Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

(Sociedade Espírita de Paris, 19 de junho de 1863 - Médium: Sr. Vézy)

NOTA:Esta comunicaç&o foi dada a propósito de uma senhora cega, presente à sessão.


Meus bons amigos, não venho muito ao vosso meio, mas hoje eis-me aqui. Por isso dou graças a Deus e aos bons Espíritos que vêm ajudar-vos a marchar pelo novo caminho. Porque me chamastes? Para impor as mãos sobre a pobre sofredora que aqui está e curá-la? E que sofrimento, bom Deus! Ela perdeu a visão e as trevas se fizeram para ela!... Pobre filha! Que ore e espere! Não sei fazer milagres sem a vontade do bom Deus. Todas as curas que pude obter, e que vos foram relatadas, só as atribuais àquele que é pai de todos. Nas vossas aflições, olhai sempre para o céu e dizei do fundo do coração: “Meu pai, curai-me, mas fazei que minha alma seja curada antes das enfermidades do corpo. Que minha carne seja castigada, se preciso, para que minha alma se eleve para vós com a alvura que tinha quando a criastes!” Depois dessa prece, meus boníssimos amigos, que o bom Deus ouvirá sempre, a força e a coragem vos serão dadas, e talvez também a cura que pedistes timidamente, em recompensa de vossa abnegação carnal.

Mas, já que aqui estou, numa assembleia onde se trata, antes de tudo, de estudar, dir-vos-ei que os privados da visão deveriam considerar-se como bemaventurados da expiação. Lembrai-vos que o Cristo disse ser preciso arrancar o vosso olho, se fosse mau, e que mais valia lançá-lo ao fogo do que ser causa de vossa danação. Então! Quantos há em vossa Terra que um dia, nas trevas, maldirão terem visto a luz! Oh! sim, como são felizes os que são feridos na expiação pela visão! Seu olho não lhes será motivo de escândalo e de queda. Eles podem viver inteiramente a vida da alma. Eles podem ver mais que vós que vedes claro... Quando Deus me permite abrir as pálpebras de alguns desses pobres sofredores e lhes dar a vossa luz, eu me digo: “Querida alma, por que ela não conhece todas as delícias do Espírito que vive de contemplação e de amor? Ela não pediria para ver imagens menos puras e menos suaves que aquelas que lhe é dado ver em sua cegueira.”

Oh! sim, bem-aventurado o cego que quer viver com Deus! Mais feliz que vós que aqui estais, ele sente a felicidade e a toca. Ele vê as almas e com elas pode lançar-se às esferas espíritas, que nem os predestinados de vossa Terra podem ver.

O olho aberto está sempre pronto a fazer a alma falir. O olho fechado, ao contrário, está sempre pronto a fazê-la subir para Deus. Crede-me, meus bons e caros amigos, a cegueira dos olhos é, muitas vezes, a verdadeira luz do coração, ao passo que a visão é, por vezes, o anjo tenebroso que conduz à morte.

E agora, algumas palavras a ti, minha pobre sofredora. Espera e tem coragem! Se eu te dissesse: “Minha filha, teus olhos vão se abrir”, como ficarias contente! E quem sabe se essa alegria não te perderia? Tem confiança no bom Deus que fez a felicidade e permite a tristeza. Farei tudo quanto me for permitido por ti, mas, por tua vez, ora e sobretudo pensa em tudo quanto acabo de dizer.

Antes de me afastar, vós que aqui estais, recebei minha bênção, meus bons amigos. Eu a dou a todos: aos loucos, aos sábios, aos crentes e aos infiéis desta assembleia. Que ela sirva a cada um de vós.

VIANNEY, cura d’Ars.



OBSERVAÇÃO: Perguntamos se esta é a linguagem do demônio e se se ofende ao cura d’Ars atribuindo-lhe tais pensamentos. Uma camponesa sem instrução, sonâmbula natural, que vê os Espíritos muito bem, tinha vindo à sessão e estava em sonambulismo. Ela não conhecia o cura d’Ars, nem mesmo de nome, entretanto o viu ao lado do médium e fez o seu retrato perfeitamente exato.


(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS. MÉDIUM: SRA. COSTEL)

O arrependimento sobe a Deus; e lhe é mais agradável que o fumo dos sacricios e mais precioso que o incenso espalhado nos recintos sagrados. Semelhante às tempestades que varam o ar, purificando-o, o arrependimento é um sofrimento fecundo, uma força reativa e atuante. Jesus santificou sua virtude, e as lágrimas de Madalena se espalharam como orvalho sobre os corações endurecidos que ignoravam a graça do perdão. A soberana virtude proclamou o poder do arrependimento e os séculos repercutiram, enfraquecendo-o, a palavra do Cristo.

E chegada a hora em que o Espiritismo deve rejuvenescer e vivificar a essência mesma do cristianismo. Assim, por toda parte e para sempre, apagai a cruel sentença que despoja a alma culpada de toda esperança. O arrependimento é uma virtude militante, uma virtude viril, que só os Espíritos adiantados ou os corações ternos podem sentir. O pesarmomentâneo e causticante de uma falta não arrasta consigo a expiação que dá o conhecimento da justiça de Deus, justiça rigorosa em suas conclusões, que aplica a lei de Talião à vida moral e física do homem e o castiga pela lógica dos fatos, todos decorrentes do bom ou mau uso do livre arbítrio.

Amai aos que sofrem e assisti o arrependimento, que é a expressão e o sinal que Deus imprimiu na sua criatura inteligente, para a elevar e aproximar de. si.


João, Discípulo




(Sociedade Espírita de Paris, 26 de dezembro de 1862 - Médium: Sr. D'Ambel)

NOTA: Esta comunicação foi dada a propósito de um relatório feito à Sociedade sobre as novas sociedades espíritas, que se formam em toda a parte, na França e no estrangeiro.

Hoje o progresso se manifesta de maneira muito estrepitosa na crença nas doutrinas regeneradoras que trazemos ao vosso mundo, para que doravante seja necessário comprová-lo. Cego é quem não vê a marcha triunfante de nossas ideias! Quando os homens eminentes, pertencentes às funções mais liberais, gente de ciência e de estudo, médicos, filósofos e jurisconsultos se lançam resolutamente à busca da verdade nas novas vias abertas pelo Espiritismo; quando a classe militante aí vem buscar consolações e novas forças, quem, entre os humanos, julgar-se-ia bastante forte para opor uma barreira ao desenvolvimento desta nova ciência filosófica? Ultimamente dizia Lamennais, nesse estilo conciso e eloquente a que vos habituastes, que o futuro estava no Espiritismo. Hoje tenho o direito de exclamar: Não está aí um fato consumado?

Com efeito, a estrada torna-se larga; o regato de ontem transforma-se em rio e, a partir dos vales transpostos, seu curso majestoso rir-se-á das magras comportas e das tardias barricadas que alguns ribeirinhos atrasados procurarão construir a fim de entravar a sua marcha para o grande oceano do Infinito. Pobre gente! A corrente vos arrastará, e em breve vos ouviremos gritar, também vós: “É verdade! A Terra gira!” Se as ondas de sangue derramado nas Américas não chamassem a atenção de todos os pensadores sérios e de todos os amigos da paz cujo coração sangra ao relato dessas lutas sangrentas e fratricidas; se as nações mal estabelecidas não buscassem em todo o seu território encontrar sua base normal; se as aspirações de todos, enfim, não tendessem para o melhoramento moral e material há tanto tempo procurado, poder-se-ia negar a utilidade dos cataclismos morais anunciados por alguns Espíritos iniciadores. Mas todos esses sinais característicos são muito evidentes para que se não reconheça a necessidade, a urgência de um novo farol que ainda possa salvar o mundo em perigo.

Outrora, quando o mundo pagão, minado pela mais completa desmoralização, vacilava em sua base, de todos os lados vozes proféticas anunciavam a próxima vinda de um redentor. Desde alguns anos não tendes ouvido, ó espíritas, as mesmas vozes proféticas? Ah! Eu sei. Nenhum dentre vós esqueceu. Então, tende certeza de que o tempo é chegado, e gritemos juntos, como outrora na Judeia: “Glória a Deus no mais alto dos céus!”

“ERASTO''

(Sociedade Espírita de Paris, 19 de junho de 1863 - Médium: Sr. Alfred)


Os séculos de transição na História da Humanidade assemelham-se a vastas planícies semeadas de monumentos misturados confusamente, sem harmonia, e a harmonia mais pura, mais justa, está no detalhe, e não no conjunto. Os séculos abandonados pela fé e pela esperança são páginas sombrias em que a Humanidade, trabalhada pela dúvida, se consome surdamente em civilizações refinadas, para chegar a uma reação que as mais das vezes as arrastava para substituí-las por outras civilizações.

Os pesquisadores do pensamento, mais que os cientistas, em nossa época e num ecletismo racional, aprofundam esses misteriosos encadeamentos da História, essas trevas, essa uniformidade, lançadas como nevoeiro e nuvens espessas sobre civilizações ainda há pouco férteis e vivazes. Estranho destino dos povos! É quase ao nascer do Cristianismo, é nas cidades mais opulentas, sedes dos maiores bispados do Oriente e do Ocidente, que começam as devastações da decadência. É em meio à própria civilização, ao esplendor inteligente das Artes, das Ciências, da Literatura e dos sublimes ensinamentos do Cristo, que começa a confusão de ideias e as dissensões religiosas. É no próprio berço da Igreja romana, orgulhosa e ensoberbecida com o sangue dos mártires, que a heresia gerada pelos dogmas supersticiosos e pelas hierarquias eclesiásticas desliza como serpe iminente, para morder o coração da Humanidade e lhe infiltrar nas veias, em meio às desordens políticas e sociais, o mais terrível e o mais profundo de todos os flagelos: a dúvida.

Desta vez a queda é imensa. A apatia religiosa dos padres, unida aos heresiarcas fanáticos, tira toda a força à política, todo amor ao país, e a Igreja do Cristo torna-se humana, mas não mais humanitária. É inútil aqui, creio eu, comparar os relatos apavorantes dessa época com a nossa. Vivendo simultaneamente com as tradições do Cristianismo e com a esperança do futuro, as mesmas comoções sacodem a nossa velha civilização; as mesmas ideias se dividem, e a mesma dúvida atormenta a Humanidade, sinais precursores da renovação social e moral que se prepara.

Ah! Orai, espíritas. Vossa época atormentada e blasfema é uma rude época, que os Espíritos vêm instruir e encorajar.

LAMENNAIS

(Grupo espíritas de Sétif, Argélia)

Muitas vezes vos admirais ao ver faculdades mediúnicas, físicas ou morais que em vossa opinião deveriam ser prova de mérito pessoal, em criaturas que, pelo caráter moral, estão colocadas abaixo de semelhante favor. Isto se deve à falsa ideia que fazeis das leis que regem tais coisas, e que quereis considerar como invariáveis. O que é invariável é o objetivo. Os meios variam ao infinito, para que seja respeitada a vossa liberdade. Este possui uma faculdade; aquele, outra; um é levado pelo orgulho, outro pela cupidez, e um terceiro pela fraternidade. Deus emprega as faculdades e as paixões de cada um, utiliza-as em suas esferas respectivas, e do próprio mal sabe fazer sair o bem. Os atos dos homens, que vos parecem tão importantes, para ele nada são. É a intenção que, aos seus olhos, faz o mérito ou o demérito. Feliz, pois, aquele que é guiado pelo amor fraterno.

A Providência não criou o mal. Tudo foi feito em vista do bem. O mal só existe pela ignorância do homem e pelo mau uso que este faz das paixões, das tendências, dos instintos adquiridos no contato com a matéria. Grande Deus! Quando tu lhe tiveres inspirado a sabedoria para ter em mãos a direção desse poderoso móvel ─ a paixão ─ quantos males desaparecerão! Quanto bem resultará dessa força, da qual hoje ele não conhece senão o lado mau, que é sua obra! Oh! Continuai ardentemente a vossa obra, meus amigos! Que, enfim, a Humanidade entreveja a rota na qual deve pôr o pé, a fim de atingir a felicidade que lhe é dado adquirir nesta Terra!

Não vos admireis se as comunicações que vos dão os Espíritos elevados, inteiramente apoiadas na moral do Salvador, vo-la confirmando e a desenvolvendo, vos oferecem tantos pontos de contacto e de similitude com os mistérios dos Antigos. É que os Antigos tinham a intuição das coisas do mundo invisível e do que deveria acontecer e que diversos tinham por missão preparar os caminhos.

Observai e estudai com cuidado as comunicações que recebeis; aceitai o que a razão não recusa; repeli o que a choca; pedi esclarecimentos sobre as que vos deixam na dúvida. Tendes aqui a marcha a seguir para transmitir às gerações futuras, sem medo de vê-las desnaturadas, as verdades que separareis sem esforço de seu cortejo inevitável de erros.

Trabalhai, tornai-vos úteis aos vossos irmãos e a vós próprios. Não podeis prever a felicidade que o futuro vos reserva pela contemplação de vossa obra.

SANTO AGOSTINHO

OBSERVAÇÃO: Esta comunicação foi obtida por um jovem, médium sonâmbulo iletrado. Foi-nos enviada pelo Sr. Dumas, negociante em Sétif, membro da Sociedade Espírita de Paris, que informa que o sensitivo ignora o sentido da maioria das palavras e nos transmite o nome de dez pessoas notáveis, presentes à sessão. Os médiunsiletrados que recebem comunicações acima de seu alcance intelectual são muito numerosos. Mostraram-nos há pouco uma página verdadeiramente notável, recebida em Lyon, por uma senhora que não sabe ler nem escrever e não sabe uma palavra do que escreve; seu marido, que é quase como ela, o decifra por intuição, no correr da sessão, mas no dia seguinte isto lhe é impossível. As outras pessoas a lêem sem muita dificuldade. Não está aí a aplicação das palavras do Cristo: “Vossas mulheres e vossas filhas profetizarão e farão prodígios?Não é um prodígio escrever, pintar, desenhar, fazer música e poesia que não se o sabe? Pedis sinais materiais? Ei-los. Dirão os incrédulos que é efeito da imaginação? Se o fosse, haveria que convir que tais pessoas têm a imaginação na mão e não no cérebro. Ainda uma vez, uma teoria só é boa com a condição de explicar todos os fatos. Se um só a contradisser, é que é falsa ou incompleta.




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