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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863 > Dezembro
Dezembro
Distinto publicista, por cujo caráter professamos a mais profunda estima, e cuja simpatia foi conquistada pela filosofia espírita, mas ao qual não foi ainda demonstrada a utilidade do ensino dos Espíritos, escreve-nos o que se segue:
“...Creio que há muito tempo a Humanidade estava de posse dos princípios que expusestes, princípios de que gosto e defendo sem o auxílio das comunicações espíritas, o que não quer dizer, notai-o bem, que eu negue o auxílio das luzes divinas.
“Cada um de nós recebe esse auxílio num certo limite, conforme seu grau de boa vontade, de seu amor ao próximo, e também na medida da missão que tenha a cumprir durante sua passagem pela Terra.
“Não sei se vossas comunicações vos puseram na posse de uma única ideia, de um só princípio que não tenha sido precedentemente exposto por uma série de filósofos e de pensadores que desde Confúcio até Platão, Moisés, Jesus Cristo, Santo Agostinho, Lutero, Diderot, Voltaire, Condorcet, Saint-Simon, etc., fizeram progredir o nosso humilde planeta. Não o creio, e se estiver enganado, ser-vos-ia muito reconhecido pelo trabalho que tivésseis em demonstrar o meu erro. Notai bem que não condeno vossos processos espíritas: julgo-os inúteis para mim, etc.”
Meu caro senhor, vou responder a vossa pergunta nalgumas palavras. Nem tenho o vosso talento, nem a vossa eloquência, mas tentarei ser claro, não só para vós, mas para meus leitores, aos quais minha resposta poderá servir de ensino, motivo pelo qual o faço através de minha revista.
Para começar, direi que, de duas uma: ou as comunicações com os Espíritos existem, ou não existem. Se não existem, milhões de pessoas que diariamente se comunicam com eles, são vítimas de uma ilusão, e eu mesmo teria tido uma singular ideia ao lhes atribuir aquilo de que poderia ter tido o mérito. Mas é inútil discutir este ponto, porque não o contestais. Se essa comunicação existe, deve ter sua utilidade, porque Deus nada faz de inútil. Ora, essa utilidade não só ressalta desse mesmo ensino, mas ainda, e sobretudo, das consequências desse ensino, como veremos dentro em pouco.
Dizeis que essas comunicações nada ensinam de novo além do que já foi ensinado por todos os filósofos, desde Confúcio, de onde concluís que são inúteis. O provérbio “Não há nada de novo sob o Sol” é perfeitamente certo e Edouard Fournier o demonstrou claramente em sua interessante obra do Vieux neuf. O que ele disse das obras criadas pelo gênio humano é também verdadeiro, em matéria filosófica, pela razão muito simples que as grandes verdades são de todos os tempos e em todos os tempos devem ter sido reveladas a homens de gênio.
Mas porque um homem formulou uma ideia, segue-se que aquele que a formula depois dele seja inútil? Sócrates e Platão não enunciaram princípios de moral idênticos aos de Jesus? Daí deve concluir-se que a doutrina de Jesus foi uma superfluidade? Se assim fosse, bem poucos trabalhos seriam de real utilidade, pois que da maior parte deles pode-se dizer que outra pessoa teve o mesmo pensamento e que bastaria recorrer ao primeiro.
Vós mesmo, meu caro senhor, que consagrais o vosso talento ao triunfo das ideias de progresso e de liberdade, o que dizeis que cem outros antes não tenham dito? Daí deve deduzir-se que vos deveríeis calar? Não o pensais.
Confúcio, por exemplo, proclama uma verdade. Depois dele, um, dois, três, uma centena de outros homens que vêm depois dele a desenvolvem, a completam e a apresentam sob outra forma, se bem que essa verdade, que tinha ficado nos arquivos da história e como privilégio de alguns eruditos, se populariza, se infiltra nas massas e acaba por se tornar uma crença vulgar. Que teria acontecido às ideias dos filósofos antigos se elas não tivessem sido retomadas em segunda mão por escritores modernos? Quantos as conheceriam hoje? É assim que cada um por sua vez vem dar a sua martelada.
Suponhamos, então, que os Espíritos nada de novo tenham ensinado; que não tenham revelado a menor verdade nova; numa palavra, que apenas tenham repetido todas aquelas professadas pelos apóstolos do progresso. Então, nada significam esses princípios hoje ensinados pela voz do mundo invisível em todas as partes do mundo, no recesso de todas as famílias, desde o palácio até a choupana? Então nada são essas marteladas diárias, a toda hora e por toda parte? Credes que as massas não estão mais penetradas e impressionadas pelas máximas vindas de seus parentes e amigos do que pelas de Sócrates e de Platão, que eles jamais leram, ou que só conhecem de nome?
Como vós, meu caro senhor, que combateis toda sorte de abusos, desdenhais semelhante auxiliar, um auxiliar que bate a todas as portas, desafiando todas as conjuras e todas as medidas inquisitoriais? Só este auxiliar ─ e um dia tereis a prova ─ triunfará sobre todas as resistências, porque toma os abusos pela base, apoiando-se na fé que se extingue e que ele vem consolidar.
Pregais a fraternidade em termos eloquentes, isto é ótimo, e eu vos admiro. Mas, o que é a fraternidade com egoísmo? O egoísmo será sempre a pedra de tropeço para a realização das mais generosas ideias. Exemplos antigos e recentes não faltariam em apoio a essa proposição. É preciso, pois, tomar o mal pela raiz, e para isto combater o egoísmo e o orgulho, que fizeram e farão abortar os projetos mais bem concebidos. Mas como destruir o egoísmo sob o império das ideias materialistas, que concentram a ação do homem na vida presente? Para aquele que nada espera desta vida, a abnegação não tem a menor razão de ser e o sacrifício é uma tolice, porque reduz os curtos prazeres deste mundo.
Ora, quem melhor que o Espiritismo dá essa fé inalterável no futuro? Como chegou ele a triunfar da incredulidade de tão grande número de pessoas e a domar tantas paixões más, senão pelas provas materiais que ele dá? E como pode ele dar estas provas sem as relações estabelecidas com os que não mais estão na Terra? Então, de nada vale ter ensinado aos homens de onde eles vêm, para onde vão, e o futuro que lhes é reservado? A solidariedade que ele ensina já não é simples teoria, mas é uma consequência inevitável das relações existentes entre os mortos e os vivos, relações que fazem da fraternidade entre os vivos não só um dever moral, mas uma necessidade, porque vem do interesse na vida futura.
As ideias de casta, os preconceitos aristocráticos, produtos do orgulho e do egoísmo, não foram em todos os tempos um obstáculo à emancipação das massas? Bastará dizer em teoria, aos privilegiados da fortuna: Todos os homens são iguais? O Evangelho bastou para persuadir os cristãos possuidores de escravos que esses escravos são seus irmãos? Ora, quem pode destruir esses preconceitos; quem nivela todas as cabeças, melhor do que a certeza de que nas últimas camadas da Sociedade se acham seres que ocuparam o topo da escala social; que entre os nossos criados, entre aqueles a quem damos esmola, podem achar-se parentes, amigos, homens que nos comandaram; que, enfim, os que agora estão no alto, podem descer para o último degrau? Estará nisso um ensino estéril para a Humanidade? Essa ideia é nova? Não. Mais de um filósofo a emitiu e pressentiu esta grande lei da justiça divina. Mas de nada vale dar-lhes a prova palpável e evidente?
Muitos séculos antes de Copérnico, Galileu e Newton, a redondeza e o movimento da Terra tinham sido estabelecidos em tese. Esses sábios vieram demonstrar o que os outros apenas haviam suspeitado. Assim, há Espíritos que vêm provar as grandes verdades que permaneceram como letra morta para a maioria, dando-lhes por base uma lei da Natureza.
Ah! meu caro senhor! Se soubésseis, como eu, quantos homens que teriam sido entraves à realização das ideias humanitárias mudaram a maneira de ver e hoje, graças ao Espiritismo, se tornam seus campeões, não mais diríeis que o ensino dos Espíritos é inútil. Vós o bendiríeis como a tábua de salvação da Sociedade e apelaríeis com todas as veras à sua propagação. Foi o ensino dos filósofos que lhes faltou? Não, porque quase todos são homens esclarecidos, mas, para eles, os filósofos eram sonhadores, utopistas, conversadores; que digo eu? revolucionários. Era preciso tocar-lhes o coração, e o que os tocou foram as vozes de além-túmulo, que se fizeram ouvir em seus próprios lares.
Permiti-me, caro senhor, por hoje, ficar por aqui. A abundância de matéria me obriga a deixar para o próximo número a questão analisada sob outro ponto de vista.
“...Creio que há muito tempo a Humanidade estava de posse dos princípios que expusestes, princípios de que gosto e defendo sem o auxílio das comunicações espíritas, o que não quer dizer, notai-o bem, que eu negue o auxílio das luzes divinas.
“Cada um de nós recebe esse auxílio num certo limite, conforme seu grau de boa vontade, de seu amor ao próximo, e também na medida da missão que tenha a cumprir durante sua passagem pela Terra.
“Não sei se vossas comunicações vos puseram na posse de uma única ideia, de um só princípio que não tenha sido precedentemente exposto por uma série de filósofos e de pensadores que desde Confúcio até Platão, Moisés, Jesus Cristo, Santo Agostinho, Lutero, Diderot, Voltaire, Condorcet, Saint-Simon, etc., fizeram progredir o nosso humilde planeta. Não o creio, e se estiver enganado, ser-vos-ia muito reconhecido pelo trabalho que tivésseis em demonstrar o meu erro. Notai bem que não condeno vossos processos espíritas: julgo-os inúteis para mim, etc.”
Meu caro senhor, vou responder a vossa pergunta nalgumas palavras. Nem tenho o vosso talento, nem a vossa eloquência, mas tentarei ser claro, não só para vós, mas para meus leitores, aos quais minha resposta poderá servir de ensino, motivo pelo qual o faço através de minha revista.
Para começar, direi que, de duas uma: ou as comunicações com os Espíritos existem, ou não existem. Se não existem, milhões de pessoas que diariamente se comunicam com eles, são vítimas de uma ilusão, e eu mesmo teria tido uma singular ideia ao lhes atribuir aquilo de que poderia ter tido o mérito. Mas é inútil discutir este ponto, porque não o contestais. Se essa comunicação existe, deve ter sua utilidade, porque Deus nada faz de inútil. Ora, essa utilidade não só ressalta desse mesmo ensino, mas ainda, e sobretudo, das consequências desse ensino, como veremos dentro em pouco.
Dizeis que essas comunicações nada ensinam de novo além do que já foi ensinado por todos os filósofos, desde Confúcio, de onde concluís que são inúteis. O provérbio “Não há nada de novo sob o Sol” é perfeitamente certo e Edouard Fournier o demonstrou claramente em sua interessante obra do Vieux neuf. O que ele disse das obras criadas pelo gênio humano é também verdadeiro, em matéria filosófica, pela razão muito simples que as grandes verdades são de todos os tempos e em todos os tempos devem ter sido reveladas a homens de gênio.
Mas porque um homem formulou uma ideia, segue-se que aquele que a formula depois dele seja inútil? Sócrates e Platão não enunciaram princípios de moral idênticos aos de Jesus? Daí deve concluir-se que a doutrina de Jesus foi uma superfluidade? Se assim fosse, bem poucos trabalhos seriam de real utilidade, pois que da maior parte deles pode-se dizer que outra pessoa teve o mesmo pensamento e que bastaria recorrer ao primeiro.
Vós mesmo, meu caro senhor, que consagrais o vosso talento ao triunfo das ideias de progresso e de liberdade, o que dizeis que cem outros antes não tenham dito? Daí deve deduzir-se que vos deveríeis calar? Não o pensais.
Confúcio, por exemplo, proclama uma verdade. Depois dele, um, dois, três, uma centena de outros homens que vêm depois dele a desenvolvem, a completam e a apresentam sob outra forma, se bem que essa verdade, que tinha ficado nos arquivos da história e como privilégio de alguns eruditos, se populariza, se infiltra nas massas e acaba por se tornar uma crença vulgar. Que teria acontecido às ideias dos filósofos antigos se elas não tivessem sido retomadas em segunda mão por escritores modernos? Quantos as conheceriam hoje? É assim que cada um por sua vez vem dar a sua martelada.
Suponhamos, então, que os Espíritos nada de novo tenham ensinado; que não tenham revelado a menor verdade nova; numa palavra, que apenas tenham repetido todas aquelas professadas pelos apóstolos do progresso. Então, nada significam esses princípios hoje ensinados pela voz do mundo invisível em todas as partes do mundo, no recesso de todas as famílias, desde o palácio até a choupana? Então nada são essas marteladas diárias, a toda hora e por toda parte? Credes que as massas não estão mais penetradas e impressionadas pelas máximas vindas de seus parentes e amigos do que pelas de Sócrates e de Platão, que eles jamais leram, ou que só conhecem de nome?
Como vós, meu caro senhor, que combateis toda sorte de abusos, desdenhais semelhante auxiliar, um auxiliar que bate a todas as portas, desafiando todas as conjuras e todas as medidas inquisitoriais? Só este auxiliar ─ e um dia tereis a prova ─ triunfará sobre todas as resistências, porque toma os abusos pela base, apoiando-se na fé que se extingue e que ele vem consolidar.
Pregais a fraternidade em termos eloquentes, isto é ótimo, e eu vos admiro. Mas, o que é a fraternidade com egoísmo? O egoísmo será sempre a pedra de tropeço para a realização das mais generosas ideias. Exemplos antigos e recentes não faltariam em apoio a essa proposição. É preciso, pois, tomar o mal pela raiz, e para isto combater o egoísmo e o orgulho, que fizeram e farão abortar os projetos mais bem concebidos. Mas como destruir o egoísmo sob o império das ideias materialistas, que concentram a ação do homem na vida presente? Para aquele que nada espera desta vida, a abnegação não tem a menor razão de ser e o sacrifício é uma tolice, porque reduz os curtos prazeres deste mundo.
Ora, quem melhor que o Espiritismo dá essa fé inalterável no futuro? Como chegou ele a triunfar da incredulidade de tão grande número de pessoas e a domar tantas paixões más, senão pelas provas materiais que ele dá? E como pode ele dar estas provas sem as relações estabelecidas com os que não mais estão na Terra? Então, de nada vale ter ensinado aos homens de onde eles vêm, para onde vão, e o futuro que lhes é reservado? A solidariedade que ele ensina já não é simples teoria, mas é uma consequência inevitável das relações existentes entre os mortos e os vivos, relações que fazem da fraternidade entre os vivos não só um dever moral, mas uma necessidade, porque vem do interesse na vida futura.
As ideias de casta, os preconceitos aristocráticos, produtos do orgulho e do egoísmo, não foram em todos os tempos um obstáculo à emancipação das massas? Bastará dizer em teoria, aos privilegiados da fortuna: Todos os homens são iguais? O Evangelho bastou para persuadir os cristãos possuidores de escravos que esses escravos são seus irmãos? Ora, quem pode destruir esses preconceitos; quem nivela todas as cabeças, melhor do que a certeza de que nas últimas camadas da Sociedade se acham seres que ocuparam o topo da escala social; que entre os nossos criados, entre aqueles a quem damos esmola, podem achar-se parentes, amigos, homens que nos comandaram; que, enfim, os que agora estão no alto, podem descer para o último degrau? Estará nisso um ensino estéril para a Humanidade? Essa ideia é nova? Não. Mais de um filósofo a emitiu e pressentiu esta grande lei da justiça divina. Mas de nada vale dar-lhes a prova palpável e evidente?
Muitos séculos antes de Copérnico, Galileu e Newton, a redondeza e o movimento da Terra tinham sido estabelecidos em tese. Esses sábios vieram demonstrar o que os outros apenas haviam suspeitado. Assim, há Espíritos que vêm provar as grandes verdades que permaneceram como letra morta para a maioria, dando-lhes por base uma lei da Natureza.
Ah! meu caro senhor! Se soubésseis, como eu, quantos homens que teriam sido entraves à realização das ideias humanitárias mudaram a maneira de ver e hoje, graças ao Espiritismo, se tornam seus campeões, não mais diríeis que o ensino dos Espíritos é inútil. Vós o bendiríeis como a tábua de salvação da Sociedade e apelaríeis com todas as veras à sua propagação. Foi o ensino dos filósofos que lhes faltou? Não, porque quase todos são homens esclarecidos, mas, para eles, os filósofos eram sonhadores, utopistas, conversadores; que digo eu? revolucionários. Era preciso tocar-lhes o coração, e o que os tocou foram as vozes de além-túmulo, que se fizeram ouvir em seus próprios lares.
Permiti-me, caro senhor, por hoje, ficar por aqui. A abundância de matéria me obriga a deixar para o próximo número a questão analisada sob outro ponto de vista.
A propósito de nosso artigo do mês passado sobre a pastoral do Sr. Bispo de Argel, várias pessoas nos perguntaram se lho havíamos remetido. Ignoramos se alguém cuidou disto. Quanto a nós, não o mandamos, e eis a nossa razão:
Não temos a menor intenção de converter o Sr. Bispo de Argel à nossa opinião. Ele poderia ter visto na remessa direta daquele artigo uma espécie de bravata de nossa parte, o que não está em nosso caráter. Ainda uma vez, o Espiritismo deve ser aceito livremente e não violentar consciências; deve atrair a si pela força de seu raciocínio, a todos acessível, e pelos bons frutos que dá; deve realizar esta palavra do Cristo: “Outrora o Céu era tomado pela violência; hoje o é pela doçura.”
De duas, uma: ou o Sr. Bispo de Argel se limita a falar do que sabe, ou não se limita. No primeiro caso, ele deve por si mesmo pôr-se ao corrente da questão e não se limitar aos escritos que abundam neste sentido, se não quiser expor-se a erros lamentáveis. No segundo caso, seria trabalho perdido querer abrir os olhos a quem quer mantê-los fechados.
Grave erro é crer que a sorte do Espiritismo dependa da adesão de tal ou qual individualidade. Ele se apoia em base mais sólida: o assentimento das massas, nas quais a opinião dos menores pesa como a dos maiores. Não é uma pedra única que faz a solidez de um edifício, pois uma pedra pode ser retirada, mas o conjunto de todas as pedras que lhe servem de alicerce. Numa questão de tão vasto interesse, a importância das individualidades, consideradas em si mesmas, de certo modo se apaga. Cada um traz o seu contingente de ação, mas se algumas faltam ao chamado, o conjunto por isto não sofre.
Em sua opinião, o Sr. Bispo de Argel julgou que deveria fazer o que fez. Era um direito seu; diremos mais: fez bem em fazê-lo, pois agiu conforme sua consciência. Se o resultado não corresponder à sua expectativa, é que tomou um caminho errado. Eis tudo. Não nos cabe modificar as suas ideias e, por isto, não tínhamos que lhe enviar nossa refutação. Não a escrevemos para ele, mas para instrução dos espíritas de todos os países, a fim de assegurá-los quanto às consequências de uma manobra que provavelmente terá imitadores. Pouco importa, pois, a medida em si mesma. O essencial era provar que nem esta nem outras atingirão o objetivo visado: o aniquilamento do Espiritismo.
Em tese geral, em todas as nossas refutações jamais visamos os indivíduos, porque as questões pessoais morrem com as pessoas. O Espiritismo vê as coisas mais do alto. Ele se liga às questões de princípios, que sobrevivem aos indivíduos.
Num dado tempo, todos os atuais detratores do Espiritismo estarão mortos. Se em vida não puderam deter o seu impulso, podê-lo-ão ainda menos depois de mortos. Muito pelo contrário, mais de um, reconhecendo seu erro, sustentará, como Espírito, o que havia combatido como homem, como fez o defunto bispo de Barcelona, que recomendamos às preces de todos os espíritas, conforme o desejo por ele expresso.
Vede se já, antes de partir, mais de um antagonista não está morto moralmente! De todos os escritos que pretendiam pulverizar a doutrina, quantos sobreviveram? Um ou dois anos bastaram para pô-los no esquecimento, e os que mais ruído fizeram, apenas acenderam um fogo de palha, já extinto, ou em extinção. Mais alguns anos e não mais serão lembrados, e serão procurados como raridades.
Dá-se o mesmo com as ideias espíritas? Os fatos respondem à pergunta. Podese presumir que esses autores serão sucedidos por adversários mais temíveis, que terão razão contra o Espiritismo? É pouco provável, porque não é talento, nem boa vontade, nem alta posição que faltam aos de hoje. Eles estão plenos de fogo e ardor, mas o que lhes falta são argumentos que superem os dos espíritas, e certamente não é por que os não procurem. Ora, a ideia espírita ganhando partidários incessantemente, o número dos adversários diminuirá proporcionalmente, e estes serão forçados a aceitar um fato consumado.
Aliás, já dissemos que o clero não é unânime na reprovação do Espiritismo. Conhecemos pessoalmente vários eclesiásticos muito simpáticos a esta ideia, cujas consequências eles aceitam todas. Eis uma prova bem característica. O fato seguinte, cuja autenticidade podemos garantir, é bem recente.
Num vagão de estrada de ferro achavam-se dois senhores. Um deles era cientista, materialista e ateu no mais alto grau, e seu amigo, ao contrário, muito espiritualista. Eles discutiam calorosamente, cada um sustentando sua opinião. Numa estação subiu um jovem padre, que a princípio ouviu e depois entrou na conversa. Dirigindo-se ao incrédulo, disse-lhe:
─ Parece, senhor, que não acreditais em nada, nem mesmo em Deus!
─ É verdade, confesso, senhor padre, e ninguém ainda me provou que eu esteja em erro.
─ Então, senhor, eu vos aconselho a ir aos espíritas e crereis.
─ Como, senhor padre? Como falais assim?
─ Sim, senhor. Digo porque é a minha convicção. Sei, por experiência, que quando a religião é impotente para vencer a incredulidade, o Espiritismo triunfa.
─ Mas que pensaria o vosso bispo se soubesse que me dizeis isto?
─ Pensaria o que quisesse, e eu o diria a ele próprio, porque tenho por hábito não ocultar o meu modo de pensar.
Foi o próprio cientista que contou o caso a um amigo, do qual o colhemos. Eis um outro, não menos significativo:
Um dos nossos fervorosos adeptos, tendo ido visitar um de seus tios, cura de aldeia, encontrou-o lendo o Livro dos Espíritos. Transcrevemos textualmente o relato que nos deram da conversa.
─ O que, meu tio! Ledes este livro, e não temeis ficar louco? Certamente é para refutá-lo nos sermões.
─ Ao contrário, esta doutrina me tranquiliza quanto ao futuro, porque hoje compreendo bem muitos mistérios que não havia compreendido, mesmo no Evangelho. E tu, conheces isto?
─ Como não! Se conheço! Sou espírita de alma e coração e, além disto, um pouco médium.
─ Então, meu caro sobrinho, toca aqui! Nós jamais nos tínhamos entendido sobre a religião; agora nós nos entenderemos. Por que ainda não me tinhas falado? ─ Eu temia vos escandalizar.
─ Tu me escandalizavas muito mais outrora, por tua incredulidade.
─ Se eu era incrédulo, vós fostes a causa.
─ Como assim?
─ Não fostes vós que me educastes? E o que foi o que me ensinastes em matéria de religião? Sempre quisestes me explicar o que vós mesmo não compreendíeis. Depois, quando vos interrogava e não sabíeis responder, dizíeis: “Cala-te, infeliz! É preciso crer e não tentar compreender. Jamais passarás de um ateu.” Agora talvez eu vos pudesse objetar. Assim, sou eu que me encarrego de instruir meu filho. Ele tem dez anos e vos asseguro que é mais crente do que eu era naquela idade, entregue em vossas mãos, e não creio que jamais perca a sua fé, porque ele compreende tudo tão bem quanto eu. Se vísseis como ele ora com fervor, como é dócil, laborioso, atento a todos os seus deveres, ficaríeis impressionado. Mas dizei-me, meu tio, pregais o Espiritismo aos vossos paroquianos?
─ Vontade não me falta, mas compreendes que isto não é possível.
─ Falais sempre a eles da fornalha do diabo, como em meu tempo? Posso dizer isto agora sem vos ofender, mas realmente aquilo nos fazia rir. Entre os vossos ouvintes eu vos asseguro que só havia três ou quatro bondosas matronas que acreditavam no que dizíeis. As mocinhas, que normalmente são muito medrosas, depois do sermão iam fazer “o jogo do diabo.” Se esse medo tem tão pouco domínio sobre gente do campo, naturalmente supersticiosa, imaginai o que deve ser entre gente esclarecida. Ah! meu caro tio, já é tempo de trocar as baterias, porque o tempo do diabo acabou.
─ Bem sei, e o pior de tudo isto é que a maioria não crê mais em Deus do que no diabo, e por isto vão mais ao cabaré do que à igreja. Asseguro-te que muitas vezes me sinto embaraçado para conciliar o dever com a consciência. Procuro um meio-termo; falo mais de moral, dos deveres para com a família e a Sociedade, apoiando-me no Evangelho, e vejo que sou melhor ouvido e melhor compreendido.
─ Que resultado pensais que seria obtido se se lhes pregasse a religião do ponto de vista do Espiritismo?
─ Fizeste a tua confissão e vou fazer a minha, falando de coração aberto. Tenho a convicção de que em menos de dez anos não haveria um só incrédulo na paróquia e que todos seriam decentes. O que lhes falta é fé. Neles não há mais fé, e seu cepticismo, sem o contrapeso do respeito humano dado pela educação, tem algo de bestial. Eu lhes falo de moral, mas a moral sem a fé não tem base, e o Espiritismo lhes daria essa fé, porque essas criaturas, apesar da falta de instrução, têm muito bom-senso. Elas raciocinam mais do que a gente imagina, mas são extremamente desconfiadas, e essa desconfiança faz que queiram compreender antes de crer. Ora, para isto não há nada melhor que o Espiritismo.
─ A consequência do que dizeis, meu tio, é que se o resultado é possível numa paróquia, o é igualmente em outras. Se, pois, todos os curas da França pregassem apoiados no Espiritismo, a Sociedade se transformaria em poucos anos.
─ É a minha opinião.
─ Pensais que isto vai acontecer algum dia?
─ Eu tenho essa esperança.
─ E eu tenho a certeza que antes do fim deste século ver-se-á essa mudança.
Dizei-me, meu tio, sois médium?
─ Cale-se! (baixinho) Sim!
─ E o que vos dizem os Espíritos?
─ Eles me dizem que... (Aqui o bom cura falou tão baixo que o sobrinho não pôde ouvir).
Dissemos que a pastoral do Sr. Bispo de Argel não havia detido o impulso do Espiritismo nessa região. O resumo seguinte de duas cartas, entre muitas outras análogas, disto nos dá uma ideia:
“Caro e venerado mestre, confirmando a carta anterior, por ocasião da circular do Sr. Bispo de Argel, venho hoje renovar a certeza da dedicação inviolável de todos os espíritas do nosso grupo à santa e sublime doutrina do Espiritismo, que jamais nos persuadirão seja obra do diabo, pois ela nos arrancou da dúvida e do culto da matéria, e nos torna melhores uns para com os outros, mesmo para com os nossos inimigos, pelos quais oramos diariamente. Como no passado, continuamos nos reunindo e recebendo as instruções de nossos Espíritos protetores, que nos asseguram que tudo quanto se passa é para o melhor e segundo os desígnios da Providência. Todos nos dizem que estão próximos os tempos em que grandes mudanças vão operar-se nas crenças, às quais o Espiritismo servirá de elo para levar todos os homens à fraternidade...”
Não temos a menor intenção de converter o Sr. Bispo de Argel à nossa opinião. Ele poderia ter visto na remessa direta daquele artigo uma espécie de bravata de nossa parte, o que não está em nosso caráter. Ainda uma vez, o Espiritismo deve ser aceito livremente e não violentar consciências; deve atrair a si pela força de seu raciocínio, a todos acessível, e pelos bons frutos que dá; deve realizar esta palavra do Cristo: “Outrora o Céu era tomado pela violência; hoje o é pela doçura.”
De duas, uma: ou o Sr. Bispo de Argel se limita a falar do que sabe, ou não se limita. No primeiro caso, ele deve por si mesmo pôr-se ao corrente da questão e não se limitar aos escritos que abundam neste sentido, se não quiser expor-se a erros lamentáveis. No segundo caso, seria trabalho perdido querer abrir os olhos a quem quer mantê-los fechados.
Grave erro é crer que a sorte do Espiritismo dependa da adesão de tal ou qual individualidade. Ele se apoia em base mais sólida: o assentimento das massas, nas quais a opinião dos menores pesa como a dos maiores. Não é uma pedra única que faz a solidez de um edifício, pois uma pedra pode ser retirada, mas o conjunto de todas as pedras que lhe servem de alicerce. Numa questão de tão vasto interesse, a importância das individualidades, consideradas em si mesmas, de certo modo se apaga. Cada um traz o seu contingente de ação, mas se algumas faltam ao chamado, o conjunto por isto não sofre.
Em sua opinião, o Sr. Bispo de Argel julgou que deveria fazer o que fez. Era um direito seu; diremos mais: fez bem em fazê-lo, pois agiu conforme sua consciência. Se o resultado não corresponder à sua expectativa, é que tomou um caminho errado. Eis tudo. Não nos cabe modificar as suas ideias e, por isto, não tínhamos que lhe enviar nossa refutação. Não a escrevemos para ele, mas para instrução dos espíritas de todos os países, a fim de assegurá-los quanto às consequências de uma manobra que provavelmente terá imitadores. Pouco importa, pois, a medida em si mesma. O essencial era provar que nem esta nem outras atingirão o objetivo visado: o aniquilamento do Espiritismo.
Em tese geral, em todas as nossas refutações jamais visamos os indivíduos, porque as questões pessoais morrem com as pessoas. O Espiritismo vê as coisas mais do alto. Ele se liga às questões de princípios, que sobrevivem aos indivíduos.
Num dado tempo, todos os atuais detratores do Espiritismo estarão mortos. Se em vida não puderam deter o seu impulso, podê-lo-ão ainda menos depois de mortos. Muito pelo contrário, mais de um, reconhecendo seu erro, sustentará, como Espírito, o que havia combatido como homem, como fez o defunto bispo de Barcelona, que recomendamos às preces de todos os espíritas, conforme o desejo por ele expresso.
Vede se já, antes de partir, mais de um antagonista não está morto moralmente! De todos os escritos que pretendiam pulverizar a doutrina, quantos sobreviveram? Um ou dois anos bastaram para pô-los no esquecimento, e os que mais ruído fizeram, apenas acenderam um fogo de palha, já extinto, ou em extinção. Mais alguns anos e não mais serão lembrados, e serão procurados como raridades.
Dá-se o mesmo com as ideias espíritas? Os fatos respondem à pergunta. Podese presumir que esses autores serão sucedidos por adversários mais temíveis, que terão razão contra o Espiritismo? É pouco provável, porque não é talento, nem boa vontade, nem alta posição que faltam aos de hoje. Eles estão plenos de fogo e ardor, mas o que lhes falta são argumentos que superem os dos espíritas, e certamente não é por que os não procurem. Ora, a ideia espírita ganhando partidários incessantemente, o número dos adversários diminuirá proporcionalmente, e estes serão forçados a aceitar um fato consumado.
Aliás, já dissemos que o clero não é unânime na reprovação do Espiritismo. Conhecemos pessoalmente vários eclesiásticos muito simpáticos a esta ideia, cujas consequências eles aceitam todas. Eis uma prova bem característica. O fato seguinte, cuja autenticidade podemos garantir, é bem recente.
Num vagão de estrada de ferro achavam-se dois senhores. Um deles era cientista, materialista e ateu no mais alto grau, e seu amigo, ao contrário, muito espiritualista. Eles discutiam calorosamente, cada um sustentando sua opinião. Numa estação subiu um jovem padre, que a princípio ouviu e depois entrou na conversa. Dirigindo-se ao incrédulo, disse-lhe:
─ Parece, senhor, que não acreditais em nada, nem mesmo em Deus!
─ É verdade, confesso, senhor padre, e ninguém ainda me provou que eu esteja em erro.
─ Então, senhor, eu vos aconselho a ir aos espíritas e crereis.
─ Como, senhor padre? Como falais assim?
─ Sim, senhor. Digo porque é a minha convicção. Sei, por experiência, que quando a religião é impotente para vencer a incredulidade, o Espiritismo triunfa.
─ Mas que pensaria o vosso bispo se soubesse que me dizeis isto?
─ Pensaria o que quisesse, e eu o diria a ele próprio, porque tenho por hábito não ocultar o meu modo de pensar.
Foi o próprio cientista que contou o caso a um amigo, do qual o colhemos. Eis um outro, não menos significativo:
Um dos nossos fervorosos adeptos, tendo ido visitar um de seus tios, cura de aldeia, encontrou-o lendo o Livro dos Espíritos. Transcrevemos textualmente o relato que nos deram da conversa.
─ O que, meu tio! Ledes este livro, e não temeis ficar louco? Certamente é para refutá-lo nos sermões.
─ Ao contrário, esta doutrina me tranquiliza quanto ao futuro, porque hoje compreendo bem muitos mistérios que não havia compreendido, mesmo no Evangelho. E tu, conheces isto?
─ Como não! Se conheço! Sou espírita de alma e coração e, além disto, um pouco médium.
─ Então, meu caro sobrinho, toca aqui! Nós jamais nos tínhamos entendido sobre a religião; agora nós nos entenderemos. Por que ainda não me tinhas falado? ─ Eu temia vos escandalizar.
─ Tu me escandalizavas muito mais outrora, por tua incredulidade.
─ Se eu era incrédulo, vós fostes a causa.
─ Como assim?
─ Não fostes vós que me educastes? E o que foi o que me ensinastes em matéria de religião? Sempre quisestes me explicar o que vós mesmo não compreendíeis. Depois, quando vos interrogava e não sabíeis responder, dizíeis: “Cala-te, infeliz! É preciso crer e não tentar compreender. Jamais passarás de um ateu.” Agora talvez eu vos pudesse objetar. Assim, sou eu que me encarrego de instruir meu filho. Ele tem dez anos e vos asseguro que é mais crente do que eu era naquela idade, entregue em vossas mãos, e não creio que jamais perca a sua fé, porque ele compreende tudo tão bem quanto eu. Se vísseis como ele ora com fervor, como é dócil, laborioso, atento a todos os seus deveres, ficaríeis impressionado. Mas dizei-me, meu tio, pregais o Espiritismo aos vossos paroquianos?
─ Vontade não me falta, mas compreendes que isto não é possível.
─ Falais sempre a eles da fornalha do diabo, como em meu tempo? Posso dizer isto agora sem vos ofender, mas realmente aquilo nos fazia rir. Entre os vossos ouvintes eu vos asseguro que só havia três ou quatro bondosas matronas que acreditavam no que dizíeis. As mocinhas, que normalmente são muito medrosas, depois do sermão iam fazer “o jogo do diabo.” Se esse medo tem tão pouco domínio sobre gente do campo, naturalmente supersticiosa, imaginai o que deve ser entre gente esclarecida. Ah! meu caro tio, já é tempo de trocar as baterias, porque o tempo do diabo acabou.
─ Bem sei, e o pior de tudo isto é que a maioria não crê mais em Deus do que no diabo, e por isto vão mais ao cabaré do que à igreja. Asseguro-te que muitas vezes me sinto embaraçado para conciliar o dever com a consciência. Procuro um meio-termo; falo mais de moral, dos deveres para com a família e a Sociedade, apoiando-me no Evangelho, e vejo que sou melhor ouvido e melhor compreendido.
─ Que resultado pensais que seria obtido se se lhes pregasse a religião do ponto de vista do Espiritismo?
─ Fizeste a tua confissão e vou fazer a minha, falando de coração aberto. Tenho a convicção de que em menos de dez anos não haveria um só incrédulo na paróquia e que todos seriam decentes. O que lhes falta é fé. Neles não há mais fé, e seu cepticismo, sem o contrapeso do respeito humano dado pela educação, tem algo de bestial. Eu lhes falo de moral, mas a moral sem a fé não tem base, e o Espiritismo lhes daria essa fé, porque essas criaturas, apesar da falta de instrução, têm muito bom-senso. Elas raciocinam mais do que a gente imagina, mas são extremamente desconfiadas, e essa desconfiança faz que queiram compreender antes de crer. Ora, para isto não há nada melhor que o Espiritismo.
─ A consequência do que dizeis, meu tio, é que se o resultado é possível numa paróquia, o é igualmente em outras. Se, pois, todos os curas da França pregassem apoiados no Espiritismo, a Sociedade se transformaria em poucos anos.
─ É a minha opinião.
─ Pensais que isto vai acontecer algum dia?
─ Eu tenho essa esperança.
─ E eu tenho a certeza que antes do fim deste século ver-se-á essa mudança.
Dizei-me, meu tio, sois médium?
─ Cale-se! (baixinho) Sim!
─ E o que vos dizem os Espíritos?
─ Eles me dizem que... (Aqui o bom cura falou tão baixo que o sobrinho não pôde ouvir).
Dissemos que a pastoral do Sr. Bispo de Argel não havia detido o impulso do Espiritismo nessa região. O resumo seguinte de duas cartas, entre muitas outras análogas, disto nos dá uma ideia:
“Caro e venerado mestre, confirmando a carta anterior, por ocasião da circular do Sr. Bispo de Argel, venho hoje renovar a certeza da dedicação inviolável de todos os espíritas do nosso grupo à santa e sublime doutrina do Espiritismo, que jamais nos persuadirão seja obra do diabo, pois ela nos arrancou da dúvida e do culto da matéria, e nos torna melhores uns para com os outros, mesmo para com os nossos inimigos, pelos quais oramos diariamente. Como no passado, continuamos nos reunindo e recebendo as instruções de nossos Espíritos protetores, que nos asseguram que tudo quanto se passa é para o melhor e segundo os desígnios da Providência. Todos nos dizem que estão próximos os tempos em que grandes mudanças vão operar-se nas crenças, às quais o Espiritismo servirá de elo para levar todos os homens à fraternidade...”
Uma outra carta diz:
“A pastoral do Sr. Bispo de Argel forneceu ao nosso cura, assunto para um sermão fulminante contra o Espiritismo, sobretudo às custas de sua eloquência.
Engano-me, porque ele causou tão forte impressão sobre muitos trocistas que estes, vendo o Espiritismo tomado a sério pela autoridade eclesiástica, disseram para si mesmos que aí deveria haver algo de sério. Então puseram-se a estudar e agora eles não riem mais, e são dos nossos. Aliás, o número de espíritas continua a aumentar e vários novos grupos estão em vias de formação.”
Toda a nossa correspondência é no mesmo sentido e não assinala uma só defecção, mas apenas pessoas cuja posição dependente da autoridade eclesiástica obriga a não se porem em evidência, sem contudo deixarem de ocupar-se do Espiritismo na intimidade, ou no silêncio de seu quarto. Eles podem impor atos exteriores, mas não dominar a consciência.
A comunicação abaixo prova que tanto entre os Espíritos quanto entre os homens, o impulso não diminuiu.
“Sétif, 17 de setembro de 1863.
“Meus amigos, venho a vós cheio de alegria, vendo o Espiritismo fazer rápidos progressos e diariamente adquirir novas forças, em meio aos entraves que lhe opõem. Essas forças não são apenas da quantidade, mas da união, da fraternidade, da caridade. Tende, pois, confiança, esperança e coragem, marchando nesta santa via do progresso espírita, da qual nenhuma força humana vos arredará.
“Contudo, esperai a luta e preparai-vos para sustentá-la. Aí estão os inimigos que vos forjam pesadas cadeias com que vos esperam vencer e domar. Que farão eles contra a vontade de Deus, que vos protege? As bases de sua lei elevar-se-ão, malgrado todos os empecilhos. Os servos do Todo-Poderoso estão cheios de ardor e zelo. Eles não se deixarão abater; eles resistirão a todos os ataques; eles marcharão pela estrada sempre e a despeito de tudo; os entraves, as cadeias quebrar-se-ão como se fossem de vidro.
“Eu vos digo, velai, orai, estendei a mão aos infelizes e abri os olhos que estão fechados. Que vossos corações e vossos braços a todos estejam abertos, sem exceção.
“Espíritas, vossa tarefa é bela! Que há de mais belo, de mais consolador que esse pacto de união entre os vivos e os mortos? Que imensos serviços nos poderemos prestar mutuamente! Por vossas preces a Deus, partidas do fundo do coração, muito podeis para o alívio das almas que sofrem, e quão suave é o benefício ao coração de quem o pratica! Que tocante harmonia a das bênçãos que houverdes merecido! Ainda uma vez, orai elevando a alma ao Céu, e ficai persuadidos de que cada uma de vossas preces será escutada e atenuará uma dor.
“Compreendei bem que quanto mais homens trouxerdes a vos imitar, mais poderoso será o conjunto de vossas preces. Tomai os homens pela mão e conduzi-os à verdadeira rota, onde aumentarão a vossa falange. Pregai a boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o Divino Mestre ensina em suas próprias comunicações, que repetem e confirmam a doutrina dos Evangelhos. Os que viverem verão coisas admiráveis, eu vo-lo asseguro.
“─ É preciso responder a essa pastoral pela imprensa?
“─ Meu Deus! Permiti-me dizer-lhes o que penso! Eles estabeleceram uma rota. Eles mandam varrê-la para que o povo nela passeie com mais comodidade e em maior número. Assim, a multidão vem aqui comprimir-se. Deveis compreender minha linguagem, um tanto enigmática. Vosso dever de espíritas é mostrar que eles abriram a porta em vez de fechá-la.
“SÃO JOSÉ”
“A pastoral do Sr. Bispo de Argel forneceu ao nosso cura, assunto para um sermão fulminante contra o Espiritismo, sobretudo às custas de sua eloquência.
Engano-me, porque ele causou tão forte impressão sobre muitos trocistas que estes, vendo o Espiritismo tomado a sério pela autoridade eclesiástica, disseram para si mesmos que aí deveria haver algo de sério. Então puseram-se a estudar e agora eles não riem mais, e são dos nossos. Aliás, o número de espíritas continua a aumentar e vários novos grupos estão em vias de formação.”
Toda a nossa correspondência é no mesmo sentido e não assinala uma só defecção, mas apenas pessoas cuja posição dependente da autoridade eclesiástica obriga a não se porem em evidência, sem contudo deixarem de ocupar-se do Espiritismo na intimidade, ou no silêncio de seu quarto. Eles podem impor atos exteriores, mas não dominar a consciência.
A comunicação abaixo prova que tanto entre os Espíritos quanto entre os homens, o impulso não diminuiu.
“Sétif, 17 de setembro de 1863.
“Meus amigos, venho a vós cheio de alegria, vendo o Espiritismo fazer rápidos progressos e diariamente adquirir novas forças, em meio aos entraves que lhe opõem. Essas forças não são apenas da quantidade, mas da união, da fraternidade, da caridade. Tende, pois, confiança, esperança e coragem, marchando nesta santa via do progresso espírita, da qual nenhuma força humana vos arredará.
“Contudo, esperai a luta e preparai-vos para sustentá-la. Aí estão os inimigos que vos forjam pesadas cadeias com que vos esperam vencer e domar. Que farão eles contra a vontade de Deus, que vos protege? As bases de sua lei elevar-se-ão, malgrado todos os empecilhos. Os servos do Todo-Poderoso estão cheios de ardor e zelo. Eles não se deixarão abater; eles resistirão a todos os ataques; eles marcharão pela estrada sempre e a despeito de tudo; os entraves, as cadeias quebrar-se-ão como se fossem de vidro.
“Eu vos digo, velai, orai, estendei a mão aos infelizes e abri os olhos que estão fechados. Que vossos corações e vossos braços a todos estejam abertos, sem exceção.
“Espíritas, vossa tarefa é bela! Que há de mais belo, de mais consolador que esse pacto de união entre os vivos e os mortos? Que imensos serviços nos poderemos prestar mutuamente! Por vossas preces a Deus, partidas do fundo do coração, muito podeis para o alívio das almas que sofrem, e quão suave é o benefício ao coração de quem o pratica! Que tocante harmonia a das bênçãos que houverdes merecido! Ainda uma vez, orai elevando a alma ao Céu, e ficai persuadidos de que cada uma de vossas preces será escutada e atenuará uma dor.
“Compreendei bem que quanto mais homens trouxerdes a vos imitar, mais poderoso será o conjunto de vossas preces. Tomai os homens pela mão e conduzi-os à verdadeira rota, onde aumentarão a vossa falange. Pregai a boa doutrina, a doutrina de Jesus, a que o Divino Mestre ensina em suas próprias comunicações, que repetem e confirmam a doutrina dos Evangelhos. Os que viverem verão coisas admiráveis, eu vo-lo asseguro.
“─ É preciso responder a essa pastoral pela imprensa?
“─ Meu Deus! Permiti-me dizer-lhes o que penso! Eles estabeleceram uma rota. Eles mandam varrê-la para que o povo nela passeie com mais comodidade e em maior número. Assim, a multidão vem aqui comprimir-se. Deveis compreender minha linguagem, um tanto enigmática. Vosso dever de espíritas é mostrar que eles abriram a porta em vez de fechá-la.
“SÃO JOSÉ”
OBSERVAÇÃO: Esta comunicação foi obtida por um operário, médium absolutamente iletrado e que apenas assinava o nome. A partir de quando se tornou médium, ele escreve um pouco, mas com dificuldade. Não se pode suspeitar, portanto, que a dissertação acima seja obra de sua imaginação.
Uma carta que nos chega contém a seguinte passagem:
“Acabo de ter uma discussão com o cura daqui sobre a Doutrina Espírita. Ao tratar da reencarnação pediu-me lhe dissesse qual dos corpos tomará o Espírito de Elias no juízo final, anunciado pela Igreja, para se apresentar ante Jesus Cristo: se será o primeiro ou o segundo. Não soube lhe responder. Ele riu e me disse que nós os espíritas não éramos fortes.”
Não sabemos qual dos dois provocou a discussão. Em todo caso, é sempre imprudente engajar-se numa controvérsia quando não se sente força para sustentá-la. Se a iniciativa foi do nosso correspondente, lembraremos o que não cessamos de repetir, que “o Espiritismo se dirige aos que não creem ou que duvidam e não aos que têm uma fé e aos quais esta basta; que ele não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar a nossa”, e nisto ele é consequente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por este motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas, para converter às nossas ideias o clero de qualquer comunhão. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: Acolhei com dedicação os homens de boa vontade; dai luz aos que a buscam, pois com os que julgam possuí-la não tereis êxito; não façais violência à fé de ninguém, tanto do clero quanto dos leigos, pois ireis semear em campo árido; ponde a luz em evidência, para que os que querem ver a vejam; mostrai os frutos da árvore e dai de comer aos que têm fome e não aos que se dizem fartos.
Se membros do clero vêm a vós com intenções sinceras e sem pensamento oculto, fazei por eles o que fazeis por vossos outros irmãos: instruí os que pedirem, mas não busqueis trazer à força os que julgarem sua consciência comprometida a pensar diferente de vós; deixai-lhes a fé que eles têm, como quereis que vos deixem a vossa; mostrai-lhes, enfim, que sabeis praticar a caridade segundo Jesus.
Se eles forem os primeiros a atacar, então tem-se o direito de responder e refutar. Se eles abrirem a liça, é permitido segui-los, sem contudo afastar-se da moderação, de que Jesus deu exemplo aos seus discípulos. Se os nossos adversários se afastarem por si mesmos, há que lhes deixar esse triste privilégio, que jamais é prova da verdadeira força.
Se nós próprio há algum tempo entramos na via da controvérsia, e se levantamos a luva atirada por alguns membros do clero, far-nos-ão a justiça de reconhecer que nossa polêmica jamais foi agressiva. Se eles não tivessem sido os primeiros a atacar, jamais seu nome teria sido pronunciado por nós. Sempre desprezamos as injúrias e o personalismo de que fomos objeto, mas era nosso dever tomar a defesa dos nossos irmãos atacados e da nossa doutrina indignamente desfigurada, pois chegaram a dizer em pleno púlpito que ela pregava o adultério e o suicídio. Já o dissemos, e agora repetimos que essa provocação é desajeitada, porque leva, forçosamente, ao exame de certas questões que teria sido a melhor política deixar abafadas, porque, uma vez aberto o campo, não se sabe onde se vai parar. Mas o medo é mau conselheiro.
Dito isto, vamos tentar dar ao senhor cura citado acima a resposta à pergunta feita. Contudo, não podemos deixar de notar que se o seu interlocutor não era tão forte quanto ele em teologia, ele mesmo não nos parece muito forte no Evangelho. Sua pergunta remete à que foi proposta a Jesus pelos Saduceus. Ele não tinha senão que se reportar à resposta de Jesus, que tomamos a liberdade de lha recordar, já que ele não a sabe.
“Naquele dia os Saduceus, que negam a ressurreição, vieram encontrá-lo e lhe propuseram uma pergunta, dizendo-lhe: ‘Mestre, Moisés ordenou que se alguém morresse sem filhos, seu irmão desposasse sua mulher, e suscitasse filhos a seu irmão morto. Ora, havia entre nós sete irmãos, dos quais o primeiro, tendo desposado uma mulher, morreu, e não tendo deixado filhos, deixou a mulher a seu irmão. A mesma coisa aconteceu ao segundo, ao terceiro e a todos os outros, até o sétimo. Enfim, a mulher morreu depois de todos eles. Assim, quando vier a ressurreição, de qual dos sete ela será esposa, tendo sido esposa de todos?’
“Jesus lhes respondeu: ‘Estais em erro, pois não compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus, porque, depois da ressurreição, os homens não terão esposa, nem as mulheres marido, mas SERÃO COMO OS ANJOS DE DEUS NO CÉU. E no que concerne à ressurreição dos mortos, não lestes estas palavras que Deus vos disse: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Ora, Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.’” (Mat. XXII: 23-32).
Já que depois da ressurreição os homens serão como os anjos do céu, e que os anjos não têm corpo carnal, mas um corpo etéreo e fluídico, então os homens não ressuscitarão em carne e osso. Se João Batista foi Elias, não é senão uma mesma alma, tendo tido duas vestimentas deixadas em duas épocas diferentes na Terra, e não se apresentará nem com uma nem com a outra, mas com o envoltório etéreo, próprio ao mundo invisível.
Se as palavras de Jesus não vos parecem bastante claras, lede as de São Paulo, que citamos abaixo. Elas são ainda mais explícitas.
Duvidais que João Batista tenha sido Elias? Lede São Mateus, XI: 13-15: “Por que antes de João, todos os profetas, assim como a lei, profetizaram; e se quereis compreender o que vos digo, é ele mesmo que é esse Elias que deve vir. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.” Aqui não há equívoco. Os termos são claros e categóricos, e para não entender é preciso não ter ouvidos, ou querer fechá-los. Sendo essas palavras uma afirmação positiva, de duas uma: Jesus disse a verdade, ou enganou-se. Na primeira hipótese, a reencarnação é por ele atestada; na segunda, a dúvida é lançada sobre todos os seus ensinos, pois se se enganou num ponto, pode ter-se enganado sobre os outros. Escolhei.
Agora, senhor cura, permiti que, por minha vez, vos dirija uma pergunta, que certamente vos será fácil responder.
Sabeis que o Gênesis, estabelecendo seis dias para a criação, não só da Terra, mas do Universo inteiro: Sol, estrelas, Lua, etc., não tinha contado com a Geologia e a Astronomia, e que Josué não tinha contado com a gravitação universal. Parece-me que o dogma da ressurreição da carne não contou com a Química.
É verdade que a Química é uma ciência diabólica, como todas as que fazem ver claro onde queriam que se visse turvo, mas, seja qual for a sua origem, ela nos ensina uma coisa positiva, é que o corpo do homem, como todas as substâncias orgânicas animais e vegetais, é composto de elementos diversos, dos quais os principais são: o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono. Ela ainda nos ensina ─ e notai que é um resultado da experiência ─ que com a morte, esses elementos se dispersam e entram na composição de outros corpos, de tal forma que, ao cabo de um certo tempo, o corpo inteiro é absorvido.
É também constatado que o terreno onde abundam as matérias orgânicas em decomposição são os mais férteis e é à vizinhança dos cemitérios que os maus crentes atribuem a proverbial fecundidade dos jardins dos senhores curas de aldeia.
Suponhamos, então, senhor cura, que sejam plantadas batatas nas proximidades de um sepulcro. Essas batatas vão alimentar-se dos gases e dos sais provenientes da decomposição do corpo do morto; essas batatas vão engordar galinhas; vós comereis essas galinhas, as saboreareis, de tal sorte que o vosso próprio corpo será formado de moléculas do corpo do indivíduo morto, e que não deixarão de ser dele, posto tenham passado por intermediários. Então tereis em vós partes que pertenceram a outros. Ora, quando ressuscitardes ambos, no dia de juízo, cada um com seu corpo, como fareis? Guardareis o que tendes do outro ou o outro retomará o que lhe pertence, ou ainda tereis algo da batata e da galinha?
É uma pergunta ao menos tão grave quanto a de saber se João Batista ressuscitará com o corpo de João ou com o de Elias. Eu a faço na sua maior simplicidade, mas julgai do embaraço se, como acontece de fato, tendes em vós porções de centenas de indivíduos. Aí está, a bem dizer, a ressurreição da carne. Outra, porém, é a do Espírito, que não leva consigo os seus despojos. Vede, a seguir, o que diz São Paulo.
Considerando-se que estamos no terreno das perguntas, eis outra, senhor cura, que ouvimos de incrédulos. Certamente ela é estranha ao assunto que nos ocupa, mas é trazida por um dos fatos a que nos referimos acima. Segundo o Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias e repousou no sétimo. É esse repouso do sétimo dia que é consagrado pelo de domingo, cuja estrita observação é lei canônica. Se, pois, como o demonstra a geologia, esses seis dias, em vez de vinte e quatro horas, são alguns milhões de anos, qual será a duração do dia de descanso? Em termos de importância, esta pergunta tem tanto valor quanto as duas outras.
Não creiais, senhor cura, que estas observações sejam resultado de um desprezo pelas santas Escrituras. Não. Ao contrário, nós lhes rendemos uma homenagem talvez maior que a vossa. Tendo em conta a forma alegórica, nós lhes buscamos o espírito que vivifica; nelas encontramos grandes verdades, e dessa maneira levamos os incrédulos a crer e a respeitá-las, ao passo que apegando-se à letra que mata, fazemnas dizerem coisas absurdas e aumenta-se o número dos cépticos.
“Acabo de ter uma discussão com o cura daqui sobre a Doutrina Espírita. Ao tratar da reencarnação pediu-me lhe dissesse qual dos corpos tomará o Espírito de Elias no juízo final, anunciado pela Igreja, para se apresentar ante Jesus Cristo: se será o primeiro ou o segundo. Não soube lhe responder. Ele riu e me disse que nós os espíritas não éramos fortes.”
Não sabemos qual dos dois provocou a discussão. Em todo caso, é sempre imprudente engajar-se numa controvérsia quando não se sente força para sustentá-la. Se a iniciativa foi do nosso correspondente, lembraremos o que não cessamos de repetir, que “o Espiritismo se dirige aos que não creem ou que duvidam e não aos que têm uma fé e aos quais esta basta; que ele não diz a ninguém que renuncie às suas crenças para adotar a nossa”, e nisto ele é consequente com os princípios de tolerância e de liberdade de consciência que professa. Por este motivo não poderíamos aprovar as tentativas feitas por certas pessoas, para converter às nossas ideias o clero de qualquer comunhão. Repetiremos, pois, a todos os espíritas: Acolhei com dedicação os homens de boa vontade; dai luz aos que a buscam, pois com os que julgam possuí-la não tereis êxito; não façais violência à fé de ninguém, tanto do clero quanto dos leigos, pois ireis semear em campo árido; ponde a luz em evidência, para que os que querem ver a vejam; mostrai os frutos da árvore e dai de comer aos que têm fome e não aos que se dizem fartos.
Se membros do clero vêm a vós com intenções sinceras e sem pensamento oculto, fazei por eles o que fazeis por vossos outros irmãos: instruí os que pedirem, mas não busqueis trazer à força os que julgarem sua consciência comprometida a pensar diferente de vós; deixai-lhes a fé que eles têm, como quereis que vos deixem a vossa; mostrai-lhes, enfim, que sabeis praticar a caridade segundo Jesus.
Se eles forem os primeiros a atacar, então tem-se o direito de responder e refutar. Se eles abrirem a liça, é permitido segui-los, sem contudo afastar-se da moderação, de que Jesus deu exemplo aos seus discípulos. Se os nossos adversários se afastarem por si mesmos, há que lhes deixar esse triste privilégio, que jamais é prova da verdadeira força.
Se nós próprio há algum tempo entramos na via da controvérsia, e se levantamos a luva atirada por alguns membros do clero, far-nos-ão a justiça de reconhecer que nossa polêmica jamais foi agressiva. Se eles não tivessem sido os primeiros a atacar, jamais seu nome teria sido pronunciado por nós. Sempre desprezamos as injúrias e o personalismo de que fomos objeto, mas era nosso dever tomar a defesa dos nossos irmãos atacados e da nossa doutrina indignamente desfigurada, pois chegaram a dizer em pleno púlpito que ela pregava o adultério e o suicídio. Já o dissemos, e agora repetimos que essa provocação é desajeitada, porque leva, forçosamente, ao exame de certas questões que teria sido a melhor política deixar abafadas, porque, uma vez aberto o campo, não se sabe onde se vai parar. Mas o medo é mau conselheiro.
Dito isto, vamos tentar dar ao senhor cura citado acima a resposta à pergunta feita. Contudo, não podemos deixar de notar que se o seu interlocutor não era tão forte quanto ele em teologia, ele mesmo não nos parece muito forte no Evangelho. Sua pergunta remete à que foi proposta a Jesus pelos Saduceus. Ele não tinha senão que se reportar à resposta de Jesus, que tomamos a liberdade de lha recordar, já que ele não a sabe.
“Naquele dia os Saduceus, que negam a ressurreição, vieram encontrá-lo e lhe propuseram uma pergunta, dizendo-lhe: ‘Mestre, Moisés ordenou que se alguém morresse sem filhos, seu irmão desposasse sua mulher, e suscitasse filhos a seu irmão morto. Ora, havia entre nós sete irmãos, dos quais o primeiro, tendo desposado uma mulher, morreu, e não tendo deixado filhos, deixou a mulher a seu irmão. A mesma coisa aconteceu ao segundo, ao terceiro e a todos os outros, até o sétimo. Enfim, a mulher morreu depois de todos eles. Assim, quando vier a ressurreição, de qual dos sete ela será esposa, tendo sido esposa de todos?’
“Jesus lhes respondeu: ‘Estais em erro, pois não compreendeis as Escrituras nem o poder de Deus, porque, depois da ressurreição, os homens não terão esposa, nem as mulheres marido, mas SERÃO COMO OS ANJOS DE DEUS NO CÉU. E no que concerne à ressurreição dos mortos, não lestes estas palavras que Deus vos disse: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? Ora, Deus não é o Deus dos mortos, mas dos vivos.’” (Mat. XXII: 23-32).
Já que depois da ressurreição os homens serão como os anjos do céu, e que os anjos não têm corpo carnal, mas um corpo etéreo e fluídico, então os homens não ressuscitarão em carne e osso. Se João Batista foi Elias, não é senão uma mesma alma, tendo tido duas vestimentas deixadas em duas épocas diferentes na Terra, e não se apresentará nem com uma nem com a outra, mas com o envoltório etéreo, próprio ao mundo invisível.
Se as palavras de Jesus não vos parecem bastante claras, lede as de São Paulo, que citamos abaixo. Elas são ainda mais explícitas.
Duvidais que João Batista tenha sido Elias? Lede São Mateus, XI: 13-15: “Por que antes de João, todos os profetas, assim como a lei, profetizaram; e se quereis compreender o que vos digo, é ele mesmo que é esse Elias que deve vir. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.” Aqui não há equívoco. Os termos são claros e categóricos, e para não entender é preciso não ter ouvidos, ou querer fechá-los. Sendo essas palavras uma afirmação positiva, de duas uma: Jesus disse a verdade, ou enganou-se. Na primeira hipótese, a reencarnação é por ele atestada; na segunda, a dúvida é lançada sobre todos os seus ensinos, pois se se enganou num ponto, pode ter-se enganado sobre os outros. Escolhei.
Agora, senhor cura, permiti que, por minha vez, vos dirija uma pergunta, que certamente vos será fácil responder.
Sabeis que o Gênesis, estabelecendo seis dias para a criação, não só da Terra, mas do Universo inteiro: Sol, estrelas, Lua, etc., não tinha contado com a Geologia e a Astronomia, e que Josué não tinha contado com a gravitação universal. Parece-me que o dogma da ressurreição da carne não contou com a Química.
É verdade que a Química é uma ciência diabólica, como todas as que fazem ver claro onde queriam que se visse turvo, mas, seja qual for a sua origem, ela nos ensina uma coisa positiva, é que o corpo do homem, como todas as substâncias orgânicas animais e vegetais, é composto de elementos diversos, dos quais os principais são: o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono. Ela ainda nos ensina ─ e notai que é um resultado da experiência ─ que com a morte, esses elementos se dispersam e entram na composição de outros corpos, de tal forma que, ao cabo de um certo tempo, o corpo inteiro é absorvido.
É também constatado que o terreno onde abundam as matérias orgânicas em decomposição são os mais férteis e é à vizinhança dos cemitérios que os maus crentes atribuem a proverbial fecundidade dos jardins dos senhores curas de aldeia.
Suponhamos, então, senhor cura, que sejam plantadas batatas nas proximidades de um sepulcro. Essas batatas vão alimentar-se dos gases e dos sais provenientes da decomposição do corpo do morto; essas batatas vão engordar galinhas; vós comereis essas galinhas, as saboreareis, de tal sorte que o vosso próprio corpo será formado de moléculas do corpo do indivíduo morto, e que não deixarão de ser dele, posto tenham passado por intermediários. Então tereis em vós partes que pertenceram a outros. Ora, quando ressuscitardes ambos, no dia de juízo, cada um com seu corpo, como fareis? Guardareis o que tendes do outro ou o outro retomará o que lhe pertence, ou ainda tereis algo da batata e da galinha?
É uma pergunta ao menos tão grave quanto a de saber se João Batista ressuscitará com o corpo de João ou com o de Elias. Eu a faço na sua maior simplicidade, mas julgai do embaraço se, como acontece de fato, tendes em vós porções de centenas de indivíduos. Aí está, a bem dizer, a ressurreição da carne. Outra, porém, é a do Espírito, que não leva consigo os seus despojos. Vede, a seguir, o que diz São Paulo.
Considerando-se que estamos no terreno das perguntas, eis outra, senhor cura, que ouvimos de incrédulos. Certamente ela é estranha ao assunto que nos ocupa, mas é trazida por um dos fatos a que nos referimos acima. Segundo o Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias e repousou no sétimo. É esse repouso do sétimo dia que é consagrado pelo de domingo, cuja estrita observação é lei canônica. Se, pois, como o demonstra a geologia, esses seis dias, em vez de vinte e quatro horas, são alguns milhões de anos, qual será a duração do dia de descanso? Em termos de importância, esta pergunta tem tanto valor quanto as duas outras.
Não creiais, senhor cura, que estas observações sejam resultado de um desprezo pelas santas Escrituras. Não. Ao contrário, nós lhes rendemos uma homenagem talvez maior que a vossa. Tendo em conta a forma alegórica, nós lhes buscamos o espírito que vivifica; nelas encontramos grandes verdades, e dessa maneira levamos os incrédulos a crer e a respeitá-las, ao passo que apegando-se à letra que mata, fazemnas dizerem coisas absurdas e aumenta-se o número dos cépticos.
A comunicação seguinte foi obtida na sessão da Sociedade de Paris de 9 de outubro de 1863:
“Quantos dias se passaram, meus filhos, desde que tive a felicidade de entreterme convosco! Assim, é com grata satisfação que me encontro na minha cara Sociedade de Paris.
“Com que vos entreterei hoje? A maior parte das questões morais foram tratadas por penas hábeis. Não obstante, elas são de tal modo de meu domínio e o seu campo é tão vasto, que ainda encontrarei alguns grãos de verdade para semear. Além disso, mesmo que eu apenas repita o que outros já disseram, talvez apareçam alguns novos ensinamentos, porque as boas palavras, como as boas sementes, sempre produzem bons frutos.
“Para nós os livros santos são celeiros inesgotáveis, e o grande apóstolo Paulo, que outrora tanto contribuiu para o estabelecimento do Cristianismo, por sua poderosa predicação, vos deixou monumentos escritos que servirão, não menos energicamente, à expansão do Espiritismo.
“Não ignoro que os vossos adversários religiosos invocam seu testemunho contra vós, mas isto não impede que o ilustre iluminado de Damasco seja por vós e esteja convosco, ficai bem convencidos.
“O sopro que corre nas suas epístolas; a santa inspiração que anima os seus ensinos, longe de ser hostil à vossa doutrina, está, ao contrário, cheio de singulares previsões em vista do que acontece hoje. É assim que, na sua primeira epístola aos Coríntios, ele ensina que sem a caridade não existe nenhum homem, ainda que fosse santo, ainda que fosse profeta e transportasse montanhas, que se possa gabar de ser um verdadeiro discípulo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como os espíritas, e antes dos espíritas, foi ele o primeiro a proclamar esta máxima que vos constitui uma glória: Fora da caridade não há salvação!
“Mas não é apenas por este lado que ele se liga à doutrina que nós vos ensinamos e que hoje propagais. Com aquela aguda inteligência que lhe era própria, ele havia previsto o que Deus reservava para o futuro e, notadamente, esta transformação, esta regeneração da fé cristã que sois chamados a assentar profundamente no espírito moderno, porquanto ele descreve, na citada epístola, e de maneira indiscutível, as principais faculdades mediúnicas, que ele denomina: os dons abençoados do Espírito Santo.
“Ah, meus filhos! Aquele santo doutor contempla com uma indissimulável amargura, o grau de aviltamento em que caiu a maior parte daqueles que falam em seu nome e proclamam, urbi et orbi, que outrora Deus deu à Terra toda a soma de verdades que ela era capaz de receber.
“Entretanto, o apóstolo tinha exclamado que em sua época não havia mais que uma uma ciência e profecias imperfeitas. Ora, aquele que se lastimava de tal situação sabia, por isto mesmo, que essa ciência e essas profecias um dia se aperfeiçoariam. Não está aí a condenação absoluta de todos os que condenam o progresso? Não está aí o mais rude golpe para aqueles que pretendem que o Cristo e os apóstolos, os Pais da Igreja e sobretudo os reverendos casuístas da Companhia de Jesus, teriam dado à Terra toda a ciência religiosa e filosófica à qual ela tinha direito? Felizmente o próprio apóstolo teve o cuidado de desmenti-los antecipadamente.
“Meus caros filhos, para apreciar, no seu justo valor, os homens que vos combatem, não tendes senão que estudar os argumentos de sua polêmica, suas palavras acerbas e os pesares que testemunham, como o Rev. Pe. Pailloux; que as fogueiras sejam extintas e que a Santa Inquisição não mais funcione ad majorem Dei gloriam.
Meus irmãos, vós tendes a caridade, eles a intolerância, por isso só temos que lamentá-los. Eis por que vos convido a orar por esses pobres transviados, a fim de que o Espírito Santo, que eles tanto invocam, se digne, enfim, a lhes iluminar a consciência e o coração.”
FRANÇOIS-NICOLAS MADEILEINE
“Quantos dias se passaram, meus filhos, desde que tive a felicidade de entreterme convosco! Assim, é com grata satisfação que me encontro na minha cara Sociedade de Paris.
“Com que vos entreterei hoje? A maior parte das questões morais foram tratadas por penas hábeis. Não obstante, elas são de tal modo de meu domínio e o seu campo é tão vasto, que ainda encontrarei alguns grãos de verdade para semear. Além disso, mesmo que eu apenas repita o que outros já disseram, talvez apareçam alguns novos ensinamentos, porque as boas palavras, como as boas sementes, sempre produzem bons frutos.
“Para nós os livros santos são celeiros inesgotáveis, e o grande apóstolo Paulo, que outrora tanto contribuiu para o estabelecimento do Cristianismo, por sua poderosa predicação, vos deixou monumentos escritos que servirão, não menos energicamente, à expansão do Espiritismo.
“Não ignoro que os vossos adversários religiosos invocam seu testemunho contra vós, mas isto não impede que o ilustre iluminado de Damasco seja por vós e esteja convosco, ficai bem convencidos.
“O sopro que corre nas suas epístolas; a santa inspiração que anima os seus ensinos, longe de ser hostil à vossa doutrina, está, ao contrário, cheio de singulares previsões em vista do que acontece hoje. É assim que, na sua primeira epístola aos Coríntios, ele ensina que sem a caridade não existe nenhum homem, ainda que fosse santo, ainda que fosse profeta e transportasse montanhas, que se possa gabar de ser um verdadeiro discípulo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como os espíritas, e antes dos espíritas, foi ele o primeiro a proclamar esta máxima que vos constitui uma glória: Fora da caridade não há salvação!
“Mas não é apenas por este lado que ele se liga à doutrina que nós vos ensinamos e que hoje propagais. Com aquela aguda inteligência que lhe era própria, ele havia previsto o que Deus reservava para o futuro e, notadamente, esta transformação, esta regeneração da fé cristã que sois chamados a assentar profundamente no espírito moderno, porquanto ele descreve, na citada epístola, e de maneira indiscutível, as principais faculdades mediúnicas, que ele denomina: os dons abençoados do Espírito Santo.
“Ah, meus filhos! Aquele santo doutor contempla com uma indissimulável amargura, o grau de aviltamento em que caiu a maior parte daqueles que falam em seu nome e proclamam, urbi et orbi, que outrora Deus deu à Terra toda a soma de verdades que ela era capaz de receber.
“Entretanto, o apóstolo tinha exclamado que em sua época não havia mais que uma uma ciência e profecias imperfeitas. Ora, aquele que se lastimava de tal situação sabia, por isto mesmo, que essa ciência e essas profecias um dia se aperfeiçoariam. Não está aí a condenação absoluta de todos os que condenam o progresso? Não está aí o mais rude golpe para aqueles que pretendem que o Cristo e os apóstolos, os Pais da Igreja e sobretudo os reverendos casuístas da Companhia de Jesus, teriam dado à Terra toda a ciência religiosa e filosófica à qual ela tinha direito? Felizmente o próprio apóstolo teve o cuidado de desmenti-los antecipadamente.
“Meus caros filhos, para apreciar, no seu justo valor, os homens que vos combatem, não tendes senão que estudar os argumentos de sua polêmica, suas palavras acerbas e os pesares que testemunham, como o Rev. Pe. Pailloux; que as fogueiras sejam extintas e que a Santa Inquisição não mais funcione ad majorem Dei gloriam.
Meus irmãos, vós tendes a caridade, eles a intolerância, por isso só temos que lamentá-los. Eis por que vos convido a orar por esses pobres transviados, a fim de que o Espírito Santo, que eles tanto invocam, se digne, enfim, a lhes iluminar a consciência e o coração.”
FRANÇOIS-NICOLAS MADEILEINE
A esta notável comunicação juntaremos as seguintes palavras de São Paulo, tiradas da primeira epístola aos Coríntios:
“Mas alguém me dirá: Como ressuscitarão os mortos, e qual será o corpo no qual eles voltarão?
“─ Como sois insensatos! Não percebeis que o que semeias não germina se primeiro não morre? E quando semeais, não semeais o corpo da planta que há de nascer, mas apenas o grão, como o do trigo ou de qualquer outra coisa. Depois disso, Deus lhe dá um corpo como lhe apraz, e dá a cada semente o corpo que é próprio a cada planta.
“Nem toda carne é a mesma carne, mas uma é a carne dos homens, e outra a carne dos animais; outra a das aves e outra a dos peixes.
“Também há corpos celestes e corpos terrestres, mas os corpos celestes têm um brilho diferente dos corpos terrestres.
“O Sol tem seu brilho, diferente da claridade da lua, assim como o brilho da Lua difere do brilho das estrelas, e entre as estrelas, uma é mais brilhante do que a outra.
“Assim será na ressurreição dos mortos. O corpo, como uma semente, está agora na Terra, pleno de corrupção, e ressuscitará incorruptível. Ele é posto na Terra todo disforme, mas ressuscitará glorioso. Ele é posto na Terra privado de movimento, mas ressuscitará em pleno vigor. Ele é posto na Terra como um corpo animal, mas ressuscitará como um corpo espiritual. Como há um corpo animal, também há um corpo espiritual.
“Eu quero dizer, meus irmãos, que a carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus, e que a corrupção não possuirá essa herança incorruptível. (São Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios, Cap. XV, versículos 35 a 44 e 50).
O que pode ser esse corpo espiritual, que não é o corpo animal, senão o corpo fluídico, cuja existência é demonstrada pelo Espiritismo, o perispírito, de que a alma é revestida após a morte? Com a morte do corpo, o Espírito entra em confusão; por um instante perde a consciência de si mesmo, depois recupera o uso de suas faculdades e renasce para a vida inteligente. Numa palavra, ele ressuscita com o seu corpo espiritual.
O último parágrafo, relativo ao juízo final, contradiz positivamente a doutrina da ressurreição da carne, pois diz: “A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus.” Assim, os mortos não ressuscitarão com sua carne e seu sangue, e não necessitarão reunir seus ossos dispersos, mas terão seu corpo celeste, que não é o corpo animal.
Se o autor do Catéchisme philosophique (Catecismo filosófico, do Pe. Feller, tomo III, pg. 83) tivesse meditado bem o sentido destas palavras, teria evitado fazer o notável cálculo matemático a que se entregou para provar que todos os homens mortos desde Adão, ressuscitando em carne e osso, com seus próprios corpos, poderiam caber perfeitamente no Vale de Josafá, sem muito incômodo.
Assim, São Paulo estabeleceu em princípio e em teoria o que hoje ensina o Espiritismo sobre o estado do homem após a morte.
Mas São Paulo não foi o único a pressentir as verdades ensinadas pelo Espiritismo. A Bíblia, os Evangelhos, os apóstolos e os Pais da Igreja dele estão cheios, de sorte que condenar o Espiritismo é negar as próprias autoridades sobre as quais se apoia a religião. Atribuir todos os seus ensinamentos ao demônio é lançar o mesmo anátema sobre a maioria dos autores sacros.
Assim, o Espiritismo não vem destruir, mas, ao contrário, restabelecer todas as coisas, isto é, restituir a cada coisa o seu verdadeiro sentido.
“Mas alguém me dirá: Como ressuscitarão os mortos, e qual será o corpo no qual eles voltarão?
“─ Como sois insensatos! Não percebeis que o que semeias não germina se primeiro não morre? E quando semeais, não semeais o corpo da planta que há de nascer, mas apenas o grão, como o do trigo ou de qualquer outra coisa. Depois disso, Deus lhe dá um corpo como lhe apraz, e dá a cada semente o corpo que é próprio a cada planta.
“Nem toda carne é a mesma carne, mas uma é a carne dos homens, e outra a carne dos animais; outra a das aves e outra a dos peixes.
“Também há corpos celestes e corpos terrestres, mas os corpos celestes têm um brilho diferente dos corpos terrestres.
“O Sol tem seu brilho, diferente da claridade da lua, assim como o brilho da Lua difere do brilho das estrelas, e entre as estrelas, uma é mais brilhante do que a outra.
“Assim será na ressurreição dos mortos. O corpo, como uma semente, está agora na Terra, pleno de corrupção, e ressuscitará incorruptível. Ele é posto na Terra todo disforme, mas ressuscitará glorioso. Ele é posto na Terra privado de movimento, mas ressuscitará em pleno vigor. Ele é posto na Terra como um corpo animal, mas ressuscitará como um corpo espiritual. Como há um corpo animal, também há um corpo espiritual.
“Eu quero dizer, meus irmãos, que a carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus, e que a corrupção não possuirá essa herança incorruptível. (São Paulo, 1ª Epístola aos Coríntios, Cap. XV, versículos 35 a 44 e 50).
O que pode ser esse corpo espiritual, que não é o corpo animal, senão o corpo fluídico, cuja existência é demonstrada pelo Espiritismo, o perispírito, de que a alma é revestida após a morte? Com a morte do corpo, o Espírito entra em confusão; por um instante perde a consciência de si mesmo, depois recupera o uso de suas faculdades e renasce para a vida inteligente. Numa palavra, ele ressuscita com o seu corpo espiritual.
O último parágrafo, relativo ao juízo final, contradiz positivamente a doutrina da ressurreição da carne, pois diz: “A carne e o sangue não podem possuir o reino de Deus.” Assim, os mortos não ressuscitarão com sua carne e seu sangue, e não necessitarão reunir seus ossos dispersos, mas terão seu corpo celeste, que não é o corpo animal.
Se o autor do Catéchisme philosophique (Catecismo filosófico, do Pe. Feller, tomo III, pg. 83) tivesse meditado bem o sentido destas palavras, teria evitado fazer o notável cálculo matemático a que se entregou para provar que todos os homens mortos desde Adão, ressuscitando em carne e osso, com seus próprios corpos, poderiam caber perfeitamente no Vale de Josafá, sem muito incômodo.
Assim, São Paulo estabeleceu em princípio e em teoria o que hoje ensina o Espiritismo sobre o estado do homem após a morte.
Mas São Paulo não foi o único a pressentir as verdades ensinadas pelo Espiritismo. A Bíblia, os Evangelhos, os apóstolos e os Pais da Igreja dele estão cheios, de sorte que condenar o Espiritismo é negar as próprias autoridades sobre as quais se apoia a religião. Atribuir todos os seus ensinamentos ao demônio é lançar o mesmo anátema sobre a maioria dos autores sacros.
Assim, o Espiritismo não vem destruir, mas, ao contrário, restabelecer todas as coisas, isto é, restituir a cada coisa o seu verdadeiro sentido.
Dissemos que não havia possessos no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Mudamos de opinião sobre essa afirmativa absoluta, porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito encarnado por um Espírito errante.
Eis um primeiro fato que o prova, e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade.
Várias pessoas se achavam um dia na casa de uma senhora que é médium sonâmbula. De repente ela toma atitudes absolutamente masculinas. Sua voz muda e, dirigindo-se a um dos assistentes, ela exclama: “Ah! meu caro amigo, como estou contente de te ver!” Surpresos, perguntam o que isto significa. A senhora continua: “Como, meu caro? Não me reconheces? Ah! É verdade. Estou coberto de lama! Sou Charles Z...” A este nome, os assistentes se lembraram de um senhor, falecido meses antes, vítima de uma apoplexia, à beira de uma estrada. Ele tinha caído num fosso, de onde o haviam retirado coberto de lama.
Ele declara que, querendo conversar com seu velho amigo, aproveitava o momento em que o Espírito da Sra. A..., a sonâmbula, estava afastado do corpo, para tomar-lhe o lugar. Com efeito, tendo-se renovado a cena vários dias seguidos, a Sra. A... tomava todas as vezes as atitudes e maneiras habituais do Sr. Charles, espreguiçando-se no encosto da cadeira, cruzando as pernas, torcendo o bigode, passando os dedos pelos cabelos, de tal sorte que, não fosse pelas roupas, poder-seia crer estar em presença do Sr. Charles. Contudo, não havia transfiguração, como vimos noutras circunstâncias. Eis algumas de suas respostas.
─ Já que tomastes posse do corpo da Sra. A... poderíeis nele ficar?
─ Não, mas vontade não me falta. ─ Por que não podeis?
─ Porque seu Espírito está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse romper esse laço eu lhe pregaria uma peça.
─ O que faz, neste momento, o Espírito da Sra. A...?
─ Está aqui ao lado, olha-me e ri, vendo-me em suas vestes.
Estas conversas eram muito divertidas. O Sr. Charles tinha sido um boêmio e não desmentia o seu caráter. Dado à vida material, era pouco adiantado como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Apoderando-se do corpo da Sra. A..., ele não tinha qualquer má intenção, de sorte que aquela senhora nada sofria com a situação, a que se prestava de boa vontade. É bom que se diga que ela não havia conhecido esse senhor, e não podia saber de suas maneiras. É ainda importante notar que os assistentes nele não pensavam, portanto, a cena não foi provocada, e ele veio espontaneamente.
Aqui a possessão é evidente e ressalta ainda melhor dos detalhes, cuja enumeração seria muito longa. No entanto, é uma possessão inocente e sem inconvenientes. Não acontece o mesmo quando se trata de um Espírito malévolo e mal-intencionado, porque ela pode ter consequências tanto mais graves quanto mais tenazes são esses Espíritos, e muitas vezes torna-se difícil livrar o paciente que eles fazem de vítima.
Eis um exemplo recente, que observamos pessoalmente e que foi objeto de sério estudo na Sociedade de Paris:
A senhorita Júlia, doméstica, nascida na Saboia, com vinte e três anos de idade, de caráter muito suave, sem qualquer instrução, há algum tempo era sujeita a acessos de sonambulismo natural que duravam semanas inteiras. Nesse estado ela ocupava-se em seu trabalho habitual, sem que as pessoas suspeitassem de sua situação. Seu trabalho até era muito mais bem feito. Sua lucidez era notável. Ela descrevia lugares e acontecimentos distantes com perfeita exatidão.
Há cerca de seis meses ela tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que sempre ocorriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu estado normal. Ela se torcia, rolava pelo chão, com se se debatesse em luta com alguém que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas de estrangulamento. Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, dava-lhe sopapos e lhe dirigia injúrias e imprecações, apostrofando-o incessantemente com o nome de Fredegunda, infame regente, rainha impudica, criatura vil e manchada por todos os crimes, etc. Pisoteava como se a calcasse aos pés com raiva e lhe arrancava as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela própria por Fredegunda, dava em si própria redobrados golpes nos braços, no peito e no rosto, dizendo: “Toma! Toma! É bastante, infame Fredegunda? Queres me sufocar, mas não o conseguirás; queres meter-te em minha caixa, mas eu te expulsarei.”
Minha caixa era o termo de que ela se servia para designar o próprio corpo. Ninguém poderia pintar a expressão frenética com que ela pronunciava o nome de Fredegunda, rangendo os dentes, nem as torturas que ela sofria nesses momentos.
Um dia, para se livrar de sua adversária, ela tomou de uma faca e vibrou contra si mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente.
Coisa não menos notável é que ela jamais tomou um dos presentes por Fredegunda. A dualidade estava sempre nela mesma. Era contra si mesma que ela dirigia o seu furor, quando o Espírito estava nela, e contra um ser invisível quando dela se havia desembaraçado. Para os outros ela era suave e benevolente, mesmo nos momentos de maior exasperação.
Essas crises, verdadeiramente apavorantes, por vezes duravam horas, e se repetiam várias vezes por dia. Quando tinha acabado de vencer Fredegunda, ela caía num estado de prostração e de abatimento de que só saía pouco a pouco, mas que lhe deixava uma grande fraqueza e dificuldade de falar. Sua saúde estava profundamente alterada; nada podia comer e por vezes ficava oito dias sem alimento. Os melhores petiscos tinham gosto horrível para ela, que lhe faziam rejeitá-los. Dizia ela que era obra de Fredegunda, que queria impedi-la de comer.
Dissemos acima que a moça não tinha qualquer instrução. Em estado de vigília ela jamais ouviu falar de Fredegunda, nem de seu caráter nem do papel que tinha tido. No estado sonambúlico, ao contrário, ela sabe tudo perfeitamente, e diz ter vivido em seu tempo. Não era Brunehaut, como a princípio se supôs, mas outra pessoa, ligada à sua corte.
Outra observação, não menos essencial, é que, até o começo das crises, a senhorita Júlia jamais se tinha ocupado de Espiritismo, cujo nome lhe era desconhecido. Ainda hoje, no estado de vigília, ela o ignora e não o aceita. Só o conhece no estado sonambúlico e depois que começou a ser tratada. Assim, tudo quanto ela disse foi espontâneo.
Em face de uma situação tão estranha, uns atribuem o seu estado a uma afecção nervosa; outros a uma loucura de caráter especial, e força é convir que, à primeira vista, esta última opinião tinha uma aparência de realidade. Um médico declarou que, no estado atual da ciência, nada podia explicar semelhantes fenômenos, e que não via qualquer remédio. Contudo, pessoas experimentadas no Espiritismo reconheceram sem esforço que ela estava sob o império de uma subjugação das mais graves e que lhe poderia ser fatal.
Sem dúvida, quem só a tivesse visto nos momentos de crise e só tivesse considerado a estranheza de seus atos e palavras, teria dito que era louca, e lhe teria infringido o tratamento dos alienados que, sem a menor dúvida, teria determinado uma loucura verdadeira. Mas tal opinião deveria ceder ante os fatos.
No estado de vigília sua conversa é a de uma criatura de sua condição e compatível com sua falta de instrução. Sua inteligência é mesmo vulgar. Já a coisa é completamente outra no estado de sonambulismo. Nos momentos de calma, ela raciocina com muito senso, justeza e profundidade. Ora, seria singular uma loucura que aumentasse a dose de inteligência e discernimento.
Só o Espiritismo pode explicar essa aparente anomalia. No estado de vigília, sua alma ou Espírito está comprimida por órgãos que lhe não permitem senão um desenvolvimento incompleto. No estado de sonambulismo, a alma, emancipada, está em parte liberta dos laços e goza da plenitude de suas faculdades. Nos momentos de crise, suas palavras e atos não são excêntricos senão para os que não creem na ação dos seres do mundo invisível. Não vendo senão o efeito, e não remontando à causa, eis por que todos os obsedados, subjugados e possessos passam por loucos. Nos manicômios houve, em todos os tempos, pretensos loucos dessa natureza, que seriam facilmente curados se não se obstinassem em neles ver apenas uma doença orgânica.
Diante de tais fatos, como a senhorita Júlia não tinha recursos, uma família de verdadeiros e sinceros espíritas concordou em tomá-la a seu serviço, mas na sua situação ela deveria ser mais um embaraço do que uma utilidade, e seria preciso um verdadeiro devotamento para cuidar dela. Mas essas pessoas foram bem recompensadas, primeiro pelo prazer de praticar uma boa ação, depois pela satisfação de haver poderosamente contribuído para a sua cura, hoje completa. Dupla cura, porque não só a senhorita Júlia se libertou, mas sua inimiga converteuse a melhores sentimentos.
Eis o que testemunhamos numa dessas lutas terríveis, que não durou menos de duas horas, quando pudemos observar o fenômeno nos mínimos detalhes, e no qual reconhecemos uma analogia completa com o dos possessos de Morzine[1]. A única diferença é que em Morzine os possessos se entregavam a atos contra as pessoas que os contrariavam e que eles falavam do diabo que eles tinham em si, pois os haviam persuadido de que era o diabo. Em Morzine, a senhorita Júlia teria chamado Fredegunda de diabo.
Num próximo artigo exporemos com detalhes as diversas fases desta cura e os meios para isto empregados. Além disso, reportar-nos-emos às notáveis instruções que os Espíritos deram a respeito, assim como as importantes observações a que deu lugar, relativamente ao magnetismo.
[1] Ver os artigos sob o título “Estudos sobre os possessos de Morzines”, na Revista Espírita de dezembro de 1862 e de janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863.
Eis um primeiro fato que o prova, e que apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade.
Várias pessoas se achavam um dia na casa de uma senhora que é médium sonâmbula. De repente ela toma atitudes absolutamente masculinas. Sua voz muda e, dirigindo-se a um dos assistentes, ela exclama: “Ah! meu caro amigo, como estou contente de te ver!” Surpresos, perguntam o que isto significa. A senhora continua: “Como, meu caro? Não me reconheces? Ah! É verdade. Estou coberto de lama! Sou Charles Z...” A este nome, os assistentes se lembraram de um senhor, falecido meses antes, vítima de uma apoplexia, à beira de uma estrada. Ele tinha caído num fosso, de onde o haviam retirado coberto de lama.
Ele declara que, querendo conversar com seu velho amigo, aproveitava o momento em que o Espírito da Sra. A..., a sonâmbula, estava afastado do corpo, para tomar-lhe o lugar. Com efeito, tendo-se renovado a cena vários dias seguidos, a Sra. A... tomava todas as vezes as atitudes e maneiras habituais do Sr. Charles, espreguiçando-se no encosto da cadeira, cruzando as pernas, torcendo o bigode, passando os dedos pelos cabelos, de tal sorte que, não fosse pelas roupas, poder-seia crer estar em presença do Sr. Charles. Contudo, não havia transfiguração, como vimos noutras circunstâncias. Eis algumas de suas respostas.
─ Já que tomastes posse do corpo da Sra. A... poderíeis nele ficar?
─ Não, mas vontade não me falta. ─ Por que não podeis?
─ Porque seu Espírito está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse romper esse laço eu lhe pregaria uma peça.
─ O que faz, neste momento, o Espírito da Sra. A...?
─ Está aqui ao lado, olha-me e ri, vendo-me em suas vestes.
Estas conversas eram muito divertidas. O Sr. Charles tinha sido um boêmio e não desmentia o seu caráter. Dado à vida material, era pouco adiantado como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Apoderando-se do corpo da Sra. A..., ele não tinha qualquer má intenção, de sorte que aquela senhora nada sofria com a situação, a que se prestava de boa vontade. É bom que se diga que ela não havia conhecido esse senhor, e não podia saber de suas maneiras. É ainda importante notar que os assistentes nele não pensavam, portanto, a cena não foi provocada, e ele veio espontaneamente.
Aqui a possessão é evidente e ressalta ainda melhor dos detalhes, cuja enumeração seria muito longa. No entanto, é uma possessão inocente e sem inconvenientes. Não acontece o mesmo quando se trata de um Espírito malévolo e mal-intencionado, porque ela pode ter consequências tanto mais graves quanto mais tenazes são esses Espíritos, e muitas vezes torna-se difícil livrar o paciente que eles fazem de vítima.
Eis um exemplo recente, que observamos pessoalmente e que foi objeto de sério estudo na Sociedade de Paris:
A senhorita Júlia, doméstica, nascida na Saboia, com vinte e três anos de idade, de caráter muito suave, sem qualquer instrução, há algum tempo era sujeita a acessos de sonambulismo natural que duravam semanas inteiras. Nesse estado ela ocupava-se em seu trabalho habitual, sem que as pessoas suspeitassem de sua situação. Seu trabalho até era muito mais bem feito. Sua lucidez era notável. Ela descrevia lugares e acontecimentos distantes com perfeita exatidão.
Há cerca de seis meses ela tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que sempre ocorriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu estado normal. Ela se torcia, rolava pelo chão, com se se debatesse em luta com alguém que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas de estrangulamento. Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, dava-lhe sopapos e lhe dirigia injúrias e imprecações, apostrofando-o incessantemente com o nome de Fredegunda, infame regente, rainha impudica, criatura vil e manchada por todos os crimes, etc. Pisoteava como se a calcasse aos pés com raiva e lhe arrancava as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela própria por Fredegunda, dava em si própria redobrados golpes nos braços, no peito e no rosto, dizendo: “Toma! Toma! É bastante, infame Fredegunda? Queres me sufocar, mas não o conseguirás; queres meter-te em minha caixa, mas eu te expulsarei.”
Minha caixa era o termo de que ela se servia para designar o próprio corpo. Ninguém poderia pintar a expressão frenética com que ela pronunciava o nome de Fredegunda, rangendo os dentes, nem as torturas que ela sofria nesses momentos.
Um dia, para se livrar de sua adversária, ela tomou de uma faca e vibrou contra si mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente.
Coisa não menos notável é que ela jamais tomou um dos presentes por Fredegunda. A dualidade estava sempre nela mesma. Era contra si mesma que ela dirigia o seu furor, quando o Espírito estava nela, e contra um ser invisível quando dela se havia desembaraçado. Para os outros ela era suave e benevolente, mesmo nos momentos de maior exasperação.
Essas crises, verdadeiramente apavorantes, por vezes duravam horas, e se repetiam várias vezes por dia. Quando tinha acabado de vencer Fredegunda, ela caía num estado de prostração e de abatimento de que só saía pouco a pouco, mas que lhe deixava uma grande fraqueza e dificuldade de falar. Sua saúde estava profundamente alterada; nada podia comer e por vezes ficava oito dias sem alimento. Os melhores petiscos tinham gosto horrível para ela, que lhe faziam rejeitá-los. Dizia ela que era obra de Fredegunda, que queria impedi-la de comer.
Dissemos acima que a moça não tinha qualquer instrução. Em estado de vigília ela jamais ouviu falar de Fredegunda, nem de seu caráter nem do papel que tinha tido. No estado sonambúlico, ao contrário, ela sabe tudo perfeitamente, e diz ter vivido em seu tempo. Não era Brunehaut, como a princípio se supôs, mas outra pessoa, ligada à sua corte.
Outra observação, não menos essencial, é que, até o começo das crises, a senhorita Júlia jamais se tinha ocupado de Espiritismo, cujo nome lhe era desconhecido. Ainda hoje, no estado de vigília, ela o ignora e não o aceita. Só o conhece no estado sonambúlico e depois que começou a ser tratada. Assim, tudo quanto ela disse foi espontâneo.
Em face de uma situação tão estranha, uns atribuem o seu estado a uma afecção nervosa; outros a uma loucura de caráter especial, e força é convir que, à primeira vista, esta última opinião tinha uma aparência de realidade. Um médico declarou que, no estado atual da ciência, nada podia explicar semelhantes fenômenos, e que não via qualquer remédio. Contudo, pessoas experimentadas no Espiritismo reconheceram sem esforço que ela estava sob o império de uma subjugação das mais graves e que lhe poderia ser fatal.
Sem dúvida, quem só a tivesse visto nos momentos de crise e só tivesse considerado a estranheza de seus atos e palavras, teria dito que era louca, e lhe teria infringido o tratamento dos alienados que, sem a menor dúvida, teria determinado uma loucura verdadeira. Mas tal opinião deveria ceder ante os fatos.
No estado de vigília sua conversa é a de uma criatura de sua condição e compatível com sua falta de instrução. Sua inteligência é mesmo vulgar. Já a coisa é completamente outra no estado de sonambulismo. Nos momentos de calma, ela raciocina com muito senso, justeza e profundidade. Ora, seria singular uma loucura que aumentasse a dose de inteligência e discernimento.
Só o Espiritismo pode explicar essa aparente anomalia. No estado de vigília, sua alma ou Espírito está comprimida por órgãos que lhe não permitem senão um desenvolvimento incompleto. No estado de sonambulismo, a alma, emancipada, está em parte liberta dos laços e goza da plenitude de suas faculdades. Nos momentos de crise, suas palavras e atos não são excêntricos senão para os que não creem na ação dos seres do mundo invisível. Não vendo senão o efeito, e não remontando à causa, eis por que todos os obsedados, subjugados e possessos passam por loucos. Nos manicômios houve, em todos os tempos, pretensos loucos dessa natureza, que seriam facilmente curados se não se obstinassem em neles ver apenas uma doença orgânica.
Diante de tais fatos, como a senhorita Júlia não tinha recursos, uma família de verdadeiros e sinceros espíritas concordou em tomá-la a seu serviço, mas na sua situação ela deveria ser mais um embaraço do que uma utilidade, e seria preciso um verdadeiro devotamento para cuidar dela. Mas essas pessoas foram bem recompensadas, primeiro pelo prazer de praticar uma boa ação, depois pela satisfação de haver poderosamente contribuído para a sua cura, hoje completa. Dupla cura, porque não só a senhorita Júlia se libertou, mas sua inimiga converteuse a melhores sentimentos.
Eis o que testemunhamos numa dessas lutas terríveis, que não durou menos de duas horas, quando pudemos observar o fenômeno nos mínimos detalhes, e no qual reconhecemos uma analogia completa com o dos possessos de Morzine[1]. A única diferença é que em Morzine os possessos se entregavam a atos contra as pessoas que os contrariavam e que eles falavam do diabo que eles tinham em si, pois os haviam persuadido de que era o diabo. Em Morzine, a senhorita Júlia teria chamado Fredegunda de diabo.
Num próximo artigo exporemos com detalhes as diversas fases desta cura e os meios para isto empregados. Além disso, reportar-nos-emos às notáveis instruções que os Espíritos deram a respeito, assim como as importantes observações a que deu lugar, relativamente ao magnetismo.
[1] Ver os artigos sob o título “Estudos sobre os possessos de Morzines”, na Revista Espírita de dezembro de 1862 e de janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863.
O primeiro período do Espiritismo, caracterizado pelas mesas girantes, foi o da curiosidade. O segundo foi o período filosófico, marcado pelo aparecimento do Livro dos Espíritos. Desde esse momento, o Espiritismo tomou um caráter completamente outro. Foram entrevistos o objetivo e a extensão, bebendo-se a fé e a consolação, e a rapidez de seu progresso foi tal que nenhuma outra doutrina filosófica ou religiosa oferece outro exemplo. Mas, como todas as ideias novas, ele teve adversários tanto mais encarniçados quanto maior era a ideia, porque nenhuma ideia grande pode estabelecer-se sem ferir interesses. É preciso que ela se estabeleça, e as pessoas deslocadas não podem vê-la com bons olhos. Depois, ao lado das pessoas interesseiras estão as que, por sistema e sem motivos precisos, são adversárias natas de tudo quanto é novo.
Nos primeiros anos, muitos duvidaram de sua vitalidade, razão pela qual lhe deram pouca atenção. Mas quando o viram crescer, a despeito de tudo; propagar-se em todas as camadas da Sociedade e em todas as partes do mundo; tomar o seu lugar entre as crenças e tornar-se uma potência, pelo número de seus aderentes, os interessados na manutenção das ideias antigas alarmaram-se seriamente.
Então uma verdadeira cruzada foi dirigida contra ele, dando início ao período da luta, do qual o auto de fé de Barcelona, a 9 de outubro de 1861, foi, de certo modo, o sinal. Até aí ele tinha sido objeto dos sarcasmos da incredulidade, que ri de tudo, sobretudo daquilo que não compreende, mesmo das coisas mais santas, e dos quais nenhuma ideia nova pode escapar. É a sua prova de fogo. Mas os outros não riem: olham-no com cólera, sinal evidente e característico da importância do Espiritismo. A partir desse momento os ataques tomaram um caráter de violência inusitada. Foi dada a palavra de ordem: sermões furibundos, mandamentos, anátemas, excomunhões, perseguições individuais, livros, brochuras, artigos de jornais. Nada foi dispensado, nem mesmo a calúnia.
Estamos, pois, plenamente no período da luta, mas ele não terminou. Vendo a inutilidade dos ataques a céu aberto, vão ensaiar a guerra subterrânea, que se organiza e já começa. Uma calma aparente vai ser sentida, mas é a calma precursora da tempestade; mas também à tempestade sucede a bonança.
Espíritas, não vos inquieteis, porque a saída não é duvidosa. A luta é necessária e o triunfo será mais brilhante. Eu disse e repito: Eu vejo o fim; eu sei quando e como ele será atingido. Se vos falo com tal segurança é que para tanto tenho razões, sobre as quais a prudência manda que me cale, mas conhecê-las-eis um dia. Tudo quanto vos posso dizer é que poderosos auxiliares virão para fechar a boca a mais de um detrator. Entretanto, a luta será viva, e se no conflito houver vítimas de sua fé, que elas se rejubilem, como o faziam os primeiros mártires cristãos, dos quais muitos estão entre vós, para vos encorajar e dar exemplos, e que elas se lembrem destas palavras do Cristo: “Felizes os que sofrem perseguição por amor à justiça, porque deles é o reino dos céus. Sereis felizes quando os homens vos carregarem de maldições e vos perseguirem e falsamente disserem todo mal contra vós por minha causa. Rejubilai-vos, então, e tremei de alegria, pois uma grande recompensa vos está reservada nos céus, porque assim eles perseguiram os profetas que vieram antes de vós.” (Mat. VI: 10-12).
Estas palavras não parecem ter sido ditas para os espíritas de hoje, como para os apóstolos de então? É que as palavras do Cristo têm isto de particular: Elas são para todos os tempos, porque sua missão era tanto para o futuro como para o presente.
A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao quarto período, que será o período religioso. Depois virá o quinto, o período intermediário, consequência natural do precedente e que, mais tarde, receberá sua denominação característica. O sexto e último período será o da renovação social, que abrirá a era do século vinte. Nessa época, todos os obstáculos à nova ordem de coisas desejadas por Deus para a transformação da Terra terão desaparecido. A geração que surge, imbuída das ideias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica.
Assim serão confirmadas as palavras do Cristo, pois todas devem ter seu cumprimento, e muitas se cumprem nesta hora, porque os tempos preditos são chegados. Mas é em vão que, tomando a aparência pela realidade, buscareis sinais no céu. Esses sinais estão ao vosso lado e surgem de toda parte.
É notável que as comunicações dos Espíritos tenham tido em cada período um caráter especial: no primeiro eram frívolas e levianas; no segundo eram graves e instrutivas; a partir do terceiro elas pressentiram a luta e suas várias peripécias. A maior parte das que se obtêm hoje nos diversos centros têm por objeto premunir os adeptos contra as manobras de seus adversários. Assim, por toda parte são dadas instruções a esse respeito, como por toda parte é anunciado um resultado idêntico.
A coincidência, sobre esse ponto de vista, como sobre muitos outros, não é um dos fatos menos significativos. A situação se acha completamente resumida nas duas comunicações seguintes, cuja veracidade muitos espíritas já reconheceram.
Nos primeiros anos, muitos duvidaram de sua vitalidade, razão pela qual lhe deram pouca atenção. Mas quando o viram crescer, a despeito de tudo; propagar-se em todas as camadas da Sociedade e em todas as partes do mundo; tomar o seu lugar entre as crenças e tornar-se uma potência, pelo número de seus aderentes, os interessados na manutenção das ideias antigas alarmaram-se seriamente.
Então uma verdadeira cruzada foi dirigida contra ele, dando início ao período da luta, do qual o auto de fé de Barcelona, a 9 de outubro de 1861, foi, de certo modo, o sinal. Até aí ele tinha sido objeto dos sarcasmos da incredulidade, que ri de tudo, sobretudo daquilo que não compreende, mesmo das coisas mais santas, e dos quais nenhuma ideia nova pode escapar. É a sua prova de fogo. Mas os outros não riem: olham-no com cólera, sinal evidente e característico da importância do Espiritismo. A partir desse momento os ataques tomaram um caráter de violência inusitada. Foi dada a palavra de ordem: sermões furibundos, mandamentos, anátemas, excomunhões, perseguições individuais, livros, brochuras, artigos de jornais. Nada foi dispensado, nem mesmo a calúnia.
Estamos, pois, plenamente no período da luta, mas ele não terminou. Vendo a inutilidade dos ataques a céu aberto, vão ensaiar a guerra subterrânea, que se organiza e já começa. Uma calma aparente vai ser sentida, mas é a calma precursora da tempestade; mas também à tempestade sucede a bonança.
Espíritas, não vos inquieteis, porque a saída não é duvidosa. A luta é necessária e o triunfo será mais brilhante. Eu disse e repito: Eu vejo o fim; eu sei quando e como ele será atingido. Se vos falo com tal segurança é que para tanto tenho razões, sobre as quais a prudência manda que me cale, mas conhecê-las-eis um dia. Tudo quanto vos posso dizer é que poderosos auxiliares virão para fechar a boca a mais de um detrator. Entretanto, a luta será viva, e se no conflito houver vítimas de sua fé, que elas se rejubilem, como o faziam os primeiros mártires cristãos, dos quais muitos estão entre vós, para vos encorajar e dar exemplos, e que elas se lembrem destas palavras do Cristo: “Felizes os que sofrem perseguição por amor à justiça, porque deles é o reino dos céus. Sereis felizes quando os homens vos carregarem de maldições e vos perseguirem e falsamente disserem todo mal contra vós por minha causa. Rejubilai-vos, então, e tremei de alegria, pois uma grande recompensa vos está reservada nos céus, porque assim eles perseguiram os profetas que vieram antes de vós.” (Mat. VI: 10-12).
Estas palavras não parecem ter sido ditas para os espíritas de hoje, como para os apóstolos de então? É que as palavras do Cristo têm isto de particular: Elas são para todos os tempos, porque sua missão era tanto para o futuro como para o presente.
A luta determinará uma nova fase do Espiritismo e levará ao quarto período, que será o período religioso. Depois virá o quinto, o período intermediário, consequência natural do precedente e que, mais tarde, receberá sua denominação característica. O sexto e último período será o da renovação social, que abrirá a era do século vinte. Nessa época, todos os obstáculos à nova ordem de coisas desejadas por Deus para a transformação da Terra terão desaparecido. A geração que surge, imbuída das ideias novas, estará em toda a sua força e preparará o caminho da que deve inaugurar a vitória definitiva da união, da paz e da fraternidade entre os homens, confundidos numa mesma crença, pela prática da lei evangélica.
Assim serão confirmadas as palavras do Cristo, pois todas devem ter seu cumprimento, e muitas se cumprem nesta hora, porque os tempos preditos são chegados. Mas é em vão que, tomando a aparência pela realidade, buscareis sinais no céu. Esses sinais estão ao vosso lado e surgem de toda parte.
É notável que as comunicações dos Espíritos tenham tido em cada período um caráter especial: no primeiro eram frívolas e levianas; no segundo eram graves e instrutivas; a partir do terceiro elas pressentiram a luta e suas várias peripécias. A maior parte das que se obtêm hoje nos diversos centros têm por objeto premunir os adeptos contra as manobras de seus adversários. Assim, por toda parte são dadas instruções a esse respeito, como por toda parte é anunciado um resultado idêntico.
A coincidência, sobre esse ponto de vista, como sobre muitos outros, não é um dos fatos menos significativos. A situação se acha completamente resumida nas duas comunicações seguintes, cuja veracidade muitos espíritas já reconheceram.
Instruções dos Espíritos
(Paris, 14 de agosto de 1863)“A luta vos espera, meus caros filhos. Eis por que vos convido a todos a imitar os lutadores antigos, isto é, a cingir os rins. Os próximos anos são plenos de promessas, mas também de ansiedades. Não venho dizer: Amanhã será o dia da batalha! Não, porque a hora do combate ainda não está fixada, mas venho advertirvos, a fim de que estejais prontos para todas as eventualidades.
“Até agora o Espiritismo só encontrou uma rota fácil e quase florida, porque as injúrias e as troças que vos dirigem não têm nenhum alcance sério e ficaram sem efeito, ao passo que de agora em diante os ataques que forem dirigidos contra vós terão um caráter totalmente diverso: eis que vem a hora em que Deus apelará a todos os devotamentos, em que vai julgar seus servidores fiéis, para dar a cada um a parte que tiver merecido.
“Não sereis martirizados fisicamente, como nos primeiros tempos da Igreja; não erguerão fogueiras homicidas, como na Idade Média, mas vos torturarão moralmente; levantarão embustes; armarão ciladas, tanto mais perigosas quanto usarão mãos amigas; agirão na sombra e recebereis golpes, sem saber por quem são vibrados, e sereis feridos em pleno peito pelas flechas envenenadas da calúnia.
“Nada faltará às vossas dores; suscitarão defecções em vossas fileiras, e supostos espíritas, perdidos pelo orgulho e pela vaidade, exibirão a sua independência, exclamando: ‘Somos nós que estamos no reto caminho!’
“Tentarão semear joio entre os grupos, provocando a formação de grupos dissidentes; captarão os vossos médiuns, para fazê-los entrar num mau caminho e para desviá-los dos grupos sérios; empregarão a intimidação para uns e o fascínio para outros; explorarão todas as fraquezas. Depois, não esqueçais que alguns viram no Espiritismo um papel a desempenhar, e um importante papel, e que hoje experimentam mais de uma desilusão em sua ambição. Prometer-lhes-ão encontrar de um modo, o que de outro modo não podem encontrar. Depois, enfim, com o dinheiro, tão poderoso no século passado, não poderão encontrar comparsas para representar indignas comédias, a fim de lançar o descrédito e o ridículo sobre a doutrina?
“Eis as provas que vos esperam, meus filhos, mas das quais saireis vitoriosos, se do fundo do coração implorardes o socorro do Todo-Poderoso. Eis por que vos repito de todo o coração: Meus filhos, cerrai vossas fileiras, ficai vigilantes, porque é o vosso Gólgota que vem em seguida, e se não fordes crucificados em carne e osso, sê-lo-eis em vossos interesses, em vossas afeições, em vossa honra!
“A hora é grave e solene. Para trás, então, todas as mesquinhas discussões, todas as preocupações pueris, todas as perguntas ociosas e todas as vãs pretensões de preeminência e de amor próprio. Ocupai-vos dos grandes interesses que estão em vossas mãos e cujas contas o Senhor vos pedirá. Uni-vos para que o inimigo encontre vossas fileiras compactas e cerradas. Tendes uma contrassenha sem equívoco, pedra de toque com o auxílio da qual podeis reconhecer vossos verdadeiros irmãos, pois essa palavra implica abnegação e devotamento e resume todos os deveres do verdadeiro espírita.
“Coragem e perseverança, meus filhos! Pensai que Deus vos olha e vos julga. Lembrai-vos também que os vossos guias espirituais não vos abandonarão enquanto vos achardes no caminho certo.
“Aliás, toda esta guerra só terá um tempo e voltar-se-á contra os que julgavam criar armas contra a doutrina. O triunfo, e não mais o holocausto sangrento, irradiará no Gólgota espírita.
“Até breve, meus filhos.
“Saudações a todos!
“ERASTO, discípulo do apóstolo São Paulo.”
Uma das manobras previstas na comunicação acima, ao que nos informam, acaba de se realizar.
Escrevem-nos que uma jovem, que fora levada uma única vez a uma reunião, deixou sua família, sem motivo, e foi para a casa de uma pessoa estranha, de onde foi levada a um hospício de alienados, como atingida de loucura espírita, à revelia de seus parentes, só informados de pois de tudo consumado.
Ao cabo de vinte dias, tendo estes obtido autorização para vê-la, censuram-na por havê-los deixado. Então ela confessou que lhe haviam prometido dinheiro para simular a loucura. Até este momento foram infrutíferas as tentativas para fazê-la sair.
Se é assim que recrutam os loucos espíritas, o meio é mais perigoso para os que o empregam do que para o Espiritismo. Quando se é reduzido a semelhantes expedientes para defender a própria causa, tem-se a prova mais evidente de que se está destituído de bons argumentos.
Diremos, pois, aos espíritas: Quando virdes semelhantes coisas, alegrai-vos em vez de vos inquietar, pois elas são o sinal de um próximo triunfo. Aliás, uma outra circunstância vos deve ser motivo de encorajamento: é que nossas fileiras aumentam, não só em número, mas em força moral, pois já vedes mais de um homem de talento tomar resolutamente a defesa do Espiritismo e, com mão vigorosa, apanhar a luva atirada por nossos adversários.
Escritos de uma lógica irresistível diariamente lhes mostram que os espíritas não são loucos. Nossos leitores conhecem a excelente refutação dos sermões do Rev. Pe. Letierce, por um espírita de Metz. Eis agora a não menos interessante dos espíritas de Villenave de Rions (Gironde), sobre os sermões do Pe. Nicomède. A Verité de Lyon é conhecida por seus profundos artigos. O número de 22 de novembro, sobretudo, merece especial atenção. A Ruche de Bordeaux se enriquece de novos colaboradores, tão capazes quão zelosos. Enfim, se os agressores são numerosos, os defensores não o são menos.
Assim, pois, espíritas, coragem, confiança e perseverança, porque tudo vai bem, conforme foi previsto.
A comunicação abaixo desenvolve uma das fases da grave questão de que acabamos de tratar e não pode deixar de premunir os espíritas sobre as dificuldades que se vão acumular neste período.
“Até agora o Espiritismo só encontrou uma rota fácil e quase florida, porque as injúrias e as troças que vos dirigem não têm nenhum alcance sério e ficaram sem efeito, ao passo que de agora em diante os ataques que forem dirigidos contra vós terão um caráter totalmente diverso: eis que vem a hora em que Deus apelará a todos os devotamentos, em que vai julgar seus servidores fiéis, para dar a cada um a parte que tiver merecido.
“Não sereis martirizados fisicamente, como nos primeiros tempos da Igreja; não erguerão fogueiras homicidas, como na Idade Média, mas vos torturarão moralmente; levantarão embustes; armarão ciladas, tanto mais perigosas quanto usarão mãos amigas; agirão na sombra e recebereis golpes, sem saber por quem são vibrados, e sereis feridos em pleno peito pelas flechas envenenadas da calúnia.
“Nada faltará às vossas dores; suscitarão defecções em vossas fileiras, e supostos espíritas, perdidos pelo orgulho e pela vaidade, exibirão a sua independência, exclamando: ‘Somos nós que estamos no reto caminho!’
“Tentarão semear joio entre os grupos, provocando a formação de grupos dissidentes; captarão os vossos médiuns, para fazê-los entrar num mau caminho e para desviá-los dos grupos sérios; empregarão a intimidação para uns e o fascínio para outros; explorarão todas as fraquezas. Depois, não esqueçais que alguns viram no Espiritismo um papel a desempenhar, e um importante papel, e que hoje experimentam mais de uma desilusão em sua ambição. Prometer-lhes-ão encontrar de um modo, o que de outro modo não podem encontrar. Depois, enfim, com o dinheiro, tão poderoso no século passado, não poderão encontrar comparsas para representar indignas comédias, a fim de lançar o descrédito e o ridículo sobre a doutrina?
“Eis as provas que vos esperam, meus filhos, mas das quais saireis vitoriosos, se do fundo do coração implorardes o socorro do Todo-Poderoso. Eis por que vos repito de todo o coração: Meus filhos, cerrai vossas fileiras, ficai vigilantes, porque é o vosso Gólgota que vem em seguida, e se não fordes crucificados em carne e osso, sê-lo-eis em vossos interesses, em vossas afeições, em vossa honra!
“A hora é grave e solene. Para trás, então, todas as mesquinhas discussões, todas as preocupações pueris, todas as perguntas ociosas e todas as vãs pretensões de preeminência e de amor próprio. Ocupai-vos dos grandes interesses que estão em vossas mãos e cujas contas o Senhor vos pedirá. Uni-vos para que o inimigo encontre vossas fileiras compactas e cerradas. Tendes uma contrassenha sem equívoco, pedra de toque com o auxílio da qual podeis reconhecer vossos verdadeiros irmãos, pois essa palavra implica abnegação e devotamento e resume todos os deveres do verdadeiro espírita.
“Coragem e perseverança, meus filhos! Pensai que Deus vos olha e vos julga. Lembrai-vos também que os vossos guias espirituais não vos abandonarão enquanto vos achardes no caminho certo.
“Aliás, toda esta guerra só terá um tempo e voltar-se-á contra os que julgavam criar armas contra a doutrina. O triunfo, e não mais o holocausto sangrento, irradiará no Gólgota espírita.
“Até breve, meus filhos.
“Saudações a todos!
“ERASTO, discípulo do apóstolo São Paulo.”
Uma das manobras previstas na comunicação acima, ao que nos informam, acaba de se realizar.
Escrevem-nos que uma jovem, que fora levada uma única vez a uma reunião, deixou sua família, sem motivo, e foi para a casa de uma pessoa estranha, de onde foi levada a um hospício de alienados, como atingida de loucura espírita, à revelia de seus parentes, só informados de pois de tudo consumado.
Ao cabo de vinte dias, tendo estes obtido autorização para vê-la, censuram-na por havê-los deixado. Então ela confessou que lhe haviam prometido dinheiro para simular a loucura. Até este momento foram infrutíferas as tentativas para fazê-la sair.
Se é assim que recrutam os loucos espíritas, o meio é mais perigoso para os que o empregam do que para o Espiritismo. Quando se é reduzido a semelhantes expedientes para defender a própria causa, tem-se a prova mais evidente de que se está destituído de bons argumentos.
Diremos, pois, aos espíritas: Quando virdes semelhantes coisas, alegrai-vos em vez de vos inquietar, pois elas são o sinal de um próximo triunfo. Aliás, uma outra circunstância vos deve ser motivo de encorajamento: é que nossas fileiras aumentam, não só em número, mas em força moral, pois já vedes mais de um homem de talento tomar resolutamente a defesa do Espiritismo e, com mão vigorosa, apanhar a luva atirada por nossos adversários.
Escritos de uma lógica irresistível diariamente lhes mostram que os espíritas não são loucos. Nossos leitores conhecem a excelente refutação dos sermões do Rev. Pe. Letierce, por um espírita de Metz. Eis agora a não menos interessante dos espíritas de Villenave de Rions (Gironde), sobre os sermões do Pe. Nicomède. A Verité de Lyon é conhecida por seus profundos artigos. O número de 22 de novembro, sobretudo, merece especial atenção. A Ruche de Bordeaux se enriquece de novos colaboradores, tão capazes quão zelosos. Enfim, se os agressores são numerosos, os defensores não o são menos.
Assim, pois, espíritas, coragem, confiança e perseverança, porque tudo vai bem, conforme foi previsto.
A comunicação abaixo desenvolve uma das fases da grave questão de que acabamos de tratar e não pode deixar de premunir os espíritas sobre as dificuldades que se vão acumular neste período.
(Reunião particular, 25 de fevereiro de 1863 - Médium: Sr. D'Ambel)
Há no momento uma recrudescência de obsessão, resultado da luta que inevitavelmente devem sustentar as ideias novas contra seus adversários encarnados e desencarnados. Habilmente explorada pelos inimigos do Espiritismo, a obsessão é uma das provas mais perigosas que ele terá de sofrer, antes de se fixar de maneira estável no espírito das populações, por isto deve ser combatida por todos os meios possíveis, e sobretudo pela prudência e pela energia de vossos guias espirituais e terrestres.
De todos os lados surgem médiuns com supostas missões, chamados, ao que dizem, a tomar em mãos a bandeira do Espiritismo e plantá-la sobre as ruínas do velho mundo, como se nós viéssemos destruir, nós que viemos apenas para construir.
Não há individualidade, por medíocre que seja, que não tenha encontrado, como Macbeth, um Espírito para lhe dizer: “Tu também serás rei”, e que não se julgue designada a um apostolado muito especial.
Há poucas reuniões íntimas, e mesmo grupos familiares, que não tenham contado entre os seus médiuns ou seus simples crentes, uma alma bastante enfatuada para se julgar indispensável ao sucesso da grande causa; muito presunçosa para contentar-se com o modesto papel do obreiro que traz a sua pedra para o edifício. Ah! meus amigos! Quanto empenho por pouco resultado!
Quase todos os novos médiuns, em seu início, são submetidos a essa perigosa tentação. Alguns resistem a isso, mas muitos sucumbem, ao menos por algum tempo, até que sucessivos revezes venham desiludi-lo.
Por que permite Deus uma prova tão difícil, senão para provar que o bem e o progresso jamais se estabelecem em vosso íntimo sem trabalho e sem combate; senão para tornar o triunfo da verdade mais brilhante pelas dificuldades da luta? O que querem certos Espíritos da erraticidade, fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso? Sem o querer, eles são os instrumentos da provação que porá em evidência os bons e os maus servos de Deus. A este, tal Espírito promete o segredo da transmutação dos metais, como a um médium de R...; àquele, como ao Sr..., um Espírito revela supostos acontecimentos que vão realizar-se, fixa as épocas, precisa as datas, nomeia os atores que devem concorrer ao drama anunciado; a tal outro, um Espírito mistificador ensina a incubação dos diamantes; a outros ainda indicam tesouros ocultos, prometem fortuna fácil, descobertas maravilhosas, a glória, as honrarias, etc. Numa palavra, todas as ambições e todas as cobiças dos homens são habilmente exploradas por Espíritos perversos. Eis por que de todos os lados vedes esses pobres obsedados preparando-se para subir ao Capitólio, com uma gravidade e uma arrogância que entristecem o observador imparcial.
Qual o resultado de todas essas promessas falaciosas? As decepções, os dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa punição do orgulho presunçoso que se julga chamado a fazer melhor que todo mundo, desdenha os conselhos e desconhece os verdadeiros princípios do Espiritismo.
Tanto é a modéstia o apanágio dos médiuns escolhidos pelos bons Espíritos, quanto o orgulho, o amor-próprio e, digamo-lo, a mediocridade são os caracteres distintivos dos médiuns inspirados pelos Espíritos inferiores. Tanto os primeiros desprezam as comunicações que recebem, quando estas se afastam da verdade, quanto os últimos mantêm contra todos a superioridade do que lhes é ditado, mesmo que seja um absurdo.
Daí resulta que, conforme as palavras pronunciadas na Sociedade de Paris, por seu presidente espiritual, São Luís, uma verdadeira Torre de Babel está em vias de edificar-se entre vós. Aliás, fora preciso ser cego ou iludido para não reconhecer que à cruzada dirigida contra o Espiritismo pelos adversários natos de toda doutrina progressista e libertadora, se junta uma cruzada espiritual, dirigida por todos os Espíritos pseudossábios, falsos grandes homens, falsos religiosos e falsos irmãos da erraticidade, fazendo causa comum com os inimigos terrestres, em meio a essa multidão de médiuns por eles fanatizados, aos quais ditam tantas elucubrações mentirosas.
Mas vede o que resta de todos esses andaimes erigidos pela ambição, pelo amor-próprio e pela inveja. Quantos não vistes desabar e quantos ainda vereis desabar! Eu vos digo que todo edifício que não se assenta sobre a verdade, a única base sólida, cairá, porque só a verdade pode desafiar o tempo e triunfar de todas as utopias.
Espíritas sinceros, não vos amedronteis com o caos momentâneo. Não está longe o momento em que a verdade, desvencilhada dos véus com os quais querem cobri-la, sairá mais radiosa do que nunca, e em que a sua claridade, inundando o mundo, fará voltarem para a sombra seus obscuros detratores, por um instante postos em evidência para a sua própria confusão.
Assim, pois, meus amigos, tendes que vos defender, não só contra os ataques e calúnias de vossos adversários vivos, mas também contra as manobras ainda mais perigosas dos adversários da erraticidade. Fortalecei-vos, pois, em estudos sadios, e sobretudo pela prática do amor e da caridade, e retemperai-vos na prece. Deus sempre ilumina os que se consagram à propagação da verdade, quando agem de boafé e desprovidos de toda ambição pessoal.
Além disso, espíritas, que vos importam os médiuns que, afinal de contas, não passam de instrumentos! O que deveis considerar é o valor e o alcance dos ensinamentos que vos são dados; é a pureza da moral que vos é ensinada; é a clareza e a precisão das verdades que vos são reveladas; é, enfim, ver se as instruções que vos dão correspondem às legítimas aspirações das almas de escol, e se estão em conformidade com as leis gerais e imutáveis da lógica e da harmonia universal.
Os Espíritos imperfeitos, que representam um papel de apóstolo junto a seus obsedados, bem sabeis, não têm o menor escrúpulo em enfeitar-se com os mais venerados nomes; assim, seria um disparate se eu, que sou um dos últimos e mais obscuros discípulos do Espírito de Verdade, me lamentasse do abuso que alguns fizeram de meu modesto nome; assim, repetirei incessantemente o que dizia a meu médium, há dois anos: “Jamais julgueis uma comunicação mediúnica pelo nome que a assina, mas apenas por seu conteúdo intrínseco.”
É urgente que vos ponhais em guarda contra todas as publicações de origem suspeita que aparecem ou que vão aparecer, contra todas aquelas que não teriam uma atitude franca e clara, e tenhais como certo que muitas são elaboradas nos campos inimigos do mundo visível ou do mundo invisível, com o objetivo de lançar entre vós o facho da discórdia.
Cabe a vós não vos deixardes apanhar, pois tendes todos os elementos necessários para apreciá-las. Mas, tende igualmente como certo que todo Espírito que a si mesmo se anuncia como um ser superior, e sobretudo como de uma infalibilidade a toda prova, é, ao contrário, o oposto do que se anuncia tão pomposamente.
Desde que o piedoso Espírito de François-Nicolas Madeleine teve a bondade de me aliviar de uma parte de meu fardo espiritual, pude considerar o conjunto da obra espírita e fazer a estatística moral dos obreiros que trabalham na vinha do Senhor. Ah! Se tantos Espíritos imperfeitos se imiscuem na obra que perseguimos, tenho o pesar maior de constatar que entre os nossos melhores auxiliares da Terra, muitos vergaram ao peso de sua tarefa e pouco a pouco tomaram a trilha de suas antigas fraquezas, de tal sorte que as grandes almas etéreas que os aconselhavam foram, desde então, substituídas por Espíritos menos puros e menos perfeitos.
Ah! Eu sei que a virtude é difícil, mas nem queremos nem pedimos o impossível. Basta-nos a boa vontade, quando acompanhada do desejo de fazer o melhor.
Meus amigos, em tudo o relaxamento é pernicioso, porque muito será pedido aos que, depois de se terem elevado por uma renúncia generosa à sua própria individualidade, caírem no culto da matéria, e ainda se deixarem invadir pelo egoísmo e pelo amor a si mesmos. Não obstante, oramos por eles e a ninguém condenamos, porque sempre devemos ter presente na memória este ensino magnífico do Cristo: “O que estiver sem pecado atire a primeira pedra.”
Hoje vossas falanges engrossam a olhos vistos e vossos partidários se contam aos milhões. Ora, em razão do número de adeptos, deslizam sob falsas máscaras os falsos irmãos dos quais ultimamente vos falou vosso presidente temporal. Não que eu venha recomendar-vos que não sejam abertas vossas fileiras senão às ovelhas sem mancha e as novilhas brancas; não, porque, mais que todos os outros, os pecadores têm direito de encontrar entre vós um refúgio contra suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos quais vos aconselho que desconfieis são esses hipócritas perigosos, aos quais, à primeira vista, se é tentado e conceder toda a confiança. Com o auxílio de uma atitude rígida, sob o olho observador das massas, eles conservam esse ar sério e digno que leva a dizerem deles: “Que criaturas respeitáveis!” ao passo que, sob essa respeitabilidade aparente, por vezes se dissimulam a perfídia e a imoralidade.
Eles são acessíveis, obsequiosos, cheios de amenidades; eles insinuam-se nos interiores; eles entram voluntariamente na vida privada; eles escutam atrás das portas e se fazem surdos para escutar melhor; eles pressentem as inimizades, atiçamnas e as alimentam; eles vão aos campos opostos, indagando, interrogando sobre cada um. O que faz este? De que vive aquele? Quem é fulano? Conheceis sua família? Depois os vereis ir surdamente desfilar na sombra as pequenas maledicências que conseguiram recolher, tendo o cuidado de envenená-las com untuosas calúnias. “São rumores em que a gente não acredita”, dizem eles, mas acrescentam: “Onde há fumaça há fogo, etc., etc.”
A esses tartufos da encarnação reuni os tartufos da erraticidade e vereis, meus caros amigos, quanto tenho razão de vos aconselhar a agir, de agora em diante, com extrema reserva e de vos guardardes de toda imprudência e de todo entusiasmo irrefletido.
Eu vo-lo disse, estais num momento de crise, dificultado pela malevolência, mas do qual saireis mais fortes, com firmeza e perseverança.
O número dos médiuns é hoje incalculável e é desagradável ver que alguns se julgam os únicos chamados a distribuir a verdade ao mundo e se extasiam ante banalidades que consideram monumentos, pobres iludidos que se abaixam ao passar sob os arcos de triunfo, como se a verdade tivesse esperado a sua vinda para ser anunciada. Nem o forte, nem o fraco, nem o instruído, nem o ignorante tiveram esse privilégio exclusivo, porquanto foi por intermédio de mil vozes desconhecidas que a verdade se espalhou, e é justamente por essa unanimidade que ela soube ser reconhecida.
Contai essas vozes; contai os que as escutam; contai sobretudo aqueles cujos corações elas tocam, se quiserdes saber de que lado está a verdade.
Ah! Se todos os médiuns tivessem fé! Eu seria o primeiro a inclinar-me diante deles. Mas eles não têm, na maior parte do tempo, senão fé em si mesmos, tão grande é o orgulho na Terra! Não, sua fé não é aquela que transporta montanhas e que faz andar sobre as águas! É o caso de repetir aqui a máxima evangélica que me serviu de tema quando me fiz ouvir pela primeira vez entre vós: Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.
Em suma, publicações à direita, publicações à esquerda, publicações por toda parte, pró ou contra, em todos os sentidos e sob todas as formas; críticas exageradas da parte de pessoas que dele nada sabem; sermões fogosos de pessoas que o temem; em suma, digo eu, o Espiritismo está na ordem do dia. Ele revolve todos os cérebros e agita todas as consciências, privilégio exclusivo das grandes coisas. Todos pressentem que ele leva em si o princípio de uma renovação, que uns apoiam com os seus votos e outros temem.
Mas, de tudo isto, o que restará? Desta Torre de Babel o que jorrará? Uma coisa imensa: a vulgarização da ideia espírita, e como doutrina, o que será verdadeiramente doutrinário!
Esse conflito é inevitável, porque o homem é manchado de muito orgulho e egoísmo para aceitar sem oposição uma verdade nova qualquer. Digo mesmo que esse conflito é necessário, porque é o atrito que desfaz as ideias falsas e faz ressaltar a força das que resistem.
Em meio a essa avalanche de mediocridades, de impossibilidades e de utopias irrealizáveis, a verdade esplêndida espalhar-se-á na sua grandeza e na sua majestade.
ERASTO
De todos os lados surgem médiuns com supostas missões, chamados, ao que dizem, a tomar em mãos a bandeira do Espiritismo e plantá-la sobre as ruínas do velho mundo, como se nós viéssemos destruir, nós que viemos apenas para construir.
Não há individualidade, por medíocre que seja, que não tenha encontrado, como Macbeth, um Espírito para lhe dizer: “Tu também serás rei”, e que não se julgue designada a um apostolado muito especial.
Há poucas reuniões íntimas, e mesmo grupos familiares, que não tenham contado entre os seus médiuns ou seus simples crentes, uma alma bastante enfatuada para se julgar indispensável ao sucesso da grande causa; muito presunçosa para contentar-se com o modesto papel do obreiro que traz a sua pedra para o edifício. Ah! meus amigos! Quanto empenho por pouco resultado!
Quase todos os novos médiuns, em seu início, são submetidos a essa perigosa tentação. Alguns resistem a isso, mas muitos sucumbem, ao menos por algum tempo, até que sucessivos revezes venham desiludi-lo.
Por que permite Deus uma prova tão difícil, senão para provar que o bem e o progresso jamais se estabelecem em vosso íntimo sem trabalho e sem combate; senão para tornar o triunfo da verdade mais brilhante pelas dificuldades da luta? O que querem certos Espíritos da erraticidade, fomentando entre as mediocridades da encarnação essa exaltação do amor-próprio e do orgulho, senão entravar o progresso? Sem o querer, eles são os instrumentos da provação que porá em evidência os bons e os maus servos de Deus. A este, tal Espírito promete o segredo da transmutação dos metais, como a um médium de R...; àquele, como ao Sr..., um Espírito revela supostos acontecimentos que vão realizar-se, fixa as épocas, precisa as datas, nomeia os atores que devem concorrer ao drama anunciado; a tal outro, um Espírito mistificador ensina a incubação dos diamantes; a outros ainda indicam tesouros ocultos, prometem fortuna fácil, descobertas maravilhosas, a glória, as honrarias, etc. Numa palavra, todas as ambições e todas as cobiças dos homens são habilmente exploradas por Espíritos perversos. Eis por que de todos os lados vedes esses pobres obsedados preparando-se para subir ao Capitólio, com uma gravidade e uma arrogância que entristecem o observador imparcial.
Qual o resultado de todas essas promessas falaciosas? As decepções, os dissabores, o ridículo, por vezes a ruína, justa punição do orgulho presunçoso que se julga chamado a fazer melhor que todo mundo, desdenha os conselhos e desconhece os verdadeiros princípios do Espiritismo.
Tanto é a modéstia o apanágio dos médiuns escolhidos pelos bons Espíritos, quanto o orgulho, o amor-próprio e, digamo-lo, a mediocridade são os caracteres distintivos dos médiuns inspirados pelos Espíritos inferiores. Tanto os primeiros desprezam as comunicações que recebem, quando estas se afastam da verdade, quanto os últimos mantêm contra todos a superioridade do que lhes é ditado, mesmo que seja um absurdo.
Daí resulta que, conforme as palavras pronunciadas na Sociedade de Paris, por seu presidente espiritual, São Luís, uma verdadeira Torre de Babel está em vias de edificar-se entre vós. Aliás, fora preciso ser cego ou iludido para não reconhecer que à cruzada dirigida contra o Espiritismo pelos adversários natos de toda doutrina progressista e libertadora, se junta uma cruzada espiritual, dirigida por todos os Espíritos pseudossábios, falsos grandes homens, falsos religiosos e falsos irmãos da erraticidade, fazendo causa comum com os inimigos terrestres, em meio a essa multidão de médiuns por eles fanatizados, aos quais ditam tantas elucubrações mentirosas.
Mas vede o que resta de todos esses andaimes erigidos pela ambição, pelo amor-próprio e pela inveja. Quantos não vistes desabar e quantos ainda vereis desabar! Eu vos digo que todo edifício que não se assenta sobre a verdade, a única base sólida, cairá, porque só a verdade pode desafiar o tempo e triunfar de todas as utopias.
Espíritas sinceros, não vos amedronteis com o caos momentâneo. Não está longe o momento em que a verdade, desvencilhada dos véus com os quais querem cobri-la, sairá mais radiosa do que nunca, e em que a sua claridade, inundando o mundo, fará voltarem para a sombra seus obscuros detratores, por um instante postos em evidência para a sua própria confusão.
Assim, pois, meus amigos, tendes que vos defender, não só contra os ataques e calúnias de vossos adversários vivos, mas também contra as manobras ainda mais perigosas dos adversários da erraticidade. Fortalecei-vos, pois, em estudos sadios, e sobretudo pela prática do amor e da caridade, e retemperai-vos na prece. Deus sempre ilumina os que se consagram à propagação da verdade, quando agem de boafé e desprovidos de toda ambição pessoal.
Além disso, espíritas, que vos importam os médiuns que, afinal de contas, não passam de instrumentos! O que deveis considerar é o valor e o alcance dos ensinamentos que vos são dados; é a pureza da moral que vos é ensinada; é a clareza e a precisão das verdades que vos são reveladas; é, enfim, ver se as instruções que vos dão correspondem às legítimas aspirações das almas de escol, e se estão em conformidade com as leis gerais e imutáveis da lógica e da harmonia universal.
Os Espíritos imperfeitos, que representam um papel de apóstolo junto a seus obsedados, bem sabeis, não têm o menor escrúpulo em enfeitar-se com os mais venerados nomes; assim, seria um disparate se eu, que sou um dos últimos e mais obscuros discípulos do Espírito de Verdade, me lamentasse do abuso que alguns fizeram de meu modesto nome; assim, repetirei incessantemente o que dizia a meu médium, há dois anos: “Jamais julgueis uma comunicação mediúnica pelo nome que a assina, mas apenas por seu conteúdo intrínseco.”
É urgente que vos ponhais em guarda contra todas as publicações de origem suspeita que aparecem ou que vão aparecer, contra todas aquelas que não teriam uma atitude franca e clara, e tenhais como certo que muitas são elaboradas nos campos inimigos do mundo visível ou do mundo invisível, com o objetivo de lançar entre vós o facho da discórdia.
Cabe a vós não vos deixardes apanhar, pois tendes todos os elementos necessários para apreciá-las. Mas, tende igualmente como certo que todo Espírito que a si mesmo se anuncia como um ser superior, e sobretudo como de uma infalibilidade a toda prova, é, ao contrário, o oposto do que se anuncia tão pomposamente.
Desde que o piedoso Espírito de François-Nicolas Madeleine teve a bondade de me aliviar de uma parte de meu fardo espiritual, pude considerar o conjunto da obra espírita e fazer a estatística moral dos obreiros que trabalham na vinha do Senhor. Ah! Se tantos Espíritos imperfeitos se imiscuem na obra que perseguimos, tenho o pesar maior de constatar que entre os nossos melhores auxiliares da Terra, muitos vergaram ao peso de sua tarefa e pouco a pouco tomaram a trilha de suas antigas fraquezas, de tal sorte que as grandes almas etéreas que os aconselhavam foram, desde então, substituídas por Espíritos menos puros e menos perfeitos.
Ah! Eu sei que a virtude é difícil, mas nem queremos nem pedimos o impossível. Basta-nos a boa vontade, quando acompanhada do desejo de fazer o melhor.
Meus amigos, em tudo o relaxamento é pernicioso, porque muito será pedido aos que, depois de se terem elevado por uma renúncia generosa à sua própria individualidade, caírem no culto da matéria, e ainda se deixarem invadir pelo egoísmo e pelo amor a si mesmos. Não obstante, oramos por eles e a ninguém condenamos, porque sempre devemos ter presente na memória este ensino magnífico do Cristo: “O que estiver sem pecado atire a primeira pedra.”
Hoje vossas falanges engrossam a olhos vistos e vossos partidários se contam aos milhões. Ora, em razão do número de adeptos, deslizam sob falsas máscaras os falsos irmãos dos quais ultimamente vos falou vosso presidente temporal. Não que eu venha recomendar-vos que não sejam abertas vossas fileiras senão às ovelhas sem mancha e as novilhas brancas; não, porque, mais que todos os outros, os pecadores têm direito de encontrar entre vós um refúgio contra suas próprias imperfeições. Mas aqueles dos quais vos aconselho que desconfieis são esses hipócritas perigosos, aos quais, à primeira vista, se é tentado e conceder toda a confiança. Com o auxílio de uma atitude rígida, sob o olho observador das massas, eles conservam esse ar sério e digno que leva a dizerem deles: “Que criaturas respeitáveis!” ao passo que, sob essa respeitabilidade aparente, por vezes se dissimulam a perfídia e a imoralidade.
Eles são acessíveis, obsequiosos, cheios de amenidades; eles insinuam-se nos interiores; eles entram voluntariamente na vida privada; eles escutam atrás das portas e se fazem surdos para escutar melhor; eles pressentem as inimizades, atiçamnas e as alimentam; eles vão aos campos opostos, indagando, interrogando sobre cada um. O que faz este? De que vive aquele? Quem é fulano? Conheceis sua família? Depois os vereis ir surdamente desfilar na sombra as pequenas maledicências que conseguiram recolher, tendo o cuidado de envenená-las com untuosas calúnias. “São rumores em que a gente não acredita”, dizem eles, mas acrescentam: “Onde há fumaça há fogo, etc., etc.”
A esses tartufos da encarnação reuni os tartufos da erraticidade e vereis, meus caros amigos, quanto tenho razão de vos aconselhar a agir, de agora em diante, com extrema reserva e de vos guardardes de toda imprudência e de todo entusiasmo irrefletido.
Eu vo-lo disse, estais num momento de crise, dificultado pela malevolência, mas do qual saireis mais fortes, com firmeza e perseverança.
O número dos médiuns é hoje incalculável e é desagradável ver que alguns se julgam os únicos chamados a distribuir a verdade ao mundo e se extasiam ante banalidades que consideram monumentos, pobres iludidos que se abaixam ao passar sob os arcos de triunfo, como se a verdade tivesse esperado a sua vinda para ser anunciada. Nem o forte, nem o fraco, nem o instruído, nem o ignorante tiveram esse privilégio exclusivo, porquanto foi por intermédio de mil vozes desconhecidas que a verdade se espalhou, e é justamente por essa unanimidade que ela soube ser reconhecida.
Contai essas vozes; contai os que as escutam; contai sobretudo aqueles cujos corações elas tocam, se quiserdes saber de que lado está a verdade.
Ah! Se todos os médiuns tivessem fé! Eu seria o primeiro a inclinar-me diante deles. Mas eles não têm, na maior parte do tempo, senão fé em si mesmos, tão grande é o orgulho na Terra! Não, sua fé não é aquela que transporta montanhas e que faz andar sobre as águas! É o caso de repetir aqui a máxima evangélica que me serviu de tema quando me fiz ouvir pela primeira vez entre vós: Muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.
Em suma, publicações à direita, publicações à esquerda, publicações por toda parte, pró ou contra, em todos os sentidos e sob todas as formas; críticas exageradas da parte de pessoas que dele nada sabem; sermões fogosos de pessoas que o temem; em suma, digo eu, o Espiritismo está na ordem do dia. Ele revolve todos os cérebros e agita todas as consciências, privilégio exclusivo das grandes coisas. Todos pressentem que ele leva em si o princípio de uma renovação, que uns apoiam com os seus votos e outros temem.
Mas, de tudo isto, o que restará? Desta Torre de Babel o que jorrará? Uma coisa imensa: a vulgarização da ideia espírita, e como doutrina, o que será verdadeiramente doutrinário!
Esse conflito é inevitável, porque o homem é manchado de muito orgulho e egoísmo para aceitar sem oposição uma verdade nova qualquer. Digo mesmo que esse conflito é necessário, porque é o atrito que desfaz as ideias falsas e faz ressaltar a força das que resistem.
Em meio a essa avalanche de mediocridades, de impossibilidades e de utopias irrealizáveis, a verdade esplêndida espalhar-se-á na sua grandeza e na sua majestade.
ERASTO
(Sociedade espírita de Paris, 20 de novembro de 1863 - Médium: Sra. Costel)
O dever é a obrigação moral, inicialmente diante de si mesmo e em seguida diante dos outros. O dever é a lei da vida e se acha nos mais ínfimos detalhes, tanto quanto nos atos elevados. Não vou aqui falar senão do dever moral, e não do que as profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir, porque ele se acha em antagonismo com as seduções do instinto e do coração. Suas vitórias não têm testemunhas e suas derrotas não têm repressão.
O dever íntimo do homem é entregue ao seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, esse guardião da probidade interior, o adverte e o sustenta, mas, muitas vezes fica impotente ante os sofismas da paixão.
O dever do coração fielmente observado eleva o homem, mas esse dever, como precisá-lo? Onde ele começa? Onde ele acaba? Ele começa exatamente no ponto onde ameaçais a felicidade e o repouso do próximo, e termina no limite que não queríeis ver transposto contra vós mesmos.
Deus criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, sofrem pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue judiciosamente o mal que pode fazer. O mesmo critério não existe para o bem, infinitamente mais variado em suas expressões. A igualdade perante a dor é uma sublime previdência de Deus, que quer que seus filhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando a ignorância de seus efeitos.
O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que afronta as angústias da luta; é austero e simples, pronto a dobrar-se às complicações diversas, e fica inflexível ante as suas tentações.
O homem que cumpre o seu dever ama Deus mais que as criaturas, e as criaturas mais que a si mesmo. Ele é, ao mesmo tempo, juiz e escravo em causa própria.
O dever é o mais belo laurel da razão. Ele origina-se dela, como o filho descende de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque preserve dos males a vida, dos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas porque dá à alma o necessário vigor para o seu desenvolvimento.
O homem não pode afastar o cálice de suas provações. O dever é penoso nos seus sacrifícios, e o mal é amargo nos seus resultados, mas essas dores, quase iguais, têm conclusões muito diferentes: uma é salutar como os venenos que restauram a saúde e a outra é nociva, como os festins que arruínam o corpo.
O dever cresce e irradia sob uma forma mais elevada em cada uma das etapas superiores da Humanidade.
A obrigação moral da criatura para com Deus jamais cessa. Ela deve refletir as virtudes do Eterno, que não aceita um esboço imperfeito, porque quer que a beleza de sua obra resplandeça diante dele.
LÁZARO
Na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir, porque ele se acha em antagonismo com as seduções do instinto e do coração. Suas vitórias não têm testemunhas e suas derrotas não têm repressão.
O dever íntimo do homem é entregue ao seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, esse guardião da probidade interior, o adverte e o sustenta, mas, muitas vezes fica impotente ante os sofismas da paixão.
O dever do coração fielmente observado eleva o homem, mas esse dever, como precisá-lo? Onde ele começa? Onde ele acaba? Ele começa exatamente no ponto onde ameaçais a felicidade e o repouso do próximo, e termina no limite que não queríeis ver transposto contra vós mesmos.
Deus criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou esclarecidos, sofrem pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue judiciosamente o mal que pode fazer. O mesmo critério não existe para o bem, infinitamente mais variado em suas expressões. A igualdade perante a dor é uma sublime previdência de Deus, que quer que seus filhos, instruídos pela experiência comum, não cometam o mal, alegando a ignorância de seus efeitos.
O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que afronta as angústias da luta; é austero e simples, pronto a dobrar-se às complicações diversas, e fica inflexível ante as suas tentações.
O homem que cumpre o seu dever ama Deus mais que as criaturas, e as criaturas mais que a si mesmo. Ele é, ao mesmo tempo, juiz e escravo em causa própria.
O dever é o mais belo laurel da razão. Ele origina-se dela, como o filho descende de sua mãe. O homem deve amar o dever, não porque preserve dos males a vida, dos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas porque dá à alma o necessário vigor para o seu desenvolvimento.
O homem não pode afastar o cálice de suas provações. O dever é penoso nos seus sacrifícios, e o mal é amargo nos seus resultados, mas essas dores, quase iguais, têm conclusões muito diferentes: uma é salutar como os venenos que restauram a saúde e a outra é nociva, como os festins que arruínam o corpo.
O dever cresce e irradia sob uma forma mais elevada em cada uma das etapas superiores da Humanidade.
A obrigação moral da criatura para com Deus jamais cessa. Ela deve refletir as virtudes do Eterno, que não aceita um esboço imperfeito, porque quer que a beleza de sua obra resplandeça diante dele.
LÁZARO
(Sociedade de Paris, 4 de julho de 1863 - Médium: Sr. A. Didier)
O sacrifício da carne foi severamente condenado pelos grandes filósofos da Antiguidade.
O Espírito elevado revolta-se à ideia do sangue, e sobretudo à ideia de que o sangue é agradável à Divindade. Notai bem que aqui não se trata de sacrifícios humanos, mas unicamente de animais oferecidos em holocausto.
Quando o Cristo veio anunciar a Boa Nova, não ordenou sacrifícios de sangue, porquanto ocupou-se unicamente do Espírito.
Os grandes sábios da Antiguidade igualmente tinham horror a esse tipo de sacrifícios, e eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes.
Na Terra, os encarnados têm uma missão a cumprir. Eles têm o Espírito, que deve ser nutrido pelo Espírito, e o corpo, que deve ser nutrido com a matéria, mas a natureza da matéria influi ─ compreende-se facilmente ─ sobre a densidade do corpo e, em consequência, sobre as manifestações do Espírito.
Os temperamentos naturalmente muito fortes para viver como os anacoretas fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente à meditação e à prece. Mas, para viver assim, geralmente seria necessária uma natureza mais espiritualizada que a vossa, o que é impossível com as condições terrestres, e como, antes de tudo, a Natureza jamais age contra o bom-senso, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações.
É possível ser bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto, desde que se seja uma pessoa razoável. É uma questão algo leviana para os nossos estudos, mas não menos útil e proveitosa.
LAMENNAIS
O sacrifício da carne foi severamente condenado pelos grandes filósofos da Antiguidade.
O Espírito elevado revolta-se à ideia do sangue, e sobretudo à ideia de que o sangue é agradável à Divindade. Notai bem que aqui não se trata de sacrifícios humanos, mas unicamente de animais oferecidos em holocausto.
Quando o Cristo veio anunciar a Boa Nova, não ordenou sacrifícios de sangue, porquanto ocupou-se unicamente do Espírito.
Os grandes sábios da Antiguidade igualmente tinham horror a esse tipo de sacrifícios, e eles próprios só se alimentavam de frutos e raízes.
Na Terra, os encarnados têm uma missão a cumprir. Eles têm o Espírito, que deve ser nutrido pelo Espírito, e o corpo, que deve ser nutrido com a matéria, mas a natureza da matéria influi ─ compreende-se facilmente ─ sobre a densidade do corpo e, em consequência, sobre as manifestações do Espírito.
Os temperamentos naturalmente muito fortes para viver como os anacoretas fazem bem, porque o esquecimento da carne leva mais facilmente à meditação e à prece. Mas, para viver assim, geralmente seria necessária uma natureza mais espiritualizada que a vossa, o que é impossível com as condições terrestres, e como, antes de tudo, a Natureza jamais age contra o bom-senso, é impossível ao homem submeter-se impunemente a essas privações.
É possível ser bom cristão e bom espírita e comer a seu gosto, desde que se seja uma pessoa razoável. É uma questão algo leviana para os nossos estudos, mas não menos útil e proveitosa.
LAMENNAIS