Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Instruções dos Espíritos

(Paris, 14 de agosto de 1863)

“A luta vos espera, meus caros filhos. Eis por que vos convido a todos a imitar os lutadores antigos, isto é, a cingir os rins. Os próximos anos são plenos de promessas, mas também de ansiedades. Não venho dizer: Amanhã será o dia da batalha! Não, porque a hora do combate ainda não está fixada, mas venho advertirvos, a fim de que estejais prontos para todas as eventualidades.

“Até agora o Espiritismo só encontrou uma rota fácil e quase florida, porque as injúrias e as troças que vos dirigem não têm nenhum alcance sério e ficaram sem efeito, ao passo que de agora em diante os ataques que forem dirigidos contra vós terão um caráter totalmente diverso: eis que vem a hora em que Deus apelará a todos os devotamentos, em que vai julgar seus servidores fiéis, para dar a cada um a parte que tiver merecido.

“Não sereis martirizados fisicamente, como nos primeiros tempos da Igreja; não erguerão fogueiras homicidas, como na Idade Média, mas vos torturarão moralmente; levantarão embustes; armarão ciladas, tanto mais perigosas quanto usarão mãos amigas; agirão na sombra e recebereis golpes, sem saber por quem são vibrados, e sereis feridos em pleno peito pelas flechas envenenadas da calúnia.

“Nada faltará às vossas dores; suscitarão defecções em vossas fileiras, e supostos espíritas, perdidos pelo orgulho e pela vaidade, exibirão a sua independência, exclamando: ‘Somos nós que estamos no reto caminho!’

“Tentarão semear joio entre os grupos, provocando a formação de grupos dissidentes; captarão os vossos médiuns, para fazê-los entrar num mau caminho e para desviá-los dos grupos sérios; empregarão a intimidação para uns e o fascínio para outros; explorarão todas as fraquezas. Depois, não esqueçais que alguns viram no Espiritismo um papel a desempenhar, e um importante papel, e que hoje experimentam mais de uma desilusão em sua ambição. Prometer-lhes-ão encontrar de um modo, o que de outro modo não podem encontrar. Depois, enfim, com o dinheiro, tão poderoso no século passado, não poderão encontrar comparsas para representar indignas comédias, a fim de lançar o descrédito e o ridículo sobre a doutrina?

“Eis as provas que vos esperam, meus filhos, mas das quais saireis vitoriosos, se do fundo do coração implorardes o socorro do Todo-Poderoso. Eis por que vos repito de todo o coração: Meus filhos, cerrai vossas fileiras, ficai vigilantes, porque é o vosso Gólgota que vem em seguida, e se não fordes crucificados em carne e osso, sê-lo-eis em vossos interesses, em vossas afeições, em vossa honra!

“A hora é grave e solene. Para trás, então, todas as mesquinhas discussões, todas as preocupações pueris, todas as perguntas ociosas e todas as vãs pretensões de preeminência e de amor próprio. Ocupai-vos dos grandes interesses que estão em vossas mãos e cujas contas o Senhor vos pedirá. Uni-vos para que o inimigo encontre vossas fileiras compactas e cerradas. Tendes uma contrassenha sem equívoco, pedra de toque com o auxílio da qual podeis reconhecer vossos verdadeiros irmãos, pois essa palavra implica abnegação e devotamento e resume todos os deveres do verdadeiro espírita.

“Coragem e perseverança, meus filhos! Pensai que Deus vos olha e vos julga. Lembrai-vos também que os vossos guias espirituais não vos abandonarão enquanto vos achardes no caminho certo.

“Aliás, toda esta guerra só terá um tempo e voltar-se-á contra os que julgavam criar armas contra a doutrina. O triunfo, e não mais o holocausto sangrento, irradiará no Gólgota espírita.

“Até breve, meus filhos.

“Saudações a todos!

“ERASTO, discípulo do apóstolo São Paulo.”



Uma das manobras previstas na comunicação acima, ao que nos informam, acaba de se realizar.

Escrevem-nos que uma jovem, que fora levada uma única vez a uma reunião, deixou sua família, sem motivo, e foi para a casa de uma pessoa estranha, de onde foi levada a um hospício de alienados, como atingida de loucura espírita, à revelia de seus parentes, só informados de pois de tudo consumado.

Ao cabo de vinte dias, tendo estes obtido autorização para vê-la, censuram-na por havê-los deixado. Então ela confessou que lhe haviam prometido dinheiro para simular a loucura. Até este momento foram infrutíferas as tentativas para fazê-la sair.

Se é assim que recrutam os loucos espíritas, o meio é mais perigoso para os que o empregam do que para o Espiritismo. Quando se é reduzido a semelhantes expedientes para defender a própria causa, tem-se a prova mais evidente de que se está destituído de bons argumentos.

Diremos, pois, aos espíritas: Quando virdes semelhantes coisas, alegrai-vos em vez de vos inquietar, pois elas são o sinal de um próximo triunfo. Aliás, uma outra circunstância vos deve ser motivo de encorajamento: é que nossas fileiras aumentam, não só em número, mas em força moral, pois já vedes mais de um homem de talento tomar resolutamente a defesa do Espiritismo e, com mão vigorosa, apanhar a luva atirada por nossos adversários.

Escritos de uma lógica irresistível diariamente lhes mostram que os espíritas não são loucos. Nossos leitores conhecem a excelente refutação dos sermões do Rev. Pe. Letierce, por um espírita de Metz. Eis agora a não menos interessante dos espíritas de Villenave de Rions (Gironde), sobre os sermões do Pe. Nicomède. A Verité de Lyon é conhecida por seus profundos artigos. O número de 22 de novembro, sobretudo, merece especial atenção. A Ruche de Bordeaux se enriquece de novos colaboradores, tão capazes quão zelosos. Enfim, se os agressores são numerosos, os defensores não o são menos.

Assim, pois, espíritas, coragem, confiança e perseverança, porque tudo vai bem, conforme foi previsto.

A comunicação abaixo desenvolve uma das fases da grave questão de que acabamos de tratar e não pode deixar de premunir os espíritas sobre as dificuldades que se vão acumular neste período.


(Reunião particular, 25 de fevereiro de 1863 - Médium: Sr. D'Ambel)

Há no momento uma recrudescência de obsessão, resultado da luta que inevitavelmente devem sustentar as ideias novas contra seus adversários encarnados e desencarnados. Habilmente explorada pelos inimigos do Espiritismo, a obsessão é uma das provas mais perigosas que ele terá de sofrer, antes de se fixar de maneira estável no espírito das populações, por isto deve ser combatida por todos os meios possíveis, e sobretudo pela prudência e pela energia de vossos guias espirituais e terrestres.

De todos os lados surgem médiuns com supostas missões, chamados, ao que dizem, a tomar em mãos a bandeira do Espiritismo e plantá-la sobre as ruínas do velho mundo, como se nós viéssemos destruir, nós que viemos apenas para construir.

Não há individualidade, por medíocre que seja, que não tenha encontrado, como Macbeth, um Espírito para lhe dizer: “Tu também serás rei”, e que não se julgue designada a um apostolado muito especial.

Há poucas reuniões íntimas, e mesmo grupos familiares, que não tenham contado entre os seus médiuns ou seus simples crentes, uma alma bastante enfatuada para se julgar indispensável ao sucesso da grande causa; muito presunçosa para contentar-se com o modesto papel do obreiro que traz a sua pedra para o edifício. Ah! meus amigos! Quanto empenho por pouco resultado!

Quase todos os novos médiuns, em seu início, são submetidos a essa perigosa tentação. Alguns resistem a isso, mas muitos sucumbem, ao menos por algum tempo, até que sucessivos revezes venham desiludi-lo.

Por que permite Deus uma prova tão difícil, senão para provar que o bem e o progresso jamais se estabelecem em vosso íntimo sem trabalho e sem combate; senão para tornar o triunfo da verdade mais brilhante pelas dificuldades da luta? O que querem certos Espíritos da erraticidade, fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso? Sem o querer, eles são os instrumentos da provação que porá em evidência os bons e os maus servos de Deus. A este, tal Espírito promete o segredo da transmutação dos metais, como a um médium de R...; àquele, como ao Sr..., um Espírito revela supostos acontecimentos que vão realizar-se, fixa as épocas, precisa as datas, nomeia os atores que devem concorrer ao drama anunciado; a tal outro, um Espírito mistificador ensina a incubação dos diamantes; a outros ainda indicam tesouros ocultos, prometem fortuna fácil, descobertas maravilhosas, a glória, as honrarias, etc. Numa palavra, todas as ambições e todas as cobiças dos homens são habilmente exploradas por Espíritos perversos. Eis por que de todos os lados vedes esses pobres obsedados preparando-se para subir ao Capitólio, com uma gravidade e uma arrogância que entristecem o observador imparcial.

Qual o resultado de todas essas promessas falaciosas? As decepções, os dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa punição do orgulho presunçoso que se julga chamado a fazer melhor que todo mundo, desdenha os conselhos e desconhece os verdadeiros princípios do Espiritismo.

Tanto é a modéstia o apanágio dos médiuns escolhidos pelos bons Espíritos, quanto o orgulho, o amor-próprio e, digamo-lo, a mediocridade são os caracteres distintivos dos médiuns inspirados pelos Espíritos inferiores. Tanto os primeiros desprezam as comunicações que recebem, quando estas se afastam da verdade, quanto os últimos mantêm contra todos a superioridade do que lhes é ditado, mesmo que seja um absurdo.

Daí resulta que, conforme as palavras pronunciadas na Sociedade de Paris, por seu presidente espiritual, São Luís, uma verdadeira Torre de Babel está em vias de edificar-se entre vós. Aliás, fora preciso ser cego ou iludido para não reconhecer que à cruzada dirigida contra o Espiritismo pelos adversários natos de toda doutrina progressista e libertadora, se junta uma cruzada espiritual, dirigida por todos os Espíritos pseudossábios, falsos grandes homens, falsos religiosos e falsos irmãos da erraticidade, fazendo causa comum com os inimigos terrestres, em meio a essa multidão de médiuns por eles fanatizados, aos quais ditam tantas elucubrações mentirosas.

Mas vede o que resta de todos esses andaimes erigidos pela ambição, pelo amor-próprio e pela inveja. Quantos não vistes desabar e quantos ainda vereis desabar! Eu vos digo que todo edifício que não se assenta sobre a verdade, a única base sólida, cairá, porque só a verdade pode desafiar o tempo e triunfar de todas as utopias.

Espíritas sinceros, não vos amedronteis com o caos momentâneo. Não está longe o momento em que a verdade, desvencilhada dos véus com os quais querem cobri-la, sairá mais radiosa do que nunca, e em que a sua claridade, inundando o mundo, fará voltarem para a sombra seus obscuros detratores, por um instante postos em evidência para a sua própria confusão.

Assim, pois, meus amigos, tendes que vos defender, não só contra os ataques e calúnias de vossos adversários vivos, mas também contra as manobras ainda mais perigosas dos adversários da erraticidade. Fortalecei-vos, pois, em estudos sadios, e sobretudo pela prática do amor e da caridade, e retemperai-vos na prece. Deus sempre ilumina os que se consagram à propagação da verdade, quando agem de boafé e desprovidos de toda ambição pessoal.

Além disso, espíritas, que vos importam os médiuns que, afinal de contas, não passam de instrumentos! O que deveis considerar é o valor e o alcance dos ensinamentos que vos são dados; é a pureza da moral que vos é ensinada; é a clareza e a precisão das verdades que vos são reveladas; é, enfim, ver se as instruções que vos dão correspondem às legítimas aspirações das almas de escol, e se estão em conformidade com as leis gerais e imutáveis da lógica e da harmonia universal.

Os Espíritos imperfeitos, que representam um papel de apóstolo junto a seus obsedados, bem sabeis, não têm o menor escrúpulo em enfeitar-se com os mais venerados nomes; assim, seria um disparate se eu, que sou um dos últimos e mais obscuros discípulos do Espírito de Verdade, me lamentasse do abuso que alguns fizeram de meu modesto nome; assim, repetirei incessantemente o que dizia a meu médium, há dois anos: “Jamais julgueis uma comunicação mediúnica pelo nome que a assina, mas apenas por seu conteúdo intrínseco.”

É urgente que vos ponhais em guarda contra todas as publicações de origem suspeita que aparecem ou que vão aparecer, contra todas aquelas que não teriam uma atitude franca e clara, e tenhais como certo que muitas são elaboradas nos campos inimigos do mundo visível ou do mundo invisível, com o objetivo de lançar entre vós o facho da discórdia.

Cabe a vós não vos deixardes apanhar, pois tendes todos os elementos necessários para apreciá-las. Mas, tende igualmente como certo que todo Espírito que a si mesmo se anuncia como um ser superior, e sobretudo como de uma infalibilidade a toda prova, é, ao contrário, o oposto do que se anuncia tão pomposamente.

Desde que o piedoso Espírito de François-Nicolas Madeleine teve a bondade de me aliviar de uma parte de meu fardo espiritual, pude considerar o conjunto da obra espírita e fazer a estatística moral dos obreiros que trabalham na vinha do Senhor. Ah! Se tantos Espíritos imperfeitos se imiscuem na obra que perseguimos, tenho o pesar maior de constatar que entre os nossos melhores auxiliares da Terra, muitos vergaram ao peso de sua tarefa e pouco a pouco tomaram a trilha de suas antigas fraquezas, de tal sorte que as grandes almas etéreas que os aconselhavam foram, desde então, substituídas por Espíritos menos puros e menos perfeitos.

Ah! Eu sei que a virtude é difícil, mas nem queremos nem pedimos o impossível. Basta-nos a boa vontade, quando acompanhada do desejo de fazer o melhor.

Meus amigos, em tudo o relaxamento é pernicioso, porque muito será pedido aos que, depois de se terem elevado por uma renúncia generosa à sua própria individualidade, caírem no culto da matéria, e ainda se deixarem invadir pelo egoísmo e pelo amor a si mesmos. Não obstante, oramos por eles e a ninguém condenamos, porque sempre devemos ter presente na memória este ensino magnífico do Cristo: “O que estiver sem pecado atire a primeira pedra.”

Hoje vossas falanges engrossam a olhos vistos e vossos partidários se contam aos milhões. Ora, em razão do número de adeptos, deslizam sob falsas máscaras os falsos irmãos dos quais ultimamente vos falou vosso presidente temporal. Não que eu venha recomendar-vos que não sejam abertas vossas fileiras senão às ovelhas sem mancha e as novilhas brancas; não, porque, mais que todos os outros, os pecadores têm direito de encontrar entre vós um refúgio contra suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos quais vos aconselho que desconfieis são esses hipócritas perigosos, aos quais, à primeira vista, se é tentado e conceder toda a confiança. Com o auxílio de uma atitude rígida, sob o olho observador das massas, eles conservam esse ar sério e digno que leva a dizerem deles: “Que criaturas respeitáveis!” ao passo que, sob essa respeitabilidade aparente, por vezes se dissimulam a perfídia e a imoralidade.

Eles são acessíveis, obsequiosos, cheios de amenidades; eles insinuam-se nos interiores; eles entram voluntariamente na vida privada; eles escutam atrás das portas e se fazem surdos para escutar melhor; eles pressentem as inimizades, atiçamnas e as alimentam; eles vão aos campos opostos, indagando, interrogando sobre cada um. O que faz este? De que vive aquele? Quem é fulano? Conheceis sua família? Depois os vereis ir surdamente desfilar na sombra as pequenas maledicências que conseguiram recolher, tendo o cuidado de envenená-las com untuosas calúnias. “São rumores em que a gente não acredita”, dizem eles, mas acrescentam: “Onde há fumaça há fogo, etc., etc.”

A esses tartufos da encarnação reuni os tartufos da erraticidade e vereis, meus caros amigos, quanto tenho razão de vos aconselhar a agir, de agora em diante, com extrema reserva e de vos guardardes de toda imprudência e de todo entusiasmo irrefletido.

Eu vo-lo disse, estais num momento de crise, dificultado pela malevolência, mas do qual saireis mais fortes, com firmeza e perseverança.

O número dos médiuns é hoje incalculável e é desagradável ver que alguns se julgam os únicos chamados a distribuir a verdade ao mundo e se extasiam ante banalidades que consideram monumentos, pobres iludidos que se abaixam ao passar sob os arcos de triunfo, como se a verdade tivesse esperado a sua vinda para ser anunciada. Nem o forte, nem o fraco, nem o instruído, nem o ignorante tiveram esse privilégio exclusivo, porquanto foi por intermédio de mil vozes desconhecidas que a verdade se espalhou, e é justamente por essa unanimidade que ela soube ser reconhecida.

Contai essas vozes; contai os que as escutam; contai sobretudo aqueles cujos corações elas tocam, se quiserdes saber de que lado está a verdade.

Ah! Se todos os médiuns tivessem fé! Eu seria o primeiro a inclinar-me diante deles. Mas eles não têm, na maior parte do tempo, senão fé em si mesmos, tão grande é o orgulho na Terra! Não, sua fé não é aquela que transporta montanhas e que faz andar sobre as águas! É o caso de repetir aqui a máxima evangélica que me serviu de tema quando me fiz ouvir pela primeira vez entre vós: Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.

Em suma, publicações à direita, publicações à esquerda, publicações por toda parte, pró ou contra, em todos os sentidos e sob todas as formas; críticas exageradas da parte de pessoas que dele nada sabem; sermões fogosos de pessoas que o temem; em suma, digo eu, o Espiritismo está na ordem do dia. Ele revolve todos os cérebros e agita todas as consciências, privilégio exclusivo das grandes coisas. Todos pressentem que ele leva em si o princípio de uma renovação, que uns apoiam com os seus votos e outros temem.

Mas, de tudo isto, o que restará? Desta Torre de Babel o que jorrará? Uma coisa imensa: a vulgarização da ideia espírita, e como doutrina, o que será verdadeiramente doutrinário!

Esse conflito é inevitável, porque o homem é manchado de muito orgulho e egoísmo para aceitar sem oposição uma verdade nova qualquer. Digo mesmo que esse conflito é necessário, porque é o atrito que desfaz as ideias falsas e faz ressaltar a força das que resistem.

Em meio a essa avalanche de mediocridades, de impossibilidades e de utopias irrealizáveis, a verdade esplêndida espalhar-se-á na sua grandeza e na sua majestade.

ERASTO


(Sociedade espírita de Paris, 20 de novembro de 1863 - Médium: Sra. Costel)

O dever é a obrigação moral, inicialmente diante de si mesmo e em seguida diante dos outros. O dever é a lei da vida e se acha nos mais ínfimos detalhes, tanto quanto nos atos elevados. Não vou aqui falar senão do dever moral, e não do que as profissões impõem.

Na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir, porque ele se acha em antagonismo com as seduções do instinto e do coração. Suas vitórias não têm testemunhas e suas derrotas não têm repressão.

O dever íntimo do homem é entregue ao seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, esse guardião da probidade interior, o adverte e o sustenta, mas, muitas vezes fica impotente ante os sofismas da paixão.

O dever do coração fielmente observado eleva o homem, mas esse dever, como precisá-lo? Onde ele começa? Onde ele acaba? Ele começa exatamente no ponto onde ameaçais a felicidade e o repouso do próximo, e termina no limite que não queríeis ver transposto contra vós mesmos.

Deus criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, sofrem pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue judiciosamente o mal que pode fazer. O mesmo critério não existe para o bem, infinitamente mais variado em suas expressões. A igualdade perante a dor é uma sublime previdência de Deus, que quer que seus filhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando a ignorância de seus efeitos.

O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que afronta as angústias da luta; é austero e simples, pronto a dobrar-se às complicações diversas, e fica inflexível ante as suas tentações.

O homem que cumpre o seu dever ama Deus mais que as criaturas, e as criaturas mais que a si mesmo. Ele é, ao mesmo tempo, juiz e escravo em causa própria.

O dever é o mais belo laurel da razão. Ele origina-se dela, como o filho descende de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque preserve dos males a vida, dos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas porque dá à alma o necessário vigor para o seu desenvolvimento.

O homem não pode afastar o cálice de suas provações. O dever é penoso nos seus sacrifícios, e o mal é amargo nos seus resultados, mas essas dores, quase iguais, têm conclusões muito diferentes: uma é salutar como os venenos que restauram a saúde e a outra é nociva, como os festins que arruínam o corpo.

O dever cresce e irradia sob uma forma mais elevada em cada uma das etapas superiores da Humanidade.

A obrigação moral da criatura para com Deus jamais cessa. Ela deve refletir as virtudes do Eterno, que não aceita um esboço imperfeito, porque quer que a beleza de sua obra resplandeça diante dele.

LÁZARO

(Sociedade de Paris, 4 de julho de 1863 - Médium: Sr. A. Didier)


O sacrifício da carne foi severamente condenado pelos grandes filósofos da Antiguidade.

O Espírito elevado revolta-se à ideia do sangue, e sobretudo à ideia de que o sangue é agradável à Divindade. Notai bem que aqui não se trata de sacrifícios humanos, mas unicamente de animais oferecidos em holocausto.

Quando o Cristo veio anunciar a Boa Nova, não ordenou sacrifícios de sangue, porquanto ocupou-se unicamente do Espírito.

Os grandes sábios da Antiguidade igualmente tinham horror a esse tipo de sacrifícios, e eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes.

Na Terra, os encarnados têm uma missão a cumprir. Eles têm o Espírito, que deve ser nutrido pelo Espírito, e o corpo, que deve ser nutrido com a matéria, mas a natureza da matéria influi ─ compreende-se facilmente ─ sobre a densidade do corpo e, em consequência, sobre as manifestações do Espírito.

Os temperamentos naturalmente muito fortes para viver como os anacoretas fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente à meditação e à prece. Mas, para viver assim, geralmente seria necessária uma natureza mais espiritualizada que a vossa, o que é impossível com as condições terrestres, e como, antes de tudo, a Natureza jamais age contra o bom-senso, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações.

É possível ser bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto, desde que se seja uma pessoa razoável. É uma questão algo leviana para os nossos estudos, mas não menos útil e proveitosa.

LAMENNAIS


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