Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Setembro

NOTA: O artigo seguinte é a introdução a um trabalho completo que o autor, Sr.Herrenschneider, se propõe fazer sobre a necessidade da aliança entre a Filosofia e o Espiritismo.

A partir de quando o Espiritismo se revelou na França, há dez ou doze anos, as comunicações incessantes dos Espíritos provocaram em todas as camadas da Sociedade um movimento religioso benéfico, que importa encorajar e desenvolver.

Com efeito, neste século, o espírito religioso estava perdido, sobretudo entre as classes letradas e inteligentes; o sarcasmo voltairiano tinha tirado o prestígio do Cristianismo; o progresso das ciências lhes havia feito reconhecer as contradições existentes entre os dogmas e as leis naturais; as descobertas astronômicas tinham demonstrado a puerilidade da ideia que formavam de Deus os filhos de Abraão, de Moisés e do Cristo.

O desenvolvimento das riquezas, as invenções maravilhosas das artes e da indústria, toda a civilização protestava, aos olhos da sociedade moderna, contra a renúncia ao mundo. Foi em consequência desses numerosos motivos que a incredulidade e a indiferença tinham penetrado nas almas; que a despreocupação com destinos eternos tinha entorpecido o nosso amor ao bem e paralisado o nosso aperfeiçoamento moral; e que a paixão do bem-estar, do prazer, do luxo e das vaidades terrenas tinha acabado por cativar quase toda a nossa ambição; quando, de repente, os mortos vieram nos lembrar que nossa vida presente tem um dia seguinte, e que nossos atos tem suas consequências fatais, inevitáveis, senão nesta vida, infalivelmente na vida futura.

Essa aparição dos Espíritos foi um raio que fez tremer muita gente, à vista desses móveis em movimento, sob o impulso de uma força invisível; à audição desses pensamentos inteligentes, ditados por intermédio de uma telegrafia grosseira; à leitura dessas páginas sublimes, escritas por nossas mãos distraídas, sob a ação de uma direção misteriosa.

Quantos corações batiam, tomados de medo súbito; quantas consciências opressas despertaram em merecidas angústias; quantas inteligências não foram feridas de estupor! A renovação dessas relações com as almas dos mortos é, e continuará sendo um acontecimento prodigioso, que terá como consequência a regeneração, tão necessária, da Sociedade moderna.

É que, quando a Sociedade humana não tem outro objetivo de atividade senão a prosperidade material e o prazer dos sentidos, ela mergulha no materialismo egoísta; aprecia todas as ações conforme o bem que das mesmas retira; renuncia a todos os esforços que não conduzem a uma vantagem palpável; só estima os que têm posses e só respeita o poder que se impõe.

Quando os homens só se preocupam com os sucessos imediatos e lucrativos, eles perdem o senso da honestidade, renunciam à escolha dos meios, calcam aos pés a felicidade íntima, as virtudes privadas, e deixam de se guiar conforme os princípios de justiça e de equidade. Numa sociedade lançada nessa direção imoral, o rico leva uma vida de moleza ignóbil e embrutecedora, e o deserdado aí arrasta uma existência dolorosa e monótona, cujo último consolo parece ser o suicídio.

Contra semelhante disposição moral, pública e privada, a Filosofia é impotente. Não que lhe faltem argumentos para provar a necessidade social de princípios puros e generosos; não que não possa ela demonstrar a iminência da responsabilidade final e estabelecer a perpetuidade de nossa existência, mas, geralmente, os homens não têm tempo nem gosto nem o espírito suficientemente refletido para prestarem atenção à voz de sua consciência e às observações da razão.

Além disto, as vicissitudes da vida por vezes são muito imperiosas para que eles se decidam pelo exercício da virtude pelo simples amor ao bem. Mesmo quando a Filosofia tivesse sido o que realmente deveria ser: uma doutrina completa e certa, ela jamais teria podido provocar, só por seu ensino, a regeneração social de maneira eficaz, porquanto até hoje ela não pôde dar à autoridade de sua doutrina outra sanção senão o amor abstrato ao ideal e à perfeição.

É que aos homens é preciso, para convencê-los da necessidade de se consagrarem ao bem, fatos que falem aos sentidos. É-lhes necessário o quadro empolgante de suas dores futuras, para que consintam em remontar a rampa funesta por onde os vícios os arrastam; é-lhes necessário tocar com o dedo as desgraças eternas que para si mesmos preparam, pela displicência moral, para compreenderem que a vida atual não é o objetivo de sua existência, mas o meio que o Criador lhes deu de trabalhar pessoalmente para a realização de seus destinos finais. Foi também por estes motivos que todas as religiões basearam seus mandamentos no terror do inferno e nas seduções das alegrias celestes.

Mas a partir de quando, sob o império da incredulidade e da indiferença religiosa, as populações se certificaram das consequências últimas de seus pecados, com a ajuda de uma filosofia fácil e inconsequente, o culto dos sentidos, dos interesses temporais e das doutrinas egoístas acabou por prevalecer.

Hoje, os homens esclarecidos, inteligentes e fortes seguem suas próprias inspirações e afastam-se da Igreja, pois falta-lhe a autoridade necessária para reconquistar sua influência vinte vezes secular. Pode-se dizer, portanto, que a Igreja é tão impotente quando a Filosofia, e que nem uma nem a outra exercerá salutar influência senão submetendo-se, cada uma em seu gênero, a uma reforma radical.

Enquanto se espera, a Humanidade se agita, os acontecimentos se sucedem e a aparição das manifestações espíritas, neste século culto, prático, suficiente e céptico, sem contradita é o acontecimento mais considerável. Assim, pois, vemos o túmulo aberto à nossa frente, não como o fim de nossas penas e de nossas misérias terrenas; não como o abismo hiante onde vêm abismar-se as nossas paixões, os nossos prazeres e as nossas ilusões, mas antes como o pórtico majestoso de um novo mundo, onde uns colherão, malgrado seu, os amargos frutos que suas fraquezas lhes terão feito semear, e onde outros, ao contrário, assegurar-se-ão, por seu mérito, a passagem a esferas mais puras e mais altas.

Portanto, é o Espiritismo que nos revela nossos destinos futuros, e quanto mais ele for conhecido, mais ganhará, em impulso e em extensão, a regeneração moral e religiosa.

A união do Espiritismo com as ciências filosóficas, com efeito, nos parece de alta necessidade para a felicidade humana e para o progresso moral, intelectual e religioso da Sociedade moderna, porque não mais estamos no tempo em que se podia afastar a Ciência humana e dar preferência à fé cega.

A Ciência moderna é muito sábia, muito segura de si mesma e muito adiantada no conhecimento das leis que Deus impôs à inteligência e à Natureza, para que a transformação religiosa se possa dar sem seu concurso. Conhece-se muito exatamente a relativa exiguidade de nosso globo para conferir à Humanidade um lugar privilegiado nos desígnios providenciais. Aos olhos de todos, não passamos de um grão de poeira na imensidade dos mundos, e sabe-se que as leis que regem essa multidão indefinida de existências são simples, imutáveis e universais. Enfim as exigências da certeza de nossos conhecimentos foram fortemente aprofundadas, para que uma nova doutrina possa erguer-se e manter-se em outra base senão um misticismo tocante e inofensivo.

Então, quando o Espiritismo quer estender seu domínio sobre todas as classes sociais, sobre os homens superiores e inteligentes, como sobre as almas delicadas e crentes, é preciso que, sem reservas, se lance na corrente do pensamento humano, e que, por sua superioridade filosófica, saiba impor à soberba razão o respeito à sua autoridade.

É esta ação independente dos adeptos do Espiritismo que os Espíritos elevados que se manifestam compreendem perfeitamente. Aquele que se designa sob o nome de Santo Agostinho dizia ultimamente: “Observai e estudai com cuidado as comunicações que recebeis; aceitai o que a vossa razão não repele e rejeitai o que a choca; pedi esclarecimentos sobre as que vos deixam em dúvida. Tendes aí a marcha a seguir, para transmitir às gerações futuras, sem medo de vê-las desnaturadas, as verdades que separareis sem esforço do seu cortejo inevitável de erros.”

Eis, em poucas palavras, o verdadeiro espírito do Espiritismo, aquele que a Ciência pode admitir sem derrogar; aquele que nos servirá para conquistar a Humanidade. Aliás, o Espiritismo nada tem a temer de sua aliança com a Filosofia, porque ele repousa em fatos incontestáveis, que têm sua razão de ser nas leis da criação. Cabe à Ciência estudar o seu alcance e coordenar os princípios gerais, de acordo com essa nova ordem de fenômenos, porque é evidente que, se ela não tinha pressentido a existência necessária, no espaço que nos rodeia, das almas dos mortos ou das destinadas a renascer, a Ciência deve compreender que sua filosofia primeira estava incompleta e que princípios primordiais lhe haviam escapado.

A Filosofia, ao contrário, tem tudo a ganhar ao considerar seriamente os fatos do Espiritismo. Para começar, porque estes são a sanção solene de seu ensinamento moral e porque, por si mesmos, provarão aos mais endurecidos o alcance fatal de sua conduta. Mas, por mais importante que seja esta justificação positiva de suas máximas, o estudo aprofundado das consequências que se deduzem da constatação da existência sensível da alma ao estado não encarnado, servir-lhe-á em seguida para determinar os elementos constitutivos da alma, sua origem e seu destino, e para estabelecer a lei moral e a do progresso anímico sobre bases certas e inamolgáveis.

Além disso, o conhecimento da essência da alma conduzirá a Filosofia ao conhecimento da essência das coisas e de Deus, e lhe permitirá unir todas as doutrinas que a dividem, num só e mesmo sistema geral verdadeiramente completo.

Enfim, esses diversos desenvolvimentos da Filosofia, provocados por esta preciosa determinação da essência anímica, conduzi-la-ão infalivelmente sobre os traços dos princípios fundamentais da antiga cabala e da antiga ciência oculta dos hierofantes, cujo último raio luminoso chegado até nós é a trindade cristã. É assim que, pela simples aparição das almas errantes, chegar-se-á, como temos todo direito de esperar, a constituir a cadeia ininterrupta das tradições morais, religiosas e metafísicas da Humanidade antiga e moderna.

Este futuro considerável que concebemos para a Filosofia aliada ao Espiritismo, não parecerá impossível aos que tiverem alguma noção dessa ciência, se considerarem o vazio dos princípios sobre os quais se fundam as diversas escolas e a impotência para elas disso resultante de explicar a realidade concreta e viva da alma e de Deus. É assim que o materialismo alega que os seres não passam de fenômenos materiais, semelhantes aos produzidos pelas combinações das substâncias químicas, e que o princípio que os anima faz parte de um suposto princípio vital universal. Conforme este sistema, a alma individual não existiria e Deus seria um ser completamente inútil.

Os discípulos de Hegel, por seu lado, imaginam que a ideia, esse fenômeno indisciplinado de nossa alma, é um elemento em si, independente de nós; que ela é um princípio universal que se manifesta pela Humanidade e sua atividade intelectual, como também pela Natureza e suas maravilhosas transformações. Consequentemente, essa escola nega a individualidade eterna de nossa alma, e a confunde num só todo, com a Natureza. Ela supõe que existe uma identidade perfeita entre o universo visível e o mundo moral e intelectual; que um e outro são o resultado da evolução progressiva e fatal da ideia primitiva, universal, numa palavra, do absoluto. Nesse sistema, Deus, igualmente, não tem qualquer individualidade, nenhuma liberdade e não se conhece pessoalmente. Ele não se percebeu a si mesmo, pela primeira vez, senão em 1810, por intermédio de Hegel, quando este o reconheceu na ideia absoluta e universal. (Histórico).

Enfim, nossa escola espiritualista, vulgarmente chamada ecletismo, considera a alma como não sendo senão uma força sem extensão e sem solidez, uma inteligência imperceptível no corpo humano e que, uma vez desembaraçada de seu envoltório, conservando sua individualidade e sua imortalidade, não existiria mais, nem no tempo, nem no espaço. Nossa alma seria, pois, um não sei quê sem ligação com o que existe, e não ocuparia nenhum lugar determinado. Conforme esse mesmo sistema, Deus não é mais perceptível. Ele é o pensamento perfeito, e igualmente não tem nem solidez nem estabilidade nem forma nem realidade sensível; é um ser vazio; sem a razão nós não poderíamos dele ter nenhuma intuição. Entretanto, quem são os que inventaram o ateísmo, o cepticismo, o panteísmo, o idealismo, etc.? São os homens de raciocínio, os inteligentes, os sábios! Os povos ignorantes, cujas sensações são os principais guias, jamais duvidaram de Deus nem da alma nem de sua imortalidade. A razão, só, parece, pois, ser má conselheira!

Essas doutrinas, como se pode verificar, não têm, consequentemente, um princípio real, estável, vivo da noção do Ser real. Elas se movem num mundo inteligível, que nada tem a ver com a realidade concreta. O vazio de seus princípios relaciona-se com o conjunto de seus sistemas, e os torna tão sutis quão vagos e alheios à realidade das coisas. O próprio senso comum é ferido, malgrado o talento e a prodigiosa erudição de seus aderentes.

Mas o Espiritismo é ainda mais brutal em relação a eles, pois derruba todos esses sistemas abstratos, opondo-lhes um fato único: a realidade substancial, viva e atual da alma não encarnada. Ele lha mostra como um ser pessoal, existindo no tempo e no espaço, posto que invisível para nós; como um ser tendo o seu elemento sólido, substancial e sua força ativa e pensante. Ele nos mostra mesmo as almas errantes comunicando-se conosco por sua iniciativa! É evidente que semelhante fato deve derrubar todos os castelos de areia e, com uma penada, desvanecer essas soberbas armações fantasiosas.

Mas, por acréscimo de confusão, pode-se provar aos partidários dessas doutrinas alambicadas, que todo homem leva em sua própria consciência os elementos suficientes para demonstrar a existência da alma, tal como o Espiritismo o estabelece pelos fatos, de modo que seus sistemas não só são errados no seu ponto de chegada, mas ainda o são em seu ponto de partida. Assim, o mais sábio partido que resta a ser tomado por esses honrados sábios, é refundir completamente sua filosofia e consagrar seu profundo saber à fundação de uma ciência primeira, mais precisa e mais conforme à realidade.

É que, efetivamente, carregamos em nós mesmos quatro noções irredutíveis, que nos autorizam a afirmar a existência de nossa alma, tal qual o Espiritismo no-la apresenta. Primeiramente, temos em nós o sentimento de nossa existência. Tal sentimento só se pode revelar por uma impressão que recebemos de nós próprios. Ora, nenhuma impressão se faz sobre um objeto privado de solidez e de extensão, de sorte que, considerando o simples fato de nossas sensações, devemos deduzir que temos em nós um elemento sensível, sutil, extenso e resistente, isto é, uma substância. Em segundo lugar, temos em nós a consciência de um elemento ativo, causador, que se manifesta em nossa vontade, nosso pensamento e nossos atos. Em consequência, é ainda evidente que possuímos em nós um segundo elemento: uma força. Portanto, pelo simples fato que nós nos sentimos e nos sabemos, devemos concluir que encerramos dois elementos constitutivos, força e substância, isto é, uma dualidade essencial, anímica.

Mas essas duas noções primitivas não são as únicas que carregamos conosco. Ainda nos concebemos, em terceiro lugar, uma unidade pessoal, original, que permanece sempre idêntica a si mesma; e, em quarto lugar, um destino igualmente pessoal, porque todos nós procuramos a felicidade e as nossas próprias conveniências em todas as circunstâncias da vida. Desse modo, juntando essas duas novas noções, que constituem nosso duplo aspecto, às duas precedentes, reconhecemos que nosso ser encerra quatro princípios bem distintos: sua dualidade de essência e sua dualidade de aspecto.

Ora, como esses quatro elementos do conhecimento do nosso eu, que nos levam a nos afirmarmos pessoalmente, são noções independentes do corpo, e que elas não tem qualquer relação com o nosso envoltório material, é evidente e peremptório para todo espírito justo e não prevenido, que nosso ser depende de um princípio invisível, chamado Alma, e que essa alma existe como tal, porque ela tem uma substância e uma força, uma unidade e um destino próprios e pessoais.

Tais são os quatro elementos primordiais de nossa individualidade anímica, cuja noção cada um de nós leva em seu seio, e que nenhum homem poderia refutar. Em consequência, como dissemos, em todos os tempos a Filosofia possuiu os elementos suficientes para o conhecimento da alma, tal qual o Espiritismo no-la dá a conhecer. Se, pois, até o presente, a razão humana não conseguiu construir uma metafísica verdadeira e útil que lhe tenha feito compreender que a alma deve ser considerada como um ser real, independente do corpo e capaz de existir por si mesma, substancialmente e virtualmente, no tempo e no espaço, é que ela desdenhou a observação direta dos fatos de consciência e que, em seu orgulho e sua suficiência, a razão foi posta em lugar e no lugar da realidade.

Conforme estas observações, pode-se compreender quanto importa à Filosofia unir-se ao Espiritismo, pois daí ela tirará a vantagem de se criar uma ciência primeira, séria e completa, fundada sobre o conhecimento da essência da alma e das quatro condições de sua realidade. Mas não é menos necessário ao Espiritismo aliarse com a Filosofia, porque só por ela poderá estabelecer a certeza científica dos fatos espíritas que formam a base fundamental de sua crença, e daí tirar as importantes consequências que eles contêm.

Sem dúvida, ao bom-senso basta ver um fenômeno para crer em sua realidade, e muitos contentam-se com isto, mas a Ciência muitas vezes teve motivos para duvidar dos protestos do senso comum e para não confiar nas impressões dos nossos sentidos e nas ilusões de nossa imaginação. O bom-senso não basta, pois, para estabelecer cientificamente a realidade da presença dos Espíritos em volta de nós. Para estar certo disto de maneira irrefutável, é preciso estabelecer racionalmente, segundo as leis gerais da criação, que sua existência é necessária por si mesma, e que sua presença invisível não passa da confirmação de dados racionais e científicos, como aqueles que acabamos de indicar de maneira sumária. Portanto, só pelo método filosófico é que se chega a tal resultado. Eis um trabalho necessário à autoridade do Espiritismo, e só a Filosofia lhe pode prestar esse serviço.

Em geral, para triunfar, seja em que empresa for, é necessário aliar o conhecimento dos princípios à observação dos fatos. Nas circunstâncias particulares do Espiritismo, é ainda muito mais necessário proceder desta maneira rigorosa para se chegar à verdade, porque nossa nova doutrina toca os nossos interesses mais caros e mais elevados, os que constituem a nossa felicidade presente e eterna. Em consequência, a união do Espiritismo e da Filosofia é da mais alta importância para o sucesso de nossos esforços e para o futuro da Humanidade.

F. HERRENSCHNEIDER

Perguntas e problemas sobre a expiação e a prova.

Moulins, 8 de julho de 1863.

Senhor e venerado mestre,

Venho submeter à vossa apreciação uma questão que foi discutida em nosso pequeno grupo e não pudemos resolver por nossas próprias luzes. Os próprios Espíritos que consultamos não responderam muito categoricamente para nos tirar da dúvida.

Redigi uma pequena nota, que tomo a liberdade de vos remeter, na qual reuni os motivos de minha opinião pessoal, que difere da de vários colegas. A opinião destes últimos é que a expiação ocorre efetivamente durante a encarnação, apoiando-se no fato de que essa expressão foi empregada em muitas comunicações, e notadamente no Livro dos Espíritos.

Venho, pois, vos pedir a extrema bondade de nos dar a vossa opinião sobre essa questão. Vossa decisão para nós será lei, e de boa vontade cada um sacrificará sua maneira de ver, para colocar-se sob a bandeira que plantastes e sustentais de maneira tão firme e tão sábia.

Recebei, senhor e caro mestre, etc.

T. T.

“Várias comunicações dadas por Espíritos diferentes qualificam indistintamente como expiações e provas, males e tribulações que formam o quinhão de cada um de nós durante a encarnação na Terra. Dessa aplicação à mesma ideia, de duas palavras muito diversas na sua significação, resulta uma certa confusão, sem dúvida pouco importante para os Espíritos desmaterializados, mas que, entre os encarnados, dá lugar a discussões que seria bom fazer cessar por uma definição clara e precisa e explicações fornecidas pelos Espíritos superiores que fixariam, de modo irrevogável, esse ponto de doutrina.

“Para começar, tomando os dois vocábulos no sentido absoluto, parece que a expiação seria o castigo, a pena imposta para o resgate de uma falta, com o perfeito conhecimento, por parte do culpado punido, da causa do castigo, isto é, da falta a expiar. Compreende-se que, neste sentido, a expiação seja sempre imposta por Deus.

“A prova não implica qualquer ideia de reparação. Ela pode ser voluntária ou imposta, mas não é a consequência rigorosa e imediata das faltas cometidas.

“A prova é um meio de constatar o estado de uma coisa, para reconhecer se é de boa qualidade. Assim, submete-se a uma prova uma corda, uma ponte, uma peça de artilharia, não por causa de seu estado anterior, mas para certificar-se de que estão adequadas ao serviço a que se destinam.

“Assim, por extensão, tem-se chamado de provas da vida ao conjunto de meios físicos ou morais que revelam a existência ou ausência das qualidades da alma que estabelecem a sua perfeição ou os progressos por ela feitos na busca dessa perfeição final.

“Parece, pois, lógico admitir que a expiação propriamente dita, e no sentido absoluto do vocábulo, ocorre na vida espiritual, após a desencarnação ou morte corpórea; que ela possa ser mais ou menos longa, mais ou menos penosa, de acordo com a gravidade das faltas, mas que é completa no outro mundo e termina sempre por um ardente desejo de ter uma nova reencarnação, durante a qual as provas escolhidas ou impostas deverão permitir que a alma faça um progresso para a perfeição que as faltas anteriores lhe impediram de realizar.

“Assim, pois, não conviria admitir que há expiação na Terra, mesmo que excepcionalmente, porque seria preciso admitir, também, o conhecimento das faltas punidas. Ora, tal conhecimento só existe na vida de além-túmulo. A expiação sem tal conhecimento seria uma barbárie sem utilidade e não se conformaria nem com a justiça nem com a bondade de Deus.

“Durante a encarnação, não se pode conceber senão provas, porque, sejam quais forem os males e tribulações desta Terra, é impossível considerá-los como podendo constituir uma expiação suficiente para faltas de qualquer gravidade. Pensa-se que um culpado, entregue à justiça dos homens, estaria bem punido se o condenassem a viver como o menos feliz de nós? Não exageremos, pois, a importância dos males desta Terra para nos atribuirmos o mérito de havê-los suportado. A prova consiste mais na maneira pela qual os males foram suportados do que na sua intensidade que, como a felicidade terrena, é sempre relativa para cada indivíduo.

“Os caracteres distintivos da expiação e da prova são que a primeira é sempre imposta, e sua causa deve ser conhecida por aquele que a sofre, ao passo que a segunda pode ser voluntária, isto é, escolhida pelo Espírito, ou mesmo imposta por Deus, na falta de escolha. Além disso, ela se concebe muito bem sem causa conhecida, pois não é necessariamente a consequência de faltas passadas.

“Numa palavra: a expiação cobre o passado; a prova abre o futuro.

“O número de julho da Revista Espírita contém um artigo intitulado Expiação terrena, que pareceria contrário à opinião emitida acima. Contudo, lendo-o atentamente, ver-se-á que a expiação verdadeira se deu na vida espírita, e que a posição que Max ocupou na sua última encarnação realmente não é senão o gênero de provas que ele escolheu, ou que lhe foram impostas, e das quais saiu vitorioso, mas que, durante toda essa encarnação, ignorando sua posição anterior, ele não poderia em nada aproveitar uma expiação sem objetivo.

“Talvez esta seja mais uma questão de palavras que de princípios. Com efeito, foi dito muitas vezes: “Não vos atenhais às palavras; vede o fundo do pensamento.” Em todo o caso, para nós que nos entendemos por meio de palavras, convém estarmos bem fixados no sentido que a elas ligamos.”

Resposta. A distinção estabelecida pelo autor da nota acima, entre o caráter da expiação e o das provas é perfeitamente justa. Contudo, não poderíamos partilhar de sua opinião no que concerne à aplicação desta teoria à situação do homem na Terra.

A expiação implica necessariamente a ideia de um castigo mais ou menos penoso, resultado de uma falta cometida. A prova implica sempre a de uma inferioridade real ou presumível, porque o que chegou ao ponto culminante a que aspira, não mais necessita de provas.

Em certos casos, a prova se confunde com a expiação, isto é, a expiação pode servir de prova, e reciprocamente. O candidato que se apresenta para receber uma graduação, passa por uma prova. Se falhar, terá que recomeçar um trabalho penoso. Esse novo trabalho é a punição da negligência no primeiro. A segunda prova se torna, assim, uma expiação.

Para o condenado a quem se faz esperar um abrandamento ou uma comutação, se se conduzir bem, a pena é ao mesmo tempo uma expiação por sua falta e uma prova para sua sorte futura. Se, à sua saída da prisão, não estiver melhor, sua prova é nula e um novo castigo conduzirá a uma nova prova.

Agora, se considerarmos o homem na Terra, veremos que ele aí suporta males de toda sorte, e por vezes cruéis. Esses males têm uma causa. Ora, a menos que os atribuamos ao capricho do Criador, somos forçados a admitir que a causa está em nós mesmos, e que as misérias que experimentamos não podem ser resultado de nossas virtudes. Então elas têm sua fonte nas nossas imperfeições.

Se um Espírito encarnar-se na Terra em meio à fortuna, às honras e a todos os prazeres materiais, poder-se-á dizer que sofre a prova do arrastamento. Para aquele que cai na desgraça por sua conduta ou sua imprevidência, é a expiação de suas faltas atuais, e pode-se dizer que é punido por onde pecou. No entanto, o que dizer daquele que, desde seu nascimento, está a braços com necessidades e privações; que arrasta uma existência miserável e sem esperança de melhora; que sucumbe ao peso de enfermidades congênitas, sem ter ostensivamente nada feito para merecer tal sorte? Quer seja uma prova, quer uma expiação, a posição não é menos penosa e não seria mais justa do ponto de vista do nosso correspondente, porque se o homem não se lembra da falta, também não se lembra de haver escolhido a prova. Assim, há que buscar alhures a solução da questão.

Como todo efeito tem uma causa, as misérias humanas são efeitos que devem ter uma causa. Se essa causa não estiver na vida atual, deve estar numa vida anterior. Além disso, admitindo a justiça de Deus, tais efeitos devem ter uma relação mais ou menos íntima com os atos precedentes, dos quais eles são, ao mesmo tempo, castigo para o passado e prova para o futuro. São expiações no sentido de que são consequência de uma falta, e provas em relação ao proveito delas tirado. Diz-nos a razão que Deus não pode ferir um inocente. Logo, se somos feridos e se não somos inocentes, o mal que sentimos é o castigo, e a maneira de suportá-lo é a prova.

Mas, acontece muitas vezes que a falta não se acha nesta vida. Então acusa-se a justiça de Deus, nega-se a sua bondade, duvida-se, até, de sua existência. Aí, precisamente, está a prova mais escabrosa: a dúvida sobre a Divindade. Quem quer que admita um Deus soberanamente justo e bom deve dizer que ele só agirá com sabedoria, mesmo naquilo que não compreendamos, e que se sofremos uma pena, é porque fizemos por merecer. É, pois uma expiação.

Pela grande lei da pluralidade das existências, o Espiritismo levanta completamente o véu sob o qual essa questão deixava obscuridade. Ele nos ensina que se a falta não tiver sido cometida nesta vida, tê-lo-á sido em outra, e que assim a justiça de Deus segue o seu curso, punindo-nos por onde havíamos pecado.

Vem a seguir a grave questão do esquecimento que, segundo o nosso correspondente, tira aos males da vida o caráter de expiação. É um erro. Dai-lhe o nome que quiserdes, mas não fareis que não sejam a consequência de uma falta. Se o ignorais, o Espiritismo vo-lo ensina.

Quanto ao esquecimento das faltas em si, ele não tem as consequências que lhe atribuís. Temos demonstrado alhures que a lembrança precisa dessas faltas teria inconvenientes extremamente graves, porque isso nos perturbaria e nos humilharia aos nossos próprios olhos e aos do próximo; porque traria uma perturbação nas relações sociais e porque, por isso mesmo, entravaria o nosso livre-arbítrio.

Por outro lado, o esquecimento não é tão absoluto quanto o supõem. Ele só se dá na vida exterior de relação, no próprio interesse da Humanidade, mas a vida espiritual não sofre solução de continuidade. Tanto na erraticidade quanto nos momentos de emancipação, o Espírito se lembra perfeitamente, e essa lembrança lhe deixa uma intuição que se traduz na voz da consciência, que o adverte do que deve ou não deve fazer. Se ele não a escuta, então é culpa sua. Além disso, o Espiritismo dá ao homem um meio de remontar ao seu passado, senão aos atos precisos, ao menos aos caracteres gerais desses atos que ficaram mais ou menos desbotados na sua vida atual. Pelas tribulações que suporta, expiações ou provas, ele deve concluir que foi culpado. Pela natureza dessas tribulações, ajudado pelo estudo de suas tendências instintivas, e apoiando-se no princípio de que a mais justa punição é a consequência da falta, ele pode deduzir seu passado moral. Suas tendências más lhe ensinam o que resta de imperfeito a corrigir em si. A vida atual é para ele um novo ponto de partida. Ele aí chega rico ou pobre de boas qualidades, basta-lhe, pois, estudar-se a si mesmo para ver o que lhe falta, e dizer para si mesmo: “Se sou punido, é porque pequei.” E a própria punição lhe dirá o que fez.

Citemos uma comparação.

Suponhamos um homem condenado a tantos anos de trabalhos forçados, e aí sofrendo um castigo especial, mais ou menos rigoroso, conforme à sua falta; suponhamos, ainda, que ao entrar na prisão ele perca a lembrança dos atos que para lá o conduziram. Não poderá ele dizer para si mesmo: “Se estou na prisão, é que fui culpado, pois não se condena gente virtuosa, portanto, tratemos de nos tornarmos bom, para não voltarmos quando daqui sairmos.” Quer ele saber o que fez? Estudando a lei penal, saberá quais os crimes que para ali conduzem, porque não se é posto a ferros por uma estroinice; da duração e da severidade da pena, concluirá o gênero dos que deve ter cometido. Para ter uma ideia mais exata, terá apenas que estudar aqueles para os quais ele se sente instintivamente arrastado. Saberá, então, o que daí em diante deverá evitar para conservar a liberdade, e a isso será ainda excitado pelas exortações dos homens de bem, encarregados de instruí-lo e de guiálo no bom caminho. Se ele não tira proveito disso, sofrerá as consequências. Tal a situação do homem na Terra onde, como o grilheta, não pode ter sido posto por suas perfeições, desde que é infeliz e obrigado a trabalhar. Deus lhe multiplica os ensinamentos proporcionais ao seu adiantamento. Adverte-o incessantemente e o fere, até, para despertá-lo de seu torpor. Aquele que persiste no endurecimento não pode desculpar-se com a ignorância.

Em resumo, se certas situações da vida humana têm, mais particularmente, o caráter das provas, outras incontestavelmente têm o do castigo, e todo castigo pode servir de prova.

É um erro pensar que o caráter essencial da expiação seja o de ser imposta. Vemos diariamente na vida expiações voluntárias, sem falar dos monges que se maceram e se fustigam com a disciplina e o cilício. Assim, nada há de irracional em admitir que um Espírito na erraticidade escolha ou solicite uma existência terrena que o leve a reparar seus erros passados. Se tal existência lhe tivesse sido imposta, não teria sido menos justa, malgrado a ausência momentânea da lembrança, pelos motivos acima desenvolvidos. As misérias daqui são, pois, expiação, por seu lado efetivo e material, e provas, por suas consequências morais. Seja qual for o nome que se lhes dê, o resultado deve ser o mesmo: o melhoramento. Em presença de um objetivo tão importante, seria pueril fazer uma questão de princípio de uma questão de palavra. Isto provaria que se liga mais importância às palavras do que à coisa.

Temos prazer de responder às perguntas sérias e de elucidá-las, quando possível. A discussão é tanto mais útil com pessoas de boa-fé, que estudaram e querem aprofundar as coisas, pois é trabalhar para o progresso da ciência, quanto é ociosa com os que julgam sem conhecimento e querem saber sem se darem ao trabalho de aprender.

Senhor cura,

Em minha carta precedente, dei os motivos que me fazem não responder a vossa brochura, artigo por artigo. Não os lembrarei, e me limito a transcrever algumas passagens.

Dizeis: “Concluamos de tudo isto que o Espiritismo deve limitar-se a combater o materialismo, a dar ao homem provas palpáveis de sua imortalidade, por meio de manifestações de além-túmulo bem constatadas; que, fora deste caso, tudo nele não passa de incerteza, trevas espessas, ilusões, um verdadeiro caos; que como doutrina filosófico-religiosa, é apenas uma verdadeira utopia, como tantas outras consignadas na história, e da qual o tempo fará boa justiça, a despeito do exército espiritual do qual vos constituístes comandante-em-chefe.”

Para começar, senhor padre, concordai que as vossas previsões praticamente não se realizaram e que o tempo não tem pressa em fazer justiça ao Espiritismo. Se ele não sucumbiu, não cabe atribuir a culpa à indiferença e à negligência do clero e de seus partidários, pois ataques não faltaram: brochuras, jornais, sermões e excomunhões fizeram fogo em toda a linha; nada faltou, nem mesmo o talento e o mérito incontestável de alguns dos campeões. Se, pois, sob tão formidável artilharia as fileiras dos espíritas aumentaram, em vez de diminuir, é que o fogo virou fumaça. Ainda uma vez, diz-nos uma regra de lógica elementar que se julga uma força por seus efeitos. Não pudestes parar o Espiritismo, portanto, ele vai mais depressa do que vós, e a razão disso é que ele vai à frente, enquanto empurrais na retaguarda, e o século marcha.

Examinando os diversos ataques dirigidos contra o Espiritismo, ressalta um ensinamento ao mesmo tempo grave e triste. Os que vêm do partido céptico e materialista são caracterizados pela negação, a troça mais ou menos espirituosa, as brincadeiras geralmente tolas e banais, ao passo que ─ é lamentável dizer ─ é nos do partido religioso que se encontram as mais grosseiras injúrias, os ultrajes pessoais, as calúnias. É da cátedra que caem as palavras mais ofensivas. É em nome da Igreja que foi publicado o ignóbil e mentiroso panfleto sobre o pretenso balancete do Espiritismo. A respeito disso forneci alguns dados na Revista, e não disse tudo, por deferência e porque sei que todos os membros do clero estão longe de aprovar semelhantes coisas. É útil, entretanto, que mais tarde se saiba de que armas se serviram para combater o Espiritismo. Infelizmente, os artigos de jornais são fugidios como as folhas que os contêm; as próprias brochuras têm uma existência efêmera e em alguns anos os nomes dos mais fogosos e dos mais biliosos antagonistas provavelmente estarão esquecidos.

Só há um meio de prevenir este efeito do tempo: é colecionar todas as diatribes, venham de que lado vierem, e fazer um arquivo que não será uma das páginas menos instrutivas da história do Espiritismo. Não me faltam documentos para tal trabalho, e lamento dizer que são as publicações feitas em nome da religião que até hoje lhes têm fornecido o mais forte contingente. Constato com prazer que a vossa brochura ao menos constitui exceção quanto à urbanidade, senão pela força dos argumentos.

Segundo vós, senhor padre, tudo no Espiritismo não passa de incerteza, trevas espessas, ilusões, caos, utopias. Então haveis de convir que não é muito perigoso, pois ninguém deverá compreendê-lo. O que pode a Igreja ter que temer de uma coisa tão absurda? Se é assim, por que essa exibição de forças? Vendo esse desencadeamento, dir-se-ia que ela tem medo. De ordinário não se dá um tiro de canhão numa mosca que voa. Não é contradição dizer de um lado que o Espiritismo é temível, que ameaça a religião e do outro que ele nada é?

No trecho precitado, noto, de passagem, um erro, certamente involuntário, pois não suponho que, a exemplo de alguns de vossos colegas, altereis conscientemente a verdade para servir à vossa causa. Dizeis: “A despeito do exército espiritual do qual vos constituístes comandante-em-chefe.” Para começar, eu vos perguntarei o que entendeis por exército espiritual. É o exército dos Espíritos ou o dos espíritas? A primeira interpretação vos levaria a dizer um absurdo; a segunda, uma falsidade, pois é notório que jamais me constituí chefe, seja do que for. Se os espíritas me dão esse título, é por um espontâneo sentimento de sua parte, em razão da confiança que têm a bondade de me conceder, ao passo que dais a entender que me impus e tomei tal iniciativa, coisa que nego formalmente. Aliás, se os sucessos da doutrina que professo me dão uma certa autoridade sobre os adeptos, é uma autoridade puramente moral, que não uso senão para lhes recomendar calma, moderação e abstenção de qualquer represália contra os que os tratam mais indignamente, para lhes lembrar, numa palavra, a prática da caridade, mesmo para com os seus inimigos.

A parte mais importante desse parágrafo é aquela em que dizeis que “O Espiritismo deve limitar-se a combater o materialismo, a dar ao homem provas palpáveis de sua imortalidade, por meio de manifestações de além-túmulo bem constatadas.” Então para algo serve o Espiritismo. Se as manifestações de alémtúmulo são úteis para destruir o materialismo e provar a imortalidade da alma, não é o diabo que se manifesta. Para chegar a esta prova que, segundo vós, ressalta dessas manifestações, é preciso que nelas se reconheçam os pais e os amigos; assim, os Espíritos que se comunicam são as almas dos que viveram. Assim, senhor padre, estais em contradição com a doutrina professada por vários de vossos ilustres confrades, a saber, que só o diabo pode comunicar-se. É um ponto de doutrina ou uma opinião pessoal? No segundo caso, uma não tem mais valor que a outra. No primeiro, frisais a heresia.

Há mais. Considerando-se que as comunicações de além-túmulo são úteis para combater a incredulidade sobre a base fundamental da religião: a existência e a imortalidade da alma; considerando-se que o Espiritismo deve servir para tal fim, então a cada um é licito buscar na evocação o remédio para a dúvida que a religião, sozinha, não pôde vencer. Consequentemente, é permitido a todo crente, a todo bom católico e até mesmo a todo sacerdote, usá-lo para reconduzir ao aprisco as ovelhas desgarradas. Se o Espiritismo tem meios de dissipar dúvidas que a religião não pôde destruir, então ele oferece recursos que a religião não possui, do contrário não haveria um só incrédulo na religião católica. Por que, então, ela repele um meio eficaz de salvar almas?

Por outro lado, como conciliar a utilidade que reconheceis nas comunicações de além-túmulo com a proibição formal que a Igreja faz de evocar os mortos? Considerando-se que é princípio rigoroso que não se pode ser católico sem se conformar escrupulosamente com os preceitos da Igreja; que o menor desvio de seus mandamentos é uma heresia, ei-vos, senhor padre, bem e devidamente herético, pois declarais bom aquilo que ela condena.

Dizeis que o Espiritismo só é caos e incerteza; então sois muito mais claro? De que lado está a ortodoxia neste ponto, já que uns pensam de um modo e outros de outro? Como quereis que se esteja de acordo quando vós mesmo estais em contradição com as vossas palavras? Vossa brochura é intitulada: Refutação COMPLETA da doutrina espírita do ponto de vista religioso. Quem diz completo diz absoluto. Se a refutação é completa, não deve deixar nada subsistir. E eis que, do ponto de vista religioso, reconheceis uma utilidade imensa àquilo que a Igreja proíbe! Existe uma utilidade maior do que reconduzir incrédulos a Deus? Vossa brochura teria sido melhor intitulada: Refutação da doutrina demoníaca da Igreja. Aliás, não é a única contradição que eu poderia apontar. Mas tranquilizai-vos, pois não sois o único dissidente. Conheço pessoalmente bom número de eclesiásticos que não creem mais do que vós na comunicação exclusiva do diabo; que se ocupam de evocações com toda segurança de consciência; que não acreditam mais do que eu nas penas irremissíveis e na danação eterna absoluta, nisto concordes com mais de um Pai da Igreja, como vos será demonstrado mais tarde. Sim, muito mais eclesiásticos do que se pensa encaram o Espiritismo de um ponto mais elevado. Chocados com a universalidade das manifestações e com o espetáculo imponente dessa marcha irresistível, eles nisso veem a aurora de uma nova era, e um sinal da vontade de Deus, ante a qual se inclinam em silêncio.

Senhor padre, dizeis que o Espiritismo deveria parar em tal ponto, e não ir além. Em tudo é preciso ser consequente consigo mesmo. Para que essas almas possam convencer os incrédulos de sua existência, é necessário que falem. Ora, é possível impedi-las de dizer o que querem? É minha culpa se elas vêm descrever sua situação, feliz ou infeliz, diversa do que ensina a Igreja? se elas vêm dizer que já viveram e que viverão de novo corporalmente? que Deus nem é cruel, nem vingativo, nem inflexível, como o apresentam, mas bom e misericordioso? se, em todos os pontos do globo onde as chamam para se convencerem da vida futura, dizem a mesma coisa?

Enfim, é minha culpa se o quadro que fazem do futuro reservado aos homens é mais sedutor que aquele que ofereceis? se os homens preferem a misericórdia à danação?

Quem fez a Doutrina Espírita? Foram as palavras deles, e não a minha imaginação; foram os próprios atores do mundo invisível, as testemunhas oculares das coisas de além-túmulo que a ditaram, e ela só foi estabelecida sobre a concordância da imensa maioria das revelações feitas em todos os lados e a milhares de pessoas que eu jamais vi. Em tudo isto não fiz senão recolher e coordenar metodicamente o ensino dado pelos Espíritos. Sem levar em conta opiniões isoladas, adotei as do maior número, afastando toda ideia sistemática, individual, excêntrica, ou em contradição com os dados positivos da Ciência.

Desses ensinamentos e de sua concordância, bem como da atenta observação dos fatos, ressalta que as manifestações espíritas nada têm de sobrenatural, mas, ao contrário, são o resultado de uma lei da Natureza, até hoje desconhecida, como o foram durante muito tempo as da gravitação, do movimento dos astros, da formação da Terra, da eletricidade, etc. Considerando-se que essa lei está em a Natureza, ela é obra de Deus, a menos que se diga que a Natureza é obra do diabo. Essa lei, explicando uma porção de coisas sem ela inexplicáveis, converteu tantos incrédulos à existência da alma quantos converteu o fato propriamente dito das manifestações, e a sua prova está no grande número de materialistas reconduzidos a Deus só pela leitura das obras, sem nada terem visto. Teria sido melhor que tivessem ficado na incredulidade, com o risco de não estarem nem mesmo na ortodoxia católica?

A Doutrina Espírita não é, portanto, obra minha, mas dos Espíritos. Ora, se esses Espíritos são as almas dos homens, ela não pode ser obra do demônio. Se fosse minha concepção pessoal, vendo seu prodigioso sucesso, eu não poderia senão felicitar-me, mas eu não me poderia atribuir o que não é meu. Não, ela não é obra de um só, nem homem nem Espírito que, fosse quem fosse, não lhe poderia ter dado uma sanção suficiente, mas de uma multidão de Espíritos, e é isto que constitui a sua força, pois cada um pode receber a sua confirmação.

O tempo, como dizeis, far-lhe-á boa justiça? Para tanto seria preciso que deixasse de ser ensinada, isto é, que os Espíritos deixassem de existir e de se comunicarem em toda a Terra. Além disso, seria necessário que ela deixasse de ser lógica e de satisfazer às aspirações dos homens.

Acrescentais que esperais que eu reconheça o meu erro. Não penso nisso, e francamente não são os argumentos de vossa brochura que me farão mudar de opinião nem desertar do posto em que me colocou a Providência, no qual tenho todas as alegrias morais que um homem pode aspirar na Terra, vendo frutificar o que ele semeou. É uma felicidade muito grande e muito suave, eu vos asseguro, a vista dos homens que ela tornou felizes, de tantos homens arrancados do desespero, do suicídio, da brutalidade das paixões e reconduzidos ao bem. Uma só de suas bênçãos me paga largamente por todas as fadigas e insultos.

Ninguém tem o poder de me arrancar essa felicidade. Vós não reconheceis isto, porquanto queríeis tirá-la de mim. Eu a desejo para vós, de toda a minha alma. Tentai e vereis.

Senhor padre, eu vos dou o prazo de dez anos para ver o que então pensareis da doutrina.

Recebei, etc.

Allan Kardec


Extraímos a passagem seguinte de um artigo do Écho de Sétif, de 23 de julho de 1863, em resposta à brochura intitulada Le Budget du Spiritisme, da qual falamos na Revista Espírita de junho último.

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“Não demos tanta extensão à questão e, para melhor entendimento, procedamos por ordem:

“1º ─ Credes na imortalidade da alma e eu também. Ei-nos de acordo sobre este ponto.

“2º ─ Após a morte, enviais minha alma a Deus e eu também. Segundo ponto sobre o qual estamos de acordo.

“3º ─ Uma vez minha alma chegada a Deus, quereis que ela fique em presença de Deus, vá para o inferno ou, enfim, para o purgatório. São os três únicos lugares onde permitis que ela se movimente.

“Aqui não mais estamos de acordo. Eu creio que Deus permite que uma alma viaje por toda parte. Vós lhe circunscreveis o espaço, e eu o amplio.

“Dizei-me, leal e francamente, se pensais que vossa opinião é melhor fundada que a minha. Dizei-me por que Deus impediria que minha alma viajasse após a morte do meu corpo. Tendes alguma revelação a respeito? Tendes alguma prova tirada apenas de um raciocínio? Não o creio.

“Eu tenho uma: é o raciocínio que eu levo do conhecido para o desconhecido. Deus criou leis imutáveis, que jamais se contradizem. Ora, eu vejo em a Natureza, que me é conhecida, que tudo se move, que tudo se agita, que nada fica em repouso. Deus o quer assim.

“Apenas essa verdade que eu toco, que eu sinto, me basta para provar que o mesmo se dá com os mundos que desconheço. Por vosso lado, dizei-me por que quereis que seja diferente.

“Se não contestais que minha alma possa mover-se após a morte do corpo, se ela vive, se ela sente, se ela pode comunicar-se com alguma coisa, com alguém, dizei-me por que ela não poderá jamais comunicar-se com a vossa alma, ainda ligada ao vosso corpo. Dai-me uma razão, uma razão que tenha lógica, pois do contrário eu a repilo.

“Se disserdes que vossa inteligência se recusa a crer nisso, é uma razão que não admito, porque há milhões de coisas em que vossa inteligência se recusará a crer e que, entretanto, acreditareis depois de tê-las visto. Assim fez São Tomé.

“Eu só tenho um pedido a vos fazer. Não me importo com o que credes e não tenho nisto qualquer interesse, mas vos suplico que a ninguém insulteis sem necessidade.

“Seja qual for o vosso mérito, há homens, no Espiritismo, que valem tanto quanto vós valeis. Há os que querem ver, estudar, instruir-se; há os que viram coisas surpreendentes e lhes querem conhecer as causas antes de se pronunciarem. Pois bem! Fazei como eles: Estudai, tratai de encontrar, e depois, quando tiverdes encontrado, dai-nos a explicação clara e precisa do fenômeno. Eis o que valerá mais que expressões malsonantes. Tereis feito a Ciência dar um passo e acalmado as consciências alarmadas como a vossa. Eis, enfim, um belo papel a representar!

“Antes de terminar, façamos uma última pergunta ao Sr. Leblanc de Prébois:

“Ele vendeu sua brochura, ou a publicou apenas por amor à Humanidade?

“C...”

Esta obra é um relato puro e simples, sem comentários nem explicações, dos fenômenos mediúnicos produzidos pelo Sr. Home. Esses fenômenos são muito interessantes para quem quer que conheça o Espiritismo e possa compreendê-los, mas, sós, eles são pouco convincentes para os incrédulos, que não aceitando nem mesmo o que veem, ainda menos acreditam no que se lhes conta. É uma coleção de fatos, mais apropriada aos que sabem do que aos que não sabem, instrutiva para os primeiros, simplesmente curiosa para os últimos.

Nossa intenção não é examinar nem discutir aqui esses fatos que já foram tratados nos artigos publicados sobre o Sr. Home na Revista Espírita de fevereiro, março, abril e maio de 1858. Apenas diremos que a simplicidade do relato tem um cunho de verdade que não poderia ser ignorado e que, por nós, não temos motivo algum de suspeitar da sua autenticidade. O que se lhe pode reprochar é a monotonia e a ausência de qualquer conclusão, de qualquer dedução filosófica ou moral. São também muito frequentes as incorreções de estilo. A tradução, sobretudo em certas passagens, se afasta muito do espírito da língua francesa. Se a dúvida é a primeira impressão naquele que não se pode dar conta dos fatos, quem quer que tenha lido atentamente e compreendido as nossas obras, principalmente o Livro dos médiuns, reconhecerá ao menos a sua possibilidade, porque terá a sua explicação.

Como se sabe, o Sr. Home é um médium de efeitos físicos de enorme poder. Uma particularidade notável é que ele reúne a necessária aptidão para obter a maioria dos fenômenos desse gênero num grau de certo modo excepcional. Posto que a malevolência lhe tenha atribuído uma porção de fatos apócrifos, ridículos pelo exagero, resta muito para justificar a sua reputação. Sua obra terá sobretudo a grande vantagem de separar o verdadeiro do falso.

Os fenômenos que ele produz nos levam ao primeiro período do Espiritismo, ao das mesas girantes, também chamado da curiosidade, isto é, ao dos efeitos preliminares, que tinham por objetivo chamar a atenção sobre a nova ordem de coisas e abrir caminho ao período filosófico.

Essa marcha era racional, porque toda filosofia deve ser a dedução de fatos conscienciosamente estudados e observados e a que não repousasse senão sobre ideias puramente especulativos não teria base. A teoria deveria, pois, decorrer dos fatos, e as consequências filosóficas deveriam decorrer da teoria.

Se o Espiritismo se tivesse limitado aos fenômenos materiais, uma vez satisfeita a curiosidade, teria apenas tido uma voga efêmera. Tem-se a prova disso pelas mesas girantes, que tiveram o privilégio de divertir os salões apenas durante alguns invernos. Sua vitalidade estava apenas na sua utilidade. Assim, a extensão prodigiosa que ele adquiriu data da época em que entrou na via filosófica. Somente nessa época ele tomou lugar entre as doutrinas.

A observação e a concordância dos fatos conduziram à procura das causas; a procura das causas levou a reconhecer que as relações entre o mundo visível e mundo invisível existem em virtude de uma lei. Uma vez conhecida, essa lei deu a explicação de uma porção de fenômenos até então incompreendidos e reputados sobrenaturais antes de conhecidas as suas causas. Estabelecida a causa, esses fenômenos entraram na ordem dos fatos naturais, e desapareceu o maravilhoso.

A respeito disso, e com razão, pode-se criticar a qualificação de sobrenatural que o Sr. Home dá à sua vida, em sua obra. Outrora ele certamente teria passado por taumaturgo. Na Idade Média, se ele tivesse sido frade, tê-lo-iam feito santo, com o dom dos milagres; simples particular, teria passado por feiticeiro e teria sido queimado; entre os pagãos, dele teriam feito um deus e lhe teriam erguido altares. Mas, outros tempos, outros costumes. Hoje é um simples médium, predestinado, pelo poder de sua faculdade, a restringir o círculo dos prodígios, provando pela experiência que certos efeitos ditos maravilhosos não saem das leis da Natureza.

Certas pessoas temeram pela autenticidade de certos milagres ao vê-los caírem no domínio público. Partilhando, o Sr. Home, esse dom com uma multidão de outros médiuns que reproduzem esses fenômenos à vista de todo o mundo, realmente tornava-se impossível considerá-los como derrogações das leis da Natureza, caráter essencial dos fatos miraculosos, a menos que se admitisse que fosse dado ao primeiro que aparecesse, o poder de derrubar essas leis.

Mas, o que fazer? Não se pode impedir de ser aquilo que é; não se pode pôr debaixo do alqueire aquilo que não é privilégio de ninguém. É preciso resignar-se a aceitar os fatos consumados, assim como foram aceitos o movimento da Terra e a lei de sua formação. Se o Sr. Home tivesse sido o único no seu gênero, morto ele, poderiam negar o que ele fez, mas como negar fenômenos tornados vulgares pela multiplicidade e pela perpetuidade dos médiuns que surgem diariamente em milhares de famílias, em todos os pontos do globo? Ainda uma vez, de bom grado ou de mau grado, é preciso aceitar aquilo que é e aquilo que não se pode impedir.

Mas se certos fenômenos perdem prestígio do ponto de vista miraculoso, ganham-no em autenticidade. A incredulidade em relação aos milagres está na ordem do dia, é preciso convir, e a fé, por isto, estava abalada. Agora, em presença dos efeitos mediúnicos e graças à teoria espírita, que prova que tais efeitos estão em a Natureza, está demonstrada a possibilidade desses fenômenos e a incredulidade terá que se calar.

A negação de um fato arrasta à negação de suas consequências. Será melhor negar o fato considerado miraculoso do que admiti-lo como simples lei da Natureza? Então, as leis da Natureza não são obra de Deus? A revelação de uma nova lei não é prova de seu poder? Será Deus menor por agir em virtude de suas leis, do que as derrogando? Aliás, serão os milagres atributo exclusivo do poder divino? A própria Igreja não nos ensina que “falsos profetas, suscitados pelo demônio, podem fazer milagres e prodígios para seduzir até os eleitos?” Se o demônio pode fazer milagres, pode derrogar as leis de Deus, isto é, desfazer o que Deus fez, mas a Igreja não diz em parte alguma que o demônio possa fazer leis para reger o Universo. Ora, se os milagres podem ser feitos por Deus e pelo demônio, e se as leis são obra apenas de Deus, o Espiritismo, provando que certos fatos olhados como exceção, são aplicações das leis da Natureza, atesta, por isto mesmo, muito mais o poder de Deus do que os milagres, pois não atribui senão a Deus o que, na outra hipótese, poderia ser obra do demônio.

Dos fenômenos produzidos pelo Sr. Home ressalta outro ensinamento, e o seu livro vem em apoio ao que dissemos muitas vezes sobre a insuficiência das manifestações físicas apenas, para levar a convicção a certas pessoas. É um fato muito conhecido que muitas pessoas testemunharam as mais extraordinárias manifestações e nem por isso ficaram convencidos, porque não os compreendendo e não tendo base para assentar um raciocínio, julgaram ter visto charlatanices.

Seguramente, se alguém fosse capaz de vencer a incredulidade por efeitos materiais, este seria o Sr. Home. Nenhum médium produziu um conjunto de fenômenos mais empolgantes, nem em melhores condições de honestidade, contudo, bom número dos que o viram à obra ainda agora o tratam como hábil prestidigitador. Para muitos, ele faz coisas muito curiosas, mais curiosas que Robert Houdin, e eis tudo. Parecia, entretanto, que em presença de fatos tão brilhantes, tornados notórios pelo número e pela qualidade das testemunhas, que toda negação seria impossível e que a França em massa seria convertida. Quando esses fenômenos só ocorriam na América, rejeitavam-nos, dada a impossibilidade de vê-los. O Sr. Home veio mostrá-los ao escol social, e nesta sociedade ele encontrou mais curiosos do que crentes, posto desafiasse toda suspeita baseada no charlatanismo.

O que faltava, pois, a tais manifestações para convencer? Faltava-lhes a chave para serem compreendidas. Hoje não há um espírita que tenha estudado seriamente a ciência, que não admita os fatos citados no livro do Sr. Home, sem tê-los visto, ao passo que entre os que os viram há mais de um incrédulo. Isto demonstra que o que fala ao espírito e se apoia no raciocínio tem uma força de convicção não possuída pelo que só fala aos olhos.

Segue-se que a vinda do Sr. Home foi inútil? Certamente não. Dissemos e repetimos que ele apressou a eclosão do Espiritismo na França, pelo brilho que ele lançou sobre os fenômenos, mesmo entre os incrédulos, provando que eles não são cercados de mistérios nem das fórmulas ridículas da magia, e que se pode ser médium sem ter ares de feiticeiro.

Enfim, pela repercussão que o seu nome e o mundo que frequentou deram à coisa, sua vinda foi muito útil, quando mais não fosse para dar ao Sr. Oscar Comettant oportunidade para falar e redigir o espirituoso artigo que se conhece, para o qual só faltou ao autor conhecer o que criticava, exatamente como alguém que nada sabendo de música quisesse criticar Mozart ou Beethoven.

(Vide o relato da obra do Sr. Home pelo Sr. Comettant, no Siècle de 15 de julho de 1863, e algumas palavras nossas sobre esse artigo, na Revista Espírita de agosto seguinte).


Pregados na Catedral de Metz, a 27, 28 e 29 de maio de 1863, pelo Rev. Pe. Letierce, da Companhia de Jesus, refutados por um espírita de Metz e precedidos de considerações sobre a loucura espírita.[1]

Posto não conheçamos pessoalmente o autor deste opúsculo, podemos dizer que é obra de um espírita esclarecido e sincero. Estamos contentes por ver a defesa do Espiritismo tomada por mãos hábeis, que sabem aliar a força do raciocínio à moderação, que é o apanágio da verdadeira força.

Os argumentos dos adversários aí são combatidos com uma lógica à qual não sabemos qual outra poderia ser oposta, porque só há uma lógica séria, aquela cujas deduções não deixam lugar a réplica, e achamos que a do autor está neste caso.

Sem dúvida, certo ou errado, sempre se pode replicar, pois há criaturas para as quais nunca se diz a última palavra, mesmo que se trate de lhes provar que há sol ao meio-dia. Mas não é com esses que se trata de ter razão. Pouco importa que eles estejam ou não convencidos de seu erro. Também não é a esses que a gente se dirige, mas ao público, juiz em última instância das causas boas ou más. Há no espírito das massas um bom-senso que pode falhar nos indivíduos isolados, mas cujo conjunto é como a resultante das forças intelectuais e do senso comum.

A brochura de que se trata, em nossa opinião, reúne as vantagens do fundo e da forma, isto é, à justeza do raciocínio alia a correção e a elegância do estilo, que jamais deterioram coisa alguma e tornam a leitura de qualquer escrito mais atraente e mais fácil. Não duvidamos que esse escrito seja acolhido por todos os espíritas com a simpatia que merece. Nós o recomendamos com toda a confiança e sem restrições. Contribuindo para a sua expansão, prestarão serviço à causa.



[1] Brochura in-12. Preço 1 franco; pelo correio 1,10 franco. Paris: Didier, Quai des Augustins, 35; Ledoyen: PalaisRoyal; Metz: Linden, Rua Pierre-Hardie, 1.





Dissertações espíritas

(Sociedade Espírita de Paris, 31 de julho de 1863 - Médium: Sra. Costel)

Eis-me, então, ainda no teatro do mundo, eu que me via para sempre enterrada no meu véu de inocência e de juventude. O fogo da Terra salvou-me do fogo do inferno: assim pensava em minha fé católica e, se não ousava entrever os esplendores do paraíso, minha alma trêmula se refugiava na expiação do purgatório e eu orava, eu sofria, eu chorava. Mas quem dava à minha fraqueza a força de suportar as angústias? Quem, nas longas noites de insônia e de febre dolorosa, se debruçava sobre meu corpo de mártir? Quem me refrescava os lábios secos? Éreis vós, meu anjo guardião, cuja auréola branca me rodeava; éreis também vós, caros Espíritos amigos, que vínheis murmurar em meu ouvido palavras de esperança e de amor.

A chama que consumiu meu débil corpo despojou-me do apego ao que passa; assim, morri já viva da verdadeira vida. Não conheci a perturbação e entrei serena e recolhida no dia radioso que envolve os que, depois de muito sofrimento, esperaram um pouco. Minha mãe, minha cara mãe, foi a última vibração terrena que ressoou em minha alma. Como eu gostaria que ela fosse espírita!

Destaquei-me da árvore terrena como um fruto temporão. Ainda não tinha aflorado para o demônio do orgulho que fere as almas das infelizes arrastadas pelo sucesso brilhante e pela ebriez da juventude. Bendigo a chama; bendigo os sofrimentos; bendigo a prova, que era uma expiação. Semelhante a esses leves fios brancos do outono, flutuo arrastada na corrente luminosa. Já não são as estrelas de diamante que brilham em minha fronte, mas as estrelas de ouro do bom Deus.

NOTA: Nossa intenção tinha sido evocar nessa sessão esse Espírito, ao qual sabíamos que muitos dentre nós eram simpáticos. Razões particulares nos haviam levado a adiar essa evocação, da qual não havíamos falado a ninguém. Mas, sem dúvida atraído por nosso pensamento e pelo de vários membros, esse Espírito veio espontaneamente, sem ser chamado, ditar a encantadora comunicação acima.


(Sociedade Espírita de Paris, 31 de julho de 1863 - Médium: Sr. A. Didier)

A religião católica nos mostra o purgatório como um lugar onde a alma, sofrendo terríveis expiações, alivia suas faltas e reivindica, pouco a pouco, pela dor, seus direitos ao sol da vida eterna. Imagem esplêndida, a mais perfeita, a mais verdadeira da grande trindade dogmática do inferno, do purgatório e do paraíso! Malgrado suas severidades desesperadoras, compreendeu a Igreja que era preciso um meio-termo entre a danação eterna e a felicidade eterna. Ela confundiu, entretanto, nesse estranho conjunto, o tempo infinito e progressivo, que é apenas um, com três situações limitadas e incompreensíveis.

À religião, ou antes, ao ensino inteiramente humanitário e progressivo do Cristo, o Espiritismo adiciona os meios de realizar esta humanidade ideal. Nos desvios filosóficos de nossa época, há mais de um germe espírita, e tal filósofo céptico que não aconselha para a felicidade definitiva da Humanidade senão o afastamento e a destruição de toda crença humana e divina, trabalha mais do que se pensa para a tendência universal do Espiritismo. Entretanto, é uma via em que o Céu aparece pouco; na qual a existência futura quase não aparece, mas onde pelo menos a tranquilidade material, e por assim dizer egoística desta vida, é compreendida com a clareza do legislador e, senão do santo, pelo menos de um filantropo humanitário.

Ora, tratar-se-ia de saber se, no estado latente, por assim dizer, da vida extracorpórea, e que poderia ser chamada intravital, tratar-se-ia de saber se, com a medida de conhecimentos e de sagacidade clarividente que possuem os Espíritos superiores, o progresso universal é tão eficaz quanto o progresso terreno.

Esta questão, fundamental para o Espiritismo, até o presente tem sido bem pouco resolvida, com respostas sobre detalhes. Como diz a Igreja, não é mais apenas um lugar de expiação, mas é um foco universal onde justamente as almas que aí circulam receiam com angústia ou aceitam com esperança as existências que se lhes desvelam.

Aí está, segundo nós, apenas o começo do que se chama o purgatório, e a erraticidade, essa fase importante da vida da alma, não nos parece de modo algum explicada, nem mesmo mencionada pelos dogmas católicos.

LAMENNAIS

(Grupo de Orleans - Médium: Sr. De Monvel)

De todas as virtudes de que o Cristo nos deixou o adorável exemplo, nenhuma foi mais indignamente esquecida pela triste Humanidade do que a castidade. Eu não falo apenas da castidade do corpo, de que certamente ainda se encontrariam nume rosos exemplos, mas dessa castidade da alma, que jamais concebeu um pensamento, deixou escapar uma palavra de natureza a infamar a pureza da virgem ou da criança que a escuta.

O mal é tão universal, e as ocasiões de perigo tão multiplicadas, que os pais, mesmo os mais verdadeiramente castos, em seus atos como em suas palavras, não podem escapar à dolorosa certeza que seus filhos não poderão, façam o que fizerem, subtrair-se ao funesto contágio. É-lhes necessário, por maior que seja a repugnância por isto experimentada, resignar-se, eles mesmos, a abrir os olhos dessas inocentes criaturas, ao menos para preservá-las do perigo físico, pois é absolutamente impossível preservá-las do perigo moral. Muitas vezes, ainda, quando julgarem ter desviado o perigo, aparece algum escolho de cuja existência eles não haviam suspeitado, e sobre o qual vem arrebentar-se a pobre e inocente criança que seu amor não pôde preservar da sujeira do vício.

Quantas palavras imprudentes, mesmo na mais seleta sociedade; quantas imagens e descrições, mesmo nos mais sérios livros, não vêm, sem que os pais o saibam, despertar, excitar e até satisfazer completamente essa curiosidade ávida, tão temível, da criança que não tem consciência do perigo! Se o mal é difícil de evitar, mesmo nas classes mais esclarecidas da Sociedade, que dizer das classes inferiores? Supondo que uma criança tenha tido a felicidade de escapar a isso no lar, como preservá-la desse inevitável contato com os vícios que a acotovelam diariamente?

Eis aí uma chaga muito profunda e perigosa, da qual todo homem que conservou o senso moral no fundo do coração, deve sentir a mais imperiosa necessidade de libertar a Sociedade.

O mal está arraigado em nossos corações, e muito tempo se escoará ainda antes que cada um de nós se tenha tornado suficientemente puro para apenas lhe suspeitar a gravidade.

Alguém que acreditaria cometer uma falta séria se se permitisse, diante de uma criança, a menor palavra de duplo sentido, se rodeado por pessoas maduras, sentirá prazer nas piadas obscenas ou triviais que, diz ele, não fazem mal a ninguém. Ele não vê que a obscenidade é um mal tão imoral que mancha tudo o que toca, mesmo o ar, cujas vibrações levarão longe o contágio.

Diz-se que as paredes têm ouvidos, e se esta imagem alguma vez foi verdadeira, é verdadeira sobretudo em semelhante matéria.

A pura e santa castidade só estabelecerá definitivamente seu reino na Terra quando toda criatura que pensa e fala tiver compreendido que jamais deve, em qualquer circunstância, escrever ou pronunciar uma palavra que a virgem mais pura não possa ouvir sem corar.

Direis que não tendes filhos e que não há uma só criança em vossa casa, e por isso não tendes nenhuma razão, no vosso entender, para vos constrangerdes. Entretanto, se vós mesmos fôsseis puros, não seríeis obrigados a vos constrangerdes. Não tendes amigos que vos escutam, que o vosso exemplo excita e que, ante os filhos que não conheceis, poderão perder a reserva que um resto de pudor lhes havia feito observar até então? Depois, é quase sempre às refeições que vosso espírito se deixa arrastar em tiradas que provocam o riso dos convivas, mas não vedes os criados que vos rodeiam, e que o vizinho tem filhos? Não conheceis nem esse vizinho nem seus filhos, e jamais sabereis o mal de que fostes a causa. Mas o mal, venha de onde vier, será sempre punido, ficai certos. Não só as paredes têm ouvidos: há no ar que respirais coisas que ainda não conheceis ou que não quereis conhecer.

Ninguém tem o direito de exigir de seus subalternos uma virtude que não pratica nem possui.

Uma única palavra impura basta para alterar a pureza de uma criança. Uma única criança impura introduzida numa casa de educação pública basta para gangrenar toda uma geração de crianças, que mais tarde tornar-se-ão homens. Há um só homem sensato que ponha em dúvida a verdade patente e dolorosa deste fato?

Ninguém duvida, ninguém ignora toda a extensão do mal que uma só palavra pode ocasionar, contudo, ninguém se julga obrigado a essa castidade da alma que revolta todo pensamento obsceno, por mais disfarçado que seja, e mesmo, em certas circunstâncias, ninguém olha como estrita obrigação moral abster-se de pilhérias que deviam fazê-lo corar, se não sentisse orgulho em não corar. Triste e vergonhoso orgulho!

Não é só a castidade que deveríamos respeitar nas crianças, é também essa delicada candura a quem toda ideia de falsidade faz subir o sangue ao rosto, e essa virtude é também muito rara. Mas quando se observa como é elevada a imensa maioria de nossos filhos, não nos devemos admirar muito. Para a maioria dos pais, os filhos, sobretudo em tenra idade, quase que não passam de bonequinhas, com as quais se divertem, como se com um brinquedo. O que as torna tão divertidas é que sua ingênua credulidade permite enganá-las de manhã à noite com pequenas mentiras julgadas inocentes porque são feitas sem qualquer maldade e unicamente para rir, como se diz. Ora, em sua verdadeira acepção, inocente significa que não prejudica. Mas, que há de mais nocivo, ao contrário, à candura de uma criança, que esses pequenos abusos de confiança incessantes, ante os quais ela é inocente um instante, mas um instante só, no qual se ri, e depois se diverte e acha o maior prazer em imitar logo que pode?

Disso resulta muitas vezes que a criança mais cândida aprende a enganar tão depressa quanto aprende a falar, e que, ao cabo de pouco tempo, é capaz de dar lições aos seus mestres.

Quase que não se suspeita quanto, sobretudo nessa idade, por vezes uma causa insignificante pode, mais tarde, dar lugar a deploráveis resultados. Os órgãos da inteligência, nas crianças muito jovens, são como cera mole, apta a receber a moldagem do mais fraco objeto que a toca. Mesmo por um instante, ocorre a deformação, e quando esta cera, a princípio tão fluída, vier a endurecer, a impressão ficará inapagável. Pode-se crer que ela seja encoberta por outras, mas é um erro, porque só a marca primitiva ficará indelével e, ao contrário, as impressões ulteriores é que deixarão um traço fugidio, sob o qual a primeira aparecerá sempre.

Eis o que bem poucos jovens pais são capazes de sentir com bastante força para transformar em regra de conduta com os filhos, e o que é necessário repetir para eles continuadamente.

CÉCILE MONVEL


(Thionville, 25 de dezembro de 1862 - Médium: Dr. R...)

Nós vos demos a entrever a aurora da regeneração humana. Deveis nisto, como em toda a marcha da Humanidade através das idades, ver o dedo de Deus.

Dissemos muitas vezes que tudo quanto se passa aqui embaixo, como tudo o que acontece no Universo inteiro, está submetido a uma lei geral, a do progresso.

Inclinai-vos ante ela, soberbos e orgulhosos que pretendeis colocar-vos acima dos desígnios do Altíssimo! Buscai por toda parte a causa de vossas desgraças, como de vossos deleites, e aí reconhecereis sempre o dedo de Deus.

Mas, direis vós, então o dedo de Deus é o fatalismo! Ah! Guardai-vos de confundir essa palavra ímpia com as leis que a Providência vos impôs, a Providência que vos deve ter deixado o livre-arbítrio para vos deixar, ao mesmo tempo, o mérito de vossos atos, mas que lhes tempera o rigor por essa voz, tantas vezes ignorada, que vos adverte do perigo a que vos expondes.

O fatalismo é a negação do dever, porque, sendo nossa sorte fixada previamente, não nos cabe mudá-la.

Em que se tornaria o mundo com esta horrível teoria, que abandonaria os homens às pérfidas sugestões das piores paixões? Onde estaria o objetivo da criação? Onde estaria a razão de ser da ordem admirável que reina no Universo?

Ao contrário, o dedo de Deus é a punição sempre suspensa sobre a cabeça do culpado; é o remorso que lhe rói o coração, censurando-lhe os crimes a cada momento; é o horrível pesadelo que tortura durante longas noites sem sono; é essa impressão sangrenta que o segue em todos os lugares, como para reproduzir aos seus olhos, incessantemente, a imagem de seus desacertos; é a febre que atormenta o egoísta; são as angústias perpétuas do mau rico, que vê em todos os que se lhe aproximam espoliadores dispostos a lhe roubar um bem mal adquirido; é a dor que ele experimenta em sua última hora por não poder levar seus tesouros inúteis!

O dedo de Deus é a paz do coração, reservada ao homem justo; é o suave perfume que vos enche a alma após uma boa ação; é esse doce prazer que se experimenta sempre ao fazer o bem; é a bênção do pobre que se assiste; é o doce olhar de uma criança cujas lágrimas enxugamos; é a prece fervorosa da pobre mãe a quem se proporcionou o trabalho que deve arrancá-la da miséria; numa palavra, é o contentamento consigo mesmo.

O dedo de Deus, enfim, é a justiça grave e austera, temperada pela misericórdia! O dedo de Deus é a esperança, que não abandona o homem em seus mais cruéis sofrimentos; que o consola sempre, e que deixa entrever ao mais criminoso, a quem o arrependimento tocou, um recanto da morada celeste, do qual se julgava expulso para sempre!



Espírito Familiar


(Thionville - Médium: Dr. R...)

Disse um poeta:

“Só é belo o verdadeiro; só o verdadeiro é agradável.”

Reconhecei neste verso uma das mais belas inspirações jamais dadas ao homem. O verdadeiro é a linha reta; o verdadeiro é a luz, cujo esplendor não precisa ser velado para homens justos cujo espírito é maravilhosamente disposto para compreender seus imensos benefícios. Por que, na nossa Sociedade atual, a luz tantocusta para ser percebida pela maioria? Por que o ensino da verdade é cercado de tantos obstáculos? É que até agora a Humanidade não fez progressos bastante significativos, desde a origem do Cristianismo. Desde o Cristo, que teve que velar seus ensinamentos sob a forma de alegorias e parábolas, todos os que tentaram propagar a verdade não foram mais escutados que seu divino Mestre. É que a Humanidade devia progredir com uma sábia lentidão, para que a marcha fosse mais segura. É que ela necessitava de um longo noviciado para tornar-se apta a se conduzir por si mesma.

Mas tranquilizai-vos! O sol da regeneração, há muito na sua aurora, não tardará a espargir sobre vós sua ofuscante claridade. A verdadeira luz vos aparecerá, e sua influência benfazeja estender-se-á a todas as classes sociais. Quantos, então, admirar-se-ão por não terem acolhido mais cedo esta verdade, que data da mais alta Antiguidade, e que um sentimento de orgulho lhes fez sempre contorná-la sem vêla!

Ao menos desta vez não tereis que sofrer nenhum desses horríveis cataclismos que parecem outras tantas balizas destinadas a marcar, através dos séculos, a marcha da verdadeira luz. Melhor instruídos, os homens compreenderão que os desmoronamentos que deixam após si uma esteira de fogo e sangue não se enquadrariam hoje nos nossos costumes, abrandados pela prática da caridade. Eles compreenderão, enfim, o alcance das palavras sublimes, outrora proferidas pelo Cristo: “Paz aos homens de boa vontade!”

Não haverá outra guerra senão a que será feita às paixões más. Todos reunirão suas forças para expelir o espírito do mal, cujo reino desastroso apenas deteve longamente o avanço da civilização. Todos se deterão na certeza de que a verdadeira luz é a única conquista legítima; a única a que legitimamente devem doravante ambicionar; a única que poderá conduzi-los à felicidade.

À obra, pois, vós que sustentais a bandeira do progresso! Não temais arvorá-la alta e firme, para que de todos os recantos do globo os homens possam acorrer e pôr-se sob sua égide. Pedi ao nosso Pai celeste a força e a energia que vos são indispensáveis para esta grande obra, e se aqui na Terra não puderdes gozar da felicidade de vê-la realizada, que ao menos, ao morrer, leveis a convicção de que vossa existência foi útil a todos, e que a mais doce recompensa vos espera entre nós: a alegria de ter cumprido vossa missão para a maior glória de Deus.

ESPÍRITO FAMILIAR.





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