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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867 > Janeiro
Janeiro
Aos nossos correspondentes
A época de renovação das assinaturas, a 1º de janeiro, como todos os anos, é para a maioria dos nossos correspondentes da França e do estrangeiro, ocasião para nos dar novos testemunhos de simpatia, com o que ficamos profundamente tocado.
Na impossibilidade em que estamos de responder a todos, rogamo-lhes recebam aqui a expressão de nossos sinceros agradecimentos e da reciprocidade de nossos votos, rogando-lhes se persuadam de que não esquecemos, em nossas preces, nenhum daqueles, encarnados ou desencarnados, que se nos recomendam.
Os testemunhos que têm a bondade de nos dar nos são poderoso encorajamento e muito suaves compensações que facilmente nos fazem esquecer as penas e fadigas do caminho. E como não as esqueceríamos, quando vemos a Doutrina crescer incessantemente, vencer todos os obstáculos e que cada dia nos traz novas provas dos benefícios que ela espalha! Agradecemos a Deus o insigne favor que ele nos concede, de testemunhar seus primeiros sucessos e entrever o seu futuro. Nós lhe pedimos nos dê as forças físicas e morais necessárias para realizar o que nos resta a fazer, antes de voltar ao mundo dos Espíritos.
Aos que têm a bondade de fazer votos pelo prolongamento de nossa demora aqui em baixo, no interesse do Espiritismo, diremos que ninguém é indispensável para a execução dos desígnios de Deus; que o que fizemos, outros poderiam ter feito, e que o que não pudermos fazer, outros farão. Então, quando lhe aprouver chamar-nos, ele saberá prover à continuação de sua obra. Aquele que for chamado a lhe tomar as rédeas cresce na sombra e revelar-se-á oportunamente, não por sua pretensão a uma supremacia qualquer, mas por seus atos, que chamarão a atenção de todos. A esta hora ele ignora a si mesmo, e é útil, neste momento, que ainda se mantenha à margem.
O Cristo disse: “Aquele que se exaltar será rebaixado.” É, pois, entre os humildes de coração que ele será escolhido, e não entre os que quiserem elevar-se por sua própria autoridade e contra a vontade de Deus; esses apenas colherão vergonha e humilhação, porque os orgulhosos e os presunçosos serão confundidos. Que cada um traga a sua pedra ao edifício e se contente com o papel de simples obreiro. Deus, que lê no fundo dos corações, saberá dar a cada um o justo salário de seu trabalho.
A todos os nossos irmãos em crença diremos: “Coragem e perseverança, porque se aproxima o momento das grandes provas. Fortalecei-vos nos princípios da Doutrina e deles penetrai-vos cada vez mais; alargai as vossas vistas; elevai-vos pelo pensamento acima do círculo limitado do presente, de maneira a abarcar o horizonte do infinito; considerai o futuro, e então a vida presente, com seu cortejo de misérias e decepções, vos parecerá um ponto imperceptível, como um minuto doloroso que em breve não deixará mais traços na lembrança; as preocupações materiais parecerão mesquinhas e pueris, ao lado dos esplendores da imensidade.
Felizes os que colherem na sinceridade de sua fé a força de que necessitarão. Esses bendirão a Deus por lhes ter dado a luz; reconhecerão sua sabedoria nas suas vistas insondáveis e nos meios, sejam quais forem, que ele emprega para sua realização. Eles marcharão através dos escolhos com a serenidade, a firmeza é a confiança que dá a certeza de atingir o porto, sem se deter nas pedras que ferem os pés.
É nas grandes provas que se revelam as grandes almas; é também então que se revelam os corações verdadeiramente espíritas, pela coragem, pela resignação, pelo devotamente, pela abnegação e pela caridade sob todas as suas formas, de que dão exemplo. (Vide o artigo de outubro de 1866: Os tempos são chegados).
Na impossibilidade em que estamos de responder a todos, rogamo-lhes recebam aqui a expressão de nossos sinceros agradecimentos e da reciprocidade de nossos votos, rogando-lhes se persuadam de que não esquecemos, em nossas preces, nenhum daqueles, encarnados ou desencarnados, que se nos recomendam.
Os testemunhos que têm a bondade de nos dar nos são poderoso encorajamento e muito suaves compensações que facilmente nos fazem esquecer as penas e fadigas do caminho. E como não as esqueceríamos, quando vemos a Doutrina crescer incessantemente, vencer todos os obstáculos e que cada dia nos traz novas provas dos benefícios que ela espalha! Agradecemos a Deus o insigne favor que ele nos concede, de testemunhar seus primeiros sucessos e entrever o seu futuro. Nós lhe pedimos nos dê as forças físicas e morais necessárias para realizar o que nos resta a fazer, antes de voltar ao mundo dos Espíritos.
Aos que têm a bondade de fazer votos pelo prolongamento de nossa demora aqui em baixo, no interesse do Espiritismo, diremos que ninguém é indispensável para a execução dos desígnios de Deus; que o que fizemos, outros poderiam ter feito, e que o que não pudermos fazer, outros farão. Então, quando lhe aprouver chamar-nos, ele saberá prover à continuação de sua obra. Aquele que for chamado a lhe tomar as rédeas cresce na sombra e revelar-se-á oportunamente, não por sua pretensão a uma supremacia qualquer, mas por seus atos, que chamarão a atenção de todos. A esta hora ele ignora a si mesmo, e é útil, neste momento, que ainda se mantenha à margem.
O Cristo disse: “Aquele que se exaltar será rebaixado.” É, pois, entre os humildes de coração que ele será escolhido, e não entre os que quiserem elevar-se por sua própria autoridade e contra a vontade de Deus; esses apenas colherão vergonha e humilhação, porque os orgulhosos e os presunçosos serão confundidos. Que cada um traga a sua pedra ao edifício e se contente com o papel de simples obreiro. Deus, que lê no fundo dos corações, saberá dar a cada um o justo salário de seu trabalho.
A todos os nossos irmãos em crença diremos: “Coragem e perseverança, porque se aproxima o momento das grandes provas. Fortalecei-vos nos princípios da Doutrina e deles penetrai-vos cada vez mais; alargai as vossas vistas; elevai-vos pelo pensamento acima do círculo limitado do presente, de maneira a abarcar o horizonte do infinito; considerai o futuro, e então a vida presente, com seu cortejo de misérias e decepções, vos parecerá um ponto imperceptível, como um minuto doloroso que em breve não deixará mais traços na lembrança; as preocupações materiais parecerão mesquinhas e pueris, ao lado dos esplendores da imensidade.
Felizes os que colherem na sinceridade de sua fé a força de que necessitarão. Esses bendirão a Deus por lhes ter dado a luz; reconhecerão sua sabedoria nas suas vistas insondáveis e nos meios, sejam quais forem, que ele emprega para sua realização. Eles marcharão através dos escolhos com a serenidade, a firmeza é a confiança que dá a certeza de atingir o porto, sem se deter nas pedras que ferem os pés.
É nas grandes provas que se revelam as grandes almas; é também então que se revelam os corações verdadeiramente espíritas, pela coragem, pela resignação, pelo devotamente, pela abnegação e pela caridade sob todas as suas formas, de que dão exemplo. (Vide o artigo de outubro de 1866: Os tempos são chegados).
Olhar retrospectivo - Sobre o movimento espírita
Não resta dúvida a ninguém que tanto para os adversários quanto para os partidários do Espiritismo, este assunto, mais do que nunca, agita os espíritos. Esse movimento é um fogo de palha, como dizem alguns afetadamente? Mas esse fogo de palha se mantém há quinze anos, e em vez de se extinguir, sua intensidade aumenta de ano para ano. Ora, não é este o caráter das coisas efêmeras e que só se dirigem à curiosidade. O último alçar de escudos com que esperavam abafá-lo, apenas o reavivou, superexcitando a atenção dos indiferentes. A tenacidade desta ideia nada tem que possa surpreender quem quer que haja sondado a profundidade e a multiplicidade das raízes pelas quais ela se liga aos mais sérios interesses da Humanidade. Os que se admiram apenas viram a superfície; a maioria só o conhece de nome, mas não lhe compreendem nem a sua finalidade nem o seu escopo.
Se uns combatem o Espiritismo por ignorância, outros o fazem precisamente porque lhe sentem toda a importância, porque pressentem o seu futuro e nele veem um poderoso elemento regenerador. Há que se persuadir que certos adversários estão perfeitamente convertidos. Se estivessem menos convictos das verdades que ele encerra, não lhe fariam tanta oposição. Eles sentem que o penhor de seu futuro está no bem que ele faz. Fazer ressaltar esse bem aos seus olhos, longe de acalmá-los, é aumentar a causa de sua irritação. Assim foi, no século quinze, a numerosa classe dos escritores copistas, que de bom grado teriam queimado Gutenberg e todos os impressores. Não teria sido em lhes demonstrando os benefícios da imprensa, que iria suplantá-los, que os teriam apaziguado.
Quando uma coisa está de acordo com a verdade e é chegado o momento de sua eclosão, ela marcha a despeito de tudo. A força de ação do Espiritismo é atestada por sua persistente expansão, malgrado os poucos esforços que faz para se expandir. Há um fato constante: é que os adversários do Espiritismo despenderam mil vezes mais forças para abatê-lo, sem conseguir, do que seus partidários para propagá-lo. Ele avança sozinho, por assim dizer, como um curso d’água que se infiltra através das Terras, abre uma passagem à direita se o barram à esquerda, e pouco a pouco mina as pedras mais duras e acaba por fazer desabarem montanhas.
Um fato notório é que, em seu conjunto, a marcha do Espiritismo não sofreu nenhum momento de interrupção; ela pôde ser entravada, comprimida, retardada nalgumas localidades por influências contrárias, mas, como dissemos, a corrente, barrada num ponto, ressurge em cem outros; em vez de correr em abundância, divide-se numa porção de filetes. Entretanto, à primeira vista, dir-se-ia que sua marcha é menos rápida do que foi nos primeiros anos. Temos que deduzir que o abandonam? Que ele encontra menos simpatias? Não, mas simplesmente que o trabalho que ele realiza neste momento é diferente, e, por sua natureza, menos ostensivo.
Desde o começo, como já dissemos, o Espiritismo ligou a si todos os homens nos quais estas ideias estavam, de certo modo, no estado de intuição. Bastou-lhe apresentar-se para ser compreendido e aceito. Ele imediatamente colheu abundantemente por toda parte onde encontrou terreno preparado. Feita essa primeira colheita, restavam os terrenos sem cultura, que exigiram mais trabalho. É agora, através das opiniões refratárias, que ele deve abrir caminho, e é o período em que nos encontramos. Semelhante ao mineiro que retira sem esforço as primeiras camadas de terra solta, ele chegou à rocha que é preciso talhar e no seio da qual só pouco a pouco pode penetrar. Mas não há rocha, por mais dura que seja, que resista indefinidamente a uma ação dissolvente contínua. Sua marcha é, pois, ostensivamente menos rápida, mas se, num dado tempo, não reúne um tão grande número de adeptos francamente confessos, nem por isso deixa de abalar convicções contrárias, que caem, não de um golpe, mas pouco a pouco, até que a brecha esteja feita. É o trabalho a que assistimos, e que marca a fase atual do progresso da Doutrina.
Esta fase é caracterizada por sinais inequívocos. Examinando a situação, torna-se evidente que a ideia ganha terreno dia a dia, que aclimata-se; que encontra menos oposição; riem menos, e mesmo aqueles que ainda não a aceitam, começam a conceder-lhe foros de cidadania entre as opiniões. Os espíritas já não são apontados com o dedo, como outrora, e considerados como animais curiosos. É o que constatam sobretudo os que viajam. Por toda parte eles encontram mais simpatia ou menos antipatia pela coisa. Não podemos negar que não haja nisto um progresso real.
Para compreender as facilidades e as dificuldades que o Espiritismo encontra em seu caminho, é necessário observar a diversidade das opiniões através das quais ele deve abrir passagem. Jamais se impondo pela força ou pelo constrangimento, mas só pela convicção, ele encontrou uma resistência mais ou menos grande, conforme a natureza das convicções existentes, com as quais podia assimilar-se mais ou menos facilmente, dentre as quais umas o receberam de braços abertos, enquanto outras o rejeitam com obstinação.
Duas grandes correntes de ideias dividem a Sociedade atual: o Espiritualismo e o Materialismo. Embora este último constitua uma incontestável minoria, não podemos ignorar que ele teve uma grande expansão nos últimos anos. Um e outro se fracionam numa porção de nuanças que podemos resumir nas principais categorias seguintes:
1º ─ Os fanáticos de todos os cultos ─ 0.
2º ─ Os crentes satisfeitos, com convicções absolutas, fortemente limitados e sem restrições, embora sem fanatismo, sobre todos os pontos do culto que professam e com o qual estão satisfeitos. Esta categoria compreende também as seitas que, pelo fato de terem aberto cisão e operado reformas, se julgam de posse de toda a verdade, e por vezes são mais absolutas do que as religiões mães. ─ 0.
3º Os crentes ambiciosos, inimigos das ideias emancipadoras que lhes poderiam fazer perder o ascendente que exercem sobre a ignorância ─ 0.
4º ─ Os crentes pela forma, que por interesse simulam uma fé que não têm e quase sempre se mostram mais rígidos e mais intolerantes do que os religiosos sinceros ─ 0.
5º ─ Os materialistas por sistema, que se apoiam numa teoria racional, na qual muitos se obstinam contra a evidência, por orgulho, para não confessar que puderam enganar-se. Em sua maioria, são tão absolutos e intolerantes em sua incredulidade quanto os fanáticos religiosos em sua crença ─ 0.
6º ─ Os sensualistas, que repelem as doutrinas espiritualistas e espíritas por medo que elas venham perturbá-los em seus prazeres materiais. Eles fecham os olhos para não ver — 0.
7º ─ Os despreocupados, que vivem o dia a dia, sem se preocupar com o futuro. A maioria deles não saberia dizer se são espiritualistas ou materialistas. Para eles o presente é a única coisa séria ─ 0.
8º ─ Os panteístas, que não admitem uma divindade pessoal, mas um princípio espiritual universal, no qual se confundem as almas, como as gotas d’água no oceano, sem conservar sua individualidade. Esta opinião é um primeiro passo para a espiritualidade e, por consequência, um progresso sobre o materialismo. Embora um pouco menos refratários às ideias espíritas, os que a professam são, em geral, muito absolutos, porque neles é um sistema preconcebido e raciocinado, e muitos não se dizem panteístas senão para não se confessarem materialistas. É uma concessão que fazem às ideias espiritualistas para salvar as aparências ─ 1.
9º ─ Os deístas, que admitem a personalidade de um Deus único, criador e soberano senhor de todas as coisas, eterno e infinito em todas as suas perfeições, mas rejeitam qualquer culto exterior ─ 3.
10º ─ Os espiritualistas sem sistema, que não pertencem, por convicção, a nenhum culto, mas que não repudiam nenhum, e não têm qualquer ideia assentada sobre o futuro ─ 5.
11º ─ Os crentes progressistas, ligados a um culto determinado, mas que admitem o progresso na religião e a concordância das crenças com o progresso das ciências ─ 5.
12º ─ Os crentes não satisfeitos, nos quais a fé é indecisa ou nula sob os pontos de dogma que não satisfazem completamente à sua razão atormentada pela dúvida ─ 8.
13º ─ Os incrédulos por falta de coisa melhor, dos quais a maior parte passou da fé à incredulidade e à negação de tudo, por não terem encontrado nas crenças com que foram embalados uma sanção satisfatória para a sua razão, mas nos quais a incredulidade deixa um vazio penoso que eles ficariam felizes se fosse preenchido ─ 9.
14º ─ Os livres pensadores, nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade, que não se julgam ligados pelo culto em que o nascimento os colocou sem seu consentimento, nem obrigados à observação de quaisquer práticas religiosas. Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada. Ela pode ser aplicada a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade. Toda crença eclética pertence ao livre pensamento; todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. Sob este ponto de vista, os espíritas também são livres-pensadores.
Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita, e, por assim dizer, exclusiva; para eles, ser livre-pensador é não crer apenas no que vê, é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do medo de Deus e do futuro; a espiritualidade é um aborrecimento, e eles não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas; e, coisa singular, é que em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, eles jogam pedra em todos os que não pensam como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos. Eles se dividem naturalmente em: Livres-pensadores incrédulos, que entram na 5ª categoria ─ O. Livres pensadores crentes, que pertencem a todas as nuanças do espiritualismo racional ─ 9.
15º ─ Os espíritas por intuição, aqueles em quem as ideias espíritas são inatas e que as aceitam como uma coisa que não lhes é estranha ─ 10.
Tais são as camadas de terreno que o Espiritismo deve atravessar. Lançando um olhar sobre as diversas categorias acima, é fácil ver aquelas junto às quais ele encontra um acesso mais ou menos fácil e aquelas contra as quais ele se choca como a picareta contra o granito. Ele não triunfará destes senão com a ajuda dos novos elementos que a renovação trará à Humanidade: esta é a obra daquele que dirige tudo e que faz surgirem os acontecimentos de onde deve sair o progresso.
Os números colocados após cada categoria indicam aproximadamente a proporção do número de adeptos, sobre 10, que cada uma fornece ao Espiritismo.
Se admitirmos, em média, a igualdade numérica entre essas diferentes categorias, veremos que a parte refratária, por sua natureza, abarca mais ou menos a metade da população. Como ela possui a audácia e a força material, não se limita a uma resistência passiva: é essencialmente agressiva; daí uma luta inevitável e necessária. Mas esse estado de coisas está com os dias contados, porque o passado se vai e vem o futuro. Ora, o Espiritismo marcha com o futuro.
É, pois, na outra metade que o Espiritismo deve recrutar, e o campo a explorar é bastante vasto; é aí que ele deve concentrar seus esforços, e que verá seus limites contrairem. Entretanto, essa metade ainda está longe de ser-lhe inteiramente simpática, pois ele aí encontra resistências opiniáticas, mas não insuperáveis, como na primeira, da qual a maior parte é devida a prevenções que se apagam à medida que o objetivo e as tendências da Doutrina são melhor compreendidos, e desaparecerem com o tempo. Se nos podemos admirar de uma coisa, é que, malgrado a multiplicidade dos obstáculos que ele encontra, dos embustes que lhe apresentam, ele conseguiu chegar em poucos anos ao ponto em que hoje está.
Um outro progresso não menos evidente é o da atitude da oposição. À parte as violentas investidas lançadas de tempos em tempos por uma plêiade de escritores, sempre mais ou menos os mesmos, que só veem por toda parte motivos para risos, que ririam mesmo de Deus, e cujos argumentos se limitam a dizer que a Humanidade caminha para a demência, muito surpresos que o Espiritismo tenha avançado sem sua permissão, é muito raro ver a Doutrina envolvida numa polêmica séria e continuada. Em vez disto, como já enfatizamos em artigo precedente, as ideias espíritas invadem a imprensa, a literatura, a filosofia; delas se apropriam sem que elas se deem conta, e é por isto que vemos a cada instante surgirem nos jornais, nos livros, nos sermões, no teatro, pensamentos que se diriam bebidos na própria fonte do Espiritismo. Sem dúvida seus autores protestariam contra a qualificação de espíritas, mas nem por isso deixam de sofrer a influência das ideias que circulam e que parecem justas. É que os princípios sobre os quais repousa a doutrina são de tal modo racionais, que fermentam numa multidão de cérebros e vêm à luz malgrado seu; eles abrangem tantas questões que é, por assim dizer, impossível entrar na via da espiritualidade sem fazer Espiritismo involuntariamente. É um dos fatos mais característicos que marcaram o ano que acaba de passar.
Em vista disto, deve-se concluir que a luta está terminada? Não, por certo, e nós devemos, ao contrário, mais do que nunca, nos mantermos em guarda, porque teremos que enfrentar assaltos de um outro gênero, mas, esperando que as fileiras se reforcem e os passos à frente sejam também ganhos. Guardemo-nos de crer que certos adversários se deem por vencidos e de tomar o seu silêncio por uma adesão tácita, ou mesmo por neutralidade. Persuadamo-nos que certas pessoas jamais aceitarão o Espiritismo, nem aberta nem tacitamente, enquanto viverem, como há aquelas que jamais aceitarão certos regimes políticos. Todos os raciocínios para a ele conduzi-los serão impotentes, porque eles não o querem a nenhum preço; sua aversão pela Doutrina cresce em razão do desenvolvimento que ela toma.
Os ataques a céu aberto tornaram-se mais raros, porque reconheceram a sua inutilidade, mas eles não perdem a esperança de triunfar com o auxílio de manobras tenebrosas. Longe de dormirmos numa enganadora segurança, mais que nunca é preciso desconfiar dos falsos irmãos que se insinuam em todas as reuniões para espiar e em seguida travestir o que aí se diz e se faz; que semeiam sub-repticiamente elementos de desunião; que sob a aparência de um zelo fictício e por vezes interesseiro, procuram empurrar o Espiritismo para fora das vias da prudência, da moderação e da legalidade; que provocam em seu nome atos repreensíveis aos olhos da lei. Como não conseguiram ridicularizá-lo porque por em sua essência ele é uma coisa séria, seus esforços tendem a comprometê-lo, para torná-lo suspeito diante das autoridades e provocar medidas rigorosas contra ele e os seus adeptos. Desconfiemos, pois, dos beijos de judas e dos que querem abraçar-nos para nos sufocar.
É preciso imaginar que estamos em guerra e que os inimigos estão à nossa porta, prontos para aproveitar a ocasião favorável, e que manobram inteligências no lugar.
Que fazer nesta ocorrência? Uma coisa muito simples: fechar-se nos estritos limites dos preceitos da Doutrina; esforçar-se em mostrar o que ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse de natureza a desacreditá-lo, porque isto não seria adequado para o caso de adeptos sérios e convictos. Não basta dizer-se espírita; aquele que o é de coração prova-o por seus atos. Não pregando senão o bem, o respeito às leis, a caridade, a tolerância e a benevolência para todos; repudiando a Doutrina toda violência feita à consciência de outrem, todo charlatanismo, todo pensamento interesseiro no que concerne às relações com os Espíritos e todas as coisas contrárias à moral evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer nem em censuras fundadas nem em perseguições legais. Mais ainda, quem quer que tome a Doutrina como regra de conduta, não pode senão conquistar a estima e a consideração das pessoas imparciais. Diante do bem, a própria incredulidade trocista se inclina e a calúnia não pode conspurcar o que não tem mácula. É nessas condições que o Espiritismo atravessará as tempestades que serão amontoadas em sua rota e que sairá triunfante de todas as lutas.
O Espiritismo também não pode ser responsável pelas más atitudes daqueles a quem agrada se dizerem espíritas, da mesma forma que a religião não é responsável pelos atos repreensíveis dos que só têm a aparência da piedade. Antes, pois, de fazer cair a censura de tais atos sobre uma doutrina qualquer, seria preciso saber se ela contém alguma máxima, algum ensinamento que possa justificá-los ou mesmo desculpá-los. Se, ao contrário, ela os condena formalmente, é evidente que a falta é inteiramente pessoal e não pode ser imputada à doutrina. Mas é uma distinção que os adversários do Espiritismo não se dão ao trabalho de fazer. Ao contrário, eles se sentem muito felizes por encontrar uma ocasião de difamá-lo a torto e a direito, sem escrúpulo de lhe atribuir o que lhe não pertence, envenenando as coisas mais insignificantes antes de lhes buscar as causas atenuantes.
Há algum tempo as reuniões espíritas sofreram uma certa transformação. As reuniões íntimas e de família multiplicaram-se consideravelmente em Paris e nas principais cidades, em razão da própria facilidade que acharam em se formar, pelo aumento do número de médiuns e de adeptos. No princípio os médiuns eram raros; um bom médium era quase um fenômeno; era, pois, natural que se agrupassem em torno dele, mas à medida que essa faculdade se desenvolveu, os grandes centros se fracionaram, como enxames, numa porção de pequenos grupos particulares, que têm mais facilidade de se reunir, mais intimidade e mais homogeneidade em sua composição. Este resultado, consequência da própria força das coisas, estava previsto. Desde a origem assinalamos os escolhos que naturalmente deveriam encontrar as sociedades numerosas, necessariamente formadas de elementos heterogêneos, abrindo a porta às ambições e, por isto mesmo, expostas às intrigas, aos complôs, às manobras surdas da malevolência, da inveja e do ciúme, que não podem emanar de uma fonte espírita pura. Nas reuniões íntimas, sem caráter oficial, as pessoas são mais senhoras de si, conhecem-se melhor e recebem quem elas querem; ali o recolhimento é maior, e sabemos que os resultados são mais satisfatórios. Conhecemos bom número de reuniões deste gênero, cuja organização nada deixa a desejar. Há, pois, tudo a ganhar nessa transformação.
Além disso, o ano de 1866 viu se realizarem as previsões dos Espíritos sobre vários pontos interessantes da Doutrina, entre outros sobre a extensão e os novos caracteres que devia tomar a mediunidade, bem como sobre a produção de fenômenos de natureza a chamar a atenção sobre o princípio da espiritualidade, embora aparentemente estranhos ao Espiritismo. A mediunidade curadora revelou-se em plena luz, nas circunstâncias mais próprias a fazer sensação; está em germe em muitas outras pessoas. Em certos grupos manifestaram-se numerosos casos de sonambulismo espontâneo, de mediunidade falante, de segunda vista e de outras variedades da faculdade mediúnica que puderam fornecer úteis assuntos de estudo. Sem ser precisamente novas, essas faculdades ainda estão no nascedouro numa porção de indivíduos; elas só se mostram em casos isolados e, por assim dizer, ensaiam-se na intimidade, mas com o tempo adquirirão mais intensidade e vulgarizar-se-ão. É sobretudo quando se revelam espontaneamente em pessoas estranhas ao Espiritismo que elas chamam a atenção mais fortemente, porque não se pode supor conivência nem admitir a influência de ideias preconcebidas. Limitamo-nos a assinalar o fato, que cada um pode constatar, e cujo desenvolvimento necessitaria de detalhes muito extensos. Aliás, teremos ocasião de a ele voltar, em artigos especiais.
Em resumo, se nada de muito brilhante assinalou a marcha do Espiritismo nestes últimos tempos, podemos dizer que ela prossegue nas condições normais traçadas pelos Espíritos e que só temos que nos felicitar pelo estado das coisas.
Se uns combatem o Espiritismo por ignorância, outros o fazem precisamente porque lhe sentem toda a importância, porque pressentem o seu futuro e nele veem um poderoso elemento regenerador. Há que se persuadir que certos adversários estão perfeitamente convertidos. Se estivessem menos convictos das verdades que ele encerra, não lhe fariam tanta oposição. Eles sentem que o penhor de seu futuro está no bem que ele faz. Fazer ressaltar esse bem aos seus olhos, longe de acalmá-los, é aumentar a causa de sua irritação. Assim foi, no século quinze, a numerosa classe dos escritores copistas, que de bom grado teriam queimado Gutenberg e todos os impressores. Não teria sido em lhes demonstrando os benefícios da imprensa, que iria suplantá-los, que os teriam apaziguado.
Quando uma coisa está de acordo com a verdade e é chegado o momento de sua eclosão, ela marcha a despeito de tudo. A força de ação do Espiritismo é atestada por sua persistente expansão, malgrado os poucos esforços que faz para se expandir. Há um fato constante: é que os adversários do Espiritismo despenderam mil vezes mais forças para abatê-lo, sem conseguir, do que seus partidários para propagá-lo. Ele avança sozinho, por assim dizer, como um curso d’água que se infiltra através das Terras, abre uma passagem à direita se o barram à esquerda, e pouco a pouco mina as pedras mais duras e acaba por fazer desabarem montanhas.
Um fato notório é que, em seu conjunto, a marcha do Espiritismo não sofreu nenhum momento de interrupção; ela pôde ser entravada, comprimida, retardada nalgumas localidades por influências contrárias, mas, como dissemos, a corrente, barrada num ponto, ressurge em cem outros; em vez de correr em abundância, divide-se numa porção de filetes. Entretanto, à primeira vista, dir-se-ia que sua marcha é menos rápida do que foi nos primeiros anos. Temos que deduzir que o abandonam? Que ele encontra menos simpatias? Não, mas simplesmente que o trabalho que ele realiza neste momento é diferente, e, por sua natureza, menos ostensivo.
Desde o começo, como já dissemos, o Espiritismo ligou a si todos os homens nos quais estas ideias estavam, de certo modo, no estado de intuição. Bastou-lhe apresentar-se para ser compreendido e aceito. Ele imediatamente colheu abundantemente por toda parte onde encontrou terreno preparado. Feita essa primeira colheita, restavam os terrenos sem cultura, que exigiram mais trabalho. É agora, através das opiniões refratárias, que ele deve abrir caminho, e é o período em que nos encontramos. Semelhante ao mineiro que retira sem esforço as primeiras camadas de terra solta, ele chegou à rocha que é preciso talhar e no seio da qual só pouco a pouco pode penetrar. Mas não há rocha, por mais dura que seja, que resista indefinidamente a uma ação dissolvente contínua. Sua marcha é, pois, ostensivamente menos rápida, mas se, num dado tempo, não reúne um tão grande número de adeptos francamente confessos, nem por isso deixa de abalar convicções contrárias, que caem, não de um golpe, mas pouco a pouco, até que a brecha esteja feita. É o trabalho a que assistimos, e que marca a fase atual do progresso da Doutrina.
Esta fase é caracterizada por sinais inequívocos. Examinando a situação, torna-se evidente que a ideia ganha terreno dia a dia, que aclimata-se; que encontra menos oposição; riem menos, e mesmo aqueles que ainda não a aceitam, começam a conceder-lhe foros de cidadania entre as opiniões. Os espíritas já não são apontados com o dedo, como outrora, e considerados como animais curiosos. É o que constatam sobretudo os que viajam. Por toda parte eles encontram mais simpatia ou menos antipatia pela coisa. Não podemos negar que não haja nisto um progresso real.
Para compreender as facilidades e as dificuldades que o Espiritismo encontra em seu caminho, é necessário observar a diversidade das opiniões através das quais ele deve abrir passagem. Jamais se impondo pela força ou pelo constrangimento, mas só pela convicção, ele encontrou uma resistência mais ou menos grande, conforme a natureza das convicções existentes, com as quais podia assimilar-se mais ou menos facilmente, dentre as quais umas o receberam de braços abertos, enquanto outras o rejeitam com obstinação.
Duas grandes correntes de ideias dividem a Sociedade atual: o Espiritualismo e o Materialismo. Embora este último constitua uma incontestável minoria, não podemos ignorar que ele teve uma grande expansão nos últimos anos. Um e outro se fracionam numa porção de nuanças que podemos resumir nas principais categorias seguintes:
1º ─ Os fanáticos de todos os cultos ─ 0.
2º ─ Os crentes satisfeitos, com convicções absolutas, fortemente limitados e sem restrições, embora sem fanatismo, sobre todos os pontos do culto que professam e com o qual estão satisfeitos. Esta categoria compreende também as seitas que, pelo fato de terem aberto cisão e operado reformas, se julgam de posse de toda a verdade, e por vezes são mais absolutas do que as religiões mães. ─ 0.
3º Os crentes ambiciosos, inimigos das ideias emancipadoras que lhes poderiam fazer perder o ascendente que exercem sobre a ignorância ─ 0.
4º ─ Os crentes pela forma, que por interesse simulam uma fé que não têm e quase sempre se mostram mais rígidos e mais intolerantes do que os religiosos sinceros ─ 0.
5º ─ Os materialistas por sistema, que se apoiam numa teoria racional, na qual muitos se obstinam contra a evidência, por orgulho, para não confessar que puderam enganar-se. Em sua maioria, são tão absolutos e intolerantes em sua incredulidade quanto os fanáticos religiosos em sua crença ─ 0.
6º ─ Os sensualistas, que repelem as doutrinas espiritualistas e espíritas por medo que elas venham perturbá-los em seus prazeres materiais. Eles fecham os olhos para não ver — 0.
7º ─ Os despreocupados, que vivem o dia a dia, sem se preocupar com o futuro. A maioria deles não saberia dizer se são espiritualistas ou materialistas. Para eles o presente é a única coisa séria ─ 0.
8º ─ Os panteístas, que não admitem uma divindade pessoal, mas um princípio espiritual universal, no qual se confundem as almas, como as gotas d’água no oceano, sem conservar sua individualidade. Esta opinião é um primeiro passo para a espiritualidade e, por consequência, um progresso sobre o materialismo. Embora um pouco menos refratários às ideias espíritas, os que a professam são, em geral, muito absolutos, porque neles é um sistema preconcebido e raciocinado, e muitos não se dizem panteístas senão para não se confessarem materialistas. É uma concessão que fazem às ideias espiritualistas para salvar as aparências ─ 1.
9º ─ Os deístas, que admitem a personalidade de um Deus único, criador e soberano senhor de todas as coisas, eterno e infinito em todas as suas perfeições, mas rejeitam qualquer culto exterior ─ 3.
10º ─ Os espiritualistas sem sistema, que não pertencem, por convicção, a nenhum culto, mas que não repudiam nenhum, e não têm qualquer ideia assentada sobre o futuro ─ 5.
11º ─ Os crentes progressistas, ligados a um culto determinado, mas que admitem o progresso na religião e a concordância das crenças com o progresso das ciências ─ 5.
12º ─ Os crentes não satisfeitos, nos quais a fé é indecisa ou nula sob os pontos de dogma que não satisfazem completamente à sua razão atormentada pela dúvida ─ 8.
13º ─ Os incrédulos por falta de coisa melhor, dos quais a maior parte passou da fé à incredulidade e à negação de tudo, por não terem encontrado nas crenças com que foram embalados uma sanção satisfatória para a sua razão, mas nos quais a incredulidade deixa um vazio penoso que eles ficariam felizes se fosse preenchido ─ 9.
14º ─ Os livres pensadores, nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade, que não se julgam ligados pelo culto em que o nascimento os colocou sem seu consentimento, nem obrigados à observação de quaisquer práticas religiosas. Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada. Ela pode ser aplicada a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade. Toda crença eclética pertence ao livre pensamento; todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. Sob este ponto de vista, os espíritas também são livres-pensadores.
Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita, e, por assim dizer, exclusiva; para eles, ser livre-pensador é não crer apenas no que vê, é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do medo de Deus e do futuro; a espiritualidade é um aborrecimento, e eles não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas; e, coisa singular, é que em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, eles jogam pedra em todos os que não pensam como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos. Eles se dividem naturalmente em: Livres-pensadores incrédulos, que entram na 5ª categoria ─ O. Livres pensadores crentes, que pertencem a todas as nuanças do espiritualismo racional ─ 9.
15º ─ Os espíritas por intuição, aqueles em quem as ideias espíritas são inatas e que as aceitam como uma coisa que não lhes é estranha ─ 10.
Tais são as camadas de terreno que o Espiritismo deve atravessar. Lançando um olhar sobre as diversas categorias acima, é fácil ver aquelas junto às quais ele encontra um acesso mais ou menos fácil e aquelas contra as quais ele se choca como a picareta contra o granito. Ele não triunfará destes senão com a ajuda dos novos elementos que a renovação trará à Humanidade: esta é a obra daquele que dirige tudo e que faz surgirem os acontecimentos de onde deve sair o progresso.
Os números colocados após cada categoria indicam aproximadamente a proporção do número de adeptos, sobre 10, que cada uma fornece ao Espiritismo.
Se admitirmos, em média, a igualdade numérica entre essas diferentes categorias, veremos que a parte refratária, por sua natureza, abarca mais ou menos a metade da população. Como ela possui a audácia e a força material, não se limita a uma resistência passiva: é essencialmente agressiva; daí uma luta inevitável e necessária. Mas esse estado de coisas está com os dias contados, porque o passado se vai e vem o futuro. Ora, o Espiritismo marcha com o futuro.
É, pois, na outra metade que o Espiritismo deve recrutar, e o campo a explorar é bastante vasto; é aí que ele deve concentrar seus esforços, e que verá seus limites contrairem. Entretanto, essa metade ainda está longe de ser-lhe inteiramente simpática, pois ele aí encontra resistências opiniáticas, mas não insuperáveis, como na primeira, da qual a maior parte é devida a prevenções que se apagam à medida que o objetivo e as tendências da Doutrina são melhor compreendidos, e desaparecerem com o tempo. Se nos podemos admirar de uma coisa, é que, malgrado a multiplicidade dos obstáculos que ele encontra, dos embustes que lhe apresentam, ele conseguiu chegar em poucos anos ao ponto em que hoje está.
Um outro progresso não menos evidente é o da atitude da oposição. À parte as violentas investidas lançadas de tempos em tempos por uma plêiade de escritores, sempre mais ou menos os mesmos, que só veem por toda parte motivos para risos, que ririam mesmo de Deus, e cujos argumentos se limitam a dizer que a Humanidade caminha para a demência, muito surpresos que o Espiritismo tenha avançado sem sua permissão, é muito raro ver a Doutrina envolvida numa polêmica séria e continuada. Em vez disto, como já enfatizamos em artigo precedente, as ideias espíritas invadem a imprensa, a literatura, a filosofia; delas se apropriam sem que elas se deem conta, e é por isto que vemos a cada instante surgirem nos jornais, nos livros, nos sermões, no teatro, pensamentos que se diriam bebidos na própria fonte do Espiritismo. Sem dúvida seus autores protestariam contra a qualificação de espíritas, mas nem por isso deixam de sofrer a influência das ideias que circulam e que parecem justas. É que os princípios sobre os quais repousa a doutrina são de tal modo racionais, que fermentam numa multidão de cérebros e vêm à luz malgrado seu; eles abrangem tantas questões que é, por assim dizer, impossível entrar na via da espiritualidade sem fazer Espiritismo involuntariamente. É um dos fatos mais característicos que marcaram o ano que acaba de passar.
Em vista disto, deve-se concluir que a luta está terminada? Não, por certo, e nós devemos, ao contrário, mais do que nunca, nos mantermos em guarda, porque teremos que enfrentar assaltos de um outro gênero, mas, esperando que as fileiras se reforcem e os passos à frente sejam também ganhos. Guardemo-nos de crer que certos adversários se deem por vencidos e de tomar o seu silêncio por uma adesão tácita, ou mesmo por neutralidade. Persuadamo-nos que certas pessoas jamais aceitarão o Espiritismo, nem aberta nem tacitamente, enquanto viverem, como há aquelas que jamais aceitarão certos regimes políticos. Todos os raciocínios para a ele conduzi-los serão impotentes, porque eles não o querem a nenhum preço; sua aversão pela Doutrina cresce em razão do desenvolvimento que ela toma.
Os ataques a céu aberto tornaram-se mais raros, porque reconheceram a sua inutilidade, mas eles não perdem a esperança de triunfar com o auxílio de manobras tenebrosas. Longe de dormirmos numa enganadora segurança, mais que nunca é preciso desconfiar dos falsos irmãos que se insinuam em todas as reuniões para espiar e em seguida travestir o que aí se diz e se faz; que semeiam sub-repticiamente elementos de desunião; que sob a aparência de um zelo fictício e por vezes interesseiro, procuram empurrar o Espiritismo para fora das vias da prudência, da moderação e da legalidade; que provocam em seu nome atos repreensíveis aos olhos da lei. Como não conseguiram ridicularizá-lo porque por em sua essência ele é uma coisa séria, seus esforços tendem a comprometê-lo, para torná-lo suspeito diante das autoridades e provocar medidas rigorosas contra ele e os seus adeptos. Desconfiemos, pois, dos beijos de judas e dos que querem abraçar-nos para nos sufocar.
É preciso imaginar que estamos em guerra e que os inimigos estão à nossa porta, prontos para aproveitar a ocasião favorável, e que manobram inteligências no lugar.
Que fazer nesta ocorrência? Uma coisa muito simples: fechar-se nos estritos limites dos preceitos da Doutrina; esforçar-se em mostrar o que ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse de natureza a desacreditá-lo, porque isto não seria adequado para o caso de adeptos sérios e convictos. Não basta dizer-se espírita; aquele que o é de coração prova-o por seus atos. Não pregando senão o bem, o respeito às leis, a caridade, a tolerância e a benevolência para todos; repudiando a Doutrina toda violência feita à consciência de outrem, todo charlatanismo, todo pensamento interesseiro no que concerne às relações com os Espíritos e todas as coisas contrárias à moral evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer nem em censuras fundadas nem em perseguições legais. Mais ainda, quem quer que tome a Doutrina como regra de conduta, não pode senão conquistar a estima e a consideração das pessoas imparciais. Diante do bem, a própria incredulidade trocista se inclina e a calúnia não pode conspurcar o que não tem mácula. É nessas condições que o Espiritismo atravessará as tempestades que serão amontoadas em sua rota e que sairá triunfante de todas as lutas.
O Espiritismo também não pode ser responsável pelas más atitudes daqueles a quem agrada se dizerem espíritas, da mesma forma que a religião não é responsável pelos atos repreensíveis dos que só têm a aparência da piedade. Antes, pois, de fazer cair a censura de tais atos sobre uma doutrina qualquer, seria preciso saber se ela contém alguma máxima, algum ensinamento que possa justificá-los ou mesmo desculpá-los. Se, ao contrário, ela os condena formalmente, é evidente que a falta é inteiramente pessoal e não pode ser imputada à doutrina. Mas é uma distinção que os adversários do Espiritismo não se dão ao trabalho de fazer. Ao contrário, eles se sentem muito felizes por encontrar uma ocasião de difamá-lo a torto e a direito, sem escrúpulo de lhe atribuir o que lhe não pertence, envenenando as coisas mais insignificantes antes de lhes buscar as causas atenuantes.
Há algum tempo as reuniões espíritas sofreram uma certa transformação. As reuniões íntimas e de família multiplicaram-se consideravelmente em Paris e nas principais cidades, em razão da própria facilidade que acharam em se formar, pelo aumento do número de médiuns e de adeptos. No princípio os médiuns eram raros; um bom médium era quase um fenômeno; era, pois, natural que se agrupassem em torno dele, mas à medida que essa faculdade se desenvolveu, os grandes centros se fracionaram, como enxames, numa porção de pequenos grupos particulares, que têm mais facilidade de se reunir, mais intimidade e mais homogeneidade em sua composição. Este resultado, consequência da própria força das coisas, estava previsto. Desde a origem assinalamos os escolhos que naturalmente deveriam encontrar as sociedades numerosas, necessariamente formadas de elementos heterogêneos, abrindo a porta às ambições e, por isto mesmo, expostas às intrigas, aos complôs, às manobras surdas da malevolência, da inveja e do ciúme, que não podem emanar de uma fonte espírita pura. Nas reuniões íntimas, sem caráter oficial, as pessoas são mais senhoras de si, conhecem-se melhor e recebem quem elas querem; ali o recolhimento é maior, e sabemos que os resultados são mais satisfatórios. Conhecemos bom número de reuniões deste gênero, cuja organização nada deixa a desejar. Há, pois, tudo a ganhar nessa transformação.
Além disso, o ano de 1866 viu se realizarem as previsões dos Espíritos sobre vários pontos interessantes da Doutrina, entre outros sobre a extensão e os novos caracteres que devia tomar a mediunidade, bem como sobre a produção de fenômenos de natureza a chamar a atenção sobre o princípio da espiritualidade, embora aparentemente estranhos ao Espiritismo. A mediunidade curadora revelou-se em plena luz, nas circunstâncias mais próprias a fazer sensação; está em germe em muitas outras pessoas. Em certos grupos manifestaram-se numerosos casos de sonambulismo espontâneo, de mediunidade falante, de segunda vista e de outras variedades da faculdade mediúnica que puderam fornecer úteis assuntos de estudo. Sem ser precisamente novas, essas faculdades ainda estão no nascedouro numa porção de indivíduos; elas só se mostram em casos isolados e, por assim dizer, ensaiam-se na intimidade, mas com o tempo adquirirão mais intensidade e vulgarizar-se-ão. É sobretudo quando se revelam espontaneamente em pessoas estranhas ao Espiritismo que elas chamam a atenção mais fortemente, porque não se pode supor conivência nem admitir a influência de ideias preconcebidas. Limitamo-nos a assinalar o fato, que cada um pode constatar, e cujo desenvolvimento necessitaria de detalhes muito extensos. Aliás, teremos ocasião de a ele voltar, em artigos especiais.
Em resumo, se nada de muito brilhante assinalou a marcha do Espiritismo nestes últimos tempos, podemos dizer que ela prossegue nas condições normais traçadas pelos Espíritos e que só temos que nos felicitar pelo estado das coisas.
Pensamentos espíritas que correm o mundo
Em nosso último número mencionamos alguns dos pensamentos que se encontram aqui e ali, na imprensa, e que o Espiritismo pode reivindicar como partes integrantes da Doutrina. Continuaremos a falar, de tempos em tempos, daqueles que vierem ao nosso conhecimento. Essas citações têm o seu lado útil e instrutivo, pois provam a vulgarização das ideias espíritas.
Na revista hebdomadária do Siècle de 2 de dezembro, o Sr. E. Texier, referindo-se a uma nova obra do Sr. P.-J. Stahl intitulada Bonnes fortunes parisiennes, assim se exprime:
“O que distingue essas Bonnes fortunes parisiennes é a delicadeza que toca a pintura do sentimento, é o bom perfume do livro que se respira como uma brisa. Raramente tinham tratado deste assunto tão vasto, tão explorado, tão rebatido e sempre novo, o amor, com mais ciência verdadeira, mais observação sentida, mais tacto e leveza de mão. Disseram que, numa existência anterior, Balzac deveria ter sido mulher; poder-se-ia dizer também que Stahl tinha sido uma jovem. Todos os pequenos segredos do coração que se abre ao contato do primeiro arroubo, ele os capta e os fixa até nos seus mais finos detalhes. Ele fez melhor do que estudar as suas heroínas: dir-se-ia que ressentiu todas as suas impressões, todos os seus frêmitos, todos os esses lindos choques ─ alegria ou dor ─ que se sucedem na alma feminina e a enchem aos primeiros botões da floração de abril.”
Não é a primeira vez que a ideia das existências anteriores é expressa fora do Espiritismo. O autor do artigo outrora não poupou sarcasmos à nova crença, a propósito dos irmãos Davenport, nos quais, como a maioria de seus confrades jornalistas, ele acreditou e talvez ainda acredite encarnada a Doutrina. Escrevendo estas linhas, ele certamente não suspeitava que formulava um dos seus mais importantes princípios. Se o fez seriamente ou não, pouco importa! A coisa não deixa de provar que os próprios incrédulos encontram na pluralidade das existências, ainda que só admitida a título de hipótese, a explicação das aptidões inatas da existência atual. Esse pensamento, lançado a milhões de leitores pelo vento da publicidade, se populariza, infiltra-se nas crenças; a gente a ele se habitua; cada um aí procura a razão de ser de uma porção de coisas incompreendidas, de suas próprias tendências: aqui gracejando, ali seriamente; a mãe cujo filho é um tanto precoce sorri complacente à ideia de que ele pode ter sido homem de gênio. Em nosso século racionalista, queremos saber de tudo; repugna à maioria ver nas boas e nas más qualidades trazidas ao nascer, um jogo do acaso ou um capricho da divindade; a pluralidade das existências resolve a questão mostrando que as existências se encadeiam e se completam uma pelas outras. De dedução em dedução chega-se a encontrar, neste princípio fecundo, a chave de todos os mistérios, de todas as anomalias aparentes da vida moral e material, das desigualdades sociais, dos bens e dos males daqui de baixo; enfim o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que é feliz ou infeliz e o que deve fazer para assegurar sua felicidade futura.
Se acham racional admitir que já vivemos na Terra, não é menos racional que possamos aqui reviver ainda. Como é evidente que não é o corpo que revive, só pode ser a alma; esta conservou, pois, a sua individualidade; ela não se confundiu no todo universal; para conservar suas aptidões, é preciso que tenha ficado ela mesma. O princípio da pluralidade das existências, tão somente ele é, como se vê, a negação do materialismo e do panteísmo.
Para que a alma possa realizar uma série de existências sucessivas no mesmo meio, é preciso que ela não se perca nas profundezas do infinito; ela deve ficar na esfera de atividade terrestre. Eis, pois, o mundo espiritual que nos cerca, em meio do qual vivemos, no qual se derrama a Humanidade corporal, como ele mesmo se derrama nesta. Ora, chamai essas almas de Espíritos e ei-nos em pleno Espiritismo.
Se Balzac pode ter sido mulher e Stahl uma mocinha, então as mulheres podem encarnar-se como homens e, por consequência, os homens encarnar-se como mulheres. Não há, pois, entre os dois sexos senão uma diferença material, acidental e temporária, uma diferença de vestimenta carnal; mas quanto à natureza essencial do ser, ela é a mesma. Ora, da igualdade de natureza e de origem, a lógica conclui pela igualdade dos direitos sociais. Vê-se a que consequência conduz apenas o princípio da pluralidade das existências. O Sr. Texier provavelmente não crê ter dito tanto nas poucas linhas citadas.
Mas talvez digam que o Espiritismo admite a presença das almas em meio a nós e suas relações com os vivos, e eis onde está o absurdo. Sobre este ponto escutemos o Sr. Pe. V..., novo cura de São Vicente de Paulo. No discurso que ele pronunciou domingo, 25 de novembro último, por ocasião da instalação da sua paróquia, fazendo o elogio do patrono, ele disse: “O Espírito de São Vicente de Paulo está aqui, eu o afirmo, meus irmãos; sim, ele está em meio a nós; ele plana sobre esta assembleia; ele nos vê e nos ouve; eu o sinto perto de mim, inspirando-me.” Que mais teria dito um espírita? Se o Espírito de São Vicente de Paulo está na assembleia, como é ele para aí atraído senão pelo pensamento simpático dos assistentes? É o que diz o Espiritismo. Se ele aí está, outros Espíritos também aí podem encontrar-se. Eis o mundo espiritual que nos rodeia. Se o senhor cura sofre a sua influência, pode sofrer a de outros Espíritos, como outras pessoas. Há, pois, relações entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Se ele fala sob a inspiração desse Espírito, então é médium falante; mas se fala, também pode escrever sob essa mesma inspiração, e sem dúvida o fez mais de uma vez sem o suspeitar. Ei-lo, então, médium escrevente inspirado, intuitivo. Entretanto, se lhe dissessem que havia pregado o Espiritismo, provavelmente defender-se-ia com todas as forças.
Mas sob que aparência o Espírito de São Vicente de Paulo poderia estar nessa assembleia? Se o senhor cura não o diz, di-lo São Paulo: é com o corpo espiritual ou fluídico, o corpo incorruptível que reveste a alma após a morte, ao qual o Espiritismo dá o nome de perispírito.
O perispírito, um dos elementos constitutivos do organismo humano, constatado pelo Espiritismo, tinha sido suspeitado há muito tempo. É impossível ser mais explícito a este respeito que o Sr. Charpignon, na sua obra sobre o magnetismo, publicada em 1842[1]. Com efeito, lê-se no Cap. II, página 355:
“As considerações psicológicas a que acabamos de nos entregar tiveram como resultado fixar-nos na necessidade de admitir, na composição da individualidade humana, uma verdadeira trindade, e achar neste composto ternário um elemento de uma natureza essencialmente diferente das duas outras partes, elemento perceptível, antes por suas faculdades fenomênicas do que por suas propriedades constitutivas, porque a natureza de um ser espiritual escapa aos nossos meios de investigação. O homem é, pois, um ser misto, um organismo de composição dupla, a saber: combinação de átomos formando os órgãos, e um elemento de natureza material, mas indecomponível, dinâmica por essência, numa palavra, um fluido imponderável. Isto quanto à parte material. Agora, como elemento característico da espécie hominal, é um ser simples, inteligente, livre e voluntário, que os psicólogos chamam de alma...”
Estas citações e as reflexões que as acompanham têm por fim mostrar que a opinião está menos afastada das ideias espíritas do que se poderia crer, e que a força das coisas e a irresistível lógica dos fatos a isto conduzem por uma inclinação muito natural. Não é, pois, uma vã presunção dizer que o futuro é nosso.
[1] Physiologie, medecine et métaphysique du magnetisme, por Charpignon! Vol. In-8, Rua de l´École-deMédecine, 17 - Paris. Preço: 6 francos.
Na revista hebdomadária do Siècle de 2 de dezembro, o Sr. E. Texier, referindo-se a uma nova obra do Sr. P.-J. Stahl intitulada Bonnes fortunes parisiennes, assim se exprime:
“O que distingue essas Bonnes fortunes parisiennes é a delicadeza que toca a pintura do sentimento, é o bom perfume do livro que se respira como uma brisa. Raramente tinham tratado deste assunto tão vasto, tão explorado, tão rebatido e sempre novo, o amor, com mais ciência verdadeira, mais observação sentida, mais tacto e leveza de mão. Disseram que, numa existência anterior, Balzac deveria ter sido mulher; poder-se-ia dizer também que Stahl tinha sido uma jovem. Todos os pequenos segredos do coração que se abre ao contato do primeiro arroubo, ele os capta e os fixa até nos seus mais finos detalhes. Ele fez melhor do que estudar as suas heroínas: dir-se-ia que ressentiu todas as suas impressões, todos os seus frêmitos, todos os esses lindos choques ─ alegria ou dor ─ que se sucedem na alma feminina e a enchem aos primeiros botões da floração de abril.”
Não é a primeira vez que a ideia das existências anteriores é expressa fora do Espiritismo. O autor do artigo outrora não poupou sarcasmos à nova crença, a propósito dos irmãos Davenport, nos quais, como a maioria de seus confrades jornalistas, ele acreditou e talvez ainda acredite encarnada a Doutrina. Escrevendo estas linhas, ele certamente não suspeitava que formulava um dos seus mais importantes princípios. Se o fez seriamente ou não, pouco importa! A coisa não deixa de provar que os próprios incrédulos encontram na pluralidade das existências, ainda que só admitida a título de hipótese, a explicação das aptidões inatas da existência atual. Esse pensamento, lançado a milhões de leitores pelo vento da publicidade, se populariza, infiltra-se nas crenças; a gente a ele se habitua; cada um aí procura a razão de ser de uma porção de coisas incompreendidas, de suas próprias tendências: aqui gracejando, ali seriamente; a mãe cujo filho é um tanto precoce sorri complacente à ideia de que ele pode ter sido homem de gênio. Em nosso século racionalista, queremos saber de tudo; repugna à maioria ver nas boas e nas más qualidades trazidas ao nascer, um jogo do acaso ou um capricho da divindade; a pluralidade das existências resolve a questão mostrando que as existências se encadeiam e se completam uma pelas outras. De dedução em dedução chega-se a encontrar, neste princípio fecundo, a chave de todos os mistérios, de todas as anomalias aparentes da vida moral e material, das desigualdades sociais, dos bens e dos males daqui de baixo; enfim o homem sabe de onde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que é feliz ou infeliz e o que deve fazer para assegurar sua felicidade futura.
Se acham racional admitir que já vivemos na Terra, não é menos racional que possamos aqui reviver ainda. Como é evidente que não é o corpo que revive, só pode ser a alma; esta conservou, pois, a sua individualidade; ela não se confundiu no todo universal; para conservar suas aptidões, é preciso que tenha ficado ela mesma. O princípio da pluralidade das existências, tão somente ele é, como se vê, a negação do materialismo e do panteísmo.
Para que a alma possa realizar uma série de existências sucessivas no mesmo meio, é preciso que ela não se perca nas profundezas do infinito; ela deve ficar na esfera de atividade terrestre. Eis, pois, o mundo espiritual que nos cerca, em meio do qual vivemos, no qual se derrama a Humanidade corporal, como ele mesmo se derrama nesta. Ora, chamai essas almas de Espíritos e ei-nos em pleno Espiritismo.
Se Balzac pode ter sido mulher e Stahl uma mocinha, então as mulheres podem encarnar-se como homens e, por consequência, os homens encarnar-se como mulheres. Não há, pois, entre os dois sexos senão uma diferença material, acidental e temporária, uma diferença de vestimenta carnal; mas quanto à natureza essencial do ser, ela é a mesma. Ora, da igualdade de natureza e de origem, a lógica conclui pela igualdade dos direitos sociais. Vê-se a que consequência conduz apenas o princípio da pluralidade das existências. O Sr. Texier provavelmente não crê ter dito tanto nas poucas linhas citadas.
Mas talvez digam que o Espiritismo admite a presença das almas em meio a nós e suas relações com os vivos, e eis onde está o absurdo. Sobre este ponto escutemos o Sr. Pe. V..., novo cura de São Vicente de Paulo. No discurso que ele pronunciou domingo, 25 de novembro último, por ocasião da instalação da sua paróquia, fazendo o elogio do patrono, ele disse: “O Espírito de São Vicente de Paulo está aqui, eu o afirmo, meus irmãos; sim, ele está em meio a nós; ele plana sobre esta assembleia; ele nos vê e nos ouve; eu o sinto perto de mim, inspirando-me.” Que mais teria dito um espírita? Se o Espírito de São Vicente de Paulo está na assembleia, como é ele para aí atraído senão pelo pensamento simpático dos assistentes? É o que diz o Espiritismo. Se ele aí está, outros Espíritos também aí podem encontrar-se. Eis o mundo espiritual que nos rodeia. Se o senhor cura sofre a sua influência, pode sofrer a de outros Espíritos, como outras pessoas. Há, pois, relações entre o mundo espiritual e o mundo corporal. Se ele fala sob a inspiração desse Espírito, então é médium falante; mas se fala, também pode escrever sob essa mesma inspiração, e sem dúvida o fez mais de uma vez sem o suspeitar. Ei-lo, então, médium escrevente inspirado, intuitivo. Entretanto, se lhe dissessem que havia pregado o Espiritismo, provavelmente defender-se-ia com todas as forças.
Mas sob que aparência o Espírito de São Vicente de Paulo poderia estar nessa assembleia? Se o senhor cura não o diz, di-lo São Paulo: é com o corpo espiritual ou fluídico, o corpo incorruptível que reveste a alma após a morte, ao qual o Espiritismo dá o nome de perispírito.
O perispírito, um dos elementos constitutivos do organismo humano, constatado pelo Espiritismo, tinha sido suspeitado há muito tempo. É impossível ser mais explícito a este respeito que o Sr. Charpignon, na sua obra sobre o magnetismo, publicada em 1842[1]. Com efeito, lê-se no Cap. II, página 355:
“As considerações psicológicas a que acabamos de nos entregar tiveram como resultado fixar-nos na necessidade de admitir, na composição da individualidade humana, uma verdadeira trindade, e achar neste composto ternário um elemento de uma natureza essencialmente diferente das duas outras partes, elemento perceptível, antes por suas faculdades fenomênicas do que por suas propriedades constitutivas, porque a natureza de um ser espiritual escapa aos nossos meios de investigação. O homem é, pois, um ser misto, um organismo de composição dupla, a saber: combinação de átomos formando os órgãos, e um elemento de natureza material, mas indecomponível, dinâmica por essência, numa palavra, um fluido imponderável. Isto quanto à parte material. Agora, como elemento característico da espécie hominal, é um ser simples, inteligente, livre e voluntário, que os psicólogos chamam de alma...”
Estas citações e as reflexões que as acompanham têm por fim mostrar que a opinião está menos afastada das ideias espíritas do que se poderia crer, e que a força das coisas e a irresistível lógica dos fatos a isto conduzem por uma inclinação muito natural. Não é, pois, uma vã presunção dizer que o futuro é nosso.
[1] Physiologie, medecine et métaphysique du magnetisme, por Charpignon! Vol. In-8, Rua de l´École-deMédecine, 17 - Paris. Preço: 6 francos.
Os romances espíritas
L'Assassinat Du Pont-Rouge, por Ch. Barbara
O romance pode ser uma maneira de exprimir pensamentos espíritas sem se comprometer, porque o autor temeroso pode sempre responder à crítica trocista que apenas pretendeu fazer uma obra de fantasia, o que é certo para a maioria. Ora, à fantasia tudo é permitido. Mas, fantasia ou não, não deixa de ser uma das formas graças à qual a ideia espírita pode penetrar nos meios onde não seria aceita sob uma forma séria.
O Espiritismo ainda é muito pouco, ou melhor, muito mal conhecido pela literatura, para ter fornecido assunto a muitas obras deste gênero. A principal, como se sabe, é a que Théophile Gautier publicou sob o nome de Spirite, e ainda se pode censurar o autor por se haver afastado, em vários pontos, da ideia verdadeira.
Uma outra obra de que igualmente falamos, e que sem ter sido feita especialmente em vista do Espiritismo a ele se liga de certo modo, é a do Sr. Elie Berthet, publicada em folhetim no Siècle, em setembro e outubro de 1865, sob o título de La double vue[1]. Aqui o autor dá provas de um conhecimento aprofundado dos fenômenos de que fala, e o seu livro junta a este mérito, o do estilo e de um interesse contínuo. Ele é, ao mesmo tempo, moral e instrutivo.
O Espiritismo ainda é muito pouco, ou melhor, muito mal conhecido pela literatura, para ter fornecido assunto a muitas obras deste gênero. A principal, como se sabe, é a que Théophile Gautier publicou sob o nome de Spirite, e ainda se pode censurar o autor por se haver afastado, em vários pontos, da ideia verdadeira.
Uma outra obra de que igualmente falamos, e que sem ter sido feita especialmente em vista do Espiritismo a ele se liga de certo modo, é a do Sr. Elie Berthet, publicada em folhetim no Siècle, em setembro e outubro de 1865, sob o título de La double vue[1]. Aqui o autor dá provas de um conhecimento aprofundado dos fenômenos de que fala, e o seu livro junta a este mérito, o do estilo e de um interesse contínuo. Ele é, ao mesmo tempo, moral e instrutivo.
La seconde vie[2] de X.-B. SAINTINE, publicada em folhetim no grande Moniteur, em fevereiro de 1864, é uma série de novelas que não têm nem o fantástico impossível nem o caráter lúgubre dos contos de Edgard Poe, mas a doce e graciosa simplicidade das cenas íntimas entre os habitantes deste mundo e os do outro, nos quais o Sr. Saintine acreditava firmemente. Embora sejam histórias de fantasia, elas em geral pouco se afastam dos fenômenos dos quais muitas pessoas puderam ser testemunhas. Ademais, sabemos que em vida o autor, que conhecemos pessoalmente, não era incrédulo nem materialista. As ideias espíritas lhe eram simpáticas, e o que escrevia era reflexo de seu próprio pensamento.
Séraphita, de Balzac, é um romance filosófico baseado na doutrina de Swedenborg. Em Consuelo e na Comtesse de Rudolfstadt, da Sra. George Sand, o princípio da reencarnação representa papel capital. O Drag, da mesma autora, é uma comédia representada há alguns anos no Vaudeville, cujo enredo é inteiramente espírita. É fundamentada numa crença popular entre os marinheiros da Provence. Drag é um Espírito brincalhão, mais levado do que mau, que se diverte em pregar peças. Ele é visto sob a figura de um jovem que exerce sua influência para constranger um indivíduo a escrever contra sua própria vontade. A imprensa, de ordinário tão benevolente com essa escritora, mostrou-se severa a respeito dessa peça, que merecia melhor acolhimento.
A França não tem o monopólio exclusivo deste gênero de produções. O Progrès Colonial, da ilha Maurício, publicou em 1865, sob o título de Histoires de l’autre monde, racontées par des Esprits[3], um romance que não ocupou menos de vinte e oito folhetins, cuja intriga era toda feita pelo Espiritismo, e no qual o autor, Sr. de Germonville, deu provas de perfeito conhecimento do assunto.
Nalguns outros romances, a ideia espírita apenas fornece o tema de episódios. O Sr. Aurélien Scholl, nos seus Nouveaux Mystères de Paris[4], publicados pelo Petit Journal, faz intervir um magnetizador que interroga uma mesa pela tiptologia, depois é posta em sonambulismo uma moça cujas revelações deixam alguns assistentes em dificuldades. A cena é bem apresentada e perfeitamente verossímil (Petit Journal, 23 de outubro de 1866).
A reencarnação é uma das ideias mais fecundas para os romancistas, e que pode oferecer efeitos empolgantes pelo fato de em nada se afastar das possibilidades da vida material. O Sr. Charles Barbara, jovem escritor falecido há alguns meses numa casa de saúde, dela fez aplicações das mais felizes em seu romance intitulado O Assassinato da Ponte Vermelha, que o Événement ultimamente reproduziu em folhetim.
Séraphita, de Balzac, é um romance filosófico baseado na doutrina de Swedenborg. Em Consuelo e na Comtesse de Rudolfstadt, da Sra. George Sand, o princípio da reencarnação representa papel capital. O Drag, da mesma autora, é uma comédia representada há alguns anos no Vaudeville, cujo enredo é inteiramente espírita. É fundamentada numa crença popular entre os marinheiros da Provence. Drag é um Espírito brincalhão, mais levado do que mau, que se diverte em pregar peças. Ele é visto sob a figura de um jovem que exerce sua influência para constranger um indivíduo a escrever contra sua própria vontade. A imprensa, de ordinário tão benevolente com essa escritora, mostrou-se severa a respeito dessa peça, que merecia melhor acolhimento.
A França não tem o monopólio exclusivo deste gênero de produções. O Progrès Colonial, da ilha Maurício, publicou em 1865, sob o título de Histoires de l’autre monde, racontées par des Esprits[3], um romance que não ocupou menos de vinte e oito folhetins, cuja intriga era toda feita pelo Espiritismo, e no qual o autor, Sr. de Germonville, deu provas de perfeito conhecimento do assunto.
Nalguns outros romances, a ideia espírita apenas fornece o tema de episódios. O Sr. Aurélien Scholl, nos seus Nouveaux Mystères de Paris[4], publicados pelo Petit Journal, faz intervir um magnetizador que interroga uma mesa pela tiptologia, depois é posta em sonambulismo uma moça cujas revelações deixam alguns assistentes em dificuldades. A cena é bem apresentada e perfeitamente verossímil (Petit Journal, 23 de outubro de 1866).
A reencarnação é uma das ideias mais fecundas para os romancistas, e que pode oferecer efeitos empolgantes pelo fato de em nada se afastar das possibilidades da vida material. O Sr. Charles Barbara, jovem escritor falecido há alguns meses numa casa de saúde, dela fez aplicações das mais felizes em seu romance intitulado O Assassinato da Ponte Vermelha, que o Événement ultimamente reproduziu em folhetim.
O protagonista é um agente de câmbio que se escondia no estrangeiro, levando a fortuna de seus clientes. Atraído por um indivíduo a uma casa miserável, sob pretexto de favorecer-lhe a fuga, ele ali é assassinado, despojado e depois atirado ao Sena, com o auxílio de uma mulher chamada Rosália, que morava com esse homem. O assassino agiu com tal prudência e soube tão bem tomar precauções, que todos os vestígios do crime desapareceram e toda suspeita de assassinato foi afastada. Pouco depois ele casou-se com sua cúmplice Rosália e ambos puderam, daí por diante, viver na abastança, sem temer qualquer perseguição, a não ser a do remorso, quando uma circunstância veio pôr termo às suas angústias. Eis como ele próprio a conta:
“Essa quietude foi perturbada desde os primeiros dias do nosso casamento. A não ser que houvesse intervenção direta de um poder oculto, temos que convir que o acaso aqui se mostrou estranhamente inteligente. Por maravilhoso que pareça o fato, não pensareis em pô-lo em dúvida, tanto mais porque dele tendes a prova viva em meu filho. Aliás, muitas pessoas não deixarão de aí ver um fato puramente físico e fisiológico e de o explicar racionalmente. Seja como for, de repente notei os traços de tristeza no rosto de Rosália. Perguntei-lhe a razão. Ela fugiu à resposta.
“A partir do dia seguinte, sua melancolia crescia, e eu convidei-a a me tirar a inquietação. Ela acabou me confessando uma coisa que não deixou de me comover no mais alto grau. Na primeira noite de nossas núpcias, em meu lugar, embora estivéssemos no escuro, ela tinha visto, visto mesmo, pretendia ela, como eu vos vejo, o rosto pálido do agente de câmbio. Inutilmente ela havia esgotado suas forças em expulsar o que tomava a princípio por simples lembrança. O fantasma não saiu de seus olhos senão aos primeiros clarões da madrugada. Além disso, o que de certo era de natureza a justificar o seu pavor, a mesma visão a tinha perseguido com uma tenacidade análoga durante várias noites seguidas.
“Simulei um profundo desdém e tratei de convencê-la que ela simplesmente era vítima de uma alucinação. Compreendi, pela mágoa que dela se apoderou e se transformou insensivelmente nesse langor em que a vistes, que eu não tinha conseguido inculcar-lhe o meu sentimento. Uma gravidez penosa, agitada, equivalente a uma doença longa e dolorosa piorou ainda mais esse mal-estar de espírito; e se um parto feliz, cumulando-a de alegria, teve uma influência salutar sobre o seu moral, foi de curta duração. Além disso, vi-me forçado a privá-la da felicidade de ter o filho ao seu lado, porque, tendo em vista os meus recursos oficiais, uma ama morando em minha casa teria parecido uma despesa superior aos meus meios.
“Comovidos pelos sentimentos de figurar dignamente numa pastoral, nós íamos ver nosso filho de quinze em quinze dias. Rosália o amava até a paixão, e eu mesmo não estava longe de amá-lo com frenesi; porque, coisa singular, nas ruínas amontoadas em mim, só os instintos da paternidade ainda restavam de pé. Eu me abandonava a sonhos inefáveis; me prometia proporcionar uma educação sólida ao meu filho; prometia a mim mesmo preservá-lo, se possível, de meus vícios, de minhas faltas, de minhas torturas. Ele era minha consolação, minha esperança. “Quando digo eu, falo igualmente da pobre Rosália, que se sentia feliz à simples ideia de ver esse filho crescer ao seu lado. Quais não foram as nossas inquietações e ansiedades quando, à medida que o menino se desenvolvia, percebemos em seu rosto as linhas que lembravam o de uma pessoa que desejaríamos esquecer para sempre. A princípio foi apenas uma dúvida, sobre a qual guardamos silêncio, mesmo quando estávamos um diante do outro. Depois a fisionomia do menino aproximou-se a tal ponto da de Thillard, que Rosália me falou com espanto, e que eu mesmo não pude ocultar senão em parte as minhas cruéis apreensões. Enfim, a semelhança nos pareceu tal, que nos pareceu realmente que o agente de câmbio tivesse renascido em nosso filho.
“Essa quietude foi perturbada desde os primeiros dias do nosso casamento. A não ser que houvesse intervenção direta de um poder oculto, temos que convir que o acaso aqui se mostrou estranhamente inteligente. Por maravilhoso que pareça o fato, não pensareis em pô-lo em dúvida, tanto mais porque dele tendes a prova viva em meu filho. Aliás, muitas pessoas não deixarão de aí ver um fato puramente físico e fisiológico e de o explicar racionalmente. Seja como for, de repente notei os traços de tristeza no rosto de Rosália. Perguntei-lhe a razão. Ela fugiu à resposta.
“A partir do dia seguinte, sua melancolia crescia, e eu convidei-a a me tirar a inquietação. Ela acabou me confessando uma coisa que não deixou de me comover no mais alto grau. Na primeira noite de nossas núpcias, em meu lugar, embora estivéssemos no escuro, ela tinha visto, visto mesmo, pretendia ela, como eu vos vejo, o rosto pálido do agente de câmbio. Inutilmente ela havia esgotado suas forças em expulsar o que tomava a princípio por simples lembrança. O fantasma não saiu de seus olhos senão aos primeiros clarões da madrugada. Além disso, o que de certo era de natureza a justificar o seu pavor, a mesma visão a tinha perseguido com uma tenacidade análoga durante várias noites seguidas.
“Simulei um profundo desdém e tratei de convencê-la que ela simplesmente era vítima de uma alucinação. Compreendi, pela mágoa que dela se apoderou e se transformou insensivelmente nesse langor em que a vistes, que eu não tinha conseguido inculcar-lhe o meu sentimento. Uma gravidez penosa, agitada, equivalente a uma doença longa e dolorosa piorou ainda mais esse mal-estar de espírito; e se um parto feliz, cumulando-a de alegria, teve uma influência salutar sobre o seu moral, foi de curta duração. Além disso, vi-me forçado a privá-la da felicidade de ter o filho ao seu lado, porque, tendo em vista os meus recursos oficiais, uma ama morando em minha casa teria parecido uma despesa superior aos meus meios.
“Comovidos pelos sentimentos de figurar dignamente numa pastoral, nós íamos ver nosso filho de quinze em quinze dias. Rosália o amava até a paixão, e eu mesmo não estava longe de amá-lo com frenesi; porque, coisa singular, nas ruínas amontoadas em mim, só os instintos da paternidade ainda restavam de pé. Eu me abandonava a sonhos inefáveis; me prometia proporcionar uma educação sólida ao meu filho; prometia a mim mesmo preservá-lo, se possível, de meus vícios, de minhas faltas, de minhas torturas. Ele era minha consolação, minha esperança. “Quando digo eu, falo igualmente da pobre Rosália, que se sentia feliz à simples ideia de ver esse filho crescer ao seu lado. Quais não foram as nossas inquietações e ansiedades quando, à medida que o menino se desenvolvia, percebemos em seu rosto as linhas que lembravam o de uma pessoa que desejaríamos esquecer para sempre. A princípio foi apenas uma dúvida, sobre a qual guardamos silêncio, mesmo quando estávamos um diante do outro. Depois a fisionomia do menino aproximou-se a tal ponto da de Thillard, que Rosália me falou com espanto, e que eu mesmo não pude ocultar senão em parte as minhas cruéis apreensões. Enfim, a semelhança nos pareceu tal, que nos pareceu realmente que o agente de câmbio tivesse renascido em nosso filho.
“O fenômeno teria destroçado um cérebro menos sólido que o meu. Ainda muito firme para ter medo, pretendi ficar insensível ao golpe dado em minha afeição paternal e fazer Rosália partilhar de minha indiferença. Sustentei que nisto havia apenas um acaso; acrescentei que nada havia de mais mutável que o rosto das crianças e que provavelmente a semelhança desapareceria com a idade. Finalmente, na pior das hipóteses, sempre nos seria fácil manter esta criança afastada. Falhei completamente. Ela se obstinou em ver na identidade dos dois rostos um fato providencial, o germe de um castigo horroroso, que mais cedo ou mais tarde devia esmagar-nos e, sob o império desta convicção, seu repouso ficou definitivamente destruído.
“Por outro lado, sem falar do menino, o que era a nossa vida? Vós mesmos pudestes ver a perturbação permanente, as agitações, os abalos a cada dia mais violentos. Quando todos os vestígios do meu crime tinham desaparecido, quando eu não tinha absolutamente mais nada a temer dos homens, quando a opinião a meu respeito se tinha tornado unanimemente favorável, em vez de uma segurança fundada na razão, eu sentia crescerem minhas inquietações, minhas angústias, meus terrores. Eu mesmo me inquietava com as fábulas mais absurdas; no gesto, na voz, no olhar do primeiro que chegasse eu via uma alusão ao meu crime.
“As alusões me mantiveram incessantemente no cavalete do carrasco. Lembraivos da noite em que o Sr. Durosoir detalhou uma de suas instruções. Dez anos de dores lancinantes que jamais equivalerão ao que senti no momento em que, saindo do quarto de Rosália, encontrei-me cara à cara com o juiz, que me fitava no rosto. Eu era de vidro; ele lia no fundo de meu peito. Por um instante entrevi o cadafalso. Lembrai-vos do ditado: “Em casa de enforcado não se fala em corda”, e vinte outros detalhes desse gênero. Era um suplício de todos os dias, de todas as horas, de todos os segundos. De qualquer maneira, uma devastação horrorosa acontecia no meu espírito.
“O estado de Rosália era muito mais doloroso: ela vivia literalmente em chamas. A presença do menino em casa acabou por tornar intolerável a permanência ali. Incessantemente, dia e noite, vivemos em meio às mais cruéis cenas. O menino me gelava de horror. Vinte vezes quase que o sufoquei. Além disso, Rosália, que se sentia morrer, que cria na vida futura, nos castigos, aspirava reconciliar-se com Deus. Eu a escarnecia, a insultava, ameaçava bater-lhe. Entrava em furores para assassiná-la. Ela morreu a tempo de me preservar de um segundo crime. Que agonia! Ela jamais me sairá da memória.
“Depois não mais vivi. Eu me tinha gabado de não ter consciência: esses remorsos cresceram ao meu lado, em carne e osso, sob a forma de meu filho. Esse menino, de quem, malgrado a imbecilidade, consinto em ser o guarda e o escravo, não cessa de me torturar por seu ar, seus olhares estranhos, pelo ódio instintivo que me vota. Não importa onde eu vá, ele me segue passo a passo, caminha ou se senta ao meu lado. À noite, após um dia de fadiga, sinto-o ao meu lado, e seu contacto basta para tirar-me o sono ou, pelo menos, perturbar-me com pesadelos. Temo que de repente a razão lhe venha, que sua língua se solte e que ele fale e me acuse.
“A Inquisição, com seu talento para as torturas, o próprio Dante, na sua Suppliciomanie, jamais imaginaram algo de tão espantoso. Isto me torna monomaníaco. Surpreendo-me desenhando a pena o quarto onde cometi o crime; escrevo em baixo esta legenda:
Neste quarto envenenei o agente de câmbio Thillard-Dacornet, e assino. Foi assim que nas minhas horas de febre detalhei em meu jornal mais ou menos palavra por palavra tudo o que vos contei.
“Não é tudo. Consegui subtrair-me ao suplício com que os homens castigam o assassino, e eis que este suplício se renova para mim quase todas as noites.
“Por outro lado, sem falar do menino, o que era a nossa vida? Vós mesmos pudestes ver a perturbação permanente, as agitações, os abalos a cada dia mais violentos. Quando todos os vestígios do meu crime tinham desaparecido, quando eu não tinha absolutamente mais nada a temer dos homens, quando a opinião a meu respeito se tinha tornado unanimemente favorável, em vez de uma segurança fundada na razão, eu sentia crescerem minhas inquietações, minhas angústias, meus terrores. Eu mesmo me inquietava com as fábulas mais absurdas; no gesto, na voz, no olhar do primeiro que chegasse eu via uma alusão ao meu crime.
“As alusões me mantiveram incessantemente no cavalete do carrasco. Lembraivos da noite em que o Sr. Durosoir detalhou uma de suas instruções. Dez anos de dores lancinantes que jamais equivalerão ao que senti no momento em que, saindo do quarto de Rosália, encontrei-me cara à cara com o juiz, que me fitava no rosto. Eu era de vidro; ele lia no fundo de meu peito. Por um instante entrevi o cadafalso. Lembrai-vos do ditado: “Em casa de enforcado não se fala em corda”, e vinte outros detalhes desse gênero. Era um suplício de todos os dias, de todas as horas, de todos os segundos. De qualquer maneira, uma devastação horrorosa acontecia no meu espírito.
“O estado de Rosália era muito mais doloroso: ela vivia literalmente em chamas. A presença do menino em casa acabou por tornar intolerável a permanência ali. Incessantemente, dia e noite, vivemos em meio às mais cruéis cenas. O menino me gelava de horror. Vinte vezes quase que o sufoquei. Além disso, Rosália, que se sentia morrer, que cria na vida futura, nos castigos, aspirava reconciliar-se com Deus. Eu a escarnecia, a insultava, ameaçava bater-lhe. Entrava em furores para assassiná-la. Ela morreu a tempo de me preservar de um segundo crime. Que agonia! Ela jamais me sairá da memória.
“Depois não mais vivi. Eu me tinha gabado de não ter consciência: esses remorsos cresceram ao meu lado, em carne e osso, sob a forma de meu filho. Esse menino, de quem, malgrado a imbecilidade, consinto em ser o guarda e o escravo, não cessa de me torturar por seu ar, seus olhares estranhos, pelo ódio instintivo que me vota. Não importa onde eu vá, ele me segue passo a passo, caminha ou se senta ao meu lado. À noite, após um dia de fadiga, sinto-o ao meu lado, e seu contacto basta para tirar-me o sono ou, pelo menos, perturbar-me com pesadelos. Temo que de repente a razão lhe venha, que sua língua se solte e que ele fale e me acuse.
“A Inquisição, com seu talento para as torturas, o próprio Dante, na sua Suppliciomanie, jamais imaginaram algo de tão espantoso. Isto me torna monomaníaco. Surpreendo-me desenhando a pena o quarto onde cometi o crime; escrevo em baixo esta legenda:
Neste quarto envenenei o agente de câmbio Thillard-Dacornet, e assino. Foi assim que nas minhas horas de febre detalhei em meu jornal mais ou menos palavra por palavra tudo o que vos contei.
“Não é tudo. Consegui subtrair-me ao suplício com que os homens castigam o assassino, e eis que este suplício se renova para mim quase todas as noites.
“Sinto uma mão em minha espádua e ouço uma voz que me murmura ao ouvido: “Assassino!” Sou levado diante das túnicas vermelhas; um rosto pálido se ergue à minha frente e exclama: “Ei-lo!” É o meu filho. Eu nego. Meu desenho e minhas próprias memórias me são apresentados com minha assinatura. Como vedes, a realidade se mistura ao sonho e aumenta o meu espanto. Assisto, enfim, a todas as peripécias de um processo criminal. Ouço a minha condenação: “Sim, é culpado.” Conduzem-me a uma sala escura, onde os ajudantes vêm juntar-se ao carrasco. Quero fugir, ferros me detém e uma voz me grita: “Não há mais misericórdia para ti!”Experimento até a sensação do frio das lâminas no pescoço.
“Um sacerdote ora ao meu lado e por vezes convida-me ao arrependimento. Eu o repilo com mil blasfêmias. Semimorto, sou sacudido pelos movimentos de uma charrete no pavimento da cidade; ouço os murmúrios da multidão, comparáveis aos das vagas do mar e, no alto, imprecações de mil vozes. Chego à vista do cadafalso. Subo os degraus. Desperto exatamente no momento em que a lâmina desliza entre as ranhuras, quando, entretanto, meu sonho não continua, quando não sou arrastado à presença daquele que eu quis negar, do próprio Deus, para aí ter os olhos queimados pela luz, para mergulhar no abismo de minhas iniquidades, para aí ser supliciado pelo sentimento de minha própria infâmia. Sufoco, o suor me inunda, o horror enche-me a alma. Não sei mais quantas vezes já sofri este suplício.”
A ideia de fazer reviver a vítima no próprio filho do assassino e que aí está como a imagem viva de seu crime, ligada aos seus passos, é ao mesmo tempo engenhosa e muito moral. O autor quis mostrar que se o criminoso sabe escapar às perseguições dos homens, não poderia subtrair-se às da Providência. Há aqui mais que remorso: é a vítima que se ergue sem cessar à sua frente, não sob a aparência de um fantasma ou de uma aparição que poderia ser considerada como efeito da imaginação ferida, mas sob os traços de seu filho; é o pensamento que essa criança pode ser a própria vítima, pensamento corroborado pela instintiva aversão ao menino, embora idiota, por seu pai; é a luta da ternura paterna contra esse pensamento que o tortura, luta horrível que não permite ao culpado gozar pacificamente o fruto de seu crime, como ele havia imaginado.
O quadro tem o mérito de ser verdadeiro, ou melhor, perfeitamente verossímil, isto é, nada se afasta das leis naturais que, como hoje sabemos, regem as relações dos seres humanos entre si. Aqui nada de fantástico nem de maravilhoso; tudo é possível e justificado pelos numerosos exemplos que temos de indivíduos renascendo no meio onde já viveram, em contato com os mesmos indivíduos, para ter ocasião de reparar os erros ou cumprir deveres de reconhecimento.
Admiremos aqui a sabedoria da Providência que lança, durante a vida, um véu sobre o passado, sem o qual os ódios se perpetuariam, ao passo que acabam por se apaziguar nesse novo contacto e sob o império dos bons procedimentos recíprocos.
É assim que, pouco a pouco, o sentimento da fraternidade acaba substituindo o da hostilidade. No caso de que se trata, se o assassino tivesse tido uma certeza absoluta sobre a identidade de seu filho, teria podido buscar a segurança num novo crime. A dúvida o deixava em luta com a voz da Natureza que nele falava pela da paternidade; mas a dúvida era um suplício cruel, uma ansiedade perpétua, pelo medo que essa fatal semelhança levasse à descoberta do crime.
Por outro lado, o agente de câmbio, ele próprio culpado, tinha, senão como encarnado, mas como Espírito, a consciência de sua posição. Se ele servia de instrumento para o castigo de seu assassino, sua posição era um suplício também para ele. Assim, esses dois indivíduos, ambos culpados, se castigavam reciprocamente, detidos em seus ressentimentos mútuos pelos deveres impostos pela Natureza. Essa justiça distributiva que castiga por meios naturais, pela consequência da própria falta, mas que sempre deixa a porta aberta ao arrependimento e à reabilitação, que coloca o culpado no caminho da reparação, não é mais digna da bondade de Deus que a condenação irremissível às chamas eternas? Porque o Espiritismo repele a ideia do inferno tal qual o representam, pode dizer-se que tire todo freio às más paixões? Compreendemos esse gênero de punição e o aceitamos porque é lógico; ele impressiona tanto mais quanto o sentimos equitativo e possível. Esta crença é um freio muito mais poderoso do que a perspectiva de um inferno em que não creem, e do qual riem.
Eis um exemplo real da influência desta doutrina, para um caso que, embora menos grave, não prova menos o poder de sua ação.
“Um sacerdote ora ao meu lado e por vezes convida-me ao arrependimento. Eu o repilo com mil blasfêmias. Semimorto, sou sacudido pelos movimentos de uma charrete no pavimento da cidade; ouço os murmúrios da multidão, comparáveis aos das vagas do mar e, no alto, imprecações de mil vozes. Chego à vista do cadafalso. Subo os degraus. Desperto exatamente no momento em que a lâmina desliza entre as ranhuras, quando, entretanto, meu sonho não continua, quando não sou arrastado à presença daquele que eu quis negar, do próprio Deus, para aí ter os olhos queimados pela luz, para mergulhar no abismo de minhas iniquidades, para aí ser supliciado pelo sentimento de minha própria infâmia. Sufoco, o suor me inunda, o horror enche-me a alma. Não sei mais quantas vezes já sofri este suplício.”
A ideia de fazer reviver a vítima no próprio filho do assassino e que aí está como a imagem viva de seu crime, ligada aos seus passos, é ao mesmo tempo engenhosa e muito moral. O autor quis mostrar que se o criminoso sabe escapar às perseguições dos homens, não poderia subtrair-se às da Providência. Há aqui mais que remorso: é a vítima que se ergue sem cessar à sua frente, não sob a aparência de um fantasma ou de uma aparição que poderia ser considerada como efeito da imaginação ferida, mas sob os traços de seu filho; é o pensamento que essa criança pode ser a própria vítima, pensamento corroborado pela instintiva aversão ao menino, embora idiota, por seu pai; é a luta da ternura paterna contra esse pensamento que o tortura, luta horrível que não permite ao culpado gozar pacificamente o fruto de seu crime, como ele havia imaginado.
O quadro tem o mérito de ser verdadeiro, ou melhor, perfeitamente verossímil, isto é, nada se afasta das leis naturais que, como hoje sabemos, regem as relações dos seres humanos entre si. Aqui nada de fantástico nem de maravilhoso; tudo é possível e justificado pelos numerosos exemplos que temos de indivíduos renascendo no meio onde já viveram, em contato com os mesmos indivíduos, para ter ocasião de reparar os erros ou cumprir deveres de reconhecimento.
Admiremos aqui a sabedoria da Providência que lança, durante a vida, um véu sobre o passado, sem o qual os ódios se perpetuariam, ao passo que acabam por se apaziguar nesse novo contacto e sob o império dos bons procedimentos recíprocos.
É assim que, pouco a pouco, o sentimento da fraternidade acaba substituindo o da hostilidade. No caso de que se trata, se o assassino tivesse tido uma certeza absoluta sobre a identidade de seu filho, teria podido buscar a segurança num novo crime. A dúvida o deixava em luta com a voz da Natureza que nele falava pela da paternidade; mas a dúvida era um suplício cruel, uma ansiedade perpétua, pelo medo que essa fatal semelhança levasse à descoberta do crime.
Por outro lado, o agente de câmbio, ele próprio culpado, tinha, senão como encarnado, mas como Espírito, a consciência de sua posição. Se ele servia de instrumento para o castigo de seu assassino, sua posição era um suplício também para ele. Assim, esses dois indivíduos, ambos culpados, se castigavam reciprocamente, detidos em seus ressentimentos mútuos pelos deveres impostos pela Natureza. Essa justiça distributiva que castiga por meios naturais, pela consequência da própria falta, mas que sempre deixa a porta aberta ao arrependimento e à reabilitação, que coloca o culpado no caminho da reparação, não é mais digna da bondade de Deus que a condenação irremissível às chamas eternas? Porque o Espiritismo repele a ideia do inferno tal qual o representam, pode dizer-se que tire todo freio às más paixões? Compreendemos esse gênero de punição e o aceitamos porque é lógico; ele impressiona tanto mais quanto o sentimos equitativo e possível. Esta crença é um freio muito mais poderoso do que a perspectiva de um inferno em que não creem, e do qual riem.
Eis um exemplo real da influência desta doutrina, para um caso que, embora menos grave, não prova menos o poder de sua ação.
Um senhor de nosso conhecimento pessoal, espírita fervoroso e esclarecido, vive com um parente muito próximo, que diversos indícios, com todas as características de probabilidade, lhe fazem crer tenha sido seu pai. Ora, esse parente nem sempre age para com ele como deveria. Sem esse pensamento, aquele senhor, em muitas circunstâncias, em questões de interesse, teria usado de um rigor que estava em seu direito e provocado uma ruptura. No entanto, a ideia de que podia ser seu pai o deteve. Ele mostrou-se paciente e moderado; suportou o que não teria tolerado da parte de uma pessoa que tivesse considerado como estranha. Não havia, em vida do pai, uma grande simpatia entre ele e seu filho, mas a conduta do filho, em tal circunstância, não era de natureza a aproximá-los espiritualmente e a destruir as prevenções que os afastavam um do nutro? Se eles se reconhecessem de maneira incontestável, sua posição respectiva seria muito falsa e constrangedora; a dúvida em que está o filho basta para impedi-lo de agir mal, entretanto lhe deixa todo o livre-arbítrio. Tenha ou não o parente sido o seu pai, o filho não tem menos mérito pelo sentimento de piedade filial; se eles não têm parentesco, ser-lhe-á sempre levado em conta de seu bom procedimento e o verdadeiro Espírito de seu pai lhe será grato.
Vós que troçais do Espiritismo porque não o conheceis, se soubésseis o que ele encerra de poder para a moralização, compreenderíeis tudo o que a Sociedade ganhará com a sua propagação e seríeis os primeiros a aplaudi-lo. Vós a veríeis transformada sob o império das crenças que conduzem, pela própria força das coisas e pelas próprias leis da Natureza, à fraternidade e a verdadeira igualdade; compreenderíeis que só ele pode triunfar dos preconceitos que são a pedra de tropeço do progresso social, e em vez de ridicularizar os que o propagam, os encorajaríeis, porque sentiríeis que é do vosso próprio interesse, de vossa segurança. Mas, paciência! Isto virá, ou melhor, isto já tem vindo. Cada dia as prevenções se apaziguam, a ideia se propaga, infiltra-se sem ruído e começamos a ver que existe aí algo de mais sério do que imaginávamos. Não está longe o tempo em que os moralistas, os apóstolos do progresso, aí verão a mais poderosa alavanca que jamais tiveram nas mãos.
Lendo o romance do Sr. Charles Barbara, poder-se-ia crer que fosse espírita fervoroso, mas não era. Como dissemos, ele morreu numa casa de saúde, atirando-se pela janela num acesso de febre ardente. Era um suicídio, mas atenuado pelas circunstâncias. Evocado pouco tempo depois na Sociedade de Paris, e interrogado quanto às suas ideias em relação ao Espiritismo, eis a comunicação que ele deu a respeito:
(Paris, 19 de outubro de 1866 ─ Médium, Sr. Morin)
Permiti, senhores, a um pobre Espírito infeliz e sofredor, vos pedir autorização para vir assistir às vossas sessões, repletas de instrução, de devotamento, de fraternidade e de caridade. Sou o infeliz que tinha o nome de Barbara, e se vos peço esta graça, é que o Espírito despojou-se do homem velho, e não se crê mais tão superior em inteligência como se julgava em vida.
Agradeço-vos a vossa chamada e, tanto quanto estiver em minhas possibilidades, vou tentar responder à pergunta motivada por uma página de uma de minhas obras. Mas eu vos peço permissão para primeiramente informar sobre o meu estado atual, que se ressente fortemente da perturbação, aliás muito natural, que se experimenta ao passar bruscamente de uma a outra vida.
Estou perturbado por duas causas principais: a primeira é devida à minha provação, que era de suportar as dores físicas que experimentei, ou melhor, que meu corpo experimentou, quando me suicidei. ─ Sim, senhores, não temo dizê-lo, eu me suicidei, porque se meu Espírito estava perdido por momentos, eu o possuia antes de me arrebentar na calçada, e... eu disse: tanto melhor!... Que falta e que fraqueza!... As lutas da vida material estavam terminadas para mim, meu nome era conhecido, eu não tinha mais senão que avançar pelo caminho que estava aberto para mim e que era tão fácil de seguir!... Tive medo!... Entretanto, nas horas de incerteza e de desencorajamento, tinha lutado apesar de tudo. A miséria e suas consequências não me tinham desanimado e foi quando tudo estava acabado para mim que exclamei: O passo está dado; tanto melhor!... Não terei mais que sofrer! Egoísta e ignorante!...
Estou perturbado por duas causas principais: a primeira é devida à minha provação, que era de suportar as dores físicas que experimentei, ou melhor, que meu corpo experimentou, quando me suicidei. ─ Sim, senhores, não temo dizê-lo, eu me suicidei, porque se meu Espírito estava perdido por momentos, eu o possuia antes de me arrebentar na calçada, e... eu disse: tanto melhor!... Que falta e que fraqueza!... As lutas da vida material estavam terminadas para mim, meu nome era conhecido, eu não tinha mais senão que avançar pelo caminho que estava aberto para mim e que era tão fácil de seguir!... Tive medo!... Entretanto, nas horas de incerteza e de desencorajamento, tinha lutado apesar de tudo. A miséria e suas consequências não me tinham desanimado e foi quando tudo estava acabado para mim que exclamei: O passo está dado; tanto melhor!... Não terei mais que sofrer! Egoísta e ignorante!...
A segunda é que depois de terdes andado a esmo pela vida, entre a convicção do nada e o pressentimento de um Deus que não podia ser senão uma força única, grande, justa, boa e bela, vos encontrais na presença de uma inumerável multidão de seres ou Espíritos que vos conheceram e que amastes; reencontrais vivas vossas afeições, vossas ternuras e vossos amores, então vos apercebeis, numa palavra, que apenas mudastes de domicílio. Então concebeis, senhores, que é muito natural que um pobre ser que viveu entre o bem e o mal, entre a crença e a incredulidade sobre uma outra vida, é muito natural, como eu dizia, que fique perturbado... de felicidade, de alegria, de emoção, um pouco de vergonha, vendo-se obrigado a confessar a si mesmo que, em seus escritos, o que ele atribuía à sua imaginação laboriosa, era uma poderosa realidade, e que muitas vezes o homem de letras se enche de orgulho vendo que são lidas e aplaudidas as páginas que julga obra sua, ao passo que às vezes ele não passa de um instrumento que escreve sob a influência dessas mesmas potências ocultas cujo nome lança ao acaso da pena num livro.
Quantos grandes autores de todos os tempos escreveram, sem conhecer todo o seu valor filosófico, páginas imortais, balizas do progresso colocadas por eles e por ordem de um poder superior, para que, num dado tempo, a reunião de todo esse material esparso formasse um todo, tanto mais sólido quanto é o produto de várias inteligências, porque a obra coletiva é a melhor: é, aliás, o que Deus determinará ao homem, porque a grande lei da solidariedade é imutável.
Não, senhores, eu não conhecia absolutamente o Espiritismo quando escrevia esse romance, e confesso que eu mesmo notei com surpresa o profundo modo de dizer de algumas linhas que lestes, sem compreender-lhes todo o alcance que hoje vejo claramente. Depois de havê-las escrito, aprendi a rir do Espiritismo, para fazer como os meus esclarecidos colegas, e não querer parecer mais adiantado no ridículo do que eles próprios queriam ser. Eu ri e agora choro, mas também espero, porque me ensinaram aqui que todo arrependimento sincero é um progresso, e todo progresso leva ao bem.
Não duvideis, senhores, que muitos escritores são, muitas vezes, instrumentos inconscientes para a propagação das ideias que as forças invisíveis julgam úteis ao progresso da Humanidade. Não vos admireis, pois, de vê-los escrever sobre o Espiritismo sem nele crer. Para eles é um assunto como qualquer outro que se presta ao efeito, e não suspeitam que a ele sejam levados malgrado seu. Todos esses pensamentos espíritas que vedes emitidos por aqueles que, a par disso, fazem oposição, lhes são sugeridos, e eles não deixam de fazer o seu caminho. Eu fui um desses.
Orai por mim, senhores, porque a prece é um bálsamo inefável. A prece é a caridade que se deve fazer aos infelizes do outro mundo, dos quais sou um.
Quantos grandes autores de todos os tempos escreveram, sem conhecer todo o seu valor filosófico, páginas imortais, balizas do progresso colocadas por eles e por ordem de um poder superior, para que, num dado tempo, a reunião de todo esse material esparso formasse um todo, tanto mais sólido quanto é o produto de várias inteligências, porque a obra coletiva é a melhor: é, aliás, o que Deus determinará ao homem, porque a grande lei da solidariedade é imutável.
Não, senhores, eu não conhecia absolutamente o Espiritismo quando escrevia esse romance, e confesso que eu mesmo notei com surpresa o profundo modo de dizer de algumas linhas que lestes, sem compreender-lhes todo o alcance que hoje vejo claramente. Depois de havê-las escrito, aprendi a rir do Espiritismo, para fazer como os meus esclarecidos colegas, e não querer parecer mais adiantado no ridículo do que eles próprios queriam ser. Eu ri e agora choro, mas também espero, porque me ensinaram aqui que todo arrependimento sincero é um progresso, e todo progresso leva ao bem.
Não duvideis, senhores, que muitos escritores são, muitas vezes, instrumentos inconscientes para a propagação das ideias que as forças invisíveis julgam úteis ao progresso da Humanidade. Não vos admireis, pois, de vê-los escrever sobre o Espiritismo sem nele crer. Para eles é um assunto como qualquer outro que se presta ao efeito, e não suspeitam que a ele sejam levados malgrado seu. Todos esses pensamentos espíritas que vedes emitidos por aqueles que, a par disso, fazem oposição, lhes são sugeridos, e eles não deixam de fazer o seu caminho. Eu fui um desses.
Orai por mim, senhores, porque a prece é um bálsamo inefável. A prece é a caridade que se deve fazer aos infelizes do outro mundo, dos quais sou um.
BARBARA
[1] A dupla vista. N. do T.
[2] A segunda vida. N. do T.
[3] Histórias do outro mundo, contadas pelos Espíritos.
[4] Novos mistérios de Paris.
Variedades
Retrato físico dos espíritas
Lê-se na France, de 14 de setembro de 1866:
“A fé robusta das pessoas que a despeito de tudo acreditam em todas as maravilhas tantas vezes desmentidas do Espiritismo é uma verdade admirável. Mostram-lhes o truque das mesas girantes e elas creem; desvendam-lhes as imposturas do armário Davenport e elas creem mais; exibem-lhes todos os cordões, fazem-nas tocar a mentira com o dedo, furam-lhes os olhos pela evidência do charlatanismo e sua crença se torna mais obstinada. Inexplicável necessidade do impossível! Credo quia absurdum.
“O Messager franco-américan, de Nova Iorque, fala de uma convenção dos adeptos do Espiritismo realizada em Providence (Rhode-Island). Homens e mulheres se distinguem por um aspecto do outro mundo; a palidez da pele, a magreza do rosto, o profético devaneio dos olhos, perdidos num vago oceânico, tais são, em geral, os sinais exteriores do espírita. Acrescente-se que, contrariamente ao uso geral, as mulheres cortam o cabelo curto, à la mal-content, como se dizia outrora, ao passo que os homens têm uma cabeleira abundante, absalônica, longa, descendo até as espáduas. Quando se trata com os espíritas, há que se distinguir do comum dos mortais, da vil multidão.
“Muitos discursos, discursos demais, foram pronunciados. Os oradores, sem se preocuparem mais com os desmentidos da Ciência do que com os do senso comum, imperturbavelmente lembraram a longa série, que cada um sabe de cor, dos fatos maravilhosos atribuídos ao Espiritismo.
“Miss Susia Johnson declarou que, sem querer ser tomada como profetiza, previa que estão próximos os tempos em que a grande maioria dos homens não mais será rebelde às místicas revelações da religião nova. Ela apela com todos os seus votos para a criação de numerosas escolas, onde as crianças de ambos os sexos beberão, desde a mais tenra idade, os ensinamentos do Espiritismo. Só faltava isto!”
Sob o título de Sempre os Espíritas! o Événement de 26 de agosto de 1866 publicou um longo artigo, do qual extraímos esta passagem:
“Fostes alguma vez a uma reunião de espíritas, numa noite de desocupação e de curiosidade? Geralmente um amigo vos conduz. A gente sobe muito ─ os Espíritos gostam de aproximar-se do céu ─ para um pequeno apartamento já repleto. Entra-se às cotoveladas.
“As pessoas se amontoam, com suas feições bizarras e gestos de energúmenos. Fica-se abafado nessa atmosfera. Comprimem-se, curvam-se sobre as mesas onde médiuns, com os olhos no teto, lápis na mão, escrevem as elucubrações que passam por lá. De começo é uma surpresa. Procuram entre todas essas pessoas repousar o olhar. Interrogam, adivinham, analisam.
“Velhas de olhos ávidos, jovens magros e fatigados, a promiscuidade das classes e das idades, porteiras da vizinhança e grandes damas do bairro, de chita e de guipuras, poetizas por acaso e profetizas de encontro, alfaiates e laureados do Instituto confraternizam-se no Espiritismo. Esperam, fazem girar as mesas, levantam-nas, leem em voz alta as baboseiras que Homero ou Dante ditaram aos médiuns sentados. Esses médiuns estão imóveis, a mão sobre o papel, sonhando. De repente a mão se agita, corre, sacode, cobre as folhas, vai, vai mais e para bruscamente. Então alguém, no silêncio, diz o nome do Espírito que acaba de ditar e lê. Ah! Essas leituras!
“Assim ouvi Cervantes lamentar a demolição do teatro dos Déllassements-Comiques e Lamennais contar que Jean Journet lá era seu amigo íntimo. A maior parte do tempo Lamennais comete erros de ortografia e Cervantes não sabe uma palavra de espanhol. Outras vezes os Espíritos tomam um pseudônimo angélico para brindar o seu público com algum apotegma à maneira de Pantagruel. Reclamam. Respondem-lhes: Nós nos queixaremos ao vosso cabeça de fila!
“O médium que traçou a frase se fecha e se zanga por estar em relação com Espíritos tão desbocados. Perguntei a que legião pertenciam esses mistificadores do outro mundo e me responderam no duro: ─ São Espíritos vadios!
“Sei de coisas mais amáveis. Por exemplo, o Espírito desenhista que impulsionou a mão do Sr. Victoren Sardou, e o fez traçar o desenho da casa em que mora Beethoven lá em cima. Profusão de folhagem, entrelaçamento de colcheias e semicolcheias, é um trabalho de paciência que exigiria meses e foi feito numa noite. Foi isto que me disseram. Só o Sr. Sardou poderia convencer-me.
“Pobre cérebro humano! Como estas coisas são dolorosas para contar! Assim, não demos um passo para o lado da Razão e da Verdade! Ou, pelo menos, o batalhão de ronceiros engrossa dia a dia, à medida que se avança! É formidável, é quase um exército. Sabeis quantas possessas há atualmente na França? Mais de duas mil.
As possessas têm sua presidente, a Sra. B..., que desde a idade de dois anos vive em relação direta com a Virgem. Duas mil! O Auvergne guardou seus milagres, as Cévennes têm sempre seus camisards. Os livros de Espiritismo, os tratados de misticismo, têm sete, oito, dez edições. O maravilhoso é mesmo a doença de um tempo que, nada tendo diante do espírito para se satisfazer, refugia-se nas quimeras, como um estômago vazio e privado de carne que se alimentasse de gengibre.
“E o número dos loucos aumenta! O delírio é como uma onda que sobe. Então, que luz há que ser achada, para destruir essas trevas, já que a eletricidade não basta?
“JULES CLARETIE.”
Na verdade seria erro zangar-se com tais adversários, pois acreditam com tanta boa-fé e tão ingenuamente ter o monopólio do bom-senso! O que é tão divertido quanto os singulares retratos que fazem dos espíritas, é vê-los gemer dolorosamente por esses pobres cérebros humanos que não dão nenhum passo para o lado da razão e da verdade, porque querem à fina força ter uma alma e acreditar no outro mundo, a despeito do desperdício de eloquência dos incrédulos, para provar que isto não existe, para a felicidade da Humanidade; são seus pesares à vista desses livros espíritas que se esgotam sem recorrer a anúncios, reclames e elogios pagos da imprensa; deste batalhão de ronceiros da razão que, coisa desesperadora! cresce diariamente e se torna tão formidável que é quase um exército; que nada tendo diante do espírito para satisfazê-los, são bastante tolos para recusar a perspectiva do nada que lhes oferecem para encher o vazio. É realmente de desesperar desta pobre Humanidade, bastante ilógica para não preferir o nada em troca de alguma coisa, para gostar mais de reviver do que morrer de vez.
Estas facécias, essas imagens grotescas, mais divertidas que perigosas, e que seria infantil levar a sério, têm seu lado instrutivo, e por isto citamos alguns exemplos. Outrora procuravam combater o Espiritismo com argumentos, sem dúvida maus, pois a ninguém convenceram, mas, enfim, tentavam discutir a coisa, bem ou mal. Homens de real valor, oradores e escritores, cavaram um arsenal de objeções para combatê-lo. Qual foi o resultado? Seus livros estão esquecidos e o Espiritismo está de pé. Eis o fato. Hoje ainda há alguns trocistas com a força dos que acabamos de citar, pouco preocupados com o valor dos argumentos para quem rir de tudo é uma necessidade, mas não mais se discute; a polêmica adversa parece ter esgotado suas munições. Os adversários se contentam em lamentar o progresso do que chamam uma calamidade, como lamentam pelo progresso de uma inundação que não podem deter. Mas as armas ofensivas para combater a Doutrina não deram um passo à frente, e se ainda não acharam o fuzil de guerra para abatê-lo não foi por não o terem procurado.
Seria trabalho inútil refutar coisas que se refutam por si mesmas. Às lamentações com que o Jornal France precede o burlesco retrato que toma do jornal americano, só há uma coisa a responder. Se a fé dos espíritas resiste à revelação dos truques e dos cordões do charlatanismo, é que isto não é o Espiritismo; se quanto mais são descobertas as manobras fraudulentas, mais redobra a fé, é que esgrimis para combater precisamente o que ele desaprova e que ele próprio combate; se eles não se abalam com as vossas demonstrações, é que tangenciais a questão; se quando feris o Espiritismo ele não grita, é que feris de lado e então os trocistas não estão do vosso lado. Desmascarando os abusos que fazem de uma coisa, fortalece-se a própria coisa, assim como se fortalece a verdadeira religião estigmatizando os abusos. Só aqueles que vivem dos abusos podem lastimar-se, tanto em Espiritismo quanto em religião.
Contradição mais estranha! Os que pregam a igualdade social veem, sob o império das crenças espíritas, os preconceitos de casta se apagarem, as camadas extremas se reaproximarem, o grande e o pequeno se darem as mãos fraternalmente, e eles riem! Em verdade, lendo essas coisas, pergunta-se de que lado está a aberração.
“A fé robusta das pessoas que a despeito de tudo acreditam em todas as maravilhas tantas vezes desmentidas do Espiritismo é uma verdade admirável. Mostram-lhes o truque das mesas girantes e elas creem; desvendam-lhes as imposturas do armário Davenport e elas creem mais; exibem-lhes todos os cordões, fazem-nas tocar a mentira com o dedo, furam-lhes os olhos pela evidência do charlatanismo e sua crença se torna mais obstinada. Inexplicável necessidade do impossível! Credo quia absurdum.
“O Messager franco-américan, de Nova Iorque, fala de uma convenção dos adeptos do Espiritismo realizada em Providence (Rhode-Island). Homens e mulheres se distinguem por um aspecto do outro mundo; a palidez da pele, a magreza do rosto, o profético devaneio dos olhos, perdidos num vago oceânico, tais são, em geral, os sinais exteriores do espírita. Acrescente-se que, contrariamente ao uso geral, as mulheres cortam o cabelo curto, à la mal-content, como se dizia outrora, ao passo que os homens têm uma cabeleira abundante, absalônica, longa, descendo até as espáduas. Quando se trata com os espíritas, há que se distinguir do comum dos mortais, da vil multidão.
“Muitos discursos, discursos demais, foram pronunciados. Os oradores, sem se preocuparem mais com os desmentidos da Ciência do que com os do senso comum, imperturbavelmente lembraram a longa série, que cada um sabe de cor, dos fatos maravilhosos atribuídos ao Espiritismo.
“Miss Susia Johnson declarou que, sem querer ser tomada como profetiza, previa que estão próximos os tempos em que a grande maioria dos homens não mais será rebelde às místicas revelações da religião nova. Ela apela com todos os seus votos para a criação de numerosas escolas, onde as crianças de ambos os sexos beberão, desde a mais tenra idade, os ensinamentos do Espiritismo. Só faltava isto!”
Sob o título de Sempre os Espíritas! o Événement de 26 de agosto de 1866 publicou um longo artigo, do qual extraímos esta passagem:
“Fostes alguma vez a uma reunião de espíritas, numa noite de desocupação e de curiosidade? Geralmente um amigo vos conduz. A gente sobe muito ─ os Espíritos gostam de aproximar-se do céu ─ para um pequeno apartamento já repleto. Entra-se às cotoveladas.
“As pessoas se amontoam, com suas feições bizarras e gestos de energúmenos. Fica-se abafado nessa atmosfera. Comprimem-se, curvam-se sobre as mesas onde médiuns, com os olhos no teto, lápis na mão, escrevem as elucubrações que passam por lá. De começo é uma surpresa. Procuram entre todas essas pessoas repousar o olhar. Interrogam, adivinham, analisam.
“Velhas de olhos ávidos, jovens magros e fatigados, a promiscuidade das classes e das idades, porteiras da vizinhança e grandes damas do bairro, de chita e de guipuras, poetizas por acaso e profetizas de encontro, alfaiates e laureados do Instituto confraternizam-se no Espiritismo. Esperam, fazem girar as mesas, levantam-nas, leem em voz alta as baboseiras que Homero ou Dante ditaram aos médiuns sentados. Esses médiuns estão imóveis, a mão sobre o papel, sonhando. De repente a mão se agita, corre, sacode, cobre as folhas, vai, vai mais e para bruscamente. Então alguém, no silêncio, diz o nome do Espírito que acaba de ditar e lê. Ah! Essas leituras!
“Assim ouvi Cervantes lamentar a demolição do teatro dos Déllassements-Comiques e Lamennais contar que Jean Journet lá era seu amigo íntimo. A maior parte do tempo Lamennais comete erros de ortografia e Cervantes não sabe uma palavra de espanhol. Outras vezes os Espíritos tomam um pseudônimo angélico para brindar o seu público com algum apotegma à maneira de Pantagruel. Reclamam. Respondem-lhes: Nós nos queixaremos ao vosso cabeça de fila!
“O médium que traçou a frase se fecha e se zanga por estar em relação com Espíritos tão desbocados. Perguntei a que legião pertenciam esses mistificadores do outro mundo e me responderam no duro: ─ São Espíritos vadios!
“Sei de coisas mais amáveis. Por exemplo, o Espírito desenhista que impulsionou a mão do Sr. Victoren Sardou, e o fez traçar o desenho da casa em que mora Beethoven lá em cima. Profusão de folhagem, entrelaçamento de colcheias e semicolcheias, é um trabalho de paciência que exigiria meses e foi feito numa noite. Foi isto que me disseram. Só o Sr. Sardou poderia convencer-me.
“Pobre cérebro humano! Como estas coisas são dolorosas para contar! Assim, não demos um passo para o lado da Razão e da Verdade! Ou, pelo menos, o batalhão de ronceiros engrossa dia a dia, à medida que se avança! É formidável, é quase um exército. Sabeis quantas possessas há atualmente na França? Mais de duas mil.
As possessas têm sua presidente, a Sra. B..., que desde a idade de dois anos vive em relação direta com a Virgem. Duas mil! O Auvergne guardou seus milagres, as Cévennes têm sempre seus camisards. Os livros de Espiritismo, os tratados de misticismo, têm sete, oito, dez edições. O maravilhoso é mesmo a doença de um tempo que, nada tendo diante do espírito para se satisfazer, refugia-se nas quimeras, como um estômago vazio e privado de carne que se alimentasse de gengibre.
“E o número dos loucos aumenta! O delírio é como uma onda que sobe. Então, que luz há que ser achada, para destruir essas trevas, já que a eletricidade não basta?
“JULES CLARETIE.”
Na verdade seria erro zangar-se com tais adversários, pois acreditam com tanta boa-fé e tão ingenuamente ter o monopólio do bom-senso! O que é tão divertido quanto os singulares retratos que fazem dos espíritas, é vê-los gemer dolorosamente por esses pobres cérebros humanos que não dão nenhum passo para o lado da razão e da verdade, porque querem à fina força ter uma alma e acreditar no outro mundo, a despeito do desperdício de eloquência dos incrédulos, para provar que isto não existe, para a felicidade da Humanidade; são seus pesares à vista desses livros espíritas que se esgotam sem recorrer a anúncios, reclames e elogios pagos da imprensa; deste batalhão de ronceiros da razão que, coisa desesperadora! cresce diariamente e se torna tão formidável que é quase um exército; que nada tendo diante do espírito para satisfazê-los, são bastante tolos para recusar a perspectiva do nada que lhes oferecem para encher o vazio. É realmente de desesperar desta pobre Humanidade, bastante ilógica para não preferir o nada em troca de alguma coisa, para gostar mais de reviver do que morrer de vez.
Estas facécias, essas imagens grotescas, mais divertidas que perigosas, e que seria infantil levar a sério, têm seu lado instrutivo, e por isto citamos alguns exemplos. Outrora procuravam combater o Espiritismo com argumentos, sem dúvida maus, pois a ninguém convenceram, mas, enfim, tentavam discutir a coisa, bem ou mal. Homens de real valor, oradores e escritores, cavaram um arsenal de objeções para combatê-lo. Qual foi o resultado? Seus livros estão esquecidos e o Espiritismo está de pé. Eis o fato. Hoje ainda há alguns trocistas com a força dos que acabamos de citar, pouco preocupados com o valor dos argumentos para quem rir de tudo é uma necessidade, mas não mais se discute; a polêmica adversa parece ter esgotado suas munições. Os adversários se contentam em lamentar o progresso do que chamam uma calamidade, como lamentam pelo progresso de uma inundação que não podem deter. Mas as armas ofensivas para combater a Doutrina não deram um passo à frente, e se ainda não acharam o fuzil de guerra para abatê-lo não foi por não o terem procurado.
Seria trabalho inútil refutar coisas que se refutam por si mesmas. Às lamentações com que o Jornal France precede o burlesco retrato que toma do jornal americano, só há uma coisa a responder. Se a fé dos espíritas resiste à revelação dos truques e dos cordões do charlatanismo, é que isto não é o Espiritismo; se quanto mais são descobertas as manobras fraudulentas, mais redobra a fé, é que esgrimis para combater precisamente o que ele desaprova e que ele próprio combate; se eles não se abalam com as vossas demonstrações, é que tangenciais a questão; se quando feris o Espiritismo ele não grita, é que feris de lado e então os trocistas não estão do vosso lado. Desmascarando os abusos que fazem de uma coisa, fortalece-se a própria coisa, assim como se fortalece a verdadeira religião estigmatizando os abusos. Só aqueles que vivem dos abusos podem lastimar-se, tanto em Espiritismo quanto em religião.
Contradição mais estranha! Os que pregam a igualdade social veem, sob o império das crenças espíritas, os preconceitos de casta se apagarem, as camadas extremas se reaproximarem, o grande e o pequeno se darem as mãos fraternalmente, e eles riem! Em verdade, lendo essas coisas, pergunta-se de que lado está a aberração.
Necrologia
Sr. Leclerc
A Sociedade Espírita de Paris acaba de sofrer uma nova perda na pessoa do Sr. Charles-Julien Leclerc, antigo mecânico, de cinquenta e sete anos, falecido subitamente de um ataque de apoplexia fulminante, a 2 de dezembro, quando entrava no Ópera. Tinha morado muito tempo no Brasil e lá havia aprendido as primeiras noções de Espiritismo, para o que o havia preparado a doutrina de Fourrier, da qual era zeloso partidário. Voltando à França, depois de haver conquistado uma posição de independência por seu trabalho, dedicou-se à causa do Espiritismo, cujo alto alcance humanitário e moralizador para a classe operária tinha entrevisto facilmente. Era um homem de bem, querido, estimado e lamentado por todos que o conheceram, um espírita de coração, esforçando-se por colocar em prática, em proveito de seu adiantamento moral, os ensinamentos da doutrina, um desses homens que honram a crença que professam.
A pedido da família, fizemos ao pé do túmulo a prece pelas almas que acabam de deixar a Terra (Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XXVII – IV), seguida destas palavras:
“Caro senhor Leclerc, sois um exemplo da incerteza da vida, pois que, na antevéspera de vossa morte, estáveis entre nós, sem que nada deixasse pressentir uma partida tão súbita. Assim Deus nos adverte para nos mantermos sempre prontos a prestar contas do emprego que fizemos do tempo que passamos na Terra. Ele nos chama no momento que menos esperamos. Que seu nome seja bendito por vos ter poupado as angústias e os sofrimentos que por vezes acompanham o trabalho da separação.
“Fostes unir-vos aos colegas que vos precederam e que, sem dúvida, vieram receber-vos no sólio da nova vida; mas essa vida, com a qual vos identificastes, não vos deve ter representado nenhuma surpresa; nela entrastes como num país conhecido, e não duvidamos que aí gozeis da felicidade reservada aos homens de bem, aos que praticaram as leis do Senhor.
“Vossos colegas da Sociedade Espírita de Paris se honram por vos ter contado em suas fileiras, e vossa memória lhes será sempre cara. Por minha voz, eles vos oferecem a expressão de seus sentimentos da mais sincera simpatia que soubestes conquistar. Se alguma coisa suaviza nosso pesar por esta separação, é o pensamento que sois feliz como o mereceis, e a esperança de que não deixareis de vir participar dos nossos trabalhos.
“Caro irmão, que o Senhor derrame sobre vós os tesouros de sua bondade infinita. Nós lhe pedimos que vos conceda a graça de velar por vossos filhos e de dirigi-los no caminho do bem que vós seguistes.”
Prontamente desprendido, como o supúnhamos, o Sr. Leclerc pôde manifestar-se na Sociedade, na sessão que se seguiu ao seu enterro. Consequentemente, não houve nenhuma interrupção em sua presença, pois ele tinha assistido à sessão precedente. Além do sentimento de afeição que a ele nos ligava, essa comunicação devia ter o seu lado instrutivo. Seria interessante conhecer as sensações que acompanham esse gênero de morte. Nada do que possa esclarecer sobre as diversas fases dessa passagem que todo o mundo deve transpor poderia ser indiferente. Eis a comunicação:
(Sociedade de Paris, 7 de dezembro de 1866 Médium, Sr. Desliens)
Posso, enfim, por minha vez, vir a esta mesa! Embora minha morte seja recente, mais de uma vez já fui tomado de impaciência. Eu não podia apressar a marcha do tempo. Eu tinha também que vos agradecer a vossa pressa em cercar meus despojos mortais e pensamentos simpáticos que prodigalizastes ao meu Espírito. Oh! mestre, obrigado por vossa benevolência, pela emoção profunda que sentistes acolhendo meu amado filho. Como eu seria ingrato se de vós não conservasse uma eterna gratidão!
Meu Deus, obrigado! Meus desejos estão realizados. Hoje posso apreciar a beleza deste mundo que eu não conhecia senão através das comunicações dos Espíritos. De certa forma, ao chegar aqui experimentei as mesmas emoções, mas infinitamente mais vivas, que senti ao abordar pela primeira vez as terras da América. Eu não conhecia essa região senão pela descrição dos viajantes, e estava longe de fazer uma ideia de suas luxuriantes produções. Deu-se o mesmo aqui. Quanto este mundo é diferente do nosso! Cada rosto é a reprodução exata dos sentimentos íntimos; nenhuma fisionomia mentirosa; impossível a hipocrisia; o pensamento se revela inteiramente no olhar, benevolente ou malévolo, conforme a natureza do Espírito.
Pois bem! Vede! Aqui ainda sou castigado por minha falta principal, que eu combatia com tanto esforço na Terra, e que tinha chegado a dominar em parte; a impaciência que tinha de me ver entre vós perturbou-me a tal ponto que não sei mais exprimir minhas ideias com lucidez, embora aquela matéria que outrora tanto me arrastava à cólera não mais exista! Vamos, eu me acalmo, porque é necessário.
Pois bem! Vede! Aqui ainda sou castigado por minha falta principal, que eu combatia com tanto esforço na Terra, e que tinha chegado a dominar em parte; a impaciência que tinha de me ver entre vós perturbou-me a tal ponto que não sei mais exprimir minhas ideias com lucidez, embora aquela matéria que outrora tanto me arrastava à cólera não mais exista! Vamos, eu me acalmo, porque é necessário.
Oh! Fiquei muito surpreso com este fim inesperado! Eu não temia a morte e há muito tempo a considerava como o fim da provação, mas essa morte tão imprevista não deixou de me causar um profundo choque... Que golpe para minha pobre mulher!... Como o pesar sucedeu rapidamente ao prazer! Eu sentia um verdadeiro prazer em ouvir boa música, mas não pensava estar tão cedo em contato com a grande voz do infinito... Como a vida é frágil!... Um glóbulo de sangue coagula; a circulação perde a regularidade e tudo está acabado!... Eu teria querido viver ainda alguns anos, ver meus filhos todos estabelecidos; Deus decidiu de outro modo. Que a sua vontade seja feita!
No momento em que a morte me feriu, recebi como que uma cacetada na cabeça; um peso esmagador me derrubou; depois, de repente senti-me livre, aliviado. Planei acima de meus despojos; considerei com espanto as lágrimas dos meus, e enfim me dei conta do que me tinha acontecido. Reconheci-me prontamente. Vi meu segundo filho acorrer, chamado pelo telégrafo. Ah! Bem que eu tentei consolá-los; soprei-lhes meus melhores pensamentos e vi, com certa felicidade, alguns cérebros refratários pouco a pouco se inclinarem para o lado da crença que fez toda a minha força neste últimos anos, à qual devo tão bons momentos. Se venci um pouco o homem velho, a que o devo senão ao nosso caro ensino, aos conselhos reiterados de meus guias? E contudo eu coro, embora Espírito, e ainda me deixei dominar por esse maldito defeito: a impaciência. Assim sou castigado, porque estava ansioso para me comunicar e vos contar mil detalhes, que sou obrigado a adiar. Oh! Serei paciente, mas com pesar. Estou tão feliz aqui, que me custa deixar-vos. Entretanto, bons amigos estão junto a mim e eles próprios se uniram para me acolher: Sanson, Baluze, Sonnez, o alegre Sonnez, de cuja verve satírica eu tanto gostava, depois Jobard, o bravo Costeau e tantos outros. Em último lugar, a Sra. Dozon; depois um pobre infeliz, muito lastimável, cujo arrependimento me toca. Orai por ele, como por todos aqueles que se deixaram dominar pela prova.
Em breve voltarei para nos entretermos novamente. Ficai persuadidos que não serei menos assíduo às nossas caras reuniões, como Espírito, do que era como encarnado.
No momento em que a morte me feriu, recebi como que uma cacetada na cabeça; um peso esmagador me derrubou; depois, de repente senti-me livre, aliviado. Planei acima de meus despojos; considerei com espanto as lágrimas dos meus, e enfim me dei conta do que me tinha acontecido. Reconheci-me prontamente. Vi meu segundo filho acorrer, chamado pelo telégrafo. Ah! Bem que eu tentei consolá-los; soprei-lhes meus melhores pensamentos e vi, com certa felicidade, alguns cérebros refratários pouco a pouco se inclinarem para o lado da crença que fez toda a minha força neste últimos anos, à qual devo tão bons momentos. Se venci um pouco o homem velho, a que o devo senão ao nosso caro ensino, aos conselhos reiterados de meus guias? E contudo eu coro, embora Espírito, e ainda me deixei dominar por esse maldito defeito: a impaciência. Assim sou castigado, porque estava ansioso para me comunicar e vos contar mil detalhes, que sou obrigado a adiar. Oh! Serei paciente, mas com pesar. Estou tão feliz aqui, que me custa deixar-vos. Entretanto, bons amigos estão junto a mim e eles próprios se uniram para me acolher: Sanson, Baluze, Sonnez, o alegre Sonnez, de cuja verve satírica eu tanto gostava, depois Jobard, o bravo Costeau e tantos outros. Em último lugar, a Sra. Dozon; depois um pobre infeliz, muito lastimável, cujo arrependimento me toca. Orai por ele, como por todos aqueles que se deixaram dominar pela prova.
Em breve voltarei para nos entretermos novamente. Ficai persuadidos que não serei menos assíduo às nossas caras reuniões, como Espírito, do que era como encarnado.
LECLERC.
Notícias bibliográficas
Poesias diversas do mundo invisível recebidas pelo Sr. Vavasseur
Esta coletânea, que no último número anunciamos como estando no prelo, aparecerá na primeira quinzena de janeiro. Nossos leitores puderam avaliar o gênero e o valor das poesias recebidas pelo Sr. Vavasseur como médium, quer em vigília, quer em sonambulismo espontâneo, pelos fragmentos que publicamos. Assim, limitar-nos-emos a dizer que ao mérito da versificação, elas acrescentavam o da reflexão, sob a graciosa forma poética, acerca das consoladoras verdades da Doutrina, e que, a esse título, elas terão um lugar de honra em toda a bibliografia espírita. Julgamos que deveríamos acrescentar-lhes uma introdução, ou melhor, uma instrução sobre a poesia mediúnica em geral, destinada a responder a certas objeções da crítica sobre esse gênero de produções.
Modificações introduzidas na impressão permitirão disponibilizá-las ao preço de l franco; pelo correio, l,15 francos.
Modificações introduzidas na impressão permitirão disponibilizá-las ao preço de l franco; pelo correio, l,15 francos.
RETRATO DO SR. ALLAN KARDEC
Desenhado e litografado pelo sr. Bertrand, pintor
Dimensões: papel China, 35 c x 28 cm. e, com a margem, 45 c x 38 cm. — Preço: 2 fr. 50; pelo correio, para a França e Argélia, porte e estojo de embalagem, mais 50 c. — Em casa do autor, rue des Dames, 99, Paris, Batignolles e no escritório da Revista.
O. Sr. Bertrand é um dos ótimos médiuns escreventes da Sociedade Espírita de Paris e deu provas de zelo e devotamento pela doutrina. Esta consideração; junta ao desejo de lhe ser útil, tornando-o conhecido como artista de talento, fez calar o escrúpulo, por nós tido até aqui, de anunciar a venda de nosso retrato, com receio de que nisto vissem uma presunção ridícula. Apressamo-nos, pois, em declarar que somos completamente estranho a essa publicação como a de retratos editados por vários fotógrafos.
A Union Spirite de Bordeaux, redigida pelo Sr. A. Bez, momentaneamente interrompida por uma grave moléstia do diretor e por circunstâncias independentes de sua vontade, retomou o curso de suas publicações, como tínhamos anunciado, e deve ser arranjado um meio para que os assinantes não sofram qualquer prejuízo por essa interrupção. Felicitamos sinceramente o Sr. Bez e fazemos votos sinceros para que nada entrave, para o futuro, a útil publicação que ele empreendeu e que merece ser encorajada.
O diretor da Voce di Dio, jornal espírita italiano, que se publica na Sicília, informa-nos que, por força de acontecimentos sobrevindos naquela região, e sobretudo as devastações causadas pelo cólera, a cidade de Catânia, estando quase deserta, vê-se forçado a interromper a sua publicação. Ele espera retomá-la logo que as condições o permitam.
O. Sr. Bertrand é um dos ótimos médiuns escreventes da Sociedade Espírita de Paris e deu provas de zelo e devotamento pela doutrina. Esta consideração; junta ao desejo de lhe ser útil, tornando-o conhecido como artista de talento, fez calar o escrúpulo, por nós tido até aqui, de anunciar a venda de nosso retrato, com receio de que nisto vissem uma presunção ridícula. Apressamo-nos, pois, em declarar que somos completamente estranho a essa publicação como a de retratos editados por vários fotógrafos.
A Union Spirite de Bordeaux, redigida pelo Sr. A. Bez, momentaneamente interrompida por uma grave moléstia do diretor e por circunstâncias independentes de sua vontade, retomou o curso de suas publicações, como tínhamos anunciado, e deve ser arranjado um meio para que os assinantes não sofram qualquer prejuízo por essa interrupção. Felicitamos sinceramente o Sr. Bez e fazemos votos sinceros para que nada entrave, para o futuro, a útil publicação que ele empreendeu e que merece ser encorajada.
O diretor da Voce di Dio, jornal espírita italiano, que se publica na Sicília, informa-nos que, por força de acontecimentos sobrevindos naquela região, e sobretudo as devastações causadas pelo cólera, a cidade de Catânia, estando quase deserta, vê-se forçado a interromper a sua publicação. Ele espera retomá-la logo que as condições o permitam.
O Sr. Roustaing, de Bordeaux, dirigiu-nos a carta seguinte, pedindo a sua publicação:
Sr. Diretor da Revista Espírita,
Na obra que anunciastes no número da Revista Espírita de junho último, e intitulada: “Espiritismo Cristão ou Revelação da Revelação; — os quatro evangelhos seguidos dos mandamentos explicados em Espírito e verdade pelos evangelistas assistidos pelos apóstolos; Moisés, recolhidos e postos em ordem por J.B. Roustaing, advogado na Corte Imperial de Bordeaux, antigo presidente, 3 vol., Paris Livraria Central, n.º 24, 1866;“ obra com que, em abril e maio últimos, presenteei a direção da Revista Espírita de Paris, que a aceitou, foi omitida, o que escapou à correção das provas, uma passagem do manuscrito. Esta passagem omitida e que está assim concebida, tem seu lugar a seguir a última linha da página III do 3ºvolume.
“E esta hipótese da parte do Espíritas: — Se o corpo de Jesus tivesse sido um corpo terrestre — e se os anjos ou Espíritos superiores tivessem podido torná-lo invisível, levá-lo e o tivessem levado — no momento mesmo em que a pedra foi erguida e derrubada, seria a priori, inadmissível e falsa; ela deve, com efeito, ser afastada como tal, — em presença da revelação feita pelo anjo a Maria, depois a José; revelação que então seria mentirosa, que não o pode ser, emanando de um enviado de Deus, e que deve ser interpretada, explicada segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade, segundo o curso de leis da natureza e não rejeitada (Ver supra, 3º vol., págs. 23-24; — 1º vol., pág. 27 a 44; 67 a 86; 122 a 129; 165 a 193; 226 a 266; 3º vol. págs. 139 a 145; 161 a 163; 168 a 175).
Sr. Diretor da Revista Espírita,
Na obra que anunciastes no número da Revista Espírita de junho último, e intitulada: “Espiritismo Cristão ou Revelação da Revelação; — os quatro evangelhos seguidos dos mandamentos explicados em Espírito e verdade pelos evangelistas assistidos pelos apóstolos; Moisés, recolhidos e postos em ordem por J.B. Roustaing, advogado na Corte Imperial de Bordeaux, antigo presidente, 3 vol., Paris Livraria Central, n.º 24, 1866;“ obra com que, em abril e maio últimos, presenteei a direção da Revista Espírita de Paris, que a aceitou, foi omitida, o que escapou à correção das provas, uma passagem do manuscrito. Esta passagem omitida e que está assim concebida, tem seu lugar a seguir a última linha da página III do 3ºvolume.
“E esta hipótese da parte do Espíritas: — Se o corpo de Jesus tivesse sido um corpo terrestre — e se os anjos ou Espíritos superiores tivessem podido torná-lo invisível, levá-lo e o tivessem levado — no momento mesmo em que a pedra foi erguida e derrubada, seria a priori, inadmissível e falsa; ela deve, com efeito, ser afastada como tal, — em presença da revelação feita pelo anjo a Maria, depois a José; revelação que então seria mentirosa, que não o pode ser, emanando de um enviado de Deus, e que deve ser interpretada, explicada segundo o espírito que vivifica, em espírito e em verdade, segundo o curso de leis da natureza e não rejeitada (Ver supra, 3º vol., págs. 23-24; — 1º vol., pág. 27 a 44; 67 a 86; 122 a 129; 165 a 193; 226 a 266; 3º vol. págs. 139 a 145; 161 a 163; 168 a 175).
Pela publicidade em vosso jornal, para levar ao conhecimento dos que leram, dos que leem e dos que lerem esta obra, esta omissão havida na impressão, e para que aqueles que tem esta obra possam acrescentá-la a mão, na página indicada, o parágrafo acima mencionado — venho solicitar de vossa bondade a inserção da presente carta no mais próximo número da Revista Espírita de Paris, agradecendo-vos antecipadamente.
Tende a bondade, senhor Diretor, de aceitar, etc.
ROUSTAING
Advogado na Corte Imperial de Bordeaux, antigo presidente, rue Saint-Siméon, 17.
Tende a bondade, senhor Diretor, de aceitar, etc.
ROUSTAING
Advogado na Corte Imperial de Bordeaux, antigo presidente, rue Saint-Siméon, 17.
Avisos aos Srs. assinantes
Para evitar o acúmulo das distribuições de 1º de janeiro, a Revista deste mês é expedida a 25 de dezembro. Além disto, é dirigida a todos os antigos assinantes, com exceção dos que o são por intermediários e cujos nomes não sabemos. Os números seguintes só serão expedidos à medida das renovações.
Embora a Revista pudesse aparecer do dia 1º ao dia 5, não aconteceu uma só vez este ano que não aparecesse senão no dia 5. Com uma verificação muito minuciosa feita antes de cada remessa, os atrasos na recepção não cabem à direção. Várias vezes foi verificado que eram devidos a causas locais, ou à má vontade de certas pessoas por cujas mãos passa a Revista antes de chegar ao destinatário.
ALLAN KARDEC.
Embora a Revista pudesse aparecer do dia 1º ao dia 5, não aconteceu uma só vez este ano que não aparecesse senão no dia 5. Com uma verificação muito minuciosa feita antes de cada remessa, os atrasos na recepção não cabem à direção. Várias vezes foi verificado que eram devidos a causas locais, ou à má vontade de certas pessoas por cujas mãos passa a Revista antes de chegar ao destinatário.
ALLAN KARDEC.