Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1863

Allan Kardec

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Junho

Tendo sido várias vezes levantadas questões sobre o princípio da não retrogradação dos Espíritos, princípio diversamente interpretado, vamos tentar resolvê-las. O Espiritismo quer ser claro para todos e não deixar aos seus futuros seguidores nenhum motivo para discussão de palavras, por isso todos os pontos suscetíveis de interpretação serão elucidados sucessivamente.

Os Espíritos não retrogradam, no sentido de que nada perdem do progresso realizado. Eles podem ficar momentaneamente estacionários, mas de bons não podem tornar-se maus, nem de sábios, ignorantes. Tal é o princípio geral, que só se aplica ao estado moral e não à situação material, que de boa pode tornar-se má, se o Espírito a tiver merecido.

Façamos uma comparação. Suponhamos um homem do mundo, instruído, mas culpado de um crime que o conduz às galés. Certamente há para ele uma grande descida como posição social e como bem-estar material. À estima e à consideração sucederam o desprezo e a abjeção. Entretanto, ele nada perdeu quanto ao desenvolvimento da inteligência. Levará à prisão as suas faculdades, os seus talentos, os seus conhecimentos. É um homem decaído, e é assim que devem ser compreendidos os Espíritos decaídos. Deus pode, pois, ao cabo de certo tempo de prova, retirar de um mundo onde não terão progredido moralmente, aqueles que o tiverem desconhecido, que se tiverem rebelado contra as suas leis, mandando que expiem os seus erros e o seu endurecimento num mundo inferior, entre seres ainda menos adiantados. Aí serão o que eram antes, moral e intelectualmente, mas numa condição infinitamente mais penosa, pela própria natureza do globo, e sobretudo pelo meio no qual se acharem. Numa palavra, estarão na posição de um homem ci vilizado forçado a viver entre os selvagens, ou de um homem educado condenado à sociedade dos forçados. Eles perderam sua posição e suas vantagens, mas não regrediram ao estado primitivo. De adultos, não se tornaram crianças. Eis o que se deve entender pela não retrogradação. Não tendo aproveitado o tempo, é para eles um trabalho a recomeçar. Em sua bondade, Deus não quer deixá-los por mais tempo entre os bons, cuja paz perturbam, e é por isto que ele os envia para viverem entre homens que eles terão por missão fazer com que progridam, ensinando-lhes o que sabem. Por esse trabalho eles próprios poderão adiantar-se e se regenerarem, expiando as faltas passadas, como o escravo que economiza pouco a pouco para um dia comprar sua liberdade. Mas, como o escravo, muitos só economizam dinheiro, em vez de amontoar virtudes, as únicas que podem pagar seu resgate.

Esta tem sido, até agora, a situação de nossa Terra, mundo de expiação e de provas, onde a raça adâmica, raça inteligente, foi exilada entre as raças primitivas inferiores que a habitavam antes dela. Tal a razão pela qual há tantas amarguras aqui, amarguras que estão longe de sentir no mesmo grau os povos selvagens.

Há, certamente, retrogradação do Espírito no sentido de que retarda seu progresso, mas não do ponto de vista de suas aquisições, em razão das quais e do desenvolvimento de sua inteligência, sua degradação social lhe é mais penosa. É assim que o homem do mundo sofre mais num meio abjeto do que aquele que sempre viveu na lama.

Segundo um sistema que tem algo de especioso à primeira vista, os Espíritos não teriam sido criados para se encarnarem e a encarnação não seria senão o resultado de sua falta. Tal sistema cai pela mera consideração de que se nenhum Espírito tivesse falido, não haveria homens na Terra, nem em outros mundos. Ora, como a presença do homem é necessária para o melhoramento material dos mundos; como ele concorre por sua inteligência e sua atividade para a obra geral, ele é uma das engrenagens essenciais da Criação. Deus não podia subordinar a realização desta parte de sua obra à queda eventual de suas criaturas, a menos que contasse para tanto com um número sempre suficiente de culpados para fornecer operários aos mundos criados e por criar. O bom-senso repele tal ideia.

A encarnação é, pois, uma necessidade para o Espírito que, realizando a sua missão providencial, trabalha para seu próprio adiantamento pela atividade e pela inteligência que ele deve desenvolver a fim de prover à sua vida e ao seu bem-estar.

Mas a encarnação torna-se uma punição quando, não tendo feito o que devia, o Espírito é constrangido a recomeçar sua tarefa e multiplica suas existências corpóreas penosas por sua própria culpa. Um estudante só é graduado após ter passado por todas as classes. Essas classes são um castigo? Não. Elas são uma necessidade, uma condição indispensável ao seu avanço. Mas se, pela preguiça, for obrigado a repeti-las, aí é uma punição. Ser aprovado em algumas é um mérito. O que é certo, portanto, é que a encarnação na Terra é uma punição para muitos que a habitam, porque poderiam tê-la evitado, ao passo que eles talvez a tenham duplicado, triplicado, centuplicado, por sua própria culpa, assim retardando sua entrada em mundos melhores. O que é errado é admitir, em princípio, a encarnação como um castigo.

Outra questão muitas vezes discutida é esta: Como o Espírito foi criado simples e ignorante, com a liberdade de fazer o bem ou o mal, não teria ele uma queda moral quando toma o mau caminho, considerando-se que ele chega a fazer o mal que não fazia antes?

Esta proposição não é mais sustentável que a precedente. Só há queda na passagem de um estado relativamente bom a um pior. Ora, criado simples e ignorante, o Espírito está, em sua origem, num estado de nulidade moral e intelectual, como a criança que acaba de nascer. Se não fez o mal, também não fez o bem; não é feliz nem infeliz; age sem consciência e sem responsabilidade. Como nada tem, nada pode perder, nem pode retrogradar. Sua responsabilidade só começa no momento em que se desenvolve o seu livre-arbítrio. Seu estado primitivo não é, pois, um estado de inocência inteligente e raciocinada. Consequentemente, o mal que fizer mais tarde, infringindo as leis de Deus e abusando das faculdades que lhe foram dadas, não é um retorno do bem ao mal, mas a consequência do mau caminho por onde entrou.

Isto nos conduz a outra questão. Nero, por exemplo, enquanto encarnado como Nero, pode ter cometido mais maldades do que na sua precedente encarnação? A isto respondemos sim, o que não implica que na existência em que tivesse feito menos mal ele fosse melhor. Para começar, o mal pode mudar de forma sem ser um mal maior ou menor. A posição de Nero, como imperador, tendo-o posto em evidência, permitiu que seus atos fossem mais notados. Numa existência obscura ele pode ter cometido atos igualmente repreensíveis, posto que em menor escala, e que passaram despercebidos. Como soberano, ele pôde mandar incendiar uma cidade. Como uma pessoa comum, pôde queimar uma casa e fazer perecer a família. Um assassino vulgar que mata alguns viajantes para despojá-los, se estivesse no trono seria um tirano sanguinário, fazendo em grande escala o que a posição só lhe permite fazer em escala reduzida.

Considerando a questão sob outro ponto de vista, diremos que um homem pode fazer mais mal numa existência que na precedente, mostrar vícios que não tinha, sem que isto implique uma degeneração moral. Muitas vezes são as ocasiões que faltam para fazer o mal. Quando o princípio existe em estado latente, vem a ocasião e os maus instintos se desvelam.

A vida ordinária nos oferece numerosos exemplos dessa ordem: Um homem que era tido como bom, de repente revela vícios que ninguém suspeitava, e que causam admiração. É simplesmente porque soube dissimular, ou porque uma causa provocou o desenvolvimento de um mau germe. É bem certo que aquele em quem os bons sentimentos estão fortemente arraigados não tem nem mesmo o pensamento do mal. Quando tal pensamento existe, é que o germe existe. Frequentemente apenas falta a execução.

Depois, como dissemos, o mal, posto que sob diferentes formas, não deixa de ser o mal. O mesmo princípio vicioso pode ser a fonte de uma porção de atos diversos, provenientes de uma mesma causa. O orgulho, por exemplo, pode fazer cometer um grande número de faltas, às quais se está exposto, enquanto o princípio radical não for extirpado. Um homem pode, pois, numa existência, ter defeitos que não teria manifestado numa outra e que não são senão consequências várias de um mesmo princípio vicioso.

Para nós, Nero é um monstro, porque cometeu atrocidades. Mas é crível que esses homens pérfidos, hipócritas, verdadeiras víboras que semeiam o veneno da calúnia, despojam as famílias pela astúcia e pelo abuso de confiança, que cobrem suas torpezas com a máscara da virtude para chegarem com mais segurança a seus fins e receberem elogios quando só merecem a execração, é crível, dizíamos nós, que eles sejam melhores do que Nero? Certamente não. Serem reencarnados num Nero, para eles não seria uma regressão, mas uma ocasião para se mostrarem sob nova face. Nessa condição, eles exibirão os vícios que ocultavam. Ousarão fazer pela força o que faziam pela astúcia, eis toda a diferença. Mas essa nova prova não lhes tornará o castigo senão mais terrível se, em vez de aproveitar os meios que lhes são dados para reparar, deles se servem para o mal. Entretanto, cada existência, por pior que seja, é uma ocasião de progresso para o Espírito. Ele desenvolve a inteligência e adquire experiência e conhecimentos que mais tarde o ajudarão a progredir moralmente.


Toda ideia nova tem contra si, necessariamente, todos aqueles cujas opiniões e interesses ela contraria. Alguns julgam que as da Igreja estão comprometidas ─ pensamos que não, mas nossa opinião não é lei ─ por isso nos atacam em seu nome com um furor ao qual só faltam as grandes execuções da Idade Média. Os sermões, as instruções pastorais lançam raios para todos os lados. As brochuras e artigos de jornais chovem como granizo, na maioria com um cinismo de expressões pouco evangélico. Em vários deles é uma raiva que beira o frenesi. Por que, então, essa exibição de força e tanta cólera? Porque dizemos que Deus perdoa ao arrependimento e as penas só serão eternas para os que jamais se arrependerem; e porque proclamamos a clemência e a bondade de Deus, somos heréticos votados à execração, e a Sociedade está perdida. Apontam-nos como perturbadores; convidam as autoridades a nos perseguirem em nome da moral e da ordem pública e acham que deixando-nos tranquilos elas não cumprem o seu dever!

Aqui se apresenta um problema interessante. Pergunta-se por que esse desencadeamento contra o Espiritismo, e não contra tantas outras teorias filosóficas ou religiosas muito menos ortodoxas. A Igreja fulminou o materialismo, que tudo nega, como o faz contra o Espiritismo, que se limita à interpretação de alguns dogmas? Esses dogmas e muitos outros não foram tantas vezes negados, discutidos, controvertidos numa porção de escritos que ela deixa passar despercebidos? Os princípios fundamentais da fé: Deus, a alma e a imortalidade, não foram publicamente atacados sem que ela se movesse? Jamais o sansimonismo, o fourierismo, a própria igreja do Padre Chatel levantaram tantas cóleras, sem falar de outras seitas menos conhecidas, tais como os fusionistas, cujo chefe acaba de falecer, que têm um culto, seu jornal, e não admitem a divindade do Cristo; e os católicos apostólicos, que não reconhecem o papa, que têm seus padres e bispos casados, suas igrejas em Paris e nas províncias, onde batizam, casam e encomendam os mortos. Por que, então, o Espiritismo, que não tem culto nem igreja, e cujos padres só existem na imaginação, levanta tanta animosidade? Coisa bizarra! O partido religioso e o partido materialista, que são a negação um do outro, se dão as mãos para nos pulverizar, segundo dizem. O espírito humano apresenta realmente singulares originalidades, quando enceguecido pela paixão, e a história do Espiritismo terá coisas divertidas para registrar.

A resposta está inteira nesta conclusão da brochura do Rev. Pe. Nampon[1]:

“Em geral nada é mais abjeto, mais degradado, mais vazio de fundo e de atrativo na forma que tais publicações, cujo sucesso fabuloso é um dos sintomas mais alarmantes de nossa época. Destruí-os, pois, e com isso nada perdereis. Com o dinheiro gasto em Lyon para essas inépcias, facilmente se teriam construído mais leitos nos hospícios de alienados, superlotados desde a invasão do Espiritismo. E que faremos dessas brochuras malsãs? Faremos delas o mesmo que fez o grande apóstolo em Éfeso, e dessa maneira conservaremos em nosso meio o império da razão e da fé, e preservaremos as vítimas dessas lamentáveis ilusões de uma porção de decepções na vida presente e das chamas da eternidade infeliz.”

Esse sucesso fabuloso é que confunde os nossos adversários. Eles não podem compreender a inutilidade de tudo o que fazem para travar essa ideia que desliza sobre suas armadilhas, se reergue sob seus golpes e prossegue sua marcha ascendente sem se preocupar com as pedras que lhe atiram. Isto é um fato indiscutível e constatado muitas vezes pelos adversários desta ou daquela categoria, em suas prédicas e publicações. Todos deploram o progresso incrível desta epidemia que ataca até homens de ciência, os médicos e os magistrados. Na verdade, é preciso voltar do Texas para dizer que o Espiritismo está morto e ninguém mais dele fala. (Ver o artigo “Sermões contra o Espiritismo, na Revista de fevereiro de 1863).

O que fazemos para triunfar? Vamos pregar o Espiritismo nas praças? Convocamos o público para as nossas reuniões? Temos nossos missionários de propaganda? Temos o apoio da imprensa? Temos, enfim, todos os meios de ação ostensivos e secretos que possuís e usais largamente? Não. Para recrutar partidários temos mil vezes menos trabalho do que vós para desviá-los. Contentamo-nos em dizer: “Lede, e se isto vos convém, voltai a nós” Fazemos mais, dizendo: “Lede os prós e os contras e comparai.” Respondemos aos vossos ataques sem fel, sem animosidade, sem azedume, porque não temos cólera. Longe de nos lamentarmos da vossa, nós a aplaudimos, porque ela serve à nossa causa.

Eis, entre milhares, uma prova da força persuasiva dos argumentos dos nossos adversários:

Um senhor que acaba de escrever à Sociedade de Paris pedindo para dela fazer parte, assim começa sua carta: “A leitura de A questão do sobrenatural, os mortos e os vivos, do Pe. Matignon; de A questão dos Espíritos, do Sr. de Mirville; do Espírito batedor, do Dr. Bronson, e, enfim, de diversos artigos contra o Espiritismo, não fizeram mais do que atrair-me completamente para a doutrina de O livro dos Espíritos, e me deram o mais vivo desejo de fazer parte da Sociedade Espírita de Paris, para poder continuar o estudo do Espiritismo de maneira mais seguida e mais frutífera.”

Por vezes a paixão cega a ponto de fazer cometer singulares inconsequências. Na passagem citada acima, o Rev. Pe. Nampon diz que “nada é mais vazio de fundo e de atrativo na forma que tais publicações, cujo sucesso fabuloso, etc.” Ele não percebe que essas duas proposições se destroem reciprocamente. Uma coisa sem atrativo não teria qualquer sucesso, porque só terá sucesso com a condição de ter atrativo, com mais forte razão quando o sucesso é fabuloso.

Ele acrescenta que com o dinheiro gasto em Lyon com essas inépcias, facilmente teriam sido construídos mais leitos nos hospícios de alienados daquela cidade, superlotados desde a invasão do Espiritismo. É verdade que teriam sido precisos trinta a quarenta mil leitos, só em Lyon, porque todos os espíritas são loucos. Por outro lado, desde que são inépcias, não têm nenhum valor. Por que então lhes dar as honras de tantos sermões, mandamentos e brochuras? Sobre essa questão de emprego do dinheiro, sabemos que em Lyon muita gente, certamente inconformada, achava que os dois milhões fornecidos por essa cidade ao chanceler de São Pedro, teriam dado pão a muitos operários infelizes durante o inverno, ao passo que a leitura dos livros espíritas lhes deu coragem e resignação para suportar sua miséria sem revolta.

O Pe. Nampon não é feliz em suas citações. Numa passagem de O livro dos Espíritos ele nos faz dizer: “Há tanta distância entre a alma do animal e a alma do homem, quanto entre a alma do homem e a alma de Deus.” (Nº. 597). Nós dissemos: “... quanto entre a alma do homem e Deus, o que é muito diferente. A alma de Deus implica uma espécie de assimilação entre Deus e as criaturas corpóreas. Compreende-se a omissão de uma palavra por inadvertência ou erro tipográfico, mas não se acrescenta uma palavra sem intenção. Por que essa adição, que desnatura o sentido do pensamento, senão para nos dar um tom materialista aos olhos dos que se contentarem em ler a citação sem verificá-la no original? Um livro que apareceu pouco antes de O livro dos Espíritos, e que contém toda uma teoria teogônica e cosmogônica, faz de Deus um ser muito diversamente material, porque o faz composto de todos os globos do Universo, moléculas do ser universal que tem um estômago, come e digere, e de cuja digestão os homens são o mau produto. Contudo, nem uma palavra foi dita para combatê-lo. Todas as cóleras se concentraram sobre O Livro dos Espíritos. Será, talvez, porque em seis anos chegou à décima edição e espalhou-se em todos os países do mundo?

Não se contentam em criticar, mas truncam e desnaturam as máximas, para acrescentar ao horror que deve inspirar essa abominável doutrina, e nos pôr em contradição conosco mesmo. É assim que o Pe. Nampon cita uma frase da introdução de O livro dos Espíritos, pág. XXXIII, dizendo: “Certas pessoas, dizeis vós mesmo, entregando-se a esses estudos perderam a razão.” Temos assim o ar de reconhecer que o Espiritismo conduz à loucura, ao passo que, lendo todo o § XV, a acusação cai precisamente sobre aqueles que a lançam. É assim que, tomando um fragmento de uma frase de um autor, poder-se-ia “levá-lo à forca”. Os mais sagrados autores não escapariam a essa dissecção. É com esse sistema que certos críticos esperam mudar as tendências do Espiritismo e fazer crer que ele preconiza o aborto, o adultério, o suicídio, quando ele demonstra peremptoriamente a sua criminalidade e as funestas consequências para o futuro.

O Pe. Nampon chega, até, a apropriar-se de citações feitas com o objetivo de refutar certas ideias. Diz ele: “O autor às vezes chama Jesus Cristo Homem-Deus; mas alhures (Livro do médiuns, item 259), num diálogo com um médium que, tomando o nome de Jesus, lhe dizia: “Eu não sou Deus, mas sou seu filho”, logo replica: “Então vós sois Jesus?” Sim, acrescenta o Pe. Nampon, Jesus é chamado Filho de Deus; é pois, num sentido ariano, e sem ser por isto consubstancial ao Pai.”

Para começar, não era o médium que se dizia Jesus, mas um Espírito, o que é muito diferente, e a citação é precisamente feita para mostrar a velhacaria de certos Espíritos e manter os médiuns em guarda contra seus subterfúgios.

Vós pretendeis que o Espiritismo negue a divindade do Cristo. Onde vistes tal proposição formulada em princípio? É, dizeis vós, a consequência de toda a doutrina. Ah! Se entrarmos no terreno das interpretações, poderemos ir mais longe do que quereis. Se disséssemos, por exemplo, que o Cristo não tinha chegado à perfeição; que tinha tido necessidade das provas da vida corpórea para progredir; que a sua paixão lhe tinha sido necessária para subir em glória, teríeis razão, porque dele faríamos nem mesmo um Espírito puro, enviado à Terra com missão divina, mas um simples mortal, a quem era necessário o sofrimento a fim de progredir. Onde encontrais que tenhamos dito isto? Então! Aquilo que jamais dissemos, que jamais diremos, sois vós que dizeis.

Há algum tempo vimos, no parlatório de uma casa religiosa de Paris, a seguinte inscrição, impressa em letras grandes e afixada para instrução de todos: “Foi preciso que o Cristo sofresse para entrar na sua glória, e não foi senão depois de haver bebido a longos sorvos na torrente da tribulação e do sofrimento que ele foi elevado ao mais alto dos céus.” (Salmo 109, v. 7.) É o comentário desse versículo, cujo texto é: “Ele beberá no caminho a água da torrente e em consequência disso erguerá sua cabeça (De torrente in via bibet: propterea exultabit caput).” Se, pois, FOI PRECISO que o Cristo sofresse para entrar na sua glória; se ELE NÃO PÔDE ser elevado ao mais alto dos céus senão pelas tribulações e pelo sofrimento”, é que antes nem estava na glória, nem no mais alto dos céus, isto é, não estava com Deus. Seus sofrimentos não eram, pois, só em proveito da Humanidade, porque necessários ao seu próprio adiantamento. Dizer que o Cristo tinha necessidade de sofrer para elevar-se é dizer que não era perfeito antes de sua vinda. Não conhecemos protesto mais enérgico contra a sua divindade. Se tal é o sentido do versículo do salmo que se canta às Vésperas, todos os domingos cantam a não divindade do Cristo.

Com o sistema de interpretação vai-se muito longe, dizíamos nós. Se quiséssemos citar as de alguns concílios sobre este outro versículo: “O Senhor está à vossa direita; ele quebrará os reis no dia de sua cólera”, será fácil provar que daí foi tirada a justificação do regicídio.

“A vida futura, diz ainda o Pe. Nampon, muda inteiramente de aspecto (com o Espiritismo). A imortalidade da alma se reduz a uma permanência material, sem identidade moral, sem consciência do passado.”

É um erro. O Espiritismo jamais disse que a alma ficaria sem consciência do passado. Ela perde momentaneamente a sua lembrança, durante a vida corpórea, mas “quando o Espírito entra em sua vida primitiva (vida espírita) todo seu passado se desdobra em sua frente: Ele vê as faltas cometidas, e que são causa de seu sofrimento, e o que poderia ter-lhe impedido de cometê-las. Ele compreende que a posição que lhe foi dada é justa, e então procura a existência que poderia reparar a que acaba de escoar-se:” (O livro dos Espíritos, nº. 393). Uma vez que há lembrança do passado, consciência do ser, há, então, identidade moral.

Uma vez que a vida espiritual é a vida normal do Espírito, e que as existências corpóreas não passam de pontos na vida espírita, a imortalidade não se reduz a uma permanência material. Como se vê, o Espiritismo diz exatamente o contrário. Desnaturando-o assim, o Pe. Nampon não tem a desculpa da ignorância, porque suas citações provam que leu, mas comete o erro de fazer citações truncadas e de fazê-lo dizer o contrário do que diz.

O Espiritismo é acusado por alguns de basear-se no mais grosseiro materialismo, porque admite o perispírito, que tem propriedades materiais. É ainda uma falsa consequência, tirada de um princípio exposto incompletamente. Jamais o Espiritismo confundiu a alma com o perispírito, que não passa de um envoltório, como o corpo é outro envoltório. Tivesse ela dez envoltórios, isto nada tiraria de sua essência imaterial. Já não é o mesmo com a doutrina adotada pelo concílio de Viena, no Dauphiné - França, na sua segunda sessão, a 3 de abril de 1312. Segundo essa doutrina, “A autoridade da Igreja ordena crer que a alma é apenas a forma substancial do corpo; que não há ideias inatas, e declara heréticos os que negarem a materialidade da alma.” Raul Fornier, professor de direito, ensina positivamente a mesma coisa em seus discursos acadêmicos sobre a origem da alma, impressos em Paris em 1619, com aprovação e elogios de vários doutores em teologia.

É provável que o concílio, baseando-se nos fatos de numerosas manifestações espíritas visíveis e tangíveis referidas nas Escrituras, manifestações que não podem deixar de ser materiais, pois que impressionam os sentidos, tenha confundido a alma com o seu envoltório fluídico ou perispírito, cuja distinção o Espiritismo demonstra. Sua doutrina é, pois, menos materialista que a do concílio.

“Mas abordemos sem hesitar o homem da França, que é o mais adiantado nesses estudos. Para constatar a identidade do Espírito que fala, é preciso, diz o Sr. Allan Kardec, estudar sua linguagem. Vá, seja! Conhecemos por seus escritos autênticos o pensamento verdadeiro e, consequentemente, a linguagem de São João, de São Paulo, de Santo Agostinho, de Fénelon, etc. Como, pois, em vossos livros, ousais atribuir a esses grandes gênios pensamentos e sentimentos absolutamente contrários aos que ficarão para sempre consignados em suas obras?”

Assim, admitis que esses personagens não se enganaram em nada; que tudo quanto escreveram é a expressão da verdade; que se hoje voltassem corporalmente deveriam ensinar tudo o que ensinaram outrora; que vindo como Espírito, não devem renegar nenhuma de suas palavras. Entretanto, Santo Agostinho olhava como heresia a crença na redondeza da Terra e nos antípodas. Ele sustentava a existência dos íncubos e súcubos, e acreditava na procriação pelo comércio dos homens com os Espíritos. Credes que ele não pudesse pensar, a tal respeito, como Espírito, de modo diverso do que pensava como homem, e que hoje ensinasse essas doutrinas? Se as suas ideias tiveram que ser modificadas sobre certos pontos, devem ter sido sobre outros. Se ele se enganou, ele, o gênio incontestavelmente superior, por que vós mesmos não vos enganaríeis, e seria necessário, por respeito pela ortodoxia, negar-lhe o direito, ou melhor, negar-lhe o mérito de retratar-se de seus erros?

“Atribuís a São Luís esta frase ridícula, sobretudo em sua boca, contra a eternidade das penas: Supor Espíritos incuráveis é negar a lei do progresso.” (O livro dos Espíritos, nº. 1007). Não é assim que ela é formulada. À pergunta: Há Espíritos que jamais se arrependem? São Luís respondeu: “Há aqueles cujo arrependimento é muito tardio, mas pretender que eles jamais se melhorarão seria negar a lei do progresso e dizer que a criança não se tornará adulto.” A primeira forma poderia parecer ridícula. Por que, então, sempre truncar e desnaturar as frases? A quem pensam enganar? Aos que não lerem senão os comentários inexatos? Mas o número é muito pequeno comparado com o daqueles que querem conhecer o fundo das coisas sobre as quais vós mesmos chamais a atenção. Ora, a comparação não deixa de ser favorável ao Espiritismo.



[1] Sermão pregado na igreja primacial de São João Batista, em presença de S. Eminência o Cardeal Arcebispo de Lyon, a 14 e 21 de dezembro, pelo Rev. Pe. Nampon, da Companhia de Jesus,pregador do Advento.



Sob este título, um antigo oficial reformado, ex-representante do povo na Assembleia Constituinte de 1848, publicou em Argel uma brochura, na qual, procurando provar que a finalidade do Espiritismo é uma gigantesca especulação, faz cálculos dos quais resultam para nós rendimentos fabulosos, que deixam muito para trás os milhões com que nos gratificou muito generosamente certo padre de Lyon (Revista de junho de 1862). A fim de que os leitores apreciem esse interessante inventário, citamo-lo textualmente, com as conclusões do autor. Tal extrato dará uma ideia do que pode ser o resto da brochura, no ponto de vista da apreciação do Espiritismo.

“Sem nos determos na análise de todos os artigos concernentes em aparência às provas do neofitismo e da disciplina da Sociedade, chamaremos a atenção do leitor para os artigos 15 e 16. Tudo está lá.

“Aí ele verá que, sob o pretexto de prover recursos para as despesas da Sociedade, cada sócio titular paga: 1.º uma entrada de 10 fr.; 2º ─ uma quota anual de 24 fr., e cada sócio livre paga uma quota anual de 20 fr.

“As quotas são pagas integralmente por ano, isto é, adiantadamente. O Sr. Allan Kardec toma precauções contra as deserções.

“Ora, pela admiração que se nota em toda a parte pelo Espiritismo, cremos ser modesto contando para Paris apenas 3000 sócios, titulares e livres. As respectivas quotas anuais somam, portanto, 63.000 fr., sem contar as entradas que serviram para montar o negócio.

“Apenas por alto calcularemos os lucros com a venda de O livro dos Espíritos e O livro dos médiuns. Eles devem, entretanto, ter sido consideráveis, pois não conhecemos nenhuma obra em maior voga, voga baseada no insaciável desejo que leva o homem a penetrar o mistério da vida futura.

“Mas, do que precede, ainda não mostramos a maior fonte de lucros. Existe uma revista mensal espírita, publicada pelo Sr. Allan Kardec, coleção indigesta que ultrapassa de muito as lendas maravilhosas da Antiguidade e da Idade-Média, e cuja assinatura é de 10 fr. por ano para Paris; 12 e l4 fr. para as províncias e o exterior.

“Ora, qual dos numerosos adeptos do Espiritismo que, em falta de 10 francos por ano (cerca de 90 cêntimos por mês), se privaria de sua parte de aparições, evocações, manifestações de Espíritos e de lendas? Assim, na França e no estrangeiro, não se pode contar menos de 30.000 assinantes da Revista, produzindoum total anual de 300.000 francos. Estes, somados aos 63.000 francos de cotizações, dão um total de 363.000 francos.

“As despesas a deduzir são:

“1.º ─ Aluguel da sala de sessões da Sociedade e salários dos secretários, do tesoureiro, dos criados e de um bom número de médiuns. Julgamos estar acima da realidade calculando essas despesas em 40.000 francos.

“Custo líquido da Revista: Um número de 32 páginas não custa mais de 20 cêntimos. Os 12 anuais custarão 2,40 francos, que, multiplicados por 30.000, dão a cifra de 72.000.

“Total das despesas - 112.000 francos.

“Subtraindo esses gastos dos 363.000 francos, resta para o Sr. Allan Kardec um lucro anual líquido de 250.000 francos, sem contar o da venda dos Livros dos Espíritos e dos Médiuns.

“Do modo como progride a epidemia, em breve a metade da França será espírita, se já não o é de fato, e como não se pode ser bom espírita se ao menos não se for sócio livre e assinante da Revista, há a probabilidade que em 20 milhões de habitantes, de que se compõe aquela metade, haja 5 milhões de sócios e a mesma quantidade de assinantes da Revista. Consequentemente, a renda dos presidentes e vice-presidentes das sociedades espíritas será de 100 milhões anuais, e a do Sr. Allan Kardec, proprietário da Revista e soberano pontífice, de 38 milhões.

“Se o Espiritismo ganhar a outra metade da França, essa renda será dobrada, e se a Europa se deixar infestar, não será mais por milhões, mas por bilhões que deve ser contada.

“Ah! Os ingênuos espíritas! Que pensais dessa especulação baseada em vossa simplicidade? Poderíeis jamais ter acreditado que do jogo das mesas girantes puderam sair semelhantes tesouros? E agora, estais cientes acerca do ardor que motiva os propagadores da doutrina a fundarem sociedades?

“Não há razão para dizer-se que a tolice humana é uma mina inesgotável a explorar?

“Examinemos agora os meios postos em prática pelo Sr. Allan Kardec, e sua habilidade como especulador será a única coisa que não poderá ser posta em dúvida.

“Ele compreende que, com a voga universal das mesas girantes, e sem gastar um ceitil, acha-se feita a coisa mais difícil, a publicidade.

“Ora, em tais circunstâncias, prometer, por meio das mesas girantes, desvendar os mistérios do além e da vida futura, era dirigir-se a uma imensa clientela, ávida por esses mistérios e consequentemente inteiramente disposta a escutar suas revelações. Depois, pensando que os cultos existentes podem lhe subtrair bom número de adeptos, proclama seu fracasso. Lê-se em sua brochura “O Espiritismo em sua expressão mais simples” (pág. 15): “Do ponto de vista religioso, o Espiritismo tem por base as verdades fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma, a imortalidade, as penas e as recompensas futuras; mas é independente de qualquer culto particular.

“Essa doutrina, feita a propósito para seduzir o número sempre crescente de homens que não mais querem suportar qualquer hierarquia social, não podia deixar de ter seu efeito.

OBSERVAÇÃO: Em vossa opinião, há então muitos para quem o jugo da religião é insuportável!

“O que nos surpreende estranhamente é que, autorizando a pregação do Espiritismo, o governo não tenha visto que essa audaciosa tentativa contém o germe da abolição possível de sua própria autoridade. Porque, enfim, quando a epidemia tiver crescido mais, não é possível que, por injunção dos Espíritos, seja decretada a abolição de uma autoridade que pode ameaçar a existência do Espiritismo?

“Não haveria perigo em permitir as sociedades espíritas. Mas não seria prudente proibir suas publicações?

“A seita ter-se-ia limitado às salas de sessões e provavelmente não teria tido mais sucesso que os espetáculos de Conus ou de Robert Houdin.

“Mas a lei é ateísta, disse a filosofia moderna, e é em virtude desse paradoxo que um homem pôde proclamar a derrota da autoridade da Igreja.

“Este exemplo, diga-se de passagem, demonstraria aos olhos menos clarividentes a sabedoria dos legisladores da Antiguidade, que não criam que a ordem material pudesse existir com a desordem moral e que, em seus códigos, tinham ligado tão intimamente as leis civis e as leis religiosas.

“Se coubesse ao poder da Humanidade destruir as criações espirituais de Deus, o primeiro efeito do Espiritismo deveria ser arrancar a Esperança do coração do homem.

“Que esperaria o homem aqui, se adquirisse a convicção (não dizemos a prova) de que após a morte ele terá à sua disposição, e indefinidamente, várias existências corpóreas?

“Esse dogma, que não passa da renovada metempsicose de Pitágoras, não é de natureza a enfraquecer nele o sentimento do dever e a fazê-lo dizer aqui em baixo: Para mais tarde os negócios sérios? A Caridade, tão fortemente recomendada pelo Cristo e pela Igreja, e da qual o próprio Espiritismo faz a pedra angular de seu edifício, não recebe um golpe mortal?

“Outro efeito do Espiritismo é transformar a Fé, que é um ato de livre-arbítrio e de vontade, numa credulidade cega.

“Assim, para fazer vingar a especulação do Espiritismo ou das mesas girantes, o Sr. Allan Kardec prega uma doutrina cuja tendência é a destruição da Fé, da Esperança e da Caridade.

“Entretanto, se o mundo cristão se reerguer, o Espiritismo não prevalecerá contra a Igreja. ‘Reconhecer-se-á todo o valor de um princípio religioso (como diz o Sr. Bispo de Argel, em sua carta de 13 de fevereiro de 1863, aos curas de sua diocese), porque ele se basta para, por si só, vencer todas as vacilações, todas as oposições e todas as resistências.’

“Mas há verdadeiros espíritas? ─ Nós o negaremos enquanto um homem sentir que a Esperança não se extinguiu em seu coração.

“Que há, pois, no Espiritismo? Nada mais que um especulador e iludidos. E no dia em que a autoridade temporal compreender sua solidariedade com a autoridade moral e apenas se limitar a interditar as publicações espíritas, essa especulação imoral cairá para não mais se erguer.”

O jornal de Argel, o Akhbar, de 28 de março de 1863, num artigo tão benévolo quanto a brochura, reproduzindo uma parte destes argumentos, concluiu que está perfeitamente provado, pelos cálculos autênticos, que o Espiritismo nos dá atualmente uma renda positiva anual de 250.000 francos. O autor da brochura vê as coisas ainda mais largamente, pois suas previsões a levam, daqui a poucos anos, a 38 milhões, isto é, um número superior ao orçamento anual dos mais ricos soberanos da Europa.

Certamente não nos daremos ao trabalho de combater os cálculos que se refutam pelo próprio exagero, mas que provam uma coisa: o pavor que causa aos adversários a rápida propagação do Espiritismo, a ponto de levá-los a dizer as maiores inconsequências.

Admitindo-se efetivamente, por um instante, a realidade dos números do autor, não seria o mais enérgico protesto contra as ideias atuais, que desmoronariam no mundo inteiro ante a ideia emitida por um só homem, que há seis anos era desconhecido? Não é reconhecer a força irresistível dessa ideia?

Dizeis que ela tende a suplantar a religião, e para prová-lo a apresentais adotada, dentro de pouco tempo, por 20 milhões, depois por quarenta milhões, só na França. Depois gritais: “Não, a religião não pode perecer.” Mas se vossas previsões se realizarem, que ficará para a religião?

Façamos uma pequena estatística com os números do autor. Na França, 36 milhões de habitantes; espíritas, 40 milhões; resta para os católicos 0 menos 4 milhões, porque, em vossa opinião, não se pode ser católico e espírita. Se a Igreja é tão facilmente derrubada por um indivíduo com a ajuda de uma ideia extravagante, não é reconhecer que ela repousa sobre uma base muito frágil? Dizer que ela pode ser comprometida por um absurdo, é fraco elogio ao poder de seus argumentos e confessar o segredo de sua própria fraqueza. Onde, então, sua base inamolgável? Desejamos à Igreja um defensor mais forte e, sobretudo, mais lógico que o autor da brochura. Nada mais perigoso que um amigo imprudente.

A gente não pensa em tudo. O autor não percebeu que querendo nos denegrir, exalta a nossa importância, e o meio que ele emprega vai justo contra seu objetivo. Sendo o dinheiro o deus de nossa época, àquele que for mais rico não faltam cortesãos, atraídos pela esperança da carniça. Os bilhões com que nos gratifica, longe de afastá-los de nós, poriam até os príncipes aos nossos pés. Que diria o autor se, desde que não temos filhos, o fizéssemos nosso herdeiro de umas dezenas de milhões? Acharia que a fonte era má? Isto seria capaz de fazê-lo dizer que o Espiritismo serve para alguma coisa.

Em sua opinião, uma das fontes de nossas rendas enormes é a Sociedade de Paris, que ele supõe ter ao menos 3.000 sócios. Para começo, poderíamos perguntar com que direito vem imiscuir-se nos negócios particulares. Mas passamos por cima. Já que ele se gaba de tanta exatidão, e esta é necessária quando se quer provar com cifras, se ele tivesse tido o trabalho apenas de ler o relatório da Sociedade, publicado na Revista de 1862, poderia ter feito uma ideia mais exata de seus recursos, e do que chama o orçamento do Espiritismo.

Colhendo informações alhures que não em sua imaginação, teria sabido que a Sociedade, elencada oficialmente entre as sociedades científicas, não é uma confraria nem uma congregação, mas uma simples reunião de pessoas que se ocupam do estudo de uma ciência nova, que ela aprofunda; que, longe de visar o número, mais prejudicial do que útil aos trabalhos, ela o restringe em vez de aumentá-lo, pela dificultação das admissões; que em vez de 3.000 sócios, ela jamais teve cem; que não gratifica nenhum de seus funcionários, nem presidentes, nem vice-presidentes ou secretários; que não emprega médium pago e sempre se levantou contra a exploração da mediunidade; que jamais percebeu um cêntimo dos visitantes que admite em pequeno número, e jamais abriu suas portas ao público; que além dos sócios contribuintes, nenhum espírita lhe é tributário; que os sócios honorários não pagam qualquer quota; que entre ela e as outras sociedades não existe qualquer filiação ou solidariedade material; que o produto das quotas jamais passa pelas mãos do presidente; que toda despesa, por menor que seja, só é feita com o visto do comitê; enfim que seu orçamento de 1862 foi fechado com um encaixe de 429,40 francos.

Esse magro resultado diminui a crescente importância do Espiritismo? Não, ao contrário, pois prova que a Sociedade de Paris não é uma especulação para ninguém. Quando o autor procura excitar a animosidade contra nós, dizendo aos adeptos que eles se arruínam em nosso proveito, eles simplesmente responderão que é uma calúnia, porque nada se lhes pede e eles nada pagam. Poder-se-ia dizer o mesmo de todo mundo, e não se poderia devolver a outros o argumento do autor, com números mais autênticos do que os seus? Quanto aos 30.000 assinantes da Revista, nós os desejamos. “Caluniai, caluniai, disse um autor, sempre ficará alguma coisa.” Sim, certamente restará sempre algo que mais cedo ou mais tarde cairá sobre o caluniador.

Injúrias, calúnias, invenções manifestas, até o imiscuir-se na vida privada, a fim de lançar a desconsideração sobre um indivíduo e sobre uma numerosa classe de indivíduos, essa brochura, que ultrapassou de muito todas as diatribes publicadas até hoje, tem todas as condições exigidas para ser levada à justiça. Não o fizemos, a despeito das solicitações que nos foram dirigidas, porque é uma sorte para o Espiritismo e não quereríamos, às custas de injúrias ainda maiores, que ela não tivesse sido publicada. Nossos adversários nada poderiam fazer de melhor para seu próprio descrédito, mostrando a que tristes expedientes se reduziram a fim de nos atacar e a que ponto o sucesso das ideias novas os espanta. Poderíamos dizer que os faz perderem a cabeça.

O efeito dessa brochura foi provocar uma enorme gargalhada em todos os que nos conhecem, e que são numerosos. Quanto aos que não nos conhecem, ela lhes deve ter inspirado um vivo desejo de conhecer esse Nababo improvisado que recolhe milhões mais facilmente do que se recolhem vinténs, e a quem basta lançar uma ideia para atrair a população de todo um Império. Ora, como, segundo o autor, ele só atrai os tolos, resulta que esse Império é feito de tolos, de alto a baixo da escala.

A História da Humanidade não oferece nenhum exemplo de fenômeno semelhante. Se o autor tivesse sido pago para tal resultado, não se teria saído melhor. Assim, não temos de que nos queixar. *


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* Escrevem-nos da Argélia — e o damos com reservas — que o autor da brochura fez parte de um grupo espírita; que seu zelo pela causa o tinha levado à presidência; mas que, mais tarde. não tendo querido renunciar a certos projetos desaprovados pelos outros sócios, tinha sido destituído.


Reproduzimos textualmente a carta seguinte, que nos foi dirigida de Bordeaux, a 7 de maio de 1863:

“Caro Mestre,

“A 22 de abril último, recebi do Sr. T. Jaubert, vice-presidente do tribunal civil de Carcassone, presidente honorário da Sociedade Espírita de Bordeaux, uma carta em que me informava que a Academia dos Jogos Florais de Toulouse tinha julgado as poesias admitidas ao concurso de 1863.

“Sessenta e oito concorrentes inscreveram-se nas fábulas; duas fábulas foram destacadas e uma obteve o primeiro prêmio (a Primavera); a outra foi mencionada com elogio no relatório verbal. Ora, essas duas peças, diz-me o Sr. Jaubert, são ambas de seu Espírito familiar.

“Como esse fato era capital para o Espiritismo, eu próprio quis ser testemunha, e com esse objetivo fui a Toulouse com uma comissão da Sociedade Espírita de Bordeaux, para assistir ao coroamento do Espírito batedor de Carcassone.

“Assistimos, pois, à sessão solene dos prêmios, e depois da leitura da fábula premiada, nos misturamos aos aplausos do público da cidade e vimos, pelos sufrágios e pelas honras que ela recolheu dos honoráveis membros da academia, deslizar sob os seus “bravos” a hidra do materialismo e, em lugar, surgir o dogma santo e consolador da imortalidade da alma.

“Dirigimo-nos a vós, caro mestre, apenas como intérprete do nosso honorável presidente, Sr. Jaubert. Ele nos encarregou de vos comunicar esse feliz acontecimento, sabendo como nós que ninguém poderá com tanta sabedoria lhe deduzir as consequências, e para torná-lo útil à causa que temos orgulho de servir sob vossa paternal direção.

“Temos a satisfação de aproveitar esta ocasião para testemunhar nosso reconhecimento ao excelente e honrado Sr. Jaubert, pela acolhida cordial e simpática feita à delegação da Sociedade de Bordeaux. Esses testemunhos de amizade são preciosos para nós e nos encorajam a marchar com perseverança na via penosa e laboriosa do apostolado, sem nos determos ante os obstáculos que aí poderíamos encontrar. O Sr. Jaubert é um desses homens que podem servir de exemplo aos outros. É um verdadeiro espírita, simples, modesto e bom, cheio de dignidade e de abnegação; calmo e grave como tudo o que é grande; sem orgulho e sem entusiasmo, qualidades essenciais a todo homem que se faz apóstolo de uma doutrina, e que liga o seu nome às corajosas profissões de fé que envia aos fracos e aos tímidos.

“Encaramos a vitória do Espírito no Capitólio de Toulouse como uma vitória para a nossa santa e sublime doutrina. Deus quer parar os risos de ironia e de incredulidade. É sem dúvida por isso que permitiu que os chefes do areópago coroassem a alma de um morto. Que o 3 de maio seja, pois, gravado em letras de ouro nos fastos da história do Espiritismo. Ele cimenta o primeiro elo da solidariedade fraterna que une os vivos aos mortos: revelação esplêndida e sublime que aquece e vivifica as almas pela radiação da fé.

“Para todos os espíritas que assistiram àquela solenidade, como era bela a festa! Desprendendo o pensamento do mundo material, eles viam na sala dos Jogos Florais, volitando aqui e ali, grupos de bons Espíritos que se felicitavam por essa vitória obtida por um de seus irmãos e, irradiando sobre todos, o Espírito de Clemência Isaura, a fundadora desses novos Jogos Olímpicos, tendo nas mãos uma flexível coroa para depositar, no momento do triunfo, sobre a fronte do Espírito laureado.

“Se há na vida momentos de amargura, também os há de inefável felicidade. Isto quer dizer que a 3 de maio de 1863, em Toulouse, eu vi, ou antes, nós vimos um desses momentos que fazem esquecer as tribulações da vida terrena.

“Recebei, caro mestre, etc.

“SABÒ” É, com efeito, um fato notável este que acaba de se passar em Toulouse, e todos compreendem a emoção dos espíritas sinceros que assistiam à solenidade, pois compreendiam as suas consequências, emoção traduzida em termos tão simples e tão tocantes na carta que acabamos de ler. É a expressão da verdade sem fanfarronada, jactância ou bravatas.

Alguém poderia admirar-se de que o Sr. Jaubert não tenha confundido os adversários do Espiritismo, proclamando, durante a sessão, e perante a multidão, a verdadeira origem das fábulas coroadas. Se não o fez, a razão é muito simples: é que o Sr. Jaubert é um homem modesto, que não procura fazer ruído e que, acima de tudo, sabe viver. Ora, entre os juízes provavelmente havia alguns que não partilhavam de suas ideias, relativamente ao Espiritismo. Seria, então, jogar-lhes em face, publicamente, uma espécie de desafio, um desmentido, procedimento indigno de um homem elegante, diremos melhor, de um verdadeiro espírita, que respeita todas as opiniões, mesmo as que não são as suas.

O que teria produzido esse clamor? Protestos da parte de alguns assistentes, talvez escândalo. O Espiritismo teria lucrado? Não. Teria comprometido sua dignidade. O Sr. Jaubert, bem como os numerosos espíritas que assistiam à cerimônia, deram prova de alta sabedoria, abstendo-se de qualquer demonstração pública. Era um sinal de deferência e de respeito, tanto para com a academia quanto para com a assembleia. Eles provaram mais uma vez, nessa circunstância, que os espíritas sabem conservar a calma no sucesso como sabem conservá-la ante as injúrias dos adversários, e que não é da parte deles que se deve esperar o incitamento à desordem. O fato nada perde em importância, porque em pouco será conhecido e aclamado em cem países diferentes.

Os negadores de boa-fé ou de má-fé, porque os há uns e outros, certamente dirão que nada prova a origem dessas fábulas, e que o laureado, para servir aos interesses do Espiritismo, poderia ter atribuído aos Espíritos os produtos de seu próprio talento. Para isto há uma resposta muito simples: é a honorabilidade notória do caráter do Sr. Jaubert, que desafia qualquer suspeita de ter representado uma farsa indigna de sua gravidade e de sua posição.

Quando os adversários nos opõem os charlatães que simulam fenômenos espíritas nos tablados, nós lhes respondemos que o Espiritismo verdadeiro nada tem de comum com eles, assim como a verdadeira ciência não se relaciona com prestidigitadores que se dizem físicos. Cabe aos que se dão ao trabalho de estudar notar-lhe a diferença. Tanto pior para o julgamento dos que falam daquilo que ignoram.

Não podendo ser posta em dúvida a questão da lealdade, resta saber se o Sr. Jaubert é poeta, ou se, de boa-fé, não teria tomado como dos Espíritos uma obra sua. Ignoramos se ele é poeta, mas, se tivesse o talento de Racine, o meio pelo qual obtém suas fábulas espíritas não pode deixar sombra de dúvida a respeito: é notório que todas as que obteve o foram pela tiptologia, isto é, pela linguagem alfabética das pancadas, e que na maioria tiveram numerosas testemunhas, não menos dignas de fé que ele. Ora, para quem quer que conheça esse processo, é evidente que sua imaginação não poderia exercer a menor influência. A autenticidade da origem é, pois, incontestável, e a Academia de Toulouse poderia verificar assistindo a uma experiência.

Damos a seguir as duas fábulas premiadas.


Percorria um leão seu imenso domínio,

Por mui nobre orgulho dominado,

Sem raiva devorando súditos às dúzias;

Bom príncipe, em suma, como havia jantado!

Mas não andava só, pois em volta da juba

Seguiam, diligentes, tigres, lobos, leopardos,

Panteras, javalis; mas dizem que as raposas

Fechavam, prudentemente, a retaguarda.

Certo dia, porém, o monarca

Assim falou à corte e aos labregos:

“Ilustres companheiros, de minha glória esteios,

Quadrúpedes submissos à minha nobre queixada,

Para me ouvir viestes todos a este sítio.

Escutai: Eu sou rei pela graça de Deus!

Poderia... Mas por que pensar em minha força?”

Depois o leão, à vontade,

Melhor do que faria um advogado

Ou procurador de muito crânio,

Falou de seus deveres e encargos do Estado,

Dos pastores, dos cães, da nova carta,

Do mal que dele dizem os tolos muitas vezes

E já mui comovido terminou deste jeito:

“Deixei meu palácio para vos dar um prazer;

Exponde vossos pesares; eu julgarei a causa.

Touros, carneiros, cabritos, contai com a bondade.

Eu espero.

Explicai-vos com toda liberdade.

Mas que! Nesta imensa assembleia,

Nem um só infeliz! Nenhuma queixa!...”

Um velho corvo o interrompeu,

E, livre, no ar respondeu:

“Pensas que estão contentes; seu silêncio te toca,

Grande rei!... é o terror que a todos fecha a boca”.


Exibindo capacete de penacho e muita benevolência,

Um discípulo do defunto Vatel No pátio de sua vasta mansão

Dava audiência à sua cachorrada.

“Em vós, dizia ele, tenho pensado muito.

Eu vos amo e vos destino

Todos os restos da cozinha:

Este osso, este lindo osso para roer!

Mas só um terá este grande favor.

Sou justo e o darei ao que for o mais digno.

Está aberto o concurso; defendei vossos direitos.”

Um cão d’água famoso entre os mais hábeis,

Outrora o primeiro entre a tropa canina,

Logo saudou, fazendo cabriolas,

Lançando sobre os outros os olhos triunfantes,

Latiu, fez-se de morto, saudou o imperador.

Um dogue exclamou: “Que vale a habilidade!

Eu vigio, constante, todo este casarão.

Senhor, não esqueçais que no ano passado,

Um ladrão imprudente ficou em minhas presas.”

Um baixinho dizia:

“Valente e sem um erro,

Há dez anos eu rodo o vosso espeto;

E há dez anos carrego a sacolinha

Para comprar tabaco no empório da esquina.”

─ “Pois eu, rosnou Tayaut, amo as trompas e os tambores;

Na caça já fui visto entre os retardatários?

Vós me deveis ao menos cem coelhos, vinte raposas;

Sou sóbrio, submisso, e jamais devoro a perdiz presa ao laço.”

Enfim, quem roeu o osso?

Foi um velho basset,

Assim como teria feito um deputado do centro.

Como, sem corar, será feito amanhã,

Diante do canastrão arrastou-se sobre o ventre,

Lambeu-lhe os pés e fê-lo abrir a mão.

Bassets de grãos senhores, heróis de refeitório,

Aduladores vis, aqui está vossa história.


Se alguém persistisse em acreditar na influência dos conhecimentos pessoais do médium na produção dos versos coroados pela Academia de Toulouse, já o mesmo não se daria com as coisas que lhe fossem materialmente impossíveis de conhecer. Entre mil, o fato seguinte é uma resposta peremptória à objeção. Tiramo-lo de uma segunda carta do Sr. Sab . Diz ele:

“A 4 de maio, tendo partido a delegação de Bordeaux, fiquei mais um dia em Toulouse, e numa visita ao Sr. Jaubert, ele propôs uma experiência que aceitei com prazer, pois jamais o tinha visto operar. Uma pesada mesa de quatro pés se achava em seu quarto. Colocamo-nos um em frente ao outro e, após diversas evoluções da mesa, que obedecia ao seu comando, quando ela voltou à posição normal ele me pediu que mentalmente evocasse um Espírito. Eis as perguntas feitas por ele e as respostas dadas pelo Espírito.


1. ─ Poderíeis declarar o vosso sexo? ─ Feminino. (Era verdade).

2. ─ Com que idade deixastes a Terra? — Aos 22 anos. (Também era verdade).

3. ─ Qual o vosso prenome? Quando o Espírito havia indicado seis letras, formando Félici, o Sr. Jaubert pensou acertar e disse: “Deve ser Félicie ou Félicité. Sem responder à sua observação, pedi que continuasse. O Espírito indicou a. Eu estava comovido e o médium temeu uma mistificação. Certificado do assunto, tendo dito que o nome era mesmo Félicia, ele continuou.

4. ─ Qual o vosso grau de parentesco com o Sr. Sab ? ─ Eu era sua esposa.

A isto o Sr. Jaubert se julgou bem mistificado, pois sabia que minha esposa ainda era viva. Não nego que eu estava muito contente. Eu acabava de apalpar, se assim se pode dizer, a alma de minha cara Félicia. Então expliquei ao Sr. Jaubert ─ o que ele ignorava, que eu era viúvo e casado há apenas alguns meses com a irmã do Espírito que acabara de nos dar uma prova irrecusável da manifestação da alma. Ele estava tão feliz quanto eu com tal resultado, posto que, disse-me, obtinha fatos dessa natureza ante os quais deverá render-se, de bom grado ou de mau grado, a mais absoluta incredu lidade. A quem me disser: “Isto é impossível”, responderei com o Sr. Jaubert: “Isto existe, incrédulos! Procurai de boa-fé, e encontrareis.”

Por nossa vez, diremos a esses senhores que eles têm em bom conceito os incrédulos absolutos, crendo que se renderão à evidência. Há os que nasceram incrédulos e morrerão incrédulos, não que não pudessem crer, mas porque não querem crer. Ora, não há pior cego que aquele que não quer ver. Ultimamente dizia um sábio oficial a um dos nossos amigos que lhe falava desses fenômenos: ─ Não acreditarei jamais que uma mesa possa mover-se e levantar-se, a não ser pelos músculos do operador. ─ Mas se vísseis uma mesa manter-se no espaço sem contato e sem ponto de apoio, que diríeis? ─ Também não acreditaria, porque EU SEI que é impossível.

Crede, pois, que todos os Espíritos batedores de Carcassone e do mundo inteiro não chegarão jamais a vencer essas incredulidades absolutas e preconcebidas. O que há de melhor a fazer é deixá-los tranquilos. Quando, entre mil pessoas, novecentas e noventa acreditarem, o que não tardará muito, o que farão as dez restantes? Como agora, eles ainda dirão que só eles têm bom-senso, e que é preciso prender com os loucos os noventa e nove por cento da população. Deixemo-lhes, pois, essa inocente satisfação, e prossigamos nosso caminho sem nos inquietarmos com os retardatários.

A expressão eu sei que é impossível” nos traz à lembrança uma anedota: Um embaixador holandês, discutindo com o rei de Sião acerca de particularidades da Holanda, sobre as quais o príncipe se informava, entre outras coisas lhe disse que nesse país a água de tal modo endurecia na estação mais fria do ano, que os homens andavam sobre ela e que assim endurecida ela suportaria elefantes, se os houvesse. A isso respondeu o rei: “Senhor embaixador, até aqui acreditei nas coisas extraordinárias que me contastes, porque vos tinha como um homem honrado e probo, mas agora estou certo de que mentis.” Não é o equivalente a “eu sei que é impossível?

O fato acima relatado nada prova, dirão certos negadores, porque se o médium ignorava a coisa, o Sr. Sab a conhecia perfeitamente. É então o seu pensamento que se reproduzia. Assim, seria o pensamento do que não era médium que se refletia na mesa, tê-la-ia agitado de modo inteligente para fazê-la bater as pancadas indicadoras das letras que conformavam seu pensamento, e isto sem a sua vontade, sem a participação de suas mãos? Singular propriedade do pensamento! Só este fenômeno, admitida a vossa teoria, não seria prodigioso e digno de atenção? Por que, então, desdenhá-lo? Absorvei-vos na composição de um grão de areia; calculais cuidadosamente as proporções de seus elementos e só tendes desdém para uma manifestação tão estranha do pensamento! Se um novo raio do espectro solar se separar, logo estudareis as suas propriedades, sua ação química, calculareis seu ângulo de reflexão e seu poder refringente. Um raio do pensamento se isola, agita a matéria, reflete-se como a luz e isto não vos chama a atenção! Então dizeis: “De que adianta nos ocuparmos com isto? É apenas o pensamento!”

Mas, com essa teoria, como explicareis os numerosos fatos das revelações, quer pela tiptologia, quer pela escrita, de coisas completamente ignoradas por todos os assistentes, e cuja exatidão foi constatada, entre outros o de Simon Louvet, relatado na Revue de março de 1863? Do pensamento de quem tal comunicação poderia ser reflexo, se foi necessário recorrer a um jornal de seis anos antes para verificá-lo? É mais simples admitir que tivesse sido o pensamento do jornalista que o do Espírito de Simon Louvet? Então tendes muito medo de serdes forçado a concordar que a alma sobrevive ao corpo! E a ideia de ser aniquilado após a morte vos sorri mais que a de reviver em condições mais felizes e de reencontrar, no mundo dos Espíritos, as afeições deixadas na Terra! Se vos comprazeis na doce quietude de acabar para sempre no fundo da cova e de adormecer no seio da podridão do corpo, que mal vos fazem os que pensam o contrário, e por que persegui-los como inimigos do gênero humano? Na proporção da vossa crença, buscais fazer-lhes o mal; na medida da sua, eles não vo-lo fazem, mesmo que sem isso talvez se sentissem vingados de vossas injúrias. Eis a condenação das consequências sociais de vossas doutrinas.

Não nos recusamos a crer, dizem alguns dentre vós, mas não podemos ver, porque nos recusam até a entrada nas reuniões onde nos poderíamos convencer, e onde só se admitem pessoas convencidas. A entrada às reuniões vos é recusada por uma razão muito simples: É que não quereis fazer o necessário para vos esclarecerdes, nem seguir o caminho que vos é indicado. É que vindes às reuniões não para estudar fria e seriamente, mas com um sentimento hostil, com o pensamento de fazer aí prevalecerem vossas ideias preconcebidas, e que na maior parte do tempo para ali trazeis a perturbação. É que sem o respeito ao caráter privado, posto que não secreto, das reuniões, procurais aí penetrar pela astúcia, para satisfazer uma curiosidade inútil e para buscar assunto para o sarcasmo e muitas vezes para logo desnaturar o que tiverdes visto. Tais são os motivos de vossa exclusão, que nunca seria por demais rigorosa, porque sois nocivos a uns e sem utilidade para vós. Os que quiserem instruir-se conscientemente devem prová-lo por uma boa vontade paciente e perseverante, e os meios não lhes faltarão. Mas não se poderia ver tal boa vontade no desejo de submeter a coisa às suas exigências, em vez de, eles próprios, submeterem-se às exigências da coisa. Dito isto, deixemos os negadores em paz, esperando chegue a hora em que possam ver a luz.

A primeira resposta dada pelo Espírito de Félicia, para certas pessoas poderia parecer uma contradição. Ela diz que é do sexo feminino, e sabe-se que os Espíritos não têm sexo. É certo que não têm sexo, mas sabe-se que para se fazerem reconhecer se apresentam sob a forma que os conhecemos em vida. Para seu antigo marido, Félicia continua sendo mulher. Ela não podia, pois, apresentar-se a ele sob outro aspecto, pois lhe teria perturbado a lembrança. Há mais: quando este entrar no mundo dos Espíritos, encontrá-la-á como era na Terra, do contrário não a reconheceria. Mas pouco a pouco apagam-se os caracteres puramente físicos, para deixar que subsistam os essencialmente morais. É assim que a mãe encontra seu filho em tenra idade, posto na verdade não mais seja criança. Acrescentemos ainda que os caracteres materiais são tanto mais persistentes quanto menos desmaterializados os Espíritos, isto é, menos elevados na hierarquia dos seres. Depurando-se, os traços da materialidade desaparecem à medida que o pensamento se desliga da matéria. Eis por que os Espíritos inferiores, ainda presos à Terra, são, no mundo invisível, mais ou menos o que eram em vida, com os mesmos gostos e inclinações.

Sobre este capítulo faremos uma última observação. É sobre a qualificação de batedor, dada erradamente, em nossa opinião, ao Espírito que se comunica com o Sr. Jaubert. Tal qualificação não convém, como dissemos alhures, senão aos Espíritos que chamaríamos batedores de profissão e que pertencem sempre, pela pouca elevação das ideias e conhecimentos, às categorias inferiores. Assim não seria com esse, que prova, ao mesmo tempo, a superioridade de suas qualidades morais e intelectuais. Para ele, a tiptologia não é um divertimento. É um meio de transmissão do pensamento, do qual se serve por não ter encontrado no médium a faculdade necessária ao emprego de outro. Seu objetivo é sério, ao passo que o dos Espíritos batedores propriamente ditos é quase sempre fútil, quando não malévola. À qualificação de Espírito batedor, desde que pode ser tomada em mau sentido, preferimos a de Espírito tiptor, termo que se refere à linguagem tiptológica.

Poesia pela Sra. Raquel de Navery

(Lida na Sociedade Espírita de Paris, à 27 de março de 1863)

OBSERVAÇÃO: Posto não tenhamos o hábito de publicar poesias que não sejam constatadas como mediúnicas, por certo os leitores serão gratos pela exceção, inspiração espontânea de uma pessoa que, até há pouco considerava as crenças espíritas como utopia.



Quando a mão da Morte, multiplicando seus golpes,

Em redor de nós o luto e o vácuo semeava,

A única expressão a ferir-nos o ouvido

Era: “Se na cova repousa um ser amado,“

A alma, libertada do cárcere do corpo,

“Rompeu os laços de pesado envoltório;“

E agora, voltando à fonte originária“

Desfruta a força e a luz de Deus.

“Um dia a encontrareis e então confundireis

“Com o amor terreno um amor imortal.”

Hoje já não é mais a remota esperança

Que lança sobre os males um incerto clarão;

Não é mais o futuro que nos traz nossos mortos:

Eles aí estão, junto a nós, ajudando os esforços,

Atentos aos nossos votos, sofrendo as nossas dores,

Mensageiros trazendo as santas esperanças,

Respondendo do alto a secretos pensares.

Suas mãos apertam as nossas; sua boca tem beijos

Mais consoladores e suaves, no seio de outra esferaJuntam ao amor a grandeza do mistério.

E quando os evocamos, enxames invisíveis,Insuflam clareza e tepidez em nosso peito.

Vêm! e para nós tudo muda e se colore;

De mundos desconhecidos a aurora pressentimos;

Um reflexo sideral ilumina-nos a fronte

E, curvados, de joelhos, mudos, nós adoramos

A majestade de Deus, por eles revelada.

Responde! Nós te ofendemos, ó eterna Sabedoria!

Quando santamente impelidos, rompem as nossas mãos

O céu que limitava o olhar das criaturas?

Vamos, seguidores de um espírito indócil,

Lacerar as páginas divinas do Evangelho? Não!

Homens convictos e de coração valente,

Fazemos, como ele, o que fez o Senhor:

Nós cremos. ─ Podemos operar milagres,

Fazer de nossos lares outros tantos cenáculos,

Chamar aquele Espírito, cujas línguas de fogo

Mudavam pescadores em apóstolos de Deus.

Dos quatro cantos do Céu, soprai, ventos celestes!

E afastai do nosso meio essas trevas funestas;

Espalhai claridade, ó candelabros de ouro;

E da arca sagrada clareai o tesouro!

Raios do Sinai! Arbusto de Horeb em fogo!

Poderosos Espíritos dos fortes, profetas e mulheres,

Espírito, sopro furtivo que Job sentiu passar

Nos pêlos de sua carne até os eriçar;

Vós todos que, consumindo as almas exaltadas,

Da turba amotinada fizestes tantos mártires,

Quando a Idade Média, com o atormentador,

Gerou o sanguinário monge inquisidor;

Vinde! Temos sede de ensinos estranhos;

Repelimos para sempre as roupas infantis;

Queremos outra linguagem para novas verdades

E não velhos sermões, discursos repetidos.

Marchamos à frente da multidão indolente.

E se a Verdade, com seus fachos ardentes

Nos devora e em mártires nos transforma

Morremos sorridentes e não a desmentimos.

Precedamos nosso tempo; busquemos como os Magos

O Deus oculto para as nossas homenagens.

Bem o sabemos, embora de nós digam:

“Poetas sonhadores, transformados em loucos!”

Seja! Porque o nome de que nos orgulhamos,

Foi dado a Jesus quando os seus servidores

Respiraram sobre o seu rosto e sobre as suas vestes

Lançaram o sublime emblema da branca túnica,

Disse Paulo: “Então a loucura é sabedoria!”

Procuremos com coragem, investiguemos sem cessar;

Perguntemos ao morto os segredos poderosos;

Despojemos nosso espírito da trave dos sentidos,

Do mundo cujas regras Deus a nós revela

E que nos muda ao renovar as águias!

Firmados no Direito, fortificados em seu poder,

A todos abriremos as portas do saber.

Um dia virá ─ e sua aurora se avizinha

─ Em que, farta de chorar, a Humanidade inteira,

Sabendo que temos para a sede em nossos corações,

A onda que sacia e não o fogo do pranto,

Virá nos repetir, num lamento profundo:

“Dai-nos a luz e a santa esperança;

“E com as vossas mãos, a unção da virtude,

“Que eleva a fronte para a Terra abatida.

“Aos olhos apagados pela poeira imunda,

“Fazei, súbito, luzir a claridade fecunda.

“Pronunciai o Epheta misterioso do Cristo!

“Transfigurai a carne submissa ao Espírito.

“Colocai-nos os vivos em meio às coortes

“Das aparições e das figuras mortas!

“Ah! Os sepulcros não são túmulos,

“Mas, sim, corações maus, mal pintados a cal.

“Os mortos ensinarão como devemos viver

“Para que possamos em Deus acompanhá-los”.

E nós, que do Senhor recebemos o favor

De na Terra viver em centro mais perfeito,

Os braços abriremos ao adepto submisso,

Em nome do Espiritismo!

Em nome do Evangelho!



RAOUL DE NAVERY



Dissertações espíritas

O que impede, por vezes, que vos corrijais de um defeito, de um vício, é, certamente, que não vos apercebeis que o tendes. Enquanto vedes os menores defeitos do vosso próximo, do vosso irmão, nem mesmo suspeitais de que tendes as mesmas falhas, talvez cem vezes maiores que as deles. Isto nada mais é que uma consequência do orgulho que vos leva, como a todos os seres imperfeitos, a não achar nada de bom senão em vós. Deveríeis vos analisar como se não fôsseis vós mesmos. Imaginai, por exemplo, que aquilo que fizestes ao vosso irmão vos tivesse sido feito por ele. Colocai-vos no lugar dele. O que faríeis? Respondei sem ideia preconcebida, pois suponho que queirais a verdade. Assim fazendo, estou certo de que muitas vezes descobrireis defeitos vossos, que antes não havíeis notado. Sede francos convosco mesmos; travai conhecimento com o vosso caráter, mas não o aduleis, porque as crianças aduladas às vezes

se tornam más e os aduladores são os primeiros a experimentar os efeitos. Voltai ao alforje onde estão os vossos e os alheios defeitos. Ponde os vossos na frente e os dos outros atrás e atentai bem para ver se isso não vos faz abaixar a cabeça, quando tiverdes essa carga na frente.

LA FONTAINE

Criando as almas, Deus não estabeleceu diferenças entre elas. Que essa igualdade de direitos entre elas sirva de princípio à amizade, que nada mais é senão a unidade nas tendências e nos sentimentos. A verdadeira amizade só existe entre os homens virtuosos, que se reúnem sob a proteção do Todo-Poderoso, para se encorajarem reciprocamente no cumprimento de seus deveres. Todo coração verdadeiramente cristão possui o sentimento da amizade. Ao contrário, essa virtude encontra no egoísmo das almas viciosas a pedra de tropeço que, semelhante à semente caída sobre rocha árida, a torna infecunda para o bem.

Rodeai vossa alma pelo muro protetor de uma prece cheia de fé, a fim de que o inimigo, interno ou externo, aí não possa penetrar.

A prece eleva o Espírito do homem para Deus, o desprende de todas as preocupações terrenas, o transporta para um estado de tranquilidade, de paz, que o mundo não lhe poderia oferecer. Quanto mais confiante e fervorosa for a prece, melhor é escutada e mais agradável é a Deus.

Quando, inteiramente penetrada de zelo santo, a alma do homem se lança para os céus na prece íntima e ardente, os inimigos interiores, isto é, as paixões do homem, e os inimigos externos, isto é, os vícios do mundo, são impotentes para forçar os muros que a protegem.

Homens, orai a Deus com toda confiança, do fundo do coração, com fé e verdade!


Perguntas-me qual será o futuro do Espiritismo e que lugar ocupará no mundo. Ele não ocupará somente um lugar. Ele encherá o mundo inteiro. O Espiritismo está no ar, no espaço, na Natureza. É a chave da abóbada do edifício social. Podes pressagiar o seu futuro por seu passado e por seu presente.

O Espiritismo é a obra de Deus. Vós, homens, lhe destes um nome; Deus vos deu a razão, quando chegou o tempo, porque o Espiritismo é a lei imutável do Criador. Desde quando o homem teve inteligência, Deus lhe inspirou o Espiritismo e, de época em época, enviou à Terra Espíritos adiantados, que ensaiaram em sua natureza corpórea a influência do Espiritismo. Se esses homens não triunfaram, foi porque a inteligência humana ainda não se achava suficientemente aperfeiçoada. Mas nem por isso esses homens deixaram de implantar a ideia, e deixaram atrás de si seus nomes e seus atos, como marcos indicadores numa estrada, para que o viajante achasse a rota. Olha para trás e verás quantas vezes Deus já experimentou a influência espírita como melhoramento moral.

Que era o Cristianismo há dezoito séculos senão Espiritismo? Só o nome é diferente. O pensamento é o mesmo. Apenas o homem, com o livre-arbítrio, desnaturou a obra de Deus. A natureza preponderou e o erro veio implantar-se sobre essa preponderância. Depois, o Espiritismo esforçou-se por germinar, mas o terreno era inculto e a semente partiu-se e feriu a fronte dos semeadores por Deus encarregados de semeá-la. Com o tempo a inteligência cresceu, o campo pôde ser lavrado, já que se aproxima a época em que o terreno deve ser novamente semeado. Todos admitem que o Espiritismo se espalha. Até os mais incrédulos o compreendem, e se não o confessam, e se fecham os olhos, é que a luz ofuscante do Espiritismo os cega. Mas Deus protege a sua obra. Ele a sustenta com seu poderoso olhar; ele a encoraja, e em breve todos os povos serão espíritas, porque aí está a universalidade de todas as crenças.

O Espiritismo é a grande niveladora que avança para aplainar todas as heresias. Ele é conduzido pela simpatia; ele é seguido pela concórdia, pelo amor e pela fraternidade; ele avança sem abalos e sem revolução; ele nada vem destruir, nada derrubar na organização social; ele vem a tudo renovar.

Não vejas aqui uma contradição: Tornando-se melhores, os homens aspirarão leis melhores. Compreendendo que o operário é da mesma essência que a sua, o patrão introduzirá leis suaves e sábias nas suas relações comerciais. As relações sociais se transformarão muito naturalmente entre a riqueza e a mediocridade. Não podendo o Espírito tornar-se morgado, sentirá o espírita que algo existe de mais importante para si que a riqueza; libertar-se-á da ideia de acumular, que gera a cupidez e, por certo, o pobre ainda será beneficiado por essa diminuição do egoísmo. Não direi que não haverá rebeldes a esta ideia; que todos crescerão universalmente fecundados pela onda do Espiritismo. Ainda haverá refratários e anjos decaídos, pois os homens têm o livre-arbítrio e, posto não lhes faltem conselhos, muitos deles, vendo apenas de seu acanhado ponto de vista, que restringe o horizonte da cupidez, não quererão render-se à evidência. Pior para eles. Lamentai-os, esclarecei-os, porque não sois juízes e só Deus lhes pode censurar a conduta.

Pelo futuro que te mostro para o Espiritismo, podes julgar da influência que ele exercerá sobre as massas. Como estais organizados, moralmente falando? Fizestes uma estatística de vossas qualidades e defeitos? Os homens levianos e neutros povoam boa parte da Terra. Os benevolentes constituem maioria? É duvidoso. Entre os neutros, isto é, entre os que estão com um pé na balança do bem e outro na do mal, muitos podem meter os dois no prato da benevolência, que é a primeira etapa que conduz rapidamente a níveis mais avançados.

Ainda há no globo uma parcela de seres maus, mas que diariamente tende a diminuir. Quando os homens estiverem imbuídos do pensamento que a pena de Talião é a lei imutável que Deus lhes inflige, lei muito mais terrível que vossas terríveis leis terrenas; mais apavorante e mais lógica que as chamas eternas do inferno, em que não mais acreditam, eles temerão essa reciprocidade de penas e pensarão duas vezes antes de cometerem um ato censurável.

Quando, pela manifestação espírita, o criminoso puder prognosticar a sorte que o espera, recuará ante a ideia do crime, pois saberá que Deus tudo vê e que o crime, ainda que ficasse impune na Terra, ele terá que pagar um dia, e muito caramente, essa impunidade. Então, todas as falhas odiosas, que vêm, vez por outra, trazer a sua marca indelével à fronte da Humanidade, desaparecerão para dar lugar à concórdia e à fraternidade que há séculos vos são pregadas. Vossa legislação abrandar-se-á, na proporção do melhoramento moral, e a escravidão e a pena de morte não permanecerão em vossas leis, a não ser como uma lembrança das torturas da inquisição.

Assim regenerado, o homem poderá ocupar-se mais com seu progresso intelectual. Não mais existindo o egoísmo, as descobertas científicas, que por vezes reclamam o concurso de várias inteligências, desenvolver-se-ão rapidamente, cada um dizendo: “Que importa aquele que produz o bem, desde que o bem seja produzido?” Porque, na verdade, o que muitas vezes detém os vossos cientistas em sua marcha ascendente para o progresso, senão o personalismo, a ambição de ligar seu nome à sua obra?

Eis qual é o futuro e a influência do Espiritismo sobre os povos da Terra.

Um filósofo do outro mundo.



No último número, falando do jornal La Verité de Lyon, dissemos que em breve Bordeaux também teria sua Revista Espírita. Vimos uma prova dessa publicação, que terá como título La ruche bordelaise, Revue de l’enseignement des Esprits (A Colmeia bordelesa, Revista do ensino dos Espíritos) e promete um novo órgão sério para a defesa e propagação do Espiritismo. Tendo solicitado o nosso conselho, mandamos uma carta aos seus diretores, a qual tiveram a gentileza de colocar no alto do seu primeiro número, declarando que querem seguir em todos os pontos a bandeira da Sociedade de Paris. Sentimo-nos felizes com esta adesão, que não pode senão estreitar, pela comunhão de ideias, os laços de união entre todos os espíritas sinceramente dedicados à causa comum, sem preconceitos personalistas.

La Ruche Bordelaise sai no dia primeiro e no dia 15 de cada mês, em cadernos de 16 páginas in-8º, a partir de 1º de junho de 1863. Preço: 6 francos por ano para a França e a Argélia. Redação em Bordeaux, Rua des Trois-Conils.

ALLAN KARDEC

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