez e pelo desejo de ganho, e com ela os devotamentos. Trazendo os homens para o sentimento do verdadeiro, o Espiritismo fará
renascer as virtudes esquecidas.
NOTA: Nada pode melhor que
este exemplo ressaltar os
benefícios do esquecimento das vidas anteriores. Se o Sr. de G... se tivesse
recordado quem tinha sido seu jovem criado, ficaria muito
constrangido e não o teria conservado naquela condição. Assim, teria entravado a prova que para
ambos foi proveitosa.
Boieldieu na milisima representação da dama branca
Os versos que se seguem, do Sr. Méry, foram recitados na milésima representação da Dama Branca, a 16 de dezembro de 1862, no teatro da ÓperaCômica.
A BOÏELDIEU
Glória à peça onde, inteira, canta a melodia.
Obra de Boïeldieu, mil vezes aplaudida,
E, como no passado, tão nova em nossos dias!
Paris assiste, ainda, com o teatro repleto,
A Dama de Avenel, senhora, castelã!
Dez vezes centenária após trinta e seis anos!
Deu o autor tudo quanto o poeta
Inventou de melhor, a lira interpretou,
E o mestre inspirado foi prodigalizando,
O encanto que o verbo jamais nos descreveu:
Otom que faz sonhar, o tom que faz sorrir,
A alegria do espírito, o êxtase do amor!
É que a melodia, cuja graça suprema
Brilha na voz, na orquestra e no poema,
Não foi ultrapassada pela arte da noite,
Pois que Boïeldieu ─ eis a sua vitória
─Faz o público artista e fala ao auditório
A linguagem do amor, que abarca o Universo!
Com que felicidade varia o grande mestre
Os inspirados tons pela musa querida!
Que cascatas de ouro caem da sua lira!
E que luzes nos vêm da escocesa bruma!
Nesta obra, sobretudo, a música francesa
Nada tem a temer entre os Alpes e o Reno!
Cabe-nos, pois, festejar este nobre milésimo,
Que eleva sua peça às culminâncias.
E depois... conhecemos o segredo do Além?
Quem sabe?
Talvez plane sob essa abóbada Uma sombra, esta noite, alegre a escutar,
Um auditor a mais que não podemos ver!
Todos os espíritas devem ter notado esta última estrofe, que não poderia corresponder melhor ao seu pensamento, nem melhor exprimir a presença, em nosso meio, do Espírito dos que deixaram seus despojos mortais. Para os materialistas é um simples jogo de imaginação do poeta, porque, em sua opinião, do homem de gênio cuja memória se celebrava nada resta, e as palavras que lhe eram dirigidas se perdiam no vácuo, sem achar eco. As recordações e os pesares que deixou, nada representam; ainda mais: sua vasta inteligência é mero acaso da Natureza e de sua organização.
Onde estaria, então, o seu mérito? Não o teria mais por haver composto suas obras-primas do que os realejos que as executam. Tal pensamento não tem algo de glacial, diremos mais, de profundamente imoral? E não é triste ver homens de talento e de ciência preconizá-los em seus escritos e, do alto de suas cátedras, ensiná-lo à juventude das escolas, buscando provar- lhes que apenas o nada nos espera e que, consequentemente, aquele que pôde ou soube subtrair-se à justiça humana, nada mais tem a temer? Tal ideia ─ não é demais repetir ─ é eminentemente subversiva da ordem social, e cedo ou tarde os povos sofrem as terríveis consequências de sua predominância, pelo desenvolvimento das paixões, porque seria o mesmo que lhes dizer: Podeis impunemente fazer o que quiserdes, desde que sejais os mais fortes.
Essa ideia, contudo ─ temos que convir, em louvor à Humanidade ─ encontra um sentimento de repulsa nas massas. Perguntamos que efeito teria o poeta sobre o público se, em vez daquela imagem tão verdadeira, tão empolgante e tão consoladora da presença do Espírito de Boïeldieu em meio ao numeroso auditório, feliz com as homenagens à sua obra, tivesse ele dito: Do homem que lamentamos, nada resta senão o que foi para o túmulo e que se decompõe dia após dia. Mais alguns anos e nem mesmo o seu pó restará, mas do seu ser pensante nada resta. Ele entrou no nada, de onde havia saído. Ele não mais nos vê nem nos escuta. E vós, seu filho aqui presente, que venerais a sua memória, vossos lamentos não mais o atingem. Em vão o chamais em vossas preces ardentes. Ele não poderá vir, porque não existe mais. A tumba fechou-se para sempre sobre ele. Em vão esperais revê-lo ao deixar a Terra, porque também entrareis no nada, como ele. Em vão lhe pedireis apoio e conselho. Ele vos deixou só e bem só. Credes que ele continua a ocupar-se de vós, que está ao vosso lado, que está aqui, entre nós? Ilusão de um espírito fraco. Dizeis que sois médiuns e credes que ele pode manifestar-se a vós! Superstição renovada da Idade Média; efeito de vossa imaginação, que se reflete em vossos escritos.
Perguntamos o que teria dito o auditório diante de tal quadro. É este, entretanto, o ideal da incredulidade.
Escutando esses versos, certamente alguns assistentes terão pensado: “Linda ideia! Isto é impressionante!”.
Outros, em maior número, terão pensado: “Pensamento suave e consolador, que aquece o coração!” Contudo, poderão ter acrescentado: “Se a alma de Boïeldieu aqui está, como é ela? Sob que forma ela se apresenta? É uma chama, uma centelha, um vapor, um sopro? Como ela vê e escuta?”
É exatamente tal incerteza quanto ao estado da alma que faz nascer a dúvida.
Ora, o Espiritismo vem dissipar tal incerteza, dizendo: Ao morrer, Boïeldieu deixou apenas seu envoltório pesado e grosseiro, mas sua alma conservou o envoltório fluídico indestrutível. De agora em diante, livre do entrave que o prendia ao solo, ele pode elevar-se e transpor o espaço. Ele está aqui sob sua forma humana, mas aérea, e se o véu que o subtrai à nossa vista fosse levantado, veríamos Boïeldieu indo e vindo, ou pairando sobre a multidão, e com ele, milhares de Espíritos, em seus corpos etéreos, vindo associar-se ao seu triunfo.
Ora, se o Espírito de Boïeldieu aqui está, é que ele se interessa pelo que aqui se passa e que ele se associa ao pensamento dos assistentes.
Por que, então, não daria a conhecer seu próprio pensamento, se pode fazê-lo? É tal poder que o Espiritismo constata e confirma. Seu envoltório fluídico, por mais invisível e etéreo que seja, não deixa de ser uma espécie de matéria. Durante a vida, ele servia de intermediário entre sua alma e seu corpo. Por intermédio dele a alma transmitia sua vontade, à qual o corpo obedecia, e por ele a alma recebia as sensações experimentadas pelo corpo. Numa palavra, ele é o traço de união entre o Espírito e a matéria propriamente dita.
Agora que ele se acha desembaraçado do seu envoltório corpóreo, associandose, por simpatia, a outro Espírito encarnado, ele pode, de certo modo, utilizar momentaneamente seu corpo para exprimir seu pensamento pela palavra ou pela escrita, isto é, por via mediúnica, ou seja, por um intermediário.
Assim, da sobrevivência da alma à ideia de que ela pode estar em nosso meio há apenas um passo. Dessa ideia à possibilidade de sua comunicação, a distância não é grande. Tudo está em nos darmos conta da maneira pela qual se opera o fenômeno. Vê-se, pois, que a Doutrina Espírita, dando como uma verdade as relações entre os mundos visível e invisível, não preconiza uma coisa tão excêntrica quanto pretendem alguns, e a solidariedade que ela prova existir entre esses dois mundos é a porta que abre os horizontes do futuro.
Após a leitura dos versos do Sr. Méry na Sociedade Espírita de Paris, na sessão de 19 de dezembro de 1862, a Sra. Costel recebeu do Espírito de Boïeldieu a seguinte comunicação:
“Sinto-me feliz em poder manifestar meu reconhecimento aos que, celebrando o velho músico, não esqueceram o homem. Um poeta ─ os poetas são adivinhos ─ sentiu o sopro da minha alma, ainda possuída de harmonia. A música ressoava em seus versos ricos de inspiração nos quais vibrava também uma nota comovida, que fazia planar acima dos vivos o vulto feliz daquele que festejavam.
“Sim, eu assistia à festa comemorativa do meu talento humano e acima dos instrumentos eu ouvia uma voz mais melodiosa que a melodia terrena que cantava a morte despojada de seu antigo terror e aparecendo não mais como uma sombria divindade do Erebo, mas como a estrela brilhante da esperança e da ressurreição.
“A voz cantava também a união dos Espíritos com seus irmãos encarnados. Suave Mistério! Fecunda união que completa o homem e lhe traz as almas que em vão ele chamava do silêncio do túmulo.
“Precursor dos tempos, o poeta é abençoado por Deus. Cotovia matutina, ele celebra a aurora das ideias muito antes que elas surjam no horizonte. Mas eis que a revelação sagrada se espalha como uma bênção sobre todos, e todos, como o poeta amado, sentis em redor de vós a presença daqueles que são evocados pela vossa lembrança.”
Onde estaria, então, o seu mérito? Não o teria mais por haver composto suas obras-primas do que os realejos que as executam. Tal pensamento não tem algo de glacial, diremos mais, de profundamente imoral? E não é triste ver homens de talento e de ciência preconizá-los em seus escritos e, do alto de suas cátedras, ensiná-lo à juventude das escolas, buscando provar- lhes que apenas o nada nos espera e que, consequentemente, aquele que pôde ou soube subtrair-se à justiça humana, nada mais tem a temer? Tal ideia ─ não é demais repetir ─ é eminentemente subversiva da ordem social, e cedo ou tarde os povos sofrem as terríveis consequências de sua predominância, pelo desenvolvimento das paixões, porque seria o mesmo que lhes dizer: Podeis impunemente fazer o que quiserdes, desde que sejais os mais fortes.
Essa ideia, contudo ─ temos que convir, em louvor à Humanidade ─ encontra um sentimento de repulsa nas massas. Perguntamos que efeito teria o poeta sobre o público se, em vez daquela imagem tão verdadeira, tão empolgante e tão consoladora da presença do Espírito de Boïeldieu em meio ao numeroso auditório, feliz com as homenagens à sua obra, tivesse ele dito: Do homem que lamentamos, nada resta senão o que foi para o túmulo e que se decompõe dia após dia. Mais alguns anos e nem mesmo o seu pó restará, mas do seu ser pensante nada resta. Ele entrou no nada, de onde havia saído. Ele não mais nos vê nem nos escuta. E vós, seu filho aqui presente, que venerais a sua memória, vossos lamentos não mais o atingem. Em vão o chamais em vossas preces ardentes. Ele não poderá vir, porque não existe mais. A tumba fechou-se para sempre sobre ele. Em vão esperais revê-lo ao deixar a Terra, porque também entrareis no nada, como ele. Em vão lhe pedireis apoio e conselho. Ele vos deixou só e bem só. Credes que ele continua a ocupar-se de vós, que está ao vosso lado, que está aqui, entre nós? Ilusão de um espírito fraco. Dizeis que sois médiuns e credes que ele pode manifestar-se a vós! Superstição renovada da Idade Média; efeito de vossa imaginação, que se reflete em vossos escritos.
Perguntamos o que teria dito o auditório diante de tal quadro. É este, entretanto, o ideal da incredulidade.
Escutando esses versos, certamente alguns assistentes terão pensado: “Linda ideia! Isto é impressionante!”.
Outros, em maior número, terão pensado: “Pensamento suave e consolador, que aquece o coração!” Contudo, poderão ter acrescentado: “Se a alma de Boïeldieu aqui está, como é ela? Sob que forma ela se apresenta? É uma chama, uma centelha, um vapor, um sopro? Como ela vê e escuta?”
É exatamente tal incerteza quanto ao estado da alma que faz nascer a dúvida.
Ora, o Espiritismo vem dissipar tal incerteza, dizendo: Ao morrer, Boïeldieu deixou apenas seu envoltório pesado e grosseiro, mas sua alma conservou o envoltório fluídico indestrutível. De agora em diante, livre do entrave que o prendia ao solo, ele pode elevar-se e transpor o espaço. Ele está aqui sob sua forma humana, mas aérea, e se o véu que o subtrai à nossa vista fosse levantado, veríamos Boïeldieu indo e vindo, ou pairando sobre a multidão, e com ele, milhares de Espíritos, em seus corpos etéreos, vindo associar-se ao seu triunfo.
Ora, se o Espírito de Boïeldieu aqui está, é que ele se interessa pelo que aqui se passa e que ele se associa ao pensamento dos assistentes.
Por que, então, não daria a conhecer seu próprio pensamento, se pode fazê-lo? É tal poder que o Espiritismo constata e confirma. Seu envoltório fluídico, por mais invisível e etéreo que seja, não deixa de ser uma espécie de matéria. Durante a vida, ele servia de intermediário entre sua alma e seu corpo. Por intermédio dele a alma transmitia sua vontade, à qual o corpo obedecia, e por ele a alma recebia as sensações experimentadas pelo corpo. Numa palavra, ele é o traço de união entre o Espírito e a matéria propriamente dita.
Agora que ele se acha desembaraçado do seu envoltório corpóreo, associandose, por simpatia, a outro Espírito encarnado, ele pode, de certo modo, utilizar momentaneamente seu corpo para exprimir seu pensamento pela palavra ou pela escrita, isto é, por via mediúnica, ou seja, por um intermediário.
Assim, da sobrevivência da alma à ideia de que ela pode estar em nosso meio há apenas um passo. Dessa ideia à possibilidade de sua comunicação, a distância não é grande. Tudo está em nos darmos conta da maneira pela qual se opera o fenômeno. Vê-se, pois, que a Doutrina Espírita, dando como uma verdade as relações entre os mundos visível e invisível, não preconiza uma coisa tão excêntrica quanto pretendem alguns, e a solidariedade que ela prova existir entre esses dois mundos é a porta que abre os horizontes do futuro.
Após a leitura dos versos do Sr. Méry na Sociedade Espírita de Paris, na sessão de 19 de dezembro de 1862, a Sra. Costel recebeu do Espírito de Boïeldieu a seguinte comunicação:
“Sinto-me feliz em poder manifestar meu reconhecimento aos que, celebrando o velho músico, não esqueceram o homem. Um poeta ─ os poetas são adivinhos ─ sentiu o sopro da minha alma, ainda possuída de harmonia. A música ressoava em seus versos ricos de inspiração nos quais vibrava também uma nota comovida, que fazia planar acima dos vivos o vulto feliz daquele que festejavam.
“Sim, eu assistia à festa comemorativa do meu talento humano e acima dos instrumentos eu ouvia uma voz mais melodiosa que a melodia terrena que cantava a morte despojada de seu antigo terror e aparecendo não mais como uma sombria divindade do Erebo, mas como a estrela brilhante da esperança e da ressurreição.
“A voz cantava também a união dos Espíritos com seus irmãos encarnados. Suave Mistério! Fecunda união que completa o homem e lhe traz as almas que em vão ele chamava do silêncio do túmulo.
“Precursor dos tempos, o poeta é abençoado por Deus. Cotovia matutina, ele celebra a aurora das ideias muito antes que elas surjam no horizonte. Mas eis que a revelação sagrada se espalha como uma bênção sobre todos, e todos, como o poeta amado, sentis em redor de vós a presença daqueles que são evocados pela vossa lembrança.”
BOÏELDIEU
Carta sobre o Espiritismo (Do Renard, hebdomadário de Bordeaux, de 1º de novembro de 1862)
Ao Sr. Redator Chefe do Renard
Sr. Redator,
Se o assunto que aqui abordo não vos parece muito batido nem muito extensamente tratado, peço-vos a inserção desta carta no próximo número de vosso estimado jornal.
Algumas palavras sobre o Espiritismo: É uma questão muito controvertida e que hoje preocupa a muitos Espíritos, que tudo quanto um homem leal e seriamente convicto possa escrever acerta deste assunto não pode a ninguém parecer ocioso ou ridículo.
A ninguém quero impor minhas convicções, pois não tenho a idade nem a experiência ou a inteligência necessárias para ser um Mentor. Quero apenas dizer a todos os que, apenas conhecendo essa teoria de nome, estão dispostos a acolher o Espiritismo pela troça ou por um desdém simpático: Façam como eu fiz. Tentai, em primeiro lugar, instruir-vos, e depois tereis o direito de desdenhar ou atacar.
Há um mês, Sr. Redator, eu tinha apenas uma vaga ideia do Espiritismo. Apenas sabia que essa descoberta, ou essa utopia, para a qual fora inventado um vocábulo novo, repousava sobre fatos (verdadeiros ou falsos), de tal modo sobrenaturais, que eram, de saída, rejeitados por todos os homens que não acreditam em nada que lhes causa admiração, que jamais assimilam um progresso senão a reboque de todo o seu século, e que, novos Tomés, só se convencem quando tocam.
Como eles, confesso-o, eu estava disposto a rir dessa teoria e de seus adeptos. Mas, antes de rir, quis saber do que ria, e apresentei-me numa sociedade de espíritas, em casa do Sr. E... B... Diga-se de passagem que o Sr. B... pareceu-me um espírito reto, sério e esclarecido, cheio de uma convicção suficientemente forte para deter o riso nos lábios de um trocista, porque, digam o que disserem, uma convicção sólida sempre se impõe.
Ao fim da primeira sessão eu já não ria, mas ainda duvidava, e o que sentia, sobretudo, era um enorme desejo de instruir-me, uma impaciência febril para assistir a novas provas.
Foi o que fiz ontem, Sr. redator, e agora não mais duvido. Sem falar de algumas informações pessoais que me foram transmitidas sobre coisas ignoradas tanto pelo médium quanto por todos os membros da Sociedade, vi fatos para mim irrefutáveis.
Sem fazer aqui ─ e o compreendereis por quê ─ qualquer reflexão sobre o grau de instrução e inteligência do médium, declaro impossível a alguém que não seja um Bossuet ou um Pascal, responder imediatamente, de modo tão claro quanto possível, com uma velocidade, por assim dizer, mecânica, e em estilo conciso, elegante e correto, várias páginas sobre perguntas tais como esta: “Como conciliar o livrearbítrio com a presciência divina?”, isto é, sobre os mais árduos problemas da metafísica.
Eis o que vi, senhor redator, e muitas coisas mais, que deixo de citar nesta carta, já bem longa. Escrevo-a, repito, a fim de, se possível, inspirar a alguns dos vossos leitores o desejo de instruir-se. Depois, como eu, talvez se convençam.
Se o assunto que aqui abordo não vos parece muito batido nem muito extensamente tratado, peço-vos a inserção desta carta no próximo número de vosso estimado jornal.
Algumas palavras sobre o Espiritismo: É uma questão muito controvertida e que hoje preocupa a muitos Espíritos, que tudo quanto um homem leal e seriamente convicto possa escrever acerta deste assunto não pode a ninguém parecer ocioso ou ridículo.
A ninguém quero impor minhas convicções, pois não tenho a idade nem a experiência ou a inteligência necessárias para ser um Mentor. Quero apenas dizer a todos os que, apenas conhecendo essa teoria de nome, estão dispostos a acolher o Espiritismo pela troça ou por um desdém simpático: Façam como eu fiz. Tentai, em primeiro lugar, instruir-vos, e depois tereis o direito de desdenhar ou atacar.
Há um mês, Sr. Redator, eu tinha apenas uma vaga ideia do Espiritismo. Apenas sabia que essa descoberta, ou essa utopia, para a qual fora inventado um vocábulo novo, repousava sobre fatos (verdadeiros ou falsos), de tal modo sobrenaturais, que eram, de saída, rejeitados por todos os homens que não acreditam em nada que lhes causa admiração, que jamais assimilam um progresso senão a reboque de todo o seu século, e que, novos Tomés, só se convencem quando tocam.
Como eles, confesso-o, eu estava disposto a rir dessa teoria e de seus adeptos. Mas, antes de rir, quis saber do que ria, e apresentei-me numa sociedade de espíritas, em casa do Sr. E... B... Diga-se de passagem que o Sr. B... pareceu-me um espírito reto, sério e esclarecido, cheio de uma convicção suficientemente forte para deter o riso nos lábios de um trocista, porque, digam o que disserem, uma convicção sólida sempre se impõe.
Ao fim da primeira sessão eu já não ria, mas ainda duvidava, e o que sentia, sobretudo, era um enorme desejo de instruir-me, uma impaciência febril para assistir a novas provas.
Foi o que fiz ontem, Sr. redator, e agora não mais duvido. Sem falar de algumas informações pessoais que me foram transmitidas sobre coisas ignoradas tanto pelo médium quanto por todos os membros da Sociedade, vi fatos para mim irrefutáveis.
Sem fazer aqui ─ e o compreendereis por quê ─ qualquer reflexão sobre o grau de instrução e inteligência do médium, declaro impossível a alguém que não seja um Bossuet ou um Pascal, responder imediatamente, de modo tão claro quanto possível, com uma velocidade, por assim dizer, mecânica, e em estilo conciso, elegante e correto, várias páginas sobre perguntas tais como esta: “Como conciliar o livrearbítrio com a presciência divina?”, isto é, sobre os mais árduos problemas da metafísica.
Eis o que vi, senhor redator, e muitas coisas mais, que deixo de citar nesta carta, já bem longa. Escrevo-a, repito, a fim de, se possível, inspirar a alguns dos vossos leitores o desejo de instruir-se. Depois, como eu, talvez se convençam.
Tibulle Lang
Antigo aluno da Escola Politécnica.
Algumas palavras sobre o Espiritismo (Do Écho de Sétif, Argélia, 9 de novembro de 1862)
De algum tempo para cá, o mundo se agita, arrepia-se e busca. Sua alma sofre e tem grandes necessidades.
Admitamos que o Espiritismo não exista, e que tudo quanto se diz a respeito seja produto do erro e da alucinação de alguns espíritos doentes. Mas nada significa ver seis milhões de criaturas afetadas pelo mesmo mal em sete ou oito anos?
Por mim, vejo nisto muitas coisas. Vejo o pressentimento de grandes acontecimentos, porque, em todas as épocas, às vésperas de fases marcantes, o mundo sempre esteve inquieto, até turbulento, sem se dar conta de seu mal-estar.
O que hoje há de certo é que, após ter atravessado uma época de materialismo horrível, ele experimenta a necessidade de uma crença espiritualista racional. Ele deseja crer com conhecimento de causa, se assim posso me exprimir. Eis as causas de sua doença, se admitirmos que há uma doença.
É temerário dizer-se que nada existe no fundo desse movimento.
Um escritor, que não tenho a honra de conhecer, acaba de publicar, no Écho de Sétif de 18 de setembro último, um artigo de profunda reflexão. Ele confessa não conhecer o Espiritismo, mas indaga se ele é possível, se pode existir, e suas buscas levaram-no a concluir que o Espiritismo não é impossível.
Seja como for, os espíritos têm hoje o direito de se alegrarem, porque homens de escol querem consagrar uma parte de seus estudos à busca do que uns chamam de verdade, outros de erro.
No que me concerne, posso atestar um fato: é que vi coisas em que não se pode acreditar sem tê-las visto.
Há uma parte muito esclarecida da Sociedade que não nega precisamente o fato, mas toma as comunicações neles contidas como vindas diretamente do inferno. É o que não posso admitir, em face de comunicações como esta:
“Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas... Assinado:
Admitamos que o Espiritismo não exista, e que tudo quanto se diz a respeito seja produto do erro e da alucinação de alguns espíritos doentes. Mas nada significa ver seis milhões de criaturas afetadas pelo mesmo mal em sete ou oito anos?
Por mim, vejo nisto muitas coisas. Vejo o pressentimento de grandes acontecimentos, porque, em todas as épocas, às vésperas de fases marcantes, o mundo sempre esteve inquieto, até turbulento, sem se dar conta de seu mal-estar.
O que hoje há de certo é que, após ter atravessado uma época de materialismo horrível, ele experimenta a necessidade de uma crença espiritualista racional. Ele deseja crer com conhecimento de causa, se assim posso me exprimir. Eis as causas de sua doença, se admitirmos que há uma doença.
É temerário dizer-se que nada existe no fundo desse movimento.
Um escritor, que não tenho a honra de conhecer, acaba de publicar, no Écho de Sétif de 18 de setembro último, um artigo de profunda reflexão. Ele confessa não conhecer o Espiritismo, mas indaga se ele é possível, se pode existir, e suas buscas levaram-no a concluir que o Espiritismo não é impossível.
Seja como for, os espíritos têm hoje o direito de se alegrarem, porque homens de escol querem consagrar uma parte de seus estudos à busca do que uns chamam de verdade, outros de erro.
No que me concerne, posso atestar um fato: é que vi coisas em que não se pode acreditar sem tê-las visto.
Há uma parte muito esclarecida da Sociedade que não nega precisamente o fato, mas toma as comunicações neles contidas como vindas diretamente do inferno. É o que não posso admitir, em face de comunicações como esta:
“Crede em Deus, criador e organizador das esferas; amai a Deus, criador e protetor das almas... Assinado:
Galileu”.
Nem sempre o diabo falou assim. Se assim fosse, os homens lhe teriam conferido uma reputação imerecida. E, se é certo tenha ele faltado com o respeito a Deus, confessemos que pôs muita água em seu vinho.
Eu também fui incrédulo e não podia convencer-me de que Deus permitisse ao nosso Espírito, malgrado nosso, comunicar-se com o Espírito de uma pessoa viva. Contudo, tive de me render à evidência. Pensei, e um adormecido respondeu-me clara e categoricamente. Nenhum som, nenhum abalo produziu-se em meu cérebro. O Espírito do adormecido correspondeu-se com o meu, a despeito da minha vontade. Eis o que atesto.
Antes dessa descoberta, eu pensava que Deus havia posto uma barreira intransponível entre o mundo material e o mundo espiritual. Enganei-me, eis tudo. Parece que quanto mais eu era incrédulo, mais queria Deus esclarecer-me, pondo sob os meus olhos fatos extraordinários e patentes.
Eu mesmo quis escrever, para não ser mistificado por um terceiro, porém, minha mão jamais fez o menor movimento. Pus a pena na mão de um garoto de quatorze anos e ele adormeceu sem que eu o quisesse. Vendo isto, retirei-me para o jardim, convicto de que essa pretensa verdade era um sonho. Entretanto, ao voltar à sala, verifiquei que o rapaz havia escrito. Aproximei-me para ler e, com grande surpresa, vi que ele havia respondido a todas as minhas perguntas mentais. Protestando sempre, a despeito do fato, e querendo acordar o dorminhoco, mentalmente fiz uma pergunta sobre História Antiga. Sem hesitar, o dorminhoco respondeu categoricamente.
Paremos aqui e façamos algumas observações em poucas palavras. Supondo que não tenha havido intervenção de Espíritos dum outro mundo, resta sempre o fato de que o Espírito do adormecido e o meu estavam em perfeita correspondência. Em minha opinião, aqui está um fato merecedor de estudo. Mas há homens tão sábios que nada mais têm a aprender e preferem dizer que sou um louco.
Um louco, que seja! Mais tarde, porém, veremos quem está errado.
Se eu tivesse articulado uma só palavra; se eu tivesse feito o menor gesto, não me teria convencido. Mas eu não me mexi; eu não falei. Que digo? Eu nem respirei!
Então! Há um sábio que queira conversar comigo sem dizer uma palavra ou sem me escrever? Há alguém que queira traduzir meu pensamento sem me conhecer, sem me ter visto? E, o que é mais grave, não posso enganá-lo, mesmo lhe falando, sem que ele o suspeite? Isto não aconteceria com o médium em questão.
Experimentei muitas vezes sem sucesso.
Se me permitirdes, darei a seguir algumas das comunicações que obtive.
Eu também fui incrédulo e não podia convencer-me de que Deus permitisse ao nosso Espírito, malgrado nosso, comunicar-se com o Espírito de uma pessoa viva. Contudo, tive de me render à evidência. Pensei, e um adormecido respondeu-me clara e categoricamente. Nenhum som, nenhum abalo produziu-se em meu cérebro. O Espírito do adormecido correspondeu-se com o meu, a despeito da minha vontade. Eis o que atesto.
Antes dessa descoberta, eu pensava que Deus havia posto uma barreira intransponível entre o mundo material e o mundo espiritual. Enganei-me, eis tudo. Parece que quanto mais eu era incrédulo, mais queria Deus esclarecer-me, pondo sob os meus olhos fatos extraordinários e patentes.
Eu mesmo quis escrever, para não ser mistificado por um terceiro, porém, minha mão jamais fez o menor movimento. Pus a pena na mão de um garoto de quatorze anos e ele adormeceu sem que eu o quisesse. Vendo isto, retirei-me para o jardim, convicto de que essa pretensa verdade era um sonho. Entretanto, ao voltar à sala, verifiquei que o rapaz havia escrito. Aproximei-me para ler e, com grande surpresa, vi que ele havia respondido a todas as minhas perguntas mentais. Protestando sempre, a despeito do fato, e querendo acordar o dorminhoco, mentalmente fiz uma pergunta sobre História Antiga. Sem hesitar, o dorminhoco respondeu categoricamente.
Paremos aqui e façamos algumas observações em poucas palavras. Supondo que não tenha havido intervenção de Espíritos dum outro mundo, resta sempre o fato de que o Espírito do adormecido e o meu estavam em perfeita correspondência. Em minha opinião, aqui está um fato merecedor de estudo. Mas há homens tão sábios que nada mais têm a aprender e preferem dizer que sou um louco.
Um louco, que seja! Mais tarde, porém, veremos quem está errado.
Se eu tivesse articulado uma só palavra; se eu tivesse feito o menor gesto, não me teria convencido. Mas eu não me mexi; eu não falei. Que digo? Eu nem respirei!
Então! Há um sábio que queira conversar comigo sem dizer uma palavra ou sem me escrever? Há alguém que queira traduzir meu pensamento sem me conhecer, sem me ter visto? E, o que é mais grave, não posso enganá-lo, mesmo lhe falando, sem que ele o suspeite? Isto não aconteceria com o médium em questão.
Experimentei muitas vezes sem sucesso.
Se me permitirdes, darei a seguir algumas das comunicações que obtive.
C...
Resposta a uma pergunta sobre o Espiritismo religioso
Um residente de Bordeaux, a quem não temos a honra de conhecer, manda-nos a pergunta que se segue, que julgamos preferível responder pela Revista, para instrução de todos:
“Li numa de vossas obras: ‘O Espiritismo não se dirige àqueles que têm uma fé religiosa qualquer, com o fito de desviá-los, e aos quais essa fé basta à sua razão e à sua consciência, mas à numerosa categoria dos incertos e dos incrédulos, etc.’
“Ora, por que não? Não deveria o Espiritismo, que é a verdade, dirigir-se a todo mundo? a todos os que estão no erro? Ora, os que creem numa religião qualquer, protestante, judaica, católica ou qualquer outra, não estão no erro? Sem dúvida, porque as diversas religiões professadas hoje dão como verdades incontestáveis e nos obrigam a crer em coisas completamente falsas ou, pelo menos, em coisas que podem vir de fontes verdadeiras, mas inteiramente mal interpretadas. Se está provado que as penas são apenas temporárias ─ e Deus sabe se é um leve erro confundir o temporário com o eterno; ─ se o fogo do inferno é uma ficção e se, em vez de uma criação em seis dias se trata de milhões de séculos, etc.; se tudo isto está provado, digo eu, partindo do princípio que a verdade é uma, as crenças às quais deu lugar uma interpretação tão falsa desses dogmas não são nem mais nem menos do que falsas, pois uma coisa é ou não é. Não há meio termo.
“Por que, então, o Espiritismo não se dirigiria também a todos os que acreditam em absurdos, para dissuadi-los, como aos que em nada creem ou que duvidam, etc.?”
Aproveitamos a oportunidade da carta da qual extraímos as passagens acima, para lembrar, mais uma vez, o objetivo essencial do Espiritismo, sobre o qual o autor da carta não parece bastante convicto.
Pelas provas patentes que ele dá da existência da alma e da vida futura, base de todas as religiões, ele é a negação do materialismo e, consequentemente, se dirige aos que negam ou duvidam. É evidente que aquele que não crê em Deus nem na alma não é católico, nem judeu, nem protestante, seja qual for a religião em que nasceu, pois nem mesmo seria maometano ou budista. Ora, pela evidência dos fatos, ele é levado a crer na vida futura, com todas as suas consequências morais. A seguir, ele é livre para adotar um culto que melhor lhe convenha à razão ou à consciência. Aí, porém, termina o papel do Espiritismo. Ele ajuda a percorrer três quartos do caminho; a transpor o passo mais difícil, o da incredulidade. Aos outros cabe fazer o resto.
─ Mas, poderá perguntar o autor da carta, e se nenhum culto me convém?
─ Ora! Então, permanecei o que sois. Aí o Espiritismo nada pode. Ele não se encarrega de vos fazer abraçar um culto à força, nem de discutir para vós o valor intrínseco dos dogmas de cada um. Ele deixa isto à vossa consciência. Se o que o Espiritismo dá não vos basta, buscai, entre todas as filosofias existentes, uma doutrina que melhor satisfaça às vossas aspirações.
Os incrédulos e os que duvidam formam uma classe muito numerosa, e quando o Espiritismo diz que não se dirige aos que têm uma fé qualquer, e aos quais essa fé basta, entende que ele não se impõe a ninguém e não violenta nenhuma consciência. Dirigindo-se aos incrédulos, chega a convencê-los pelos meios que lhe são próprios; pelos raciocínios que ele sabe terem acesso à sua razão, considerando-se que os outros foram impotentes. Numa palavra, ele tem o seu método, com o qual, diariamente, obtém belíssimos resultados. Entretanto, ele não tem uma doutrina secreta. Ele não diz a uns: abri os ouvidos, e a outros: fechai-os. A todos fala pelos seus escritos, e cada um é livre de adotar ou rejeitar sua maneira de encarar as coisas. Assim, faz crentes fervorosos dos que eram incrédulos. Eis tudo o que ele quer.
Àquele que dissesse: “Tenho minha fé e não quero mudá-la; creio na eternidade absoluta das penas, nas chamas do inferno e nos demônios; continuo até crendo que é o Sol que gira, porque a Bíblia o diz, e creio ser este o preço de minha salvação”, responde o Espiritismo: “Guardai as vossas crenças, já que elas vos convêm; ninguém procura vos impor outras. Eu não me dirijo a vós, pois nada quereis de mim”. E nisto ele é fiel ao seu princípio de respeitar a liberdade de consciência. Se alguém se julga em erro, é livre de fitar a luz, que brilha para todos. Os que se julgam certos têm liberdade de desviar o olhar.
Mais uma vez, o Espiritismo tem um objetivo do qual não quer nem deve afastar-se. Ele sabe o caminho que deve seguir e segui-lo-á sem se desviar pelas sugestões dos impacientes. Cada coisa vem a seu tempo e querer ir muito depressa é frequentemente recuar em vez de avançar.
Ainda duas palavras ao autor da carta:
Parece-nos haver uma falsa aplicação do princípio de que a verdade é uma, concluindo-se que certos dogmas, como o das penas futuras e da criação, receberam uma interpretação errada, e que tudo deve ser falso na religião. Não vemos todos os dias as ciências positivas reconhecendo certos erros de detalhes, sem que, por isso, a Ciência esteja radicalmente errada? A Igreja não se pôs de acordo com a Ciência em relação a certas crenças de que outrora fazia artigo de fé? Ela não reconhece hoje a lei do movimento da Terra e dos períodos geológicos da criação, que havia condenado como heresias? Quanto às chamas do inferno, toda a alta teologia concorda que é uma imagem e que por ela se deve entender um fogo moral e não material. Sobre vários outros pontos, as doutrinas são menos absolutas do que outrora. Daí pode concluir-se que um dia, cedendo à evidência dos fatos e provas materiais, ela compreenderá a necessidade de uma interpretação em harmonia com as leis da Natureza, sobre pontos ainda controvertidos, porque nenhuma crença poderia legitimamente nem racionalmente prevalecer contra essas leis. Deus não pode contradizer-se estabelecendo dogmas contrários às suas leis eternas e imutáveis, e o homem não pode pretender pôr-se acima de Deus, decretando a nulidade dessas leis. Ora, a Igreja, que compreende esta verdade para certas coisas, compreendê-la-á igualmente quanto a outras, notadamente no que concerne ao Espiritismo, em todos os pontos fundados sobre as leis da Natureza, ainda mal compreendidas, mas que são a cada dia melhor compreendidas.
Não nos devemos apressar a rejeitar o todo porque certas partes são obscuras e defeituosas, e cremos útil, a propósito, lembrar a fábula A Macaca, o Macaco e a Noz.
“Li numa de vossas obras: ‘O Espiritismo não se dirige àqueles que têm uma fé religiosa qualquer, com o fito de desviá-los, e aos quais essa fé basta à sua razão e à sua consciência, mas à numerosa categoria dos incertos e dos incrédulos, etc.’
“Ora, por que não? Não deveria o Espiritismo, que é a verdade, dirigir-se a todo mundo? a todos os que estão no erro? Ora, os que creem numa religião qualquer, protestante, judaica, católica ou qualquer outra, não estão no erro? Sem dúvida, porque as diversas religiões professadas hoje dão como verdades incontestáveis e nos obrigam a crer em coisas completamente falsas ou, pelo menos, em coisas que podem vir de fontes verdadeiras, mas inteiramente mal interpretadas. Se está provado que as penas são apenas temporárias ─ e Deus sabe se é um leve erro confundir o temporário com o eterno; ─ se o fogo do inferno é uma ficção e se, em vez de uma criação em seis dias se trata de milhões de séculos, etc.; se tudo isto está provado, digo eu, partindo do princípio que a verdade é uma, as crenças às quais deu lugar uma interpretação tão falsa desses dogmas não são nem mais nem menos do que falsas, pois uma coisa é ou não é. Não há meio termo.
“Por que, então, o Espiritismo não se dirigiria também a todos os que acreditam em absurdos, para dissuadi-los, como aos que em nada creem ou que duvidam, etc.?”
Aproveitamos a oportunidade da carta da qual extraímos as passagens acima, para lembrar, mais uma vez, o objetivo essencial do Espiritismo, sobre o qual o autor da carta não parece bastante convicto.
Pelas provas patentes que ele dá da existência da alma e da vida futura, base de todas as religiões, ele é a negação do materialismo e, consequentemente, se dirige aos que negam ou duvidam. É evidente que aquele que não crê em Deus nem na alma não é católico, nem judeu, nem protestante, seja qual for a religião em que nasceu, pois nem mesmo seria maometano ou budista. Ora, pela evidência dos fatos, ele é levado a crer na vida futura, com todas as suas consequências morais. A seguir, ele é livre para adotar um culto que melhor lhe convenha à razão ou à consciência. Aí, porém, termina o papel do Espiritismo. Ele ajuda a percorrer três quartos do caminho; a transpor o passo mais difícil, o da incredulidade. Aos outros cabe fazer o resto.
─ Mas, poderá perguntar o autor da carta, e se nenhum culto me convém?
─ Ora! Então, permanecei o que sois. Aí o Espiritismo nada pode. Ele não se encarrega de vos fazer abraçar um culto à força, nem de discutir para vós o valor intrínseco dos dogmas de cada um. Ele deixa isto à vossa consciência. Se o que o Espiritismo dá não vos basta, buscai, entre todas as filosofias existentes, uma doutrina que melhor satisfaça às vossas aspirações.
Os incrédulos e os que duvidam formam uma classe muito numerosa, e quando o Espiritismo diz que não se dirige aos que têm uma fé qualquer, e aos quais essa fé basta, entende que ele não se impõe a ninguém e não violenta nenhuma consciência. Dirigindo-se aos incrédulos, chega a convencê-los pelos meios que lhe são próprios; pelos raciocínios que ele sabe terem acesso à sua razão, considerando-se que os outros foram impotentes. Numa palavra, ele tem o seu método, com o qual, diariamente, obtém belíssimos resultados. Entretanto, ele não tem uma doutrina secreta. Ele não diz a uns: abri os ouvidos, e a outros: fechai-os. A todos fala pelos seus escritos, e cada um é livre de adotar ou rejeitar sua maneira de encarar as coisas. Assim, faz crentes fervorosos dos que eram incrédulos. Eis tudo o que ele quer.
Àquele que dissesse: “Tenho minha fé e não quero mudá-la; creio na eternidade absoluta das penas, nas chamas do inferno e nos demônios; continuo até crendo que é o Sol que gira, porque a Bíblia o diz, e creio ser este o preço de minha salvação”, responde o Espiritismo: “Guardai as vossas crenças, já que elas vos convêm; ninguém procura vos impor outras. Eu não me dirijo a vós, pois nada quereis de mim”. E nisto ele é fiel ao seu princípio de respeitar a liberdade de consciência. Se alguém se julga em erro, é livre de fitar a luz, que brilha para todos. Os que se julgam certos têm liberdade de desviar o olhar.
Mais uma vez, o Espiritismo tem um objetivo do qual não quer nem deve afastar-se. Ele sabe o caminho que deve seguir e segui-lo-á sem se desviar pelas sugestões dos impacientes. Cada coisa vem a seu tempo e querer ir muito depressa é frequentemente recuar em vez de avançar.
Ainda duas palavras ao autor da carta:
Parece-nos haver uma falsa aplicação do princípio de que a verdade é uma, concluindo-se que certos dogmas, como o das penas futuras e da criação, receberam uma interpretação errada, e que tudo deve ser falso na religião. Não vemos todos os dias as ciências positivas reconhecendo certos erros de detalhes, sem que, por isso, a Ciência esteja radicalmente errada? A Igreja não se pôs de acordo com a Ciência em relação a certas crenças de que outrora fazia artigo de fé? Ela não reconhece hoje a lei do movimento da Terra e dos períodos geológicos da criação, que havia condenado como heresias? Quanto às chamas do inferno, toda a alta teologia concorda que é uma imagem e que por ela se deve entender um fogo moral e não material. Sobre vários outros pontos, as doutrinas são menos absolutas do que outrora. Daí pode concluir-se que um dia, cedendo à evidência dos fatos e provas materiais, ela compreenderá a necessidade de uma interpretação em harmonia com as leis da Natureza, sobre pontos ainda controvertidos, porque nenhuma crença poderia legitimamente nem racionalmente prevalecer contra essas leis. Deus não pode contradizer-se estabelecendo dogmas contrários às suas leis eternas e imutáveis, e o homem não pode pretender pôr-se acima de Deus, decretando a nulidade dessas leis. Ora, a Igreja, que compreende esta verdade para certas coisas, compreendê-la-á igualmente quanto a outras, notadamente no que concerne ao Espiritismo, em todos os pontos fundados sobre as leis da Natureza, ainda mal compreendidas, mas que são a cada dia melhor compreendidas.
Não nos devemos apressar a rejeitar o todo porque certas partes são obscuras e defeituosas, e cremos útil, a propósito, lembrar a fábula A Macaca, o Macaco e a Noz.
Identidade de um Espírito encarnado
Estando em viagem, nosso colega, Sr. Delanne, nos transmite o
relato seguinte, sobre a evocação do Espírito de
sua esposa, viva, que ficara em Paris.
“...A 11 de dezembro último, estando em Lille, evoquei o
Espírito de minha mulher, às 11h30 da noite. Ela me disse que uma de suas
parentas casualmente havia dormido com ela. O fato deixou-me dúvidas, pois não
julgava isso possível, mas, dois dias depois, dela
recebi uma carta, confirmando a realidade. Remeto a minha conversa, embora nada encerre de particular, porque oferece uma
prova de identidade.
l. ─ Estás aí, querida amiga?
─ Sim, meu gordo.
(É seu termo favorito)
2.
─ Vês os objetos que me rodeiam?
─ Vejo-os bem. Estou feliz por estar perto
de ti. Espero que estejas bem agasalhado! (Eram 11h30; eu acabara de chegar de Arras; o quarto não tinha
aquecimento; eu estava envolvido na capa de
viagem e ainda não tinha tirado meu cachenê).
3.
─ Estás contente por ter vindo sem o corpo?
─ Sim, meu amigo. Eu te agradeço. Tenho o
corpo fluídico, o perispírito.
4.
─ És tu que me fazes escrever? Onde te postas?
─ Junto a ti. Certamente tua mão ainda tem dificuldade em mover-se.
5.
─ Estás bem adormecida?
─ Não, ainda não muito bem.
6.
─ Teu corpote retém?
─ Sim, sinto que me retém. Meu corpo está um pouco doente,
mas o Espírito não sofre.
7.
─ Durante o dia tiveste a intuição de que te
evocaria esta noite?
─ Não, contudo não posso definir o que me dizia que eu te
veria. (Neste instante tive um acesso de tosse). Tu tosses sempre, amigo;
cuida-te um pouco.
8.
─ Podes ver meu perispírito?
─ Não. Só posso distinguir o corpo
material.
9.
─ Tu te sentes mais livre e melhor do que com o
corpo?
─ Sim, porque não sofro mais. (Em carta posterior eu soube que ela efetivamente
havia estado indisposta).
10.
─ Vês Espíritos em volta de mim? ─ Não, posto o
deseje muito.
11.
─ Receias estar só em casa?
─ Adélia está comigo.
(Esta parenta jamais dorme em nossa casa; só a vemos raramente).
12.
─ Como é que Adélia está contigo? Ela dormiu contigo? ─ Sim, por acaso.
13.
─ És tu mesma que falas
comigo, cara esposa?
─ Sim, amigo. Sou
eu mesma.
14.
─ Vês bem claro aqui?
─ Sim, tudo irradia melhor que tua fraca lâmpada. (Eu não tinha senão uma vela, num quarto
grande).
15.
─ Tu te comunicas comigo
por intuição ou mecanicamente?
─ Eu atuo mais particularmente
sobre o teu cérebro, que é adequado para receber mais facilmente; contudo, ao mesmo tempo,
dirijo tua mão.
16.
─ Como podes ver que meu cérebro é apto a
receber as comunicações espíritas?
─ É pelo desenvolvimento adquirido por teus órgãos há pouco
tempo, o que prova que foi preciso... (Neste instante soa meia noite e o
Espírito para).
17.
─ Ouves o som do pêndulo?
─ Sim, mas eu continuo impressionada
com esse som inusitado. Ele é parecido com a música celeste que eu ouvi no sonho que te contei. (Com efeito,
pouco antes de minha partida ela tinha tido um sonho delicioso, no qual ouvira
uma harmonia singular. Nesse momento, tenho certeza de
que eu não pensava no sonho, que havia esquecido completamente. Assim,
não podia ser reflexo de meu pensamento, porque, como ninguém mais dele tinha
conhecimento, e na ocasião eu estava só, vi nessa revelação espontânea uma nova
prova da identidade do Espírito de minha mulher. O Espírito termina
espontaneamente a frase começada acima) ... muita força em tão pouco tempo.
18.
─ Queres que eu evoque
meu anjo da guarda para controlar tua identidade?
Isto te aborreceria?
─ Podes fazê-lo.
19.
(Ao meu anjo da guarda) ─ É mesmo o Espírito de
minha mulher que acaba de me falar?
─ É tua esposa que te fala e está
satisfeita por te ver.
20.
(À minha mulher) ─ Viste meu anjo da guarda?
─ Sim. Ele
é resplandecente de luz. Apenas apareceu e desapareceu.
21.
─ Ele te viu?
─ Sim, olhou-me com olhos de uma celeste clemência, e eu,
confusa, prostreime. Adeus, meu gordo. Sinto-me forçada
a deixar-te.
OBSERVAÇÃO:
Se o controle se tivesse limitado à resposta do anjo da guarda, teria sido
insuficiente, pois, por sua vez, teria sido preciso controlar o anjo da guarda,
quanto à identidade, porque um Espírito enganador poderia ter
usurpado o nome. Nada há, nessa simples afirmação, que revele a sua
qualidade. Em casos semelhantes, é sempre preferível controlar por um
médium estranho que não esteja sob a mesma influência. Invocar um
Espírito para controlar outro nem sempre oferece garantia suficiente, sobretudo se se pede permissão ao
suspeito. No caso em tela, encontramos uma prova na
descrição que o Espírito faz do anjo da guarda. Um Espírito
enganador não poderia ter tomado aquele aspecto celeste. Aliás reconhece-se, em
todas as suas respostas, um caráter de veracidade que a
charlatanice não poderia simular.
SESSÃO DA NOITE SEGUINTE
22. ─ Estás aqui? ─ Sim. Vou dizer o que te preocupa: É Adélia. Então! Sim, ela dormiu realmente comigo, eu te juro.
22. ─ Estás aqui? ─ Sim. Vou dizer o que te preocupa: É Adélia. Então! Sim, ela dormiu realmente comigo, eu te juro.
23. ─
Teu corpo está melhor? ─ Sim. Não era nada.
24. ─
Hoje vês Espíritos perto de ti?
─ Ainda não vejo nada, mas pressinto
algum, pois estou inquieta por estar só.
25. ─
Ora, minha boa amiga, e talvez melhores.
─ Sim. É o que vou fazer. Dize comigo: “Meu Deus, grande e
justo, abençoainos e absolvei-nos de nossas iniquidades; perdoai aos vossos filhos
que vos amam; dignai-vos inspirar-lhes as vossas virtudes e concedei-lhes a
graça insigne de um dia serem contados entre os vossos eleitos. Que a dor
terrestre nada lhes pareça em comparação com a felicidade que reservais aos que
vos amam sinceramente. Absolvei-nos, Senhor, e prodigalizai-nos
vossos benefícios pela intercessão divina da pura e angélica Santa Maria, mãe
dos pecadores e a misericórdia encarnada”.
OBSERVAÇÕES: Esta prece, improvisada pelo Espírito, é de uma tocante simplicidade. O Sr. Delanne não conhecia o fato relativo a Adélia senão pelo que havia dito o Espírito de sua esposa, e era tal fato que lhe suscitava dúvidas. Tendo-lhe escrito a respeito, recebeu a seguinte resposta:
“...Adélia veio realmente ontem à tarde, por acaso. Convidei-a
a ficar, não por medo, do qual me rio, mas para tê-la comigo. Vês que ficou e
dormiu comigo. Fiquei perturbada estas duas últimas noites;
sentia um certo mal-estar, do qual não me dava bem conta. Era uma força invencível que me forçava a dormir. Eu estava como que aniquilada. Mas me sinto tão feliz
por ter ido ver-te!...”
Barbárie na civilização
HORRÍVEL SUPLÍCIO DE UM NEGRO
Uma carta de Nova Iorque, datada de 5 de novembro e dirigida à Gazette des Tribunaux, contém os seguintes e horríveis detalhes da terrível tragédia ocorrida em Dalton, condado de Carolina, no Maryland:
“Recentemente um jovem negro foi preso sob a acusação de atentado ao pudor, na pessoa de uma jovem branca. Graves suspeitas pesavam sobre ele. A mocinha, objeto de suas violências criminosas, declarava reconhecê-lo perfeitamente. O acusado tinha sido recolhido à prisão de Dalton. Ali estava apenas há algumas horas, quando uma grande multidão, aos gritos de cólera e vingança, reclamava a entrega do pobre negro.
“Os representantes da ordem e da autoridade, vendo a impossibilidade de defender, à viva força, o seu prisioneiro contra a multidão irritada, em vão tentaram acalmá-la com insistentes discursos. Suas palavras em favor da lei e da justiça regular foram recebidas com assovios.
“A massa, cujo número crescia sem cessar, começou a atirar pedras na cadeia. Alguns tiros de pistola foram disparados contra os agentes da autoridade, sem atingilos. Compreendendo que a resistência era impossível, abriram as portas da prisão. Após um imenso hurrah! de satisfação, a multidão precipitou-se com furor. Apoderou-se do prisioneiro e arrastou-o, em meio aos gritos de cólera dos assistentes e de súplicas da vítima, para o centro da praça principal da cidade.
“Constituiu-se um júri imediatamente. Depois de examinados pro forma os fatos do processo, o acusado foi declarado culpado e condenado à forca, imediatamente. Passaram uma corda por uma árvore e o executaram. Enquanto o negro se debatia nas convulsões da morte, era vítima dos insultos e violências dos espectadores. Deram-lhe vários tiros de pistola, assim aumentando a tortura da morte.
“Ébria de cólera e de vingança, a multidão não esperou que o corpo estivesse completamente imóvel para tirá-lo da corda, e desfilou com o seu troféu ignóbil pelas ruas de Dalton. Homens e mulheres, e até crianças, aplaudiam os ultrajes feitos ao cadáver do pobre negro.
“Mas o furor do povo não devia parar aí. Depois de percorrer a cidade de Dalton em todos os sentidos, eles foram para a frente de uma igreja de negros. Foi feita uma enorme fogueira, e depois de cortado e mutilado o cadáver, a multidão, em meio a ruidosas manifestações, lançou nas chamas os membros e os fragmentos de carne”.
Este relato deu lugar à seguinte pergunta, feita na Sociedade Espírita de Paris, a 28 de novembro de 1862:
“Compreende-se exemplos de ferocidade isolados e individuais entre gente civilizada. O Espiritismo os explica, dizendo provirem de Espíritos inferiores, de certo modo extraviados numa sociedade mais avançada. Mas, nesse caso, tais indivíduos, em toda a sua vida, revelaram a sua baixeza de instintos.
O que se compreende com mais dificuldade é que uma população inteira, que deu provas da superioridade de sua inteligência, e mesmo, em outras circunstâncias, de sentimentos humanitários, que professa uma religião de suavidade e de paz, possa ser tomada por tal vertigem sanguinária, e se repaste, com raiva selvagem, nas torturas de uma vítima. Eis aqui um problema moral sobre o qual pediremos aos Espíritos a bondade de nos instruir”.
“Recentemente um jovem negro foi preso sob a acusação de atentado ao pudor, na pessoa de uma jovem branca. Graves suspeitas pesavam sobre ele. A mocinha, objeto de suas violências criminosas, declarava reconhecê-lo perfeitamente. O acusado tinha sido recolhido à prisão de Dalton. Ali estava apenas há algumas horas, quando uma grande multidão, aos gritos de cólera e vingança, reclamava a entrega do pobre negro.
“Os representantes da ordem e da autoridade, vendo a impossibilidade de defender, à viva força, o seu prisioneiro contra a multidão irritada, em vão tentaram acalmá-la com insistentes discursos. Suas palavras em favor da lei e da justiça regular foram recebidas com assovios.
“A massa, cujo número crescia sem cessar, começou a atirar pedras na cadeia. Alguns tiros de pistola foram disparados contra os agentes da autoridade, sem atingilos. Compreendendo que a resistência era impossível, abriram as portas da prisão. Após um imenso hurrah! de satisfação, a multidão precipitou-se com furor. Apoderou-se do prisioneiro e arrastou-o, em meio aos gritos de cólera dos assistentes e de súplicas da vítima, para o centro da praça principal da cidade.
“Constituiu-se um júri imediatamente. Depois de examinados pro forma os fatos do processo, o acusado foi declarado culpado e condenado à forca, imediatamente. Passaram uma corda por uma árvore e o executaram. Enquanto o negro se debatia nas convulsões da morte, era vítima dos insultos e violências dos espectadores. Deram-lhe vários tiros de pistola, assim aumentando a tortura da morte.
“Ébria de cólera e de vingança, a multidão não esperou que o corpo estivesse completamente imóvel para tirá-lo da corda, e desfilou com o seu troféu ignóbil pelas ruas de Dalton. Homens e mulheres, e até crianças, aplaudiam os ultrajes feitos ao cadáver do pobre negro.
“Mas o furor do povo não devia parar aí. Depois de percorrer a cidade de Dalton em todos os sentidos, eles foram para a frente de uma igreja de negros. Foi feita uma enorme fogueira, e depois de cortado e mutilado o cadáver, a multidão, em meio a ruidosas manifestações, lançou nas chamas os membros e os fragmentos de carne”.
Este relato deu lugar à seguinte pergunta, feita na Sociedade Espírita de Paris, a 28 de novembro de 1862:
“Compreende-se exemplos de ferocidade isolados e individuais entre gente civilizada. O Espiritismo os explica, dizendo provirem de Espíritos inferiores, de certo modo extraviados numa sociedade mais avançada. Mas, nesse caso, tais indivíduos, em toda a sua vida, revelaram a sua baixeza de instintos.
O que se compreende com mais dificuldade é que uma população inteira, que deu provas da superioridade de sua inteligência, e mesmo, em outras circunstâncias, de sentimentos humanitários, que professa uma religião de suavidade e de paz, possa ser tomada por tal vertigem sanguinária, e se repaste, com raiva selvagem, nas torturas de uma vítima. Eis aqui um problema moral sobre o qual pediremos aos Espíritos a bondade de nos instruir”.
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(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS, 28 DE NOVEMBRO DE 1862) (Médium: Sr. A. de B...)
(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS, 28 DE NOVEMBRO DE 1862) (Médium: Sr. A. de B...)
O sangue derramado nas regiões célebres até hoje por suas tendências para o progresso humano é uma chuva de maldição, e a ira do Deus justo não tardará muito a se abater sobre a região onde, com tanta frequência, se realizam abominações semelhantes a esta cuja leitura acabaram de ouvir. Em vão tenta-se dissimular para si mesmo as consequências que elas forçosamente determinam. Em vão quer-se atenuar a importância do crime. Se ele é por si mesmo horroroso, não o é menos pela intenção que levou a cometê-lo com tão horríveis refinamentos e com encarniçamento tão bestial. O interesse! O interesse humano! Os prazeres sensuais, as satisfações do orgulho e da vaidade foram também seu móvel, como em outras ocasiões, e as mesmas causas originarão efeitos semelhantes, causas, por sua vez, dos efeitos da cólera celeste, de que são ameaçadas tantas iniquidades.
Credes que não haja progresso real senão o da indústria, de todos os recursos e de todas as artes que tendem a atenuar os rigores da vida material e a aumentar os prazeres de que se querem saciar? Não. Não se resume nisso o progresso necessário à elevação dos Espíritos, que só temporariamente são humanos e que não devem ligar às coisas humanas senão o interesse secundário que elas merecem. O aperfeiçoamento do coração; as luzes da consciência; a difusão dos sentimentos de solidariedade universal dos seres e da fraternidade entre os humanos, são as únicas marcas autênticas que distinguem um povo na marcha do progresso geral.
Só por estes caracteres se reconhece uma nação como a mais adiantada. Mas, aquelas que em seu seio alimentam sentimentos de orgulho exclusivo e que não veem tal porção da Humanidade senão como uma raça servil, feita para obedecer e sofrer, essas experimentarão, não tenhais dúvidas, o nada de suas pretensões e o peso da vingança do Céu.
Credes que não haja progresso real senão o da indústria, de todos os recursos e de todas as artes que tendem a atenuar os rigores da vida material e a aumentar os prazeres de que se querem saciar? Não. Não se resume nisso o progresso necessário à elevação dos Espíritos, que só temporariamente são humanos e que não devem ligar às coisas humanas senão o interesse secundário que elas merecem. O aperfeiçoamento do coração; as luzes da consciência; a difusão dos sentimentos de solidariedade universal dos seres e da fraternidade entre os humanos, são as únicas marcas autênticas que distinguem um povo na marcha do progresso geral.
Só por estes caracteres se reconhece uma nação como a mais adiantada. Mas, aquelas que em seu seio alimentam sentimentos de orgulho exclusivo e que não veem tal porção da Humanidade senão como uma raça servil, feita para obedecer e sofrer, essas experimentarão, não tenhais dúvidas, o nada de suas pretensões e o peso da vingança do Céu.
Teu pai, V. de B...
Dissertações espíritas
Proximidade do inverno (Sociedade Espírita de Paris, 27 de novembro de 1862 - Médium: Sr. Levmarie)Meus bons amigos, quando o frio chega e tudo falta em casa dessa brava gente, porque não viria eu, vosso antigo condiscípulo, vos lembrar nossa palavra de ordem, a palavra caridade? Dai. Dai tudo quanto pode dar o vosso coração, em palavras, em consolo, em cuidados benévolos. O amor a Deus está em vós, se souberdes cumprir, como fervorosos espíritas, o mandato que vos é confiado.
Nos instantes livres, quando o trabalho vos permite o repouso, procurai aquele que sofre moral ou fisicamente. A um, dai esta força que consola e fortalece o Espírito, a outro dai aquilo que sustenta e faz calar tanto as apreensões da mãe cujos braços estão desocupados, quanto o lamento da criança que pede pão.
As geadas vieram; uma brisa fria rola a poeira; em breve a neve. É a hora em que deveis caminhar e procurar. Quantos pobres envergonhados se ocultam e gemem em segredo, sobretudo o pobre de luto, que tem todas as aspirações e sente as primeiras
necessidades. Para esses, meus amigos, agi com prudência. Que a vossa mão alivie e cure, mas que também possa a voz do coração apresentar delicadamente o óbolo que penosamente pode ferir o amor próprio do homem bem educado.
Repito-o: É preciso dar, mas saber dar bem. Deus, o dispensador de tudo, oculta os seus tesouros, as suas espigas, as suas flores e os seus frutos, entretanto, os seus dons, que secreta e laboriosamente germinaram na seiva do tronco e da haste, nos chegam sem que sintamos a mão que os dispensou. Fazei como Deus. Imitai-o, e sereis abençoados.
Oh! Como é belo e bom ser útil e caridoso; saber erguer-se, erguendo os outros; esquecer as pequenas necessidades egoísticas da vida para praticar a mais nobre atribuição da Humanidade, a que nos torna verdadeiros filhos do Criador!
E que ensinamento para os vossos! Vossos filhos vos imitam; vosso exemplo dá frutos, porque todo ramo bem enxertado produz em abundância. O futuro espiritual da família depende sempre da forma que derdes a todas as vossas ações.
Eu vos digo, e nunca seria demais repetir, que ganhareis espiritualmente se derdes e consolardes, porque Deus vos dará e vos consolará em seu reino, que não é deste mundo. Neste, a família que honra e bendiz o seu chefe inteligente nesta parcela de realeza que Deus lhe concedeu, é uma atenuação de todas as dores que acompanham a vida.
Adeus, meus amigos, sede todo amor, todo caridade.
SANSON
Nos instantes livres, quando o trabalho vos permite o repouso, procurai aquele que sofre moral ou fisicamente. A um, dai esta força que consola e fortalece o Espírito, a outro dai aquilo que sustenta e faz calar tanto as apreensões da mãe cujos braços estão desocupados, quanto o lamento da criança que pede pão.
As geadas vieram; uma brisa fria rola a poeira; em breve a neve. É a hora em que deveis caminhar e procurar. Quantos pobres envergonhados se ocultam e gemem em segredo, sobretudo o pobre de luto, que tem todas as aspirações e sente as primeiras
necessidades. Para esses, meus amigos, agi com prudência. Que a vossa mão alivie e cure, mas que também possa a voz do coração apresentar delicadamente o óbolo que penosamente pode ferir o amor próprio do homem bem educado.
Repito-o: É preciso dar, mas saber dar bem. Deus, o dispensador de tudo, oculta os seus tesouros, as suas espigas, as suas flores e os seus frutos, entretanto, os seus dons, que secreta e laboriosamente germinaram na seiva do tronco e da haste, nos chegam sem que sintamos a mão que os dispensou. Fazei como Deus. Imitai-o, e sereis abençoados.
Oh! Como é belo e bom ser útil e caridoso; saber erguer-se, erguendo os outros; esquecer as pequenas necessidades egoísticas da vida para praticar a mais nobre atribuição da Humanidade, a que nos torna verdadeiros filhos do Criador!
E que ensinamento para os vossos! Vossos filhos vos imitam; vosso exemplo dá frutos, porque todo ramo bem enxertado produz em abundância. O futuro espiritual da família depende sempre da forma que derdes a todas as vossas ações.
Eu vos digo, e nunca seria demais repetir, que ganhareis espiritualmente se derdes e consolardes, porque Deus vos dará e vos consolará em seu reino, que não é deste mundo. Neste, a família que honra e bendiz o seu chefe inteligente nesta parcela de realeza que Deus lhe concedeu, é uma atenuação de todas as dores que acompanham a vida.
Adeus, meus amigos, sede todo amor, todo caridade.
SANSON
A lei do progresso (Lyon, 17 de setembro de 1862. — Médium: Sr. Emile V...)
NOTA:Esta comunicação foi recebida na sessão geral presidida pelo Sr.Allan Kardec.
Parece, se se considera a Humanidade em seu estado primitivo e em seu estado atual, quando sua primeira aparição na Terra marcava seu ponto de partida e agora, que ela percorreu uma parte do caminho que leva à perfeição, parece, dizia eu, que todo bem, todo progresso, toda filosofia, enfim, não pode nascer senão do que lhe é contrário.
Com efeito, toda formação é o produto de uma reação, assim como todo efeito é gerado por uma causa. Todos os fenômenos morais, todas as formações inteligentes, são devidos a uma momentânea perturbação da própria inteligência. Intelectualmente, apenas dois princípios devem ser considerados: um imutável, essencialmente bom, eterno como tudo o que é infinito; o outro temporário, momentâneo, simples agente empregado para produzir a reação de onde sai, a cada vez, a progressão dos homens.
O progresso abraça o Universo durante a eternidade e jamais é tão espalhado como quando se concentra num ponto qualquer. Vós não podeis abraçar com o olhar a imensidade que vive, e que consequentemente progride. Mas, olhai em redor de vós. O que vedes?
Em certas épocas, pode-se dizer em momentos previstos, designados, surge um homem que abre um novo caminho, que escarpa os rochedos áridos de que se acha semeado o mundo conhecido da inteligência. Geralmente esse homem é o último entre os humildes, entre os pequenos; contudo, ele penetra nas altas esferas do desconhecido. Ele se arma de coragem, pois precisa dela para lutar corpo a corpo com os preconceitos, com os usos herdados. Ele precisa dela para vencer os obstáculos que a má fé semeia sob seus passos, porque enquanto restarem preconceitos a derrubar, restarão abusos e interessados nos abusos. Ele dela precisa porque deve lutar ao mesmo tempo contra as necessidades materiais de sua personalidade, e sua vitória, neste caso, é a melhor prova de sua missão e de sua predestinação.
Quando chega ao ponto em que a luz emana em profusão do círculo do qual ele é o centro, todos os olhares se voltam para ele. Então, ele assimila todo o princípio inteligente e bom e reforma e regenera o princípio contrário. A despeito dos preconceitos; a despeito da má fé; a despeito das necessidades, ele atinge o seu objetivo; ele faz a Humanidade transpor um grau; ele dá a conhecer o que não era conhecido.
Tal fato já se repetiu muitas vezes, e repetir-se-á muitas outras, antes que a Terra tenha atingido o grau de perfeição que convém à sua natureza. Mas, tantas vezes quantas forem necessárias, Deus fornecerá a semente e o trabalhador. Esse trabalhador é cada homem em particular, como cada um dos gênios que o ilustram por uma ciência frequentemente sobre-humana.
Em todos os tempos houve esses centros de luz, esses pontos de ligação, e o dever de todos é aproximar-se, ajudar e proteger os apóstolos da verdade.
É isto que o Espiritismo vem dizer ainda.
Apressai-vos, pois, vós todos, que sois irmãos pela caridade. Apressai-vos, e a felicidade prometida à perfeição vos será concedida muito mais cedo.
Espírito Protetor
Com efeito, toda formação é o produto de uma reação, assim como todo efeito é gerado por uma causa. Todos os fenômenos morais, todas as formações inteligentes, são devidos a uma momentânea perturbação da própria inteligência. Intelectualmente, apenas dois princípios devem ser considerados: um imutável, essencialmente bom, eterno como tudo o que é infinito; o outro temporário, momentâneo, simples agente empregado para produzir a reação de onde sai, a cada vez, a progressão dos homens.
O progresso abraça o Universo durante a eternidade e jamais é tão espalhado como quando se concentra num ponto qualquer. Vós não podeis abraçar com o olhar a imensidade que vive, e que consequentemente progride. Mas, olhai em redor de vós. O que vedes?
Em certas épocas, pode-se dizer em momentos previstos, designados, surge um homem que abre um novo caminho, que escarpa os rochedos áridos de que se acha semeado o mundo conhecido da inteligência. Geralmente esse homem é o último entre os humildes, entre os pequenos; contudo, ele penetra nas altas esferas do desconhecido. Ele se arma de coragem, pois precisa dela para lutar corpo a corpo com os preconceitos, com os usos herdados. Ele precisa dela para vencer os obstáculos que a má fé semeia sob seus passos, porque enquanto restarem preconceitos a derrubar, restarão abusos e interessados nos abusos. Ele dela precisa porque deve lutar ao mesmo tempo contra as necessidades materiais de sua personalidade, e sua vitória, neste caso, é a melhor prova de sua missão e de sua predestinação.
Quando chega ao ponto em que a luz emana em profusão do círculo do qual ele é o centro, todos os olhares se voltam para ele. Então, ele assimila todo o princípio inteligente e bom e reforma e regenera o princípio contrário. A despeito dos preconceitos; a despeito da má fé; a despeito das necessidades, ele atinge o seu objetivo; ele faz a Humanidade transpor um grau; ele dá a conhecer o que não era conhecido.
Tal fato já se repetiu muitas vezes, e repetir-se-á muitas outras, antes que a Terra tenha atingido o grau de perfeição que convém à sua natureza. Mas, tantas vezes quantas forem necessárias, Deus fornecerá a semente e o trabalhador. Esse trabalhador é cada homem em particular, como cada um dos gênios que o ilustram por uma ciência frequentemente sobre-humana.
Em todos os tempos houve esses centros de luz, esses pontos de ligação, e o dever de todos é aproximar-se, ajudar e proteger os apóstolos da verdade.
É isto que o Espiritismo vem dizer ainda.
Apressai-vos, pois, vós todos, que sois irmãos pela caridade. Apressai-vos, e a felicidade prometida à perfeição vos será concedida muito mais cedo.
Espírito Protetor
Bibliografia - A pluralidade dos mundos habitados
Estudos onde são expostas as condições de habitalidade das terras celestes discutidas do ponto de vista da Astronomia e da Filosofia; por Camille Flamarion, calculador do Observatório Imperial de Paris, do Bureau des Longitudes, etc. (*).
Posto não se trate de Espiritismo nessa obra, o assunto é daqueles que entram no quadro de nossas observações e dos princípios da doutrina, e nossos leitores ficarão gratos por lhes havermos chamado a atenção para ela, persuadido, antes de tudo, do enorme interesse que terão por essa leitura duplamente atrativa, pelo fundo e pela forma. Eles nela encontrarão, confirmada pela Ciência, uma das revelações capitais feitas pelos Espíritos.
Posto não se trate de Espiritismo nessa obra, o assunto é daqueles que entram no quadro de nossas observações e dos princípios da doutrina, e nossos leitores ficarão gratos por lhes havermos chamado a atenção para ela, persuadido, antes de tudo, do enorme interesse que terão por essa leitura duplamente atrativa, pelo fundo e pela forma. Eles nela encontrarão, confirmada pela Ciência, uma das revelações capitais feitas pelos Espíritos.
O Sr. Flammarion é um dos membros da Sociedade Espírita de Paris, e seu nome figura como médium nas notáveis dissertações assinadas por Galileu, que publicamos em setembro último, sob o título de Estudos Uranográficos. Por esse duplo motivo, sentimo-nos felizes ao lhe fazer menção especial, que será ratificada, não temos a menor dúvida.
O autor buscou coligir todos os elementos da Natureza para apoiar a opinião da pluralidade dos mundos habitados, ao mesmo tempo que combate a opinião contrária. Depois de o haver lido, a gente se pergunta como é possível ter dúvidas sobre o assunto.
Acrescentemos que as considerações da mais alta ordem científica não excluem a graça nem a poesia do estilo. Isto pode ser julgado pela passagem seguinte, onde ele fala da intuição que a maioria dos homens, em contemplação ante a abóbada celeste, tem da habitabilidade dos mundos:
“...Mas, a admiração que excita em nós a cena mais comovente do espetáculo da Natureza logo se transforma num sentimento de indescritível tristeza, porque somos estranhos àqueles mundos, onde reina uma solidão aparente, e que não podem originar a impressão imediata pela qual a vida nos liga à Terra.
“Sentimos em nós a necessidade de povoar esse globos aparentemente esquecidos pela vida, e sobre aquelas plagas eternamente desertas e silenciosas procuramos olhares que respondam aos nossos, assim como um ousado navegador explorou em sonhos, por muito tempo, os desertos do oceano, buscando a terra que lhe fora revelada, varando com seu olhar de águia as mais vastas distâncias, e transpondo cuidadosamente os limites do mundo conhecido, para se perder enfim nas imensas planícies nas quais o Novo Mundo se assentava desde períodos seculares.
“Seu sonho se realizou.
“Que o nosso se desembarace do mistério que ainda o envolve e, sobre o barco do pensamento, subiremos aos céus, em busca de outras terras.”
A obra é dividida em três partes. Na primeira, sob o título de Estudo Histórico, o autor passa em revista a imensa lista de sábios e filósofos antigos e modernos, religiosos e profanos, que professaram a doutrina da pluralidade dos mundos, desde Orfeu até Herschel e Laplace.
“A maioria das seitas gregas, diz ele, a ensinaram, quer aberta e indistintamente a todos os discípulos, quer em segredo, aos iniciados da Filosofia. Se as poesias atribuídas a Orfeu são mesmo dele, podemos considerá-lo como o primeiro a ensinar a pluralidade dos mundos. Ela está implicitamente encerrada nos versos órficos, onde se diz que cada estrela é um mundo, e sobretudo nas seguintes palavras, conservadas por Proclus: ‘Deus construiu uma terra imensa que os imortais chamaram Selene, e que os homens chamam Lua, na qual se eleva um grande número de habitações, de montanhas e de cidades.’
“Pitágoras, o primeiro dos gregos que teve o nome de filósofo, ensinava em público a imobilidade da Terra e o movimento dos astros em redor dela, como um centro único da criação, ao passo que declarava aos adeptos adiantados de sua doutrina, sua crença no movimento da Terra, como planeta, e na pluralidade dos mundos.
“Mais tarde, Demócrito, Heráclito e Metrodoro de Quios, os mais ilustres de seus discípulos, propagaram, do alto da cátedra, a opinião de seu mestre, que se tornou a de todos os pitagóricos e da maior parte dos filósofos gregos.
“Filolaus, Nicetas e Heráclides foram dos mais ardentes defensores dessa crença. Este último chegou até a pretender que cada estrela é um mundo que, como o nosso, tem uma terra, uma atmosfera e uma imensa extensão de matéria etérea”.
Mais adiante ele acrescenta:
“A ação benéfica do Sol, diz Laplace, faz nascerem os animais e plantas que cobrem a terra, e a analogia nos leva a crer que ela produza efeitos semelhantes em outros planetas, pois não é natural pensar que a matéria, cuja fecundidade vemos desenvolver-se de tantas maneiras, seja estéril num planeta tão grande como Júpiter que, como o globo terrestre, tem seus dias, suas noites, seus anos, e sobre o qual as observações indicam mudanças que pressupõem forças muito ativas...
Feito para a temperatura que suporta na Terra, não poderia o homem, segundo todas as aparências, viver em outros planetas. Mas não deve haver aí uma infinidade de organizações relativas às diversas temperaturas dos globos e dos universos? Se apenas a diferença dos elementos e dos climas cria tantas variedades nas produções terrestres, quanto mais devem diferir as dos planetas e dos satélites.”
A segunda parte é consagrada ao estudo astronômico da constituição dos diversos globos celestes, segundo os dados mais positivos da Ciência, e do qual resulta que a Terra não está, nem pela posição, nem pelo volume, nem pelos elementos de que se compõe, em situação excepcional que lhe tenha podido valer o privilégio de ser habitada com exclusão de todos os outros mundos mais favorecidos sob vários aspectos. A primeira parte é de erudição. A segunda é de Ciência.
A terceira parte trata a questão do ponto de vista fisiológico. As observações astronômicas dão a conhecer o movimento das estações, as flutuações atmosféricas e a variabilidade da temperatura na maioria dos mundos que compõem o nosso turbilhão solar. Daí ressalta que a Terra se acha numa das condições menos favorecidas, um mundo cujos habitantes devem sofrer mais vicissitudes e onde a vida deve ser mais penosa, donde o autor conclui não ser racional admitir tenha Deus reservado para morada do homem um dos mundos menos favorecidos, ao passo que os melhor dotados teriam sido condenados a não abrigar nenhum ser vivo. Tudo isto é estabelecido não sobre uma ideia sistemática, mas sobre dados positivos, para os quais todas as ciências contribuíram: Astronomia, Física, Química, Meteorologia, Geologia, Fisiologia, Mecânica etc.
“Mas, acrescenta ele, de todos os planetas, o mais favorecido, sob todos os aspectos, é o magnífico Júpiter, cujas estações, pouco distintas, têm ainda a vantagem de durar doze vezes mais que as nossas. Esse gigante planetário parece planar nos céus como um desafio aos fracos habitantes da Terra, dando-lhes a entrever os pomposos quadros de uma longa e suave existência.
“Nós, que estamos presos à bolinha terrestre por cadeias que não podemos romper, vemos extinguirem-se sucessivamente nossos dias com um tempo tão rápido que os consome, com os caprichosos períodos que os dividem, com essas estações disparatadas cujo antagonismo se perpetua na contínua desigualdade do dia e da noite e na instabilidade da temperatura.”
Após um eloquente quadro das lutas que o homem deve sustentar contra a Natureza, a fim de prover a subsistência, e das revoluções geológicas que transformam a superfície do globo e ameaçam aniquilá-lo, ele acrescenta:
“Após tais considerações, pode-se ainda pretender seja este globo, mesmo para o homem, o melhor dos mundos possíveis, e que muitos outros corpos celestes não lhe possam ser infinitamente superiores e melhor que ele reunirem as condições favoráveis ao desenvolvimento e à longa duração da existência humana?”
Depois, conduzindo o leitor através dos mundos, no infinito do espaço, faz com que ele veja um panorama de tal imensidade, que não podemos deixar de achar ridícula e indigna do poder de Deus a suposição de que entre tantos milhares o nosso pequeno globo, desconhecido até de uma grande parte do nosso sistema planetário, seja a única terra habitada, e nos identificarmos com o pensamento do autor, quando ele diz, ao terminar:
“Ah! Se nossa vista fosse bastante penetrante para descobrir, lá onde apenas distinguimos pontos brilhantes sobre o fundo negro do céu, os sóis resplandecentes que gravitam na amplidão, e os mundos habitados que acompanham o seu curso! Se nos fosse dado abarcar de um golpe de vista essas miríades de sistemas solidários e se, avançando com a velocidade da luz, atravessássemos durante séculos e séculos esse número ilimitado de sóis e esferas, sem jamais encontrar os limites dessa imensidade prodigiosa, onde Deus fez germinar os mundos e os seres; e se, voltando o olhar para trás, mas sem saber em que ponto do infinito encontrar de novo esse grão de poeira que se chama Terra, estacaríamos fascinados e confusos por tal espetáculo e, unindo nossas vozes ao concerto da natureza universal, diríamos, do fundo de nossa alma: Deus poderoso! Como fomos insensatos em pensar que nada havia além da Terra, e que nossa pobre morada tinha, ela só, o privilégio de refletir tua grandeza e teu poder!”
Terminaremos, de nossa parte, com uma observação: Vendo a soma de ideias contidas nessa pequena obra, a gente se admira que um jovem, na idade em que os outros ainda estão nos bancos escolares, tenha tido tempo de se apropriar delas e, com mais forte razão, aprofundá-las. É para nós uma prova evidente de que seu Espírito não se acha no início, ou que, malgrado seu, ele é assistido por outro Espírito.
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* Brochura grand in-8. Preço: 2 fr.; pelo correio 2 fr. 10; Bachelier, lmpr. -libr. de l’Observatoire, 55, qual des Grands-Augustins.
Subscrição em favor dos operários de Rouen
Está aberta uma subscrição, no escritório da Revista Espírita, Rua e Passagem Saint-Anne, 59, em favor dos operários de Rouen, a cujos sofrimentos ninguém poderia ficar indiferente. Vários grupos e sociedades espíritas já nos enviaram o produto de sua arrecadação. Convidamos os que pretendem contribuir a apressarem sua remessa, pois o inverno está aí! A lista será publicada. (Ver, acima, a comunicação do Sr. Sanson).
ALLAN KARDEC
ALLAN KARDEC
Fevereiro
Estudos sobre os possessos de MorzineCausas da obsessão e meios de combate
(III artigo) *
O estudo dos fenômenos de Morzine não oferecerá, por assim dizer, nenhuma dificuldade, quando estivermos bem compenetrados dos fatos particulares que citamos, e das considerações que um estudo atento permitiu deduzir das mesmas. Basta relatá-los para que cada um encontre por si mesmo sua aplicação, por analogia. Os dois fatos seguintes ainda nos ajudarão a pôr o leitor no caminho certo. O primeiro nos é transmitido pelo Dr. Chaigneau, membro honorário da Sociedade de Paris, presidente da Sociedade Espírita de Saint-Jean d’Angély.
“Uma família fazia evocações com um ardor desenfreado, arrastada por um Espírito que nos foi assinalado como muito perigoso. Era um de seus parentes, falecido depois de uma vida pouco decente e marcada, em seu final, por vários anos de alienação mental. Sob nome fictício, por surpreendentes provas mecânicas, belas promessas e conselhos de uma moralidade sem reservas, tinha conseguido de tal modo fascinar aquela gente muito crédula, que submetia todos às suas exigências e os obrigava aos atos mais excêntricos. Não podendo mais satisfazer a todos os seus desejos, pediram o nosso conselho e tivemos muito trabalho para dissuadi-los e provar-lhes que tratavam com um Espírito da pior espécie. Conseguimo-lo, entretanto, e pudemos obter que eles se abstivessem, ao menos por algum tempo. Desde então a obsessão tomou outro caráter: O Espírito se apoderava completamente do filho mais moço, de quatorze anos, o reduzia ao estado de catalepsia e, por sua boca, solicitava entretenimentos, dava ordens, fazia ameaças. Aconselhamos o mais absoluto mutismo, que foi observado rigorosamente. Os pais entregaram-se às preces e vinham procurar um de nós para assisti-los. O recolhimento e a força de vontade sempre nos deram domínio, em poucos minutos.
“Praticamente, hoje, tudo cessou. Esperamos que na casa a ordem suceda a desordem. Longe de se desgostarem do Espiritismo, eles creem mais que nunca, mas creem mais seriamente. Agora eles compreendem sua finalidade e suas consequências morais. Todos compreendem que receberam uma lição. Alguns, uma punição, talvez merecida.”
Este exemplo prova, mais uma vez, o inconveniente de nos entregarmos às evocações sem conhecimento de causa e sem objetivo sério. Graças aos conselhos da experiência, que aquelas pessoas escutaram, puderam desembaraçar-se de um inimigo talvez terrível.
Disto ressalta outro ensinamento não menos importante. Aos olhos dos desconhecedores do Espiritismo, o rapaz teria passado por um louco. Não deixariam de lhe dar o tratamento correspondente, que teria possivelmente desenvolvido uma loucura real. Com a assistência de um médico espírita, o mal foi atacado em sua verdadeira causa e não teve consequências.
Já o mesmo não se deu no fato seguinte.
Um senhor, nosso conhecido, residente numa cidade provinciana muito hostil às ideias espíritas, de súbito foi tomado por uma espécie de delírio, no qual dizia coisas absurdas. Como se ocupasse de Espiritismo, naturalmente falava de Espíritos. Assustadas e alarmadas, as pessoas mais próximas, sem aprofundar as coisas, apressadamente trataram de chamar os médicos, que o declararam atacado de loucura, para grande satisfação dos inimigos do Espiritismo, que já falavam em interná-lo numa casa de saúde.
Tudo quanto coligimos em relação às circunstâncias desse acontecimento, prova que aquele senhor foi submetido ao império de uma subjugação momentânea, talvez favorecida por certas condições físicas. Foi a ideia que ele teve. Escreveu-nos e nós lhe respondemos. Infelizmente nossa carta não lhe chegou a tempo e dela só teve conhecimento muito mais tarde. “É muito lamentável”, disse-nos ele posteriormente, “que não tenha recebido vossa carta consoladora. Naquele momento, ela me teria feito um bem imenso, confirmando-me a ideia de que eu era joguete de uma obsessão, o que me teria tranquilizado, ao passo que eu ouvia com tanta frequência repetirem à minha volta que eu estava louco, que acabei acreditando. Essa ideia me torturava a tal ponto que se tivesse continuado, não sei o que teria acontecido”.
Consultado a respeito, um Espírito respondeu:
─ Esse senhor não é louco, mas pela maneira como ele é tratado, poderia enlouquecer. Mais ainda: poderiam matá-lo. O remédio para o seu mal está no próprio Espiritismo, e consideram-no um contrassenso.”
─ Seria possível, daqui, agir sobre ele?
─ Sim, sem dúvida. Podeis fazer-lhe o bem, mas a vossa ação é paralisada pela má vontade dos que o cercam.
Casos análogos ocorreram em todas as épocas, e muitos foram presos como loucos, sem o serem.
Só um observador experimentado nestes assuntos pode apreciá-los. Como hoje há muitos médicos espíritas, em casos semelhantes convém a estes recorrer. Um dia a obsessão será colocada entre as causas patológicas, como o é hoje a ação de animais microscópicos, de cuja existência não se suspeitava antes da invenção do microscópio. Mas então reconhecer-se-á que nem as duchas nem as sangrias poderão curá-la. O médico que não admite nem busca senão causas puramente materiais é tão impróprio a compreender e tratar tais afecções quanto um cego o é para distinguir as cores.
O segundo caso nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Boulogne-sur-Mer.
“A mulher de um marinheiro desta cidade, de quarenta e cinco anos, está há quinze anos sob o domínio de uma triste subjugação. Quase todas as noites, sem excetuar as do período de gravidez, ela é despertada por volta da meia-noite, tomada de tremores nos membros, como se sob a ação de uma pilha galvânica. Seu estômago fica comprimido como que num círculo de ferro e queimado por um ferro em brasa; o cérebro num estado de exaltação furiosa, e ela se sente arrancada se seu leito, e depois, por vezes seminua, é arrastada para fora de casa e forçada a correr pelo campo. Ela caminha sem saber para onde vai, durante duas ou três horas, e somente ao parar é que sabe onde se encontra. Ela não pode orar e, ao ajoelhar-se para fazê-lo, suas ideias se misturam com coisas bizarras e até sujas. Ela não pode entrar em nenhuma igreja. Tem vontade e um desejo ardente de fazê-lo, mas ao chegar à porta, sente uma barreira que a impede. Quatro homens tentaram levá-la para dentro da igreja dos redentoristas, mas não conseguiram. Ela gritava que a estavam matando, que lhe esmagavam o peito.
“Para fugir a essa horrível situação, a pobre tentou suicidar-se, por várias vezes, sem consegui-lo. Tomou café no qual havia dissolvido fósforo; tomou detergente e nada sofreu; duas vezes jogou-se na água, mas a cada vez voltava à superfície, até que alguém a socorresse. Fora dos momentos de crise de que falei, essa mulher é inteiramente normal, e mesmo naqueles momentos ela tem perfeita consciência do que faz e da força exterior que sobre ela atua. Toda a vizinhança diz que ela é vítima de um malefício ou um despacho.”
A subjugação não poderia ser melhor caracterizada senão pelos fenômenos que, sem a menor dúvida, não podem deixar de ser obra de um Espírito da pior espécie. Dirão que foi o Espiritismo que o atraiu para ela ou lhe perturbou o cérebro? Mas há quinze anos não se cogitava disto. Aliás, a mulher não é louca, e o que experimenta não é uma ilusão.
A medicina ordinária não verá nesses sintomas senão uma dessas afecções a que dá o nome de nevrose, cuja causa ainda lhe é um mistério. A afecção é real, mas para todo efeito há uma causa. Ora, qual a primeira causa? Eis o problema em cuja via pode entrar o Espiritismo, demonstrando um novo agente no perispírito e na ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Não generalizamos, e reconhecemos que, em certos casos, a causa pode ser puramente material, mas há outros nos quais a intervenção de uma inteligência oculta é evidente, pois que, combatendo essa inteligência, para-se o mal, ao passo que atacando apenas a suposta causa material, nada se consegue.
Há um traço característico nos Espíritos perversos: é a sua aversão a tudo quanto se liga à religião. A maioria dos médiuns não obsedados que receberam comunicações de Espíritos maus, muitas vezes os viram blasfemar contra as coisas mais sagradas, rir-se da prece e a repelir, e irritar-se, até, quando se lhes fala em Deus.
No médium subjugado, o Espírito, dispondo de cerca de um terço do corpo para agir, exprime seus pensamentos, já não pela escrita, mas pelos gestos e palavras que provoca no médium. Ora, como nenhum fenômeno espírita pode produzir-se sem uma aptidão mediúnica, pode-se dizer que a mulher de quem falamos é médium espontânea, inconsciente e involuntária. A impossibilidade em que se encontra de orar e de entrar na igreja vem da repulsão do Espírito que dela se apoderou, pois sabe que a prece é um meio de fazê-lo largar a presa.
Em vez de uma pessoa, suponhamos, na mesma localidade, dez, vinte, trinta ou mais, no mesmo estado, e tereis a reprodução do que se passou em Morzine.
Não está aí uma prova evidente de que são demônios? dirão certas pessoas. Chamemo-los demônios, se isto vos agrada: esse nome não os caluniaria. Mas não vedes diariamente homens que não valem nada e que, de pleno direito, poderiam ser chamados demônios encarnados? Não há os que blasfemam e renegam Deus? Que parecem fazer o mal com prazer? Que se alegram à vista do sofrimento de seus semelhantes? Por que queríeis que, uma vez no mundo dos Espíritos, de súbito se transformassem?
Aqueles a quem chamais demônios nós chamamos maus Espíritos, e vos concedemos toda a perversidade que lhes queirais atribuir. Contudo, a diferença é que, em vossa opinião, os demônios são anjos decaídos, isto é, seres perfeitos que se tornaram maus, e para sempre votados ao mal e ao sofrimento. Em nossa opinião, são seres pertencentes à Humanidade primitiva, espécie de selvagens ainda atrasados, mas a quem o futuro não está fechado e que melhorar-se-ão à medida que neles se desenvolver o senso moral, na série de existências sucessivas, o que nos parece mais conforme com a lei do progresso e justiça de Deus. Temos a mais, a nosso favor, a experiência, que prova a possibilidade de melhorar e de levar ao arrependimento os Espíritos do mais baixo nível e aqueles que são colocados na categoria de demônios.
Vejamos uma fase especial desses Espíritos, cujo estudo é de alta importância para o assunto que nos ocupa.
Sabe-se que os Espíritos inferiores ainda se acham sob a influência da matéria e que entre eles se encontram todos os vícios e paixões da Humanidade, paixões que eles carregam ao deixar a Terra e que trazem ao se reencarnarem, porquanto não emendaram, o que produz os homens perversos.
Prova a experiência que uns são sensuais de diversas categorias: obscenos, lascivos, satisfeitos com os lugares baixos, impelindo e excitando à orgia e ao deboche, a cuja vista se repastam.
Perguntaremos, então: A que categoria de Espíritos poderão ter pertencido, após a morte, seres como Tibério, Nero, Cláudio, Messalina, Calígula, Heliogábalo? Que gênero de obsessão poderiam ter provocado? É necessário, para explicar essas obsessões, recorrer a seres especiais que Deus teria criado especialmente para impelir o homem ao mal?
Há certos gêneros de obsessões que não deixam dúvidas quanto à qualidade dos Espíritos que as produzem. Foram obsessões desse gênero que deram lugar à fábula dos íncubos e súcubos, em que acreditava firmemente Santo Agostinho. Poderíamos citar mais de um exemplo em apoio a esta asserção.
Quando se estudam as várias impressões corporais e os toques perceptíveis por vezes produzidos por certos Espíritos; quando se conhecem os gostos e as tendências de alguns deles, e se, por outro lado, se examina o caráter de certos fenômenos histéricos, a gente se pergunta se eles não representariam um papel nessa afecção, como representam na loucura obsessiva. Nós a vimos várias vezes, acompanhada de sintomas nada equívocos da subjugação.
Vejamos agora o que se passou em Morzine e, para começar, digamos algumas palavras sobre o lugar, o que não é sem importância.
Morzine é uma comuna do Chablais, na Alta Saboia, situada a oito léguas de Thonon, na extremidade do vale do Drance, nos confins do Valais, na Suíça, da qual é separada por uma montanha. Sua população, de cerca de 2.500 almas, além da aldeia principal compreende várias outras espalhadas nas alturas circundantes. É cercada e dominada por todos os lados por altas montanhas dependentes da cadeia dos Alpes, mas, na maior parte, cobertas de bosques e cultivadas até alturas consideráveis. Aliás, em parte alguma se vê neve ou gelo perpétuos. Segundo nos disseram, ali a neve seria menos persistente do que no Jura.
Enviado em 1861 pelo governo francês, a fim de estudar a doença, o Dr. Constant lá ficou três meses. Ele faz da região e de seus habitantes um quadro pouco lisonjeiro. Vindo com a ideia de que o mal era puramente físico, só buscou causas físicas. Essa preocupação o levava a insistir naquilo que poderia corroborar sua opinião, e essa ideia provavelmente fez com que ele visse os homens e as coisas de um ângulo desfavorável.
Em sua opinião, a moléstia é uma afecção nervosa, cuja fonte primeira é a constituição dos habitantes, debilitados pela insalubridade das habitações e pela insuficiência e má qualidade da alimentação, e cuja causa imediata está no estado histérico da maioria dos doentes do sexo feminino.
Sem contestar a existência dessa afecção, é bom notar que se o mal atacou em grande parte as mulheres, os homens também foram atingidos, bem como mulheres em idade avançada. Não se poderia, portanto, ver na histeria uma causa exclusiva. Aliás, qual a causa da histeria?
Fizemos uma curta visita a Morzine, mas devemos dizer que nossas observações e os dados que recolhemos entre pessoas notáveis, de um médico da região e das autoridades locais, diferem um pouco das do Dr. Constant.
A aldeia principal, de modo geral, é bem construída. As casas das aldeias circunvizinhas certamente não são hotéis, mas não têm o aspecto miserável que se vê em muitas regiões da França, como na Bretanha, por exemplo, onde o camponês mora em verdadeiras choças.
A população não nos pareceu estiolada nem raquítica, nem, sobretudo, com bócio, como diz o Dr. Constant. Vimos alguns bócios rudimentares, mas nenhum pronunciado, como se vê em todas as mulheres da Mauriana. Os idiotas e cretinos ali são raros, a despeito do que diz o Dr. Constant, ao passo que na outra encosta da montanha, no Valais, eles são muito numerosos.
Quanto à alimentação, a região produz além do consumo dos habitantes. Se não há abundância em toda parte, também não há miséria propriamente dita, nem,sobretudo, essa horrível miséria que encontramos em outras regiões. Algumas existem onde a população campesina é infinitamente pior alimentada. Um fato característico é que não vimos um só mendigo a pedir esmola.
A própria região oferece importantes recursos em madeira e pedra, mas que ficam improdutivos pela impossibilidade de transporte. A dificuldade de comunicações é a chaga da região, sem o que seria uma das mais ricas do país. Pode julgar-se da dificuldade, pelo fato de o correio do Thonon não poder ir além de duas léguas da cidade. Daí em diante não há estrada, mas um simples caminho que alternativamente sobe a pique através da floresta e desce à margem do Drance, torrente furiosa que rola em cascatas através de massas enormes de rochedos de granito e que do alto das montanhas se precipita em seu leito, no fundo de uma garganta estreita. Por várias léguas é a imagem do caos. Transposta essa passagem, o vale toma um aspecto risonho até Morzine, onde termina. Mas a dificuldade para lá chegar afasta os viajantes, de sorte que a região só é visitada por caçadores bastante fortes para escalar os rochedos.
Desde a anexação, os caminhos foram melhorados. Antes, só eram praticáveis a cavalo. Dizem que o governo está estudando o prolongamento da estrada de Thonon a Morzine, margeando o rio. É um trabalho difícil, mas que transformará a região, permitindo a exportação de seus produtos.
Tal é o aspecto geral da região, que aliás não oferece nenhuma causa de insalubridade. Admitindo que a principal aldeia de Morzine, situada no fundo do vale, à margem do rio, seja úmida, o que não observamos, devemos considerar que a maioria dos doentes são das aldeias vizinhas, situadas na altura, e portanto em localizações arejadas e muito salubres.
Se, como pretende o Dr. Constant, a doença se devesse a causas locais; à constituição dos habitantes; aos hábitos e gênero de vida, essas causas permanentes deveriam produzir efeitos permanentes, e o mal seria endêmico, como as febres intermitentes de Camargue e dos pântanos pontinos. Se o cretinismo e o bócio são endêmicos no vale do Ródano e não no vale do Drance, que é limítrofe, é que num existe uma causa local permanente que não existe no outro.
Se o que se chama a possessão de Morzine é apenas temporário, é que sua causa é acidental.
O Dr. Constant diz que suas observações não lhe revelaram nenhuma causa sobrenatural. Mas ele, que só acredita em causas materiais, é capaz de julgar efeitos resultantes da ação de uma força extra-material? Estudou ele os efeitos dessa força? Ele sabe em que consistem e por quais sintomas podem ser reconhecidos? Não, e desde então se lhe afiguram aquilo que não são, crendo sem dúvida que consistem em milagres e aparições fantásticas.
Esses sintomas, ele os viu e os descreveu em seu relatório, mas não admitindo uma causa oculta, buscou alhures, no mundo material, onde não a encontrou.
Os doentes se diziam atormentados por seres invisíveis, mas como ele não viu duendes nem fantasmas, concluiu que os doentes eram loucos, e o que o confirmava nessa ideia é que esses doentes por vezes diziam coisas notoriamente absurdas, mesmo aos olhos do mais firme crente nos Espíritos. Mas para ele tudo devia ser absurdo. Entretanto, ele devia saber, ele médico, que até em meio a divagações da loucura há, por vezes, revelações da verdade.
Esses infelizes, diz ele, e a população em geral, estão imbuídos de ideias supersticiosas. Mas o que há de espantoso numa população rural, ignorante e isolada no meio das montanhas? O que há de mais natural que essa gente, aterrada pelos fenômenos, os tenha amplificado? Porque nos relatos que faziam se misturavam apreciações ridículas, partindo do seu ponto de vista, ele disso concluiu que tudo deveria ser ridículo, sem contar que aos olhos de quem quer que não admita a ação do mundo invisível, todos os efeitos resultantes dessa ação são relegados à condição de crenças supersticiosas.
Em favor desta última tese, ele insiste muito sobre um fato, na ocasião contado pelos jornais, inspirado sem dúvida nalguma imaginação aterrada, exaltada ou doente e, segundo o qual certos doentes subiam, com a agilidade de gatos, em árvores de quarenta metros de altura; andavam sobre os galhos sem que estes vergassem; postavam-se nas copas, com os pés para cima, e desciam de cabeça para baixo, sem nada sofrerem. Ele discute longamente para provar a impossibilidade da coisa e para demonstrar que, segundo a direção do raio visual, a árvore assinalada não podia ser vista das casas de onde diziam ter visto o fato. Tanto esforço era inútil, pois lá nos disseram que a coisa não era verdadeira. Apenas um rapazinho havia subido numa árvore de porte comum, mas sem malabarismo.
Assim descreve o Dr. Constant o histórico e os efeitos da doença.
“Uma família fazia evocações com um ardor desenfreado, arrastada por um Espírito que nos foi assinalado como muito perigoso. Era um de seus parentes, falecido depois de uma vida pouco decente e marcada, em seu final, por vários anos de alienação mental. Sob nome fictício, por surpreendentes provas mecânicas, belas promessas e conselhos de uma moralidade sem reservas, tinha conseguido de tal modo fascinar aquela gente muito crédula, que submetia todos às suas exigências e os obrigava aos atos mais excêntricos. Não podendo mais satisfazer a todos os seus desejos, pediram o nosso conselho e tivemos muito trabalho para dissuadi-los e provar-lhes que tratavam com um Espírito da pior espécie. Conseguimo-lo, entretanto, e pudemos obter que eles se abstivessem, ao menos por algum tempo. Desde então a obsessão tomou outro caráter: O Espírito se apoderava completamente do filho mais moço, de quatorze anos, o reduzia ao estado de catalepsia e, por sua boca, solicitava entretenimentos, dava ordens, fazia ameaças. Aconselhamos o mais absoluto mutismo, que foi observado rigorosamente. Os pais entregaram-se às preces e vinham procurar um de nós para assisti-los. O recolhimento e a força de vontade sempre nos deram domínio, em poucos minutos.
“Praticamente, hoje, tudo cessou. Esperamos que na casa a ordem suceda a desordem. Longe de se desgostarem do Espiritismo, eles creem mais que nunca, mas creem mais seriamente. Agora eles compreendem sua finalidade e suas consequências morais. Todos compreendem que receberam uma lição. Alguns, uma punição, talvez merecida.”
Este exemplo prova, mais uma vez, o inconveniente de nos entregarmos às evocações sem conhecimento de causa e sem objetivo sério. Graças aos conselhos da experiência, que aquelas pessoas escutaram, puderam desembaraçar-se de um inimigo talvez terrível.
Disto ressalta outro ensinamento não menos importante. Aos olhos dos desconhecedores do Espiritismo, o rapaz teria passado por um louco. Não deixariam de lhe dar o tratamento correspondente, que teria possivelmente desenvolvido uma loucura real. Com a assistência de um médico espírita, o mal foi atacado em sua verdadeira causa e não teve consequências.
Já o mesmo não se deu no fato seguinte.
Um senhor, nosso conhecido, residente numa cidade provinciana muito hostil às ideias espíritas, de súbito foi tomado por uma espécie de delírio, no qual dizia coisas absurdas. Como se ocupasse de Espiritismo, naturalmente falava de Espíritos. Assustadas e alarmadas, as pessoas mais próximas, sem aprofundar as coisas, apressadamente trataram de chamar os médicos, que o declararam atacado de loucura, para grande satisfação dos inimigos do Espiritismo, que já falavam em interná-lo numa casa de saúde.
Tudo quanto coligimos em relação às circunstâncias desse acontecimento, prova que aquele senhor foi submetido ao império de uma subjugação momentânea, talvez favorecida por certas condições físicas. Foi a ideia que ele teve. Escreveu-nos e nós lhe respondemos. Infelizmente nossa carta não lhe chegou a tempo e dela só teve conhecimento muito mais tarde. “É muito lamentável”, disse-nos ele posteriormente, “que não tenha recebido vossa carta consoladora. Naquele momento, ela me teria feito um bem imenso, confirmando-me a ideia de que eu era joguete de uma obsessão, o que me teria tranquilizado, ao passo que eu ouvia com tanta frequência repetirem à minha volta que eu estava louco, que acabei acreditando. Essa ideia me torturava a tal ponto que se tivesse continuado, não sei o que teria acontecido”.
Consultado a respeito, um Espírito respondeu:
─ Esse senhor não é louco, mas pela maneira como ele é tratado, poderia enlouquecer. Mais ainda: poderiam matá-lo. O remédio para o seu mal está no próprio Espiritismo, e consideram-no um contrassenso.”
─ Seria possível, daqui, agir sobre ele?
─ Sim, sem dúvida. Podeis fazer-lhe o bem, mas a vossa ação é paralisada pela má vontade dos que o cercam.
Casos análogos ocorreram em todas as épocas, e muitos foram presos como loucos, sem o serem.
Só um observador experimentado nestes assuntos pode apreciá-los. Como hoje há muitos médicos espíritas, em casos semelhantes convém a estes recorrer. Um dia a obsessão será colocada entre as causas patológicas, como o é hoje a ação de animais microscópicos, de cuja existência não se suspeitava antes da invenção do microscópio. Mas então reconhecer-se-á que nem as duchas nem as sangrias poderão curá-la. O médico que não admite nem busca senão causas puramente materiais é tão impróprio a compreender e tratar tais afecções quanto um cego o é para distinguir as cores.
O segundo caso nos é relatado por um dos nossos correspondentes de Boulogne-sur-Mer.
“A mulher de um marinheiro desta cidade, de quarenta e cinco anos, está há quinze anos sob o domínio de uma triste subjugação. Quase todas as noites, sem excetuar as do período de gravidez, ela é despertada por volta da meia-noite, tomada de tremores nos membros, como se sob a ação de uma pilha galvânica. Seu estômago fica comprimido como que num círculo de ferro e queimado por um ferro em brasa; o cérebro num estado de exaltação furiosa, e ela se sente arrancada se seu leito, e depois, por vezes seminua, é arrastada para fora de casa e forçada a correr pelo campo. Ela caminha sem saber para onde vai, durante duas ou três horas, e somente ao parar é que sabe onde se encontra. Ela não pode orar e, ao ajoelhar-se para fazê-lo, suas ideias se misturam com coisas bizarras e até sujas. Ela não pode entrar em nenhuma igreja. Tem vontade e um desejo ardente de fazê-lo, mas ao chegar à porta, sente uma barreira que a impede. Quatro homens tentaram levá-la para dentro da igreja dos redentoristas, mas não conseguiram. Ela gritava que a estavam matando, que lhe esmagavam o peito.
“Para fugir a essa horrível situação, a pobre tentou suicidar-se, por várias vezes, sem consegui-lo. Tomou café no qual havia dissolvido fósforo; tomou detergente e nada sofreu; duas vezes jogou-se na água, mas a cada vez voltava à superfície, até que alguém a socorresse. Fora dos momentos de crise de que falei, essa mulher é inteiramente normal, e mesmo naqueles momentos ela tem perfeita consciência do que faz e da força exterior que sobre ela atua. Toda a vizinhança diz que ela é vítima de um malefício ou um despacho.”
A subjugação não poderia ser melhor caracterizada senão pelos fenômenos que, sem a menor dúvida, não podem deixar de ser obra de um Espírito da pior espécie. Dirão que foi o Espiritismo que o atraiu para ela ou lhe perturbou o cérebro? Mas há quinze anos não se cogitava disto. Aliás, a mulher não é louca, e o que experimenta não é uma ilusão.
A medicina ordinária não verá nesses sintomas senão uma dessas afecções a que dá o nome de nevrose, cuja causa ainda lhe é um mistério. A afecção é real, mas para todo efeito há uma causa. Ora, qual a primeira causa? Eis o problema em cuja via pode entrar o Espiritismo, demonstrando um novo agente no perispírito e na ação do mundo invisível sobre o mundo visível. Não generalizamos, e reconhecemos que, em certos casos, a causa pode ser puramente material, mas há outros nos quais a intervenção de uma inteligência oculta é evidente, pois que, combatendo essa inteligência, para-se o mal, ao passo que atacando apenas a suposta causa material, nada se consegue.
Há um traço característico nos Espíritos perversos: é a sua aversão a tudo quanto se liga à religião. A maioria dos médiuns não obsedados que receberam comunicações de Espíritos maus, muitas vezes os viram blasfemar contra as coisas mais sagradas, rir-se da prece e a repelir, e irritar-se, até, quando se lhes fala em Deus.
No médium subjugado, o Espírito, dispondo de cerca de um terço do corpo para agir, exprime seus pensamentos, já não pela escrita, mas pelos gestos e palavras que provoca no médium. Ora, como nenhum fenômeno espírita pode produzir-se sem uma aptidão mediúnica, pode-se dizer que a mulher de quem falamos é médium espontânea, inconsciente e involuntária. A impossibilidade em que se encontra de orar e de entrar na igreja vem da repulsão do Espírito que dela se apoderou, pois sabe que a prece é um meio de fazê-lo largar a presa.
Em vez de uma pessoa, suponhamos, na mesma localidade, dez, vinte, trinta ou mais, no mesmo estado, e tereis a reprodução do que se passou em Morzine.
Não está aí uma prova evidente de que são demônios? dirão certas pessoas. Chamemo-los demônios, se isto vos agrada: esse nome não os caluniaria. Mas não vedes diariamente homens que não valem nada e que, de pleno direito, poderiam ser chamados demônios encarnados? Não há os que blasfemam e renegam Deus? Que parecem fazer o mal com prazer? Que se alegram à vista do sofrimento de seus semelhantes? Por que queríeis que, uma vez no mundo dos Espíritos, de súbito se transformassem?
Aqueles a quem chamais demônios nós chamamos maus Espíritos, e vos concedemos toda a perversidade que lhes queirais atribuir. Contudo, a diferença é que, em vossa opinião, os demônios são anjos decaídos, isto é, seres perfeitos que se tornaram maus, e para sempre votados ao mal e ao sofrimento. Em nossa opinião, são seres pertencentes à Humanidade primitiva, espécie de selvagens ainda atrasados, mas a quem o futuro não está fechado e que melhorar-se-ão à medida que neles se desenvolver o senso moral, na série de existências sucessivas, o que nos parece mais conforme com a lei do progresso e justiça de Deus. Temos a mais, a nosso favor, a experiência, que prova a possibilidade de melhorar e de levar ao arrependimento os Espíritos do mais baixo nível e aqueles que são colocados na categoria de demônios.
Vejamos uma fase especial desses Espíritos, cujo estudo é de alta importância para o assunto que nos ocupa.
Sabe-se que os Espíritos inferiores ainda se acham sob a influência da matéria e que entre eles se encontram todos os vícios e paixões da Humanidade, paixões que eles carregam ao deixar a Terra e que trazem ao se reencarnarem, porquanto não emendaram, o que produz os homens perversos.
Prova a experiência que uns são sensuais de diversas categorias: obscenos, lascivos, satisfeitos com os lugares baixos, impelindo e excitando à orgia e ao deboche, a cuja vista se repastam.
Perguntaremos, então: A que categoria de Espíritos poderão ter pertencido, após a morte, seres como Tibério, Nero, Cláudio, Messalina, Calígula, Heliogábalo? Que gênero de obsessão poderiam ter provocado? É necessário, para explicar essas obsessões, recorrer a seres especiais que Deus teria criado especialmente para impelir o homem ao mal?
Há certos gêneros de obsessões que não deixam dúvidas quanto à qualidade dos Espíritos que as produzem. Foram obsessões desse gênero que deram lugar à fábula dos íncubos e súcubos, em que acreditava firmemente Santo Agostinho. Poderíamos citar mais de um exemplo em apoio a esta asserção.
Quando se estudam as várias impressões corporais e os toques perceptíveis por vezes produzidos por certos Espíritos; quando se conhecem os gostos e as tendências de alguns deles, e se, por outro lado, se examina o caráter de certos fenômenos histéricos, a gente se pergunta se eles não representariam um papel nessa afecção, como representam na loucura obsessiva. Nós a vimos várias vezes, acompanhada de sintomas nada equívocos da subjugação.
Vejamos agora o que se passou em Morzine e, para começar, digamos algumas palavras sobre o lugar, o que não é sem importância.
Morzine é uma comuna do Chablais, na Alta Saboia, situada a oito léguas de Thonon, na extremidade do vale do Drance, nos confins do Valais, na Suíça, da qual é separada por uma montanha. Sua população, de cerca de 2.500 almas, além da aldeia principal compreende várias outras espalhadas nas alturas circundantes. É cercada e dominada por todos os lados por altas montanhas dependentes da cadeia dos Alpes, mas, na maior parte, cobertas de bosques e cultivadas até alturas consideráveis. Aliás, em parte alguma se vê neve ou gelo perpétuos. Segundo nos disseram, ali a neve seria menos persistente do que no Jura.
Enviado em 1861 pelo governo francês, a fim de estudar a doença, o Dr. Constant lá ficou três meses. Ele faz da região e de seus habitantes um quadro pouco lisonjeiro. Vindo com a ideia de que o mal era puramente físico, só buscou causas físicas. Essa preocupação o levava a insistir naquilo que poderia corroborar sua opinião, e essa ideia provavelmente fez com que ele visse os homens e as coisas de um ângulo desfavorável.
Em sua opinião, a moléstia é uma afecção nervosa, cuja fonte primeira é a constituição dos habitantes, debilitados pela insalubridade das habitações e pela insuficiência e má qualidade da alimentação, e cuja causa imediata está no estado histérico da maioria dos doentes do sexo feminino.
Sem contestar a existência dessa afecção, é bom notar que se o mal atacou em grande parte as mulheres, os homens também foram atingidos, bem como mulheres em idade avançada. Não se poderia, portanto, ver na histeria uma causa exclusiva. Aliás, qual a causa da histeria?
Fizemos uma curta visita a Morzine, mas devemos dizer que nossas observações e os dados que recolhemos entre pessoas notáveis, de um médico da região e das autoridades locais, diferem um pouco das do Dr. Constant.
A aldeia principal, de modo geral, é bem construída. As casas das aldeias circunvizinhas certamente não são hotéis, mas não têm o aspecto miserável que se vê em muitas regiões da França, como na Bretanha, por exemplo, onde o camponês mora em verdadeiras choças.
A população não nos pareceu estiolada nem raquítica, nem, sobretudo, com bócio, como diz o Dr. Constant. Vimos alguns bócios rudimentares, mas nenhum pronunciado, como se vê em todas as mulheres da Mauriana. Os idiotas e cretinos ali são raros, a despeito do que diz o Dr. Constant, ao passo que na outra encosta da montanha, no Valais, eles são muito numerosos.
Quanto à alimentação, a região produz além do consumo dos habitantes. Se não há abundância em toda parte, também não há miséria propriamente dita, nem,sobretudo, essa horrível miséria que encontramos em outras regiões. Algumas existem onde a população campesina é infinitamente pior alimentada. Um fato característico é que não vimos um só mendigo a pedir esmola.
A própria região oferece importantes recursos em madeira e pedra, mas que ficam improdutivos pela impossibilidade de transporte. A dificuldade de comunicações é a chaga da região, sem o que seria uma das mais ricas do país. Pode julgar-se da dificuldade, pelo fato de o correio do Thonon não poder ir além de duas léguas da cidade. Daí em diante não há estrada, mas um simples caminho que alternativamente sobe a pique através da floresta e desce à margem do Drance, torrente furiosa que rola em cascatas através de massas enormes de rochedos de granito e que do alto das montanhas se precipita em seu leito, no fundo de uma garganta estreita. Por várias léguas é a imagem do caos. Transposta essa passagem, o vale toma um aspecto risonho até Morzine, onde termina. Mas a dificuldade para lá chegar afasta os viajantes, de sorte que a região só é visitada por caçadores bastante fortes para escalar os rochedos.
Desde a anexação, os caminhos foram melhorados. Antes, só eram praticáveis a cavalo. Dizem que o governo está estudando o prolongamento da estrada de Thonon a Morzine, margeando o rio. É um trabalho difícil, mas que transformará a região, permitindo a exportação de seus produtos.
Tal é o aspecto geral da região, que aliás não oferece nenhuma causa de insalubridade. Admitindo que a principal aldeia de Morzine, situada no fundo do vale, à margem do rio, seja úmida, o que não observamos, devemos considerar que a maioria dos doentes são das aldeias vizinhas, situadas na altura, e portanto em localizações arejadas e muito salubres.
Se, como pretende o Dr. Constant, a doença se devesse a causas locais; à constituição dos habitantes; aos hábitos e gênero de vida, essas causas permanentes deveriam produzir efeitos permanentes, e o mal seria endêmico, como as febres intermitentes de Camargue e dos pântanos pontinos. Se o cretinismo e o bócio são endêmicos no vale do Ródano e não no vale do Drance, que é limítrofe, é que num existe uma causa local permanente que não existe no outro.
Se o que se chama a possessão de Morzine é apenas temporário, é que sua causa é acidental.
O Dr. Constant diz que suas observações não lhe revelaram nenhuma causa sobrenatural. Mas ele, que só acredita em causas materiais, é capaz de julgar efeitos resultantes da ação de uma força extra-material? Estudou ele os efeitos dessa força? Ele sabe em que consistem e por quais sintomas podem ser reconhecidos? Não, e desde então se lhe afiguram aquilo que não são, crendo sem dúvida que consistem em milagres e aparições fantásticas.
Esses sintomas, ele os viu e os descreveu em seu relatório, mas não admitindo uma causa oculta, buscou alhures, no mundo material, onde não a encontrou.
Os doentes se diziam atormentados por seres invisíveis, mas como ele não viu duendes nem fantasmas, concluiu que os doentes eram loucos, e o que o confirmava nessa ideia é que esses doentes por vezes diziam coisas notoriamente absurdas, mesmo aos olhos do mais firme crente nos Espíritos. Mas para ele tudo devia ser absurdo. Entretanto, ele devia saber, ele médico, que até em meio a divagações da loucura há, por vezes, revelações da verdade.
Esses infelizes, diz ele, e a população em geral, estão imbuídos de ideias supersticiosas. Mas o que há de espantoso numa população rural, ignorante e isolada no meio das montanhas? O que há de mais natural que essa gente, aterrada pelos fenômenos, os tenha amplificado? Porque nos relatos que faziam se misturavam apreciações ridículas, partindo do seu ponto de vista, ele disso concluiu que tudo deveria ser ridículo, sem contar que aos olhos de quem quer que não admita a ação do mundo invisível, todos os efeitos resultantes dessa ação são relegados à condição de crenças supersticiosas.
Em favor desta última tese, ele insiste muito sobre um fato, na ocasião contado pelos jornais, inspirado sem dúvida nalguma imaginação aterrada, exaltada ou doente e, segundo o qual certos doentes subiam, com a agilidade de gatos, em árvores de quarenta metros de altura; andavam sobre os galhos sem que estes vergassem; postavam-se nas copas, com os pés para cima, e desciam de cabeça para baixo, sem nada sofrerem. Ele discute longamente para provar a impossibilidade da coisa e para demonstrar que, segundo a direção do raio visual, a árvore assinalada não podia ser vista das casas de onde diziam ter visto o fato. Tanto esforço era inútil, pois lá nos disseram que a coisa não era verdadeira. Apenas um rapazinho havia subido numa árvore de porte comum, mas sem malabarismo.
Assim descreve o Dr. Constant o histórico e os efeitos da doença.
(continua no próximo número)
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* (*) Vide os números de dez. de 62 e jan. de 63.
Sermões contra o Espiritismo
Uma carta de Lyon, de 7 de dezembro de 1862, contém a passagem seguinte, que uma testemunha ocular confirmou-nos, verbalmente:
“Tivemos aqui o bispo do Texas, na América, que pregou, terça-feira, 2 de dezembro, à 8 horas da noite, na igreja de Saint-Nizier, perante um auditório de cerca de duas mil pessoas, entre as quais encontrava-se grande número de espíritas. Ah! Ele não parece bem instruído em nossa doutrina. Pode julgar-se por este resumo: ‘Os espíritas não admitem o inferno nem as preces nas igrejas. Eles se fecham em seus quartos e aí oram a Deus, quem sabe que preces!... Só há duas espécies de Espíritos: os perfeitos e os ladrões; os assassinos e os canalhas... Eu venho da América, onde essas infâmias começaram. Ora! Eu vos posso garantir que há dois anos naquele país ninguém mais se ocupa disso. Disseram-me que aqui, nesta cidade de Lyon, tão conhecida por sua piedade, havia muitos espíritas. Isto não pode ser. Não acredito. Estou certo, caros irmãos e caras irmãs, que entre vós não há um só médium nem uma só médium, porque, vede, os Espíritos não admitem casamento nem batismo, e todos os espíritas se separaram de suas esposas etc. etc...’
“Estas poucas frases dão ideia do resto. Que teria dito o orador se soubesse que um quarto da assistência era de espíritas? Quanto à sua eloquência, só uma coisa posso dizer: é que em certos momentos parecia um frenesi; parecia perder o fio das ideias e não sabia o que queria dizer. Se eu não temesse servir-me de uma expressão irreverente, diria que ele chafurdava. Creio realmente que ele era levado por alguns Espíritos a dizer tais absurdos e de tal maneira que, eu vos asseguro, a gente não se apercebia de estar num lugar santo. Então, todo mundo ria. Alguns de seus partidários saíram na frente, para observar o efeito produzido pelo sermão, mas não devem ter ficado muito satisfeitos porque, uma vez lá fora, cada um ria e dizia o que pensava. Vários de seus amigos deploravam os desvios por ele cometidos e compreendiam que não tinha alcançado o objetivo. Com efeito, não poderia proceder melhor para recrutar adeptos, e foi o que aconteceu na sessão posterior. Uma senhora, que se achava ao lado de uma boníssima espírita minha conhecida, disse-lhe: ‘Mas o que é esse Espiritismo e o que são esses médiuns de quem se fala tanto e contra os quais esses senhores estão tão furiosos?’ A coisa lhe foi explicada e ela disse: ‘Oh! Ao chegar em casa, vou adquirir livros e tentar escrever.’
“Posso assegurar-vos que se os espíritas são tão numerosos em Lyon é graças a alguns sermões desse gênero. Lembrai-vos que há três anos, quando aqui contávamos apenas algumas centenas de espíritas, eu vos escrevi, a propósito de uma pregação furibunda contra a doutrina, que teve excelente efeito: ‘Mais alguns sermões como este e em um ano decuplicará o número de adeptos’. Então! Hoje está centuplicado, graças, também, aos ignóbeis e mentirosos ataques de alguns órgãos da imprensa.
“Todo mundo, e até o simples operário que sob suas vestes grosseiras tem mais bom-senso do que se julga, diz que não se ataca com tanta fúria uma coisa que não vale nada. Assim, quiseram ver por si mesmos e, ao reconhecerem a falsidade de certas afirmações, que denotavam ignorância ou malevolência, a crítica ficou desacreditada e, em vez de afastar as pessoas do Espiritismo, deu-lhe partidários.
“Dar-se-á o mesmo, esperamo-lo, com o sermão do bispo do Texas, cuja maior infelicidade foi a de dizer que ‘todos os espíritas estão separados das esposas’, quando temos aqui, aos nossos olhos, numerosos exemplos de casais outrora separados e que o Espiritismo trouxe à união e à concórdia.
“Cada um se diz, naturalmente, que se os adversários do Espiritismo lhe atribuem ensinos e resultados cuja falsidade é demonstrada pelos fatos e pela leitura dos livros, que dizem o contrário, nada prova a verdade daquelas críticas. Creio que se os espíritas lioneses não temessem faltar com o respeito ao bispo do Texas, terlhe-iam mandado uma carta de agradecimentos. Mas o Espiritismo nos torna caridosos, até para com os inimigos”.
Outra carta, de testemunha ocular, contém a seguinte passagem:
“O orador de Saint-Nizier partiu do dado que o Espiritismo já fez sua época nos Estados Unidos e que há dois anos não se fala mais nele. Era, pois, em sua opinião, uma questão de moda. Os fenômenos não tinham consistência e não mereciam ser estudados. Ele tinha procurado ver e nada vira. Contudo, assinalava a nova doutrina como atentatória aos laços de família, à propriedade, à constituição da Sociedade e a denunciava como tal às autoridades competentes.
“Os adversários esperavam um efeito mais chocante e não uma simples negação apresentada de maneira tão ridícula, pois não ignoram o que se passa na cidade, a marcha do progresso e a natureza das manifestações. A questão foi retomada no domingo, dia 14, em Saint-Jean, desta vez tratada um pouco melhor.
“O orador de Saint-Nizier tinha negado os fenômenos. O de Saint-Jean reconheceu-os e afirmou: ‘Ouvem-se batidas nas paredes; no ar, vozes misteriosas; na verdade são Espíritos, mas que Espíritos? Não podem ser bons, pois os bons são dóceis e submissos às ordens de Deus, que proibiu a evocação dos Espíritos. Portanto, os que vêm só podem ser maus.
“Havia umas três mil pessoas em Saint-Jean. Entre essas, pelo menos trezentas irão à descoberta.
“O que por certo contribuirá para fazer refletirem as criaturas honestas ou inteligentes que compunham o auditório, são as singulares afirmações do orador ─ digo singulares por polidez. ─ ‘O Espiritismo’, disse ele, ‘vem destruir a família, aviltar a mulher, pregar o suicídio, o adultério e o aborto, preconizar o comunismo, dissolver a Sociedade.’ Depois convidou os paroquianos que por acaso tivessem livros espíritas, que os trouxessem a esses senhores, a fim de serem queimados, como São Paulo havia feito em Éfeso com obras heréticas.
“Não sei se aqueles senhores encontrarão muitas pessoas bastante zelosas para irem com dinheiro na mão esvaziar nossas livrarias. Alguns espíritas estavam furiosos; a maioria se alegrava, por compreender que era um grande dia.
“Assim, do alto da segunda cátedra da França, acabam de proclamar que os fenômenos são verdadeiros. Toda a questão, pois, se reduz a saber se são bons ou maus Espíritos e se só aos maus Deus permite que venham”.
O orador do Saint-Jean afirma que só podem ser os maus. Este outro modificou um pouco a solução.
Escrevem-nos de Angoulême que quinta-feira, 5 de dezembro último, um pregador assim se exprimia em seu sermão: “Nós todos sabíamos que se podiam evocar os Espíritos, e isto desde muito tempo, mas só a Igreja deve fazê-lo. Aos outros homens não é permitido tentar corresponder-se com eles por meios físicos. Para mim é uma heresia.” O efeito produzido foi inteiramente contrário ao esperado.
Assim, é evidente que os bons e maus podem comunicar-se, porque se só os maus tivessem tal poder, não é provável que a Igreja se reservasse o privilégio de chamá-los.
Duvidamos que dois sermões pregados em Bordeaux, no mês de outubro último, tenham servido melhor à causa dos nossos antagonistas. Eis a sua análise, feita por um ouvinte. Os espíritas poderão ver se, sob esse disfarce, reconhecem a sua doutrina e se os argumentos que lhes opõem são de molde a lhes abalar a fé. Quanto a nós, repetimos o que já dissemos alhures: Enquanto não atacarem o Espiritismo com melhores armas, ele nada deverá temer.
“Lamentarei sempre, diz o narrador, não ter ouvido o primeiro desses sermões, na Capela Margaux, a 15 de outubro último, se estou bem informado. Conforme me disseram testemunhas fidedignas, a tese desenvolvida foi a seguinte: ‘Os Espíritos podem comunicar-se com os homens. Os bons só se comunicam na Igreja. Todos quantos se manifestam fora da Igreja são maus, porque fora da Igreja não há salvação. ─ Os médiuns são infelizes que fizeram pacto com o diabo e dele obtêm, ao preço de sua alma, que para ele venderam, manifestações de toda sorte, fossem elas extraordinárias, para não dizer miraculosas.’
“Passo em silêncio outras citações ainda mais estranhas. Não as tendo ouvido diretamente, temo que hajam exagerado.
“No domingo seguinte, 19 de outubro, tive a sorte de ouvir o seguinte sermão. Procurei saber o nome do pregador e me responderam que era o Padre Lapeyre, da Companhia de Jesus.
“O Padre Lapeyre faz a crítica de O Livro dos Espíritos e, por certo, era necessária enorme dose de boa vontade para reconhecer essa obra admirável nas teorias desprovidas de bom-senso que o pregador pretendia ali ter achado. Limitarme-ei a assinalar os pontos que mais me chocaram, preferindo ficar abaixo da verdade do que atribuir ao nosso adversário o que ele não teria dito ou eu teria mal compreendido.
“Segundo o Padre Lapeyre, ‘O Livro dos Espíritos prega o comunismo; a partilha dos bens; o divórcio; a igualdade entre todos os homens, e sobretudo entre o homem e a mulher; a igualdade entre o homem e seu Deus, porque o homem, levado por esse orgulho que perdeu os anjos não aspira a nada menos que tornar-se semelhante a Jesus Cristo. Ele arrasta os homens ao materialismo e aos prazeres sensuais, porque o trabalho de aperfeiçoamento pode fazer-se sem o concurso de Deus, malgrado seu, por efeito dessa força que quer que tudo se aperfeiçoe gradualmente, e preconiza a metempsicose, essa loucura dos Antigos, etc.’
“Passando, a seguir, à rapidez com que se propagam as ideias novas, ele constata com horror quanto é hábil e astuto o diabo, que as ditou; quanto soube elaborá-las com arte, de modo a fazê-las vibrar com força nos corações pervertidos dos filhos deste século de incredulidade e heresias. Então exclama: ‘Este século ama tanto à liberdade! e vêm lhe oferecer o livre exame, o livre-arbítrio, a liberdade de consciência! Este século ama tanto a igualdade! e lhe mostram o homem à altura de Deus! Ama tanto a luz! e de uma penada rasga-se o véu que ocultava os santos mistérios’.
“Depois, ele ataca a questão das penas eternas, e sobre esse assunto palpitante de emoções, teve magníficas tiradas oratórias: ‘Acreditaríeis, meus caros irmãos; acreditaríeis até onde chegou a impudência desses filósofos novos, que pensam fazer desmoronar, ao peso dos sofismas, a santa religião do Cristo! Oh! os infelizes! dizem que não há inferno! não há purgatório! Para eles não mais relações benditas que ligam os vivos às almas daqueles que perderam! Não mais o santo sacrifício da missa! E por que a celebrariam? Essas almas não se purificarão por si mesmas e sem nenhum trabalho, pela eficácia dessa força irresistível que incessantemente as atrai para a perfeição? E sabeis quais são as autoridades que vêm proclamar essas doutrinas ímpias, marcadas na fronte pelo sinal indelével desse inferno que queriam aniquilar? Ah! meus irmãos! São as mais sólidas colunas da Igreja: São Paulo, Santo Agostinho, São Lucas, São Vicente de Paulo, Bossuet, Fénelon, Lamennais, e todos esses homens de elite, santos homens que, durante a vida, combateram pelo estabelecimento das verdades inamolgáveis sobre as quais a Igreja construiu seus alicerces, e que hoje vêm declarar que seus Espíritos, desprendidos da matéria, estando mais clarividentes, se aperceberam que suas opiniões estavam erradas, e que se deve crer no contrário.’
“Passando depois à questão que o autor da Carta de um Católico dirige a um Espírito para saber se, praticando o Espiritismo, ele é herético, o pregador acrescenta: ‘Eis a resposta, meus irmãos. Ela é curiosa, e o que é mais curioso, o que mostra de maneira mais evidente que o diabo, a despeito de sua astúcia e habilidade, deixa sempre aparecerem as suas unhas, é o nome do Espírito que deu essa resposta. Eu vo-lo direi daqui há pouco.’
“Segue a citação dessa resposta, que termina assim: ‘Estás de acordo com a Igreja em todas as verdades que te fortalecem no bem, que aumentam em tua alma o amor a Deus e o devotamento aos teus irmãos? Sim; pois bem: tu és católico.’ E acrescenta: ‘Assinado... Zenon!... Zenon! Um filósofo grego, um pagão, um idólatra que do fundo do inferno onde se queima há vinte séculos vem nos dizer que se pode ser católico e não crer nesse inferno que o tortura e que espera a todos os que, como ele, não morrerem humildes e submissos no seio da santa Igreja... Mas, insensatos e cegos que sois! Com toda a vossa filosofia, não tereis senão esta prova, esta única prova que a doutrina que proclamais emana do demônio, que será mil vezes suficiente!’
“Depois de longos rodeios sobre esta questão e sobre o privilégio exclusivo da Igreja de expulsar os demônios, acrescenta:
“‘Pobres insensatos que vos divertis em falar com os Espíritos e pretendeis sobre eles exercer qualquer influência! Não temeis que, como aquele de que fala São Lucas, esses Espíritos batedores e turbulentos ─ e eles são bem classificados, meus irmãos ─ não vos perguntem também: E vós quem sois? Quem sois para virdes perturbar-nos? Credes impunemente submeter-nos aos vossos caprichos sacrílegos? E que, tomando as cadeiras e as mesas que fazeis girar, não se apoderem de vós, como se apoderaram do filho de Sceva, e não vos maltratem a tal ponto que sejais forçados a fugir, nus e feridos, e reconhecendo demasiadamente tarde toda a abominação que há em brincar com os mortos?
“‘Diante desses fatos tão patentes e que falam tão alto, que nos resta fazer? Que temos a dizer? Ah! meus caros irmãos! Guardai-vos cuidadosamente do contágio. Repeli com horror todas as tentativas que os maus não cessarão de fazer para vos arrastar com eles ao abismo. Mas, ah! Já é muito tarde para fazer tais recomendações. O mal já fez rápidos progressos. Esses livros infames, ditados pelo príncipe das trevas, a fim de atrair para o seu reino uma multidão de pobres ignorantes, de tal modo se espalharam que se, como outrora em Éfeso, se estimasse o preço dos que circulam em Bordeaux, tenho certeza que ultrapassaria a soma de cinquenta mil denários de prata (170.000 francos, em nossa moeda - repetição da citação feita em outra parte do sermão). E eu não ficaria admirado se entre os numerosos fiéis que me escutam não haja alguns que já foram arrastados à sua leitura. A estes só podemos dizer: Depressa! Aproximai-vos do tribunal das penitências. Depressa! Vinde abrir os vossos corações aos guias espirituais. Cheios de doçura e bondade e seguindo em todos os pontos o magnífico exemplo de São Paulo, apressar-nos-emos a vos dar a absolvição. Mas, como ele, não vo-la daremos senão com a condição expressa de nos trazerdes esses livros de magia que quase vos perderam. E que faremos desses livros, caros irmãos? Sim, o que faremos? Como São Paulo, faremos uma montanha em praça pública e nós mesmos meteremos fogo!’
Faremos apenas uma ligeira observação sobre esse sermão: é que o autor se engana quanto à data e que talvez, novo Epimênides, ele dormiu desde o século quatorze.
Outro fato que se destaca é o rápido desenvolvimento do Espiritismo. Os adversários de uma outra escola também o constatam com desespero, tão grande é o amor que têm pela razão humana.
Lê-se no Moniteur de Moselle, de 7 de novembro de 1862: “O Espiritismo faz perigoso progresso. Invade a alta, a média e a baixa sociedade. Magistrados, médicos, gente séria, também caem nessa esparrela.” Nós achamos esta asserção repetida na maior parte das críticas atuais. É que em presença de um fato tão patente, era preciso vir do fundo do Texas para entrar num auditório onde se acham mais de mil espíritas que há dois anos não mais se ocupam de Espiritismo. Então, por que tanta cólera se o Espiritismo está morto e enterrado? Ao menos o Padre Lepeyre não tem ilusões. Seu horror até exagera a extensão desse pretenso mal, pois avalia numa soma fabulosa o valor dos livros espíritas espalhados só em Bordeaux. Em todo caso, é reconhecer um grande poder à ideia. Seja como for, em presença de todas essas afirmações, ninguém nos taxará de exagero quando falarmos do rápido progresso da doutrina. Que uns o atribuam ao poder do diabo, lutando com vantagem contra Deus, os outros a um acesso de loucura que invade todas as classes sociais, de tal modo que o círculo da gente de juízo vai se estreitando a tal ponto que em breve só haverá lugar para muito poucos; que uns e outros deplorem este estado de coisas, cada um do seu ponto de vista e se perguntem: “Para onde vamos, grande Deus?” É o seu direito. Disso resulta o fato que o Espiritismo vence todas as barreiras que lhe opõem. Assim, se é uma loucura, em breve só haverá loucos na Terra. O provérbio é conhecido. Se for obra do diabo, em breve só haverá danados, e se os que falam em nome de Deus não podem detê-lo, é que o diabo é mais forte do que Deus. Os espíritas são mais respeitosos para com a Divindade. Eles não admitem que haja um ser capaz de lutar com Deus em igualdade de condições, e sobretudo vencê-lo. Do contrário, os papéis estariam invertidos e o diabo tornar-se-ia o verdadeiro senhor do Universo.
Dizem os espíritas que sendo Deus soberano sem partilha, nada acontece no mundo sem sua permissão. Assim, se o Espiritismo se espalha com a rapidez do raio, façam o que fizerem para detê-lo, há que ver nisso um efeito da vontade de Deus. Ora, sendo Deus soberanamente justo e bom, ele não pode querer a perda de suas criaturas, nem permitir que sejam tentadas, com a certeza, em virtude de sua presciência, de que elas sucumbirão, para precipitá-las nos tormentos eternos.
Hoje, o dilema está posto. Ele está submetido à consciência de todos, e o futuro se encarrega da conclusão.
Se fazemos estas citações, é para mostrar a que argumentos estão reduzidos os adversários do Espiritismo para atacá-lo. Com efeito, é preciso estar mui carente de boas razões para recorrer a uma calúnia como a que o representa pregando a desunião da família, o adultério, o aborto, o comunismo, a derrubada da ordem social.
Temos necessidade de refutar estas asserções? Não. Basta remeter ao estudo da doutrina, à leitura do que ela ensina, que é o que se faz em toda a parte.
Quem poderá crer que pregamos o comunismo depois das instruções dadas arespeito no discurso publicado in extenso no relatório de nossa viagem em 1862? Quem poderá ver um excitamento à anarquia nas seguintes palavras, na mesma brochura, página 58: “Em todo caso, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, no caso de serem convocados.”
Propor tais coisas numa região distante, onde o Espiritismo fosse desconhecido, onde não houvesse qualquer meio de controle, poderia produzir algum efeito. Mas afirmá-las do alto da cátedra da verdade, em meio a uma população espírita que aí dá incessantemente um desmentido por seus ensinos e seu exemplo, é inabilidade, e não se pode deixar de dizer que é necessário estar tomado por singular vertigem para iludir-se a tal ponto e não compreender que assim falando serve à causa do Espiritismo.
Seria erro, contudo, pensar seja esta a opinião de todos os membros do clero. Ao contrário, há muitos padres que não a esposam, e conhecemos muitos que deploram tais desvios, mais prejudiciais à religião que à Doutrina Espírita. São, pois, opiniões individuais, que não podem fazer lei, e o que prova que são apreciações pessoais é a contradição entre elas existente. Assim, ao passo que um declara que todos os Espíritos que se manifestam são necessariamente maus, pois desobedecem a Deus, comunicando-se, outro reconhece que há bons e maus, mas que só os bons vão à Igreja, e os maus, ao vulgo.
Um acusa o Espiritismo de aviltar a mulher, outro o censura por elevá-la ao nível dos direitos do homem. Um pretende que ele “arrasta os homens ao materialismo e aos prazeres sensuais” e outro, o Sr. Cura de Marouzeau, reconheceu que ele destrói o materialismo.
Em sua brochura, assim se exprime o Padre Marouzeau: “Na verdade, segundo os partidários das comunicações de além-túmulo, seria intenção deliberada do clero combater o Espiritismo a qualquer preço. Por que, então, supor que o clero tenha tão pouca inteligência e bom-senso e uma mente estúpida? Por que acreditar que a Igreja, que em todos os tempos deu tantas provas de prudência, de sabedoria e de alta inteligência para discernir o verdadeiro do falso, seria hoje incapaz de compreender o interesse de seus filhos? Por que condená-la sem ouvi-la? Se ela se recusa a reconhecer a vossa bandeira, é que a vossa bandeira não é a dela; ela tem cores que lhe são essencialmente hostis; é que, ao lado do bem que fazeis combatendo o horrível materialismo, ela vê um perigo real para as almas e para a Sociedade.” E, noutra passagem: “Concluamos de tudo isto que o Espiritismo deve limitar-se a combater o materialismo, a dar ao homem provas palpáveis de sua imortalidade por meio de manifestações de além-túmulo bem constatadas.”
De tudo isto ressalta um fato capital: é que todos esses senhores estão de acordo sobre a realidade das manifestações. Apenas cada um as aprecia a seu modo. Com efeito, negá-las seria negar a verdade das Escrituras, e os próprios fatos sobre os quais se apoia a maioria dos dogmas. Quanto à maneira de encarar a coisa, desde já, é possível constatar em que sentido se faz a unidade e se pronuncia a opinião pública, que também tem o seu veto. Ressalta ainda outro fato: é que a Doutrina Espírita abala profundamente as massas; que enquanto uns nela veem um fantasma terrível, outros veem o anjo da consolação e da libertação e uma nova era de progresso moral para a Humanidade.
Já que citamos a brochura do Padre Marouzeau, talvez nos perguntem por que ainda não a respondemos, se nos foi dirigida pessoalmente. Seu motivo pôde ser visto em nosso relatório de viagem, a propósito das refutações. Quando tratamos de uma questão, fazemo-lo do ponto de vista geral, abstraindo das pessoas que, aos nossos olhos, não passam de individualidades que se apegam ante as questões de princípios.
Falaremos do Sr. Marouzeau no devido tempo, como de alguns outros, quando examinarmos o conjunto das objeções. Para isto era útil esperar que cada um tivesse falado, grosso ou fino ─ e vimos acima alguns falaram grosso ─ para apreciar a força da oposição. Respostas especiais e individuais teriam sido prematuras e incessantemente repetidas.
A brochura do Sr. Marouzeau era um tiro de fuzil. Pedimos-lhe desculpas por colocá-lo na fila dos simples fuzileiros, mas sua modéstia cristã não ficará ofendida.
Protegido por uma porção de escudos, pareceu-nos conveniente deixar que descarregassem todas as armas, mesmo a artilharia pesada que, como se vê, acaba de entrar, a fim de julgar o seu poderio. Ora, até o presente, não temos que lamentar claros por ela abertos em nossas fileiras. Ao contrário, seus tiros ricochetearam contra ela.
Por outro lado, não era menos útil deixar desenhar-se a situação, e hão de convir que de dois anos para cá, o estado das coisas, longe de piorar, diariamente nos traz novas forças.
Responderemos, pois, quando julgarmos oportuno. Até agora não houve tempo perdido, pois sem isto temos ganho terreno incessantemente, e os próprios adversários se encarregam de facilitar nossa tarefa. Temos apenas que deixá-los agir.
“Tivemos aqui o bispo do Texas, na América, que pregou, terça-feira, 2 de dezembro, à 8 horas da noite, na igreja de Saint-Nizier, perante um auditório de cerca de duas mil pessoas, entre as quais encontrava-se grande número de espíritas. Ah! Ele não parece bem instruído em nossa doutrina. Pode julgar-se por este resumo: ‘Os espíritas não admitem o inferno nem as preces nas igrejas. Eles se fecham em seus quartos e aí oram a Deus, quem sabe que preces!... Só há duas espécies de Espíritos: os perfeitos e os ladrões; os assassinos e os canalhas... Eu venho da América, onde essas infâmias começaram. Ora! Eu vos posso garantir que há dois anos naquele país ninguém mais se ocupa disso. Disseram-me que aqui, nesta cidade de Lyon, tão conhecida por sua piedade, havia muitos espíritas. Isto não pode ser. Não acredito. Estou certo, caros irmãos e caras irmãs, que entre vós não há um só médium nem uma só médium, porque, vede, os Espíritos não admitem casamento nem batismo, e todos os espíritas se separaram de suas esposas etc. etc...’
“Estas poucas frases dão ideia do resto. Que teria dito o orador se soubesse que um quarto da assistência era de espíritas? Quanto à sua eloquência, só uma coisa posso dizer: é que em certos momentos parecia um frenesi; parecia perder o fio das ideias e não sabia o que queria dizer. Se eu não temesse servir-me de uma expressão irreverente, diria que ele chafurdava. Creio realmente que ele era levado por alguns Espíritos a dizer tais absurdos e de tal maneira que, eu vos asseguro, a gente não se apercebia de estar num lugar santo. Então, todo mundo ria. Alguns de seus partidários saíram na frente, para observar o efeito produzido pelo sermão, mas não devem ter ficado muito satisfeitos porque, uma vez lá fora, cada um ria e dizia o que pensava. Vários de seus amigos deploravam os desvios por ele cometidos e compreendiam que não tinha alcançado o objetivo. Com efeito, não poderia proceder melhor para recrutar adeptos, e foi o que aconteceu na sessão posterior. Uma senhora, que se achava ao lado de uma boníssima espírita minha conhecida, disse-lhe: ‘Mas o que é esse Espiritismo e o que são esses médiuns de quem se fala tanto e contra os quais esses senhores estão tão furiosos?’ A coisa lhe foi explicada e ela disse: ‘Oh! Ao chegar em casa, vou adquirir livros e tentar escrever.’
“Posso assegurar-vos que se os espíritas são tão numerosos em Lyon é graças a alguns sermões desse gênero. Lembrai-vos que há três anos, quando aqui contávamos apenas algumas centenas de espíritas, eu vos escrevi, a propósito de uma pregação furibunda contra a doutrina, que teve excelente efeito: ‘Mais alguns sermões como este e em um ano decuplicará o número de adeptos’. Então! Hoje está centuplicado, graças, também, aos ignóbeis e mentirosos ataques de alguns órgãos da imprensa.
“Todo mundo, e até o simples operário que sob suas vestes grosseiras tem mais bom-senso do que se julga, diz que não se ataca com tanta fúria uma coisa que não vale nada. Assim, quiseram ver por si mesmos e, ao reconhecerem a falsidade de certas afirmações, que denotavam ignorância ou malevolência, a crítica ficou desacreditada e, em vez de afastar as pessoas do Espiritismo, deu-lhe partidários.
“Dar-se-á o mesmo, esperamo-lo, com o sermão do bispo do Texas, cuja maior infelicidade foi a de dizer que ‘todos os espíritas estão separados das esposas’, quando temos aqui, aos nossos olhos, numerosos exemplos de casais outrora separados e que o Espiritismo trouxe à união e à concórdia.
“Cada um se diz, naturalmente, que se os adversários do Espiritismo lhe atribuem ensinos e resultados cuja falsidade é demonstrada pelos fatos e pela leitura dos livros, que dizem o contrário, nada prova a verdade daquelas críticas. Creio que se os espíritas lioneses não temessem faltar com o respeito ao bispo do Texas, terlhe-iam mandado uma carta de agradecimentos. Mas o Espiritismo nos torna caridosos, até para com os inimigos”.
Outra carta, de testemunha ocular, contém a seguinte passagem:
“O orador de Saint-Nizier partiu do dado que o Espiritismo já fez sua época nos Estados Unidos e que há dois anos não se fala mais nele. Era, pois, em sua opinião, uma questão de moda. Os fenômenos não tinham consistência e não mereciam ser estudados. Ele tinha procurado ver e nada vira. Contudo, assinalava a nova doutrina como atentatória aos laços de família, à propriedade, à constituição da Sociedade e a denunciava como tal às autoridades competentes.
“Os adversários esperavam um efeito mais chocante e não uma simples negação apresentada de maneira tão ridícula, pois não ignoram o que se passa na cidade, a marcha do progresso e a natureza das manifestações. A questão foi retomada no domingo, dia 14, em Saint-Jean, desta vez tratada um pouco melhor.
“O orador de Saint-Nizier tinha negado os fenômenos. O de Saint-Jean reconheceu-os e afirmou: ‘Ouvem-se batidas nas paredes; no ar, vozes misteriosas; na verdade são Espíritos, mas que Espíritos? Não podem ser bons, pois os bons são dóceis e submissos às ordens de Deus, que proibiu a evocação dos Espíritos. Portanto, os que vêm só podem ser maus.
“Havia umas três mil pessoas em Saint-Jean. Entre essas, pelo menos trezentas irão à descoberta.
“O que por certo contribuirá para fazer refletirem as criaturas honestas ou inteligentes que compunham o auditório, são as singulares afirmações do orador ─ digo singulares por polidez. ─ ‘O Espiritismo’, disse ele, ‘vem destruir a família, aviltar a mulher, pregar o suicídio, o adultério e o aborto, preconizar o comunismo, dissolver a Sociedade.’ Depois convidou os paroquianos que por acaso tivessem livros espíritas, que os trouxessem a esses senhores, a fim de serem queimados, como São Paulo havia feito em Éfeso com obras heréticas.
“Não sei se aqueles senhores encontrarão muitas pessoas bastante zelosas para irem com dinheiro na mão esvaziar nossas livrarias. Alguns espíritas estavam furiosos; a maioria se alegrava, por compreender que era um grande dia.
“Assim, do alto da segunda cátedra da França, acabam de proclamar que os fenômenos são verdadeiros. Toda a questão, pois, se reduz a saber se são bons ou maus Espíritos e se só aos maus Deus permite que venham”.
O orador do Saint-Jean afirma que só podem ser os maus. Este outro modificou um pouco a solução.
Escrevem-nos de Angoulême que quinta-feira, 5 de dezembro último, um pregador assim se exprimia em seu sermão: “Nós todos sabíamos que se podiam evocar os Espíritos, e isto desde muito tempo, mas só a Igreja deve fazê-lo. Aos outros homens não é permitido tentar corresponder-se com eles por meios físicos. Para mim é uma heresia.” O efeito produzido foi inteiramente contrário ao esperado.
Assim, é evidente que os bons e maus podem comunicar-se, porque se só os maus tivessem tal poder, não é provável que a Igreja se reservasse o privilégio de chamá-los.
Duvidamos que dois sermões pregados em Bordeaux, no mês de outubro último, tenham servido melhor à causa dos nossos antagonistas. Eis a sua análise, feita por um ouvinte. Os espíritas poderão ver se, sob esse disfarce, reconhecem a sua doutrina e se os argumentos que lhes opõem são de molde a lhes abalar a fé. Quanto a nós, repetimos o que já dissemos alhures: Enquanto não atacarem o Espiritismo com melhores armas, ele nada deverá temer.
“Lamentarei sempre, diz o narrador, não ter ouvido o primeiro desses sermões, na Capela Margaux, a 15 de outubro último, se estou bem informado. Conforme me disseram testemunhas fidedignas, a tese desenvolvida foi a seguinte: ‘Os Espíritos podem comunicar-se com os homens. Os bons só se comunicam na Igreja. Todos quantos se manifestam fora da Igreja são maus, porque fora da Igreja não há salvação. ─ Os médiuns são infelizes que fizeram pacto com o diabo e dele obtêm, ao preço de sua alma, que para ele venderam, manifestações de toda sorte, fossem elas extraordinárias, para não dizer miraculosas.’
“Passo em silêncio outras citações ainda mais estranhas. Não as tendo ouvido diretamente, temo que hajam exagerado.
“No domingo seguinte, 19 de outubro, tive a sorte de ouvir o seguinte sermão. Procurei saber o nome do pregador e me responderam que era o Padre Lapeyre, da Companhia de Jesus.
“O Padre Lapeyre faz a crítica de O Livro dos Espíritos e, por certo, era necessária enorme dose de boa vontade para reconhecer essa obra admirável nas teorias desprovidas de bom-senso que o pregador pretendia ali ter achado. Limitarme-ei a assinalar os pontos que mais me chocaram, preferindo ficar abaixo da verdade do que atribuir ao nosso adversário o que ele não teria dito ou eu teria mal compreendido.
“Segundo o Padre Lapeyre, ‘O Livro dos Espíritos prega o comunismo; a partilha dos bens; o divórcio; a igualdade entre todos os homens, e sobretudo entre o homem e a mulher; a igualdade entre o homem e seu Deus, porque o homem, levado por esse orgulho que perdeu os anjos não aspira a nada menos que tornar-se semelhante a Jesus Cristo. Ele arrasta os homens ao materialismo e aos prazeres sensuais, porque o trabalho de aperfeiçoamento pode fazer-se sem o concurso de Deus, malgrado seu, por efeito dessa força que quer que tudo se aperfeiçoe gradualmente, e preconiza a metempsicose, essa loucura dos Antigos, etc.’
“Passando, a seguir, à rapidez com que se propagam as ideias novas, ele constata com horror quanto é hábil e astuto o diabo, que as ditou; quanto soube elaborá-las com arte, de modo a fazê-las vibrar com força nos corações pervertidos dos filhos deste século de incredulidade e heresias. Então exclama: ‘Este século ama tanto à liberdade! e vêm lhe oferecer o livre exame, o livre-arbítrio, a liberdade de consciência! Este século ama tanto a igualdade! e lhe mostram o homem à altura de Deus! Ama tanto a luz! e de uma penada rasga-se o véu que ocultava os santos mistérios’.
“Depois, ele ataca a questão das penas eternas, e sobre esse assunto palpitante de emoções, teve magníficas tiradas oratórias: ‘Acreditaríeis, meus caros irmãos; acreditaríeis até onde chegou a impudência desses filósofos novos, que pensam fazer desmoronar, ao peso dos sofismas, a santa religião do Cristo! Oh! os infelizes! dizem que não há inferno! não há purgatório! Para eles não mais relações benditas que ligam os vivos às almas daqueles que perderam! Não mais o santo sacrifício da missa! E por que a celebrariam? Essas almas não se purificarão por si mesmas e sem nenhum trabalho, pela eficácia dessa força irresistível que incessantemente as atrai para a perfeição? E sabeis quais são as autoridades que vêm proclamar essas doutrinas ímpias, marcadas na fronte pelo sinal indelével desse inferno que queriam aniquilar? Ah! meus irmãos! São as mais sólidas colunas da Igreja: São Paulo, Santo Agostinho, São Lucas, São Vicente de Paulo, Bossuet, Fénelon, Lamennais, e todos esses homens de elite, santos homens que, durante a vida, combateram pelo estabelecimento das verdades inamolgáveis sobre as quais a Igreja construiu seus alicerces, e que hoje vêm declarar que seus Espíritos, desprendidos da matéria, estando mais clarividentes, se aperceberam que suas opiniões estavam erradas, e que se deve crer no contrário.’
“Passando depois à questão que o autor da Carta de um Católico dirige a um Espírito para saber se, praticando o Espiritismo, ele é herético, o pregador acrescenta: ‘Eis a resposta, meus irmãos. Ela é curiosa, e o que é mais curioso, o que mostra de maneira mais evidente que o diabo, a despeito de sua astúcia e habilidade, deixa sempre aparecerem as suas unhas, é o nome do Espírito que deu essa resposta. Eu vo-lo direi daqui há pouco.’
“Segue a citação dessa resposta, que termina assim: ‘Estás de acordo com a Igreja em todas as verdades que te fortalecem no bem, que aumentam em tua alma o amor a Deus e o devotamento aos teus irmãos? Sim; pois bem: tu és católico.’ E acrescenta: ‘Assinado... Zenon!... Zenon! Um filósofo grego, um pagão, um idólatra que do fundo do inferno onde se queima há vinte séculos vem nos dizer que se pode ser católico e não crer nesse inferno que o tortura e que espera a todos os que, como ele, não morrerem humildes e submissos no seio da santa Igreja... Mas, insensatos e cegos que sois! Com toda a vossa filosofia, não tereis senão esta prova, esta única prova que a doutrina que proclamais emana do demônio, que será mil vezes suficiente!’
“Depois de longos rodeios sobre esta questão e sobre o privilégio exclusivo da Igreja de expulsar os demônios, acrescenta:
“‘Pobres insensatos que vos divertis em falar com os Espíritos e pretendeis sobre eles exercer qualquer influência! Não temeis que, como aquele de que fala São Lucas, esses Espíritos batedores e turbulentos ─ e eles são bem classificados, meus irmãos ─ não vos perguntem também: E vós quem sois? Quem sois para virdes perturbar-nos? Credes impunemente submeter-nos aos vossos caprichos sacrílegos? E que, tomando as cadeiras e as mesas que fazeis girar, não se apoderem de vós, como se apoderaram do filho de Sceva, e não vos maltratem a tal ponto que sejais forçados a fugir, nus e feridos, e reconhecendo demasiadamente tarde toda a abominação que há em brincar com os mortos?
“‘Diante desses fatos tão patentes e que falam tão alto, que nos resta fazer? Que temos a dizer? Ah! meus caros irmãos! Guardai-vos cuidadosamente do contágio. Repeli com horror todas as tentativas que os maus não cessarão de fazer para vos arrastar com eles ao abismo. Mas, ah! Já é muito tarde para fazer tais recomendações. O mal já fez rápidos progressos. Esses livros infames, ditados pelo príncipe das trevas, a fim de atrair para o seu reino uma multidão de pobres ignorantes, de tal modo se espalharam que se, como outrora em Éfeso, se estimasse o preço dos que circulam em Bordeaux, tenho certeza que ultrapassaria a soma de cinquenta mil denários de prata (170.000 francos, em nossa moeda - repetição da citação feita em outra parte do sermão). E eu não ficaria admirado se entre os numerosos fiéis que me escutam não haja alguns que já foram arrastados à sua leitura. A estes só podemos dizer: Depressa! Aproximai-vos do tribunal das penitências. Depressa! Vinde abrir os vossos corações aos guias espirituais. Cheios de doçura e bondade e seguindo em todos os pontos o magnífico exemplo de São Paulo, apressar-nos-emos a vos dar a absolvição. Mas, como ele, não vo-la daremos senão com a condição expressa de nos trazerdes esses livros de magia que quase vos perderam. E que faremos desses livros, caros irmãos? Sim, o que faremos? Como São Paulo, faremos uma montanha em praça pública e nós mesmos meteremos fogo!’
Faremos apenas uma ligeira observação sobre esse sermão: é que o autor se engana quanto à data e que talvez, novo Epimênides, ele dormiu desde o século quatorze.
Outro fato que se destaca é o rápido desenvolvimento do Espiritismo. Os adversários de uma outra escola também o constatam com desespero, tão grande é o amor que têm pela razão humana.
Lê-se no Moniteur de Moselle, de 7 de novembro de 1862: “O Espiritismo faz perigoso progresso. Invade a alta, a média e a baixa sociedade. Magistrados, médicos, gente séria, também caem nessa esparrela.” Nós achamos esta asserção repetida na maior parte das críticas atuais. É que em presença de um fato tão patente, era preciso vir do fundo do Texas para entrar num auditório onde se acham mais de mil espíritas que há dois anos não mais se ocupam de Espiritismo. Então, por que tanta cólera se o Espiritismo está morto e enterrado? Ao menos o Padre Lepeyre não tem ilusões. Seu horror até exagera a extensão desse pretenso mal, pois avalia numa soma fabulosa o valor dos livros espíritas espalhados só em Bordeaux. Em todo caso, é reconhecer um grande poder à ideia. Seja como for, em presença de todas essas afirmações, ninguém nos taxará de exagero quando falarmos do rápido progresso da doutrina. Que uns o atribuam ao poder do diabo, lutando com vantagem contra Deus, os outros a um acesso de loucura que invade todas as classes sociais, de tal modo que o círculo da gente de juízo vai se estreitando a tal ponto que em breve só haverá lugar para muito poucos; que uns e outros deplorem este estado de coisas, cada um do seu ponto de vista e se perguntem: “Para onde vamos, grande Deus?” É o seu direito. Disso resulta o fato que o Espiritismo vence todas as barreiras que lhe opõem. Assim, se é uma loucura, em breve só haverá loucos na Terra. O provérbio é conhecido. Se for obra do diabo, em breve só haverá danados, e se os que falam em nome de Deus não podem detê-lo, é que o diabo é mais forte do que Deus. Os espíritas são mais respeitosos para com a Divindade. Eles não admitem que haja um ser capaz de lutar com Deus em igualdade de condições, e sobretudo vencê-lo. Do contrário, os papéis estariam invertidos e o diabo tornar-se-ia o verdadeiro senhor do Universo.
Dizem os espíritas que sendo Deus soberano sem partilha, nada acontece no mundo sem sua permissão. Assim, se o Espiritismo se espalha com a rapidez do raio, façam o que fizerem para detê-lo, há que ver nisso um efeito da vontade de Deus. Ora, sendo Deus soberanamente justo e bom, ele não pode querer a perda de suas criaturas, nem permitir que sejam tentadas, com a certeza, em virtude de sua presciência, de que elas sucumbirão, para precipitá-las nos tormentos eternos.
Hoje, o dilema está posto. Ele está submetido à consciência de todos, e o futuro se encarrega da conclusão.
Se fazemos estas citações, é para mostrar a que argumentos estão reduzidos os adversários do Espiritismo para atacá-lo. Com efeito, é preciso estar mui carente de boas razões para recorrer a uma calúnia como a que o representa pregando a desunião da família, o adultério, o aborto, o comunismo, a derrubada da ordem social.
Temos necessidade de refutar estas asserções? Não. Basta remeter ao estudo da doutrina, à leitura do que ela ensina, que é o que se faz em toda a parte.
Quem poderá crer que pregamos o comunismo depois das instruções dadas arespeito no discurso publicado in extenso no relatório de nossa viagem em 1862? Quem poderá ver um excitamento à anarquia nas seguintes palavras, na mesma brochura, página 58: “Em todo caso, os espíritas devem ser os primeiros a dar exemplo de submissão às leis, no caso de serem convocados.”
Propor tais coisas numa região distante, onde o Espiritismo fosse desconhecido, onde não houvesse qualquer meio de controle, poderia produzir algum efeito. Mas afirmá-las do alto da cátedra da verdade, em meio a uma população espírita que aí dá incessantemente um desmentido por seus ensinos e seu exemplo, é inabilidade, e não se pode deixar de dizer que é necessário estar tomado por singular vertigem para iludir-se a tal ponto e não compreender que assim falando serve à causa do Espiritismo.
Seria erro, contudo, pensar seja esta a opinião de todos os membros do clero. Ao contrário, há muitos padres que não a esposam, e conhecemos muitos que deploram tais desvios, mais prejudiciais à religião que à Doutrina Espírita. São, pois, opiniões individuais, que não podem fazer lei, e o que prova que são apreciações pessoais é a contradição entre elas existente. Assim, ao passo que um declara que todos os Espíritos que se manifestam são necessariamente maus, pois desobedecem a Deus, comunicando-se, outro reconhece que há bons e maus, mas que só os bons vão à Igreja, e os maus, ao vulgo.
Um acusa o Espiritismo de aviltar a mulher, outro o censura por elevá-la ao nível dos direitos do homem. Um pretende que ele “arrasta os homens ao materialismo e aos prazeres sensuais” e outro, o Sr. Cura de Marouzeau, reconheceu que ele destrói o materialismo.
Em sua brochura, assim se exprime o Padre Marouzeau: “Na verdade, segundo os partidários das comunicações de além-túmulo, seria intenção deliberada do clero combater o Espiritismo a qualquer preço. Por que, então, supor que o clero tenha tão pouca inteligência e bom-senso e uma mente estúpida? Por que acreditar que a Igreja, que em todos os tempos deu tantas provas de prudência, de sabedoria e de alta inteligência para discernir o verdadeiro do falso, seria hoje incapaz de compreender o interesse de seus filhos? Por que condená-la sem ouvi-la? Se ela se recusa a reconhecer a vossa bandeira, é que a vossa bandeira não é a dela; ela tem cores que lhe são essencialmente hostis; é que, ao lado do bem que fazeis combatendo o horrível materialismo, ela vê um perigo real para as almas e para a Sociedade.” E, noutra passagem: “Concluamos de tudo isto que o Espiritismo deve limitar-se a combater o materialismo, a dar ao homem provas palpáveis de sua imortalidade por meio de manifestações de além-túmulo bem constatadas.”
De tudo isto ressalta um fato capital: é que todos esses senhores estão de acordo sobre a realidade das manifestações. Apenas cada um as aprecia a seu modo. Com efeito, negá-las seria negar a verdade das Escrituras, e os próprios fatos sobre os quais se apoia a maioria dos dogmas. Quanto à maneira de encarar a coisa, desde já, é possível constatar em que sentido se faz a unidade e se pronuncia a opinião pública, que também tem o seu veto. Ressalta ainda outro fato: é que a Doutrina Espírita abala profundamente as massas; que enquanto uns nela veem um fantasma terrível, outros veem o anjo da consolação e da libertação e uma nova era de progresso moral para a Humanidade.
Já que citamos a brochura do Padre Marouzeau, talvez nos perguntem por que ainda não a respondemos, se nos foi dirigida pessoalmente. Seu motivo pôde ser visto em nosso relatório de viagem, a propósito das refutações. Quando tratamos de uma questão, fazemo-lo do ponto de vista geral, abstraindo das pessoas que, aos nossos olhos, não passam de individualidades que se apegam ante as questões de princípios.
Falaremos do Sr. Marouzeau no devido tempo, como de alguns outros, quando examinarmos o conjunto das objeções. Para isto era útil esperar que cada um tivesse falado, grosso ou fino ─ e vimos acima alguns falaram grosso ─ para apreciar a força da oposição. Respostas especiais e individuais teriam sido prematuras e incessantemente repetidas.
A brochura do Sr. Marouzeau era um tiro de fuzil. Pedimos-lhe desculpas por colocá-lo na fila dos simples fuzileiros, mas sua modéstia cristã não ficará ofendida.
Protegido por uma porção de escudos, pareceu-nos conveniente deixar que descarregassem todas as armas, mesmo a artilharia pesada que, como se vê, acaba de entrar, a fim de julgar o seu poderio. Ora, até o presente, não temos que lamentar claros por ela abertos em nossas fileiras. Ao contrário, seus tiros ricochetearam contra ela.
Por outro lado, não era menos útil deixar desenhar-se a situação, e hão de convir que de dois anos para cá, o estado das coisas, longe de piorar, diariamente nos traz novas forças.
Responderemos, pois, quando julgarmos oportuno. Até agora não houve tempo perdido, pois sem isto temos ganho terreno incessantemente, e os próprios adversários se encarregam de facilitar nossa tarefa. Temos apenas que deixá-los agir.
A loucura Espírita - Resposta ao Sr. Burlet, de Lyon - Ciências
O folhetim da Presse de 8 de janeiro de 1863 traz o artigo seguinte, tirado do Salut Public de Lyon, e que o Gironde, de Bordeaux, apressou-se em reproduzir, crendo lavrar um tento contra o Espiritismo:
CIÊNCIAS
“O Sr. Philibert Burlet, interno dos hospitais de Lyon, leu recentemente na Sociedade de Ciências Médicas desta cidade um interessante trabalho sobre o Espiritismo considerado como causa de alienação mental. Em face da epidemia que pesa no momento sobre a sociedade francesa, não será desprovido de utilidade assinalar os fatos contidos na memória do Sr. Burlet.
“O autor descreve com cuidado seis casos de loucura, dita aguda, por ele observados no hospital de Antiquaille, e nos quais, sem dificuldade, se constata a relação direta entre a alienação mental e as práticas espíritas. Por seu lado, diz ele, o Dr. Carrier teve ocasião, há pouco tempo, de tratar e ver curadas, em seu serviço, três mulheres que o Espiritismo havia enlouquecido. Aliás, não há um só médico que trata especificamente de alienação mental que não tenha observado casos análogos, em maior ou menor número, sem falar, é claro, das perturbações intelectuais ou afetivas que, sem chegar ao ponto a que se convencionou chamar de loucura, não deixam de alterar a razão e tornar desagradável e bizarro o comportamento dos que a apresentam.
“Essa influência da pretensa Doutrina Espírita está hoje bem demonstrada pela Ciência. As observações que o estabelecem contam-se aos milhares. Diz o Sr. Burlet que ‘Se nas outras partes da França, os casos de loucura causados pela doutrina dos médiuns forem tão frequentes quanto no departamento que habitamos ─ e não há motivos para que assim não seja ─ parece-nos fora de dúvida que o Espiritismo pode tomar lugar na linha das causas mais fecundas de alienação mental.’
“Terminando, o autor exorta os pais e mães de família, os chefes de oficinas etc. a ficarem atentos para que seus filhos e empregados não vão nunca ‘a essas reuniões espíritas chamadas grupos, nas quais o perigo para a razão não é o único a temer’.
“É, pois, de incontestável utilidade dar publicidade aos fatos deste gênero, colhidos conscienciosamente, como os do interno dos hospitais de Lyon. Não que haja a menor chance para agir sobre indivíduos já afetados pela epidemia. O caráter de sua loucura é precisamente a forte convicção de serem os únicos detentores da verdade. Em sua humildade, julgam-se com o dom de comunicar-se com os Espíritos, e consideram orgulhosa a Ciência que ousa duvidar de seu poder. Vítimas da alucinação que os empolga, admitida a sua premissa, raciocinam a seguir com uma lógica inatacável, que não faz senão fortalecê-los na aberração. Mas, pode-se conservar a esperança de agir sobre as inteligências ainda sãs que seriam tentadas a se exporem às seduções do Espiritismo, assinalando-lhes o perigo, e assim garanti-las contra esse perigo.
“É bom saber que as práticas espíritas e a convivência com os médiuns ─ que são verdadeiros alucinados — é necessariamente prejudicial para a razão. Só os caracteres fortemente temperados podem resistir. Os outros aí sempre deixam uma parte, maior ou menor, do seu bom-senso.”
A. SANSON
“O autor descreve com cuidado seis casos de loucura, dita aguda, por ele observados no hospital de Antiquaille, e nos quais, sem dificuldade, se constata a relação direta entre a alienação mental e as práticas espíritas. Por seu lado, diz ele, o Dr. Carrier teve ocasião, há pouco tempo, de tratar e ver curadas, em seu serviço, três mulheres que o Espiritismo havia enlouquecido. Aliás, não há um só médico que trata especificamente de alienação mental que não tenha observado casos análogos, em maior ou menor número, sem falar, é claro, das perturbações intelectuais ou afetivas que, sem chegar ao ponto a que se convencionou chamar de loucura, não deixam de alterar a razão e tornar desagradável e bizarro o comportamento dos que a apresentam.
“Essa influência da pretensa Doutrina Espírita está hoje bem demonstrada pela Ciência. As observações que o estabelecem contam-se aos milhares. Diz o Sr. Burlet que ‘Se nas outras partes da França, os casos de loucura causados pela doutrina dos médiuns forem tão frequentes quanto no departamento que habitamos ─ e não há motivos para que assim não seja ─ parece-nos fora de dúvida que o Espiritismo pode tomar lugar na linha das causas mais fecundas de alienação mental.’
“Terminando, o autor exorta os pais e mães de família, os chefes de oficinas etc. a ficarem atentos para que seus filhos e empregados não vão nunca ‘a essas reuniões espíritas chamadas grupos, nas quais o perigo para a razão não é o único a temer’.
“É, pois, de incontestável utilidade dar publicidade aos fatos deste gênero, colhidos conscienciosamente, como os do interno dos hospitais de Lyon. Não que haja a menor chance para agir sobre indivíduos já afetados pela epidemia. O caráter de sua loucura é precisamente a forte convicção de serem os únicos detentores da verdade. Em sua humildade, julgam-se com o dom de comunicar-se com os Espíritos, e consideram orgulhosa a Ciência que ousa duvidar de seu poder. Vítimas da alucinação que os empolga, admitida a sua premissa, raciocinam a seguir com uma lógica inatacável, que não faz senão fortalecê-los na aberração. Mas, pode-se conservar a esperança de agir sobre as inteligências ainda sãs que seriam tentadas a se exporem às seduções do Espiritismo, assinalando-lhes o perigo, e assim garanti-las contra esse perigo.
“É bom saber que as práticas espíritas e a convivência com os médiuns ─ que são verdadeiros alucinados — é necessariamente prejudicial para a razão. Só os caracteres fortemente temperados podem resistir. Os outros aí sempre deixam uma parte, maior ou menor, do seu bom-senso.”
A. SANSON
Este artigo pode fazer o contrapeso dos sermões relatados no artigo precedente. Pode-se ver, se não uma unidade de origem, ao menos uma intenção idêntica: a de levantar a opinião contra o Espiritismo, por meios onde transparece a boa-fé ou a ignorância das coisas.
Note-se a gradação que tiveram os ataques, a partir do famoso e desajeitado artigo da Gazette de Lyon (Vide Revista Espírita de outubro de 1860). Então não passava de chã zombaria, pelas quais os operários daquela cidade eram achincalhados, ridicularizados, e seus teares comparados a forcas. Não era, realmente, prova de deselegância lançar o desprezo sobre os trabalhadores e sobre os instrumentos que fazem a prosperidade de uma cidade como Lyon?
Desde então, a agressão toma outro caráter. Vendo a impotência do ridículo, e não podendo impedir-se de constatar o terreno que diariamente ganham as ideias espíritas, ela o retoma num tom mais lamentável. É em nome da Humanidade, em face da epidemia que pesa no momento sobre a sociedade francesa, que ela vem assinalar os perigos dessa pretensa doutrina que torna desagradável e bizarro o relacionamento daqueles que a professam, referência pouco lisonjeira para as senhoras de todas as classes, inclusive para as princesas que acreditam nos Espíritos.
Parece-nos, entretanto, que as pessoas violentas e irascíveis tornadas mansas e boas pelo Espiritismo não constituem prova de um caráter muito mau e são menos desagradáveis do que antes, e que entre os não espíritas só se encontram criaturas amáveis e benevolentes. Posto se encontrem muitas famílias onde o Espiritismo restabeleceu a paz e a união, é em nome de seu interesse que se intimam os operários a não irem a “essas reuniões chamadas grupos, onde podem perder a razão e outras coisas”, sem dúvida achando que as conservariam melhor indo ao cabaré do que ficando em casa.
Não tendo êxito com o motejo, eis que agora os adversários chamam a Ciência em seu apoio, não mais a ciência trocista, representada pelo músculo que range, do Sr. Jobert, de Lamballe (Vide Revista Espírita de junho de 1859), mas a Ciência séria, condenando o Espiritismo tão gravemente quanto outrora condenou a aplicação do vapor à marinha, e tantas outras utopias que mais tarde teve a fraqueza de aceitar como verdades.
E qual o seu representante em tão grave questão? É o Instituto de França? Não. É o Sr. Philibert Burlet, interno dos hospitais de Lyon, isto é, estudante de medicina, que forja as primeiras armas lançando uma memória contra o Espiritismo. Ele falou, e em seu nome e em nome do Sr. Sanson, da Presse, que a Ciência deu a sua sentença, sentença que provavelmente também não será mais inapelável que a dos doutores que condenaram a teoria de Harvey sobre a circulação do sangue, e que lançaram contra o seu autor “libelos e diatribes mais ou menos virulentos e grosseiros”. (Dictionnaire des Origines). Seja dito, entre parênteses, que um trabalho curioso seria uma monografia dos erros dos cientistas.
Diz o Sr. Burlet ter observado seis casos de loucura aguda produzida pelo Espiritismo, mas como é pouco para uma população de 300.000 almas, das quais pelo menos a décima parte é espírita, tem ele o cuidado de acrescentar “que se contariam por milhares se nas outras partes da França os casos de loucura causados pela doutrina dos médiuns fossem tão frequentes quanto no departamento que habitamos, e não há motivos para que assim não seja.”
Com o sistema de suposições vai-se muito longe, como se vê. Ora! Vamos mais longe que ele, e diremos, não por hipótese, mas por afirmação que, num tempo dado, só se encontrarão loucos entre os espíritas. Com efeito, a loucura é uma das enfermidades da espécie humana. Mil causas acidentais podem produzi-la, e a prova é que havia loucos antes que se falasse de Espiritismo, e que nem todos os loucos são espíritas, o Sr. Burlet há de concordar. Em todos os tempos houve loucos, e os haverá sempre. Então, se todos os habitantes de Lyon fossem espíritas, só se encontrariam loucos entre os espíritas, do mesmo modo que numa região inteiramente católica só haverá loucos entre os católicos. Observando a marcha da doutrina de uns anos para cá, até certo ponto poder-se-ia prever o tempo necessário para isto. Mas falemos só do presente.
Os loucos falam do que os preocupa. É bem certo que aquele que jamais tivesse ouvido falar de Espiritismo, dele não falaria, ao passo que, caso contrário, dele falará, assim como falaria de religião, de amor etc. Seja qual for a causa da loucura, o número de loucos falando de Espíritos aumentará naturalmente com o número de adeptos. A questão é saber se o Espiritismo é uma causa eficiente de loucura. O Sr. Burlet o afirma do alto de sua autoridade de interno, dizendo que “Essa influência é hoje bem demonstrada pela Ciência”. Daí, inflamado, apela aos rigores da autoridade, como se uma autoridade qualquer pudesse impedir o curso de uma ideia, e sem pensar que as ideias jamais se propagam melhor do que sob o império da perseguição. Toma ele sua opinião e a dos que pensam como ele por decretos da Ciência? Ele parece ignorar que o Espiritismo conta em suas fileiras grande número de médicos ilustres; que muitos dos grupos e sociedades são presididos por médicos que, também eles, são homens de ciência, e que chegam a conclusões contrárias às suas. Quem tem razão: ele ou os outros? Neste conflito entre a afirmação e a negação, quem pronunciará o veredito final? O tempo, a opinião, a consciência da maioria e a própria Ciência, que se renderá à evidência, como já o fez em outras circunstâncias.
Diremos ao Sr. Burlet que é contra os mais simples preceitos da lógica deduzir uma consequência geral de alguns fatos isolados, a que outros fatos podem dar um desmentido. Para apoiar vossa tese, seria preciso um trabalho diverso do vosso. Dissestes haver observado seis casos. Creio em vossa palavra, mas, o que é que isso prova? Se tivésseis observado o dobro ou o triplo não provaríeis mais, se o total dos loucos não passou da média. Suponhamos a média de 1.000, para usar um número redondo. Sendo sempre as mesmas as causas habituais da loucura, se o Espiritismo pode provocá-la, é mais uma causa que, somada às outras, deve aumentar a cifra da média. Se desde a introdução das ideias espíritas a média de 1.000 tivesse subido para 1.200, por exemplo, e a diferença fosse precisamente a dos casos de loucura espírita, a questão mudaria de figura. Mas enquanto não for provado que sob a influência do Espiritismo a média dos alienados aumentou, a amostragem feita de alguns casos isolados nada prova senão a intenção de lançar o descrédito sobre as ideias espíritas e de apavorar a opinião.
No estado atual das coisas, resta mesmo conhecer o valor dos casos isolados que se nos apresentam, e saber se todo alienado que fala dos Espíritos deve sua loucura ao Espiritismo, para o que seria necessário um juiz imparcial e desinteressado. Suponhamos que o Sr. Burlet fique louco, o que pode acontecer-lhe, como a qualquer outro, - e, quem sabe, talvez mais do que a um outro, - haveria algo de admirável que, preocupado com a ideia que combateu, dela falasse em sua demência? Deveria daí concluir-se que foi a crença nos Espíritos que o enlouqueceu?
Poderíamos citar vários casos, dos quais fazem muito alarido, e nos quais ficou provado que as pessoas se tinham ocupado pouco ou nada do Espiritismo, ou que tinham tido ataques de loucura bem caracterizados muito anteriores.
A isto devem juntar-se os casos de obsessão e subjugação, que são confundidos com a loucura e tratados como tal, com grande prejuízo para a saúde das pessoas afetadas, como explicamos em nossos artigos sobre Morzine. À primeira vista, são estes os únicos que poderiam ser atribuídos ao Espiritismo, posto esteja provado que se encontram em grande número de pessoas estranhas a ele e que, pela ignorância da causa, são erroneamente tratados.
É verdadeiramente curioso ver certos adversários que não creem nos Espíritos nem em suas manifestações pretenderem que o Espiritismo seja uma causa de loucura. Se os Espíritos não existem ou se não podem comunicar-se com os homens, todas essas crenças são quimeras que nada têm de real. Perguntamos, então, como o nada pode produzir alguma coisa?
É a ideia, dirão eles; essa ideia é falsa; ora, todo homem que professa uma ideia falsa desarrazoa. Que ideia é essa, tão funesta à razão? Ei-la: Temos uma alma que vive após a morte do corpo. Essa alma conserva as afeições da vida terrena e pode comunicar-se com os vivos. Segundo eles, é melhor acreditar no nada após a morte, ou então, o que dá no mesmo, que a alma, perdendo a sua individualidade, se confunde no todo universal, como as gotas de água no oceano. De fato, com esta última ideia não há mais necessidade de nos inquietarmos com a sorte do próximo e que só temos que pensar em nós, bem beber, bem comer nesta vida, tudo em proveito do egoísmo.
Se a crença contrária é uma causa de loucura, por que existem tantos loucos entre as pessoas que em nada creem? Direis que esta causa não é a única. De acordo. Mas então, por que quereríeis que essas causas não pudessem ferir um espírita como a qualquer outro? E por que pretenderíeis tornar o Espiritismo responsável por uma febre alta ou uma insolação?
Apelais à autoridade para tomar medidas contra as ideias espíritas porque, em vossa opinião, elas desorganizam o cérebro. Mas por que não chamais a vigilância da autoridade contra as outras causas? Na vossa solicitude pela razão humana, da qual vos supondes o protótipo, fizestes a estatística dos inumeráveis casos de loucura produzidos pelo desespero do amor? Por que não apelais à autoridade para proscrever o sentimento amoroso?
Está comprovado que todas as revoluções são marcadas por uma recrudescência notável nas afecções mentais. Eis aí uma causa eficiente bem manifesta, pois aumenta a cifra da média. Por que não aconselhais os governos a interditarem as revoluções como coisa malsã?
Considerando-se que o Sr. Burlet fez o relato enorme de seis casos de loucura dita espírita, numa população de 300.000 almas, aconselhamos os médicos espíritas a fazerem o mesmo com todos os casos de loucura, de epilepsia e outras afecções causadas pelo medo do diabo, pelo terrível quadro das torturas do inferno e pelo ascetismo das reclusões claustrais.
Longe de admitir o Espiritismo como uma causa de aumento da loucura, dizemos que ele é uma causa atenuante, que deve diminuir o número dos casos produzidos pelas causas ordinárias. Com efeito, entre essas causas, devem ser colocados em primeira linha os desgostos de toda natureza, as decepções, as afeições contrariadas, os revezes da fortuna, as ambições frustradas. O efeito dessas causas está na razão da impressionabilidade do indivíduo. Se tivéssemos um meio de atenuar essa impressionabilidade, este seria, sem dúvida, o melhor preservativo. Ora! Esse meio está no Espiritismo, que amortece o contra-golpe moral; que faz suportar com resignação as vicissitudes da vida. Alguém que se teria suicidado por um revés, adquire na crença espírita uma força moral que o leva a receber o mal com paciência. Não só não se matará, mas, em presença da maior adversidade, conservará a razão fria, porque tem uma fé inalterável no futuro.
Dar-lhe-eis essa calma com a perspectiva do nada? Não, pois ele não entrevê nenhuma compensação, e se não tiver o que comer, poderá comer-vos. A fome é terrível conselheira para quem acredita que tudo acaba com a vida. Ora! O Espiritismo faz suportar a fome, porque faz ver, compreender e esperar a vida que sucede à morte do corpo. Eis a sua loucura.
A maneira pela qual o verdadeiro espírita encara as coisas deste mundo e do outro, leva-o a domar em si as mais violentas paixões, mesmo a cólera e a vingança.
Depois do artigo insultuoso da Gazette de Lyon, relembrado pouco acima, um grupo de cerca de uma dúzia de operários nos disse: “Se não fôssemos espíritas iríamos dar uma surra no autor, para lhe ensinar a viver, e se estivéssemos em revolução incendiaríamos a redação de seu jornal. Mas somos espíritas. Nós o lastimamos e pedimos a Deus que o perdoe.”
Que dizeis desta loucura, Sr. Burlet? Num caso semelhante, o que teríeis preferido: tratar com loucos dessa espécie ou com homens que nada temem? Pensai que hoje os há mais de vinte mil em Lyon. Pretendeis servir aos interesses da Humanidade e não compreendeis os vossos! Pedi a Deus para que um dia não tenhais que lamentar não sejam todos os homens espíritas. É para isto que vós e os vossos trabalhais com todas as forças. Semeando a incredulidade, minais os fundamentos da ordem social; estimulais a anarquia, as reações sangrentas.
Nós trabalhamos para dar a fé aos que em nada creem; para espalhar uma crença que torna os homens melhores uns para com os outros; que lhes ensina a perdoar aos inimigos; a se olharem como irmãos, sem distinção de raça, casta, seita, cor, opinião política ou religiosa, uma crença que, numa palavra, faz nascer o verdadeiro sentimento da caridade, da fraternidade e dos deveres sociais.
Perguntai a todos os chefes militares que têm subordinados espíritas sob suas ordens, quais eles conduzem com mais facilidade, que melhor observam a disciplina sem emprego do rigor.
Perguntai aos magistrados, aos agentes da autoridade que têm auxiliares espíritas nas camadas inferiores da Sociedade, quais são os mais ordeiros e tranquilos; sobre os quais menos se exerce a lei; onde há menos tumulto a apaziguar e desordens a reprimir.
Numa cidade do sul, dizia-nos um comissário de polícia: “Desde que o Espiritismo se espalhou em minha circunscrição, tenho dez vezes menos casos do que antes”.
Perguntai, enfim, aos médicos espíritas quais os doentes em que encontram menos afecções causadas pelos excessos de todo o gênero. Eis uma estatística que me parece um pouco mais concludente que os vossos seis casos de alienação mental. Se tais resultados são uma loucura, tenho a glória de propagá-la.
Onde foram colhidos tais resultados? Nos livros que alguns queriam lançar à fogueira. Nos grupos dos quais recomendais aos operários que fujam. Que é o que se vê nesses grupos, que pintais como o túmulo da razão? Homens, senhoras, crianças que escutam com recolhimento uma suave e consoladora moral, em vez de ir ao cabaré perder seu dinheiro e sua saúde ou fazer barulho em praça pública; que de lá saem com o amor aos semelhantes no coração, em vez de ódio e vingança.
Eis uma singular confissão feita pelo autor do artigo precitado: “Vítimas da alucinação que os empolga, admitida a sua premissa, raciocinam a seguir com uma lógica inatacável, que não faz senão fortalecê-los na aberração.” Singular loucura, na verdade, essa que raciocina com uma lógica irreprochável!
Ora, qual é essa premissa? Nós o dissemos há pouco: A alma sobrevive ao corpo, conserva a sua individualidade e suas afeições, e pode comunicar-se com os vivos. O que pode provar a verdade de uma premissa, senão a lógica irreprochável das deduções? Quem diz irreprochável, diz inatacável, irrefutável. Assim, se as deduções de uma premissa são inatacáveis, é que satisfazem a tudo, e que nada se lhes pode opor. Assim, se essas deduções são verdadeiras, é que a premissa é verdadeira, pois a verdade não pode ter o erro por princípio.
De um princípio falso, sem dúvida podem deduzir-se consequências aparentemente lógicas, mas será uma lógica aparente, isto é, sofismas e não uma lógica irreprochável, pois deixará sempre uma porta aberta à refutação. A verdadeira lógica é a que satisfaz plenamente à razão; a que não pode ser contestada.
A falsa lógica não passa de falso raciocínio, sempre contestável. O que caracteriza as deduções de nossa premissa é, em princípio, que são baseadas na observação dos fatos; em segundo lugar, que explicam de maneira racional o que sem isso seria inexplicável. Substituí a nossa premissa pela negação e vos chocareis a cada passo com dificuldades insolúveis. A teoria espírita, dizemos nós, é baseada em fatos, mas sobre milhares de fatos que se repetem todos os dias e são observados por milhões de pessoas. A vossa, sobre meia dúzia, observados por vós. Eis uma premissa da qual cada um pode tirar a conclusão.
Note-se a gradação que tiveram os ataques, a partir do famoso e desajeitado artigo da Gazette de Lyon (Vide Revista Espírita de outubro de 1860). Então não passava de chã zombaria, pelas quais os operários daquela cidade eram achincalhados, ridicularizados, e seus teares comparados a forcas. Não era, realmente, prova de deselegância lançar o desprezo sobre os trabalhadores e sobre os instrumentos que fazem a prosperidade de uma cidade como Lyon?
Desde então, a agressão toma outro caráter. Vendo a impotência do ridículo, e não podendo impedir-se de constatar o terreno que diariamente ganham as ideias espíritas, ela o retoma num tom mais lamentável. É em nome da Humanidade, em face da epidemia que pesa no momento sobre a sociedade francesa, que ela vem assinalar os perigos dessa pretensa doutrina que torna desagradável e bizarro o relacionamento daqueles que a professam, referência pouco lisonjeira para as senhoras de todas as classes, inclusive para as princesas que acreditam nos Espíritos.
Parece-nos, entretanto, que as pessoas violentas e irascíveis tornadas mansas e boas pelo Espiritismo não constituem prova de um caráter muito mau e são menos desagradáveis do que antes, e que entre os não espíritas só se encontram criaturas amáveis e benevolentes. Posto se encontrem muitas famílias onde o Espiritismo restabeleceu a paz e a união, é em nome de seu interesse que se intimam os operários a não irem a “essas reuniões chamadas grupos, onde podem perder a razão e outras coisas”, sem dúvida achando que as conservariam melhor indo ao cabaré do que ficando em casa.
Não tendo êxito com o motejo, eis que agora os adversários chamam a Ciência em seu apoio, não mais a ciência trocista, representada pelo músculo que range, do Sr. Jobert, de Lamballe (Vide Revista Espírita de junho de 1859), mas a Ciência séria, condenando o Espiritismo tão gravemente quanto outrora condenou a aplicação do vapor à marinha, e tantas outras utopias que mais tarde teve a fraqueza de aceitar como verdades.
E qual o seu representante em tão grave questão? É o Instituto de França? Não. É o Sr. Philibert Burlet, interno dos hospitais de Lyon, isto é, estudante de medicina, que forja as primeiras armas lançando uma memória contra o Espiritismo. Ele falou, e em seu nome e em nome do Sr. Sanson, da Presse, que a Ciência deu a sua sentença, sentença que provavelmente também não será mais inapelável que a dos doutores que condenaram a teoria de Harvey sobre a circulação do sangue, e que lançaram contra o seu autor “libelos e diatribes mais ou menos virulentos e grosseiros”. (Dictionnaire des Origines). Seja dito, entre parênteses, que um trabalho curioso seria uma monografia dos erros dos cientistas.
Diz o Sr. Burlet ter observado seis casos de loucura aguda produzida pelo Espiritismo, mas como é pouco para uma população de 300.000 almas, das quais pelo menos a décima parte é espírita, tem ele o cuidado de acrescentar “que se contariam por milhares se nas outras partes da França os casos de loucura causados pela doutrina dos médiuns fossem tão frequentes quanto no departamento que habitamos, e não há motivos para que assim não seja.”
Com o sistema de suposições vai-se muito longe, como se vê. Ora! Vamos mais longe que ele, e diremos, não por hipótese, mas por afirmação que, num tempo dado, só se encontrarão loucos entre os espíritas. Com efeito, a loucura é uma das enfermidades da espécie humana. Mil causas acidentais podem produzi-la, e a prova é que havia loucos antes que se falasse de Espiritismo, e que nem todos os loucos são espíritas, o Sr. Burlet há de concordar. Em todos os tempos houve loucos, e os haverá sempre. Então, se todos os habitantes de Lyon fossem espíritas, só se encontrariam loucos entre os espíritas, do mesmo modo que numa região inteiramente católica só haverá loucos entre os católicos. Observando a marcha da doutrina de uns anos para cá, até certo ponto poder-se-ia prever o tempo necessário para isto. Mas falemos só do presente.
Os loucos falam do que os preocupa. É bem certo que aquele que jamais tivesse ouvido falar de Espiritismo, dele não falaria, ao passo que, caso contrário, dele falará, assim como falaria de religião, de amor etc. Seja qual for a causa da loucura, o número de loucos falando de Espíritos aumentará naturalmente com o número de adeptos. A questão é saber se o Espiritismo é uma causa eficiente de loucura. O Sr. Burlet o afirma do alto de sua autoridade de interno, dizendo que “Essa influência é hoje bem demonstrada pela Ciência”. Daí, inflamado, apela aos rigores da autoridade, como se uma autoridade qualquer pudesse impedir o curso de uma ideia, e sem pensar que as ideias jamais se propagam melhor do que sob o império da perseguição. Toma ele sua opinião e a dos que pensam como ele por decretos da Ciência? Ele parece ignorar que o Espiritismo conta em suas fileiras grande número de médicos ilustres; que muitos dos grupos e sociedades são presididos por médicos que, também eles, são homens de ciência, e que chegam a conclusões contrárias às suas. Quem tem razão: ele ou os outros? Neste conflito entre a afirmação e a negação, quem pronunciará o veredito final? O tempo, a opinião, a consciência da maioria e a própria Ciência, que se renderá à evidência, como já o fez em outras circunstâncias.
Diremos ao Sr. Burlet que é contra os mais simples preceitos da lógica deduzir uma consequência geral de alguns fatos isolados, a que outros fatos podem dar um desmentido. Para apoiar vossa tese, seria preciso um trabalho diverso do vosso. Dissestes haver observado seis casos. Creio em vossa palavra, mas, o que é que isso prova? Se tivésseis observado o dobro ou o triplo não provaríeis mais, se o total dos loucos não passou da média. Suponhamos a média de 1.000, para usar um número redondo. Sendo sempre as mesmas as causas habituais da loucura, se o Espiritismo pode provocá-la, é mais uma causa que, somada às outras, deve aumentar a cifra da média. Se desde a introdução das ideias espíritas a média de 1.000 tivesse subido para 1.200, por exemplo, e a diferença fosse precisamente a dos casos de loucura espírita, a questão mudaria de figura. Mas enquanto não for provado que sob a influência do Espiritismo a média dos alienados aumentou, a amostragem feita de alguns casos isolados nada prova senão a intenção de lançar o descrédito sobre as ideias espíritas e de apavorar a opinião.
No estado atual das coisas, resta mesmo conhecer o valor dos casos isolados que se nos apresentam, e saber se todo alienado que fala dos Espíritos deve sua loucura ao Espiritismo, para o que seria necessário um juiz imparcial e desinteressado. Suponhamos que o Sr. Burlet fique louco, o que pode acontecer-lhe, como a qualquer outro, - e, quem sabe, talvez mais do que a um outro, - haveria algo de admirável que, preocupado com a ideia que combateu, dela falasse em sua demência? Deveria daí concluir-se que foi a crença nos Espíritos que o enlouqueceu?
Poderíamos citar vários casos, dos quais fazem muito alarido, e nos quais ficou provado que as pessoas se tinham ocupado pouco ou nada do Espiritismo, ou que tinham tido ataques de loucura bem caracterizados muito anteriores.
A isto devem juntar-se os casos de obsessão e subjugação, que são confundidos com a loucura e tratados como tal, com grande prejuízo para a saúde das pessoas afetadas, como explicamos em nossos artigos sobre Morzine. À primeira vista, são estes os únicos que poderiam ser atribuídos ao Espiritismo, posto esteja provado que se encontram em grande número de pessoas estranhas a ele e que, pela ignorância da causa, são erroneamente tratados.
É verdadeiramente curioso ver certos adversários que não creem nos Espíritos nem em suas manifestações pretenderem que o Espiritismo seja uma causa de loucura. Se os Espíritos não existem ou se não podem comunicar-se com os homens, todas essas crenças são quimeras que nada têm de real. Perguntamos, então, como o nada pode produzir alguma coisa?
É a ideia, dirão eles; essa ideia é falsa; ora, todo homem que professa uma ideia falsa desarrazoa. Que ideia é essa, tão funesta à razão? Ei-la: Temos uma alma que vive após a morte do corpo. Essa alma conserva as afeições da vida terrena e pode comunicar-se com os vivos. Segundo eles, é melhor acreditar no nada após a morte, ou então, o que dá no mesmo, que a alma, perdendo a sua individualidade, se confunde no todo universal, como as gotas de água no oceano. De fato, com esta última ideia não há mais necessidade de nos inquietarmos com a sorte do próximo e que só temos que pensar em nós, bem beber, bem comer nesta vida, tudo em proveito do egoísmo.
Se a crença contrária é uma causa de loucura, por que existem tantos loucos entre as pessoas que em nada creem? Direis que esta causa não é a única. De acordo. Mas então, por que quereríeis que essas causas não pudessem ferir um espírita como a qualquer outro? E por que pretenderíeis tornar o Espiritismo responsável por uma febre alta ou uma insolação?
Apelais à autoridade para tomar medidas contra as ideias espíritas porque, em vossa opinião, elas desorganizam o cérebro. Mas por que não chamais a vigilância da autoridade contra as outras causas? Na vossa solicitude pela razão humana, da qual vos supondes o protótipo, fizestes a estatística dos inumeráveis casos de loucura produzidos pelo desespero do amor? Por que não apelais à autoridade para proscrever o sentimento amoroso?
Está comprovado que todas as revoluções são marcadas por uma recrudescência notável nas afecções mentais. Eis aí uma causa eficiente bem manifesta, pois aumenta a cifra da média. Por que não aconselhais os governos a interditarem as revoluções como coisa malsã?
Considerando-se que o Sr. Burlet fez o relato enorme de seis casos de loucura dita espírita, numa população de 300.000 almas, aconselhamos os médicos espíritas a fazerem o mesmo com todos os casos de loucura, de epilepsia e outras afecções causadas pelo medo do diabo, pelo terrível quadro das torturas do inferno e pelo ascetismo das reclusões claustrais.
Longe de admitir o Espiritismo como uma causa de aumento da loucura, dizemos que ele é uma causa atenuante, que deve diminuir o número dos casos produzidos pelas causas ordinárias. Com efeito, entre essas causas, devem ser colocados em primeira linha os desgostos de toda natureza, as decepções, as afeições contrariadas, os revezes da fortuna, as ambições frustradas. O efeito dessas causas está na razão da impressionabilidade do indivíduo. Se tivéssemos um meio de atenuar essa impressionabilidade, este seria, sem dúvida, o melhor preservativo. Ora! Esse meio está no Espiritismo, que amortece o contra-golpe moral; que faz suportar com resignação as vicissitudes da vida. Alguém que se teria suicidado por um revés, adquire na crença espírita uma força moral que o leva a receber o mal com paciência. Não só não se matará, mas, em presença da maior adversidade, conservará a razão fria, porque tem uma fé inalterável no futuro.
Dar-lhe-eis essa calma com a perspectiva do nada? Não, pois ele não entrevê nenhuma compensação, e se não tiver o que comer, poderá comer-vos. A fome é terrível conselheira para quem acredita que tudo acaba com a vida. Ora! O Espiritismo faz suportar a fome, porque faz ver, compreender e esperar a vida que sucede à morte do corpo. Eis a sua loucura.
A maneira pela qual o verdadeiro espírita encara as coisas deste mundo e do outro, leva-o a domar em si as mais violentas paixões, mesmo a cólera e a vingança.
Depois do artigo insultuoso da Gazette de Lyon, relembrado pouco acima, um grupo de cerca de uma dúzia de operários nos disse: “Se não fôssemos espíritas iríamos dar uma surra no autor, para lhe ensinar a viver, e se estivéssemos em revolução incendiaríamos a redação de seu jornal. Mas somos espíritas. Nós o lastimamos e pedimos a Deus que o perdoe.”
Que dizeis desta loucura, Sr. Burlet? Num caso semelhante, o que teríeis preferido: tratar com loucos dessa espécie ou com homens que nada temem? Pensai que hoje os há mais de vinte mil em Lyon. Pretendeis servir aos interesses da Humanidade e não compreendeis os vossos! Pedi a Deus para que um dia não tenhais que lamentar não sejam todos os homens espíritas. É para isto que vós e os vossos trabalhais com todas as forças. Semeando a incredulidade, minais os fundamentos da ordem social; estimulais a anarquia, as reações sangrentas.
Nós trabalhamos para dar a fé aos que em nada creem; para espalhar uma crença que torna os homens melhores uns para com os outros; que lhes ensina a perdoar aos inimigos; a se olharem como irmãos, sem distinção de raça, casta, seita, cor, opinião política ou religiosa, uma crença que, numa palavra, faz nascer o verdadeiro sentimento da caridade, da fraternidade e dos deveres sociais.
Perguntai a todos os chefes militares que têm subordinados espíritas sob suas ordens, quais eles conduzem com mais facilidade, que melhor observam a disciplina sem emprego do rigor.
Perguntai aos magistrados, aos agentes da autoridade que têm auxiliares espíritas nas camadas inferiores da Sociedade, quais são os mais ordeiros e tranquilos; sobre os quais menos se exerce a lei; onde há menos tumulto a apaziguar e desordens a reprimir.
Numa cidade do sul, dizia-nos um comissário de polícia: “Desde que o Espiritismo se espalhou em minha circunscrição, tenho dez vezes menos casos do que antes”.
Perguntai, enfim, aos médicos espíritas quais os doentes em que encontram menos afecções causadas pelos excessos de todo o gênero. Eis uma estatística que me parece um pouco mais concludente que os vossos seis casos de alienação mental. Se tais resultados são uma loucura, tenho a glória de propagá-la.
Onde foram colhidos tais resultados? Nos livros que alguns queriam lançar à fogueira. Nos grupos dos quais recomendais aos operários que fujam. Que é o que se vê nesses grupos, que pintais como o túmulo da razão? Homens, senhoras, crianças que escutam com recolhimento uma suave e consoladora moral, em vez de ir ao cabaré perder seu dinheiro e sua saúde ou fazer barulho em praça pública; que de lá saem com o amor aos semelhantes no coração, em vez de ódio e vingança.
Eis uma singular confissão feita pelo autor do artigo precitado: “Vítimas da alucinação que os empolga, admitida a sua premissa, raciocinam a seguir com uma lógica inatacável, que não faz senão fortalecê-los na aberração.” Singular loucura, na verdade, essa que raciocina com uma lógica irreprochável!
Ora, qual é essa premissa? Nós o dissemos há pouco: A alma sobrevive ao corpo, conserva a sua individualidade e suas afeições, e pode comunicar-se com os vivos. O que pode provar a verdade de uma premissa, senão a lógica irreprochável das deduções? Quem diz irreprochável, diz inatacável, irrefutável. Assim, se as deduções de uma premissa são inatacáveis, é que satisfazem a tudo, e que nada se lhes pode opor. Assim, se essas deduções são verdadeiras, é que a premissa é verdadeira, pois a verdade não pode ter o erro por princípio.
De um princípio falso, sem dúvida podem deduzir-se consequências aparentemente lógicas, mas será uma lógica aparente, isto é, sofismas e não uma lógica irreprochável, pois deixará sempre uma porta aberta à refutação. A verdadeira lógica é a que satisfaz plenamente à razão; a que não pode ser contestada.
A falsa lógica não passa de falso raciocínio, sempre contestável. O que caracteriza as deduções de nossa premissa é, em princípio, que são baseadas na observação dos fatos; em segundo lugar, que explicam de maneira racional o que sem isso seria inexplicável. Substituí a nossa premissa pela negação e vos chocareis a cada passo com dificuldades insolúveis. A teoria espírita, dizemos nós, é baseada em fatos, mas sobre milhares de fatos que se repetem todos os dias e são observados por milhões de pessoas. A vossa, sobre meia dúzia, observados por vós. Eis uma premissa da qual cada um pode tirar a conclusão.
Círculo espírita de Tours - Discurso do presidente na sessão de instalação
(Terça-feira, 12 de novembro de 1862)
“Senhores,
“Inicialmente, devo agradecer aos Espíritos protetores de nossa pequena sociedade nascente a minha designação para vossa presidência. Tratarei de justificar a escolha, que me honra, velando escrupulosamente para que os trabalhos de nossas reuniões tenham sempre um caráter sério e moral, objetivo que jamais devemos perder de vista, sob pena de nos expormos a muitas decepções.
“Que vimos buscar aqui, senhores, longe do bulício dos negócios mundanos? O conhecimento de nossos destinos. Sim, todos quantos estamos neste modesto círculo, que crescerá e que se elevará, assim espero, pela grandeza e altura do objetivo que perseguimos, cedemos ao desejo muito natural de rasgar o véu espesso que oculta aos pobres humanos o temível mistério da morte, e de saber se é verdade, como ensina uma falsa ciência, e como creem tantos infelizes Espíritos tresmalhados, que o túmulo fecha o livro dos destinos do homem.
“Bem sei que Deus colocou no coração de cada um, um facho destinado a clarear seus passos pelos rudes caminhos da vida: a razão, e uma balança para pesar todas as coisas em seu justo valor: a justiça. Mas quando a viva e pura luz desse facho diretor se enfraquece mais e mais, ao sopro impuro das paixões pervertidas, ela está a ponto de extinguir-se. Quando essa balança da Justiça é viciada pelo erro e pela mentira; quando o cancro do materialismo, após invadir tudo, até as religiões, ameaça tudo devorar, é necessário que o Supremo Juiz venha enfim, por prodígios de sua onipotência e por manifestações insólitas capazes de chamar a atenção violentamente, endireitar os caminhos da Humanidade e retirá-la do abismo.
“No ponto de degradação moral em que tombaram as sociedades modernas, sob a influência de falsas e perniciosas doutrinas toleradas, senão encorajadas, exatamente por aqueles que têm a missão de reprimi-las; no meio desse indiferentismo geral por tudo quanto não é matéria; desse sensualismo extremo, exclusivo; desse furor, antes desconhecido, de enriquecimento a qualquer preço; desse culto desenfreado do bezerro de ouro; dessa desordenada paixão do lucro, que engendra o egoísmo, gela todos os corações falseando todas as inteligências, e tende à dissolução dos laços sociais, as comunicações de além-túmulo podem ser consideradas como uma revelação divina, necessária para a chamada à ordem por parte da Providência, que não pode deixar perecer sem socorro sua criatura predileta. Com a rapidez que se expandem em todos os pontos do globo os ensinamentos da Doutrina Espírita, fácil é prever que a hora se aproxima em que a Humanidade, depois de um compasso de espera, vai transpor uma nova etapa, passar a uma nova fase de desenvolvimento na sua progressão intermitente através dos séculos.
“Quanto a nós, senhores, agradeçamos à Providência por nos haver escolhido para espalhar e fazer frutificar neste recanto da Terra a semente espírita, e assim cooperar, na medida de nossas forças, na grande obra da regeneração moral que se prepara.
“Eu me ocupo, neste momento, a propósito de uma questão médica, alguns dentre vós o sabem, de um trabalho filosófico importante, no qual tento explicar racionalmente os fenômenos fisiológicos do Espiritismo e ligá-los à filosofia geral. Antes de publicar esse trabalho, essencialmente antimaterialista, que ainda não passa de um esboço, proponho-me submetê-lo à vossa apreciação, a fim de tomar vosso conselho quanto à oportunidade de submeter à aprovação dos Espíritos elevados que têm a bondade de nos assistir, os principais pontos de doutrina que ele encerra.
Além do mais, ali poderemos encontrar, previamente e metodicamente dispostas, a maior parte das questões que devem constituir o tema de nossas conversas espíritas.
“Jamais devemos perder de vista, senhores, o fim essencial do Espiritismo, que é a destruição do materialismo pela prova experimental da sobrevivência da alma humana. Se os mortos respondem ao nosso chamado, se se põem em comunicação conosco, é que evidentemente eles não estão mortos de fato; é que o último estertor da agonia não lhes marcou o termo definitivo de sua existência. Todos os sermões do mundo não valem, a tal respeito, um argumento como este.
“É por isto que é dever nosso, de crentes, espalhar a luz em volta de nós e não encerrá-la sob o alqueire, isto é, neste pequeno recinto que, ao contrário, por nosso zelo deve tornar-se um foco de irradiação. Isto quer dizer que deveríamos convidar todo mundo às nossas reuniões, acolher o primeiro que manifeste curiosidade de nos ver em atividade, como se se tratasse de ver um prestidigitador operando? Seria irrefletidamente expor às chances do ridículo a coisa mais séria do mundo, e nós mesmos nos comprometermos. Mas sempre que uma pessoa, de cuja boa-fé não temos motivo de suspeita, tiver adquirido noções do Espiritismo na leitura de obras especiais e deseje presenciar os fatos, devemos satisfazer-lhe o pedido. Apenas será bom regular essas admissões e não admitir em nossas sessões pessoas estranhas, sem que a sociedade, consultada, tenha dado autorização prévia.
“Senhores, quando, há dois anos apenas, constatávamos, com um dos nossos sócios, em casa de um amigo comum, os fenômenos espíritas de ordem mecânica e intelectual mais admiráveis, a despeito da evidência dos fatos que testemunhávamos, e a despeito de nossa convicção profunda de que essas manifestações extraordinárias se passavam fora das leis naturais conhecidas, apenas ousáramos expor timidamente os nossos conhecimentos íntimos, tamanho era o receio que pusessem em dúvida a integridade de nossa razão. O Livro dos Espíritos, então pouco conhecido em Tours, ainda estava na primeira ou na segunda edição. Naquela época, numa palavra, quase não havia transposto os limites da capital. Ora, vede que imenso progresso no espaço de três anos! Hoje o Espiritismo penetrou em toda a parte; tem adeptos em todas as camadas sociais; reuniões e grupos mais ou menos numerosos organizam-se em todas as cidades, grandes e pequenas, esperando a vez das aldeias. Hoje as obras espíritas são expostas em todos os livreiros, que têm dificuldade em atender à demanda da clientela, ávida de iniciar-se nos grandes mistérios das evocações. Hoje, enfim, o Espiritismo vulgarizado, de todos conhecido de alguma forma, não é mais um espantalho, um signo de reprovação ou de desdém, e podemos ousadamente, sem receio de passar por loucos, revelar a finalidade de nossas reuniões. Podemos desafiar a troça e o sarcasmo e dizer aos brincalhões: ‘Antes de nos pôr em ridículo, ao menos nos contem e nos pesem.’
“Quanto ao anátema de um partido, avaliamos bem o seu pequeno alcance para nos inquietarmos. Dizem que fizemos pacto com o diabo. Seja. Mas, então, há que convir que nem todos os diabos são maus. Aos seus olhos, o nosso verdadeiro crime é a nossa pretensão, certamente muito legítima, de nos comunicarmos com Deus e seus santos, sem a sua intermediação obrigatória.
“Provemos-lhes que, graças aos ensinamentos dos que eles chamam demônios, nós compreendemos a moral sublime do Evangelho, que se resume no amor a Deus e aos nossos semelhantes e na caridade universal. Abraçamos a Humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem, e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social. Que saibam que o nosso Deus, o dos espíritas, não é um tirano cruel e vingativo que pune um instante de desvio com torturas eternas, mas um pai bom e misericordioso que vela por seus filhos desviados, com uma solicitude incessante e procura atraí-los a si por uma série de provas destinadas a lavá-los de todas as manchas. Não está escrito que Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão?
“Além disso, nós nos reservamos expressamente, aqui como em qualquer parte, os direitos imprescritíveis da razão que deve tudo dominar e tudo julgar em última instância. Não dizemos aos recalcitrantes, conduzindo-os ao pé da fogueira: Crê ou morre, mas, crê, se tua razão o quer.
“Ainda uma palavra para terminar, senhores, pois não quero abusar de vossa atenção. Não tendo, nem podendo ter nossa sociedade outro fim senão a nossa instrução e o nosso melhoramento moral, devemos afastar de nossas reuniões, com o maior cuidado, toda questão ligada direta ou indiretamente a pessoas, à política e aos interesses materiais.
“Estudo do homem em relação ao seu destino futuro, tal o nosso programa, do qual jamais nos devemos separar.”
“Inicialmente, devo agradecer aos Espíritos protetores de nossa pequena sociedade nascente a minha designação para vossa presidência. Tratarei de justificar a escolha, que me honra, velando escrupulosamente para que os trabalhos de nossas reuniões tenham sempre um caráter sério e moral, objetivo que jamais devemos perder de vista, sob pena de nos expormos a muitas decepções.
“Que vimos buscar aqui, senhores, longe do bulício dos negócios mundanos? O conhecimento de nossos destinos. Sim, todos quantos estamos neste modesto círculo, que crescerá e que se elevará, assim espero, pela grandeza e altura do objetivo que perseguimos, cedemos ao desejo muito natural de rasgar o véu espesso que oculta aos pobres humanos o temível mistério da morte, e de saber se é verdade, como ensina uma falsa ciência, e como creem tantos infelizes Espíritos tresmalhados, que o túmulo fecha o livro dos destinos do homem.
“Bem sei que Deus colocou no coração de cada um, um facho destinado a clarear seus passos pelos rudes caminhos da vida: a razão, e uma balança para pesar todas as coisas em seu justo valor: a justiça. Mas quando a viva e pura luz desse facho diretor se enfraquece mais e mais, ao sopro impuro das paixões pervertidas, ela está a ponto de extinguir-se. Quando essa balança da Justiça é viciada pelo erro e pela mentira; quando o cancro do materialismo, após invadir tudo, até as religiões, ameaça tudo devorar, é necessário que o Supremo Juiz venha enfim, por prodígios de sua onipotência e por manifestações insólitas capazes de chamar a atenção violentamente, endireitar os caminhos da Humanidade e retirá-la do abismo.
“No ponto de degradação moral em que tombaram as sociedades modernas, sob a influência de falsas e perniciosas doutrinas toleradas, senão encorajadas, exatamente por aqueles que têm a missão de reprimi-las; no meio desse indiferentismo geral por tudo quanto não é matéria; desse sensualismo extremo, exclusivo; desse furor, antes desconhecido, de enriquecimento a qualquer preço; desse culto desenfreado do bezerro de ouro; dessa desordenada paixão do lucro, que engendra o egoísmo, gela todos os corações falseando todas as inteligências, e tende à dissolução dos laços sociais, as comunicações de além-túmulo podem ser consideradas como uma revelação divina, necessária para a chamada à ordem por parte da Providência, que não pode deixar perecer sem socorro sua criatura predileta. Com a rapidez que se expandem em todos os pontos do globo os ensinamentos da Doutrina Espírita, fácil é prever que a hora se aproxima em que a Humanidade, depois de um compasso de espera, vai transpor uma nova etapa, passar a uma nova fase de desenvolvimento na sua progressão intermitente através dos séculos.
“Quanto a nós, senhores, agradeçamos à Providência por nos haver escolhido para espalhar e fazer frutificar neste recanto da Terra a semente espírita, e assim cooperar, na medida de nossas forças, na grande obra da regeneração moral que se prepara.
“Eu me ocupo, neste momento, a propósito de uma questão médica, alguns dentre vós o sabem, de um trabalho filosófico importante, no qual tento explicar racionalmente os fenômenos fisiológicos do Espiritismo e ligá-los à filosofia geral. Antes de publicar esse trabalho, essencialmente antimaterialista, que ainda não passa de um esboço, proponho-me submetê-lo à vossa apreciação, a fim de tomar vosso conselho quanto à oportunidade de submeter à aprovação dos Espíritos elevados que têm a bondade de nos assistir, os principais pontos de doutrina que ele encerra.
Além do mais, ali poderemos encontrar, previamente e metodicamente dispostas, a maior parte das questões que devem constituir o tema de nossas conversas espíritas.
“Jamais devemos perder de vista, senhores, o fim essencial do Espiritismo, que é a destruição do materialismo pela prova experimental da sobrevivência da alma humana. Se os mortos respondem ao nosso chamado, se se põem em comunicação conosco, é que evidentemente eles não estão mortos de fato; é que o último estertor da agonia não lhes marcou o termo definitivo de sua existência. Todos os sermões do mundo não valem, a tal respeito, um argumento como este.
“É por isto que é dever nosso, de crentes, espalhar a luz em volta de nós e não encerrá-la sob o alqueire, isto é, neste pequeno recinto que, ao contrário, por nosso zelo deve tornar-se um foco de irradiação. Isto quer dizer que deveríamos convidar todo mundo às nossas reuniões, acolher o primeiro que manifeste curiosidade de nos ver em atividade, como se se tratasse de ver um prestidigitador operando? Seria irrefletidamente expor às chances do ridículo a coisa mais séria do mundo, e nós mesmos nos comprometermos. Mas sempre que uma pessoa, de cuja boa-fé não temos motivo de suspeita, tiver adquirido noções do Espiritismo na leitura de obras especiais e deseje presenciar os fatos, devemos satisfazer-lhe o pedido. Apenas será bom regular essas admissões e não admitir em nossas sessões pessoas estranhas, sem que a sociedade, consultada, tenha dado autorização prévia.
“Senhores, quando, há dois anos apenas, constatávamos, com um dos nossos sócios, em casa de um amigo comum, os fenômenos espíritas de ordem mecânica e intelectual mais admiráveis, a despeito da evidência dos fatos que testemunhávamos, e a despeito de nossa convicção profunda de que essas manifestações extraordinárias se passavam fora das leis naturais conhecidas, apenas ousáramos expor timidamente os nossos conhecimentos íntimos, tamanho era o receio que pusessem em dúvida a integridade de nossa razão. O Livro dos Espíritos, então pouco conhecido em Tours, ainda estava na primeira ou na segunda edição. Naquela época, numa palavra, quase não havia transposto os limites da capital. Ora, vede que imenso progresso no espaço de três anos! Hoje o Espiritismo penetrou em toda a parte; tem adeptos em todas as camadas sociais; reuniões e grupos mais ou menos numerosos organizam-se em todas as cidades, grandes e pequenas, esperando a vez das aldeias. Hoje as obras espíritas são expostas em todos os livreiros, que têm dificuldade em atender à demanda da clientela, ávida de iniciar-se nos grandes mistérios das evocações. Hoje, enfim, o Espiritismo vulgarizado, de todos conhecido de alguma forma, não é mais um espantalho, um signo de reprovação ou de desdém, e podemos ousadamente, sem receio de passar por loucos, revelar a finalidade de nossas reuniões. Podemos desafiar a troça e o sarcasmo e dizer aos brincalhões: ‘Antes de nos pôr em ridículo, ao menos nos contem e nos pesem.’
“Quanto ao anátema de um partido, avaliamos bem o seu pequeno alcance para nos inquietarmos. Dizem que fizemos pacto com o diabo. Seja. Mas, então, há que convir que nem todos os diabos são maus. Aos seus olhos, o nosso verdadeiro crime é a nossa pretensão, certamente muito legítima, de nos comunicarmos com Deus e seus santos, sem a sua intermediação obrigatória.
“Provemos-lhes que, graças aos ensinamentos dos que eles chamam demônios, nós compreendemos a moral sublime do Evangelho, que se resume no amor a Deus e aos nossos semelhantes e na caridade universal. Abraçamos a Humanidade inteira, sem distinção de culto, de raça, de origem, e, com mais forte razão, de família, de fortuna e de condição social. Que saibam que o nosso Deus, o dos espíritas, não é um tirano cruel e vingativo que pune um instante de desvio com torturas eternas, mas um pai bom e misericordioso que vela por seus filhos desviados, com uma solicitude incessante e procura atraí-los a si por uma série de provas destinadas a lavá-los de todas as manchas. Não está escrito que Deus não quer a morte do pecador, mas a sua conversão?
“Além disso, nós nos reservamos expressamente, aqui como em qualquer parte, os direitos imprescritíveis da razão que deve tudo dominar e tudo julgar em última instância. Não dizemos aos recalcitrantes, conduzindo-os ao pé da fogueira: Crê ou morre, mas, crê, se tua razão o quer.
“Ainda uma palavra para terminar, senhores, pois não quero abusar de vossa atenção. Não tendo, nem podendo ter nossa sociedade outro fim senão a nossa instrução e o nosso melhoramento moral, devemos afastar de nossas reuniões, com o maior cuidado, toda questão ligada direta ou indiretamente a pessoas, à política e aos interesses materiais.
“Estudo do homem em relação ao seu destino futuro, tal o nosso programa, do qual jamais nos devemos separar.”
CHAUVET Doutor em medicina.
Segue a esse discurso a comunicação espontânea abaixo transcrita, recebida por um dos médiuns da sociedade:
“Meus amigos, a finalidade de vossa sociedade é de vos instruirdes e trazer o homem tresmalhado à luz, que há tanto tempo é obscurecida pela treva que reina neste século. Não deveis olhar esta Instituição como se ele tivesse vindo instruir-vos sobre questões de Direito ou Ciência. Ela vem pura e simplesmente para vos dispor a entrar na nova via da regeneração que deveis percorrer sem medo, pondo vossa confiança nas instruções que recebereis. Nada deveis temer, porque Deus vela pelo homem que faz o bem e não o abandona.
“Eu vos ouvi discutir a propósito de um artigo do regulamento de admissão de pessoas estranhas em vossa sociedade. Escutai um pouco os conselhos de um amigo, ou antes, do irmão que vos fala, não de boca, mas do coração, não materialmente, mas espiritualmente, porque, crede-o, quando para vir até vós transponho todos os graus de Espíritos impuros, o espaço a percorrer não me parece penoso se vejo vosso coração animado de sentimentos do bem.
“Quando um estranho pedir para assistir às vossas sessões, antes de admiti-lo, fazei-o vir em particular ao vosso gabinete e, na conversa, sondai os seus sentimentos e vede se está instruído na nova doutrina. Se nele descobrirdes o desejo do bem e não simples curiosidade; se vem animado de intenções sérias, então podeis admiti-lo sem receio. Mas repeli quem quer que venha com o pensamento de perturbar a sessão e desprezar os vossos ensinos. Pensai também que os espiões se insinuam por toda a parte: Jesus o teve.
“Se alguém se apresenta dizendo-se espírita ou médium, não o recebais sem saber com quem estais lidando. Não ignorais que há médiuns cheios de frivolidade e de orgulho e que, por isso mesmo, só atraem Espíritos levianos. Diz-se sempre que semelhante atrai semelhante. Um verdadeiro espírita não deve ter outro sentimento senão o do bem e da caridade, sem o que não pode ser assistido por Espíritos elevados.
“Sem dúvida a perda de um médium pode deixar um vazio entre vós, mas, por isso, não se deve crer que não tereis mais instruções nossas, porque estaremos sempre prontos a vir assistir-vos nos trabalhos, sempre que Deus o permita. Se um bom médium vos é tirado, é que certamente Deus o destina a outra missão, que julga mais útil. Quem sabe o que o espera? Há coisas que o homem não pode compreender, mas que deve aceitar.
“O caminho que ides percorrer, meus amigos, é difícil de subir, mas, com a ajuda dos vossos irmãos que estão acima de vós, conseguireis.
“Espero numa outra oportunidade vos instruir sobre questões mais sérias.”
“Meus amigos, a finalidade de vossa sociedade é de vos instruirdes e trazer o homem tresmalhado à luz, que há tanto tempo é obscurecida pela treva que reina neste século. Não deveis olhar esta Instituição como se ele tivesse vindo instruir-vos sobre questões de Direito ou Ciência. Ela vem pura e simplesmente para vos dispor a entrar na nova via da regeneração que deveis percorrer sem medo, pondo vossa confiança nas instruções que recebereis. Nada deveis temer, porque Deus vela pelo homem que faz o bem e não o abandona.
“Eu vos ouvi discutir a propósito de um artigo do regulamento de admissão de pessoas estranhas em vossa sociedade. Escutai um pouco os conselhos de um amigo, ou antes, do irmão que vos fala, não de boca, mas do coração, não materialmente, mas espiritualmente, porque, crede-o, quando para vir até vós transponho todos os graus de Espíritos impuros, o espaço a percorrer não me parece penoso se vejo vosso coração animado de sentimentos do bem.
“Quando um estranho pedir para assistir às vossas sessões, antes de admiti-lo, fazei-o vir em particular ao vosso gabinete e, na conversa, sondai os seus sentimentos e vede se está instruído na nova doutrina. Se nele descobrirdes o desejo do bem e não simples curiosidade; se vem animado de intenções sérias, então podeis admiti-lo sem receio. Mas repeli quem quer que venha com o pensamento de perturbar a sessão e desprezar os vossos ensinos. Pensai também que os espiões se insinuam por toda a parte: Jesus o teve.
“Se alguém se apresenta dizendo-se espírita ou médium, não o recebais sem saber com quem estais lidando. Não ignorais que há médiuns cheios de frivolidade e de orgulho e que, por isso mesmo, só atraem Espíritos levianos. Diz-se sempre que semelhante atrai semelhante. Um verdadeiro espírita não deve ter outro sentimento senão o do bem e da caridade, sem o que não pode ser assistido por Espíritos elevados.
“Sem dúvida a perda de um médium pode deixar um vazio entre vós, mas, por isso, não se deve crer que não tereis mais instruções nossas, porque estaremos sempre prontos a vir assistir-vos nos trabalhos, sempre que Deus o permita. Se um bom médium vos é tirado, é que certamente Deus o destina a outra missão, que julga mais útil. Quem sabe o que o espera? Há coisas que o homem não pode compreender, mas que deve aceitar.
“O caminho que ides percorrer, meus amigos, é difícil de subir, mas, com a ajuda dos vossos irmãos que estão acima de vós, conseguireis.
“Espero numa outra oportunidade vos instruir sobre questões mais sérias.”
FÉNELON
Variedade - Cura por um Espírito
Recebemos várias cartas constatando a boa aplicação do remédio indicado na Revista Espírita de novembro de 1862, cuja receita foi dada por um Espírito. Um oficial de cavalaria nos disse que o farmacêutico de seu regimento teve o cuidado de prepará-la para os casos mais frequentes de coices dados pelos cavalos. Sabemos que outros farmacêuticos fizeram o mesmo em certas cidades.
A propósito da origem do remédio, um assinante de Eure-et-Loir comunica-nos o seguinte fato, de seu conhecimento pessoal:
“Autheusel, 6 de novembro de 1862
“Um homem doente, chamado Paquine, que mora numa comuna próxima, veio ver-me, há um mês, andando de muletas. Admirado de vê-lo assim, indaguei do acidente. Respondeu-me que há algum tempo suas pernas estavam demasiadamente inchadas e cobertas de úlceras, e que nenhum remédio fazia efeito.
“Esse homem é espírita e tem alguma mediunidade. Disse-lhe que era necessário dirigir-se a Espíritos bons e fazê-lo com fervor. No dia de Todos os Santos vi-o na missa, com uma simples bengala. No dia seguinte veio ver-me e contou o seguinte:
“─ Senhor, disse ele, desde que me recomendou empregar os bons Espíritos para obter a cura, não deixei uma noite, e algumas vezes durante o dia, de invocá-los e de lhes mostrar quanto o meu mal me trazia dificuldades para ganhar a vida. Havia apenas cinco ou seis dias que assim orava quando uma noite, estando adormecido, apareceu-me no meio do quarto um homem todo de branco. Ele avançou para o meu aparador e pegou um boião, no qual havia graxa de que eu me servia para aliviar as dores das pernas. Mostrou-me o boião e depois, tomando fumo que eu conservava sobre um papel, mostrou-me também. Em seguida foi buscar um vidro com extrato de saturno, depois uma garrafa com essência de terebintina. Mostrando tudo, indicou-me que era preciso fazer uma mistura. Indicou-me a dose, despejando-a no boião. Depois de fazer sinais de amizade, desapareceu. No dia seguinte fiz o que o Espírito havia indicado e desde então as pernas entraram em excelente via de cura. Hoje só me resta uma inchação no pé, que desaparece aos poucos, pela eficácia do remédio. Espero em breve estar curado.
“Eis, senhores, um fato que quase poderia ser classificado como cura milagrosa, e creio que seria levar longe o espírito de partido para ver aí um fato demoníaco.
“Examinando a vulgaridade e quase sempre a simplicidade dos remédios indicados pelos Espíritos em geral, eu me pergunto se daí não seria possível concluir que o remédio em si não passa de simples fórmula e que é a influência fluídica do Espírito que opera a cura. Penso que a questão poderia ser estudada.
“L. DE TARRAGON.”
A propósito da origem do remédio, um assinante de Eure-et-Loir comunica-nos o seguinte fato, de seu conhecimento pessoal:
“Autheusel, 6 de novembro de 1862
“Um homem doente, chamado Paquine, que mora numa comuna próxima, veio ver-me, há um mês, andando de muletas. Admirado de vê-lo assim, indaguei do acidente. Respondeu-me que há algum tempo suas pernas estavam demasiadamente inchadas e cobertas de úlceras, e que nenhum remédio fazia efeito.
“Esse homem é espírita e tem alguma mediunidade. Disse-lhe que era necessário dirigir-se a Espíritos bons e fazê-lo com fervor. No dia de Todos os Santos vi-o na missa, com uma simples bengala. No dia seguinte veio ver-me e contou o seguinte:
“─ Senhor, disse ele, desde que me recomendou empregar os bons Espíritos para obter a cura, não deixei uma noite, e algumas vezes durante o dia, de invocá-los e de lhes mostrar quanto o meu mal me trazia dificuldades para ganhar a vida. Havia apenas cinco ou seis dias que assim orava quando uma noite, estando adormecido, apareceu-me no meio do quarto um homem todo de branco. Ele avançou para o meu aparador e pegou um boião, no qual havia graxa de que eu me servia para aliviar as dores das pernas. Mostrou-me o boião e depois, tomando fumo que eu conservava sobre um papel, mostrou-me também. Em seguida foi buscar um vidro com extrato de saturno, depois uma garrafa com essência de terebintina. Mostrando tudo, indicou-me que era preciso fazer uma mistura. Indicou-me a dose, despejando-a no boião. Depois de fazer sinais de amizade, desapareceu. No dia seguinte fiz o que o Espírito havia indicado e desde então as pernas entraram em excelente via de cura. Hoje só me resta uma inchação no pé, que desaparece aos poucos, pela eficácia do remédio. Espero em breve estar curado.
“Eis, senhores, um fato que quase poderia ser classificado como cura milagrosa, e creio que seria levar longe o espírito de partido para ver aí um fato demoníaco.
“Examinando a vulgaridade e quase sempre a simplicidade dos remédios indicados pelos Espíritos em geral, eu me pergunto se daí não seria possível concluir que o remédio em si não passa de simples fórmula e que é a influência fluídica do Espírito que opera a cura. Penso que a questão poderia ser estudada.
“L. DE TARRAGON.”
A última questão não nos parece duvidosa, sobretudo quando se conhecem as propriedades que a ação magnética pode dar às substâncias mais benignas, como a água, por exemplo. Ora, como os Espíritos magnetizam também, eles certamente podem, conforme as circunstâncias, dar propriedades curativas a certas substâncias. Se o Espiritismo revela todo um mundo de seres pensando e agindo, revela, também, forças materiais desconhecidas, que um dia serão aproveitadas pela Ciência.
Dissertações espíritas - Paz aos homens de boa vontade
(Poitiers, reunião preparatória de operários espíritas - Médium: Sr. X...)
Meus caros amigos, a vida é curta. Grande é o que a precede e o que a sucede. Nada acontece senão pela vontade de Deus. Nada é, portanto, senão legítima e alta justiça. Vossa miséria, quando vos aperta, é um mal merecido, uma punição, não tenhais dúvida, de faltas anteriores. Encarai-a bravamente e levai os olhos ao alto com resignação. A bênção e o alívio descerão.
Por vezes vossos pesares são a prova pedida pelo vosso Espírito, por vosso Espírito desejoso de chegar prontamente ao objetivo final, sempre entrevisto no estado de não encarnado.
No momento em que o mundo se agita e sofre, em que as sociedades, em busca do que é verdadeiro, se contorce num parto laborioso, Deus permite que o Espiritismo, isto é, um raio da eterna verdade, desça das altas regiões e vos esclareça. Nosso objetivo é mostrar-vos o caminho, mas deixar-vos a liberdade, isto é, o mérito e o demérito de vossas ações. Escutai-nos, pois, e ficai certos de que a vossa felicidade é para nós uma viva preocupação. Se soubésseis quanto vossas más ações nos afligem; quanto os vossos esforços para a lei de Deus nos enchem de alegria!
O Senhor nos disse: “Servidores do meu império, apóstolos dedicados da minha lei, a todos levai a minha palavra; a todos explicai que a vida eterna será a dos que praticam o Evangelho; a todos os homens fazei entender que o bem, o belo, o grande, degraus de minha eternidade, estão contidos numa palavra: Amor.”
O Senhor nos disse: “Espíritos velozes, correi a todos: aos mais infelizes e aos mais felizes; do rei ao artesão; do fariseu ao que se queima em fé ardente”. E nós vamos a todos os lados e gritamos aos infelizes: resignação; aos felizes: caridade, humildade; aos reis: amor aos povos; ao artesão: respeito à lei!
Meus amigos, no dia em que fizerdes mais que nos escutar, isto é, no dia em que praticardes os preceitos, não mais egoísmo, não mais inveja. Partindo daí, não mais misérias, não mais esse luxo que é o verme que rói as sociedades e as destrói; não mais esses erros morais que perturbam as consciências; não mais revoluções, não mais sangue! Não mais esse triste preconceito que fez com que por muito tempo se acreditasse, nas famílias principescas, que o povo era uma coisa que lhes pertencia e que elas tinham um sangue diferente do sangue do povo. Nada além da felicidade!
Vossos governos serão bons, porque governantes e governados terão tirado proveito do Espiritismo. As Ciências e as Artes, levadas nas asas da divina caridade, elevar-se-ão a uma altura que não suspeitais. Vosso clima, saneado pelos trabalhos agrícolas; vossas colheitas mais abundantes; as palavras tão profundas de igualdade e fraternidade enfim interpretadas sem que ninguém sonhe despojar aquele que possui, realizarão, vo-lo afirmo, as promessas do vosso Deus.
“Paz, disse o seu Cristo, aos homens de boa vontade!” Não tivestes a paz porque não tivestes a boa vontade. A boa vontade, tanto para os pobres quanto para os ricos, chama-se caridade. Há caridade moral, como há caridade material, e não a tivestes, e o pobre foi tão culpado quanto o rico!
Escutai-me bem: Crede e amai!
Amai: Muito será perdoado a quem muito amou.
Crede: A fé transporta montanhas.
Prudência e doçura no apostolado novo: Vossa melhor prédica será o bom exemplo.
Lamentai os cegos: os que não querem ver a luz. Lamentai, mas não censureis.
Orai, meus amigos, e a bênção de Deus será com as vossas almas. O facho da vida irradia; em todos os lados do horizonte acendem-se faróis; a tempestade vai sacudir e talvez quebrar os barcos! Mas o piloto que sobre a vaga furiosa olhar sempre o farol, chegará à praia e o Senhor lhe dirá: “Paz aos homens de boa vontade; sê bendito, tu que amaste; sê feliz, pois trabalhaste pela felicidade de outrem. Meu filho, a cada um segundo suas obras!”
Por vezes vossos pesares são a prova pedida pelo vosso Espírito, por vosso Espírito desejoso de chegar prontamente ao objetivo final, sempre entrevisto no estado de não encarnado.
No momento em que o mundo se agita e sofre, em que as sociedades, em busca do que é verdadeiro, se contorce num parto laborioso, Deus permite que o Espiritismo, isto é, um raio da eterna verdade, desça das altas regiões e vos esclareça. Nosso objetivo é mostrar-vos o caminho, mas deixar-vos a liberdade, isto é, o mérito e o demérito de vossas ações. Escutai-nos, pois, e ficai certos de que a vossa felicidade é para nós uma viva preocupação. Se soubésseis quanto vossas más ações nos afligem; quanto os vossos esforços para a lei de Deus nos enchem de alegria!
O Senhor nos disse: “Servidores do meu império, apóstolos dedicados da minha lei, a todos levai a minha palavra; a todos explicai que a vida eterna será a dos que praticam o Evangelho; a todos os homens fazei entender que o bem, o belo, o grande, degraus de minha eternidade, estão contidos numa palavra: Amor.”
O Senhor nos disse: “Espíritos velozes, correi a todos: aos mais infelizes e aos mais felizes; do rei ao artesão; do fariseu ao que se queima em fé ardente”. E nós vamos a todos os lados e gritamos aos infelizes: resignação; aos felizes: caridade, humildade; aos reis: amor aos povos; ao artesão: respeito à lei!
Meus amigos, no dia em que fizerdes mais que nos escutar, isto é, no dia em que praticardes os preceitos, não mais egoísmo, não mais inveja. Partindo daí, não mais misérias, não mais esse luxo que é o verme que rói as sociedades e as destrói; não mais esses erros morais que perturbam as consciências; não mais revoluções, não mais sangue! Não mais esse triste preconceito que fez com que por muito tempo se acreditasse, nas famílias principescas, que o povo era uma coisa que lhes pertencia e que elas tinham um sangue diferente do sangue do povo. Nada além da felicidade!
Vossos governos serão bons, porque governantes e governados terão tirado proveito do Espiritismo. As Ciências e as Artes, levadas nas asas da divina caridade, elevar-se-ão a uma altura que não suspeitais. Vosso clima, saneado pelos trabalhos agrícolas; vossas colheitas mais abundantes; as palavras tão profundas de igualdade e fraternidade enfim interpretadas sem que ninguém sonhe despojar aquele que possui, realizarão, vo-lo afirmo, as promessas do vosso Deus.
“Paz, disse o seu Cristo, aos homens de boa vontade!” Não tivestes a paz porque não tivestes a boa vontade. A boa vontade, tanto para os pobres quanto para os ricos, chama-se caridade. Há caridade moral, como há caridade material, e não a tivestes, e o pobre foi tão culpado quanto o rico!
Escutai-me bem: Crede e amai!
Amai: Muito será perdoado a quem muito amou.
Crede: A fé transporta montanhas.
Prudência e doçura no apostolado novo: Vossa melhor prédica será o bom exemplo.
Lamentai os cegos: os que não querem ver a luz. Lamentai, mas não censureis.
Orai, meus amigos, e a bênção de Deus será com as vossas almas. O facho da vida irradia; em todos os lados do horizonte acendem-se faróis; a tempestade vai sacudir e talvez quebrar os barcos! Mas o piloto que sobre a vaga furiosa olhar sempre o farol, chegará à praia e o Senhor lhe dirá: “Paz aos homens de boa vontade; sê bendito, tu que amaste; sê feliz, pois trabalhaste pela felicidade de outrem. Meu filho, a cada um segundo suas obras!”
F. D.
Antigo magistrado
Antigo magistrado
Poesia Espírita - O doente e o médico
Conto dedicado ao Sr. redator do Renard, de Bordeaux, pelo Espírito batedor de Carcassone.
“Não aguento mais, doutor; é muito forte!
Exclamava outro dia o Sr. Rochefort.
Tome o pulso, doutor, estou doente;
O mundo inteiro está esmaniado. Parece que Deus não sabe o seu ofício.
Ele baixa... e eu maldigo o mundo inteiro.
Pra começo o vapor...
É assim que se caminha?
Que foi o que restou da gostosa berlinda,
Quando sem risco de partir o pescoço,
Nós íamos em bando, de Paris até Sceaux?
Fala-se de progresso!...
Doutor, isto é ridículo!
Passando para trás o planeta recua.
Um caos.....
Um cabo, um fio de ferro,
De Calais a Pequim tagarela no mar.
Um alfaiate costura sem agulhas;
Da água fazem fogo; do algodão, pólvora;
Um troca-tintas sem pincel mas com caixa
Vende retratos fabricados ao sol!
Glória, glória ao passado! Neste século frívolo,
A igualdade berra; o povo é que fala!
Resolveu Sabescrever em Bordeaux!
Veja, doutor, tudo está transtornado.
Eu hei de descobrir a pista dos patifes!
Diabo! E avisarei ao chefe da Etincelle.
É lá que, espada em punho, um crânio nos defende.
Não é tudo, doutor, ó escândalo! Pretendem
Que, seguindo o bom do La Fontaine,
Um morto, um Espírito, nos meta a palmatória.”
Aqui Rochefort cuspiu, depois continuou:
─ Doutor, de boa-fé, acredita em Espírito?
─ Báh! lhe diz o doutor, fingindo bom apóstolo,
Em Espírito?
Meu caro eu não creio... nem mesmo no seu.
NOTA: Este conto, cujo mérito cabe ao leitor julgar, foi obtido espontaneamente pela tiptologia, como outros belos versos pelo mesmo médium, a propósito de um espirituoso artigo do Sr. Aug. Bez, publicado no Renard, que deseja abrir suas colunas aos adeptos do Espiritismo. O Etincelle (centelha) é um outro jornal de Bordeaux, redigido pelo Sr. de Rattier, e que lança flechas incendiárias contra o Espiritismo, mas que, até agora, só conseguiu uma luz semelhante à das centelhas dos fogos de artifício, que se apagam antes de tocar a terra. Quanto ao Sr. de Rochefort, certamente achará a poesia malsã.
Subscrição ruanesa
Pagamentos feitos no escritório da Revista Espírita em 27 de Janeiro 1863:
Sociedade Espírita de Paris: 423 francos; Príncipe da Geórgia, 20 fr.; Srs. Aumont, livreiros, 5 fr.; Courtois, 2 fr.; Dolé, desenhista-litog., 5 fr.; Roger, 20 fr.; Yvose, 10 fr.; Sra. Hilaire, 20 fr. TOTAL: 505,00 fr.
Sociedades e grupos espíritas: de Sens, 60,05 fr.; de Orléans, 40 fr.; de Marennes, 34,50 fr.; de Saint-Malo, 15 fr. ─ Srs. Bodin, (de Cognac), 20 fr.; Borreau (de Niort), 3 fr.; Bitaubé (de Blaye), 5 fr.; Bourgès, lugar-tenente (de Provins), 10 fr.; Blin, cap. (de Marselha), 20 fr.; Lausat (de Condom), 5 fr.; Viseur (de Orthez), 10 fr.; Saint-Martin, arcabuzeiro (de Maubourguet), 5 fr.; Petitjean, alfaiate, e seu ajudante (de Joinville H.-M.), 7 fr.; Auzanneau (de Neuvic), 10 fr.; Lafage (de Tarbes), 5 fr.; Jouffroy (de Gaillon), 6 fr.; Noël (de Bone), 10 fr.; D… (Guelma), 2,50 fr.; N… (Ilha de Ré), 9 fr. ─ de Poitiers: Sr. Barbault de la Motte, antigo magistrado, 100 fr.; Sra. Barbault de la Motte, 100 fr.; Sr. Frothier, escultor, 20 fr.; Sr. Bonvalet, operário, 10 fr. ─ Sociedade Espírita de Montreuil-sur-Mer, 74 fr. TOTAL: 497,05 francos.
Espíritas e colônia francesa de Barcelona (Espanha): Srs. Henri de Vincio, François Nerici, Ernest Lalaux, Ed. Hardy, Désiré Maigrin, Maurice Lachâtre, Srta. Marie Garette, 100 fr. ─ Srs. Achon, Ziegler, Ed. Bettiz, G. Sins, J.-C. Carpentier, Holder, Muller, J. Arto, Devenel, 80 fr.; Srta. Nérici, 5 fr.; Srs. Rovira, pai e filho, 2,60 fr.; Louis Borel, chapeleiro, 5 fr.; Simonnet, ourives, 10 fr.; Srta. Caroline Vignes, 10 fr.; Sra. Guizy, 20 fr.; Srs. Guizy, 30 fr.; E. B., 5 fr.; Emprin, comissário, 10 fr.; Marius Brunos, sapateiro, 5 fr.; Leconte, irmãos, 25 fr.; Hardy, pai, 5 fr.; Flocon, caixeiro-viajante, 5 fr.; Bonsignori, joalheiro, 1 fr.; Louis Pintrau, fundidor, 1 fr.; Canals & Cia., negociantes, 15 fr.; Cousseau & Cia., tapesseiros, 10 fr.; Tasimez Bion, 1 fr.; Subernie, 1 fr.; Dupont, 2 fr.; Irmãos Paul, fabricantes, 50 fr.; Garcerie, novidades, 10 fr.; Senhoras Curel, modas, 10 fr.; Antoinette Fournols, modista, 10 fr.; Srs. Emile Consoles, enfermeiro, 5 fr.; J. Hugon, 10 fr.; Louis Verdereau, novidades, 20 fr.; Torri, chapeleiro, 5 fr.; Joseph Faur, 1 fr.; A. C., 5 fr.; Gustave Fouquel, 1 fr.; Lavallée, 5 fr.; Fournier, 3,75 fr.; J.-J. Maumus, 3 fr.; Thiébault, 2 fr. TOTAL: 489,35 francos. Total Geral: 1.491,40 francos.[1] A subscrição continua aberta.
ALLAN KARDEC
[1] A soma das parcelas não confere com os totais parciais. Deve haver erros de revisão, impossíveis de corrigir. N. do T.
Sociedade Espírita de Paris: 423 francos; Príncipe da Geórgia, 20 fr.; Srs. Aumont, livreiros, 5 fr.; Courtois, 2 fr.; Dolé, desenhista-litog., 5 fr.; Roger, 20 fr.; Yvose, 10 fr.; Sra. Hilaire, 20 fr. TOTAL: 505,00 fr.
Sociedades e grupos espíritas: de Sens, 60,05 fr.; de Orléans, 40 fr.; de Marennes, 34,50 fr.; de Saint-Malo, 15 fr. ─ Srs. Bodin, (de Cognac), 20 fr.; Borreau (de Niort), 3 fr.; Bitaubé (de Blaye), 5 fr.; Bourgès, lugar-tenente (de Provins), 10 fr.; Blin, cap. (de Marselha), 20 fr.; Lausat (de Condom), 5 fr.; Viseur (de Orthez), 10 fr.; Saint-Martin, arcabuzeiro (de Maubourguet), 5 fr.; Petitjean, alfaiate, e seu ajudante (de Joinville H.-M.), 7 fr.; Auzanneau (de Neuvic), 10 fr.; Lafage (de Tarbes), 5 fr.; Jouffroy (de Gaillon), 6 fr.; Noël (de Bone), 10 fr.; D… (Guelma), 2,50 fr.; N… (Ilha de Ré), 9 fr. ─ de Poitiers: Sr. Barbault de la Motte, antigo magistrado, 100 fr.; Sra. Barbault de la Motte, 100 fr.; Sr. Frothier, escultor, 20 fr.; Sr. Bonvalet, operário, 10 fr. ─ Sociedade Espírita de Montreuil-sur-Mer, 74 fr. TOTAL: 497,05 francos.
Espíritas e colônia francesa de Barcelona (Espanha): Srs. Henri de Vincio, François Nerici, Ernest Lalaux, Ed. Hardy, Désiré Maigrin, Maurice Lachâtre, Srta. Marie Garette, 100 fr. ─ Srs. Achon, Ziegler, Ed. Bettiz, G. Sins, J.-C. Carpentier, Holder, Muller, J. Arto, Devenel, 80 fr.; Srta. Nérici, 5 fr.; Srs. Rovira, pai e filho, 2,60 fr.; Louis Borel, chapeleiro, 5 fr.; Simonnet, ourives, 10 fr.; Srta. Caroline Vignes, 10 fr.; Sra. Guizy, 20 fr.; Srs. Guizy, 30 fr.; E. B., 5 fr.; Emprin, comissário, 10 fr.; Marius Brunos, sapateiro, 5 fr.; Leconte, irmãos, 25 fr.; Hardy, pai, 5 fr.; Flocon, caixeiro-viajante, 5 fr.; Bonsignori, joalheiro, 1 fr.; Louis Pintrau, fundidor, 1 fr.; Canals & Cia., negociantes, 15 fr.; Cousseau & Cia., tapesseiros, 10 fr.; Tasimez Bion, 1 fr.; Subernie, 1 fr.; Dupont, 2 fr.; Irmãos Paul, fabricantes, 50 fr.; Garcerie, novidades, 10 fr.; Senhoras Curel, modas, 10 fr.; Antoinette Fournols, modista, 10 fr.; Srs. Emile Consoles, enfermeiro, 5 fr.; J. Hugon, 10 fr.; Louis Verdereau, novidades, 20 fr.; Torri, chapeleiro, 5 fr.; Joseph Faur, 1 fr.; A. C., 5 fr.; Gustave Fouquel, 1 fr.; Lavallée, 5 fr.; Fournier, 3,75 fr.; J.-J. Maumus, 3 fr.; Thiébault, 2 fr. TOTAL: 489,35 francos. Total Geral: 1.491,40 francos.[1] A subscrição continua aberta.
ALLAN KARDEC
[1] A soma das parcelas não confere com os totais parciais. Deve haver erros de revisão, impossíveis de corrigir. N. do T.
Março
Luta entre passado e o futuroNeste momento há uma verdadeira cruzada contra o Espiritismo, como nos havia sido anunciado. De vários pontos assinalam-nos escritos, discursos e até atos de violência e de intolerância. Todos os espíritas devem alegrar-se, porque essa é a prova evidente de que o Espiritismo não é uma quimera. Fariam tanto barulho por causa de uma mosca que voa?
O que, principalmente, excita essa grande cólera é a prodigiosa rapidez com que a ideia nova se propaga, malgrado tudo quanto fizeram para detê-la. Nossos adversários, forçados pela evidência a reconhecer que esse progresso invade as mais esclarecidas camadas da Sociedade, e até os homens de Ciência, estão reduzidos a deplorar esse arrastamento fatal que conduz a Sociedade inteira aos manicômios.
A troça esgotou seu arsenal de chacotas e sarcasmos, e essa arma, que dizem ser tão terrível, não conseguiu atrair os trocistas para o seu lado, prova de que no caso não há matéria para risos. Não é menos evidente que não arrebatou um só partidário da doutrina, mas, ao contrário, eles aumentaram a olhos vistos. A razão é muito simples: reconheceu-se prontamente tudo quanto há de mais profundamente religioso nessa doutrina, que toca as cordas mais sensíveis do coração; que eleva a alma ao infinito; que faz reconhecer Deus àqueles que o haviam desconhecido. Ela arrancou tantos homens do desespero, acalmou tantas dores, cicatrizou tantas feridas morais, que as piadas tolas e vulgares a ela atiradas inspiraram mais desgosto do que simpatia. Em vão os trocistas se desdobraram em esforços para provocar o riso à sua custa. Há coisas das quais a gente instintivamente sente que não pode rir sem profanação.
Contudo, se algumas pessoas, não conhecendo a doutrina senão pelas facécias de mau gosto, tivessem podido acreditar que se tratava de um sonho vão, de lucubrações de um cérebro doentio, o que se passa é bem feito para desenganá-las. Ouvindo tantas declamações furibundas, devem dizer para si mesmas que é mais sério do que pensavam.
A população pode dividir-se em três classes: os crentes, os incrédulos e os indiferentes. Se o número de crentes centuplicou em alguns anos, foi à custa de duas outras categorias. Mas os Espíritos que dirigem o movimento acharam que as coisas ainda não iam bastante depressa. Há ainda, disseram eles, muita gente que não ouviu falar de Espiritismo, sobretudo no campo. Já é tempo de a doutrina ali penetrar. Além disso, é preciso despertar os indiferentes entorpecidos.
A troça fez o seu papel de propaganda involuntária, mas tirou todas as flechas de sua aljava, e os dardos que lança agora estão rombudos. Agora é um foguinho pálido. É preciso algo de mais vigoroso, que faça mais barulho que o tinido dos folhetins; que repercuta até nas solidões. É preciso que a última aldeia ouça falar de Espiritismo. Quando a artilharia ribombar, cada um se perguntará: O que é isto? E desejará ver.
Quando fizemos a pequena brochura “O Espiritismo em sua expressão mais simples”, perguntamos aos nossos guias espirituais que efeito ela produziria. Responderam-nos: Produzirá um efeito que não esperas, isto é, teus adversários ficarão furiosos de ver uma publicação destinada por seu baixíssimo preço a espalhar-se na massa e penetrar em toda parte. Já te foi anunciado um grande desdobramento de hostilidades, e tua brochura será o sinal. Não te preocupes, pois conheces o fim. Eles se zangam em face da dificuldade de refutar teus argumentos.
─ Já que assim é, dizemos nós, essa brochura, que deveria ser vendida a 25 cêntimos, sê-lo-á por 2 sous[1]. O acontecimento justificou essas previsões e nós nos felicitamos.
Aliás, tudo o que se passa foi previsto e devia ser para o bem da causa. Quando virdes uma grande manifestação hostil, longe de vos apavorardes, alegrai-vos, pois foi dito: o ronco do trovão será o sinal da aproximação dos tempos preditos. Orai, então, meus irmãos; orai sobretudo pelos vossos inimigos, pois serão tomados de verdadeira vertigem.
Mas nem tudo está ainda realizado. As labaredas da fogueira de Barcelona não subiram o bastante. Se se repetir em qualquer parte, guardai-vos de extingui-la, pois quanto mais elevar-se, mais será vista de longe, como um farol, e ficará na lembrança das idades. Deixai a coisa correr e em parte alguma oponde violência.
Lembrai-vos de que o Cristo disse a Pedro que embainhasse a sua espada. Não imiteis as seitas que se entredevoraram em nome de um Deus de paz que cada um evocava em auxílio de seus furores. A verdade não se prova pelas perseguições, mas pelo raciocínio. Em todos os tempos as perseguições foram as armas das causas más e dos que tomam o triunfo da força bruta pelo da razão. A perseguição não é um bom meio de persuasão. Ela pode momentaneamente abater o mais fraco, jamais convencê-lo, porque, mesmo na angústia onde tiver sido mergulhado, ele exclamará como Galileu na prisão: e pur si muove! Recorrer à perseguição é provar que se conta pouco com a força da lógica. Jamais useis represálias. À violência oponde a doçura e uma inalterável tranquilidade. Fazei aos vossos inimigos o bem pelo mal. Por aí dareis um desmentido às calúnias e os forçareis a reconhecer que vossas crenças são melhores do que eles dizem.
A calúnia! direis. Pode ver-se de sangue frio nossa doutrina indignamente deformada por mentiras? Acusada de dizer o que não diz, de ensinar o contrário do que ensina, produzir o mal, quando só produz o bem? A autoridade dos que usam tal linguagem não pode falsear a opinião e retardar o progresso do Espiritismo?
Incontestavelmente, tal é o seu objetivo. Atingi-lo-ão? É outra questão, e não hesitamos em dizer que chegam a um resultado inteiramente contrário: o de desacreditarem a si mesmos e à sua própria causa.
Sem contradita, a calúnia é uma arma perigosa e pérfida, mas tem dois gumes e fere sempre a quem dela se serve. Recorrer à mentira para se defender é a prova mais forte de que não têm boas razões para dar, pois se as tivessem não deixariam de fazê-las valer.
Dizei que uma coisa é má, se tal for a vossa opinião; gritai-o de cima dos telhados, se puderdes. Ao público cabe julgar se estais certos ou errados. Mas deformá-la para apoiar o vosso sentimento, desnaturá-la, é indigno de todo homem que se respeita.
Na crítica das obras dramáticas e literárias, frequentemente veem-se apreciações opostas. Um crítico elogia sem reservas o que outro ataca. É direito seu. Mas o que pensar daquele que, para sustentar o seu ataque, fizesse o autor dizer o que não diz e lhe atribuísse maus versos para provar que sua poesia é detestável?
É assim que procedem os detratores do Espiritismo: Por suas calúnias eles mostram as fraquezas de sua própria causa e a desacreditam, mostrando a que lamentáveis extremos são obrigados a recorrer para sustentá-la. Que peso pode ter uma opinião fundada em erros manifestos? De duas, uma: ou os erros são voluntários e então está vista a má fé; ou são involuntários e o autor prova a sua inconsequência, falando do que não sabe. Num caso, como no outro, perde o direito à confiança.
O Espiritismo não é obra que marche na sombra. Ele é conhecido; seus princípios são formulados com clareza, precisão e sem ambiguidades. A calúnia não poderia, pois, atingi-lo. Para convencê-la de impostura basta dizer: lede e vede. Sem dúvida, é útil desmascará-la. Mas é preciso fazê-lo com calma, sem azedume nem recriminação, limitando-se a opor, sem palavras supérfluas, o que é ao que não é. Deixai aos vossos adversários a cólera e as injúrias, e guardai para vós o papel da força verdadeira: o da dignidade e da moderação.
Aliás, é preciso não exagerar as consequências dessas calúnias, que trazem consigo o antídoto de seu veneno e são, em definitivo, mais vantajosos que prejudiciais. Elas provocam forçosamente o exame dos homens sérios que querem julgar as coisas por si mesmas, e a isso são levados em razão da importância que lhes é dada. Ora, longe de temer o exame, o Espiritismo o provoca e só lamenta uma coisa: é que tanta gente fale dele como os cegos das cores. Mas, graças aos cuidados que os nossos adversários tomam em torná-lo conhecido, em breve esse inconveniente não existirá mais, eis tudo o que pedimos. A calúnia que ressalta de tal exame engrandece-o em vez de diminuí-lo.
Espíritas, não lamenteis, pois, essas falsificações. Elas não tiram nenhuma das qualidades do Espiritismo. Ao contrário, elas o farão sobressair com mais brilho pelo contraste, e deixarão confusos os caluniadores.
Por certo essas mentiras podem ter o efeito imediato de abusar de certas pessoas, e mesmo confundi-las, mas, o que é isso? Que são alguns indivíduos junto às massas? Vós mesmos sabeis quanto o seu número é pouco considerável. Que influências terá isto no futuro? Esse futuro vos está assegurado: os fatos realizados por ele o respondem, e cada dia vos trazem a prova da inutilidade dos ataques dos adversários.
A doutrina do Cristo não foi caluniada, qualificada de subversiva e ímpia? Ele mesmo não foi tratado como louco e impostor? Ele abalou-se por isso? Não, porque sabia que seus inimigos passariam, mas sua doutrina ficaria.
Assim será com o Espiritismo. Singular coincidência! Ele não é outra coisa senão a volta à pura lei do Cristo, e o atacam com as mesmas armas! Mas os seus detratores passarão; é uma necessidade à qual ninguém pode subtrair-se.
A geração atual se extingue todos os dias, e com ela se vão os homens imbuídos de preconceitos de outra época. A que desabrocha é alimentada por ideias novas e, aliás, sabeis que ela se compõe de Espíritos mais adiantados que, enfim, devem fazer a lei de Deus reinar na Terra.
Assim, olhai as coisas de mais alto, e não as vejais do ponto de vista estreito do presente, mas estendei vosso olhar na direção do futuro e dizei: O futuro nos pertence! Que são as questões pessoais? As pessoas passam e as instituições ficam.
Pensai que estamos num momento de transição; que assistimos à luta entre o passado, que se debate e puxa para trás, e o futuro que nasce e empurra para a frente. Qual deles vencerá? O passado é velho e caduco ─ falamos das ideias ─ enquanto o futuro é jovem e marcha para a conquista do progresso que está nas leis de Deus. Vão-se os homens do passado; chegam os do futuro.
Saibamos, pois, esperar com confiança, e felicitemo-nos por sermos os primeiros pioneiros encarregados de preparar o terreno. Se temos trabalho, teremos salário. Trabalhemos, pois, não por meio de uma propaganda furibunda e irrefletida, mas com a paciência e a perseverança do trabalhador que sabe o tempo que lhe é necessário para esperar a colheita.
Semeemos a ideia, mas não comprometamos a colheita por uma semeadura intempestiva e por nossa própria impaciência, antecipando a estação adequada a cada coisa. Cultivemos sobretudo as plantas férteis, que só precisam ser plantadas. Elas são bastante numerosas para ocupar todos os nossos instantes, sem gastar nossas forças contra as rochas inamovíveis que Deus se encarrega de abalar ou de extirpar, quando for tempo, porque se ele tem o poder de elevar montanhas, tem o de rebaixá-las.
Falemos sem dissimulação e digamos claramente que há resistências que será supérfluo tentar vencer, que se obstinam mais por amor próprio ou por interesse do que por convicção. Seria perder tempo procurar trazê-las para o nosso lado. Elas não cederão senão ante a força da opinião. Recrutemos os adeptos entre gente de boa vontade, que não falta; aumentemos a falange com todos os que, fatigados pela dúvida e horrorizados com o nada materialista, só desejam crer, e em breve seu número será tal que os outros acabarão por se render à evidência. Já se manifesta o resultado. Esperai, que em pouco vereis em vossas fileiras aqueles que só esperáveis no fim.
[1] Antiga moeda de valor equivalente a 5 cêntimos de franco.
O que, principalmente, excita essa grande cólera é a prodigiosa rapidez com que a ideia nova se propaga, malgrado tudo quanto fizeram para detê-la. Nossos adversários, forçados pela evidência a reconhecer que esse progresso invade as mais esclarecidas camadas da Sociedade, e até os homens de Ciência, estão reduzidos a deplorar esse arrastamento fatal que conduz a Sociedade inteira aos manicômios.
A troça esgotou seu arsenal de chacotas e sarcasmos, e essa arma, que dizem ser tão terrível, não conseguiu atrair os trocistas para o seu lado, prova de que no caso não há matéria para risos. Não é menos evidente que não arrebatou um só partidário da doutrina, mas, ao contrário, eles aumentaram a olhos vistos. A razão é muito simples: reconheceu-se prontamente tudo quanto há de mais profundamente religioso nessa doutrina, que toca as cordas mais sensíveis do coração; que eleva a alma ao infinito; que faz reconhecer Deus àqueles que o haviam desconhecido. Ela arrancou tantos homens do desespero, acalmou tantas dores, cicatrizou tantas feridas morais, que as piadas tolas e vulgares a ela atiradas inspiraram mais desgosto do que simpatia. Em vão os trocistas se desdobraram em esforços para provocar o riso à sua custa. Há coisas das quais a gente instintivamente sente que não pode rir sem profanação.
Contudo, se algumas pessoas, não conhecendo a doutrina senão pelas facécias de mau gosto, tivessem podido acreditar que se tratava de um sonho vão, de lucubrações de um cérebro doentio, o que se passa é bem feito para desenganá-las. Ouvindo tantas declamações furibundas, devem dizer para si mesmas que é mais sério do que pensavam.
A população pode dividir-se em três classes: os crentes, os incrédulos e os indiferentes. Se o número de crentes centuplicou em alguns anos, foi à custa de duas outras categorias. Mas os Espíritos que dirigem o movimento acharam que as coisas ainda não iam bastante depressa. Há ainda, disseram eles, muita gente que não ouviu falar de Espiritismo, sobretudo no campo. Já é tempo de a doutrina ali penetrar. Além disso, é preciso despertar os indiferentes entorpecidos.
A troça fez o seu papel de propaganda involuntária, mas tirou todas as flechas de sua aljava, e os dardos que lança agora estão rombudos. Agora é um foguinho pálido. É preciso algo de mais vigoroso, que faça mais barulho que o tinido dos folhetins; que repercuta até nas solidões. É preciso que a última aldeia ouça falar de Espiritismo. Quando a artilharia ribombar, cada um se perguntará: O que é isto? E desejará ver.
Quando fizemos a pequena brochura “O Espiritismo em sua expressão mais simples”, perguntamos aos nossos guias espirituais que efeito ela produziria. Responderam-nos: Produzirá um efeito que não esperas, isto é, teus adversários ficarão furiosos de ver uma publicação destinada por seu baixíssimo preço a espalhar-se na massa e penetrar em toda parte. Já te foi anunciado um grande desdobramento de hostilidades, e tua brochura será o sinal. Não te preocupes, pois conheces o fim. Eles se zangam em face da dificuldade de refutar teus argumentos.
─ Já que assim é, dizemos nós, essa brochura, que deveria ser vendida a 25 cêntimos, sê-lo-á por 2 sous[1]. O acontecimento justificou essas previsões e nós nos felicitamos.
Aliás, tudo o que se passa foi previsto e devia ser para o bem da causa. Quando virdes uma grande manifestação hostil, longe de vos apavorardes, alegrai-vos, pois foi dito: o ronco do trovão será o sinal da aproximação dos tempos preditos. Orai, então, meus irmãos; orai sobretudo pelos vossos inimigos, pois serão tomados de verdadeira vertigem.
Mas nem tudo está ainda realizado. As labaredas da fogueira de Barcelona não subiram o bastante. Se se repetir em qualquer parte, guardai-vos de extingui-la, pois quanto mais elevar-se, mais será vista de longe, como um farol, e ficará na lembrança das idades. Deixai a coisa correr e em parte alguma oponde violência.
Lembrai-vos de que o Cristo disse a Pedro que embainhasse a sua espada. Não imiteis as seitas que se entredevoraram em nome de um Deus de paz que cada um evocava em auxílio de seus furores. A verdade não se prova pelas perseguições, mas pelo raciocínio. Em todos os tempos as perseguições foram as armas das causas más e dos que tomam o triunfo da força bruta pelo da razão. A perseguição não é um bom meio de persuasão. Ela pode momentaneamente abater o mais fraco, jamais convencê-lo, porque, mesmo na angústia onde tiver sido mergulhado, ele exclamará como Galileu na prisão: e pur si muove! Recorrer à perseguição é provar que se conta pouco com a força da lógica. Jamais useis represálias. À violência oponde a doçura e uma inalterável tranquilidade. Fazei aos vossos inimigos o bem pelo mal. Por aí dareis um desmentido às calúnias e os forçareis a reconhecer que vossas crenças são melhores do que eles dizem.
A calúnia! direis. Pode ver-se de sangue frio nossa doutrina indignamente deformada por mentiras? Acusada de dizer o que não diz, de ensinar o contrário do que ensina, produzir o mal, quando só produz o bem? A autoridade dos que usam tal linguagem não pode falsear a opinião e retardar o progresso do Espiritismo?
Incontestavelmente, tal é o seu objetivo. Atingi-lo-ão? É outra questão, e não hesitamos em dizer que chegam a um resultado inteiramente contrário: o de desacreditarem a si mesmos e à sua própria causa.
Sem contradita, a calúnia é uma arma perigosa e pérfida, mas tem dois gumes e fere sempre a quem dela se serve. Recorrer à mentira para se defender é a prova mais forte de que não têm boas razões para dar, pois se as tivessem não deixariam de fazê-las valer.
Dizei que uma coisa é má, se tal for a vossa opinião; gritai-o de cima dos telhados, se puderdes. Ao público cabe julgar se estais certos ou errados. Mas deformá-la para apoiar o vosso sentimento, desnaturá-la, é indigno de todo homem que se respeita.
Na crítica das obras dramáticas e literárias, frequentemente veem-se apreciações opostas. Um crítico elogia sem reservas o que outro ataca. É direito seu. Mas o que pensar daquele que, para sustentar o seu ataque, fizesse o autor dizer o que não diz e lhe atribuísse maus versos para provar que sua poesia é detestável?
É assim que procedem os detratores do Espiritismo: Por suas calúnias eles mostram as fraquezas de sua própria causa e a desacreditam, mostrando a que lamentáveis extremos são obrigados a recorrer para sustentá-la. Que peso pode ter uma opinião fundada em erros manifestos? De duas, uma: ou os erros são voluntários e então está vista a má fé; ou são involuntários e o autor prova a sua inconsequência, falando do que não sabe. Num caso, como no outro, perde o direito à confiança.
O Espiritismo não é obra que marche na sombra. Ele é conhecido; seus princípios são formulados com clareza, precisão e sem ambiguidades. A calúnia não poderia, pois, atingi-lo. Para convencê-la de impostura basta dizer: lede e vede. Sem dúvida, é útil desmascará-la. Mas é preciso fazê-lo com calma, sem azedume nem recriminação, limitando-se a opor, sem palavras supérfluas, o que é ao que não é. Deixai aos vossos adversários a cólera e as injúrias, e guardai para vós o papel da força verdadeira: o da dignidade e da moderação.
Aliás, é preciso não exagerar as consequências dessas calúnias, que trazem consigo o antídoto de seu veneno e são, em definitivo, mais vantajosos que prejudiciais. Elas provocam forçosamente o exame dos homens sérios que querem julgar as coisas por si mesmas, e a isso são levados em razão da importância que lhes é dada. Ora, longe de temer o exame, o Espiritismo o provoca e só lamenta uma coisa: é que tanta gente fale dele como os cegos das cores. Mas, graças aos cuidados que os nossos adversários tomam em torná-lo conhecido, em breve esse inconveniente não existirá mais, eis tudo o que pedimos. A calúnia que ressalta de tal exame engrandece-o em vez de diminuí-lo.
Espíritas, não lamenteis, pois, essas falsificações. Elas não tiram nenhuma das qualidades do Espiritismo. Ao contrário, elas o farão sobressair com mais brilho pelo contraste, e deixarão confusos os caluniadores.
Por certo essas mentiras podem ter o efeito imediato de abusar de certas pessoas, e mesmo confundi-las, mas, o que é isso? Que são alguns indivíduos junto às massas? Vós mesmos sabeis quanto o seu número é pouco considerável. Que influências terá isto no futuro? Esse futuro vos está assegurado: os fatos realizados por ele o respondem, e cada dia vos trazem a prova da inutilidade dos ataques dos adversários.
A doutrina do Cristo não foi caluniada, qualificada de subversiva e ímpia? Ele mesmo não foi tratado como louco e impostor? Ele abalou-se por isso? Não, porque sabia que seus inimigos passariam, mas sua doutrina ficaria.
Assim será com o Espiritismo. Singular coincidência! Ele não é outra coisa senão a volta à pura lei do Cristo, e o atacam com as mesmas armas! Mas os seus detratores passarão; é uma necessidade à qual ninguém pode subtrair-se.
A geração atual se extingue todos os dias, e com ela se vão os homens imbuídos de preconceitos de outra época. A que desabrocha é alimentada por ideias novas e, aliás, sabeis que ela se compõe de Espíritos mais adiantados que, enfim, devem fazer a lei de Deus reinar na Terra.
Assim, olhai as coisas de mais alto, e não as vejais do ponto de vista estreito do presente, mas estendei vosso olhar na direção do futuro e dizei: O futuro nos pertence! Que são as questões pessoais? As pessoas passam e as instituições ficam.
Pensai que estamos num momento de transição; que assistimos à luta entre o passado, que se debate e puxa para trás, e o futuro que nasce e empurra para a frente. Qual deles vencerá? O passado é velho e caduco ─ falamos das ideias ─ enquanto o futuro é jovem e marcha para a conquista do progresso que está nas leis de Deus. Vão-se os homens do passado; chegam os do futuro.
Saibamos, pois, esperar com confiança, e felicitemo-nos por sermos os primeiros pioneiros encarregados de preparar o terreno. Se temos trabalho, teremos salário. Trabalhemos, pois, não por meio de uma propaganda furibunda e irrefletida, mas com a paciência e a perseverança do trabalhador que sabe o tempo que lhe é necessário para esperar a colheita.
Semeemos a ideia, mas não comprometamos a colheita por uma semeadura intempestiva e por nossa própria impaciência, antecipando a estação adequada a cada coisa. Cultivemos sobretudo as plantas férteis, que só precisam ser plantadas. Elas são bastante numerosas para ocupar todos os nossos instantes, sem gastar nossas forças contra as rochas inamovíveis que Deus se encarrega de abalar ou de extirpar, quando for tempo, porque se ele tem o poder de elevar montanhas, tem o de rebaixá-las.
Falemos sem dissimulação e digamos claramente que há resistências que será supérfluo tentar vencer, que se obstinam mais por amor próprio ou por interesse do que por convicção. Seria perder tempo procurar trazê-las para o nosso lado. Elas não cederão senão ante a força da opinião. Recrutemos os adeptos entre gente de boa vontade, que não falta; aumentemos a falange com todos os que, fatigados pela dúvida e horrorizados com o nada materialista, só desejam crer, e em breve seu número será tal que os outros acabarão por se render à evidência. Já se manifesta o resultado. Esperai, que em pouco vereis em vossas fileiras aqueles que só esperáveis no fim.
[1] Antiga moeda de valor equivalente a 5 cêntimos de franco.
Falsos irmãos e amigos ineptos
Como demonstramos no artigo precedente, nada poderia prevalecer contra o destino providencial do Espiritismo. Do mesmo modo que ninguém pode impedir a queda daquilo que pelas leis divinas deve cair, ─ homens, povos ou coisas ─ nada pode travar a marcha daquilo que tem de avançar.
Em relação ao Espiritismo, esta verdade ressalta dos fatos realizados e, muito mais ainda, de outro ponto capital. Se o Espiritismo fosse uma simples teoria, um sistema, poderia ser combatido por outro sistema, mas ele repousa numa lei da Natureza, assim como o movimento da Terra.
A existência dos Espíritos é inerente à espécie humana. Não é possível evitar que existam, como não se pode impedir a sua manifestação, do mesmo modo que não se impede o homem de caminhar. Para tanto eles não precisam de licença e se riem de toda proibição, pois não se deve perder de vista que, além das manifestações mediúnicas propriamente ditas, há manifestações naturais e espontâneas, que se produziram em todos os tempos e que se produzem diariamente numa porção de gente que jamais ouviu falar de Espíritos.
Quem, pois, poderia opor-se ao desenvolvimento de uma lei da Natureza? Sendo obra de Deus, insurgir-se contra essa lei é revoltar-se contra Deus. Estas considerações explicam a inutilidade dos ataques dirigidos contra o Espiritismo. O que tem os espíritas a fazer em presença dessas agressões é continuar pacificamente seus trabalhos, sem basófia, com a calma e a confiança dadas pela certeza de atingir o objetivo.
Contudo, se nada pode parar a marcha geral, há circunstâncias que podem determinar entraves parciais, como uma pequena barragem pode desacelerar o curso de um rio, sem impedi-lo de correr. Entre essas circunstâncias estão os movimentos inconsiderados de certos adeptos mais zelosos que prudentes, que não calculam bem o alcance de seus atos ou de suas palavras. Assim, produzem sobre as pessoas não iniciadas na doutrina uma impressão desfavorável, muito mais própria a afastá-las que as diatribes dos adversários.
Sem dúvida, o Espiritismo está muito difundido, mas estaria ainda mais se todos os adeptos tivessem sempre escutado os conselhos da prudência e guardado uma sábia reserva. Sem dúvida é preciso levar-lhes em conta a intenção, mas é certo que mais de um tem justificado o provérbio: “Melhor um inimigo declarado que um amigo inepto.”
O pior disto é fornecer armas aos adversários, que sabem explorar habilmente uma falha. Nunca seria demais recomendar aos espíritas refletir maduramente antes de agir. Em tais casos manda a prudência não se bastar à opinião pessoal. Hoje, que de todos os lados se formam grupos ou sociedades, nada mais simples que se reunir antes de agir. Não tendo em vista senão o bem da causa, o verdadeiro espírita sabe fazer abnegação do amor próprio. Crer em sua infalibilidade, recusar o conselho da maioria e persistir num caminho que se revela mau e comprometedor, não é atitude do verdadeiro espírita. Seria dar prova de orgulho, senão de obsessão.
Entre as inabilidades colocam-se em primeira linha as publicações intempestivas ou excêntricas, por serem fatos de maior repercussão. Nenhum espírita ignora que os Espíritos estão longe de possuir a ciência suprema, pois muitos dentre eles sabem menos que certos homens e também, como certos homens, têm a pretensão de saber tudo. Sobre todas as coisas têm sua opinião pessoal, que pode estar certa ou errada. Ora, ainda como os homens, os que têm ideias mais falsas são os mais cabeçudos. Esses falsos sábios falam de tudo, armam sistemas, criam utopias ou ditam as coisas mais excêntricas e sentem-se felizes quando encontram intérpretes complacentes e crédulos que aceitam as suas elucubrações de olhos fechados. Tais publicações têm inconvenientes muito graves, porque o próprio médium, enganado, seduzido muitas vezes por um nome apócrifo, as dá como coisas sérias das quais a crítica se apodera para denegrir o Espiritismo, ao passo que, com menos presunção, bastaria ter-se aconselhado com os colegas para ser esclarecido. É muito raro que, neste caso, o médium não ceda às injunções de um Espírito que, ainda como certos homens, quer ser publicado a qualquer preço. Com mais experiência ele saberia que os Espíritos verdadeiramente superiores aconselham, mas nem se impõem nem adulam jamais e que toda prescrição imperiosa é um sinal suspeito.
Quando o Espiritismo estiver completamente assente e conhecido, as publicações dessa natureza não terão mais inconvenientes que os maus tratados de ciência em nossos dias. Mas no começo — repetimo-lo – elas têm um lado muito prejudicial. Assim, em se tratando de publicidade, toda circunspecção é pouca e não se calcularia com bastante cuidado o efeito que talvez produzisse sobre o leitor. Em resumo, é um grave erro crer-se obrigado a publicar tudo quanto ditam os Espíritos, porque, se os há bons e esclarecidos, também os há maus e ignorantes. Importa fazer uma escolha muito rigorosa de suas comunicações e afastar tudo quanto for inútil, insignificante, falso ou de natureza a produzir má impressão. E necessário semear, sem dúvida, mas semear boa semente e em tempo oportuno.
Passemos a assunto ainda mais grave, os falsos irmãos. Os adversários do Espiritismo, alguns pelo menos, porquanto existem os de boa-fé, eles não são, como se sabe, absolutamente escrupulosos quanto à escolha dos meios. Para eles tudo vale na guerra, e quando não se pode tomar a cidadela de assalto, mina-se-lhe as bases. Na falta de boas razões, que são as armas leais, vemo-los diariamente despejar mentiras e calúnias sobre o Espiritismo. A calúnia é odiosa, eles bem o sabem, e a mentira pode ser desmentida. Assim, procuram fatos para justificar-se. Mas como achar fatos comprometedores entre gente séria, senão os produzindo por si mesmos ou pelos afiliados? O perigo não está no ataque aberto, nem nas perseguições, nem mesmo nas calúnias, como vimos. Está nos artifícios ocultos empregados para desacreditar e arruinar o Espiritismo por si mesmo. Consegui-lo-ão? É o que vamos examinar.
Já chamamos a atenção para essa manobra no relatório de nossa viagem de 1862, porque, em nossa caminhada, recebemos três beijos de Judas, com os quais não nos enganamos, posto não nos tivéssemos manifestado. Aliás, tínhamos sido prevenidos antes de nossa partida, bem como das armadilhas que nos seriam preparadas. Mas ficamos de olho, certo de que um dia mostrariam as unhas, porque é tão difícil a um falso espírita imitar sempre um verdadeiro espírita, quanto a um mau Espírito simular um Espírito superior. Nem um nem outro pode sustentar seu papel por muito tempo.
De várias localidades nos indicam homens e senhoras de antecedentes e ligações suspeitas, cujo zelo aparente pelo Espiritismo apenas inspira medíocre confiança, e não nos surpreendemos de entre eles encontrar os três Judas de que falamos: eles existem nas baixas e nas altas camadas. Da parte deles muitas vezes é mais que zelo: é entusiasmo, uma admiração fanática. Em sua opinião, seu devotamento vai até o sacrifício de seus interesses e, não obstante, não atraem simpatias: um fluido malsão parece envolvê-los; sua presença nas reuniões lança um manto de gelo. Acrescente-se que os meios de subsistência de alguns é um problema, sobretudo no interior, onde todo mundo se conhece.
O que caracteriza principalmente esses pretensos adeptos é a tendência para fazer o Espiritismo sair dos caminhos da prudência e da moderação por seu ardente desejo do triunfo da verdade; a estimular as publicações excêntricas; a extasiar-se de admiração ante as comunicações apócrifas mais ridículas que eles têm o cuidado de espalhar; a provocar, nas reuniões, assuntos comprometedores sobre política e religião, sempre para a vitória da verdade que não pode ficar sob o velador. Seus elogios aos homens e às coisas são incensórios de arrebentar: são os ferrabrás do Espiritismo. Outros são mais adocicados e hipócritas. Com olhar oblíquo e palavras melosas sopram a discórdia enquanto pregam a união. Colocam em discussão, com habilidade, questões irritantes ou ferinas, assuntos de natureza a provocar dissidências. Excitam uma inveja de preponderância entre os vários grupos e ficariam encantados se os vissem a se apedrejarem e, em favor de algumas diferenças de opinião sobre questões formais ou de fundo, geralmente provocadas, erguerem bandeira contra bandeira.
Alguns, ao que dizem, fazem enorme aquisição de livros espíritas, de que os livreiros mal se apercebem, e uma propaganda intensa. Mas, por efeito do acaso, a escolha de seus adeptos é infeliz. Uma fatalidade os leva a procurar de preferência gente exaltada, de ideias obtusas, ou que já deram sinais de aberração. Depois, ao estourar um caso que deploram gritando por toda parte, constata-se que essa gente se ocupava do Espiritismo, do qual, a maior parte do tempo, não entenderam uma palavra. Aos livros espíritas que esses zelosos apóstolos distribuem generosamente, com frequência adicionam, não críticas, pois seria inabilidade, mas livros de magia e feitiçaria ou escritos políticos pouco ortodoxos, ou ignóbeis diatribes contra a religião, a fim de que, surgindo um caso, fortuito ou não, numa verificação se possa confundir tudo.
Como é mais cômodo ter as coisas na mão, para ter compadres dóceis, o que não se encontra em toda parte, alguns organizam ou fazem organizar reuniões onde se ocupam de preferência daquilo que precisamente o Espiritismo desaconselha, e onde há o cuidado de atrair estranhos que nem sempre são amigos. Ali o sagrado e o profano estão indignamente confundidos; os mais venerados nomes são misturados às mais ridículas práticas de magia negra, acompanhadas de sinais e termos cabalísticos, talismãs, tripés sibilinos e outros acessórios. Alguns adicionam, como complemento, e por vezes com objetivo de lucro, a cartomancia, a quiromancia, a borra de café, o sonambulismo pago etc. Espíritos complacentes, que aí encontram intérpretes não menos complacentes, predizem o futuro, leem a buena-dicha, descobrem tesouros ocultos e tios na América e, caso necessário, indicam o curso da bolsa e os números premiados na loteria. Depois, um belo dia, a justiça intervém, ou a gente lê nos jornais a descrição de uma sessão espírita à qual o autor assistiu e conta o que viu; o que viu com seus próprios olhos.
Tentareis trazer toda essa gente a ideias mais sãs? Seria trabalho perdido, e compreende-se por quê: A razão e o lado sério da doutrina não lhes interessa; é o que mais os aflige. Dizer-lhes que prejudicam a causa e que dão armas aos inimigos é agradá-los. Seu objetivo é desacreditá-la, com ares de defendê-la. Instrumentos, não temem comprometer os outros, levando-os a enfrentar os rigores da lei, nem a si mesmos, pois sabem arranjar uma compensação.
Nem sempre seu papel é idêntico: varia conforme sua posição social, suas aptidões, a natureza de suas relações e o elemento que os faz agir, mas o objetivo é sempre o mesmo. Nem todos empregam meios tão grosseiros, mas que nem por isto são menos pérfidos. Lede certas publicações que se dizem simpáticas à ideia, e mesmo aparentemente em defesa da idéia; examinai todos os pensamentos e vede se por vezes ao lado de uma aprovação posta à guisa de cobertura e de etiqueta, não descobris, como que lançado ao acaso, um pensamento insidioso, uma insinuação de sentido dúbio, um fato relatado de modo ambíguo e que pode ser interpretado desfavoravelmente. Entre estes, uns são menos velados e, sob o manto do Espiritismo, têm em vista suscitar divisões entre adeptos.
Por certo nos perguntarão se todas as torpezas de que acabamos de falar são invariavelmente manobras ocultas ou uma comédia com fim interesseiro, e se também não podem ser um movimento espontâneo. Numa palavra, se todos os espíritas são homens de bom-senso e incapazes de se enganar.
Pretender que todos os espíritas sejam infalíveis seria tão absurdo quanto a pretensão dos nossos adversários ao privilégio exclusivo da razão. Mas se alguns se enganam, é que se confundem quanto ao sentido e a finalidade da doutrina. Neste caso, sua opinião não pode fazer lei e é ilógico ou desleal, conforme a intenção, tomar a ideia individual pela ideia geral e explorar a exceção. Seria o mesmo que tomar as aberrações de alguns sábios como regra de ciência. A esses diremos: Se quiserdes saber de que lado está a presunção de verdade, estudai os princípios admitidos pela imensa maioria, se ainda não for pela unanimidade absoluta dos espíritas do mundo inteiro.
Os crentes de boa-fé, pois, podem enganar-se, e não julgamos crime se não pensarem como nós. Se, entre as torpezas acima referidas, algumas fossem apenas opinião pessoal, só poderíamos ver nisso desvios isolados, lamentáveis, mas seria injusto fazer recair a responsabilidade sobre a doutrina que os repudia claramente. Mas se dizemos que podem ser o resultado de manobras interessadas, é que nosso quadro é feito sobre modelos. Ora, como é a única coisa que o Espiritismo tem realmente a temer no momento, convidamos todos os adeptos sinceros a se porem em guarda, evitando as ciladas que lhes poderiam armar. Para tanto não seria demasiada a circunspecção na escolha de elementos a introduzir nas reuniões, nem a cuidadosa repulsa a todas as sugestões que tendessem a desnaturar o caráter essencialmente moral. Mantendo a ordem, a dignidade e a gravidade que convém a homens sérios, ocupados com uma coisa séria, fecharão o acesso aos malintencionados, que se retirarão quando reconhecerem que aí nada têm a fazer. Pelos mesmos motivos, devem declinar de toda solidariedade com as reuniões formadas fora das condições prescritas pela sã razão e pelos verdadeiros princípios da doutrina, se eles não puderem conduzi-los ao bom caminho.
Como se vê, há certamente uma grande diferença entre falsos irmãos e amigos ineptos, mas, sem o querer, o resultado pode ser o mesmo: desacreditar a doutrina. A nuança que os separa frequentemente está apenas na intenção, o que, por vezes, permitiria a confusão, e, vendo-os servir aos interesses do partido contrário, supor que por este foram conquistados. A circunspecção é, pois, sobretudo neste momento, mais necessária que nunca, pois não devemos esquecer que palavras, ações e escritos inconsiderados são explorados, e que os adversários se encantam por poderem dizer que isto vem dos Espíritos.
Neste estado de coisas, compreende-se que armas a especulação, em razão dos abusos aos quais ela pode dar lugar, pode oferecer aos detratores para apoiar a acusação de charlatanice. Isto, pois, em certos casos, pode ser uma cilada da qual se deve desconfiar. Ora, como não há charlatanice filantrópica, a abnegação e o desinteresse absolutos dos médiuns tiram dos detratores um de seus mais poderosos meios de denegrir, cortando cerce toda discussão a respeito desse assunto.
Levar a desconfiança ao excesso seria um erro grave, sem dúvida, mas em tempo de guerra, e quando se conhece a tática do inimigo, a prudência torna-se uma necessidade que não exclui nem a moderação nem a observação das conveniências, das quais nunca nos devemos separar.
Por outro lado, não nos deveríamos enganar quanto ao caráter do verdadeiro espírita, pois há nele uma franqueza de atitudes que desafia qualquer suspeita, sobretudo quando corroborada pela prática dos princípios da doutrina. Mesmo que se erga bandeira contra bandeira, como tentam fazer nossos antagonistas, o futuro de cada uma está subordinado à soma de consolações e satisfações morais que elas trazem. Um sistema não pode prevalecer sobre outro se não for mais lógico, o que só a opinião pública pode julgar. Em todo caso, a violência, as injúrias e a acrimônia são maus antecedentes e uma recomendação ainda pior.
Resta examinar as consequências de tal estado de coisas. Essas manobras, sem dúvida, podem levar momentaneamente a algumas perturbações parciais, razão pela qual é necessário adiá-las tanto quanto possível, mas não prejudicariam o futuro, em primeiro lugar porque terão um tempo restrito, de vez que são uma manobra da oposição que cairá pela força das coisas; em segundo lugar porque, digam o que disserem e façam o que fizerem, jamais tirarão da doutrina seu caráter distintivo, sua filosofia racional e sua moral consoladora. Por mais que a torturem e deformem, por mais que façam falar os Espíritos à sua vontade ou recolham comunicações apócrifas para lançar contradições, não farão prevalecer um ensino isolado, mesmo que verdadeiro e não suposto, contra aquele que é dado por toda parte.
O Espiritismo se distingue de todas as outras filosofias porque não é concepção filosófica de um homem só, mas de um ensino que cada um pode receber em todos os cantos da Terra, e tal é a consagração que O Livro dos Espíritos recebeu. Escrito sem equívocos possíveis e ao alcance de todas as inteligências, esse livro será sempre a expressão clara e exata da doutrina e a transmitirá intacta aos que vierem depois de nós. As cóleras que ele excita são indícios do papel que tem de representar, e da dificuldade de lhe opor algo de mais sério. O que fez o rápido sucesso da Doutrina Espírita foram as consolações e as esperanças que ela dá. Todo sistema que, pela negação dos princípios fundamentais, tendesse a destruir a própria fonte dessas consolações, não poderia ser acolhido com indulgência.
É preciso não perder de vista que estamos, como já dissemos, em momento de transição, e que nenhuma transição se opera sem conflito. Não se admirem de ver agitarem-se as paixões em jogo, as ambições comprometidas, as pretensões frustradas, e cada um tentar retomar o que lhe escapa, aferrando-se ao passado. Pouco a pouco, tudo isso se extingue. A febre se acalma, os homens passam e as ideias novas ficam.
Espíritas, elevai-vos pelo pensamento. Lançai vosso olhar vinte anos para a frente, e o presente não mais vos inquietará.
Em relação ao Espiritismo, esta verdade ressalta dos fatos realizados e, muito mais ainda, de outro ponto capital. Se o Espiritismo fosse uma simples teoria, um sistema, poderia ser combatido por outro sistema, mas ele repousa numa lei da Natureza, assim como o movimento da Terra.
A existência dos Espíritos é inerente à espécie humana. Não é possível evitar que existam, como não se pode impedir a sua manifestação, do mesmo modo que não se impede o homem de caminhar. Para tanto eles não precisam de licença e se riem de toda proibição, pois não se deve perder de vista que, além das manifestações mediúnicas propriamente ditas, há manifestações naturais e espontâneas, que se produziram em todos os tempos e que se produzem diariamente numa porção de gente que jamais ouviu falar de Espíritos.
Quem, pois, poderia opor-se ao desenvolvimento de uma lei da Natureza? Sendo obra de Deus, insurgir-se contra essa lei é revoltar-se contra Deus. Estas considerações explicam a inutilidade dos ataques dirigidos contra o Espiritismo. O que tem os espíritas a fazer em presença dessas agressões é continuar pacificamente seus trabalhos, sem basófia, com a calma e a confiança dadas pela certeza de atingir o objetivo.
Contudo, se nada pode parar a marcha geral, há circunstâncias que podem determinar entraves parciais, como uma pequena barragem pode desacelerar o curso de um rio, sem impedi-lo de correr. Entre essas circunstâncias estão os movimentos inconsiderados de certos adeptos mais zelosos que prudentes, que não calculam bem o alcance de seus atos ou de suas palavras. Assim, produzem sobre as pessoas não iniciadas na doutrina uma impressão desfavorável, muito mais própria a afastá-las que as diatribes dos adversários.
Sem dúvida, o Espiritismo está muito difundido, mas estaria ainda mais se todos os adeptos tivessem sempre escutado os conselhos da prudência e guardado uma sábia reserva. Sem dúvida é preciso levar-lhes em conta a intenção, mas é certo que mais de um tem justificado o provérbio: “Melhor um inimigo declarado que um amigo inepto.”
O pior disto é fornecer armas aos adversários, que sabem explorar habilmente uma falha. Nunca seria demais recomendar aos espíritas refletir maduramente antes de agir. Em tais casos manda a prudência não se bastar à opinião pessoal. Hoje, que de todos os lados se formam grupos ou sociedades, nada mais simples que se reunir antes de agir. Não tendo em vista senão o bem da causa, o verdadeiro espírita sabe fazer abnegação do amor próprio. Crer em sua infalibilidade, recusar o conselho da maioria e persistir num caminho que se revela mau e comprometedor, não é atitude do verdadeiro espírita. Seria dar prova de orgulho, senão de obsessão.
Entre as inabilidades colocam-se em primeira linha as publicações intempestivas ou excêntricas, por serem fatos de maior repercussão. Nenhum espírita ignora que os Espíritos estão longe de possuir a ciência suprema, pois muitos dentre eles sabem menos que certos homens e também, como certos homens, têm a pretensão de saber tudo. Sobre todas as coisas têm sua opinião pessoal, que pode estar certa ou errada. Ora, ainda como os homens, os que têm ideias mais falsas são os mais cabeçudos. Esses falsos sábios falam de tudo, armam sistemas, criam utopias ou ditam as coisas mais excêntricas e sentem-se felizes quando encontram intérpretes complacentes e crédulos que aceitam as suas elucubrações de olhos fechados. Tais publicações têm inconvenientes muito graves, porque o próprio médium, enganado, seduzido muitas vezes por um nome apócrifo, as dá como coisas sérias das quais a crítica se apodera para denegrir o Espiritismo, ao passo que, com menos presunção, bastaria ter-se aconselhado com os colegas para ser esclarecido. É muito raro que, neste caso, o médium não ceda às injunções de um Espírito que, ainda como certos homens, quer ser publicado a qualquer preço. Com mais experiência ele saberia que os Espíritos verdadeiramente superiores aconselham, mas nem se impõem nem adulam jamais e que toda prescrição imperiosa é um sinal suspeito.
Quando o Espiritismo estiver completamente assente e conhecido, as publicações dessa natureza não terão mais inconvenientes que os maus tratados de ciência em nossos dias. Mas no começo — repetimo-lo – elas têm um lado muito prejudicial. Assim, em se tratando de publicidade, toda circunspecção é pouca e não se calcularia com bastante cuidado o efeito que talvez produzisse sobre o leitor. Em resumo, é um grave erro crer-se obrigado a publicar tudo quanto ditam os Espíritos, porque, se os há bons e esclarecidos, também os há maus e ignorantes. Importa fazer uma escolha muito rigorosa de suas comunicações e afastar tudo quanto for inútil, insignificante, falso ou de natureza a produzir má impressão. E necessário semear, sem dúvida, mas semear boa semente e em tempo oportuno.
Passemos a assunto ainda mais grave, os falsos irmãos. Os adversários do Espiritismo, alguns pelo menos, porquanto existem os de boa-fé, eles não são, como se sabe, absolutamente escrupulosos quanto à escolha dos meios. Para eles tudo vale na guerra, e quando não se pode tomar a cidadela de assalto, mina-se-lhe as bases. Na falta de boas razões, que são as armas leais, vemo-los diariamente despejar mentiras e calúnias sobre o Espiritismo. A calúnia é odiosa, eles bem o sabem, e a mentira pode ser desmentida. Assim, procuram fatos para justificar-se. Mas como achar fatos comprometedores entre gente séria, senão os produzindo por si mesmos ou pelos afiliados? O perigo não está no ataque aberto, nem nas perseguições, nem mesmo nas calúnias, como vimos. Está nos artifícios ocultos empregados para desacreditar e arruinar o Espiritismo por si mesmo. Consegui-lo-ão? É o que vamos examinar.
Já chamamos a atenção para essa manobra no relatório de nossa viagem de 1862, porque, em nossa caminhada, recebemos três beijos de Judas, com os quais não nos enganamos, posto não nos tivéssemos manifestado. Aliás, tínhamos sido prevenidos antes de nossa partida, bem como das armadilhas que nos seriam preparadas. Mas ficamos de olho, certo de que um dia mostrariam as unhas, porque é tão difícil a um falso espírita imitar sempre um verdadeiro espírita, quanto a um mau Espírito simular um Espírito superior. Nem um nem outro pode sustentar seu papel por muito tempo.
De várias localidades nos indicam homens e senhoras de antecedentes e ligações suspeitas, cujo zelo aparente pelo Espiritismo apenas inspira medíocre confiança, e não nos surpreendemos de entre eles encontrar os três Judas de que falamos: eles existem nas baixas e nas altas camadas. Da parte deles muitas vezes é mais que zelo: é entusiasmo, uma admiração fanática. Em sua opinião, seu devotamento vai até o sacrifício de seus interesses e, não obstante, não atraem simpatias: um fluido malsão parece envolvê-los; sua presença nas reuniões lança um manto de gelo. Acrescente-se que os meios de subsistência de alguns é um problema, sobretudo no interior, onde todo mundo se conhece.
O que caracteriza principalmente esses pretensos adeptos é a tendência para fazer o Espiritismo sair dos caminhos da prudência e da moderação por seu ardente desejo do triunfo da verdade; a estimular as publicações excêntricas; a extasiar-se de admiração ante as comunicações apócrifas mais ridículas que eles têm o cuidado de espalhar; a provocar, nas reuniões, assuntos comprometedores sobre política e religião, sempre para a vitória da verdade que não pode ficar sob o velador. Seus elogios aos homens e às coisas são incensórios de arrebentar: são os ferrabrás do Espiritismo. Outros são mais adocicados e hipócritas. Com olhar oblíquo e palavras melosas sopram a discórdia enquanto pregam a união. Colocam em discussão, com habilidade, questões irritantes ou ferinas, assuntos de natureza a provocar dissidências. Excitam uma inveja de preponderância entre os vários grupos e ficariam encantados se os vissem a se apedrejarem e, em favor de algumas diferenças de opinião sobre questões formais ou de fundo, geralmente provocadas, erguerem bandeira contra bandeira.
Alguns, ao que dizem, fazem enorme aquisição de livros espíritas, de que os livreiros mal se apercebem, e uma propaganda intensa. Mas, por efeito do acaso, a escolha de seus adeptos é infeliz. Uma fatalidade os leva a procurar de preferência gente exaltada, de ideias obtusas, ou que já deram sinais de aberração. Depois, ao estourar um caso que deploram gritando por toda parte, constata-se que essa gente se ocupava do Espiritismo, do qual, a maior parte do tempo, não entenderam uma palavra. Aos livros espíritas que esses zelosos apóstolos distribuem generosamente, com frequência adicionam, não críticas, pois seria inabilidade, mas livros de magia e feitiçaria ou escritos políticos pouco ortodoxos, ou ignóbeis diatribes contra a religião, a fim de que, surgindo um caso, fortuito ou não, numa verificação se possa confundir tudo.
Como é mais cômodo ter as coisas na mão, para ter compadres dóceis, o que não se encontra em toda parte, alguns organizam ou fazem organizar reuniões onde se ocupam de preferência daquilo que precisamente o Espiritismo desaconselha, e onde há o cuidado de atrair estranhos que nem sempre são amigos. Ali o sagrado e o profano estão indignamente confundidos; os mais venerados nomes são misturados às mais ridículas práticas de magia negra, acompanhadas de sinais e termos cabalísticos, talismãs, tripés sibilinos e outros acessórios. Alguns adicionam, como complemento, e por vezes com objetivo de lucro, a cartomancia, a quiromancia, a borra de café, o sonambulismo pago etc. Espíritos complacentes, que aí encontram intérpretes não menos complacentes, predizem o futuro, leem a buena-dicha, descobrem tesouros ocultos e tios na América e, caso necessário, indicam o curso da bolsa e os números premiados na loteria. Depois, um belo dia, a justiça intervém, ou a gente lê nos jornais a descrição de uma sessão espírita à qual o autor assistiu e conta o que viu; o que viu com seus próprios olhos.
Tentareis trazer toda essa gente a ideias mais sãs? Seria trabalho perdido, e compreende-se por quê: A razão e o lado sério da doutrina não lhes interessa; é o que mais os aflige. Dizer-lhes que prejudicam a causa e que dão armas aos inimigos é agradá-los. Seu objetivo é desacreditá-la, com ares de defendê-la. Instrumentos, não temem comprometer os outros, levando-os a enfrentar os rigores da lei, nem a si mesmos, pois sabem arranjar uma compensação.
Nem sempre seu papel é idêntico: varia conforme sua posição social, suas aptidões, a natureza de suas relações e o elemento que os faz agir, mas o objetivo é sempre o mesmo. Nem todos empregam meios tão grosseiros, mas que nem por isto são menos pérfidos. Lede certas publicações que se dizem simpáticas à ideia, e mesmo aparentemente em defesa da idéia; examinai todos os pensamentos e vede se por vezes ao lado de uma aprovação posta à guisa de cobertura e de etiqueta, não descobris, como que lançado ao acaso, um pensamento insidioso, uma insinuação de sentido dúbio, um fato relatado de modo ambíguo e que pode ser interpretado desfavoravelmente. Entre estes, uns são menos velados e, sob o manto do Espiritismo, têm em vista suscitar divisões entre adeptos.
Por certo nos perguntarão se todas as torpezas de que acabamos de falar são invariavelmente manobras ocultas ou uma comédia com fim interesseiro, e se também não podem ser um movimento espontâneo. Numa palavra, se todos os espíritas são homens de bom-senso e incapazes de se enganar.
Pretender que todos os espíritas sejam infalíveis seria tão absurdo quanto a pretensão dos nossos adversários ao privilégio exclusivo da razão. Mas se alguns se enganam, é que se confundem quanto ao sentido e a finalidade da doutrina. Neste caso, sua opinião não pode fazer lei e é ilógico ou desleal, conforme a intenção, tomar a ideia individual pela ideia geral e explorar a exceção. Seria o mesmo que tomar as aberrações de alguns sábios como regra de ciência. A esses diremos: Se quiserdes saber de que lado está a presunção de verdade, estudai os princípios admitidos pela imensa maioria, se ainda não for pela unanimidade absoluta dos espíritas do mundo inteiro.
Os crentes de boa-fé, pois, podem enganar-se, e não julgamos crime se não pensarem como nós. Se, entre as torpezas acima referidas, algumas fossem apenas opinião pessoal, só poderíamos ver nisso desvios isolados, lamentáveis, mas seria injusto fazer recair a responsabilidade sobre a doutrina que os repudia claramente. Mas se dizemos que podem ser o resultado de manobras interessadas, é que nosso quadro é feito sobre modelos. Ora, como é a única coisa que o Espiritismo tem realmente a temer no momento, convidamos todos os adeptos sinceros a se porem em guarda, evitando as ciladas que lhes poderiam armar. Para tanto não seria demasiada a circunspecção na escolha de elementos a introduzir nas reuniões, nem a cuidadosa repulsa a todas as sugestões que tendessem a desnaturar o caráter essencialmente moral. Mantendo a ordem, a dignidade e a gravidade que convém a homens sérios, ocupados com uma coisa séria, fecharão o acesso aos malintencionados, que se retirarão quando reconhecerem que aí nada têm a fazer. Pelos mesmos motivos, devem declinar de toda solidariedade com as reuniões formadas fora das condições prescritas pela sã razão e pelos verdadeiros princípios da doutrina, se eles não puderem conduzi-los ao bom caminho.
Como se vê, há certamente uma grande diferença entre falsos irmãos e amigos ineptos, mas, sem o querer, o resultado pode ser o mesmo: desacreditar a doutrina. A nuança que os separa frequentemente está apenas na intenção, o que, por vezes, permitiria a confusão, e, vendo-os servir aos interesses do partido contrário, supor que por este foram conquistados. A circunspecção é, pois, sobretudo neste momento, mais necessária que nunca, pois não devemos esquecer que palavras, ações e escritos inconsiderados são explorados, e que os adversários se encantam por poderem dizer que isto vem dos Espíritos.
Neste estado de coisas, compreende-se que armas a especulação, em razão dos abusos aos quais ela pode dar lugar, pode oferecer aos detratores para apoiar a acusação de charlatanice. Isto, pois, em certos casos, pode ser uma cilada da qual se deve desconfiar. Ora, como não há charlatanice filantrópica, a abnegação e o desinteresse absolutos dos médiuns tiram dos detratores um de seus mais poderosos meios de denegrir, cortando cerce toda discussão a respeito desse assunto.
Levar a desconfiança ao excesso seria um erro grave, sem dúvida, mas em tempo de guerra, e quando se conhece a tática do inimigo, a prudência torna-se uma necessidade que não exclui nem a moderação nem a observação das conveniências, das quais nunca nos devemos separar.
Por outro lado, não nos deveríamos enganar quanto ao caráter do verdadeiro espírita, pois há nele uma franqueza de atitudes que desafia qualquer suspeita, sobretudo quando corroborada pela prática dos princípios da doutrina. Mesmo que se erga bandeira contra bandeira, como tentam fazer nossos antagonistas, o futuro de cada uma está subordinado à soma de consolações e satisfações morais que elas trazem. Um sistema não pode prevalecer sobre outro se não for mais lógico, o que só a opinião pública pode julgar. Em todo caso, a violência, as injúrias e a acrimônia são maus antecedentes e uma recomendação ainda pior.
Resta examinar as consequências de tal estado de coisas. Essas manobras, sem dúvida, podem levar momentaneamente a algumas perturbações parciais, razão pela qual é necessário adiá-las tanto quanto possível, mas não prejudicariam o futuro, em primeiro lugar porque terão um tempo restrito, de vez que são uma manobra da oposição que cairá pela força das coisas; em segundo lugar porque, digam o que disserem e façam o que fizerem, jamais tirarão da doutrina seu caráter distintivo, sua filosofia racional e sua moral consoladora. Por mais que a torturem e deformem, por mais que façam falar os Espíritos à sua vontade ou recolham comunicações apócrifas para lançar contradições, não farão prevalecer um ensino isolado, mesmo que verdadeiro e não suposto, contra aquele que é dado por toda parte.
O Espiritismo se distingue de todas as outras filosofias porque não é concepção filosófica de um homem só, mas de um ensino que cada um pode receber em todos os cantos da Terra, e tal é a consagração que O Livro dos Espíritos recebeu. Escrito sem equívocos possíveis e ao alcance de todas as inteligências, esse livro será sempre a expressão clara e exata da doutrina e a transmitirá intacta aos que vierem depois de nós. As cóleras que ele excita são indícios do papel que tem de representar, e da dificuldade de lhe opor algo de mais sério. O que fez o rápido sucesso da Doutrina Espírita foram as consolações e as esperanças que ela dá. Todo sistema que, pela negação dos princípios fundamentais, tendesse a destruir a própria fonte dessas consolações, não poderia ser acolhido com indulgência.
É preciso não perder de vista que estamos, como já dissemos, em momento de transição, e que nenhuma transição se opera sem conflito. Não se admirem de ver agitarem-se as paixões em jogo, as ambições comprometidas, as pretensões frustradas, e cada um tentar retomar o que lhe escapa, aferrando-se ao passado. Pouco a pouco, tudo isso se extingue. A febre se acalma, os homens passam e as ideias novas ficam.
Espíritas, elevai-vos pelo pensamento. Lançai vosso olhar vinte anos para a frente, e o presente não mais vos inquietará.
Morte do Sr. Guillaume Renaud, de Lyon
Domingo, 1º. de fevereiro, realizaram-se em Lyon as exéquias do Sr. Guillaume Renaud, antigo oficial, condecorado com a medalha de Santa Helena, um dos mais antigos e fervorosos espíritas daquela cidade, muito conhecido entre seus irmãos de crença. Embora ele professasse, sobre alguns pontos de forma que combatemos, aliás pouco importantes e que não afetam o fundo da doutrina, ideias particulares que não eram partilhadas por todos, ele não era menos amado e estimado, em razão da bondade de seu caráter e de suas eminentes qualidades morais. Se tivéssemos estado em Lyon na ocasião, teríamos tido a felicidade de lançar algumas flores em seu túmulo. Que ele receba aqui, bem como sua família e seus amigos particulares, esse testemunho de nossa afetuosa lembrança.
Homem simples e modesto, o Sr. Renaud quase não era conhecido fora de Lyon. Contudo, sua morte repercutiu até numa aldeia da Haute-Saône, onde foi contada no púlpito, no domingo, 8 de fevereiro, do seguinte modo:
O vigário da paróquia, falando aos paroquianos sobre os horrores do Espiritismo, acrescentou que “o chefe dos espíritas de Lyon tinha morrido há três ou quatro dias; que tinha recusado os sacramentos; que ao seu enterro haviam comparecido apenas dois ou três espíritas, sem parentes nem sacerdotes; que se o chefe dos espíritas (fazendo alusão ao Sr. Allan Kardec) viesse a morrer, ele o lamentaria, se ele fizesse como aquele de Lyon.” Depois concluiu, dizendo que não negaria nada dessa doutrina, que não afirmava nada, a não ser que era do demônio, que age contra a vontade de Deus.
Se quiséssemos refutar todas as falsidades que atribuem ao Espiritismo, tentando adulterar sua finalidade e seu caráter, só com isso encheríamos nossa Revista. Como isto não nos inquieta, deixamos que falem, limitando-nos a recolher as notas que nos enviam, para usá-las depois, se possível, na história do Espiritismo.
Nas circunstâncias que acabamos de falar, trata-se de um fato material, sobre o qual o Sr. vigário sem dúvida foi mal informado, pois não queremos supor que conscientemente tenha desejado induzir em erro. Ele teria agido melhor, sem dúvida, se não se apressasse e se aguardasse informações mais exatas.
Acrescentaremos que nessa comuna, há pouco tempo, quando da morte de um de seus habitantes, espalharam o boato ─ de muito mau gosto, por certo ─ que a sociedade dos Irmãos Batedores, composta de sete ou oito indivíduos da comuna, queria ressuscitar os mortos, pondo-lhes na fronte emplastros feitos com uma pomada preparada pela Sociedade Espírita de Paris; que essa sociedade de irmãos batedores todas as noites ia visitar o cemitério para reanimar os mortos. As mulheres e a gente moça do bairro ficavam apavoradas a ponto de não mais ousarem sair de casa, com medo de encontrar o defunto.
Não era preciso mais para impressionar desagradavelmente algum cérebro fraco ou doentio, e se acontecesse um acidente, logo teriam culpado o Espiritismo.
Voltemos ao Sr. Renaud. Durante sua doença, inúteis esforços foram tentados para que ele fizesse uma autêntica abjuração das crenças espíritas. Não obstante, um venerável sacerdote recebeu sua confissão e lhe deu a absolvição. É certo que depois disto quiseram retirar o atestado de confissão e que a absolvição fosse declarada nula pelo clero de Saint-Jean, como tendo sido dada irrefletidamente. É um caso de consciência que não podemos resolver. Daí essa reflexão muito justa, feita em público, que aquele que recebe a absolvição antes de morrer não pode saber se ela é válida ou não, considerando-se que um padre, com a melhor das intenções, pode dála de maneira irrefletida. O clero, pois, se recusou obstinadamente a receber o corpo na igreja, porque o Sr. Renaud não quis retratar-se das convicções que lhe haviam dado tantas consolações e feito suportar com resignação as provas da vida.
Por uma questão de decoro, que será apreciada, e em razão das pessoas que seríamos forçados a citar, mantemos silêncio sobre as lamentáveis manobras que foram tentadas e as mentiras que foram contadas para provocar desordem nessa circunstância. Limitar-nos-emos a dizer que elas foram completamente contraditadas pelo bom-senso e prudência dos espíritas que, a respeito, receberam provas da benevolência das autoridades. Recomendações haviam sido feitas por todos os chefes de grupos para que não se desse resposta a nenhuma provocação.
Sobre a recusa do clero de conceder as orações da Igreja, o corpo foi levado diretamente da casa ao cemitério, seguido por aproximadamente mil pessoas, entre as quais cerca de cinquenta senhoras e moças, o que não é hábito em Lyon. Sobre o túmulo foi lida uma prece especial, por um dos assistentes, por todos escutada com a cabeça descoberta, em religioso recolhimento. Em seguida a multidão silenciosa retirou-se e tudo terminou como havia começado, na mais perfeita ordem.
Como contraste diremos que nosso antigo colega, Sr Sanson, recebeu todos os sacramentos antes de morrer; que ele foi levado à igreja e acompanhado por um padre ao cemitério, embora tivesse previamente declarado de modo formal que era espírita e não renegava nenhuma de suas convicções. Disse-lhe o padre:
─ Se, entretanto, eu fizesse a absolvição depender desta condição, que faríeis?
─ Ficaria aborrecido, respondeu o Sr. Sanson, mas persistiria, porque vossa absolvição não valeria nada.
─ Como assim? Não credes na eficácia da absolvição?
─ Sim, mas não creio na validade de uma absolvição recebida por hipocrisia. Escutai-me. O Espiritismo não é para mim apenas uma crença, um artigo de fé, é um fato tão patente quanto a vida. Como quereis que eu negue um fato que me é demonstrado como a luz que nos ilumina e ao qual devo a cura miraculosa da minha perna? Se o fizesse, seria com os lábios e não com o coração; eu seria perjuro. Então daríeis a absolvição a um perjuro. Digo que ela de nada valeria porque a daríeis à forma e não pelo fundo. Eis por que preferiria dela privar-me.
─ Meu filho, respondeu o padre, sois mais cristão do que muitos daqueles que tal se dizem.
Ouvimos estas palavras do próprio Sr. Sanson.
Como podem apresentar-se, aqui ou ali, circunstâncias semelhantes às do Sr. Renaud, esperamos que todos os espíritas sigam o exemplo dos de Lyon e que em nenhum caso percam a moderação, que é uma consequência dos princípios da doutrina, e a melhor resposta a dar aos seus detratores, que só buscam pretextos para justificar os seus ataques.
Homem simples e modesto, o Sr. Renaud quase não era conhecido fora de Lyon. Contudo, sua morte repercutiu até numa aldeia da Haute-Saône, onde foi contada no púlpito, no domingo, 8 de fevereiro, do seguinte modo:
O vigário da paróquia, falando aos paroquianos sobre os horrores do Espiritismo, acrescentou que “o chefe dos espíritas de Lyon tinha morrido há três ou quatro dias; que tinha recusado os sacramentos; que ao seu enterro haviam comparecido apenas dois ou três espíritas, sem parentes nem sacerdotes; que se o chefe dos espíritas (fazendo alusão ao Sr. Allan Kardec) viesse a morrer, ele o lamentaria, se ele fizesse como aquele de Lyon.” Depois concluiu, dizendo que não negaria nada dessa doutrina, que não afirmava nada, a não ser que era do demônio, que age contra a vontade de Deus.
Se quiséssemos refutar todas as falsidades que atribuem ao Espiritismo, tentando adulterar sua finalidade e seu caráter, só com isso encheríamos nossa Revista. Como isto não nos inquieta, deixamos que falem, limitando-nos a recolher as notas que nos enviam, para usá-las depois, se possível, na história do Espiritismo.
Nas circunstâncias que acabamos de falar, trata-se de um fato material, sobre o qual o Sr. vigário sem dúvida foi mal informado, pois não queremos supor que conscientemente tenha desejado induzir em erro. Ele teria agido melhor, sem dúvida, se não se apressasse e se aguardasse informações mais exatas.
Acrescentaremos que nessa comuna, há pouco tempo, quando da morte de um de seus habitantes, espalharam o boato ─ de muito mau gosto, por certo ─ que a sociedade dos Irmãos Batedores, composta de sete ou oito indivíduos da comuna, queria ressuscitar os mortos, pondo-lhes na fronte emplastros feitos com uma pomada preparada pela Sociedade Espírita de Paris; que essa sociedade de irmãos batedores todas as noites ia visitar o cemitério para reanimar os mortos. As mulheres e a gente moça do bairro ficavam apavoradas a ponto de não mais ousarem sair de casa, com medo de encontrar o defunto.
Não era preciso mais para impressionar desagradavelmente algum cérebro fraco ou doentio, e se acontecesse um acidente, logo teriam culpado o Espiritismo.
Voltemos ao Sr. Renaud. Durante sua doença, inúteis esforços foram tentados para que ele fizesse uma autêntica abjuração das crenças espíritas. Não obstante, um venerável sacerdote recebeu sua confissão e lhe deu a absolvição. É certo que depois disto quiseram retirar o atestado de confissão e que a absolvição fosse declarada nula pelo clero de Saint-Jean, como tendo sido dada irrefletidamente. É um caso de consciência que não podemos resolver. Daí essa reflexão muito justa, feita em público, que aquele que recebe a absolvição antes de morrer não pode saber se ela é válida ou não, considerando-se que um padre, com a melhor das intenções, pode dála de maneira irrefletida. O clero, pois, se recusou obstinadamente a receber o corpo na igreja, porque o Sr. Renaud não quis retratar-se das convicções que lhe haviam dado tantas consolações e feito suportar com resignação as provas da vida.
Por uma questão de decoro, que será apreciada, e em razão das pessoas que seríamos forçados a citar, mantemos silêncio sobre as lamentáveis manobras que foram tentadas e as mentiras que foram contadas para provocar desordem nessa circunstância. Limitar-nos-emos a dizer que elas foram completamente contraditadas pelo bom-senso e prudência dos espíritas que, a respeito, receberam provas da benevolência das autoridades. Recomendações haviam sido feitas por todos os chefes de grupos para que não se desse resposta a nenhuma provocação.
Sobre a recusa do clero de conceder as orações da Igreja, o corpo foi levado diretamente da casa ao cemitério, seguido por aproximadamente mil pessoas, entre as quais cerca de cinquenta senhoras e moças, o que não é hábito em Lyon. Sobre o túmulo foi lida uma prece especial, por um dos assistentes, por todos escutada com a cabeça descoberta, em religioso recolhimento. Em seguida a multidão silenciosa retirou-se e tudo terminou como havia começado, na mais perfeita ordem.
Como contraste diremos que nosso antigo colega, Sr Sanson, recebeu todos os sacramentos antes de morrer; que ele foi levado à igreja e acompanhado por um padre ao cemitério, embora tivesse previamente declarado de modo formal que era espírita e não renegava nenhuma de suas convicções. Disse-lhe o padre:
─ Se, entretanto, eu fizesse a absolvição depender desta condição, que faríeis?
─ Ficaria aborrecido, respondeu o Sr. Sanson, mas persistiria, porque vossa absolvição não valeria nada.
─ Como assim? Não credes na eficácia da absolvição?
─ Sim, mas não creio na validade de uma absolvição recebida por hipocrisia. Escutai-me. O Espiritismo não é para mim apenas uma crença, um artigo de fé, é um fato tão patente quanto a vida. Como quereis que eu negue um fato que me é demonstrado como a luz que nos ilumina e ao qual devo a cura miraculosa da minha perna? Se o fizesse, seria com os lábios e não com o coração; eu seria perjuro. Então daríeis a absolvição a um perjuro. Digo que ela de nada valeria porque a daríeis à forma e não pelo fundo. Eis por que preferiria dela privar-me.
─ Meu filho, respondeu o padre, sois mais cristão do que muitos daqueles que tal se dizem.
Ouvimos estas palavras do próprio Sr. Sanson.
Como podem apresentar-se, aqui ou ali, circunstâncias semelhantes às do Sr. Renaud, esperamos que todos os espíritas sigam o exemplo dos de Lyon e que em nenhum caso percam a moderação, que é uma consequência dos princípios da doutrina, e a melhor resposta a dar aos seus detratores, que só buscam pretextos para justificar os seus ataques.
Evocado no grupo central de Lyon, trinta e seis horas após sua morte, o Sr. Renaud deu a seguinte comunicação:
“Ainda estou um pouco embaraçado para comunicar-me, e posto encontre aqui rostos amigos e corações simpáticos, sinto-me quase envergonhado ou, para melhor dizer, meu pensamento está um pouco jovem. Oh! senhora B..., que diferença e que mudança na minha posição! Muito obrigado por vossa constante afeição. Obrigado, senhora V..., por vossas boas visitas e por vossa acolhida.
“Perguntais e quereis saber o que me aconteceu desde ontem. Comecei por me destacar do corpo, pela manhã. Parecia-me que eu evaporava. Eu sentia o sangue coagular-se nas veias e parecia que me ia aniquilar. Pouco a pouco perdi a percepção das ideias e adormeci com certa dor compressiva, depois despertei e então vi em redor de mim Espíritos que me cercavam e festejavam. Então fiquei um pouco confuso, pois não distinguia bem os mortos dos vivos; as lágrimas e as alegrias me perturbaram um pouco a cabeça, e de todos os lados me chamavam, como ainda neste momento. Sim, graças aos verdadeiros amigos que me protegeram, evocado e encorajado nessa dura passagem, pois há sofrimento no desligamento, e não é sem dor muito viva que o Espírito deixa o corpo, compreendo o grito de chegada e o suspiro da partida. Já fui evocado várias vezes, por isso estou fatigado como um viajante que varou a noite.
“Antes de partir, permitireis que volte para apertar a mão de todos?
“Ainda estou um pouco embaraçado para comunicar-me, e posto encontre aqui rostos amigos e corações simpáticos, sinto-me quase envergonhado ou, para melhor dizer, meu pensamento está um pouco jovem. Oh! senhora B..., que diferença e que mudança na minha posição! Muito obrigado por vossa constante afeição. Obrigado, senhora V..., por vossas boas visitas e por vossa acolhida.
“Perguntais e quereis saber o que me aconteceu desde ontem. Comecei por me destacar do corpo, pela manhã. Parecia-me que eu evaporava. Eu sentia o sangue coagular-se nas veias e parecia que me ia aniquilar. Pouco a pouco perdi a percepção das ideias e adormeci com certa dor compressiva, depois despertei e então vi em redor de mim Espíritos que me cercavam e festejavam. Então fiquei um pouco confuso, pois não distinguia bem os mortos dos vivos; as lágrimas e as alegrias me perturbaram um pouco a cabeça, e de todos os lados me chamavam, como ainda neste momento. Sim, graças aos verdadeiros amigos que me protegeram, evocado e encorajado nessa dura passagem, pois há sofrimento no desligamento, e não é sem dor muito viva que o Espírito deixa o corpo, compreendo o grito de chegada e o suspiro da partida. Já fui evocado várias vezes, por isso estou fatigado como um viajante que varou a noite.
“Antes de partir, permitireis que volte para apertar a mão de todos?
“G. RENAUD”
O Sr. Renaud foi evocado na Sociedade de Paris. Por falta de espaço adiamos a publicação.
Resposta da sociedade espírita de Paris a questões religiosas (Resumo do relatório verbal da sessão de 13 de fevereiro de 1863)
Foi dada a conhecer uma carta dirigida de Tonnay-Charente (Charente Inferior) ao Sr. Allan Kardec, com as respostas ditadas a um médium daquela cidade, sobre perguntas das mais delicadas sobre dogmas da Igreja. Essas perguntas, dirigidas ao Espírito de Jesus, filho de Deus, evocado para tal fim, são estas:
1.º ─ O inferno é eterno?
2.º ─ Podereis pôr ao alcance de minha inteligência a explicação que vos pedi sobre a cena que precedeu a vossa paixão?
3.º ─ Por que se realizou a vossa paixão?
4.º ─ Que devo pensar da comunhão? Estais na hóstia, meu Jesus?
5.º ─ Que tem de comum o poder temporal com o poder espiritual para não poder se separar dele?
6.º ─ Que tem o amor de tão precioso para estar no coração de todas as criaturas?
7.º ─ Que é a história sagrada e quem a fez?
8.º ─ Que significam as palavras história sagrada?
2.º ─ Podereis pôr ao alcance de minha inteligência a explicação que vos pedi sobre a cena que precedeu a vossa paixão?
3.º ─ Por que se realizou a vossa paixão?
4.º ─ Que devo pensar da comunhão? Estais na hóstia, meu Jesus?
5.º ─ Que tem de comum o poder temporal com o poder espiritual para não poder se separar dele?
6.º ─ Que tem o amor de tão precioso para estar no coração de todas as criaturas?
7.º ─ Que é a história sagrada e quem a fez?
8.º ─ Que significam as palavras história sagrada?
O autor da carta pede que a Sociedade se pronuncie em sessão solene sobre o valor das respostas que ele obteve, e sobre a autenticidade do nome do Espírito que as deu.
Depois de examinar o assunto, o comitê propõe a resolução seguinte, que lê à Sociedade, a qual a aprova calorosamente, por unanimidade, e pede a inserção na Revista Espírita, para instrução de todos, a fim de que se compreenda a inutilidade de dirigir, no futuro, perguntas sobre semelhantes assuntos.
Se o autor se tivesse limitado à primeira pergunta, bastaria enviá-lo a O Livro dos Espíritos, onde o assunto é tratado. Aliás, a questão é mal apresentada. Não se sabe se ele entende a eternidade como um lugar de expiação, ou das penas infligidas a cada indivíduo.
Depois de examinar o assunto, o comitê propõe a resolução seguinte, que lê à Sociedade, a qual a aprova calorosamente, por unanimidade, e pede a inserção na Revista Espírita, para instrução de todos, a fim de que se compreenda a inutilidade de dirigir, no futuro, perguntas sobre semelhantes assuntos.
Se o autor se tivesse limitado à primeira pergunta, bastaria enviá-lo a O Livro dos Espíritos, onde o assunto é tratado. Aliás, a questão é mal apresentada. Não se sabe se ele entende a eternidade como um lugar de expiação, ou das penas infligidas a cada indivíduo.
Decisão da sociedade espírita de Paris sobre perguntas dirigidas de Tonnay-Charente (Sessão de 13 de fevereiro de 1863)
A Sociedade Espírita de Paris, depois de tomar conhecimento da carta do Sr. M... e das perguntas sobre as quais deseja que ela se pronuncie em sessão solene, sente-se no dever de lembrar ao autor da carta que o fim essencial do Espiritismo é a destruição das ideias materialistas e o melhoramento moral do homem; que ele não se ocupa, absolutamente, de discutir os dogmas particulares de cada culto, deixando sua apreciação à consciência de cada um; que seria desconhecer tal fim transformá-lo em instrumento de controvérsia religiosa cujo efeito seria perpetuar um antagonismo que ele tende a eliminar, chamando todos os homens para a bandeira da caridade, e levando-os a não verem em seus semelhantes senão irmãos, sejam quais forem as suas crenças. Se, em certas religiões, há dogmas controversos, é preciso deixar ao tempo e ao progresso das luzes o cuidado de sua depuração. O perigo dos erros que poderiam encerrar desaparecerá à medida que os homens fizerem do princípio da caridade a base de sua conduta. O dever dos verdadeiros espíritas, dos que compreendem o fim providencial da doutrina, é, pois, antes de tudo, aplicar-se em combater a incredulidade e o egoísmo, que são as verdadeiras chagas da Humanidade, e a fazer prevalecer, tanto pelo exemplo quanto pela teoria, o sentimento de caridade, que deve ser a base de toda religião racional e servir de guia nas reformas sociais. As questões de fundo devem passar à frente das questões de forma. Ora, as questões de fundo são as que têm por objeto tornar os homens melhores, visto que todo progresso social ou outro não pode ser senão consequência do melhoramento das massas. É a isto que o Espiritismo tende, e assim prepara os caminhos a todos os gêneros de progressos morais. Querer agir de outra forma é começar um edifício pelo telhado, antes de assentar os alicerces. É semear antes de haver preparado o terreno.
Como aplicação dos princípios acima, a Sociedade Espírita de Paris se interdita, por seus regulamentos, a todas as questões de controvérsia religiosa, política e de economia social, e não cederá a nenhum incitamento que tenda a desviá-la dessa linha de conduta.
Por estes motivos, nem oficial nem oficiosamente ela emitiria opinião quanto ao valor das respostas ditadas ao médium do Sr. M..., por serem suas respostas essencialmente dogmáticas e até mesmo políticas, e ainda menos delas fazer objeto de uma discussão solene, como pede o autor da carta.
Quanto ao livro que deve tratar dessas questões, e cuja publicação é prescrita pelo Espírito que a ditou, a Sociedade não hesita em declarar que considera tal publicação inoportuna e perigosa, pois ela poderia fornecer armas aos inimigos do Espiritismo. Em consequência, ela acredita que é seu dever desaconselhar, como desaconselha toda publicação própria a falsear a opinião sobre o fim e as tendências da doutrina.
No que concerne à natureza do Espírito que ditou aquelas comunicações, a Sociedade julga dever lembrar que o nome que toma um Espírito jamais é garantia de sua identidade; que não é possível ver uma prova de superioridade nalgumas ideias justas que emita, se ao lado dessas encontramos outras falsas.
Os Espíritos realmente superiores são lógicos e coerentes em tudo o que dizem. Ora, não é este o caso do Espírito de que se trata. Sua pretensão de crer que esse livro deve ter como consequência levar o governo a modificar certas partes de sua política, bastaria para fazer duvidar de sua elevação e melhor ainda do nome que toma, porque isto não é racional. Sua insuficiência ressalta ainda de dois outros fatos não menos característicos.
O primeiro é que é completamente falsa a informação de que o Sr. Allan Kardec tenha recebido a missão, como pretende o Espírito, de examinar e fazer publicar o livro de que se trata. Se ele tem a missão de examiná-lo, não pode ser senão para fazer sentir os inconvenientes e combater a publicação.
O segundo fato está na maneira pela qual o Espírito exalta a missão do médium, o que jamais fazem os bons Espíritos, e o que fazem, ao contrário, os que se querem impor captando a confiança por meio de bonitas palavras, com a ajuda das quais esperam fazer passar o resto.
Em resumo, torna-se evidente para a Sociedade que o nome com que se enfeita o Espírito, que diz ser o Cristo, é apócrifo. Ela se julga no dever aconselhar o autor da carta, bem como o seu médium, a não ter ilusões sobre essas comunicações e a restringir-se ao objetivo essencial do Espiritismo.
Como aplicação dos princípios acima, a Sociedade Espírita de Paris se interdita, por seus regulamentos, a todas as questões de controvérsia religiosa, política e de economia social, e não cederá a nenhum incitamento que tenda a desviá-la dessa linha de conduta.
Por estes motivos, nem oficial nem oficiosamente ela emitiria opinião quanto ao valor das respostas ditadas ao médium do Sr. M..., por serem suas respostas essencialmente dogmáticas e até mesmo políticas, e ainda menos delas fazer objeto de uma discussão solene, como pede o autor da carta.
Quanto ao livro que deve tratar dessas questões, e cuja publicação é prescrita pelo Espírito que a ditou, a Sociedade não hesita em declarar que considera tal publicação inoportuna e perigosa, pois ela poderia fornecer armas aos inimigos do Espiritismo. Em consequência, ela acredita que é seu dever desaconselhar, como desaconselha toda publicação própria a falsear a opinião sobre o fim e as tendências da doutrina.
No que concerne à natureza do Espírito que ditou aquelas comunicações, a Sociedade julga dever lembrar que o nome que toma um Espírito jamais é garantia de sua identidade; que não é possível ver uma prova de superioridade nalgumas ideias justas que emita, se ao lado dessas encontramos outras falsas.
Os Espíritos realmente superiores são lógicos e coerentes em tudo o que dizem. Ora, não é este o caso do Espírito de que se trata. Sua pretensão de crer que esse livro deve ter como consequência levar o governo a modificar certas partes de sua política, bastaria para fazer duvidar de sua elevação e melhor ainda do nome que toma, porque isto não é racional. Sua insuficiência ressalta ainda de dois outros fatos não menos característicos.
O primeiro é que é completamente falsa a informação de que o Sr. Allan Kardec tenha recebido a missão, como pretende o Espírito, de examinar e fazer publicar o livro de que se trata. Se ele tem a missão de examiná-lo, não pode ser senão para fazer sentir os inconvenientes e combater a publicação.
O segundo fato está na maneira pela qual o Espírito exalta a missão do médium, o que jamais fazem os bons Espíritos, e o que fazem, ao contrário, os que se querem impor captando a confiança por meio de bonitas palavras, com a ajuda das quais esperam fazer passar o resto.
Em resumo, torna-se evidente para a Sociedade que o nome com que se enfeita o Espírito, que diz ser o Cristo, é apócrifo. Ela se julga no dever aconselhar o autor da carta, bem como o seu médium, a não ter ilusões sobre essas comunicações e a restringir-se ao objetivo essencial do Espiritismo.
François-Simon Louvet, do Havre
A comunicação seguinte foi dada espontaneamente, numa reunião espírita no Havre, a 12 de fevereiro de 1863.
Tende piedade de um pobre miserável que há longos anos sofre torturas cruéis! Oh! O vazio... o espaço... eu caio, eu caio, socorro! Meu Deus tive uma vida tão miserável!... Eu era um pobre diabo, por vezes passei fome nos dias da velhice. Por isso me dei à bebida e tinha vergonha e desgosto de tudo... Quis morrer e atireime.... Oh! Meu Deus, que momento!... Por que então desejar acabar com tudo, quando eu estava tão próximo do fim? Orai para que eu não veja sempre o vazio abaixo de mim... Vou me arrebentar nessas pedras. Eu vos conjuro, a vós que conheceis as misérias dos que não estão mais na Terra, eu me dirijo a vós, mesmo que não me conheçais, porque sofro tanto... Por que querer ter provas? Eu sofro, isto não basta? Se eu tivesse fome em vez deste sofrimento terrível mas invisível para vós, não hesitaríeis em me aliviar, dando-me um pedaço de pão. Eu vos peço que oreis por mim. Não posso ficar mais. Perguntai e um destes felizes que estão aqui e sabereis quem eu era. Orai por mim.
FRANÇOIS-SIMON LOUVET
Tende piedade de um pobre miserável que há longos anos sofre torturas cruéis! Oh! O vazio... o espaço... eu caio, eu caio, socorro! Meu Deus tive uma vida tão miserável!... Eu era um pobre diabo, por vezes passei fome nos dias da velhice. Por isso me dei à bebida e tinha vergonha e desgosto de tudo... Quis morrer e atireime.... Oh! Meu Deus, que momento!... Por que então desejar acabar com tudo, quando eu estava tão próximo do fim? Orai para que eu não veja sempre o vazio abaixo de mim... Vou me arrebentar nessas pedras. Eu vos conjuro, a vós que conheceis as misérias dos que não estão mais na Terra, eu me dirijo a vós, mesmo que não me conheçais, porque sofro tanto... Por que querer ter provas? Eu sofro, isto não basta? Se eu tivesse fome em vez deste sofrimento terrível mas invisível para vós, não hesitaríeis em me aliviar, dando-me um pedaço de pão. Eu vos peço que oreis por mim. Não posso ficar mais. Perguntai e um destes felizes que estão aqui e sabereis quem eu era. Orai por mim.
FRANÇOIS-SIMON LOUVET
Logo depois desta comunicação, o Espírito protetor do médium disse: Este que acaba de se dirigir a ti, minha filha, é um pobre infeliz que tinha uma prova de miséria na Terra, mas o desgosto o tomou, falhou-lhe a coragem e, infeliz, em vez de olhar para o alto, como deveria ter feito, deu-se à embriaguês, desceu aos últimos limites do desespero e pôs termo à triste prova atirando-se da torre de Francisco I, a 22 de julho de 1857. Tende piedade de sua pobre alma que não é adiantada mas tem bastante conhecimento da vida futura para sofrer e desejar uma nova prova. Pedi a Deus que lhe conceda esta graça e fareis uma boa obra. Estou feliz por vos ver reunidos, meus caros filhos; estou convosco quando vos reunis assim. Estou sempre pronto a vos dar meus ensinamentos. Se um bom Espírito não pudesse comunicar-se convosco por falta de relações físicas, eu seria seu intermediário, mas estais cercados de bons Espíritos e eu deixo que vos instruam. Perseverai na via do Senhor e sereis abençoados. Tende paciência nas provas, e não vos recuseis a fazer o bem por causa da ingratidão dos homens. Em breve os homens serão melhores, e os tempos estão próximos.
Adeus, meus bem-amados. Eu vos acompanho nas tristezas e nas alegrias.
A paz esteja com todos.
Teu Espírito Protetor
Tendo-se feito buscas, foi encontrado no Journal du Havre de 23 de julho de 1857, um artigo, cuja substância é a seguinte:
“Ontem, às quatro horas, os transeuntes do cais ficaram dolorosamente impressionados por um horrível acidente. Um homem atirou-se da torre e veio arrebentar-se nas pedras. Era um velho coitado cujas tendências para a bebida arrastaram ao suicídio. Chama-se François-Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das filhas, na Rua de la Corderie. Ele tinha sessenta e sete anos”.
NOTA: Um incrédulo, a quem foi relatado esse fato mediúnico como prova das comunicações de além-túmulo, respondeu: “Mas quem sabe se o médium não tinha conhecimento do Journal du Havre e se não construiu o romance com a notícia?”
Como se vê, a trapaça é sempre o último reduto dos negadores quando não se podem dar conta de um fato cuja evidência material não pode ser posta em dúvida. Com eles, nem mesmo basta mostrar que não se tem nada nas mãos nem nos bolsos, porque, dizem eles, os escamoteadores fazem o mesmo e, entretanto, desafiam a argúcia do observador.
A isto, perguntaremos, por nossa vez, que interesse poderia ter o médium em representar a comédia? Aqui nem se pode supor um interesse de amor-próprio numa coisa que se passa na intimidade da família, onde se enganaria apenas a si mesmo e aos seus. Aliás, quando a gente quer divertir-se, não se escolhem assuntos dessa natureza, pouco recreativos, e não é admissível que uma moça piedosa misture o nome de Deus a uma brincadeira grosseira. O desinteresse absoluto e a honorabilidade da pessoa são as melhores garantias de sinceridade e a resposta mais peremptória a dar em casos que tais.
Além disso, faremos notar o castigo infligido a esse suicida. Falecido há seis anos, ele se vê sempre caindo da torre e indo quebrar-se nas pedras; espanta-se com o vazio que há em sua frente, e isto há seis anos! Quanto tempo isso durará? Ele não sabe, e essa incerteza lhe aumenta sua angústia. Isto não equivale ao inferno e suas labaredas? Quem nos revelou tais castigos? Nós os inventamos? Não. São os próprios sofredores que no-los vêm descrever, como outros descrevem as suas alegrias.
Adeus, meus bem-amados. Eu vos acompanho nas tristezas e nas alegrias.
A paz esteja com todos.
Teu Espírito Protetor
Tendo-se feito buscas, foi encontrado no Journal du Havre de 23 de julho de 1857, um artigo, cuja substância é a seguinte:
“Ontem, às quatro horas, os transeuntes do cais ficaram dolorosamente impressionados por um horrível acidente. Um homem atirou-se da torre e veio arrebentar-se nas pedras. Era um velho coitado cujas tendências para a bebida arrastaram ao suicídio. Chama-se François-Victor-Simon Louvet. O corpo foi transportado para a casa de uma das filhas, na Rua de la Corderie. Ele tinha sessenta e sete anos”.
NOTA: Um incrédulo, a quem foi relatado esse fato mediúnico como prova das comunicações de além-túmulo, respondeu: “Mas quem sabe se o médium não tinha conhecimento do Journal du Havre e se não construiu o romance com a notícia?”
Como se vê, a trapaça é sempre o último reduto dos negadores quando não se podem dar conta de um fato cuja evidência material não pode ser posta em dúvida. Com eles, nem mesmo basta mostrar que não se tem nada nas mãos nem nos bolsos, porque, dizem eles, os escamoteadores fazem o mesmo e, entretanto, desafiam a argúcia do observador.
A isto, perguntaremos, por nossa vez, que interesse poderia ter o médium em representar a comédia? Aqui nem se pode supor um interesse de amor-próprio numa coisa que se passa na intimidade da família, onde se enganaria apenas a si mesmo e aos seus. Aliás, quando a gente quer divertir-se, não se escolhem assuntos dessa natureza, pouco recreativos, e não é admissível que uma moça piedosa misture o nome de Deus a uma brincadeira grosseira. O desinteresse absoluto e a honorabilidade da pessoa são as melhores garantias de sinceridade e a resposta mais peremptória a dar em casos que tais.
Além disso, faremos notar o castigo infligido a esse suicida. Falecido há seis anos, ele se vê sempre caindo da torre e indo quebrar-se nas pedras; espanta-se com o vazio que há em sua frente, e isto há seis anos! Quanto tempo isso durará? Ele não sabe, e essa incerteza lhe aumenta sua angústia. Isto não equivale ao inferno e suas labaredas? Quem nos revelou tais castigos? Nós os inventamos? Não. São os próprios sofredores que no-los vêm descrever, como outros descrevem as suas alegrias.
Palestras familiares de além-túmulo - Clara Rivier (Sociedade espírita de Paris, 23 de janeiro de 1863 - Médium: Sr. Leymarie)
O Sr. J..., médico em..., (Gard),
relata-nos este fato:
“Uma família de trabalhadores, meus vizinhos de campo, tinha
uma filha de dez anos, chamada Clara, completamente enferma havia quatro anos. Em toda a sua vida jamais soltou um
lamento, nem deu um sinal de impaciência. Posto sem instrução, consolava a
família aflita, falando da vida futura e da felicidade que ali devia encontrar. Morreu em
setembro de 1862, após quatro dias de torturas e convulsões, durante as quais não cessou de orar a Deus. “Não temo a morte, dizia ela, porque depois
me está reservada uma vida feliz”. Dizia a seu pai, que chorava: “Consola-te;
eu virei visitar-te; minha hora está próxima, eu o sinto, mas quando chegar, eu saberei e te avisarei
antes”.
“Com efeito, quando estava para chegar o momento fatal, chamou os seus dizendo: ‘Não tenho mais que cinco minutos de vida. Dai-me as vossas mãos’. E expirou, como havia anunciado.
“Depois disso, um Espírito batedor tem vindo visitar a casa dos Rivier, onde derruba tudo. Ele bate na mesa como se tivesse um macete; agita as cortinas, mexe na louça e joga bolas no celeiro. Esse Espírito apareceu sob a forma de Clara à irmãzinha dela, de apenas cinco anos. Segundo a menina, sua irmã lhe falou muitas vezes, e o que exclui o pensamento de incerteza é que as aparições lhe fazem soltar gritos de alegria, ou de lamentação, se não fazem logo o que ela deseja, isto é, apagar o fogo e todas as luzes do quarto onde se dá a visão, enquanto a criança não cessa de dizer: ‘Mas vejam como Clara está linda!’
“Desejando saber o que Clara queria, ela pediu ao pai que lhe devolvessem o cabelo que lhe haviam cortado, conforme costume da região. Mas, posto tivessem os pais satisfeito o desejo, levando os cabelos ao túmulo, o Espírito continuou as visitas e o barulho, que eu mesmo testemunhei, a ponto de os vizinhos e os amigos se comoverem. Então doutrinei os pais, perguntando se não tinham nada a se censurarem em relação a alguém, ou cometido qualquer ação desleal. Era provável que o Espírito os atormentasse enquanto não tivessem reparado suas faltas, para o que os aconselhei, seriamente.
“Com efeito, quando estava para chegar o momento fatal, chamou os seus dizendo: ‘Não tenho mais que cinco minutos de vida. Dai-me as vossas mãos’. E expirou, como havia anunciado.
“Depois disso, um Espírito batedor tem vindo visitar a casa dos Rivier, onde derruba tudo. Ele bate na mesa como se tivesse um macete; agita as cortinas, mexe na louça e joga bolas no celeiro. Esse Espírito apareceu sob a forma de Clara à irmãzinha dela, de apenas cinco anos. Segundo a menina, sua irmã lhe falou muitas vezes, e o que exclui o pensamento de incerteza é que as aparições lhe fazem soltar gritos de alegria, ou de lamentação, se não fazem logo o que ela deseja, isto é, apagar o fogo e todas as luzes do quarto onde se dá a visão, enquanto a criança não cessa de dizer: ‘Mas vejam como Clara está linda!’
“Desejando saber o que Clara queria, ela pediu ao pai que lhe devolvessem o cabelo que lhe haviam cortado, conforme costume da região. Mas, posto tivessem os pais satisfeito o desejo, levando os cabelos ao túmulo, o Espírito continuou as visitas e o barulho, que eu mesmo testemunhei, a ponto de os vizinhos e os amigos se comoverem. Então doutrinei os pais, perguntando se não tinham nada a se censurarem em relação a alguém, ou cometido qualquer ação desleal. Era provável que o Espírito os atormentasse enquanto não tivessem reparado suas faltas, para o que os aconselhei, seriamente.
“Durante minha ausência forçada de dez dias, a obsessão tomou
um caráter mais violento, a ponto de Rivier travar luta corpo a corpo e ter
sido derrubado. O terror apoderou-se desses infelizes, que foram consultar um
médium, o qual os aconselhou a dar uma esmola geral a todos os pobres da
região, esmola que durou dois dias. Eu vos comunicarei o resultado, e serei
feliz se receber vossos conselhos a respeito.”
1. Evocação de Clara Rivier. ─ Estou ao vosso lado, disposta a responder.
1. Evocação de Clara Rivier. ─ Estou ao vosso lado, disposta a responder.
2.
─ De onde vos vêm, posto que tão jovem e sem
instrução, as ideias elevadas que externastes
sobre a vida futura, antes de vossa morte?
─ Do pouco que devia passar no vosso mundo e de minha
precedente encarnação. Eu era médium quando deixei
a Terra e era médium
ao renascer entre vós. Era uma predestinação. Eu
sentia e via o que dizia.
3.
─ Como é que uma criança de vossa idade não
soltou nenhum lamento durante quatro anos de sofrimentos?
─ Porque o sofrimento físico era dominado por uma força
maior, a de meu anjo de guarda, que eu via
continuamente junto a mim. Ele sabia aliviar tudo o que eu sentia. Ele
tornava
minha vontade mais forte que a dor.
4.
─ Como fostes prevenida do instante da morte?
─ Meu anjo de guarda me dizia. Ele jamais
me enganou.
5.
─ Dissestes ao vosso pai: “Consola-te. Eu virei
visitar-te.” Como é que animada de tão bons sentimentos para com os
pais, vínheis atormentá-los após a morte, fazendo barulho em
sua casa?
─ Sem dúvida eu tive uma prova, ou antes, uma missão a
cumprir. Se venho rever meus pais, credes que seja por nada? Esses
ruídos, essa
perturbação, essas lutas provocadas por minha presença são uma
advertência. Sou ajudada por outros Espíritos,
cuja turbulência tem um valor, como eu tenho o meu, aparecendo à minha
irmã. Graças a nós,
muitas convicções vão surgir. Meus pais tinham que
passar por uma prova. Ela cessará em
breve, mas só depois de haver levado a convicção a uma porção de
Espíritos.
6.
─ Assim, não sois vós pessoalmente que causais
essa perturbação?
─ Sou ajudada por outros Espíritos que
servem à prova reservada a meus pais.
7.
─ Como é que vossa irmã vos reconheceu se não
sois vós que produzis as manifestações?
─ Minha irmã só viu a mim. Ela possui agora uma segunda vista
e não será a última vez que minha presença virá consolá-la e
encorajá-la.
8.
─ A esmola geral que foi aconselhada aos vossos
pais terá o efeito de cessar a obsessão?
─ A obsessão terminará quando chegar o momento necessário.
Mas, crede, a prece e a fé dão grande força para dominar a obsessão. A
própria
esmola é uma prece. Ela serve para consolar e
assim nos ajudar a levar a convicção a muitos corações. É pela fé que
devemos
levantar e salvar toda uma população. Que importa se os inimigos do
Espiritismo
gritam que é o demônio! Esse grito, em todos os tempos, motivou a
conhecê-lo, e para um que cede, há uma centena cuja curiosidade leva ao
estudo. A
obsessão e a subjugação, na verdade, são provas para quem as sofre, mas,
ao mesmo tempo, um caminho aberto a novas convicções. Esses
fatos forçam a falar dos Espíritos, cuja existência não se pode negar,
vendo o
que fazem.
OBSERVAÇÃO:
Parece evidente que, neste caso, a esmola aconselhada ao casal Rivier
era, ao
mesmo tempo, uma prova para eles, mais ou menos proveitosa conforme a
maneira que tenha sido
feita, e um meio de chamar a atenção de um maior número de pessoas para
os
fenômenos. É um meio de provar que o Espiritismo não é obra do demônio,
pois
aconselha o bem e a caridade para combater aquilo a que chamam demônios.
O
que podem fazer os adversários do Espiritismo
contra manifestações desse gênero? Podem proibir que se
ocupem com os Espíritos, mas não podem impedir que
os Espíritos venham, e a prova disso é que essas manifestações se
produzem nas
próprias casas onde não as querem provocar e que, por sua reputação de
santidade, parece que deveriam desafiá-las, caso fosse o diabo. Contra fatos não há oposição
nem negação que possam prevalecer, de onde é forçoso concluir-se
que o Espiritismo deve seguir seu curso.
9.
─ Por que, tão jovem, vos afligiram tantas
enfermidades?
─ Eu tinha faltas anteriores a expiar. Tinha usado mal a
saúde e a posição brilhante de que desfrutava na precedente encarnação. Então,
Deus me disse: “Gozaste grandemente,
desmesuradamente e sofrerás do mesmo modo; eras orgulhosa e serás humilde; eras
convencida de tua beleza e serás quebrada; em vez da vaidade esforçar-te-ás por
adquirir a bondade e a caridade.” Fiz segundo a vontade de Deus e meu anjo de
guarda ajudou-me.
10.
─ Queríeis que algo fosse dito aos vossos pais?
─ A pedido de um médium, meus pais fizeram muita caridade.
Eles tiveram razão para não orar sempre com os lábios; é necessário fazer com a
mão e com o coração. Dar aos que sofrem é orar, é ser espírita.
Deus a todas as almas deu o livre-arbítrio,
isto é, a faculdade de progredir. A todas deu a mesma aspiração, e é por isso
que o sofrimento atinge os felizes da Terra mais
do que geralmente se imagina. Assim, encurtai as distâncias pela caridade; introduzi o
pobre em vossa casa, encorajai-o, levantai-o, não o humilheis. Se em toda parte
se soubesse praticar essa grande lei da consciência, não se teria, em
determinadas épocas, essas grandes misérias que desonram os povos civilizados,
e que Deus envia para castigá-los e lhes abrir
os olhos.
Caros pais, orai a Deus; amai-vos; praticai a lei do Cristo;
não façais aos outros o que não quereríeis que
vos fosse feito; implorai a Deus que vos prove, mostrando-vos que a sua vontade
é santa e grande como ele. Prevendo o futuro, sabei armar-vos de coragem e
perseverança, porque sois chamados ainda a sofrer. É preciso saber merecer uma
boa posição num mundo melhor, onde a compreensão da justiça divina se torna a
punição dos maus Espíritos.
Estarei sempre junto de vós, caros pais. Adeus, ou melhor,
até logo. Tende resignação, caridade, amor aos semelhantes, e um dia sereis
felizes.
CLARA
OBSERVAÇÃO: Eis um belo pensamento: “O burel toca mais os vestidos bordados a ouro do que geralmente se pensa”. É uma alusão aos Espíritos que, de uma existência a outra, passam de uma posição brilhante a outra humilde e miserável, porque muitas vezes, expiam num meio ínfimo o abuso dos dons que Deus lhes havia concedido, É uma justiça que todo mundo compreende.
Outro pensamento não menos profundo é o que atribui as calamidades dos povos à infração da lei de Deus, porque Deus castiga os povos como castiga os indivíduos. É certo que se praticassem a lei da caridade, nem haveria guerras, nem grandes misérias. É a prática dessa lei que conduz o Espiritismo. Será por isso que encontra inimigos tão encarniçados? As palavras da menina a seus pais serão as de um demônio?
Outro pensamento não menos profundo é o que atribui as calamidades dos povos à infração da lei de Deus, porque Deus castiga os povos como castiga os indivíduos. É certo que se praticassem a lei da caridade, nem haveria guerras, nem grandes misérias. É a prática dessa lei que conduz o Espiritismo. Será por isso que encontra inimigos tão encarniçados? As palavras da menina a seus pais serão as de um demônio?
Fotografia dos Espíritos
O Courrier du Bas-Rhin de sábado, 3 de janeiro de 1863, (parte alemã) traz o seguinte artigo, sob o título Fotografia espectral:
“Os americanos, que nos vão à frente em muitas coisas, certamente nos ultrapassam na arte fotográfica e da evocação dos Espíritos. Em Boston, hoje, os defuntos não são apenas chamados pelos médiuns mas ainda fotografados. A descoberta maravilhosa é devida a um Sr. William Mumler, de Boston.
“É ele próprio que conta: Há algum tempo eu experimentava em meu laboratório um novo aparelho fotográfico, fazendo meu próprio retrato. De súbito senti certa pressão no braço direito e uma lassidão em todo o corpo. Mas quem descreveria o meu espanto quando vi meu retrato reproduzido e encontrei à direita a imagem de uma segunda pessoa, que não era outra senão minha prima morta? A semelhança do retrato, ao que dizem os que conheceram aquela senhora, nada deixa a desejar.
“Segue-se que, desde então, o Sr. Mumler não dá aos clientes apenas sessões espíritas, mas ainda tira fotografias dos defuntos evocados. Elas são geralmente um pouco descoradas e nevoentas e os traços bem difíceis de reconhecer, o que não impede os habitantes de Boston, esclarecidos, de declará-los verdadeiros, autênticos. Quem consideraria tão próximas as imagens espectrais!”
Caso fosse real, semelhante descoberta por certo teria imensas consequências e seria um dos fatos mais notáveis de manifestações. Contudo, aconselhamos acolhêla com prudente reserva. Os americanos que, no dizer do articulista, nos ultra passam em tantas coisas, nos ensinaram que eles também se distanciaram de nós na invenção de patranhas.
Para quem quer que conheça as propriedades do perispírito, à primeira vista a coisa não parece materialmente impossível. Veem-se surgir tantas coisas extraordinárias que de nada nos devemos admirar. Os Espíritos anunciaram manifestações de nova ordem, ainda mais surpreendentes do que as que já vimos. Esta estaria, incontestavelmente, nesse número. Mas, ainda uma vez, até uma constatação mais autêntica que o relato de um jornal, é prudente ficar com a dúvida. Se a coisa for verdadeira, será vulgarizada; enquanto se espera, é preciso evitar acreditar em todas as histórias maravilhosas que os inimigos do Espiritismo se comprazem em espalhar para torná-lo ridículo, bem como os que as aceitam muito facilmente. Além disso, é preciso observar as coisas mais detidamente, antes de atribuir aos Espíritos todos os fenômenos insólitos que não se pode explicar. Um exame atento mostra, na maioria dos casos, uma causa inteiramente material que não tinha sido notada. É uma recomendação expressa que fazemos em O Livro dos Médiuns.
Em apoio ao que acabamos de dizer, e a propósito da fotografia espírita, citaremos o artigo seguinte, tirado do la Patrie de 23 de fevereiro de 1863. Ele ajuda a nos guardarmos contra os julgamentos precipitados.
“Um jovem lord, portador de um dos nomes mais antigos e ilustres da câmara alta, cujo gosto apaixonado pela fotografia proporciona grandes e felizes sucessos a essa arte que talvez seja ainda mais uma ciência que uma arte, um jovem lord, dizia eu, acabara de perder sua irmã que ele amava com extrema ternura. Ferido no coração e lançado em profundo desânimo que muitas vezes a mágoa produz, deixou os seus aparelhos fotográficos, deixou a Inglaterra, fez uma longa viagem pelo continente e só voltou à sua residência quase real de Lancashire depois de uma ausência de quase quatro anos.
“Como sói acontecer, seu desespero havia passado do estado agudo ao crônico, isto é, sem ter perdido a intensidade, havia perdido a violência, que pouco a pouco se transformava em resignação.
“Quando os que sofrem procuram consolo, a princípio se dirigem a Deus, depois ao trabalho. Assim, pouco a pouco o jovem lord tomou o caminho do laboratório e voltou aos seus aparelhos fotográficos.
“Por uma espécie de transação com sua dor, a primeira imagem que pensou em reproduzir foi o interior da capela onde repousavam os restos mortais de sua irmã. Obtido o negativo, entrou no laboratório, submeteu a placa à preparação ordinária e expôs o clichê à luz para ter uma prova.
“Lançando os olhos sobre a prova, quase caiu sem sentidos. O interior da capela tinha vindo com grande nitidez, mas a cabeça da jovem moça defunta aparecia vagamente na parte menos iluminada da fotografia. Distinguiam-se perfeitamente seus traços suaves e belos, e até os longos panejamentos do vestido. Contudo, através desses panejamentos, os menores detalhes da capela apareciam claramente.
“O primeiro movimento do lord foi crer numa aparição. Mas logo sorriu tristemente balançando a cabeça. Com efeito, lembrou-se que alguns anos antes, sobre a mesma chapa, tinha feito uma fotografia da irmã. Não tendo o retrato saído bom, o tinha apagado, provavelmente apagado mal, pois os contornos vagos hoje se confundiam com a nova imagem impressa na chapa.
“Na Inglaterra alguns artistas exploram essa bizarra aplicação da fotografia: fabricam e vendem retratos duplos, cuja montagem produz efeitos estranhos, ou engraçados. Entre outros, mostraram-nos um castelo em ruínas, embaixo do qual transparecia seu parque, suas fachadas e seus torreões, como deveriam ter sido antes de serem destruídos.
“Fazem ainda retratos de velhos, através dos quais se veem seus rostos tais quais eles eram nos mais belos tempos da juventude.”
“Os americanos, que nos vão à frente em muitas coisas, certamente nos ultrapassam na arte fotográfica e da evocação dos Espíritos. Em Boston, hoje, os defuntos não são apenas chamados pelos médiuns mas ainda fotografados. A descoberta maravilhosa é devida a um Sr. William Mumler, de Boston.
“É ele próprio que conta: Há algum tempo eu experimentava em meu laboratório um novo aparelho fotográfico, fazendo meu próprio retrato. De súbito senti certa pressão no braço direito e uma lassidão em todo o corpo. Mas quem descreveria o meu espanto quando vi meu retrato reproduzido e encontrei à direita a imagem de uma segunda pessoa, que não era outra senão minha prima morta? A semelhança do retrato, ao que dizem os que conheceram aquela senhora, nada deixa a desejar.
“Segue-se que, desde então, o Sr. Mumler não dá aos clientes apenas sessões espíritas, mas ainda tira fotografias dos defuntos evocados. Elas são geralmente um pouco descoradas e nevoentas e os traços bem difíceis de reconhecer, o que não impede os habitantes de Boston, esclarecidos, de declará-los verdadeiros, autênticos. Quem consideraria tão próximas as imagens espectrais!”
Caso fosse real, semelhante descoberta por certo teria imensas consequências e seria um dos fatos mais notáveis de manifestações. Contudo, aconselhamos acolhêla com prudente reserva. Os americanos que, no dizer do articulista, nos ultra passam em tantas coisas, nos ensinaram que eles também se distanciaram de nós na invenção de patranhas.
Para quem quer que conheça as propriedades do perispírito, à primeira vista a coisa não parece materialmente impossível. Veem-se surgir tantas coisas extraordinárias que de nada nos devemos admirar. Os Espíritos anunciaram manifestações de nova ordem, ainda mais surpreendentes do que as que já vimos. Esta estaria, incontestavelmente, nesse número. Mas, ainda uma vez, até uma constatação mais autêntica que o relato de um jornal, é prudente ficar com a dúvida. Se a coisa for verdadeira, será vulgarizada; enquanto se espera, é preciso evitar acreditar em todas as histórias maravilhosas que os inimigos do Espiritismo se comprazem em espalhar para torná-lo ridículo, bem como os que as aceitam muito facilmente. Além disso, é preciso observar as coisas mais detidamente, antes de atribuir aos Espíritos todos os fenômenos insólitos que não se pode explicar. Um exame atento mostra, na maioria dos casos, uma causa inteiramente material que não tinha sido notada. É uma recomendação expressa que fazemos em O Livro dos Médiuns.
Em apoio ao que acabamos de dizer, e a propósito da fotografia espírita, citaremos o artigo seguinte, tirado do la Patrie de 23 de fevereiro de 1863. Ele ajuda a nos guardarmos contra os julgamentos precipitados.
“Um jovem lord, portador de um dos nomes mais antigos e ilustres da câmara alta, cujo gosto apaixonado pela fotografia proporciona grandes e felizes sucessos a essa arte que talvez seja ainda mais uma ciência que uma arte, um jovem lord, dizia eu, acabara de perder sua irmã que ele amava com extrema ternura. Ferido no coração e lançado em profundo desânimo que muitas vezes a mágoa produz, deixou os seus aparelhos fotográficos, deixou a Inglaterra, fez uma longa viagem pelo continente e só voltou à sua residência quase real de Lancashire depois de uma ausência de quase quatro anos.
“Como sói acontecer, seu desespero havia passado do estado agudo ao crônico, isto é, sem ter perdido a intensidade, havia perdido a violência, que pouco a pouco se transformava em resignação.
“Quando os que sofrem procuram consolo, a princípio se dirigem a Deus, depois ao trabalho. Assim, pouco a pouco o jovem lord tomou o caminho do laboratório e voltou aos seus aparelhos fotográficos.
“Por uma espécie de transação com sua dor, a primeira imagem que pensou em reproduzir foi o interior da capela onde repousavam os restos mortais de sua irmã. Obtido o negativo, entrou no laboratório, submeteu a placa à preparação ordinária e expôs o clichê à luz para ter uma prova.
“Lançando os olhos sobre a prova, quase caiu sem sentidos. O interior da capela tinha vindo com grande nitidez, mas a cabeça da jovem moça defunta aparecia vagamente na parte menos iluminada da fotografia. Distinguiam-se perfeitamente seus traços suaves e belos, e até os longos panejamentos do vestido. Contudo, através desses panejamentos, os menores detalhes da capela apareciam claramente.
“O primeiro movimento do lord foi crer numa aparição. Mas logo sorriu tristemente balançando a cabeça. Com efeito, lembrou-se que alguns anos antes, sobre a mesma chapa, tinha feito uma fotografia da irmã. Não tendo o retrato saído bom, o tinha apagado, provavelmente apagado mal, pois os contornos vagos hoje se confundiam com a nova imagem impressa na chapa.
“Na Inglaterra alguns artistas exploram essa bizarra aplicação da fotografia: fabricam e vendem retratos duplos, cuja montagem produz efeitos estranhos, ou engraçados. Entre outros, mostraram-nos um castelo em ruínas, embaixo do qual transparecia seu parque, suas fachadas e seus torreões, como deveriam ter sido antes de serem destruídos.
“Fazem ainda retratos de velhos, através dos quais se veem seus rostos tais quais eles eram nos mais belos tempos da juventude.”
Variedades
O Akhbar, jornal de Argel, de 10 de fevereiro de 1863, traz o seguinte artigo:
‘‘O Sr. Bispo de Argel acaba de publicar, para a quaresma de 1863, uma instrução pastoral em que trata do Espiritismo, assunto muito na ordem do dia, sobre o qual o clero da África até agora tinha guardado silêncio. Eis as passagens a ele relativas:
“É o demônio que dita a filósofos ilustres essas doutrinas malsãs de dois princípios iguais, o bem e o mal, governando com a mesma autoridade, mas em sentidos opostos: o espírito e a matéria, materialismo que tudo reporta ao corpo e nada reconhece além do túmulo; cepticismo que duvida de tudo; fatalismo, que escusa tudo, negando a liberdade e a responsabilidade humanas; metempsicose, magia e evocação dos Espíritos, tristes e vergonhosos sistemas que inteligências desviadas procuram reviver em nossos dias... (Pág. 21).
“Que história lamentável não se faria dos empreendimentos diabólicos que remontam ao cenáculo, partindo das sinagogas e das palhaçadas de Simão, o Mago, para chegar através das perseguições, dos cismas, das heresias e das incredulidades de toda natureza, ao Espiritismo de nossos dias, tão tolamente renovado de um paganismo anterior a Moisés e por ele justamente condenado como uma abominação perante Deus”. (Pág. 24)
“Os que gostam de ouvir as duas partes, em todo litígio, têm inteira facilidade de fazê-lo, porque o Espiritismo teórico e prático está amplamente explicado em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, duas obras que se encontram em todas as livrarias de Argel. Se se quiser mesmo levar seu estudo mais à frente, pode acrescentar-se a essa pequena biblioteca a Revista Espírita, pelo Sr. Allan Kardec. É, ao que nos parece, o melhor meio de verificar se o Espiritismo é, com efeito, obra do demônio, ou se, ao contrário, é uma revelação sob forma nova, como pretendem os seus adeptos.”
ARIEL
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‘‘O Sr. Bispo de Argel acaba de publicar, para a quaresma de 1863, uma instrução pastoral em que trata do Espiritismo, assunto muito na ordem do dia, sobre o qual o clero da África até agora tinha guardado silêncio. Eis as passagens a ele relativas:
“É o demônio que dita a filósofos ilustres essas doutrinas malsãs de dois princípios iguais, o bem e o mal, governando com a mesma autoridade, mas em sentidos opostos: o espírito e a matéria, materialismo que tudo reporta ao corpo e nada reconhece além do túmulo; cepticismo que duvida de tudo; fatalismo, que escusa tudo, negando a liberdade e a responsabilidade humanas; metempsicose, magia e evocação dos Espíritos, tristes e vergonhosos sistemas que inteligências desviadas procuram reviver em nossos dias... (Pág. 21).
“Que história lamentável não se faria dos empreendimentos diabólicos que remontam ao cenáculo, partindo das sinagogas e das palhaçadas de Simão, o Mago, para chegar através das perseguições, dos cismas, das heresias e das incredulidades de toda natureza, ao Espiritismo de nossos dias, tão tolamente renovado de um paganismo anterior a Moisés e por ele justamente condenado como uma abominação perante Deus”. (Pág. 24)
“Os que gostam de ouvir as duas partes, em todo litígio, têm inteira facilidade de fazê-lo, porque o Espiritismo teórico e prático está amplamente explicado em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, duas obras que se encontram em todas as livrarias de Argel. Se se quiser mesmo levar seu estudo mais à frente, pode acrescentar-se a essa pequena biblioteca a Revista Espírita, pelo Sr. Allan Kardec. É, ao que nos parece, o melhor meio de verificar se o Espiritismo é, com efeito, obra do demônio, ou se, ao contrário, é uma revelação sob forma nova, como pretendem os seus adeptos.”
ARIEL
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O Sr. Home veio a Paris, onde ficou apenas alguns dias. De vários lugares nos pedem informações sobre extraordinários fenômenos que ele teria produzido perante augustas pessoas, do que alguns jornais falaram vagamente.
Como essas coisas se passaram na intimidade, não nos cabe revelar o que não tem caráter oficial e, menos ainda, envolver certos nomes. Diremos apenas que os detratores exploraram essa circunstância, como tantas outras, para tentar lançar o ridículo sobre o Espiritismo, com histórias absurdas, sem respeito às pessoas nem às coisas.
Acrescentaremos que a passagem do Sr. Home por Paris, bem como a qualidade das casas onde foi recebido, constituem um desmentido formal às infames calúnias, segundo as quais ele teria sido expulso de Paris, como há tempos, durante uma ausência sua, tinham circulado o boato de que ele estava preso em Mazas, por motivos graves, quando estava tranquilamente em Nápoles, cuidando de sua saúde. Calúnia! Sempre a calúnia! Já é tempo de virem os Espíritos expungir delas a Terra.
Remetemos os nossos leitores aos artigos minuciosos, publicados sobre o Sr. Home e suas manifestações, na Revista Espírita, números de fevereiro, março e abril de 1858.
Como essas coisas se passaram na intimidade, não nos cabe revelar o que não tem caráter oficial e, menos ainda, envolver certos nomes. Diremos apenas que os detratores exploraram essa circunstância, como tantas outras, para tentar lançar o ridículo sobre o Espiritismo, com histórias absurdas, sem respeito às pessoas nem às coisas.
Acrescentaremos que a passagem do Sr. Home por Paris, bem como a qualidade das casas onde foi recebido, constituem um desmentido formal às infames calúnias, segundo as quais ele teria sido expulso de Paris, como há tempos, durante uma ausência sua, tinham circulado o boato de que ele estava preso em Mazas, por motivos graves, quando estava tranquilamente em Nápoles, cuidando de sua saúde. Calúnia! Sempre a calúnia! Já é tempo de virem os Espíritos expungir delas a Terra.
Remetemos os nossos leitores aos artigos minuciosos, publicados sobre o Sr. Home e suas manifestações, na Revista Espírita, números de fevereiro, março e abril de 1858.
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Um artigo publicado no Monde Illustré sobre os supostos médiuns americanos Sr. e Sra. Girroodd, também motivou muitos pedidos de informações. Nada temos a acrescentar ao que dissemos na Revista Espírita de fevereiro de 1862, senão que vimos pessoalmente, e que se veem com Robert Houdin coisas não menos inexplicáveis, quando não se conhece a meada. Nenhum espírita ou magnetizador, conhecendo as condições normais em que se produzem os fenômenos, pode levar a sério essas coisas, nem perder tempo em discuti-las seriamente.
Certos adversários ineptos quiseram explorar essas habilidades contra os fenômenos espíritas, dizendo que, se podem ser imitados é porque não existem e que todos os médiuns, a começar pelo Sr. Home, são hábeis prestidigitadores.
Eles não observam que dão armas à incredulidade contra si próprios, pois que seria possível usar o argumento contra a maioria dos milagres.
Sem destacar o que há de ilógico nesta conclusão, e sem discutir novamente os fenômenos, diremos que há entre os prestidigitadores e os médiuns a diferença do ganho ao desinteresse, da imitação à realidade, da flor artificial à flor natural. Também não podemos impedir que um escamoteador se diga médium ou físico. Não nos cabe defender nenhuma exploração desse gênero. Deixamo-la à crítica.
Certos adversários ineptos quiseram explorar essas habilidades contra os fenômenos espíritas, dizendo que, se podem ser imitados é porque não existem e que todos os médiuns, a começar pelo Sr. Home, são hábeis prestidigitadores.
Eles não observam que dão armas à incredulidade contra si próprios, pois que seria possível usar o argumento contra a maioria dos milagres.
Sem destacar o que há de ilógico nesta conclusão, e sem discutir novamente os fenômenos, diremos que há entre os prestidigitadores e os médiuns a diferença do ganho ao desinteresse, da imitação à realidade, da flor artificial à flor natural. Também não podemos impedir que um escamoteador se diga médium ou físico. Não nos cabe defender nenhuma exploração desse gênero. Deixamo-la à crítica.
Poesias espíritas
Por que lamentar-se? (Grupo espírita de pau - Médium: Sr. T)O homem foi criado ativo e inteligente;
Deus o fez o artífice de seu próprio destino.
Dois caminhos lhe abriu à sua livre escolha:
Um conduz ao mal, outro conduz ao bem.
O primeiro dos dois, de aparência suave,
Pode ser transitado sem menor esforço,
Sem estudo ou cuidado, entregue à indolência,
Dos instintos brutais entregue ao mero impulso.
É tudo o que precisa.
O outro, ao contrário,
Quer esforço seguido e trabalho constante,
Completa vigilância e atenta pesquisa,
O instinto frenado e a razão operante.
Livre, pode o homem entrar pelo primeiro,
Atolar-se na treva indefinidamente;
Ao dever preferir grosseria e paixão,
À razão sobrepor instinto, brutalidade.
Mas, também, pode, docilmente escutando
Uma voz que lhe diz:
“Nasceste para crescer,
Progredir, sair da imobilidade.”
Entrar pelo segundo cheio de nobre afã.
Seu destino será o que ele escolher:
Sombra perdida, vagando ao léu, sem rumo
Ou qual noiva feliz, que marcha sorridente
Para o homem a quem o coração uniu.
Se fizerdes o mal, podereis neste mundo,
Riqueza conquistar e títulos, honrarias.
Mas a calma da alma, alegria profunda
Filha do são desejo a banhar o coração,
Estas vos fugirão; e o remorso pungente
Vos perseguirá em meio dos festins,
Mesclando, a perturbar, a nota discordante
Aos contos de triunfo, às alegres canções.
Depois, quando tiver soado a hora derradeira,
Quando o Espírito deixar o corpo que o encerrava,
De novo penetrar na esfera moral
Onde a verdade brilha e donde o erro foge,
Onde o sofisma impuro e a torpe hipocrisia
Não penetram, e tudo é luminoso,
Fantasma acusador, vossa vida culposa
Surgirá ante vós, vossos passos seguindo.
Os crimes são os carrascos e, rico,
Estarás nu; poderoso, serás abandonado.
Fugireis aterrados, tremendo como a corça
Que foge ao caçador e se sabe perdida,
Talvez, ébrio de orgulho e de tonto sofrer
Contra Deus dirijais vosso grito blasfemo,
Culpando-o pelo mal.
Contudo a consciência
Soltará ainda mais alto o grito vingador:
“Cessa de blasfemar, homem demente e mau,
Quando Deus te criou, ativo e inteligente
Somente para ti limitou seu poder,
E te fez o artífice de tua própria sorte.
Basta a tua vontade para tornar alegria
O mal que experimentas.
Contempla radioso
Aquele que seguiu a trilha do dever,
Que lutou, que venceu e conquistou os Céus.
Prêmio do mesmo esforço, a mesma recompensa
Te aguarda.
Não lamentes.
Levanta-te.
Desse Deus justo implora toda assistência:
Trabalha, luta, ora e o Céu estará em ti.
Um Espírito Protetor
Nota. Deixamos passar falhas poéticas em favor das idéias.
Mãe e filho (Sociedade espírita de Bordeaux, 6 de julho de 1862 - Médium: Sr. Ricard)
Num berço repousava belo anjo
De rosa e branco; cantando o balançava
A jovem mãe, de eterno olhar de arcanjo,
Ébria de amor sobre o filho velava!...
Oh! Como é belo o filho de minhas ternuras!
Dorme, querido, tua mãe está bem perto...
Despertando, as primeiras carícias
E teus beijos, amigo, serão para mim!...
Ah! Como é belo, meu Deus.
Tomai-me a vida,
Se tiverdes de me levar o filho...
Deixai-mo, Senhor, eu vo-lo peço!
Sua boca já murmurou: mamã!...
Esta palavra tão doce... palavra que a gente espia
Como na primavera um raio de sol...
Uma palavra de amor, cuja doce harmonia
Ao escutá-la faz sonhar com o Céu!...
Oh! Quando envolta nos seus braços;
Quando sobre meu seio bate seu coração,
Sou feliz e minh’alma inebriada
Partilha a felicidade dos eleitos...
É tudo para mim...
A criança é meu sonho!
Viver para ela... para ela, é minha sorte.
De meu amor a vivificante seiva
Deve afastar a morte deste berço...
Breve, meu Deus, amparado por mim,
Vê-lo-ei a dar os seus primeiros passos!...
Oh! dia feliz... que impaciente espero...
Temo sempre, sempre que não chegues!
E ainda nessa doce esperança,
Vejo-o grande, honrado, virtuoso,
Conservando dessa tímida infância
A pureza que deve conservá-lo feliz.
Como é belo, meu Deus!
Tomai a minha vida
Se a desgraça tiver de ferir meu filho!
Ao meu amor conservai-o, eu vo-lo imploro,
Sua boca já murmurou: mamã!...
Como está frio... o lábio está pálido!
Desperta, caro filho do meu coração!
Vem ao meu seio que te deu a vida...
Está gelado...
Eu tremo e tenho medo!
Ah! Tudo acabado! Já cessou de viver!
Pobre de mim! Já não tenho meu filho!
Deus sem piedade... de raiva estou tomada...
Não sois um Deus justo e onipotente!
Que vos fez este anjo inocente
Para tão cedo o arrebatar ao meu amor?
Agora eu abjuro toda a santa crença...
E aos vossos olhos também eu vou morrer...
...................................................................................
“Mãe!... Sou eu...
Minh’alma que voou,
“Que o Eterno envia para junto de ti.
“Maldiz, mamãe, essa raiva insensata;
“Volta a Deus... eu te trago a Fé!...
“Inclina-te ante os decretos do Senhor.
“Mãe culpada, num passado remoto...
“Fizeste morrer o filho que pariste:
“Deus te castigou! Curva-te ao seu poder!
“Toma! Toma este livro; acalmará a dor,
“Este livro santo... ditado dos Espíritos,
“Se o leres, ó mãe, tem a certeza,
“Que um dia no Céu, encontrarás teu filho!!!
Teu anjo de Guarda
Subscrição ruanesa
Montante das subscrições recolhidas no escritório da Revista Espírita e publicado no número de fevereiro - 1.491,40 francos.
Novas contribuições até 28 de fevereiro:
Sociedade Espírita de Paris (total 740 fr. Publicado na lista de fevereiro, 423 fr.) Nesta lista, 317 francos.
Sociedades e grupos espíritas diversos. ─ Montreuil-sur-Mer, 74 fr. (contribuição de fevereiro, mas que por engano não constou na lista); ─ Meschersur-Girond, 32,50 fr.; ─ Carmaux (Tarn), 20 fr.; ─ Monterat et Saint-Gemme (Tarn), 40 fr.; ─ Chauny (Aisne), 40 fr.; ─ Metz, 50 fr.; ─ Bordeaux (sociedade e grupos Roux et Petit), 70 fr.; ─ Albi (Tarn), 20 fr.; ─ Tours, 103,30 fr.; ─ Angoulême, 18 fr. – TOTAL 467,80 francos.
Assinantes diversos:
(Paris) ─ Srs. L…, 5 fr.; Hobach, 40 fr.; Nant et Breul (Passy), 100 fr.; Doit, 1 fr.; Livraria Aumont, (2ª contribuição), 5 fr.; Dufaux, 5 fr.; Mazaroz, 20 fr.; Queyras, 3 fr.; X…, 25 fr.; Doutor Houat, 20 fr.; Dufilleul, oficial de cavalaria, 10 fr.; X… (Saint-Junien), 1 fr.; L. D…, 2 fr.; X…, 5 fr.; Moreau, farmacêutico (Niort), 10 fr.; Blin, capitão (Marselha), 10 fr. (constou na lista de fevereiro por 20 fr., em vez de 10 fr., que foram considerados apenas no montante); J. L… (Digne), 3 fr.; Doutor Reignier (Thionville), 7,50 fr.; Sra. Wilson Klein (Grão-ducado de Bade), 20 fr.; B… (Saint-Jean d'Angely), 2 fr.; A… (Versalhes), 1 fr.; V… (Versalhes), 2 fr.; S… (Dôle), 2 fr.; Martner, oficial do Estado-Maior (Orléans), 10 fr.; Gevers (Antuérpia), 10 fr.; C. Babin (de Champblanc, por Cognac), 40 fr. – TOTAL - 369,50 francos.
Espíritas e franceses de Barcelona (Espanha): ─ Srs. Jaime Ricart e filhos, 52,50 fr.; Micolier, 5 fr.; Luís Nuty, 5 fr.; Jean Regembat, 5 fr.; Alex Wigle, fotógrafo, 5 fr.; Ch. Soujol, 2,60 fr.; X…, 1,25 fr. – TOTAL - 76,35 francos.
(Com o montante de 489,35 francos correspondentes à lista de fevereiro, temos, para Barcelona, um total de 565,70 francos.)
TOTAL GERAL - 2.722,05 francos.
Errata. ─ Na lista de fevereiro, em vez de Lausat (de Condom), leia-se Loubat. ─ Em vez de Frothier (de Poitiers), leia-se Frottier. ─ Em vez de Bodin (de Cognac), leia-se Babin.
A subscrição continua aberta.
Além desta soma, a Revista Espírita contribuiu a 6 de fevereiro, para a subscrição aberta pela Opinion Nationale, com 2.216,40 francos, conforme nota publicada a 15 de fevereiro, por aquele jornal, na lista 14.
Comunicamos que a maioria dos grupos e sociedades contribuíram nas listas abertas em suas localidades. De Lyon nos enviam, entre outras, a seguinte lista de coleta em diferentes reuniões:
Grupo Desprêle, Av. Carlos Magno, 57,95 fr.; id. dos Trabalhadores, 93,30 fr.; id. Viret, 26 fr.; id. da Cruz Vermelha, 3l,10 fr.; id. Rousset, 48,30 fr.; id. Central, 123 fr.; reunião particular, l5,25 fr.; outra, id. 32,50 fr.; outra, id. (Edoux), 22 fr.; subscrições isoladas, 316,50 fr.; - TOTAL - 765,90 francos.
A Sociedade de Saint-Jean d’Angely contribuiu na lista aberta na subprefeitura com l00 francos.
ALLAN KARDEC
Novas contribuições até 28 de fevereiro:
Sociedade Espírita de Paris (total 740 fr. Publicado na lista de fevereiro, 423 fr.) Nesta lista, 317 francos.
Sociedades e grupos espíritas diversos. ─ Montreuil-sur-Mer, 74 fr. (contribuição de fevereiro, mas que por engano não constou na lista); ─ Meschersur-Girond, 32,50 fr.; ─ Carmaux (Tarn), 20 fr.; ─ Monterat et Saint-Gemme (Tarn), 40 fr.; ─ Chauny (Aisne), 40 fr.; ─ Metz, 50 fr.; ─ Bordeaux (sociedade e grupos Roux et Petit), 70 fr.; ─ Albi (Tarn), 20 fr.; ─ Tours, 103,30 fr.; ─ Angoulême, 18 fr. – TOTAL 467,80 francos.
Assinantes diversos:
(Paris) ─ Srs. L…, 5 fr.; Hobach, 40 fr.; Nant et Breul (Passy), 100 fr.; Doit, 1 fr.; Livraria Aumont, (2ª contribuição), 5 fr.; Dufaux, 5 fr.; Mazaroz, 20 fr.; Queyras, 3 fr.; X…, 25 fr.; Doutor Houat, 20 fr.; Dufilleul, oficial de cavalaria, 10 fr.; X… (Saint-Junien), 1 fr.; L. D…, 2 fr.; X…, 5 fr.; Moreau, farmacêutico (Niort), 10 fr.; Blin, capitão (Marselha), 10 fr. (constou na lista de fevereiro por 20 fr., em vez de 10 fr., que foram considerados apenas no montante); J. L… (Digne), 3 fr.; Doutor Reignier (Thionville), 7,50 fr.; Sra. Wilson Klein (Grão-ducado de Bade), 20 fr.; B… (Saint-Jean d'Angely), 2 fr.; A… (Versalhes), 1 fr.; V… (Versalhes), 2 fr.; S… (Dôle), 2 fr.; Martner, oficial do Estado-Maior (Orléans), 10 fr.; Gevers (Antuérpia), 10 fr.; C. Babin (de Champblanc, por Cognac), 40 fr. – TOTAL - 369,50 francos.
Espíritas e franceses de Barcelona (Espanha): ─ Srs. Jaime Ricart e filhos, 52,50 fr.; Micolier, 5 fr.; Luís Nuty, 5 fr.; Jean Regembat, 5 fr.; Alex Wigle, fotógrafo, 5 fr.; Ch. Soujol, 2,60 fr.; X…, 1,25 fr. – TOTAL - 76,35 francos.
(Com o montante de 489,35 francos correspondentes à lista de fevereiro, temos, para Barcelona, um total de 565,70 francos.)
TOTAL GERAL - 2.722,05 francos.
Errata. ─ Na lista de fevereiro, em vez de Lausat (de Condom), leia-se Loubat. ─ Em vez de Frothier (de Poitiers), leia-se Frottier. ─ Em vez de Bodin (de Cognac), leia-se Babin.
A subscrição continua aberta.
Além desta soma, a Revista Espírita contribuiu a 6 de fevereiro, para a subscrição aberta pela Opinion Nationale, com 2.216,40 francos, conforme nota publicada a 15 de fevereiro, por aquele jornal, na lista 14.
Comunicamos que a maioria dos grupos e sociedades contribuíram nas listas abertas em suas localidades. De Lyon nos enviam, entre outras, a seguinte lista de coleta em diferentes reuniões:
Grupo Desprêle, Av. Carlos Magno, 57,95 fr.; id. dos Trabalhadores, 93,30 fr.; id. Viret, 26 fr.; id. da Cruz Vermelha, 3l,10 fr.; id. Rousset, 48,30 fr.; id. Central, 123 fr.; reunião particular, l5,25 fr.; outra, id. 32,50 fr.; outra, id. (Edoux), 22 fr.; subscrições isoladas, 316,50 fr.; - TOTAL - 765,90 francos.
A Sociedade de Saint-Jean d’Angely contribuiu na lista aberta na subprefeitura com l00 francos.
ALLAN KARDEC
Abril
Estudos sobre os possessos de Morzine Causas da obsessão e meios de combate
(IV artigo)
Numa segunda edição de sua brochura sobre a epidemia de Morzine[1], o Dr. Constant responde ao Sr. de Mirville, que criticou o seu cepticismo acerca dos demônios, e o censurou por não ter estado nos lugares. “Ele não passou de Thonon, certamente não por medo dos diabos, mas do caminho, e nem por isso se julga o homem menos informado. Censura-me ainda, como a outro médico, de ter partido de Paris com juízo formado. Em bom direito, se ele me permite, posso devolver a censura: Estaremos, então, ex aequo, nesse ponto.”
Não sabemos se o Sr. de Mirville lá teria ido com a ideia preestabelecida de não ver qualquer afecção física nos doentes de Morzine, mas é bem evidente que o Dr. Constant lá foi com a de não ver nenhuma causa oculta. O preconcebido, num sentido qualquer, é a pior condição para um observador, porque então tudo vê e tudo ajusta a seu ponto de vista, negligenciando o que pode haver de contrário. Certamente não é esse o meio de chegar à verdade.
A opinião bem arraigada do Sr. Constant no que concerne à negação das causas ocultas, resulta de que ele, a priori, repele como errônea qualquer observação e qualquer conclusão que se afaste de sua maneira de ver, nos relatórios feitos antes do seu. Assim, enquanto o Sr. Constant insiste com veemência sobre a constituição débil, linfática e raquítica dos habitantes, a insalubridade da região, a má qualidade e a insuficiência da alimentação, o Sr. Arthaud, médico chefe dos alienados de Lyon, que foi enviado a Morzine, diz em seu relatório que “a constituição dos habitantes é boa e as escrófulas são raras, e que a despeito de todas as suas pesquisas, só descobriu um caso de epilepsia e um de imbecilidade.” Mas, replica o Sr. Constant, “o Sr. Arthaud passou bem poucos dias nessa região. Ele não pode ter visto mais que uma pequeníssima parte da população, e é muito difícil obter informações sobre as famílias.”
Um outro relatório assim se exprime sobre o mesmo assunto:
“Nós, abaixo assinados, declaramos que tendo ouvido falar dos casos extraordinários tidos como possessão de demônios, ocorridos em Morzine, transportamo-nos para aquela paróquia, onde chegamos a 30 de setembro último (1857), para testemunhar o que se passava e examinar tudo com maturidade e prudência, esclarecendo-nos por todos os meios fornecidos pela presença no lugar, a fim de poder formar um juízo razoável em semelhante matéria.
“1º. ─ Vimos oito jovens que estão libertas e cinco em estado de crise. A mais jovem tem dez anos e a mais velha, vinte e dois.
“2º. ─ Conforme tudo quanto nos dizem e que pudemos observar, essas jovens estão no mais perfeito estado de saúde; fazem todas as obras e trabalhos peculiares à sua posição, de modo que não se vê, quanto aos outros hábitos e ocupações, nenhuma diferença entre elas e as outras jovens da montanha.
3º. ─ Vimos essas moças, as não curadas, nos momentos lúcidos. Ora, podemos assegurar que nada foi observado nelas, quer idiotia, quer predisposição para as crises atuais, por falhas de caráter ou por exaltação de espírito. Aplicamos a mesma observação às que estão curadas. Todas as pessoas que consultamos sobre os antecedentes e os primeiros anos dessas moças nos asseguraram que elas eram, do ponto de vista da inteligência, perfeitamente normais.
4º. ─ A grande maioria dessas moças pertence a famílias em situação financeira confortável.
5º. ─ Asseguramos que pertencem a famílias que gozam de boa reputação, dentre as quais algumas são de uma virtude e de uma piedade exemplares.”
Daremos oportunamente a continuação deste relatório concernente a certos fatos. Queríamos apenas constatar que nem todos viram as coisas com cores tão negras quanto o Sr. Constant, que apresenta os habitantes como na extrema miséria e dos mais cabeçudos, teimosos e mentirosos, posto que no fundo bons e sobretudo piedosos, ou antes, devotos. Ora, quem tem razão? O Sr. Constant, sozinho, ou vários outros, não menos honrados, que certificam ter bem observado? De nossa parte, não hesitamos em nos colocarmos ao lado dos últimos, em razão daquilo que vimos e em razão do que nos disseram várias autoridades médicas e administrativas da região, e em mantermos a opinião emitida em nossos artigos precedentes.
Para nós, a causa primeira não está nem na constituição nem no regime higiênico dos habitantes, porque, como fizemos notar, há muitas regiões, a começar pelo Valais, limítrofe, em que as condições de toda natureza, morais e outras, são infinitamente mais desfavoráveis e onde, entretanto, não grassou essa doença. Nós a veremos já circunscrita, não ao vale, mas apenas aos limites da comuna de Morzine. Se, como afirma o Dr. Constant, a causa é inerente à localidade, ao gênero de vida e à inferioridade moral dos habitantes, perguntamos, ainda, por que o efeito é epidêmico e não endêmico, como a papeira e o cretinismo no Valais? Por que as epidemias do mesmo gênero, de que fala a história, se produziram nas casas religiosas onde nada falta, e que se achavam nas melhores condições de salubridade? Aliás, eis o quadro que o Sr. Constant faz do caráter da gente de Morzine:
“Uma demora prolongada, visitas sucessivas e diárias a quase todas as casas, permitiram-me chegar a outras constatações.
“Os habitantes de Morzine são suaves, honestos, de grande piedade; seria talvez mais justo dizer de grande devoção.
“São cabeçudos e dificilmente renunciam à ideia que adotaram, o que, além de outros inconvenientes, acrescenta o de se tornarem teimosos, outra fonte de malestar e de miséria, porque as conciliações são raras. Mas só em exceções muito raras é que a justiça criminal encontra culpados entre eles.
“Eles têm um aspecto grave e sério, que parece um reflexo da natureza áspera que os rodeia e que lhes imprime uma espécie de cunho particular, que os faria tomar por membros de uma vasta comunidade religiosa. Com efeito, sua existência difere pouco da de um convento.
“Seriam inteligentes, se seu raciocínio não fosse obscurecido por uma porção de crenças absurdas ou exageradas, por um invencível arrastamento para o maravilhoso, legado pelos séculos passados e do que não os curou o século atual.
“Todos gostam dos contos e histórias impossíveis. Posto que fundamentalmente honestos, alguns mentem com imperturbável aprumo, para sustentar o que disseram, nesse gênero, se bem acabem, estou convicto, por mentir de boa-fé, por crer em suaspróprias mentiras, sem deixar de crer nas dos outros. Para ser justo, é preciso dizer que a maioria não mente: apenas conta inexatamente o que viu”.
Aos nossos olhos, a causa é independente das condições físicas dos homens e das coisas. Se formulamos tal opinião, não é com o propósito de ver por toda parte a ação dos Espíritos, pois ninguém admite sua intervenção com mais circunspecção do que nós, mas pela analogia que notamos entre certos efeitos e os que nos são demonstrados como resultado evidente de uma causa oculta.
Mas, ainda uma vez, como admitir essa causa quando não se acredita na existência dos Espíritos? Como admitir, com Raspail, as afecções produzidas por seres microscópicos, se se nega a existência desses animais, porque não os vimos? Antes da invenção do microscópio, Raspail teria passado por um louco, por ver animais em toda a parte. Hoje que se está um pouco mais esclarecido, não se veem Espíritos. Para isto, entretanto, só falta pôr óculos.
Não negamos que haja efeitos patológicos na afecção de que se trata, porque a experiência no-los mostra, por vezes, em casos semelhantes, mas dizemos que são consecutivos e não causais. Se um médico espírita tivesse ido a Morzine, teria visto o que outros não viram, sem, contudo, desprezar os fatos fisiológicos.
Depois de haver falado do Sr. de Mirville que, diz ele, para no caminho, acrescenta o Sr. Constant:
“O Sr. Allan Kardec fez a viagem completa. Nos números de dezembro de 1862 e janeiro de 1863 da sua Revista Espírita, já publicou dois artigos, apenas preliminares. O exame dos fatos virá no número de fevereiro. Enquanto esperamos, ele nos adverte que a epidemia de Morzine é semelhante à que caiu sobre a Judeia, ao tempo do Cristo. É bem possível.
“Com o risco de incorrer na censura de alguns leitores que acharão que eu provavelmente faria melhor se não falasse dos espíritas, aconselho aos que lerem esta brochura a ler o mesmo assunto nos autores que acabo de citar.
“Contudo, não deveriam enganar-se quanto ao meu convite. Quanto mais leitores sérios houver para as obras sobre o Espiritismo, tanto mais cedo será feita completa justiça a uma crença, a uma ciência, como dizem, sobre a qual talvez eu pudesse arriscar uma opinião, depois de tantas vezes haver verificado um de seus resultados: o contingente bastante notável que ele fornece anualmente à população dos asilos de alienados”.
Pode-se ver por aí com que ideias o Sr. Constant foi a Morzine. Certamente não procuraremos convencê-lo de nossa opinião. Apenas lhe diremos que o resultado da leitura das obras espíritas foi demonstrado pela experiência totalmente contrário ao que ele espera, pois que essa leitura, em vez de fazer pronta justiça a essa pretensa ciência, anualmente multiplica os adeptos aos milhares; que hoje, no mundo inteiro, são cinco ou seis milhões, dos quais a décima parte só na França. Se ele objetasse que são apenas tolos e ignorantes, nós lhe perguntaríamos por que essa doutrina conta, entre seus mais firmes partidários, com tão grande número de médicos em todos os países, o que atesta nossa correspondência, o número de médicos assinantes da Revista e o dos que presidem ou fazem parte de grupos e sociedades espíritas, sem falar do número não menor de adeptos pertencentes a posições sociais às quais só se chega pela inteligência e pela instrução. Isto é um fato material que ninguém pode negar. Ora, como todo efeito tem uma causa, a causa desse efeito é que o Espiritismo não parece a todo mundo tão absurdo quando alguns se gabam de dizer.
─ Infelizmente é verdade, exclamam os adversários da doutrina. Assim, não temos mais que cobrir o rosto pela sorte da Humanidade que marcha para a decadência.
Resta a questão da loucura, o bicho-papão com o auxílio do qual procuram apavorar as criaturas, que quase não se abalam, como bem se vê. Quando esse meio estiver esgotado, certamente inventarão outro. Enquanto se espera, remeteremos o leitor para o artigo publicado no número de fevereiro último, sob o título de A Loucura Espírita.
Os primeiros sintomas da epidemia de Morzine se declaravam em março de 1857 em duas meninas de doze anos. Em novembro seguinte o número de doentes era de vinte e sete, e em 1861 atingiu o máximo de cento e vinte.
Se relatássemos os fatos com base no que vimos, poderiam dizer que vimos apenas o que quisemos ver. Além do mais, chegamos no declínio da doença e não ficamos o bastante para tudo observar. Citando as observações alheias, não nos podem acusar de somente ver por nossos olhos.
Tomamos do relatório de que acima fizemos um extrato, as seguintes observações:
“Essas moças falam francês durante a crise com uma admirável facilidade, mesmo as que, fora da crise, só sabem algumas palavras.
“Uma vez em crise, as moças perdem completamente qualquer reserva, seja para o que for, e também perdem completamente toda afeição de família.
“A resposta é sempre tão pronta e fácil, que parece vir antes da interrogação. Essa resposta é sempre ad rem[2], exceto quando quem fala responde por tolices, insultos ou uma recusa formal.
“Durante a crise o pulso fica calmo e, no maior furor, o personagem tem um ar de domínio, como alguém que tivesse a cólera sob seu comando, sem parecer nem exaltado nem tomado de um acesso de febre.
“Notamos, durante as crises, uma insolência incrível, que ultrapassa qualquer limite, em meninas que, fora daí, são delicadas e tímidas.
“Durante a crise há em todas essas meninas um caráter de impiedade permanente, levada além de todos os limites, dirigida contra tudo o que lembra Deus, os mistérios da religião, Maria, os santos, os sacramentos, a prece, etc.. O caráter dominante desses momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo quanto a ele se refere.
“Constatamos muito bem que essas meninas revelam coisas que chegam de longe, bem como fatos passados de que não tinham nenhum conhecimento. Também revelaram os pensamentos de várias pessoas.
“Algumas vezes anunciam o começo, a duração e o fim das crises, o que farão mais tarde e o que não farão.
“Sabemos que deram respostas exatas a perguntas feitas em línguas desconhecidas, como alemão, latim etc.
“No estado de crise as moças têm uma força desproporcional à sua idade, pois são precisos três ou quatro homens para conter, durante o exorcismo, meninas de dez anos.
“É de notar-se que, durante a crise, as meninas não se maltratam, nem pelas contrações, que parecem de natureza a deslocar os membros, nem pelas quedas, nem pelas pancadas violentas que se dão.
“Em suas respostas há sempre, invariavelmente, distinção de várias entidades: a filha e ele, o demônio e o danado.
“Fora das crises as meninas não têm qualquer lembrança do que disseram ou fizeram, quer a crise tenha durado todo o dia, quer tenham feito trabalhos prolongados ou desempenhado encargos dados no estado de crise.
Não sabemos se o Sr. de Mirville lá teria ido com a ideia preestabelecida de não ver qualquer afecção física nos doentes de Morzine, mas é bem evidente que o Dr. Constant lá foi com a de não ver nenhuma causa oculta. O preconcebido, num sentido qualquer, é a pior condição para um observador, porque então tudo vê e tudo ajusta a seu ponto de vista, negligenciando o que pode haver de contrário. Certamente não é esse o meio de chegar à verdade.
A opinião bem arraigada do Sr. Constant no que concerne à negação das causas ocultas, resulta de que ele, a priori, repele como errônea qualquer observação e qualquer conclusão que se afaste de sua maneira de ver, nos relatórios feitos antes do seu. Assim, enquanto o Sr. Constant insiste com veemência sobre a constituição débil, linfática e raquítica dos habitantes, a insalubridade da região, a má qualidade e a insuficiência da alimentação, o Sr. Arthaud, médico chefe dos alienados de Lyon, que foi enviado a Morzine, diz em seu relatório que “a constituição dos habitantes é boa e as escrófulas são raras, e que a despeito de todas as suas pesquisas, só descobriu um caso de epilepsia e um de imbecilidade.” Mas, replica o Sr. Constant, “o Sr. Arthaud passou bem poucos dias nessa região. Ele não pode ter visto mais que uma pequeníssima parte da população, e é muito difícil obter informações sobre as famílias.”
Um outro relatório assim se exprime sobre o mesmo assunto:
“Nós, abaixo assinados, declaramos que tendo ouvido falar dos casos extraordinários tidos como possessão de demônios, ocorridos em Morzine, transportamo-nos para aquela paróquia, onde chegamos a 30 de setembro último (1857), para testemunhar o que se passava e examinar tudo com maturidade e prudência, esclarecendo-nos por todos os meios fornecidos pela presença no lugar, a fim de poder formar um juízo razoável em semelhante matéria.
“1º. ─ Vimos oito jovens que estão libertas e cinco em estado de crise. A mais jovem tem dez anos e a mais velha, vinte e dois.
“2º. ─ Conforme tudo quanto nos dizem e que pudemos observar, essas jovens estão no mais perfeito estado de saúde; fazem todas as obras e trabalhos peculiares à sua posição, de modo que não se vê, quanto aos outros hábitos e ocupações, nenhuma diferença entre elas e as outras jovens da montanha.
3º. ─ Vimos essas moças, as não curadas, nos momentos lúcidos. Ora, podemos assegurar que nada foi observado nelas, quer idiotia, quer predisposição para as crises atuais, por falhas de caráter ou por exaltação de espírito. Aplicamos a mesma observação às que estão curadas. Todas as pessoas que consultamos sobre os antecedentes e os primeiros anos dessas moças nos asseguraram que elas eram, do ponto de vista da inteligência, perfeitamente normais.
4º. ─ A grande maioria dessas moças pertence a famílias em situação financeira confortável.
5º. ─ Asseguramos que pertencem a famílias que gozam de boa reputação, dentre as quais algumas são de uma virtude e de uma piedade exemplares.”
Daremos oportunamente a continuação deste relatório concernente a certos fatos. Queríamos apenas constatar que nem todos viram as coisas com cores tão negras quanto o Sr. Constant, que apresenta os habitantes como na extrema miséria e dos mais cabeçudos, teimosos e mentirosos, posto que no fundo bons e sobretudo piedosos, ou antes, devotos. Ora, quem tem razão? O Sr. Constant, sozinho, ou vários outros, não menos honrados, que certificam ter bem observado? De nossa parte, não hesitamos em nos colocarmos ao lado dos últimos, em razão daquilo que vimos e em razão do que nos disseram várias autoridades médicas e administrativas da região, e em mantermos a opinião emitida em nossos artigos precedentes.
Para nós, a causa primeira não está nem na constituição nem no regime higiênico dos habitantes, porque, como fizemos notar, há muitas regiões, a começar pelo Valais, limítrofe, em que as condições de toda natureza, morais e outras, são infinitamente mais desfavoráveis e onde, entretanto, não grassou essa doença. Nós a veremos já circunscrita, não ao vale, mas apenas aos limites da comuna de Morzine. Se, como afirma o Dr. Constant, a causa é inerente à localidade, ao gênero de vida e à inferioridade moral dos habitantes, perguntamos, ainda, por que o efeito é epidêmico e não endêmico, como a papeira e o cretinismo no Valais? Por que as epidemias do mesmo gênero, de que fala a história, se produziram nas casas religiosas onde nada falta, e que se achavam nas melhores condições de salubridade? Aliás, eis o quadro que o Sr. Constant faz do caráter da gente de Morzine:
“Uma demora prolongada, visitas sucessivas e diárias a quase todas as casas, permitiram-me chegar a outras constatações.
“Os habitantes de Morzine são suaves, honestos, de grande piedade; seria talvez mais justo dizer de grande devoção.
“São cabeçudos e dificilmente renunciam à ideia que adotaram, o que, além de outros inconvenientes, acrescenta o de se tornarem teimosos, outra fonte de malestar e de miséria, porque as conciliações são raras. Mas só em exceções muito raras é que a justiça criminal encontra culpados entre eles.
“Eles têm um aspecto grave e sério, que parece um reflexo da natureza áspera que os rodeia e que lhes imprime uma espécie de cunho particular, que os faria tomar por membros de uma vasta comunidade religiosa. Com efeito, sua existência difere pouco da de um convento.
“Seriam inteligentes, se seu raciocínio não fosse obscurecido por uma porção de crenças absurdas ou exageradas, por um invencível arrastamento para o maravilhoso, legado pelos séculos passados e do que não os curou o século atual.
“Todos gostam dos contos e histórias impossíveis. Posto que fundamentalmente honestos, alguns mentem com imperturbável aprumo, para sustentar o que disseram, nesse gênero, se bem acabem, estou convicto, por mentir de boa-fé, por crer em suaspróprias mentiras, sem deixar de crer nas dos outros. Para ser justo, é preciso dizer que a maioria não mente: apenas conta inexatamente o que viu”.
Aos nossos olhos, a causa é independente das condições físicas dos homens e das coisas. Se formulamos tal opinião, não é com o propósito de ver por toda parte a ação dos Espíritos, pois ninguém admite sua intervenção com mais circunspecção do que nós, mas pela analogia que notamos entre certos efeitos e os que nos são demonstrados como resultado evidente de uma causa oculta.
Mas, ainda uma vez, como admitir essa causa quando não se acredita na existência dos Espíritos? Como admitir, com Raspail, as afecções produzidas por seres microscópicos, se se nega a existência desses animais, porque não os vimos? Antes da invenção do microscópio, Raspail teria passado por um louco, por ver animais em toda a parte. Hoje que se está um pouco mais esclarecido, não se veem Espíritos. Para isto, entretanto, só falta pôr óculos.
Não negamos que haja efeitos patológicos na afecção de que se trata, porque a experiência no-los mostra, por vezes, em casos semelhantes, mas dizemos que são consecutivos e não causais. Se um médico espírita tivesse ido a Morzine, teria visto o que outros não viram, sem, contudo, desprezar os fatos fisiológicos.
Depois de haver falado do Sr. de Mirville que, diz ele, para no caminho, acrescenta o Sr. Constant:
“O Sr. Allan Kardec fez a viagem completa. Nos números de dezembro de 1862 e janeiro de 1863 da sua Revista Espírita, já publicou dois artigos, apenas preliminares. O exame dos fatos virá no número de fevereiro. Enquanto esperamos, ele nos adverte que a epidemia de Morzine é semelhante à que caiu sobre a Judeia, ao tempo do Cristo. É bem possível.
“Com o risco de incorrer na censura de alguns leitores que acharão que eu provavelmente faria melhor se não falasse dos espíritas, aconselho aos que lerem esta brochura a ler o mesmo assunto nos autores que acabo de citar.
“Contudo, não deveriam enganar-se quanto ao meu convite. Quanto mais leitores sérios houver para as obras sobre o Espiritismo, tanto mais cedo será feita completa justiça a uma crença, a uma ciência, como dizem, sobre a qual talvez eu pudesse arriscar uma opinião, depois de tantas vezes haver verificado um de seus resultados: o contingente bastante notável que ele fornece anualmente à população dos asilos de alienados”.
Pode-se ver por aí com que ideias o Sr. Constant foi a Morzine. Certamente não procuraremos convencê-lo de nossa opinião. Apenas lhe diremos que o resultado da leitura das obras espíritas foi demonstrado pela experiência totalmente contrário ao que ele espera, pois que essa leitura, em vez de fazer pronta justiça a essa pretensa ciência, anualmente multiplica os adeptos aos milhares; que hoje, no mundo inteiro, são cinco ou seis milhões, dos quais a décima parte só na França. Se ele objetasse que são apenas tolos e ignorantes, nós lhe perguntaríamos por que essa doutrina conta, entre seus mais firmes partidários, com tão grande número de médicos em todos os países, o que atesta nossa correspondência, o número de médicos assinantes da Revista e o dos que presidem ou fazem parte de grupos e sociedades espíritas, sem falar do número não menor de adeptos pertencentes a posições sociais às quais só se chega pela inteligência e pela instrução. Isto é um fato material que ninguém pode negar. Ora, como todo efeito tem uma causa, a causa desse efeito é que o Espiritismo não parece a todo mundo tão absurdo quando alguns se gabam de dizer.
─ Infelizmente é verdade, exclamam os adversários da doutrina. Assim, não temos mais que cobrir o rosto pela sorte da Humanidade que marcha para a decadência.
Resta a questão da loucura, o bicho-papão com o auxílio do qual procuram apavorar as criaturas, que quase não se abalam, como bem se vê. Quando esse meio estiver esgotado, certamente inventarão outro. Enquanto se espera, remeteremos o leitor para o artigo publicado no número de fevereiro último, sob o título de A Loucura Espírita.
Os primeiros sintomas da epidemia de Morzine se declaravam em março de 1857 em duas meninas de doze anos. Em novembro seguinte o número de doentes era de vinte e sete, e em 1861 atingiu o máximo de cento e vinte.
Se relatássemos os fatos com base no que vimos, poderiam dizer que vimos apenas o que quisemos ver. Além do mais, chegamos no declínio da doença e não ficamos o bastante para tudo observar. Citando as observações alheias, não nos podem acusar de somente ver por nossos olhos.
Tomamos do relatório de que acima fizemos um extrato, as seguintes observações:
“Essas moças falam francês durante a crise com uma admirável facilidade, mesmo as que, fora da crise, só sabem algumas palavras.
“Uma vez em crise, as moças perdem completamente qualquer reserva, seja para o que for, e também perdem completamente toda afeição de família.
“A resposta é sempre tão pronta e fácil, que parece vir antes da interrogação. Essa resposta é sempre ad rem[2], exceto quando quem fala responde por tolices, insultos ou uma recusa formal.
“Durante a crise o pulso fica calmo e, no maior furor, o personagem tem um ar de domínio, como alguém que tivesse a cólera sob seu comando, sem parecer nem exaltado nem tomado de um acesso de febre.
“Notamos, durante as crises, uma insolência incrível, que ultrapassa qualquer limite, em meninas que, fora daí, são delicadas e tímidas.
“Durante a crise há em todas essas meninas um caráter de impiedade permanente, levada além de todos os limites, dirigida contra tudo o que lembra Deus, os mistérios da religião, Maria, os santos, os sacramentos, a prece, etc.. O caráter dominante desses momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo quanto a ele se refere.
“Constatamos muito bem que essas meninas revelam coisas que chegam de longe, bem como fatos passados de que não tinham nenhum conhecimento. Também revelaram os pensamentos de várias pessoas.
“Algumas vezes anunciam o começo, a duração e o fim das crises, o que farão mais tarde e o que não farão.
“Sabemos que deram respostas exatas a perguntas feitas em línguas desconhecidas, como alemão, latim etc.
“No estado de crise as moças têm uma força desproporcional à sua idade, pois são precisos três ou quatro homens para conter, durante o exorcismo, meninas de dez anos.
“É de notar-se que, durante a crise, as meninas não se maltratam, nem pelas contrações, que parecem de natureza a deslocar os membros, nem pelas quedas, nem pelas pancadas violentas que se dão.
“Em suas respostas há sempre, invariavelmente, distinção de várias entidades: a filha e ele, o demônio e o danado.
“Fora das crises as meninas não têm qualquer lembrança do que disseram ou fizeram, quer a crise tenha durado todo o dia, quer tenham feito trabalhos prolongados ou desempenhado encargos dados no estado de crise.
“Para concluir, diremos:
“Que a nossa impressão é de que tudo isto é sobrenatural, na causa e nos efeitos, segundo as regras da lógica sã e conforme tudo quanto a teologia, a história eclesiástica e o Evangelho nos ensinam e nos contam.
“Declaramos que, em nossa opinião, há uma verdadeira possessão do demônio.
“Em fé do que, assinado: ***
“Morzine, 5 de outubro de 1857.”
Eis como o Sr. Constant descreve as crises dos doentes, segundo suas observações:
“Em meio à mais completa calma, raramente à noite, de repente sobrevêm bocejos, espreguiçamento, tremores e pequenos solavancos de aspecto coreico nos braços; pouco a pouco, em curto espaço de tempo, como por efeito de descargas sucessivas, tais movimentos se tornam mais rápidos, depois mais simples e em breve não parecem mais que exagero de movimentos fisiológicos; a pupila se dilata e se contrai sucessivamente e os olhos participam do movimento geral.
“Então as doentes, cujo aspecto a princípio parecia exprimir terror, entram num estado de furor que vai sempre crescendo, como se a ideia que as domina produzisse dois efeitos quase simultâneos: depressão e excitação logo depois.
“Elas batem sobre móveis com força e vivacidade, começam a falar, ou melhor, a vociferar; o que elas dizem, quase todas, quando não superexcitadas por perguntas, se reduz a estas palavras indefinidamente repetidas: ‘S... nome! S... c...!... s... vermelho!’ (Elas chamam vermelhos aqueles em cuja piedade elas não acreditam.) Algumas acrescentam blasfêmias.
“Se junto a elas não se acha nenhum espectador estranho; se não lhes fizerem perguntas, repetem incessantemente a mesma coisa, sem nada acrescentar. Se for o contrário, elas respondem ao que pergunta o espectador, e mesmo aos pensamentos que elas lhes incutem, às objeções que elas preveem, mas sem se afastarem de sua ideia dominante, a ela relacionando tudo o que elas dizem. É sempre assim: ‘Ah! tu crês, b... incrédulo, que nós somos loucas, que ape
nas temos devaneios! Somos danadas, s... n... de D...! Nós somos diabos do inferno!’
“E como é sempre um diabo que fala por sua boca, o suposto diabo por vezes conta o que fazia na Terra e o que fez depois, no inferno etc.
“Em minha presença acrescentavam invariavelmente:
“Não são os teus s... médicos que nos curarão! Nós nos f... perfeitamente de teus remédios! Bem podes fazer a menina tomar, elas a atormentarão, fá-la-ão sofrer; mas a nós elas nada farão, porque nós somos diabos! Nós precisamos de santos sacerdotes, de bispos etc.’
“Isso tudo não lhes impede de insultar os sacerdotes, quando estão presentes, sob o pretexto de que eles não são bastante santos para ter ação sobre os demônios.
Diante do prefeito e dos magistrados, era sempre a mesma ideia, mas com outras palavras.
“À medida que elas falam, sempre com a mesma veemência, suas fisionomias têm um só aspecto: o do furor. Por vezes o pescoço incha e a face se injeta; noutras, empalidece, como nas pessoas normais, que coram ou empalidecem, conforme a constituição, num violento acesso de cólera. Os lábios estão sempre úmidos de saliva, o que levou a dizer que as doentes espumavam.
“Limitados inicialmente às partes superiores, os movimentos vão ganhando o tronco e os membros inferiores; a respiração torna-se ofegante; as doentes redobram o furor, tornam-se agressivas, deslocam os móveis e atiram as cadeiras, os tamboretes, tudo quanto lhes cai às mãos, sobre os assistentes; precipitam-se sobre estes para lhes bater, tanto nos parentes quanto nos estranhos; jogam-se por terra, sempre com os mesmos gritos; rolam, batem as mãos no solo ou no peito, no ventre, na garganta, e procuram arrancar alguma coisa que parece incomodar nesse ponto. Viram-se e reviram-se de um salto. Eu vi duas que, levantando-se como que por uma mola, voltavam-se para trás de tal modo que a cabeça tocava o solo ao mesmo tempo que os pés.
“Esta crise dura mais ou menos dez, vinte minutos, meia hora, conforme a causa que a provocou. Se é a presença de um estranho, sobretudo de um padre, é muito raro que termine antes que a pessoa se afaste. Nesse caso, entretanto, os movimentos convulsivos não são contínuos. Depois de terem sido violentos, enfraquecem e param para recomeçar imediatamente, como se a força nervosa esgotada repousasse um momento para se refazer.
“Durante a crise, nem o pulso nem o batimento do coração se aceleram, e mais comumente se dá o contrário: o pulso se concentra, torna-se fraco, lento, e as extremidades esfriam; a despeito da violência da agitação e dos golpes furiosos desferidos por todos os lados, as mãos ficam geladas.
“Contrariamente ao que em geral se vê em casos análogos, nenhuma ideia erótica se mistura ou parece juntar-se à ideia demoníaca. Eu mesmo fiquei chocado com essa particularidade, por ser comum a todas as doentes: nenhuma diz qualquer palavra ou faz o menor gesto obsceno. Em seus mais desordenados movimentos, elas jamais se descobrem, e se seus vestidos se levantam um pouco quando rolam por terra, é muito raro que não os recomponham imediatamente.
“Não parece que haja aqui lesão da sensibilidade genital; assim, jamais se tratou de íncubos, de súcubos ou de cenas de Sabat. Todas as doentes pertencem, como demonômanas, ao segundo dos quatro grupos indicados pelo Sr. Macário. Algumas escutam a voz dos diabos; muito mais geralmente eles falam por sua boca.
“Depois da grande desordem, pouco a pouco os movimentos se tornam menos rápidos; certos gases se escapam pela boca, e a crise termina. A doente olha em redor com um ar meio espantado, arranja os cabelos, apanha e coloca o seu gorro, bebe uns goles d’água e retoma o seu trabalho, se executava algum ao começar a crise. Quase todas dizem que não sentem cansaço nem se lembram do que disseram ou fizeram.
“Esta última asserção nem sempre é sincera. Surpreendi algumas lembrando-se muito bem. Elas apenas acrescentavam: ‘Bem sei que ele (o diabo) disse ou fez isto ou aquilo, mas não sou eu. Se minha boca falou, se minhas mãos bateram, era ELE que as fazia falar e bater. Bem que eu queria ficar tranquila, mas ELE é mais forte que eu.’
“Esta descrição é a do estado mais frequente, mas entre os extremos existem vários graus, desde a doente que só tem crises de dores gastrálgicas, até a que chega ao último paroxismo do furor. Feita esta ressalva, em todas as doentes visitadas não encontrei diferenças dignas de nota senão nalgumas poucas.
“Uma delas, chamada Jeanne Br..., de quarenta e oito anos, não casada, histérica há muito tempo, sente animais que não passam de diabos que lhe correm pelo rosto e a mordem.
“A senhora Nicolas B..., de trinta e oito anos, doente há três anos, late durante as crises. Ela atribui sua doença a um copo de vinho que bebeu em companhia de um desses que fazem o mal.
“Jeanne G..., de trinta e sete anos, não casada, é aquela cujas crises diferem mais. Não tem movimentos clônicos gerais que se veem nas outras, e quase nunca fala. Quando sente vir a crise, vai sentar-se e se põe a balançar a cabeça para frente e para trás. Os movimentos, a princípio lentos e pouco pronunciados, vão-se acelerando e acabam fazendo a cabeça descrever um círculo cada vez mais amplo, com incrível rapidez, até vir alternativa e regularmente bater nas costas e no peito. A intervalos o movimento cessa um instante, e os músculos contraídos mantêm a cabeça fixa na posição em que se encontrava ao parar, sem que seja possível erguêla ou dobrá-la, mesmo com esforços.
“Declaramos que, em nossa opinião, há uma verdadeira possessão do demônio.
“Em fé do que, assinado: ***
“Morzine, 5 de outubro de 1857.”
Eis como o Sr. Constant descreve as crises dos doentes, segundo suas observações:
“Em meio à mais completa calma, raramente à noite, de repente sobrevêm bocejos, espreguiçamento, tremores e pequenos solavancos de aspecto coreico nos braços; pouco a pouco, em curto espaço de tempo, como por efeito de descargas sucessivas, tais movimentos se tornam mais rápidos, depois mais simples e em breve não parecem mais que exagero de movimentos fisiológicos; a pupila se dilata e se contrai sucessivamente e os olhos participam do movimento geral.
“Então as doentes, cujo aspecto a princípio parecia exprimir terror, entram num estado de furor que vai sempre crescendo, como se a ideia que as domina produzisse dois efeitos quase simultâneos: depressão e excitação logo depois.
“Elas batem sobre móveis com força e vivacidade, começam a falar, ou melhor, a vociferar; o que elas dizem, quase todas, quando não superexcitadas por perguntas, se reduz a estas palavras indefinidamente repetidas: ‘S... nome! S... c...!... s... vermelho!’ (Elas chamam vermelhos aqueles em cuja piedade elas não acreditam.) Algumas acrescentam blasfêmias.
“Se junto a elas não se acha nenhum espectador estranho; se não lhes fizerem perguntas, repetem incessantemente a mesma coisa, sem nada acrescentar. Se for o contrário, elas respondem ao que pergunta o espectador, e mesmo aos pensamentos que elas lhes incutem, às objeções que elas preveem, mas sem se afastarem de sua ideia dominante, a ela relacionando tudo o que elas dizem. É sempre assim: ‘Ah! tu crês, b... incrédulo, que nós somos loucas, que ape
nas temos devaneios! Somos danadas, s... n... de D...! Nós somos diabos do inferno!’
“E como é sempre um diabo que fala por sua boca, o suposto diabo por vezes conta o que fazia na Terra e o que fez depois, no inferno etc.
“Em minha presença acrescentavam invariavelmente:
“Não são os teus s... médicos que nos curarão! Nós nos f... perfeitamente de teus remédios! Bem podes fazer a menina tomar, elas a atormentarão, fá-la-ão sofrer; mas a nós elas nada farão, porque nós somos diabos! Nós precisamos de santos sacerdotes, de bispos etc.’
“Isso tudo não lhes impede de insultar os sacerdotes, quando estão presentes, sob o pretexto de que eles não são bastante santos para ter ação sobre os demônios.
Diante do prefeito e dos magistrados, era sempre a mesma ideia, mas com outras palavras.
“À medida que elas falam, sempre com a mesma veemência, suas fisionomias têm um só aspecto: o do furor. Por vezes o pescoço incha e a face se injeta; noutras, empalidece, como nas pessoas normais, que coram ou empalidecem, conforme a constituição, num violento acesso de cólera. Os lábios estão sempre úmidos de saliva, o que levou a dizer que as doentes espumavam.
“Limitados inicialmente às partes superiores, os movimentos vão ganhando o tronco e os membros inferiores; a respiração torna-se ofegante; as doentes redobram o furor, tornam-se agressivas, deslocam os móveis e atiram as cadeiras, os tamboretes, tudo quanto lhes cai às mãos, sobre os assistentes; precipitam-se sobre estes para lhes bater, tanto nos parentes quanto nos estranhos; jogam-se por terra, sempre com os mesmos gritos; rolam, batem as mãos no solo ou no peito, no ventre, na garganta, e procuram arrancar alguma coisa que parece incomodar nesse ponto. Viram-se e reviram-se de um salto. Eu vi duas que, levantando-se como que por uma mola, voltavam-se para trás de tal modo que a cabeça tocava o solo ao mesmo tempo que os pés.
“Esta crise dura mais ou menos dez, vinte minutos, meia hora, conforme a causa que a provocou. Se é a presença de um estranho, sobretudo de um padre, é muito raro que termine antes que a pessoa se afaste. Nesse caso, entretanto, os movimentos convulsivos não são contínuos. Depois de terem sido violentos, enfraquecem e param para recomeçar imediatamente, como se a força nervosa esgotada repousasse um momento para se refazer.
“Durante a crise, nem o pulso nem o batimento do coração se aceleram, e mais comumente se dá o contrário: o pulso se concentra, torna-se fraco, lento, e as extremidades esfriam; a despeito da violência da agitação e dos golpes furiosos desferidos por todos os lados, as mãos ficam geladas.
“Contrariamente ao que em geral se vê em casos análogos, nenhuma ideia erótica se mistura ou parece juntar-se à ideia demoníaca. Eu mesmo fiquei chocado com essa particularidade, por ser comum a todas as doentes: nenhuma diz qualquer palavra ou faz o menor gesto obsceno. Em seus mais desordenados movimentos, elas jamais se descobrem, e se seus vestidos se levantam um pouco quando rolam por terra, é muito raro que não os recomponham imediatamente.
“Não parece que haja aqui lesão da sensibilidade genital; assim, jamais se tratou de íncubos, de súcubos ou de cenas de Sabat. Todas as doentes pertencem, como demonômanas, ao segundo dos quatro grupos indicados pelo Sr. Macário. Algumas escutam a voz dos diabos; muito mais geralmente eles falam por sua boca.
“Depois da grande desordem, pouco a pouco os movimentos se tornam menos rápidos; certos gases se escapam pela boca, e a crise termina. A doente olha em redor com um ar meio espantado, arranja os cabelos, apanha e coloca o seu gorro, bebe uns goles d’água e retoma o seu trabalho, se executava algum ao começar a crise. Quase todas dizem que não sentem cansaço nem se lembram do que disseram ou fizeram.
“Esta última asserção nem sempre é sincera. Surpreendi algumas lembrando-se muito bem. Elas apenas acrescentavam: ‘Bem sei que ele (o diabo) disse ou fez isto ou aquilo, mas não sou eu. Se minha boca falou, se minhas mãos bateram, era ELE que as fazia falar e bater. Bem que eu queria ficar tranquila, mas ELE é mais forte que eu.’
“Esta descrição é a do estado mais frequente, mas entre os extremos existem vários graus, desde a doente que só tem crises de dores gastrálgicas, até a que chega ao último paroxismo do furor. Feita esta ressalva, em todas as doentes visitadas não encontrei diferenças dignas de nota senão nalgumas poucas.
“Uma delas, chamada Jeanne Br..., de quarenta e oito anos, não casada, histérica há muito tempo, sente animais que não passam de diabos que lhe correm pelo rosto e a mordem.
“A senhora Nicolas B..., de trinta e oito anos, doente há três anos, late durante as crises. Ela atribui sua doença a um copo de vinho que bebeu em companhia de um desses que fazem o mal.
“Jeanne G..., de trinta e sete anos, não casada, é aquela cujas crises diferem mais. Não tem movimentos clônicos gerais que se veem nas outras, e quase nunca fala. Quando sente vir a crise, vai sentar-se e se põe a balançar a cabeça para frente e para trás. Os movimentos, a princípio lentos e pouco pronunciados, vão-se acelerando e acabam fazendo a cabeça descrever um círculo cada vez mais amplo, com incrível rapidez, até vir alternativa e regularmente bater nas costas e no peito. A intervalos o movimento cessa um instante, e os músculos contraídos mantêm a cabeça fixa na posição em que se encontrava ao parar, sem que seja possível erguêla ou dobrá-la, mesmo com esforços.
“Victoire V..., de vinte anos, foi uma das primeiras a adoecer, aos dezesseis anos. Seu pai assim narra o que ela sofreu: ‘Ela jamais tinha sentido nada, quando um dia foi tomada pelo mal, na igreja. Durante os dois ou três primeiros dias, apenas saltava um pouco. Um dia me trouxe o jantar na cúria, onde eu trabalhava, e tocou o Ângelus quando ela chegava. Ela imediatamente pôs-se a saltar, atirou-se no chão, gritando e gesticulando, blasfemando junto ao sineiro. Por acaso lá se achava o cura de Montriond. Ela o injuriou, chamando-o s... ch... de Montriond. O cura de Morzine também veio para junto dela, quando a crise terminava, mas ela recomeçou no mesmo instante, porque ele fez o sinal da cruz em sua fronte. Tinham-na exorcizado várias vezes, mas vendo que nada a curava, nem exorcismos nem nada, levei-a a Genebra, ao Sr. Lafontaine, o magnetizador. Lá ela permaneceu um mês e ficou curada. Ficou tranquila cerca de três anos.
“Há seis semanas recaiu, mas já não tinha crises. Não queria ver ninguém e se trancava em casa. Só comia quando eu tinha algo de bom para lhe dar. Do contrário, não podia engolir. Não se mantinha nas pernas nem movia os braços. Várias vezes tentei pô-la de pé, mas ela não se sentia e caía se eu não a segurasse mais. Resolvi levá-la novamente ao Sr. Lafontaine. Não sabia como transportá-la. Ela me disse: ‘Quando eu estiver na comuna de Montriond eu caminharei bem.’ Ajudado por um dos meus vizinhos, carregamo-la até Montriond. Mas logo do outro lado da ponte ela andou sozinha e só se queixava de um gosto horrível na boca. Depois de duas sessões com o Sr. Lafontaine ela ficou melhor e agora está empregada como doméstica.”
“Geralmente constatou-se, diz o Sr. Constant, que se estão fora da comuna, só raramente as doentes têm crises.
“Um dia, o prefeito, que me acompanhava, foi surpreendido por uma doente e violentamente batido com uma pedra no rosto. Quase no mesmo instante outra doente se atirava sobre ele,
com um pedaço de pau, para lhe bater também. Vendo esta vir, ele mostrou a ponta ferrada de sua bengala, ameaçando-a, se avançasse. Ela parou, deixou cair o pau e contentou-se em injuriá-lo.
“A despeito das corridas, dos saltos, dos movimentos violentos e desordenados das doentes, das pancadas que dão, seus terrores e divagações, não se citam tentativas de suicídio nem acidentes graves com qualquer delas. Não perdem, pois, toda a consciência, e ao menos subsiste o instinto de conservação.
“Se no começo da crise uma mulher tem o filho nos braços, acontece muitas vezes que um diabo menos mau do que aquele que a vai trabalhar lhe diz: ‘Deixa esta criança; ele (o outro diabo) far-lhe-ia mal.’ O mesmo se dá quando têm uma faca ou outro instrumento capaz de ferir.
“Como as mulheres, os homens sofreram a influência da crença que a todos deprime em graus diversos, mas neles os efeitos foram menores e bastante diferentes. Alguns sentem realmente as mesmas dores que as mulheres; como estas sentem sufocação, uma sensação de estrangulamento e acusam a sensação da bola histérica, mas nenhum chegou às convulsões, e se houve alguns raros casos de acidentes convulsivos, quase sempre podem ser atribuídos a um estado mórbido anterior e diferente. O único representante do sexo masculino que pareceu ter tido crises da mesma natureza que as moças foi o jovem T... São geralmente as moças de quinze a vinte e cinco anos que foram atingidas. Ao contrário, no outro sexo, com exceção do jovem T..., conforme acabo de dizer, são apenas homens maduros, aos quais as vicissitudes da vida talvez tivessem trazido preocupações preexistentes ou a acrescentar às causadas pela doença.”
Depois de haver discutido a maioria dos fatos extraordinários contados a respeito das doentes de Morzine, e tentado provar o estado de degenerescência física e moral dos habitantes por força de afecções hereditárias, acrescenta o Sr. Constant:
“É, pois, necessário ter como certo que tudo quanto se diz em Morzine, uma vez reconduzido à verdade, se acha consideravelmente reduzido. Cada um arranjou a sua história e quis ultrapassar o outro contador de histórias. Tais exageros se encontram em todos os relatos de epidemias desse gênero. Mesmo que alguns fatos fossem autênticos em todos os pontos e escapassem a toda interpretação, seria esse um motivo para lhes buscar uma explicação além das leis naturais? Seria o mesmo que dizer que os agentes, cujo modo de agir ainda não foram descobertos e escapam à nossa análise, são necessàriamente sobrenaturais.
“Tudo o que se viu em Morzine, sobretudo aquilo que se conta, poderá muito bem ficar para certas pessoas como sinal manifesto de uma possessão, mas é, também, com muita certeza, o dessa moléstia complexa que recebeu o nome de hístero-demonomania.
“Em resumo, acabamos de ver uma região cujo clima é rude e a temperatura muito variável, onde a histeria em todos os tempos foi considerada endêmica; uma população cuja alimentação, sempre a mesma para todos, mais pobres ou menos pobres, e sempre má, é composta de alimentos por vezes alterados, que podem provocar, e provocam, desarranjos das funções dos órgãos da nutrição, e por aí, nevroses particulares; uma população de uma constituição pouco robusta e especial, muitas vezes marcada de predisposições hereditárias, ignorante e vivendo num isolamento quase completo; muito piedosa, mas de uma piedade que tem por base mais o medo que a esperança; muito supersticiosa e cuja superstição, essa chaga que São Tomé chamava um vício oposto à religião por excesso, tem sido mais acariciada que combatida. Embalada por histórias de feitiçaria que são, fora das cerimônias da Igreja, a única distração não impedida pela severidade religiosa exagerada; uma imaginação viva, muito impressionável, que teria necessidade de qualquer alimento, e que não tem outro senão essas mesmas cerimônias.”
Resta-nos examinar as relações que podem existir entre os fenômenos acima descritos e os que se produzem nos casos de obsessão e subjugação bem constatados, o que cada um sem dúvida já terá notado; o efeito dos meios curativos empregados; as causas da ineficácia do exorcismo e as condições nas quais podem ser úteis. É o que faremos num próximo e último artigo.
Enquanto isto, diremos com o Sr. Constant que não há necessidade de buscar no sobrenatural a explicação dos efeitos desconhecidos. Nós estamos perfeitamente de acordo com ele neste ponto. Para nós os fenômenos espíritas nada têm de sobrenatural. Eles nos revelam uma das leis, uma das forças da Natureza que não conhecíamos e que produz efeitos até agora não explicados. Essa lei, que brota dos fatos e da observação, é mais desarrazoada porque tem como promotores seres inteligentes em vez de animais ou da matéria bruta? Será tão insensato crer em inteligências ativas além do túmulo, sobretudo quando elas se manifestam de maneira ostensiva? O conhecimento dessa lei, levando certos efeitos à sua causa verdadeira, simples e natural, é o melhor antídoto às ideias supersticiosas.
[1] Broch. in-8º. Adrien Delahaye, praça da Escola de Medicina. Preço 2 fr.
[2] Ad rem, expressão latina que significa à coisa – afirmativa direta à coisa. (N. equipe revisoara)
Resultados da leitura das obras espíritas
CARTAS DOS SRS. MICHEL, DE LYON E D..., D’ALBI
Como resposta à opinião do Dr. Constant relativa ao efeito que deve produzir a leitura das obras espíritas, publicamos a seguir duas cartas, entre milhares da mesma natureza que nos são enviadas. Como vimos no artigo precedente, sua opinião é que esse efeito deve ser inevitavelmente o de fazer pronta justiça à pretensa ciência espírita, e é com esse propósito que ele recomenda a leitura. Ora, há mais de seis anos que essas obras são lidas e, coisa lamentável para a sua perspicácia, a justiça ainda não foi feita!
Como resposta à opinião do Dr. Constant relativa ao efeito que deve produzir a leitura das obras espíritas, publicamos a seguir duas cartas, entre milhares da mesma natureza que nos são enviadas. Como vimos no artigo precedente, sua opinião é que esse efeito deve ser inevitavelmente o de fazer pronta justiça à pretensa ciência espírita, e é com esse propósito que ele recomenda a leitura. Ora, há mais de seis anos que essas obras são lidas e, coisa lamentável para a sua perspicácia, a justiça ainda não foi feita!
Albi, 06 de março de 1863.
Sr. Allan Kardec,
...Sei que não devo abusar do vosso tempo precioso. Também me privo da felicidade do entreter-me longamente convosco. Direi que lamento amargamente não ter conhecido mais cedo vossa admirável doutrina, pois sinto que teria sido um outro homem. Contudo, não sou médium, nem procuro sê-lo, pois tenho graves aborrecimentos que incessantemente me obsidiam. Tenho um passado de deplorável negligência. Cheguei aos quarenta e nove anos sem saber uma única prece. Depois que vos li, oro todas as noites, às vezes pela manhã, e sobretudo por meus inimigos. Vossa doutrina me salvou de muitas coisas e me faz suportar os revezes com resignação.
Quanto seria reconhecido, caro senhor, se orásseis algumas vezes por mim!
Recebei, etc.
..
Lyon, 09 de março de 1863.
Meu caro mestre,
Devo começar pedindo um duplo perdão, primeiro, por haver retardado muito o cumprimento de um dever desta natureza; segundo, pela liberdade que tomo, sem ter a honra de ser vosso conhecido, de tratar convosco de coisas que me são, de certo modo, inteiramente pessoais.
Esta consideração me obriga a ser tão breve quanto possível, para não abusar de vossa bondade, nem vos fazer perder apenas comigo um tempo que podereis empregar utilmente no bem geral.
Depois de seis meses que tenho a felicidade de ser iniciado na Doutrina Espírita, senti nascer em mim um vivo sentimento de reconhecimento. Aliás, tal sentimento não passa de uma consequência muito natural da crença no Espiritismo. E, desde que tem sua razão de ser, deve igualmente manifestar-se. Em minha opinião, deve dividir-se em três partes, da qual a primeira é Deus, a quem diariamente cada espírita deve agradecer esta nova prova de sua infinita misericórdia; a segunda pertence de direito ao próprio Espiritismo, isto é, aos bons Espíritos e seus sublimes ensinamentos; enfim, a terceira, àquele que nos guia em nossa nova estrada, e que nos sentimos felizes ao reconhecê-lo como nosso mestre venerado.
Assim compreendido o reconhecimento espírita, três deveres distintos se impõem: para com Deus, para com os bons Espíritos e para com o propagador de seus ensinamentos. Tenho esperança de me desobrigar para com Deus, pedindo-lhe perdão de meus erros passados e continuando a orar diariamente. Tentarei pagar minha dívida ao Espiritismo, espalhando em meu redor, tanto quanto esteja em minha pouca força, os benefícios da instrução espírita. E o fim desta carta é vos testemunhar, senhor, o vivo desejo que sentia de me desobrigar para convosco, o que me acuso de fazer tão tardiamente. Apelo, pois, à vossa caridade e vos peço aceiteis esta sincera homenagem de um reconhecimento sem limites.
Associando-me de coração aos que me precederam, venho dizer-vos: Obrigado a vós que nos haveis tirado do erro, fazendo brilhar sobre nós o facho da verdade; obrigado a vós que nos destes a conhecer os meios de chegar à verdadeira felicidade pela prática do bem; obrigado a vós, que não temeis ser o primeiro a entrar na luta.
O surgimento do Espiritismo no século dezenove, numa época em que o egoísmo e o materialismo parecem dividir o domínio do mundo, é um fato muito importante e muito extraordinário para não provocar a admiração e o espanto das pessoas sérias e dos espíritos observadores. Tal fato é completamente inexplicável para os que recusam reconhecer a intervenção divina na marcha dos grandes acontecimentos que se realizam entre nós e, muitas vezes, malgrado nosso.
Mas, um fato não menos surpreendente, é que se tenha encontrado, nesta época de incredulidade, um homem bastante crente, bastante corajoso, para sair da multidão, abandonar a corrente e anunciar uma doutrina que devia pô-lo em desacordo com o maior número de pessoas, pois seu objetivo é combater e derrubar os preconceitos, os abusos e os erros da massa, e, enfim, pregar a fé aos materialistas, a caridade aos egoístas, a moderação aos fanáticos, a verdade a todos.
Esse fato está hoje realizado, portanto, não era impossível. Mas, para realizá-lo, era necessária uma coragem que só a fé pode dar. Eis o que causa a nossa admiração.
Semelhante devotamento, meu caro mestre, não podia ficar infrutífero. Assim, desde já, podeis começar a receber a recompensa de vosso labor, contemplando o triunfo da doutrina que ensinastes.
Sem vos preocupar com o número e a força dos vossos adversários, descestes sozinho à arena, e vos opusestes às facécias injuriosas com uma serenidade inalterável, e aos ataques e calúnias, com a moderação. Assim, em pouco tempo, o Espiritismo propagou-se por todas as partes do mundo. Hoje seus adeptos se contam aos milhões e, o que é mais satisfatório, se recrutam em todos os graus da escala social. Ricos e pobres, ignorantes e letrados, livres-pensadores e puritanos, todos responderam ao apelo do Espiritismo, e cada classe empenhou-se em fornecer seu contingente nesta grande cruzada da inteligência... Luta sublime, onde o vencido tem orgulho de proclamar sua derrota, e mais orgulho ainda de combater sob a bandeira dos vencedores.
Esta vitória não só honra aquele que a conquistou, mas também atesta a justeza da causa, isto é, a superioridade da Doutrina Espírita sobre todas as que a precederam e, consequentemente, sua origem divina. Para o adepto fervoroso, o fato não pode ser posto em dúvida, e o Espiritismo não pode ser obra de alguns cérebros dementes, como seus detratores tentaram demonstrar. É impossível que o Espiritismo seja uma obra humana. Deve ser, e é, com efeito, uma revelação divina. Se assim não fosse, já teria sucumbido e teria ficado impotente perante a indiferença e o materialismo.
Toda ciência humana é sistemática em sua essência e, por isso mesmo, sujeita a erro. Eis por que não pode ser admitida senão por um pequeno número de indivíduos que, por ignorância ou por cálculo, propagam crenças errôneas que caem por si mesmas depois de algum tempo de prova. O tempo e a razão sempre têm feito justiça às doutrinas abusivas e despidas de fundamento. Nenhuma ciência, nenhuma doutrina pode pretender estabilidade se não possuir, no seu conjunto, como nos menores detalhes, essa emanação pura e divina a que chamamos verdade, porque só a verdade é imutável como o Criador, que é a sua fonte.
Disto encontramos um exemplo muito consolador nas divinas palavras do Cristo, que o santo Evangelho, a despeito de sua longa e aventurosa peregrinação, nos transmitiu tão suaves, tão puras quanto ao caírem da boca do divino Renovador.
Depois de dezoito séculos de existência, a doutrina do Cristo nos parece tão luminosa quanto no momento de seu nascimento. Malgrado as falsas interpretações de uns e as perseguições de outros, e posto que pouco praticada em nossos dias, nem por isso ficou menos enraizada na lembrança dos homens. A doutrina do Cristo é, pois, uma base indestrutível, contra a qual se vêm quebrar incessantemente as paixões humanas. Como a vaga impotente que se arrebenta contra o rochedo, as tempestades do erro se esgotam em vãos esforços contra o farol da verdade. Sendo o Espiritismo a confirmação e o complemento dessa doutrina, é portanto justo dizer-se que se transformará num monumento indestrutível, porque tem Deus como princípio e a verdade como base.
Assim como nos sentimos felizes predizendo seu longo destino, entrevemos com felicidade o momento em que será crença universal. Esse momento não está muito distante, porque os homens não tardarão a compreender que aqui em baixo não há felicidade possível sem fraternidade. Eles compreenderão, também, que a palavra virtude não deve apenas errar sobre os lábios, mas gravar-se profundamente nos corações. Compreenderão, enfim, que aquele que toma a tarefa de pregar a moral deve, antes de tudo e sobretudo, pregá-la pelo exemplo.
Eu paro, meu caro mestre, pois a grandeza do assunto arrasta-me para alturas onde não me posso manter. Mãos mais hábeis que as minhas já pintaram com vivas cores o quadro tocante que em vão minha pena ignorante tenta esboçar. Peço-vos me perdoeis por ter-vos distraído tanto tempo com meus próprios sentimentos, mas eu sentia um desejo invencível de me expandir no seio daquele que havia dado calma a minha alma, substituindo a dúvida que a torturava há quinze anos por uma consoladora certeza!
Eu fui, sucessivamente, católico fervoroso, fatalista, materialista, filósofo resignado. Mas dou graças a Deus por não ter sido ateu. Eu praguejava contra a Providência, sem contudo negar Deus.
Para mim, de há muito, as chamas do inferno estavam extintas, contudo, meu espírito não estava tranquilo quanto ao futuro. Os prazeres celestes preconizados pela Igreja não tinham atrativos suficientes para exortar-me à virtude, entretanto, raramente minha consciência aprovava minha conduta. Estava em contínua dúvida.
Apropriando-me do pensamento de um grande filósofo de que “A consciência foi dada ao homem para o vexar”, eu tinha chegado à conclusão de que o homem deve evitar tudo quanto possa confundir sua consciência. Assim, teria evitado cometer uma grande falta, porque minha consciência a isso se opunha; teria praticado algumas boas obras para experimentar a satisfação que elas provocavam, mas eu nada via além. A Natureza me havia tirado do nada; a morte devia levar-me ao nada! Este pensamento por vezes me mergulhava numa profunda tristeza, mas, por mais que consultasse, que buscasse, nada me dava a chave do enigma. As disposições sociais me chocavam, e muitas vezes eu indagava por que havia nascido no sopé da escada, onde me achava tão mal colocado. Não podendo dar a resposta, dizia: o acaso!
Uma consideração de outro gênero me fazia sentir horror do nada! De que valia instruir-se? Para brilhar num salão?... é preciso fortuna. Para se tornar um poeta, um grande escritor?... é preciso um talento natural. Mas para mim, simples artesão, talvez destinado a morrer sobre o banco de trabalho, ao qual me liguei por necessidade de ganhar o pão diário... para que instruir-me?...
Eu não sei quase nada e isso já é muito, pois nada me serve em vida e tudo deve apagar-se com a morte. Tal pensamento apresentou-se muitas vezes em meu espírito. Eu tinha chegado a maldizer essa instrução que é dada gratuitamente ao filho do operário. Posto que muito exígua, muito incompleta, essa instrução me parecia supérflua e não só nociva à felicidade do pobre, mas incompatível com as exigências de sua condição. Em minha opinião, era uma calamidade a mais para o pobre, pois lhe dava a compreender a importância do mal, sem lhe indicar o remédio. É fácil explicar os sofrimentos morais de um homem que, sentindo bater no peito um coração nobre, é obrigado a curvar a sua inteligência à vontade de um indivíduo do qual um punhado de escudos, por vezes mal adquiridos, constitui todo o mérito e todo o saber.
É então que se precisa apelar para a filosofia. Olhando o topo da escada, a gente diz: O dinheiro não faz a felicidade. Depois, olhando para baixo, veem-se criaturas numa posição inferior à sua e se acrescenta: Tenhamos paciência, há outras a lamentar mais que nós. Mas, se por vezes essa filosofia dá resignação, jamais produz a felicidade.
Eu estava nessa situação quando o Espiritismo veio tirar-me do atoleiro de provas e de incertezas onde me afundava cada vez mais, a despeito dos esforços para sair.
Durante dois anos ouvi falar do Espiritismo sem lhe dar atenção séria. Julgava, como diziam seus adversários, tratar-se de mais uma palhaçada. Mas, enfim, fatigado de ouvir falar de uma coisa da qual apenas sabia o nome, resolvi instruir-me. Adquiri O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns. Li, ou melhor, devorei essas duas obras com uma avidez e uma satisfação impossível de definir. Qual não foi minha surpresa, lançando os olhos sobre as primeiras páginas, ao ver que se tratava de filosofia moral e religiosa, quando eu esperava ler um tratado de magia acompanhado de histórias maravilhosas! Logo a surpresa deu lugar à convicção e ao reconhecimento. Quando terminei a leitura, percebi com felicidade que era espírita há muito tempo. Agradeci a Deus que me concedia este insigne favor. De agora em diante poderei orar sem temer que minhas preces se percam no espaço, e suportarei com alegria as tribulações desta curta existência, sabendo que a minha miséria atual não passa de justa consequência de um passado culposo ou de um período de prova para alcançar um futuro melhor. Não mais a dúvida. A justiça e a lógica nos desvendam a verdade. E nós aclamamos com felicidade esta benfeitora da Humanidade.
É quase inútil dizer-vos, meu caro mestre, quanto era grande o meu desejo de ser médium. Assim, estudei com grande perseverança. Após alguns dias de observação, reconheci que era médium intuitivo. Meu desejo se realizava a meio, pois desejava muito ser médium mecânico.
A mediunidade intuitiva deixa por muito tempo a dúvida no espírito de quem a possui. Para dissipar todos os escrúpulos a respeito, tive que assistir a algumas sessões de Espiritismo, a fim de poder fazer uma comparação entre a minha mediunidade e a de outros médiuns. Foi então que compreendi a justeza de vossa recomendação que prescreve ler antes de ver, se se quiser ficar convencido. Porque, posso dizer-vos francamente, nada vi de convincente para um incrédulo. Eu daria tudo para ter sido colocado pela Providência sob a direção imediata de nosso bemamado chefe, porque pensava que as provas deviam ser mais palpáveis e frequentes na sociedade que presidis. Não obstante, não me detive aí, e convidei alguns médiuns escreventes, videntes e desenhistas a se reunirem comigo para trabalharmos juntos. Foi então que tive a sorte de testemunhar fatos surpreendentes e as provas mais evidentes da bondade e virtude do Espiritismo. Pela segunda vez, eu estava convencido!
Junto a esta carta, já bem longa, algumas das minhas comunicações. Serei feliz, meu caro mestre, se vos for possível dar-lhes uma olhada e julgar de seu valor. Do ponto de vista moral eu as julgo irreprocháveis, mas do ponto de vista literário... não estando apto para julgar, abstenho-me de qualquer apreciação. Se, contra minhaexpectativa, encontrardes alguns fragmentos capazes de serem dados à publicidade, peço-vos deles dispor à vontade. Para mim seria uma grande felicidade haver contribuído com uma pedrinha para a construção do edifício.
Daria um grande valor a uma resposta de vosso próprio punho, meu caro mestre, mas não ouso solicitá-lo, pois sei da impossibilidade material em que vos achais de responder a todas as cartas que vos são dirigidas. Termino vos rogando perdoeis esta extrema liberdade, esperando creiais na sinceridade daquele que tem a honra de se dizer um dos vossos fervorosos admiradores e vosso muito humilde servo.
MICHEL
Rua Bouteille, 25, Lyon
Os sermões continuam, mas não se assemelham
Em data de 7 de março de 1863, escrevem-nos de Chauny:
“Senhor,
“Vou tentar vos dar uma análise do sermão que nos foi pregado ontem pelo Padre X..., estranho à nossa paróquia. Esse sacerdote, aliás bom pregador, explicou, até onde podia fazê-lo, o que é Deus e o que são os Espíritos. Não deveria ignorar que havia grande número de espíritas no auditório, de modo que tivemos viva satisfação de ouvir falar dos Espíritos e de suas relações com os vivos.
“Não compreendo de outra maneira, disse ele, todos os fatos miraculosos, todas as visões, todos os pressentimentos, senão pelo contato dos que nos são caros e nos precederam no túmulo. E, se não temesse levantar um véu muito misterioso, ou vos falar de coisas que não seriam compreendidas por todos, eu me alongaria muito mais sobre este assunto. Sinto-me inspirado e, obedecendo à voz da minha consciência, não seria demasiada a recomendação de que guardeis boa lembrança de minhas palavras: Crer nesse Deus do qual emanam todos os Espíritos e no qual todos deveremos reunir-nos um dia.
“Esse sermão, senhor, pronunciado num tom de doçura, de benevolência e de convicção, ia muito mais ao coração que os discursos furibundos, nos quais em vão procuramos a caridade pregada pelo Cristo. Ele estava ao alcance de todas as inteligências. Assim, todos o compreenderam e saíram reconfortados, em vez de ficarem tristes e desencorajados pelos quadros do inferno e das penas eternas e tantos outros assuntos em contradição com a sã razão.
“Aceitai etc.
V...”
“Vou tentar vos dar uma análise do sermão que nos foi pregado ontem pelo Padre X..., estranho à nossa paróquia. Esse sacerdote, aliás bom pregador, explicou, até onde podia fazê-lo, o que é Deus e o que são os Espíritos. Não deveria ignorar que havia grande número de espíritas no auditório, de modo que tivemos viva satisfação de ouvir falar dos Espíritos e de suas relações com os vivos.
“Não compreendo de outra maneira, disse ele, todos os fatos miraculosos, todas as visões, todos os pressentimentos, senão pelo contato dos que nos são caros e nos precederam no túmulo. E, se não temesse levantar um véu muito misterioso, ou vos falar de coisas que não seriam compreendidas por todos, eu me alongaria muito mais sobre este assunto. Sinto-me inspirado e, obedecendo à voz da minha consciência, não seria demasiada a recomendação de que guardeis boa lembrança de minhas palavras: Crer nesse Deus do qual emanam todos os Espíritos e no qual todos deveremos reunir-nos um dia.
“Esse sermão, senhor, pronunciado num tom de doçura, de benevolência e de convicção, ia muito mais ao coração que os discursos furibundos, nos quais em vão procuramos a caridade pregada pelo Cristo. Ele estava ao alcance de todas as inteligências. Assim, todos o compreenderam e saíram reconfortados, em vez de ficarem tristes e desencorajados pelos quadros do inferno e das penas eternas e tantos outros assuntos em contradição com a sã razão.
“Aceitai etc.
V...”
Graças a Deus este sermão não é único do gênero. Relatam-nos vários outros no mesmo sentido, mais ou menos acentuados, que foram pregados em Paris e nos departamentos. E, coisa bizarra, num sentido diametralmente oposto, pregados no mesmo dia, na mesma cidade e quase à mesma hora. Isto nada tem de surpreendente, porque há muitos eclesiásticos esclarecidos, que compreendem que a religião só terá a perder em autoridade tomando posição errada contra a irresistível marcha das coisas e que, como todas as instituições, deve seguir o progresso das ideias, sob pena de receber, mais tarde, o desmentido dos fatos constatados.
Ora, quanto ao Espiritismo, é impossível que muitos desses senhores não se tenham convencido por si mesmos da realidade das coisas. Pessoalmente conhecemos mais de um neste caso. Um deles dizia-nos outro dia: “Podem proibirme de falar em favor do Espiritismo, mas obrigar-me a falar contra minha convicção, a dizer que tudo isto é obra do demônio, quando tenho a prova material em contrário, é o que jamais farei”.
Dessa divergência de opinião ressalta um fato capital: é que a doutrina exclusiva do diabo é uma opinião individual, que necessariamente terá de curvar-se ante a experiência e a opinião geral. Que alguns persistem em suas ideias in extremis, é possível, mas eles passarão, e com eles suas palavras.
Suícidio falsamente atribuído ao Espiritismo
O ardor dos adversários em recolher e sobretudo em desnaturar os fatos que julgam comprometer o Espiritismo, é verdadeiramente incrível. Está num ponto em que em breve não haverá mais nenhum acidente pelo qual ele não seja responsabilizado.
Um fato lamentável passou-se ultimamente em Tours, que não podia deixar de ser explorado pela crítica: o suicídio de duas criaturas, que se esforçam por atribuir ao Espiritismo.
O Jornal Le Monde, (antigo Univers Religieux), e com ele vários jornais, publicaram a respeito um artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:
“Um casal em idade avançada, o Sr. e Sra. F..., ainda bem dispostos e desfrutando uma renda que lhes permitia viver à vontade, de dois anos para cá entregava-se a operações do Espiritismo. Quase todas as noites reunia-se em sua casa um certo número de operários, homens e mulheres, e jovens de ambos os sexos, perante os quais os dois espíritas faziam suas evocações, ou ao menos pretendiam fazê-las.
“Não falaremos das questões de toda espécie, cuja solução era pedida aos Espíritos naquela casa. Os que conhecem essas duas pessoas de longa data e os seus sentimentos sobre religião jamais ficaram surpresos com as cenas que ali podiam produzir-se. Estranhos a toda ideia cristã, tinham-se atirado à magia, passando por mestres hábeis e consumados.
. . . . . . . . . . . . . . . . .
“Um e outro estavam convencidos, desde algum tempo, que os Espíritos os induziam vivamente a deixar a Terra, a fim de gozarem uma grande soma de delícias num outro mundo, o mundo supraterrestre. Não duvidando que assim fosse, consumaram o suicídio com o maior sangue frio e um grande escândalo na cidade de Tours.
. . . . . . . . . . . . . . .
“Assim é hoje o suicídio que temos a constatar como resultado do Espiritismo e de sua doutrina. Ontem eram os casos de loucura, sem falar nas desordens domésticas e de outras desordens tão comumente ocasionadas pelo Espiritismo. Isto não basta para que os homens compreendam - esses não querem escutar a voz da religião ─ a que perigos se expõem, entregando-se a essas práticas tenebrosas e estúpidas?”
Notemos de começo que se os dois indivíduos pretendiam fazer evocações, é que realmente não as faziam; que abusavam dos outros ou enganavam-se a si mesmos. Portanto, se não faziam evocações reais, era uma quimera, e os Espíritos não lhes podem ter dado maus conselhos.
Eram espíritas, isto é, espíritas de coração ou de nome? O artigo constata que eram estranhos a toda ideia cristã, e mais, que passavam por mestres hábeis e consumados na magia. Ora, é sabido que o Espiritismo é inseparável das ideias religiosas e sobretudo cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo; que condena as práticas de magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, fórmulas, sinais cabalísticos e palavras sacramentais. Portanto, aquelas pessoas não eram espíritas, pois estavam em contradição com os princípios do Espiritismo. Em homenagem à verdade, diremos que, das informações obtidas, ressalta que aquelas pessoas não se ocupavam de magia e que, sem dúvida, quiseram aproveitar a circunstância para ligar esse nome ao Espiritismo.
Além disso, diz o artigo que em casa deles faziam aos Espíritos perguntas de toda espécie. O Espiritismo diz expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos toda sorte de perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e não para se ocuparem de interesses materiais; que é um engano ver nas manifestações um meio de conhecer o futuro, descobrir tesouros ou heranças, fazer invenções ou descobertas científicas para ilustrar-se ou enriquecer sem trabalho. Numa palavra, que os Espíritos não vêm dizer a buena-dicha. Assim, fazendo aos Espíritos perguntas de toda espécie, o que é muito real, esses indivíduos provavam sua ignorância quanto aos fins do Espiritismo.
O artigo não diz que disso fizessem profissão. Com efeito não faziam. Do contrário, lembraríamos o que foi dito centenas de vezes a respeito desta exploração e suas consequências, de que o Espiritismo sério não pode assumir a responsabilidade legal ou outra, como não assume pelas excentricidades dos que não o compreendem. Ele não toma a defesa dos abusos que pudessem ser cometidos em seu nome, por aqueles que tomassem a forma ou a máscara sem lhe assimilar os princípios.
Outra prova de que aqueles indivíduos ignoravam um dos pontos fundamentais da Doutrina Espírita é que o Espiritismo prova, não por simples teoria moral, mas por exemplos numerosos e terríveis, que o suicídio é severamente castigado; que aquele que julga escapar às misérias da vida por uma morte voluntária antecipada aos desígnios de Deus, cai num estado muito mais infeliz. Sabe, pois, o espírita, sem sombra de dúvida, que pelo suicídio troca-se um mau estado passageiro por outro pior e mais duradouro. É o que teriam sabido aquelas criaturas se tivessem conhecido o Espiritismo. O autor do artigo, afirmando que essa doutrina conduz ao suicídio, falou de uma coisa que ele próprio ignora.
De modo algum nos surpreendemos com o resultado da repercussão deste caso. Apresentando-o como consequência da Doutrina Espírita, despertaram a curiosidade, e cada um quis conhecer essa doutrina por si mesmo, livre de a repelir se ela fosse tal qual a apresentavam. Ora, reconheceram que ela dizia tudo ao contrário do que pretendiam que dissesse. Assim, pois, ela só tem a ganhar em ser conhecida, coisa de que os nossos adversários parecem encarregar-se com um ardor pelo qual lhes somos gratos, salvo, todavia, quanto às suas intenções. Se por suas diatribes produzem uma pequena perturbação local e momentânea, ela não tarda a ser seguida por uma recrudescência do número dos adeptos. É o que se vê por toda parte.
Escrevem-nos de Tours:
“Se, portanto, esses indivíduos acreditaram que deveriam envolver os Espíritos em sua fatal resolução e a suas excentricidades bem conhecidas, é evidente que nada haviam compreendido do Espiritismo, e que desse fato nenhuma conclusão pode ser tirada contra a doutrina. Do contrário, seria preciso responsabilizar as doutrinas mais sérias e mais sagradas pelos abusos e até crimes em seu nome cometidos por pobres insensatos ou fanáticos. A Sra. F... pretendia ser médium, mas todos quantos a ouviram jamais puderam levá-la a sério. As ideias muito batidas, os exageros e as excentricidades dos dois esposos e, sobretudo, da mulher, levaram a que lhes fossem fechadas as portas do círculo espírita de Tours, onde não foram admitidos a uma única sessão.
O jornal precipitado não foi melhor informado sobre as causas do suicídio. Nós a tomamos de peças autênticas, do escrivão de Tours, bem como de uma carta a respeito, que nos escreveu o Sr. X..., promotor desta cidade.
O casal F..., a mulher com sessenta e dois anos e o marido com oitenta, longe de estarem bem, foram levados ao suicídio apenas pela perspectiva única da miséria. Eles tinham amealhado uma pequena fortuna no comércio de tecidos, em Nova Orleans, mas, arruinados por falência, vieram para Nantes, depois para Tours, com os restos do naufrágio. Um usufruto de 480 francos, que era seu principal recurso, cessou em 1856, em consequência da outra falência. Já por três vezes, e antes que tratassem de Espiritismo, tinham tentado o suicídio. Nestes últimos tempos, perseguidos por antigos credores, um processo infeliz tinha conseguido arruiná-los e fazê-los perder a coragem e a razão.
A carta que segue, escrita pela senhora F... antes de morrer, e que se acha entre as peças referidas, assinadas pelo presidente do tribunal, ne varietur, revela o verdadeiro motivo. Nós a transcrevemos textualmente, na grafia original:
“Senhor e senhora B..., antes de ir ao céu, quero entender-me convosco mais uma vez, aceitai meus último adeuses, espero muito entretanto que nos veremos, como parto antes de vós, vou guardar vosso endereço para quando vier o momento, quero comunicar nosso projeto, desde nossas adversidades temos alimentado no coração, uma mágoa que não se apagou, é mais que um aborrecimento, tudo se torna num peso, tenho sempre o coração cheio de amargura, é preciso que eu diga que há seis anos que o negócio da casa não termina, talvez seja preciso gastar mais dois mil francos como vemos que não podemos sair disso senão com grandes privações que é preciso sempre recomeçar sem ver o fim, é preciso acabar com isso, agora estamos velhos as forças começam a nos abandonar, a coragem falta, a partida não é mais igual, é preciso acabar com isto e nos decidimos parar. Peço que aceiteis meus votos sinceros. Fe. e F...”
Hoje sabe-se em Tours o que pensar das verdadeiras causas de tal acontecimento, e o ruído feito a respeito se volta em favor do Espiritismo porque, diz o nosso correspondente, fala-se a respeito dele em toda parte, e querem saber efetivamente o que ele é, e desde então as livrarias da cidade têm vendido mais livros espíritas que nunca.
É realmente curioso ver o tom lamentável de uns, a cólera furibunda de outros, e, em meio a tudo isto, o Espiritismo seguir sua marcha ascendente, como um soldado que sobe ao assalto sem se inquietar com a metralha. Vendo a zombaria impotente, depois de haverem dito que era um fogo-fátuo, agora os adversários dizem que é um cão danado.
Um fato lamentável passou-se ultimamente em Tours, que não podia deixar de ser explorado pela crítica: o suicídio de duas criaturas, que se esforçam por atribuir ao Espiritismo.
O Jornal Le Monde, (antigo Univers Religieux), e com ele vários jornais, publicaram a respeito um artigo, do qual extraímos as seguintes passagens:
“Um casal em idade avançada, o Sr. e Sra. F..., ainda bem dispostos e desfrutando uma renda que lhes permitia viver à vontade, de dois anos para cá entregava-se a operações do Espiritismo. Quase todas as noites reunia-se em sua casa um certo número de operários, homens e mulheres, e jovens de ambos os sexos, perante os quais os dois espíritas faziam suas evocações, ou ao menos pretendiam fazê-las.
“Não falaremos das questões de toda espécie, cuja solução era pedida aos Espíritos naquela casa. Os que conhecem essas duas pessoas de longa data e os seus sentimentos sobre religião jamais ficaram surpresos com as cenas que ali podiam produzir-se. Estranhos a toda ideia cristã, tinham-se atirado à magia, passando por mestres hábeis e consumados.
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“Um e outro estavam convencidos, desde algum tempo, que os Espíritos os induziam vivamente a deixar a Terra, a fim de gozarem uma grande soma de delícias num outro mundo, o mundo supraterrestre. Não duvidando que assim fosse, consumaram o suicídio com o maior sangue frio e um grande escândalo na cidade de Tours.
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“Assim é hoje o suicídio que temos a constatar como resultado do Espiritismo e de sua doutrina. Ontem eram os casos de loucura, sem falar nas desordens domésticas e de outras desordens tão comumente ocasionadas pelo Espiritismo. Isto não basta para que os homens compreendam - esses não querem escutar a voz da religião ─ a que perigos se expõem, entregando-se a essas práticas tenebrosas e estúpidas?”
Notemos de começo que se os dois indivíduos pretendiam fazer evocações, é que realmente não as faziam; que abusavam dos outros ou enganavam-se a si mesmos. Portanto, se não faziam evocações reais, era uma quimera, e os Espíritos não lhes podem ter dado maus conselhos.
Eram espíritas, isto é, espíritas de coração ou de nome? O artigo constata que eram estranhos a toda ideia cristã, e mais, que passavam por mestres hábeis e consumados na magia. Ora, é sabido que o Espiritismo é inseparável das ideias religiosas e sobretudo cristãs; que a negação destas é a negação do Espiritismo; que condena as práticas de magia, com as quais nada tem de comum; que denuncia como supersticiosa a crença na virtude dos talismãs, fórmulas, sinais cabalísticos e palavras sacramentais. Portanto, aquelas pessoas não eram espíritas, pois estavam em contradição com os princípios do Espiritismo. Em homenagem à verdade, diremos que, das informações obtidas, ressalta que aquelas pessoas não se ocupavam de magia e que, sem dúvida, quiseram aproveitar a circunstância para ligar esse nome ao Espiritismo.
Além disso, diz o artigo que em casa deles faziam aos Espíritos perguntas de toda espécie. O Espiritismo diz expressamente que não se podem dirigir aos Espíritos toda sorte de perguntas; que eles vêm para nos instruir e nos tornar melhores, e não para se ocuparem de interesses materiais; que é um engano ver nas manifestações um meio de conhecer o futuro, descobrir tesouros ou heranças, fazer invenções ou descobertas científicas para ilustrar-se ou enriquecer sem trabalho. Numa palavra, que os Espíritos não vêm dizer a buena-dicha. Assim, fazendo aos Espíritos perguntas de toda espécie, o que é muito real, esses indivíduos provavam sua ignorância quanto aos fins do Espiritismo.
O artigo não diz que disso fizessem profissão. Com efeito não faziam. Do contrário, lembraríamos o que foi dito centenas de vezes a respeito desta exploração e suas consequências, de que o Espiritismo sério não pode assumir a responsabilidade legal ou outra, como não assume pelas excentricidades dos que não o compreendem. Ele não toma a defesa dos abusos que pudessem ser cometidos em seu nome, por aqueles que tomassem a forma ou a máscara sem lhe assimilar os princípios.
Outra prova de que aqueles indivíduos ignoravam um dos pontos fundamentais da Doutrina Espírita é que o Espiritismo prova, não por simples teoria moral, mas por exemplos numerosos e terríveis, que o suicídio é severamente castigado; que aquele que julga escapar às misérias da vida por uma morte voluntária antecipada aos desígnios de Deus, cai num estado muito mais infeliz. Sabe, pois, o espírita, sem sombra de dúvida, que pelo suicídio troca-se um mau estado passageiro por outro pior e mais duradouro. É o que teriam sabido aquelas criaturas se tivessem conhecido o Espiritismo. O autor do artigo, afirmando que essa doutrina conduz ao suicídio, falou de uma coisa que ele próprio ignora.
De modo algum nos surpreendemos com o resultado da repercussão deste caso. Apresentando-o como consequência da Doutrina Espírita, despertaram a curiosidade, e cada um quis conhecer essa doutrina por si mesmo, livre de a repelir se ela fosse tal qual a apresentavam. Ora, reconheceram que ela dizia tudo ao contrário do que pretendiam que dissesse. Assim, pois, ela só tem a ganhar em ser conhecida, coisa de que os nossos adversários parecem encarregar-se com um ardor pelo qual lhes somos gratos, salvo, todavia, quanto às suas intenções. Se por suas diatribes produzem uma pequena perturbação local e momentânea, ela não tarda a ser seguida por uma recrudescência do número dos adeptos. É o que se vê por toda parte.
Escrevem-nos de Tours:
“Se, portanto, esses indivíduos acreditaram que deveriam envolver os Espíritos em sua fatal resolução e a suas excentricidades bem conhecidas, é evidente que nada haviam compreendido do Espiritismo, e que desse fato nenhuma conclusão pode ser tirada contra a doutrina. Do contrário, seria preciso responsabilizar as doutrinas mais sérias e mais sagradas pelos abusos e até crimes em seu nome cometidos por pobres insensatos ou fanáticos. A Sra. F... pretendia ser médium, mas todos quantos a ouviram jamais puderam levá-la a sério. As ideias muito batidas, os exageros e as excentricidades dos dois esposos e, sobretudo, da mulher, levaram a que lhes fossem fechadas as portas do círculo espírita de Tours, onde não foram admitidos a uma única sessão.
O jornal precipitado não foi melhor informado sobre as causas do suicídio. Nós a tomamos de peças autênticas, do escrivão de Tours, bem como de uma carta a respeito, que nos escreveu o Sr. X..., promotor desta cidade.
O casal F..., a mulher com sessenta e dois anos e o marido com oitenta, longe de estarem bem, foram levados ao suicídio apenas pela perspectiva única da miséria. Eles tinham amealhado uma pequena fortuna no comércio de tecidos, em Nova Orleans, mas, arruinados por falência, vieram para Nantes, depois para Tours, com os restos do naufrágio. Um usufruto de 480 francos, que era seu principal recurso, cessou em 1856, em consequência da outra falência. Já por três vezes, e antes que tratassem de Espiritismo, tinham tentado o suicídio. Nestes últimos tempos, perseguidos por antigos credores, um processo infeliz tinha conseguido arruiná-los e fazê-los perder a coragem e a razão.
A carta que segue, escrita pela senhora F... antes de morrer, e que se acha entre as peças referidas, assinadas pelo presidente do tribunal, ne varietur, revela o verdadeiro motivo. Nós a transcrevemos textualmente, na grafia original:
“Senhor e senhora B..., antes de ir ao céu, quero entender-me convosco mais uma vez, aceitai meus último adeuses, espero muito entretanto que nos veremos, como parto antes de vós, vou guardar vosso endereço para quando vier o momento, quero comunicar nosso projeto, desde nossas adversidades temos alimentado no coração, uma mágoa que não se apagou, é mais que um aborrecimento, tudo se torna num peso, tenho sempre o coração cheio de amargura, é preciso que eu diga que há seis anos que o negócio da casa não termina, talvez seja preciso gastar mais dois mil francos como vemos que não podemos sair disso senão com grandes privações que é preciso sempre recomeçar sem ver o fim, é preciso acabar com isso, agora estamos velhos as forças começam a nos abandonar, a coragem falta, a partida não é mais igual, é preciso acabar com isto e nos decidimos parar. Peço que aceiteis meus votos sinceros. Fe. e F...”
Hoje sabe-se em Tours o que pensar das verdadeiras causas de tal acontecimento, e o ruído feito a respeito se volta em favor do Espiritismo porque, diz o nosso correspondente, fala-se a respeito dele em toda parte, e querem saber efetivamente o que ele é, e desde então as livrarias da cidade têm vendido mais livros espíritas que nunca.
É realmente curioso ver o tom lamentável de uns, a cólera furibunda de outros, e, em meio a tudo isto, o Espiritismo seguir sua marcha ascendente, como um soldado que sobe ao assalto sem se inquietar com a metralha. Vendo a zombaria impotente, depois de haverem dito que era um fogo-fátuo, agora os adversários dizem que é um cão danado.
Variedades
Lê-se em o Siècle de 23 de março de 1862:
O casal C..., residente na Rua Notre-Dame de Nazareth, tinha dois filhos, um garoto de quinze meses e uma menina de cinco anos, que nunca eram vistos, pois ninguém ia à casa deles. Só uma vez a viram, amarrada pelas axilas e pendurada numa porta, e com frequência ouviam gemidos saindo do apartamento. Correu o boato de que ela sofria um tratamento odioso. O comissário de polícia foi até lá e teve que usar da força para entrar.
Aos olhos das pessoas que entraram apresentou-se um espetáculo horroroso. A pobre menina estava sem camisa e sem meias, apenas com um vestidinho indiano de uma sujeira repugnante. A carne dos pés havia aderido ao couro dos sapatos. Ela estava sentada num urinol, apoiada numa caixa amarrada com cordas que passavam pelas alças. Ressalta do inquérito que há vários meses ela estava nessa posição, o que havia produzido uma hérnia do reto; que os pais se levantavam à noite para atormentar a vítima; que a despertavam com pancadas, a mulher com tenazes e o cabo do espanador, e o marido com uma corda. Às perguntas do comissário, o marido respondeu: “Senhor, eu sou muito religioso. Minha filha fazia mal as preces, por isso quis corrigi-la.”
Que diria o autor do artigo supracitado sobre os suicidas de Tours, se se imputasse à religião esta barbaridade de gente que se diz muito religiosa? O ato daquela mãe que matou seus cinco filhos para mandá-los mais cedo ao Céu? O da jovem criada que, tomando ao pé da letra o ensino do Cristo: “Se tua mão direita te escandaliza, corta-a”, cortou a mão a golpes de machado? Ele responderia que não basta dizer-se religioso, mas que é preciso sê-lo na boa acepção; que não se deve tirar uma consequência geral de um fato isolado. Nós somos desta opinião, e lhe mandamos esta resposta a respeito de suas imputações contra o Espiritismo, a propósito de pessoas que dele tomam apenas o nome.
O casal C..., residente na Rua Notre-Dame de Nazareth, tinha dois filhos, um garoto de quinze meses e uma menina de cinco anos, que nunca eram vistos, pois ninguém ia à casa deles. Só uma vez a viram, amarrada pelas axilas e pendurada numa porta, e com frequência ouviam gemidos saindo do apartamento. Correu o boato de que ela sofria um tratamento odioso. O comissário de polícia foi até lá e teve que usar da força para entrar.
Aos olhos das pessoas que entraram apresentou-se um espetáculo horroroso. A pobre menina estava sem camisa e sem meias, apenas com um vestidinho indiano de uma sujeira repugnante. A carne dos pés havia aderido ao couro dos sapatos. Ela estava sentada num urinol, apoiada numa caixa amarrada com cordas que passavam pelas alças. Ressalta do inquérito que há vários meses ela estava nessa posição, o que havia produzido uma hérnia do reto; que os pais se levantavam à noite para atormentar a vítima; que a despertavam com pancadas, a mulher com tenazes e o cabo do espanador, e o marido com uma corda. Às perguntas do comissário, o marido respondeu: “Senhor, eu sou muito religioso. Minha filha fazia mal as preces, por isso quis corrigi-la.”
Que diria o autor do artigo supracitado sobre os suicidas de Tours, se se imputasse à religião esta barbaridade de gente que se diz muito religiosa? O ato daquela mãe que matou seus cinco filhos para mandá-los mais cedo ao Céu? O da jovem criada que, tomando ao pé da letra o ensino do Cristo: “Se tua mão direita te escandaliza, corta-a”, cortou a mão a golpes de machado? Ele responderia que não basta dizer-se religioso, mas que é preciso sê-lo na boa acepção; que não se deve tirar uma consequência geral de um fato isolado. Nós somos desta opinião, e lhe mandamos esta resposta a respeito de suas imputações contra o Espiritismo, a propósito de pessoas que dele tomam apenas o nome.
Os Espíritos e o Espiritismo - Pelo Sr. Fammarion (Extraído da Revue Française)
Sob esse título, o Sr. Flammarion, autor da brochura sobre a Pluralidade dos mundos habitados, da qual demos notícia em nosso número de janeiro último, acaba de publicar na Revue Française de fevereiro de 1863[1], um primeiro artigo muito interessante, do qual a seguir damos o começo. O trabalho, que lhe foi pedido pela direção do jornal, resumo literário importante e muito difundido, é uma exposição da história e dos princípios do Espiritismo. Sua extensão lhe dá, quase, a importância de uma obra especial, pois o primeiro artigo não tem menos de 23 páginas grandes in-8º. Até certo ponto, o autor achou que deveria fazer abstração de sua opinião pessoal sobre o assunto e ficar num terreno de certo modo neutro, limitando-se a uma exposição imparcial dos fatos, de maneira a deixar ao leitor a inteira liberdade de apreciação.
Ele assim começa:
“Num século em que a Metafísica caiu de seu alto pedestal; no qual a ideia religiosa quis libertar-se de todo dogma e de todo culto especial; no qual a própria Filosofia mudou seu modo de raciocinar para ligar-se ao positivismo da ciência experimental, uma doutrina espiritualista veio se oferecer aos homens, e estes a receberam. Ela lhes propôs um símbolo de crença e eles o adotaram. Ela lhes mostrou uma nova via que conduz a regiões inexploradas e eles a ela se engajaram, e eis que essa doutrina, baseada nas manifestações dos seres invisíveis, elevou-se, apenas saída do berço, acima das nuanças ordinárias da vida, e propagouse universalmente entre os povos do antigo e do novo mundo. O que é, pois, esse sopro potente, sob cujo impulso tantas cabeças pensantes olharam o mesmo ponto do céu?
“Vã utopia ou ciência real; engodo fantástico ou verdade profunda, o acontecimento lá está aos nossos olhos e nos mostra o estandarte do Espiritismo reunindo ao seu redor grande número de campeões, contando hoje defensores aos milhões. E esse número prodigioso formou-se no curto lapso de dez anos.
“Temos, pois, um evento novo sob os nossos olhos: é um fato incontestável. Ora, seja qual for, aliás, a frivolidade ou a importância desse fato, não será inútil estudá-lo em si mesmo, a fim de saber se tem direito de nascimento entre os filhos do progresso; se sua marcha é paralela ao movimento das ideias progressivas, ou se não tenderia, como pretendem alguns, a nos fazer retroceder para crenças caducas, pouco dignas de consideração.
“E como para raciocinar sobre um assunto qualquer importa, antes de tudo, conhecê-lo bem, a fim de não nos expormos a apreciações errôneas, vamos examinar sucessivamente sobre quais fatos repousa o Espiritismo; sobre que base foi construída a teoria de seu ensino, e em que consiste sumariamente essa ciência.
Observemos que se trata aqui de fatos e não de sistemas especulativos, de opiniões aventuradas, porque, por mais maravilhosa que seja a questão que nos ocupa, o Espiritismo nem por isso deixa de basear-se pura e simplesmente na observação dos fatos. Se assim não fosse, se não se tratasse senão de uma nova seita religiosa, de uma nova escola de filosofia, temos como certo que o acontecimento perderia muito de sua importância e que os homens sérios da época presente, na maioria discípulos do método baconiano, não teriam passado o tempo a examinar uma pura questão de teoria. Muitas utopias se inscreveram no livro da fraqueza humana, para que não se queira mais recolher os sonhos que cérebros exaltados concebem e proclamam diariamente.
“Vamos agora, francamente e sem segunda intenção, abordar esta ciência doutrinária, da qual se disse muito bem e muito mal, talvez sem havê-la estudado suficientemente. Nesta exposição começaremos pela origem de sua história moderna ─ porque o Espiritismo tem sua história antiga ─ e daremos a conhecer os fenômenos sucessivos que a estabeleceram definitivamente. Seguindo a ordem natural das coisas, examinaremos o efeito antes de remontar à causa.”
Segue o histórico das primeiras manifestações na América, sua introdução na Europa, sua conversão em doutrina filosófica.
Ele assim começa:
“Num século em que a Metafísica caiu de seu alto pedestal; no qual a ideia religiosa quis libertar-se de todo dogma e de todo culto especial; no qual a própria Filosofia mudou seu modo de raciocinar para ligar-se ao positivismo da ciência experimental, uma doutrina espiritualista veio se oferecer aos homens, e estes a receberam. Ela lhes propôs um símbolo de crença e eles o adotaram. Ela lhes mostrou uma nova via que conduz a regiões inexploradas e eles a ela se engajaram, e eis que essa doutrina, baseada nas manifestações dos seres invisíveis, elevou-se, apenas saída do berço, acima das nuanças ordinárias da vida, e propagouse universalmente entre os povos do antigo e do novo mundo. O que é, pois, esse sopro potente, sob cujo impulso tantas cabeças pensantes olharam o mesmo ponto do céu?
“Vã utopia ou ciência real; engodo fantástico ou verdade profunda, o acontecimento lá está aos nossos olhos e nos mostra o estandarte do Espiritismo reunindo ao seu redor grande número de campeões, contando hoje defensores aos milhões. E esse número prodigioso formou-se no curto lapso de dez anos.
“Temos, pois, um evento novo sob os nossos olhos: é um fato incontestável. Ora, seja qual for, aliás, a frivolidade ou a importância desse fato, não será inútil estudá-lo em si mesmo, a fim de saber se tem direito de nascimento entre os filhos do progresso; se sua marcha é paralela ao movimento das ideias progressivas, ou se não tenderia, como pretendem alguns, a nos fazer retroceder para crenças caducas, pouco dignas de consideração.
“E como para raciocinar sobre um assunto qualquer importa, antes de tudo, conhecê-lo bem, a fim de não nos expormos a apreciações errôneas, vamos examinar sucessivamente sobre quais fatos repousa o Espiritismo; sobre que base foi construída a teoria de seu ensino, e em que consiste sumariamente essa ciência.
Observemos que se trata aqui de fatos e não de sistemas especulativos, de opiniões aventuradas, porque, por mais maravilhosa que seja a questão que nos ocupa, o Espiritismo nem por isso deixa de basear-se pura e simplesmente na observação dos fatos. Se assim não fosse, se não se tratasse senão de uma nova seita religiosa, de uma nova escola de filosofia, temos como certo que o acontecimento perderia muito de sua importância e que os homens sérios da época presente, na maioria discípulos do método baconiano, não teriam passado o tempo a examinar uma pura questão de teoria. Muitas utopias se inscreveram no livro da fraqueza humana, para que não se queira mais recolher os sonhos que cérebros exaltados concebem e proclamam diariamente.
“Vamos agora, francamente e sem segunda intenção, abordar esta ciência doutrinária, da qual se disse muito bem e muito mal, talvez sem havê-la estudado suficientemente. Nesta exposição começaremos pela origem de sua história moderna ─ porque o Espiritismo tem sua história antiga ─ e daremos a conhecer os fenômenos sucessivos que a estabeleceram definitivamente. Seguindo a ordem natural das coisas, examinaremos o efeito antes de remontar à causa.”
Segue o histórico das primeiras manifestações na América, sua introdução na Europa, sua conversão em doutrina filosófica.
Dissertações espíritas
Cartão de visita do Sr. Jobard(Sociedade Espírita de Paris, 9 de janeiro de 1863 - Médium, Sr D'Ambel)
Venho hoje fazer-vos minha visita de confraternização e, ao mesmo tempo, apresentar-vos um velho camarada de colégio, com que acabam de enriquecer-se as nossas legiões etéreas. Recebei-o, pois, como um novo e zeloso partidário da verdade nova. Se em vida não foi um espírita autêntico, pode afirmar-se que jamais se pronunciou abertamente contra as nossas crenças. Direi mesmo que no fundo de sua consciência ele via nelas, no futuro, a salvaguarda de todas as religiões. Mais de uma vez em sua vida ele teve a insigne ventura de sentir a iluminação interior que lhe mostrava o caminho da verdade, quando a incerteza estava a ponto de invadir sua alma. Assim, quando, há apenas algumas horas, trocamos fraterno aperto de mãos, ele me disse com suave sorriso:
─ Amigo, você tinha razão!
Se ele não se prestou ao desenvolvimento de nossas ideias, é que a intuição mediúnica que nele agia lhe deu a entender que nem a hora nem o momento eram chegados, e que ele teria corrido perigo em fazê-lo no meio das graves complicações de seu ministério e entre um rebanho tão difícil de dirigir quanto o seu.
Hoje, liberto das preocupações da vida terrena, ele está felicíssimo por assistir a uma das vossas sessões, pois há muito tempo tinha ele o desejo de vir sentar-se em vosso meio. Muitas vezes desejou visitar nosso presidente, pelo qual tinha uma estima muito particular, apreciando quanto seus livros e seus ensinos convocavam almas, senão para o seio da Igreja, pelo menos à crença e ao respeito a Deus e à certeza da imortalidade. Devo, contudo, dizer-lhe que quando fui visitá-lo, recebendo-me com a efusão de um antigo condiscípulo, ele tinha oposto ao meu zelo, talvez exagerado, de convertê-lo, a famosa razão de Estado, ante a qual tive que me inclinar. Nada obstante, acompanhando-me, disse estas palavras simpáticas: Si non è vero è bene trovato!
Agora que veio juntar-se às nossas falanges e que não é retido pelos mesmos escrúpulos, ele faz votos pelo sucesso de nossa obra e encara com alegria o futuro que ela promete à Humanidade. Contempla com alegria inefável a terra prometida às novas gerações, ou antes, às velhas gerações que tanto lutaram, e prevê a hora abençoada em que seus sucessores erguerão resolutamente a nova bandeira da fé galicana: o Espiritismo!
Seja como for, meu caro presidente e meus caros confrades, tive a honra de receber às portas da vida este venerável amigo e tenho orgulho de apresentá-lo ao vosso meio. Ele me encarrega de vos assegurar toda a sua simpatia e vos dizer que seguirá com muito interesse vossos trabalhos e estudos. À felicidade de ser seu intérprete junto a vós, alio a de vos apresentar as felicitações de uma legião de grandes Espíritos que acompanham vossas sessões com assiduidade. Trago-vos, pois, em meu nome e no deles, o tributo de nossa estima e os votos, que formulamos, pelo sucesso da grande causa.
Vamos! Em pouco tempo a Terra não contará mais entre os seus habitantes senão alguns raros humanimais.
Aperto a mão de Allan Kardec em nome de todos os vossos amigos de alémtúmulo, em cujo número peço que me conteis como um dos mais dedicados.
JOBARD
─ Amigo, você tinha razão!
Se ele não se prestou ao desenvolvimento de nossas ideias, é que a intuição mediúnica que nele agia lhe deu a entender que nem a hora nem o momento eram chegados, e que ele teria corrido perigo em fazê-lo no meio das graves complicações de seu ministério e entre um rebanho tão difícil de dirigir quanto o seu.
Hoje, liberto das preocupações da vida terrena, ele está felicíssimo por assistir a uma das vossas sessões, pois há muito tempo tinha ele o desejo de vir sentar-se em vosso meio. Muitas vezes desejou visitar nosso presidente, pelo qual tinha uma estima muito particular, apreciando quanto seus livros e seus ensinos convocavam almas, senão para o seio da Igreja, pelo menos à crença e ao respeito a Deus e à certeza da imortalidade. Devo, contudo, dizer-lhe que quando fui visitá-lo, recebendo-me com a efusão de um antigo condiscípulo, ele tinha oposto ao meu zelo, talvez exagerado, de convertê-lo, a famosa razão de Estado, ante a qual tive que me inclinar. Nada obstante, acompanhando-me, disse estas palavras simpáticas: Si non è vero è bene trovato!
Agora que veio juntar-se às nossas falanges e que não é retido pelos mesmos escrúpulos, ele faz votos pelo sucesso de nossa obra e encara com alegria o futuro que ela promete à Humanidade. Contempla com alegria inefável a terra prometida às novas gerações, ou antes, às velhas gerações que tanto lutaram, e prevê a hora abençoada em que seus sucessores erguerão resolutamente a nova bandeira da fé galicana: o Espiritismo!
Seja como for, meu caro presidente e meus caros confrades, tive a honra de receber às portas da vida este venerável amigo e tenho orgulho de apresentá-lo ao vosso meio. Ele me encarrega de vos assegurar toda a sua simpatia e vos dizer que seguirá com muito interesse vossos trabalhos e estudos. À felicidade de ser seu intérprete junto a vós, alio a de vos apresentar as felicitações de uma legião de grandes Espíritos que acompanham vossas sessões com assiduidade. Trago-vos, pois, em meu nome e no deles, o tributo de nossa estima e os votos, que formulamos, pelo sucesso da grande causa.
Vamos! Em pouco tempo a Terra não contará mais entre os seus habitantes senão alguns raros humanimais.
Aperto a mão de Allan Kardec em nome de todos os vossos amigos de alémtúmulo, em cujo número peço que me conteis como um dos mais dedicados.
JOBARD
Sede severos para convosco e indulgentes para com os outros (1º Homilia)
(Sociedade Espírita de Paris, 9 de janeiro de 1863 - Médium: Sr. D'Ambel)
É a primeira vez que venho entreter-me convosco, meus caros filhos. Desejava escolher outro médium, mais simpático aos sentimentos que foram o móvel de toda a minha vida terrena e mais apto a me prestar um concurso religioso, mas já que há muito tempo Santo Agostinho tomou conta do médium cujas matérias cerebrais me teriam sido mais úteis, e para o qual me sentia arrastado, dirijo-me a vós por este, de quem se servia meu excelente condiscípulo Jobard, para me apresentar à vossa sociedade filosófica. Terei, pois, muita dificuldade em exprimir, hoje, o que vos quero dizer, primeiro em razão da dificuldade que experimento em manipular a matéria mediana, pois ainda não tenho o hábito desta propriedade de meu ser desencarnado, de pois, porque devo fazer jorrarem minhas ideias de um cérebro que não as admite todas. Dito isto, vamos ao assunto.
Um corcunda espirituoso da antiguidade dizia que os homens de seu tempo carregavam um duplo alforje, em cuja parte traseira estavam os defeitos e imperfeições, enquanto que a dianteira recebia todos os defeitos alheios. É o que lembraria mais tarde o Evangelho, na alegoria da palha e da trave no olho. Meu Deus! meus filhos, já era tempo de que os sacos do alforje mudassem de lugar. Cabe aos espíritas sinceros operar essa modificação, levando à frente o saco que contém suas próprias imperfeições, a fim de que, tendo-as de contínuo sob os olhos, delas se corrijam, e o que contém os defeitos alheios do outro lado, a fim de não mais ligar a eles inveja e maledicência. Ah! Como será digno da doutrina que confessais, e que deve regenerar a Humanidade, ver seus adeptos sinceros e convictos agirem com essa caridade que proclamam e que lhes ordena não mais verem a palha que embaraça o olho de seu irmão, e, ao contrário, de se ocupar com ardor por desembaraçar-se da trave que os cega a eles próprios. Ah! meus caros filhos, essa trave é constituída pelo feixe de vossas tendências egoísticas, das vossas más inclinações e de vossas faltas acumuladas pelas quais tendes, até o presente, como todos os homens, professado uma tolerância paternal muito grande, ao passo que, na maior parte do tempo, só tendes intolerância e severidade para com as fraquezas do próximo. Eu queria tanto vos ver a todos libertos dessa enfermidade moral do resto dos homens, ó meu caros espíritas, que vos concito, com todas as minhas forças, a entrardes na via que vos indico. Bem sei que de vossas tendências veniais, muitas já se modificaram no sentido da verdade, mas vejo ainda tanta moleza e tanta indecisão em vós para o bem absoluto, que a distância que vos separa do rebanho dos pecadores endurecidos e dos materialistas não é tão grande que a torrente não possa vos arrastar ainda. Ah! Resta-vos uma rude etapa a percorrer para atingirdes a altura da santa e consoladora doutrina que os Espíritos meus irmãos vos revelam há vários anos.
Na vida militante da qual, graças sejam dadas ao Senhor, acabo de sair, vi tantas mentiras se afirmarem como verdades; tantos vícios se alçarem como virtudes, que me sinto feliz por haver deixado um meio onde quase sempre a hipocrisia revestia com seu manto as tristezas e as misérias morais que me rodearam. Não posso senão vos felicitar por ver que vossas fileiras não se abrem facilmente para os sectários dessa hipocrisia mentirosa.
Meus amigos, jamais vos deixeis prender pelas palavras douradas. Vede e sondai os atos antes de abrir vossas fileiras aos que solicitam essa honra, porque muitos falsos irmãos procurarão misturar-se convosco, a fim de levar a perturbação e sutilmente semear a divisão. Minha consciência ordena-me vos esclareça, e o faço com toda a sinceridade de meu coração, sem me preocupar com ninguém. Estais advertidos. Doravante, agi coerentemente.
Para terminar como comecei, peço-vos encarecidamente, meus bem-amados filhos, que vos ocupeis seriamente convosco; que expilais de vossos corações todos os germes impuros que ainda podem estar a eles vinculados; que vos reformeis pouco a pouco, mas sem interrupção, segundo a sã moral espírita; que sejais, enfim, tão severos para convosco quanto deveis ser indulgentes para com as fraquezas dos vossos irmãos.
Se esta primeira homilia deixa algo a desejar, quanto à forma, não a atribuais senão à minha inexperiência da mediunidade. Farei melhor, na primeira vez que me for permitido comunicar-me em vosso meio, onde agradeço ao meu amigo Jobard por me haver apadrinhado.
Adeus, meus filhos, eu vos abençoo.
FRANÇOIS-NICOLAS MADELEINE
Festa de natal
(Sociedade Espírita de Tours, 24 de dezembro de 1862 - Médium: Sr. N.)
É nesta noite que, no mundo cristão, se festeja o nascimento do Menino Jesus. Mas vós, meus irmãos, deveis também alegrar-vos e festejar o nascimento da nova Doutrina Espírita. Vê-la-eis crescer como essa criança. Ela virá, como ele, esclarecer os homens e lhes mostrar o caminho que devem percorrer. Em breve vereis os reis, como os magos, virem pessoalmente a esta doutrina pedir o socorro que não encontram nas ideias antigas. Eles não vos trarão incenso e mirra, mas prosternar-seão de coração ante as ideias novas do Espiritismo. Já não vedes brilhar a estrela que deve guiá-los? Coragem, pois, meus irmãos! Coragem! Em breve, com o mundo inteiro, podereis celebrar a grande festa da regeneração da Humanidade.
Meus irmãos, durante muito tempo encerrastes no coração o germe desta doutrina. Eis, porém, que hoje ele surge em plena luz, com o apoio de um tutor solidamente plantado e que não deixará que verguem seus galhos tenros. Com esse sustentáculo providencial, ele crescerá dia a dia e tornar-se-á a árvore da criação divina. Dessa árvore colhereis frutos dos quais não conservareis a exclusividade para vós, mas para os vossos irmãos que tiverem fome e sede da fé sagrada. Oh! Então apresentai-lhes esse fruto, e gritai-lhes do fundo do vosso coração: “Vinde, vinde partilhar conosco o que alimenta o nosso espírito e alivia as nossas dores físicas e morais.”
Mas não esqueçais, meus irmãos, que Deus vos fez fermentar o primeiro germe; que esse germe cresceu e já se tornou uma árvore capaz de dar o seu fruto. Restar-vos-á algo a utilizar: os galhos que podereis transplantar. Mas, antes, vede se o terreno, ao qual confiais esse germe, não oculta sob sua camada aparente algum verme roedor, que poderia devorar aquilo que o Mestre vos confiou.
Meus irmãos, durante muito tempo encerrastes no coração o germe desta doutrina. Eis, porém, que hoje ele surge em plena luz, com o apoio de um tutor solidamente plantado e que não deixará que verguem seus galhos tenros. Com esse sustentáculo providencial, ele crescerá dia a dia e tornar-se-á a árvore da criação divina. Dessa árvore colhereis frutos dos quais não conservareis a exclusividade para vós, mas para os vossos irmãos que tiverem fome e sede da fé sagrada. Oh! Então apresentai-lhes esse fruto, e gritai-lhes do fundo do vosso coração: “Vinde, vinde partilhar conosco o que alimenta o nosso espírito e alivia as nossas dores físicas e morais.”
Mas não esqueçais, meus irmãos, que Deus vos fez fermentar o primeiro germe; que esse germe cresceu e já se tornou uma árvore capaz de dar o seu fruto. Restar-vos-á algo a utilizar: os galhos que podereis transplantar. Mas, antes, vede se o terreno, ao qual confiais esse germe, não oculta sob sua camada aparente algum verme roedor, que poderia devorar aquilo que o Mestre vos confiou.
SÃO LUÍS.
Encerramento da subscrição ruanesa
Montante da lista publicada no número de março: 2.722,05 francos.
Sr. V. Fourrier (Versalhes), 10 fr.; Sr. Lux (Dôle), 2,50 fr.; Sra. D... (Paris) 5 fr.; Sr. C. L... (Paris), 30 fr.; Sr. Blin, cap. (Marselha) l5 fr.; Sr. Derivis, pelo 2.º grupo espírita de Albi, 16 fr.; Sr. Berger (Cahors) 2 fr.; Sr. Cuvier (Ambroise) l4 fr.; Sr. V... (Bayonne) 10 fr.; Sr. L. D... (Versalhes) 2 fr.; Sra. Borreau (Niort) 2 fr.; Sr. D...
(Paris) 3 fr. TOTAL: 111,50 francos.
TOTAL GERAL: 2.833,55 francos.
Aos leitores da Revista
De algum tempo para cá as circunstâncias nos forçaram a dar maior desenvolvimento aos artigos de fundo e a registrar as comunicações espíritas, pela necessidade de certas refutações de atualidade. Em breve poderemos restabelecer o equilíbrio.
Procuramos com empenho dar tanta variedade quanto possível ao nosso jornal, para satisfazer a todos os gostos e um pouco a todas as pretensões; mas há coisas que tem primazia. Sentimo-nos felizes por ver que somos geralmente compreendidos e que nos levam em conta as complicações de trabalho resultantes da luta a sustentar e da extensão incessante da doutrina, estando no centro onde chegam todas as ramificações e os inúmeros fios desse feixe que hoje abarca o mundo inteiro. Graças a Deus, nossos esforços são coroados de sucesso e, como compensação às nossas fadigas, não nos faltam as satisfações morais.
Procuramos com empenho dar tanta variedade quanto possível ao nosso jornal, para satisfazer a todos os gostos e um pouco a todas as pretensões; mas há coisas que tem primazia. Sentimo-nos felizes por ver que somos geralmente compreendidos e que nos levam em conta as complicações de trabalho resultantes da luta a sustentar e da extensão incessante da doutrina, estando no centro onde chegam todas as ramificações e os inúmeros fios desse feixe que hoje abarca o mundo inteiro. Graças a Deus, nossos esforços são coroados de sucesso e, como compensação às nossas fadigas, não nos faltam as satisfações morais.
ALLAN KARDEC
Maio
CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LAQUINTO E ÚLTIMO ARTIGO *
Como deve ter sido notado, o Sr. Constant chegou a Morzine com a idéia da que a causa do mal era puramente físico. Podia ter razão, porque seria absurdo supor a priori uma influência oculta a todo efeito cuja causa é desconhecida. Segundo ele, a causa está inteiramente nas condições higiênicas, climatéricas e fisiológicas dos habitantes.
Estamos longe de pretender devesse ele ter vindo com uma opinião contrária prontinha, o que não teria sido mais lógico Dizemos apenas que com sua idéia preconcebida não viu a que acaso podia referir-se, ao passo que se ao menos tivesse admitido a possibilidade de outra causa, teria visto outra coisa.
Quando uma causa é real, deve poder explicar todos ou efeitos que produz. Se certos efeitos vêm contradizê-la, é que aquela é falsa, ou não é única e, então, é preciso procurar uma outra. Incontestàvelmente é a marcha mais lógica. E a justiça, nas suas investigações em busca da criminalidade, não procede de modo diverso, Se se trata de constatar um crime, chega ela com a idéia de que deve ter sido cometido desta ou daquela maneira, por tal ou qual pessoa? Não. Ela obseril as menores circunstâncias e, remontando dos efeitos às causas, afasta as que são inconciliáveis com os efeitos observados de dedução em dedução, é raro que não chegue à constatação da verdade. Dá-se o mesmo nas ciências. Quando uma dificuldade resta insolúvel, o mais sábio é suspender o julgamento.Então toda hipótese é permitida para tentar resolvê-la. Mas se a hipótese não resolve todos os casos da dificuldade, é que é falsa. Não tem o caráter de uma verdade absoluta se não der a razão de tudo. É assim que no Espiritismo, por exemplo, à parte toda constatação material, remontando dos efeitos às causas, chega-se ao principio da pluralidade das existências, como conseqüência inevitável, porque só ele explica claramente o que nenhum outro pôde explicar.
Aplicando este método aos fatos de Morzine, é fácil ver que a causa Única admitida pelo Sr. Constant está longe de tudo explicar. Ele constata, por exemplo, que geralmente as crises cessam quando os doentes estão fora da comuna. Se, pois, o mal é devido & constituição linfática e à má nutrição dos habitantes, como a causa cessa de agir assim que transpõem a ponte que os separa da comuna vizinha? Se as crises nervosas nãofossem acompanhadas de nenhum outro sintoma, ninguém duvida que se pudesse, aparentemente, atribuí-los a um estado constitucional, mas há fenômenos que não seriam explicados exclusivamente por esse estado.
Aqui o Espiritismo nos oferece uma comparação chocante. No começodas manifestações, quando se viam mesas girando, batendo, erguendo-se no espaço sem ponto de apoio, o primeiro pensamento foi que isso podia ser por ação da eletricidade, do magnetismo ou de outro fluido desconhecido. A suposição não era desarrazoada; ao contrário: oferecia probabilidades. Mas quando se viu que os movimentos davam sinal de inteligência, manifestavam uma vontade própria, espontânea e independente, a primeira hipótese teve de ser abandonada, pois nãoresolvia esta fase do fenômeno, e houve que reconhecer-se uma causa inteligente para um efeito inteligente. Qual era sua inteligência? Foi, ainda, por via da experimentação que a ela se chegou, e não por um sistema preconcebido.
Outro exemplo. Quando, observando a queda dos corpos, Newton notou que todos caíam na mesma direção, procurou a causa e levantou uma hipótese. Esta hipótese, resolvendo todos os casos de mesmo gênero, tornou-se a lei da gravitação universal, lei puramente mecânica, porque todos os efeitos eram mecânicos. Mas suponhamos que veado cair uma maçã esta tivesse obedecido à sua vontade; que ao seu comando em vez de descer tivesse subido, fosse para a direita ou para a esquerda, tivesse parado ou entrado em movimento; que, por um sinal qualquer tivesse respondido ao seu pensamento, ele teria sido forçado a reconhecer algo que não uma lei mecânica, Isto é, que não sendo inteligente, a maçã deveria ter obedecido a uma inteligência. Assim foi com as mesas girantes. Assim é com os doentes de Morzine.
Para não falar senão de fatos observados pelo próprio Sr.Constant, perguntaríamos como uma alimentação má e um temperamento linfático podem produzir a antipatia religiosa em criaturas naturalmente religiosas e até devotas? Se fosse um fato isolado podia ser uma exceção; mas reconhece-se que é geral e que é um dos caracteres da doença lá e alhures. Eis um efeito: procurai a sua causa. Não a conheceis? Seja. Confessai-o, mas não digais que é devido ao fato de os habitantes comerem batatas e pão preto, nem à sua ignorância e inteligência obtusa, porque vos oporão o mesmo efeito entre gente que vive na abundância e recebeu instrução, Se o conforto bastasse para curar a impiedade, ficaríamos admirados de encontrar tantos ímpios e blasfemadores entre as criaturas que de nada se privam.
O regime higiênico explicaria melhor este outro fato não menos característico e geral do sentimento de dualidade, que se traduz de modo inequívoco na linguagem dos doentes? Certo que não. É sempre uma terceira pessoa quem fala. Sempre uma distinção entre ele e a moça, fato constante nos indivíduos no mesmo caso, seja qual for a sua classe social. Os remédios são ineficazes por uma boa. razão: é que são bons, como diz aquele terceiro, para a moça, isto é, para o ser corporal; mas não para o outro, aquele que não é visto e que, entretanto, a faz agir, a constrange, a subjuga, a derruba e se serve de seus membros para bater e de sua boca para falar. Ele diz nada haver visto que justifique a idéia da possessão. Mas os fatos estacam ante os seus olhos; ele mesmo os cita. Podem ser explicados pela. causa que ele lhes atribui? Não. Então esta causa não é verdadeira. Ele via os efeitos morais e devia procurar uma causa moral.
Outro médico, o Dr. Chiara, que também visitou Morzine, publicou sua apreciação **, constatando os mesmos fenômenos e os mesmos sintomas que o Sr. Constant. Mas para ele, como para este último, os Espíritos malignos são imaginação dos doentes. Em seu trabalho encontramos o seguinte fato, a propósito de uma doente:
“O acesso começa por um soluço e movimentos de deglutição, pela flexão e soerguimentos alternativos da cabeça sobre o tronco; depois de várias contorções que lhe dão ao rosto tão suave uma expressão horrorosa: “S... médico, grita ela, eu sou o diabo..., tu queres fazer-me deixar a moça; eu não te temo... vem!... há quatro anos que a domino: ela é minha, nela ficarei. - Que fazes nesta moça? — Eu a atormento. — E porque, infeliz, atormentas uma pessoa que não te fez nenhum mal? — Porque me puseram aqui para atormentá-la. — És um celerado. “Aqui paro, atordoado por uma avalanche de injúrias e imprecações.”
Falando de outra doente, diz ele:
“Após alguns instantes de uma cena muda, de uma pantomima mais ou menos expressiva, nossa possessa ‘põe-se a soltar pragas horríveis. Espumando de raiva, injuria-nos a todos com um furor sem igual. Mas — digamo-lo já — não é a moça que assim se exprime, é o diabo que a possui e. que, servindo-se de seu órgão, fala em seu próprio nome. Quanto à nossa energúmena, é apenas um instrumento passivo no qual foi inteiramente abolida a noção do eu. Se for interpelada diretamente, fica muda: só Belzebu responderá.
“Enfim, depois de uns três minutos esse drama horrível cessa de repente, como que por encanto. A mocinha B... retoma o ar maiscalmo, o mais natural do mundo, como se nada tivesse acontecido. Tricotava antes, eis que tricota depois, parecendo não ter interrompido o trabalho. Interrogo-a; responde que não sente a menor fadiga nem se lembra de nada. Falo-lhe das injúrias. que nos dirigiu: ela as ignora; mas parece contrariar-se e nos pede desculpas.
“Em todas essas doentes a sensibilidade geral é abolida completamente. Podem ser pinçadas, beliscadas, ou queimadas e nada sentem. Numa delas fiz uma dobra na pele e atravessei com uma agulha comum: correu sangue mas ela nada sentiu.
“Em Morzine vi ainda várias dessas doentes fora do estado da crise: eram moças gordas, agradáveis, gozando da plenitude das faculdades físicas e morais. Vendo-as é impossível supor a existência da menor afecção.”
Isto contrasta com o estado raquítico, macilento e sofredor que o Sr.Constant admite ter notado. Quanto ao fenômeno da insensibilidade durante as crises, não é, como se viu, a única aproximação que os fatos apresentam com a catalepsia, o sonambulismo e a dupla visão.
De todas essas observações o Dr. Chiara chegou a esta definição do mal:
“É um conjunto mórbido, formado de diferentes sintomas, tomados um pouco em todo o quadro patológico das moléstias nervosas e mentais; numa palavra, é uma afecção sui generis, para a qual, pouco ligando às denominações, conservarei o nome de hístero-demonia, que já lhe foi dado.”
É caso de dizer: “Quem tiver ouvidos, ouça.” É um mal particular, formado de diferentes partes e que tem sua fonte um pouco em toda parte. É o mesmo que dizer simplesmente: “É um mal que não compreendo.” É um mal sui generis: estamos de acordo; mas qual esse gênero, ao qual nem sabeis dar o nome?
Poderíamos provar a insuficiência de uma causa puramente material para explicar o mal de Morzine, por muitas outras aproximações, que os próprios leitores farão. Reportem-se aos artigos precedentes, ao que dizemos da maneira por que se exerce ação dos Espíritos obsessores, dos fenômenos resultantes dessa ação, e a analogia ressaltará com a última evidência. Se, para a gente de Morzine, o terceiro que interfere é o diabo, é porque lhes disseram que era o diabo e eles só sabiam isto. Aliás é sabido que certos Espíritos de baixo nível divertem-se tomando nomes infernais para apavorar. A este nome substitui em sua boca o vocábulo Espírito, ou antes, maus Espíritas e tereis a reprodução idêntica de todas as cenas de obsessão e de subjugação que referimos. É incontestável que, numa região onde dominasse & idéia do Espiritismo, sobrevindo tal epidemia, os doentes se dissessem solicitados por maus Espíritos, quando, aos olhos de certas pessoas parecessem loucos. Dizem que é o diabo; é uma afecção nervosa, É o que teria acontecido em Morzine, se o conhecimento do Espiritismo ali tivesse precedido a invasão desses Espíritos. Então os adversários teriam gritado: socorro! Mas a Providência não lhes quis dar essa satisfação passageira: ao contrário, quis provar sua importância para combater o mal pelos meios ordinários.
No final de contas, recorreram ao afastamento das doentes, que foram dirigidas para os hospitais de Thomon, Chambéry, Lyon, Mâcon etc. O meio era bom porque, quando todas transportadas, podiam se gabar de que não existiam mais doentes na região. A medida podia basear-se num fato observado, o da cessação das crises fora da comuna; mas parece ter-se baseado em outra consideração: o isolamento das doentes. Aliás a opinião do Sr. Constant é categórica: Deveria haver uma espécie de lazareto, diz ele, onde pudessem ser escondidas, assim que se mostrassem, as desordens morais e nervosas, cuja propriedade contagiosa é estabelecida, como disse meu velho amigo Dr.Bouchut. Esperando melhor, tal lazareto foi encontrado no asilo de alienados. É o único lugar verdadeiramente conveniente para o tratamento racional e completo das moléstias que me ocupam, quer se admita que sua doença é mesmo uma forma, uma variedade de alienação, quer mesmo não admitindo que usem, sob qualquer titulo, tomadas como alienadas. É necessário sobre elas produzir um certo grau de intimidação, ocupar seu espírito de modo a deixar o menos tempo possível às suas preocupações por outra preocupação; subtraí-las absolutamente toda influência religiosa irrefletida e desmedida, às conversas, aos conselhos ou observações susceptíveis de alimentar seu erro, que, ao contrário, deve ser combatido diariamente; dar-lhes um regime apropriado; obrigá-las, enfim, a se submeterem às prescrições que seria útil associar a um tratamento puramente moral e ter os meios de execução. Onde encontrar reunidas todas essas condições necessárias, essenciais, senão num asilo? Teme-se para essas doentes o contacto com as verdadeiras alienadas. Tal contacto seria menos prejudicial do que se pensava e, afinal, teria sido fácil conservar provisoriamente um pavilhão só para as doentes de Morzine, Se sua aglomeração tivesse qualquer inconveniente, ter-se-ia encontrado compensação na própria reunião e estou convicto de que o nome de asilo, casa de loucos, por si só tivesse produzido mais de uma cura que se tivessem encontrado poucos diabos que uma ducha não tivesse posto em fuga.”
Estamos longe de partilhar. do otimismo do Sr. Constant sobre a inocuidade do contacto dos alienados e a eficácia das duchas emcasos semelhantes. Ao contrário, estamos persuadidos de que em tal regime pode produzir uma verdadeira loucura, onde esta é apenas aparente. Ora, note-se bem que fora das crises, as doentes têm todo o bom senso e são sãs de corpo e Espírito; não há nelas senão uma perturbação passageira, sem quaisquer caracteres da loucura propriamente dita. Seu cérebro necessariamente enfraquecido pelos ataques freqüentes que experimenta, seria ainda mais facilmenteimpressionável pela visão dos loucos e pela só idéia de achar-se entre loucos, O Sr. Constant atribui o desenvolvimento e a continuidade da moléstia à imitação, à influência das conversas dos doentes entre si e aconselha a pô-las entre loucos ou isolá-las num pavilhão do hospital! Não é uma contradição e é isto que
Estamos longe de pretender devesse ele ter vindo com uma opinião contrária prontinha, o que não teria sido mais lógico Dizemos apenas que com sua idéia preconcebida não viu a que acaso podia referir-se, ao passo que se ao menos tivesse admitido a possibilidade de outra causa, teria visto outra coisa.
Quando uma causa é real, deve poder explicar todos ou efeitos que produz. Se certos efeitos vêm contradizê-la, é que aquela é falsa, ou não é única e, então, é preciso procurar uma outra. Incontestàvelmente é a marcha mais lógica. E a justiça, nas suas investigações em busca da criminalidade, não procede de modo diverso, Se se trata de constatar um crime, chega ela com a idéia de que deve ter sido cometido desta ou daquela maneira, por tal ou qual pessoa? Não. Ela obseril as menores circunstâncias e, remontando dos efeitos às causas, afasta as que são inconciliáveis com os efeitos observados de dedução em dedução, é raro que não chegue à constatação da verdade. Dá-se o mesmo nas ciências. Quando uma dificuldade resta insolúvel, o mais sábio é suspender o julgamento.Então toda hipótese é permitida para tentar resolvê-la. Mas se a hipótese não resolve todos os casos da dificuldade, é que é falsa. Não tem o caráter de uma verdade absoluta se não der a razão de tudo. É assim que no Espiritismo, por exemplo, à parte toda constatação material, remontando dos efeitos às causas, chega-se ao principio da pluralidade das existências, como conseqüência inevitável, porque só ele explica claramente o que nenhum outro pôde explicar.
Aplicando este método aos fatos de Morzine, é fácil ver que a causa Única admitida pelo Sr. Constant está longe de tudo explicar. Ele constata, por exemplo, que geralmente as crises cessam quando os doentes estão fora da comuna. Se, pois, o mal é devido & constituição linfática e à má nutrição dos habitantes, como a causa cessa de agir assim que transpõem a ponte que os separa da comuna vizinha? Se as crises nervosas nãofossem acompanhadas de nenhum outro sintoma, ninguém duvida que se pudesse, aparentemente, atribuí-los a um estado constitucional, mas há fenômenos que não seriam explicados exclusivamente por esse estado.
Aqui o Espiritismo nos oferece uma comparação chocante. No começodas manifestações, quando se viam mesas girando, batendo, erguendo-se no espaço sem ponto de apoio, o primeiro pensamento foi que isso podia ser por ação da eletricidade, do magnetismo ou de outro fluido desconhecido. A suposição não era desarrazoada; ao contrário: oferecia probabilidades. Mas quando se viu que os movimentos davam sinal de inteligência, manifestavam uma vontade própria, espontânea e independente, a primeira hipótese teve de ser abandonada, pois nãoresolvia esta fase do fenômeno, e houve que reconhecer-se uma causa inteligente para um efeito inteligente. Qual era sua inteligência? Foi, ainda, por via da experimentação que a ela se chegou, e não por um sistema preconcebido.
Outro exemplo. Quando, observando a queda dos corpos, Newton notou que todos caíam na mesma direção, procurou a causa e levantou uma hipótese. Esta hipótese, resolvendo todos os casos de mesmo gênero, tornou-se a lei da gravitação universal, lei puramente mecânica, porque todos os efeitos eram mecânicos. Mas suponhamos que veado cair uma maçã esta tivesse obedecido à sua vontade; que ao seu comando em vez de descer tivesse subido, fosse para a direita ou para a esquerda, tivesse parado ou entrado em movimento; que, por um sinal qualquer tivesse respondido ao seu pensamento, ele teria sido forçado a reconhecer algo que não uma lei mecânica, Isto é, que não sendo inteligente, a maçã deveria ter obedecido a uma inteligência. Assim foi com as mesas girantes. Assim é com os doentes de Morzine.
Para não falar senão de fatos observados pelo próprio Sr.Constant, perguntaríamos como uma alimentação má e um temperamento linfático podem produzir a antipatia religiosa em criaturas naturalmente religiosas e até devotas? Se fosse um fato isolado podia ser uma exceção; mas reconhece-se que é geral e que é um dos caracteres da doença lá e alhures. Eis um efeito: procurai a sua causa. Não a conheceis? Seja. Confessai-o, mas não digais que é devido ao fato de os habitantes comerem batatas e pão preto, nem à sua ignorância e inteligência obtusa, porque vos oporão o mesmo efeito entre gente que vive na abundância e recebeu instrução, Se o conforto bastasse para curar a impiedade, ficaríamos admirados de encontrar tantos ímpios e blasfemadores entre as criaturas que de nada se privam.
O regime higiênico explicaria melhor este outro fato não menos característico e geral do sentimento de dualidade, que se traduz de modo inequívoco na linguagem dos doentes? Certo que não. É sempre uma terceira pessoa quem fala. Sempre uma distinção entre ele e a moça, fato constante nos indivíduos no mesmo caso, seja qual for a sua classe social. Os remédios são ineficazes por uma boa. razão: é que são bons, como diz aquele terceiro, para a moça, isto é, para o ser corporal; mas não para o outro, aquele que não é visto e que, entretanto, a faz agir, a constrange, a subjuga, a derruba e se serve de seus membros para bater e de sua boca para falar. Ele diz nada haver visto que justifique a idéia da possessão. Mas os fatos estacam ante os seus olhos; ele mesmo os cita. Podem ser explicados pela. causa que ele lhes atribui? Não. Então esta causa não é verdadeira. Ele via os efeitos morais e devia procurar uma causa moral.
Outro médico, o Dr. Chiara, que também visitou Morzine, publicou sua apreciação **, constatando os mesmos fenômenos e os mesmos sintomas que o Sr. Constant. Mas para ele, como para este último, os Espíritos malignos são imaginação dos doentes. Em seu trabalho encontramos o seguinte fato, a propósito de uma doente:
“O acesso começa por um soluço e movimentos de deglutição, pela flexão e soerguimentos alternativos da cabeça sobre o tronco; depois de várias contorções que lhe dão ao rosto tão suave uma expressão horrorosa: “S... médico, grita ela, eu sou o diabo..., tu queres fazer-me deixar a moça; eu não te temo... vem!... há quatro anos que a domino: ela é minha, nela ficarei. - Que fazes nesta moça? — Eu a atormento. — E porque, infeliz, atormentas uma pessoa que não te fez nenhum mal? — Porque me puseram aqui para atormentá-la. — És um celerado. “Aqui paro, atordoado por uma avalanche de injúrias e imprecações.”
Falando de outra doente, diz ele:
“Após alguns instantes de uma cena muda, de uma pantomima mais ou menos expressiva, nossa possessa ‘põe-se a soltar pragas horríveis. Espumando de raiva, injuria-nos a todos com um furor sem igual. Mas — digamo-lo já — não é a moça que assim se exprime, é o diabo que a possui e. que, servindo-se de seu órgão, fala em seu próprio nome. Quanto à nossa energúmena, é apenas um instrumento passivo no qual foi inteiramente abolida a noção do eu. Se for interpelada diretamente, fica muda: só Belzebu responderá.
“Enfim, depois de uns três minutos esse drama horrível cessa de repente, como que por encanto. A mocinha B... retoma o ar maiscalmo, o mais natural do mundo, como se nada tivesse acontecido. Tricotava antes, eis que tricota depois, parecendo não ter interrompido o trabalho. Interrogo-a; responde que não sente a menor fadiga nem se lembra de nada. Falo-lhe das injúrias. que nos dirigiu: ela as ignora; mas parece contrariar-se e nos pede desculpas.
“Em todas essas doentes a sensibilidade geral é abolida completamente. Podem ser pinçadas, beliscadas, ou queimadas e nada sentem. Numa delas fiz uma dobra na pele e atravessei com uma agulha comum: correu sangue mas ela nada sentiu.
“Em Morzine vi ainda várias dessas doentes fora do estado da crise: eram moças gordas, agradáveis, gozando da plenitude das faculdades físicas e morais. Vendo-as é impossível supor a existência da menor afecção.”
Isto contrasta com o estado raquítico, macilento e sofredor que o Sr.Constant admite ter notado. Quanto ao fenômeno da insensibilidade durante as crises, não é, como se viu, a única aproximação que os fatos apresentam com a catalepsia, o sonambulismo e a dupla visão.
De todas essas observações o Dr. Chiara chegou a esta definição do mal:
“É um conjunto mórbido, formado de diferentes sintomas, tomados um pouco em todo o quadro patológico das moléstias nervosas e mentais; numa palavra, é uma afecção sui generis, para a qual, pouco ligando às denominações, conservarei o nome de hístero-demonia, que já lhe foi dado.”
É caso de dizer: “Quem tiver ouvidos, ouça.” É um mal particular, formado de diferentes partes e que tem sua fonte um pouco em toda parte. É o mesmo que dizer simplesmente: “É um mal que não compreendo.” É um mal sui generis: estamos de acordo; mas qual esse gênero, ao qual nem sabeis dar o nome?
Poderíamos provar a insuficiência de uma causa puramente material para explicar o mal de Morzine, por muitas outras aproximações, que os próprios leitores farão. Reportem-se aos artigos precedentes, ao que dizemos da maneira por que se exerce ação dos Espíritos obsessores, dos fenômenos resultantes dessa ação, e a analogia ressaltará com a última evidência. Se, para a gente de Morzine, o terceiro que interfere é o diabo, é porque lhes disseram que era o diabo e eles só sabiam isto. Aliás é sabido que certos Espíritos de baixo nível divertem-se tomando nomes infernais para apavorar. A este nome substitui em sua boca o vocábulo Espírito, ou antes, maus Espíritas e tereis a reprodução idêntica de todas as cenas de obsessão e de subjugação que referimos. É incontestável que, numa região onde dominasse & idéia do Espiritismo, sobrevindo tal epidemia, os doentes se dissessem solicitados por maus Espíritos, quando, aos olhos de certas pessoas parecessem loucos. Dizem que é o diabo; é uma afecção nervosa, É o que teria acontecido em Morzine, se o conhecimento do Espiritismo ali tivesse precedido a invasão desses Espíritos. Então os adversários teriam gritado: socorro! Mas a Providência não lhes quis dar essa satisfação passageira: ao contrário, quis provar sua importância para combater o mal pelos meios ordinários.
No final de contas, recorreram ao afastamento das doentes, que foram dirigidas para os hospitais de Thomon, Chambéry, Lyon, Mâcon etc. O meio era bom porque, quando todas transportadas, podiam se gabar de que não existiam mais doentes na região. A medida podia basear-se num fato observado, o da cessação das crises fora da comuna; mas parece ter-se baseado em outra consideração: o isolamento das doentes. Aliás a opinião do Sr. Constant é categórica: Deveria haver uma espécie de lazareto, diz ele, onde pudessem ser escondidas, assim que se mostrassem, as desordens morais e nervosas, cuja propriedade contagiosa é estabelecida, como disse meu velho amigo Dr.Bouchut. Esperando melhor, tal lazareto foi encontrado no asilo de alienados. É o único lugar verdadeiramente conveniente para o tratamento racional e completo das moléstias que me ocupam, quer se admita que sua doença é mesmo uma forma, uma variedade de alienação, quer mesmo não admitindo que usem, sob qualquer titulo, tomadas como alienadas. É necessário sobre elas produzir um certo grau de intimidação, ocupar seu espírito de modo a deixar o menos tempo possível às suas preocupações por outra preocupação; subtraí-las absolutamente toda influência religiosa irrefletida e desmedida, às conversas, aos conselhos ou observações susceptíveis de alimentar seu erro, que, ao contrário, deve ser combatido diariamente; dar-lhes um regime apropriado; obrigá-las, enfim, a se submeterem às prescrições que seria útil associar a um tratamento puramente moral e ter os meios de execução. Onde encontrar reunidas todas essas condições necessárias, essenciais, senão num asilo? Teme-se para essas doentes o contacto com as verdadeiras alienadas. Tal contacto seria menos prejudicial do que se pensava e, afinal, teria sido fácil conservar provisoriamente um pavilhão só para as doentes de Morzine, Se sua aglomeração tivesse qualquer inconveniente, ter-se-ia encontrado compensação na própria reunião e estou convicto de que o nome de asilo, casa de loucos, por si só tivesse produzido mais de uma cura que se tivessem encontrado poucos diabos que uma ducha não tivesse posto em fuga.”
Estamos longe de partilhar. do otimismo do Sr. Constant sobre a inocuidade do contacto dos alienados e a eficácia das duchas emcasos semelhantes. Ao contrário, estamos persuadidos de que em tal regime pode produzir uma verdadeira loucura, onde esta é apenas aparente. Ora, note-se bem que fora das crises, as doentes têm todo o bom senso e são sãs de corpo e Espírito; não há nelas senão uma perturbação passageira, sem quaisquer caracteres da loucura propriamente dita. Seu cérebro necessariamente enfraquecido pelos ataques freqüentes que experimenta, seria ainda mais facilmenteimpressionável pela visão dos loucos e pela só idéia de achar-se entre loucos, O Sr. Constant atribui o desenvolvimento e a continuidade da moléstia à imitação, à influência das conversas dos doentes entre si e aconselha a pô-las entre loucos ou isolá-las num pavilhão do hospital! Não é uma contradição e é isto que