Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Dissertações espíritas

(SOCIEDADE ESPÍRITA DE PARIS MÉDIUM: SRA. COSTEL)


Meus amigos, como esta nova vida é magnífica! Semelhante a uma torrente luminosa, arrasta no seu curso Imenso as almas ébrias do infinito! Após a ruptura dos laços carnais, meus olhos abarcaram horizontes novos, que me cercam, e gozo esplêndidas maravilhas do infinito. Passei das sombras da matéria a aurora brilhante que anuncia o Todo-Poderoso. Estou salvo, não pelo mérito de minhas obras, mas pelo conhecimento do princípio eterno, que me fez evitar as sujeiras impressas pela ignorância na própria humanidade. Minha morte foi abençoada; os biógrafos a julgaram prematura. Que cegos! lamentarão alguns escritos nascidos da poeira e não compreenderão quanto o pouco ruído que se faz em torno de meu túmulo meio fechado é útil para a santa causa do Espiritismo. Minha obra estava terminada; meus antecessores iam na carreira; eu tinha atingido esse ponto culminante em que o homem deu o que tinha de melhor e onde não faz maisque recomeçar. Minha morte reaviva a atenção dos letrados e reconduz sobre minha obra capital, que toca à grande questão espírita, que fingem desconhecer, e que em breve os enlaçará. Glória a Deus! Ajudado pelos Espíritos superiores, que protegem a nova doutrina, vou ser um dos batedores, que balizam a vossa rota.


(NUMA REUNIÃO FAMILIAR MÉDIUM: SR. CHARLES V...)


O Espírito responde a esta reflexão: Vossa morte inesperada, em idade tão pouco avançada, surpreendeu a muita gente.

“Quem vos diz que minha morte não foi um benefício para o Espiritismo, para o seu futuro, para as suas conseqüências? Notastes, meu amigo, a marcha que segue o progresso, a rota que toma a fé espírita? Deus deu, logo de começo, provas materiais: dança das mesas, golpes vibrados e toda sorte de fenômenos; para chamar a atenção; era um prefácio divertido. Para crer os homens necessitam de provas palpáveis. Agora é muito outra coisa! Após os fatos materiais, Deus fala à inteligência, ao bom senso, à razão fria, Não mais são manifestações de força, mas coisas racionais, que devem convencer e unir mesmo os incrédulos mais opiniáticos, E é apenas o começo. Notai bem o que vos digo: toda uma série de fatos inteligentes, irrefutáveis, vão seguir-se, e o número dos adeptos da fé espírita, já tão grande, vai ainda aumentar. Deus vai cuidar das inteligências de escol, das sumidades do espírito, do talento e do saber. Isto vai ser um raio luminoso a espalhar-se por toda a terra, como um fluido magnético irresistível e impelirá os mais recalcitrantes à busca do infinito, ao estudo dessa admirável ciência, que nos ensina máximas tão sublimes. Todos vão grupar-se em torno de vós e, abstração feita do diploma de gênio que lhes havia sido dado, vão fazer-se humildes e pequenos para aprender e se convencerem. Depois, mais tarde, quando estiverem bem instruídos e bem convencidos, servir-se-ão de sua autoridade e da notoriedade de seus nomes para impelir ainda mais longe e atingir os últimos limites do objetivo que todos vos propusestes: a regeneração da espécie humana pelo conhecimento raciocinado e aprofundado das existência passadas e futuras. Eis a minha sincera opinião sobre o estado atual do Espiritismo.”

JEAN REYNAUD



(BORDEAUX – MÉDIUM: SRA. C...)


Rendo-me com prazer ao vosso chamado, senhora. Sim, tendes razão: a perturbação espírita, por assim dizer, não existiu para mim (isto respondia ao pensamento do médium). Exilado voluntariamente em vossa terra, onde tinha que lançar a primeira semente séria das grandes verdades que, neste momento, envolvem o mundo, sempre tive consciência da pátria e logo me reconheci em meio aos meus irmãos.


P.Agradeço-vos a bondade de ter vindo, Mas não acreditava que meu desejo de conversar tivesse influência sobre vós. Deve haver, necessariamente, tão grande diferença entre nós, que só penso nisto com respeito.


R.Obrigado, filha, por este bom pensamento. Mas deveis saber também que, seja qual for a distância que, entre nós, possam ser estabelecidas por provas, mais ou menos prontamente, mais ou menos felizmente acabadas, há sempre um laço poderoso, que nos une: a simpatia. E este laço vós o apertastes pelo vosso pensamento constante.


P.Posto que muitos Espíritos tenham explicado suas primeiras sensações ao despertar, teríeis a bondade de me dizer o que experimentastes ao vos reconhecer, e como a separação foi operada entre o Espírito e o corpo?


R.Como para todos. Senti o momento da libertação aproximar-se; mais feliz, porém, que muitos, não me causou angústia, pois lhe conhecia os resultados, posto fossem ainda maiores do que eu pensava. O corpo é um entrave às faculdades espirituais e, sejam quais forem as luzes que se tenha conservado, são sempre mais ou menos abafadas pelo contacto da matéria. Adormeci esperando um despertar feliz. O sono foi curto, a admiração imensa! Os esplendores celestes desenrolados aos meus olhos brilharam com toda sua intensidade. Meu olhar maravilhado mergulhava nas imensidades desses mundos, cuja existência e habitabilidade eu afirmava. Era uma miragem que me revelava e me confirmava a verdade de meus sentimentos. Por mais seguro que o homem se julgue, quando fala muitas vezes tem no fundo do coração momentos de dúvida, de incerteza; desconfia, senão da verdade que proclama, pelo menos, às vezes, dos meios imperfeitos que emprega para a demonstrar. Convencido da verdade que queria que admitissem, muitas vezes tive que combater contra mim mesmo, contra o desânimo de ver, de tocar, por assim dizer, a verdade, e de não poder torná-la palpável aos que teriam tanta necessidade de nela crer para marcar com segurança na estrada que devem seguir.


P.Em vida professáveis o Espiritismo?


R.Entre professar e praticar há uma grande diferença. Muitos professam uma doutrina que não praticam; eu praticava e não professava. Assim como todo homem que segue as leis do Cristo é cristão, mesmo sem as conhecer, também todo homem pode set Espírita, desde que crê em sua alma imortal, em suas preexistências, em sua incessante marcha progressiva, nas suas provas terrenas, abluções necessárias para se purificar. Eu cria; era, pois, Espírita. Compreendi a erraticidade, este laço intermediário entre as encarnações, esse purgatório onde o Espírito culpado se despoja de suas vestes sujas, para tomar nova roupa, em que o Espírito em progresso tece com cuidado a túnica que vai usar novamente e quer conservar pura. Eu vos disse que compreendi e, sem professar, continuei a praticar.



OBSERVAÇÃO: Estas três comunicações foram obtidas por três médiuns que se desconheciam. Não temos provas materiais da identidade do Espírito que se manifestou; mas pela analogia dos pensamentos, pela forma de linguagem pode, ao menos admitir-se a presunção de identidade. A expressão tece com cuidado a túnica que vai usar novamente é uma encantadora figura que pinta a solicitude com que o Espírito em progresso prepara a nova existência que o deve fazer progredir ainda. Os Espíritos atrasados tomam menos precauções e, por vezes, fazem escolhas infelizes, que os forçam a recomeçar.


(Sociedade Espírita de Paris, 13 de março de 1863 - Médium: Sra. Costel)


Minha filha, venho dar um ensinamento médico aos espíritas. Aqui a Astronomia e a Filosofia têm eloquentes intérpretes, e a moral conta tantos escritores quantos médiuns. Por que a medicina, em seu lado prático e fisiológico, seria negligenciada? Eu fui o criador da renovação médica, que hoje penetra nas fileiras dos sectários da medicina antiga. Ligados contra a homeopatia, em vão lhe criaram diques sem número, em vão lhe gritaram: “Não irás mais longe!”

A jovem medicina, triunfante, transpôs todos os obstáculos, e o Espiritismo lhe será poderoso auxiliar. Graças a ele, ela abandonará a tradição materialista que por tanto tempo lhe retardou o desenvolvimento. O estudo médico está inteiramente ligado à pesquisa das causas e efeitos espiritualistas; ela disseca os corpos e deve, também, analisar a alma.

Deixai, pois, um velho médico justificar os fins e os meios da doutrina que propagou e que ele vê estranhamente desfigurada aqui em baixo pelos praticantes, e no alto por Espíritos ignorantes que usurpam o seu nome. Gostaria que minha palavra escutada tivesse o poder de corrigir os abusos que alteram a homeopatia e, assim, a impedem de ser útil como deveria.

Se eu falasse num centro prático, onde os conselhos pudessem ser ouvidos com proveito, eu me elevaria contra a negligência de meus colegas terrenos que desconhecem as leis primordiais do Organon, exagerando as doses e, sobretudo, não dando à trituração tão importante dos medicamentos, os cuidados que indiquei. Muitos esquecem que cem, e às vezes duzentos golpes são absolutamente necessários ao desprendimento do princípio médico apropriado a cada uma das plantas ou venenos que formam nosso arsenal curador. Nenhum remédio é indiferente e nenhum medicamento é inofensivo. Quando o diagnóstico mal feito produz um resultado irrelevante, ele desenvolve os germes da moléstia que deveria combater.

Mas eu me deixo arrastar por meu assunto, e eis-me na iminência de dar um curso de homeopatia a um auditório que não pode interessar-se pela questão. Entretanto não julgo inútil iniciar os espíritas nos princípios fundamentais da ciência, a fim de premuni-los contra as decepções que possam sofrer, quer da parte dos homens, quer mesmo da dos Espíritos.

SAMUEL HAHNEMANN


OBSERVAÇÃO: Esta dissertação foi motivada pela presença à sessão de um médico homeopata estrangeiro que desejava a opinião de Hahnemann sobre o estado atual da ciência. Faremos observar que ela foi dada através de uma jovem senhora que não fez estudos médicos, e à qual necessariamente são estranhos muitos termos especiais.


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