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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867 > Abril
Abril
Galileu
(A proposito do drama do Sr. Ponsard)
O acontecimento literário do dia é a representação de Galileu, drama em versos do Sr. Ponsard. Embora nele não se trate de Espiritismo, a ele se liga por um lado essencial: o da pluralidade dos mundos habitados e, sob tal ponto de vista, podemos considerá-lo como uma das obras chamadas a favorecer o desenvolvimento da doutrina, popularizando um de seus princípios fundamentais.
O destino da Humanidade está ligado à organização do Universo, como o do habitante o está à sua habitação. Na ignorância desta organização, o homem deve ter tido ideias, sobre o seu passado e o seu futuro, em relação ao estado de seus conhecimentos. Se ele tivesse sempre conhecido a estrutura da Terra, jamais teria pensado em colocar o inferno em suas entranhas; se tivesse conhecido o infinito do espaço e a multidão de mundos que aí se movem, não teria localizado o céu acima do céu das estrelas; não teria feito da Terra o ponto central do Universo, a única habitação dos seres vivos; não teria condenado a crença nos antípodas como uma heresia; se tivesse conhecido a Geologia, jamais teria acreditado na formação da Terra em seis dias e em sua existência há seis mil anos.
A ideia mesquinha que o homem fazia da Criação devia dar-lhe uma ideia mesquinha da divindade. Ele não pôde compreender a grandeza, o poder, a sabedoria infinitas do Criador senão quando seu pensamento pôde abarcar a imensidade do Universo e a sabedoria das leis que o regem, como se julga o gênio de um mecânico pelo conjunto, harmonia e precisão de um mecanismo, e não à vista de uma simples engrenagem. Só então as ideias puderam crescer e elevar-se acima de seu limitado horizonte. Em todos os tempos suas ideias religiosas foram calcadas na ideia que ele fazia de Deus e de sua obra. O erro de suas crenças sobre a origem e o destino da Humanidade tinha como causa sua ignorância das verdadeiras leis da Natureza. Se, desde a origem, ele tivesse conhecido essas leis, seus dogmas teriam sido completamente outros.
Como um dos primeiros a revelar as leis do mecanismo do Universo, não por hipóteses, mas por uma demonstração irrecusável, Galileu abriu o caminho a novos progressos. Por isto mesmo, ele devia produzir uma revolução nas crenças, destruindo os andaimes dos sistemas científicos errados sobre os quais elas se apoiavam.
A cada um a sua missão. Nem Moisés, nem o Cristo tinham a de ensinar aos homens as leis da Ciência. O conhecimento dessas leis devia ser resultado do trabalho e das pesquisas do homem, da atividade e do desenvolvimento de seu próprio espírito, e não de uma revelação a priori, que lhe tivesse dado o saber sem esforço. Eles não deviam nem podiam lhe ter falado senão uma linguagem apropriada ao seu estado intelectual, pois do contrário não teriam sido compreendidos. Moisés e o Cristo tiveram sua função moralizadora. A gênios de outra ordem são deferidas as missões científicas. Ora, como as leis morais e as leis da Ciência são leis divinas, a Religião e a Filosofia não podem ser verdadeiras senão pela aliança dessas leis.
O Espiritismo é baseado na existência do princípio espiritual, como elemento constitutivo do Universo. Ele repousa sobre a universalidade e a perpetuidade dos seres inteligentes, sobre seu progresso indefinido através dos mundos e das gerações; sobre a pluralidade das existências corporais necessárias ao seu progresso individual; sobre sua cooperação relativa, como encarnados e desencarnados, na obra geral, na medida do progresso realizado; na solidariedade que une todos os seres de um mesmo mundo e dos mundos entre si. Nesse vasto conjunto, encarnados e desencarnados, cada um tem a sua missão, o seu papel, deveres a cumprir, desde o mais ínfimo até os anjos, que não são senão Espíritos humanos chegados ao estado de Espíritos puros, aos quais são confiadas as grandes missões, o governo dos mundos, como a generais experimentados. Em vez das solidões desertas do espaço sem limites, por toda parte a vida e a atividade, em parte alguma a ociosidade inútil; por toda parte o emprego dos conhecimentos adquiridos; por toda parte o desejo de continuar progredindo e de aumentar a soma de felicidades, pelo emprego útil das faculdades da inteligência. Em vez de uma existência efêmera e única, passada num cantinho da Terra, que decide para sempre sua sorte futura, que impõe limites ao progresso e torna estéril, para o futuro, o trabalho que ele toma para se instruir, o homem tem por domínio o Universo; nada do que ele sabe e do que faz fica perdido; o futuro lhe pertence; em vez do isolamento egoísta, a solidariedade universal; em vez do nada, segundo uns, a vida eterna; em vez da beatitude contemplativa perpétua, segundo outros, que a tornaria uma inutilidade perpétua, um papel ativo, proporcional ao mérito adquirido; em vez de castigos irremissíveis por faltas temporárias, a posição que cada um constrói para si, por sua perseverança no bem ou no mal; em vez de uma mancha original que o torna passível de faltas que não foram por ele cometidas, a consequência natural de suas próprias imperfeições nativas; em vez das chamas do inferno, a obrigação de reparar o mal que se fez e recomeçar o que se fez mal; em vez de um Deus colérico e vingativo, um Deus justo e bom, que leva em conta todo arrependimento e toda boa vontade.
Tal é, em resumo, o quadro que o Espiritismo apresenta, e que ressalta da própria situação dos Espíritos que se manifestam. Não é mais uma simples teoria, mas um resultado da observação. O homem que encara as coisas deste ponto de vista sente-se crescer; ele se revela aos seus próprios olhos; é estimulado em seus instintos progressivos ao ver um objetivo para os seus trabalhos, para os seus esforços por se melhorar.
Mas para compreender o Espiritismo em sua essência, na imensidade das coisas que ele abarca; para compreender o objetivo da vida e o destino do homem, não era preciso relegar a Humanidade para um pequeno globo, limitar a existência a alguns anos, apequenar o Criador e a criatura; para que o homem pudesse fazer uma ideia justa de seu papel no Universo, era preciso que ele compreendesse, pela pluralidade dos mundos, o campo aberto às suas explorações futuras e à atividade de seu espírito; para recuar indefinidamente os limites da Criação, para destruir os preconceitos sobre os lugares especiais de recompensa e de punição, sobre os diferentes estágios dos céus, era preciso que ele penetrasse as profundezas do espaço; que em lugar do cristalino e do empíreo, ele aí visse circular, em majestosa e perpétua harmonia, os mundos inumeráveis, semelhantes ao seu; que por toda parte seu pensamento encontrasse a criatura inteligente.
A história da Terra se liga à da Humanidade. Para que o homem pudesse desfazer-se de suas mesquinhas e falsas opiniões sobre a época, a duração e o modo de criação do nosso globo, de suas crenças lendárias sobre o dilúvio e sua própria origem; para que consentisse em desalojar do seio da Terra o inferno e o império de Satã, era preciso que pudesse ler nas camadas geológicas a história de sua formação e de suas revoluções físicas.
A Astronomia e a Geologia, secundadas pelas descobertas da Física e da Química, apoiadas nas leis da Mecânica, são as duas poderosas alavancas que derrubaram seus preconceitos sobre sua origem e seu destino.
A matéria e o espírito são os dois princípios constitutivos do Universo, mas o conhecimento das leis que regem a matéria devia preceder o das leis que regem o elemento espiritual; só as primeiras poderiam combater vitoriosamente os preconceitos, pela evidência dos fatos. O Espiritismo, que tem como objetivo especial o conhecimento do elemento espiritual, devia vir em segundo lugar; para que pudesse alçar voo e dar frutos, para que pudesse ser compreendido em seu conjunto, era preciso que ele encontrasse o terreno preparado, o campo do espírito humano varrido dos preconceitos e das ideias falsas, senão na totalidade, ao menos em grande parte, sem o que não teríamos tido senão um Espiritismo amesquinhado, bastardo, incompleto e misturado a crenças e práticas absurdas, como é ainda hoje nos povos atrasados. Se considerarmos a situação moral atual das nações adiantadas, reconheceremos que ele veio em tempo oportuno, para encher os vazios que se fazem nas crenças.
Galileu abriu o caminho. Rasgando o véu que ocultava o infinito, ele alargou o domínio da inteligência e desferiu um golpe fatal nas crenças errôneas; destruiu mais ideias falsas e superstições do que todas as filosofias, porque as sapou pela base, mostrando a realidade. O Espiritismo deve colocá-lo na categoria dos grandes gênios que abriram o caminho, derrubando as barreiras que a ignorância lhe opunha. As perseguições de que foi vítima, e que são o quinhão de quem quer que ataque os preconceitos e as ideias herdadas, fizeram-no grande aos olhos da posterioridade, ao mesmo tempo que rebaixaram os perseguidores. Quem é hoje o maior: eles ou ele?
Lamentamos que a falta de espaço não nos permita citar alguns fragmentos do belo drama do Sr. Ponsard. Fá-lo-emos no próximo número.
O destino da Humanidade está ligado à organização do Universo, como o do habitante o está à sua habitação. Na ignorância desta organização, o homem deve ter tido ideias, sobre o seu passado e o seu futuro, em relação ao estado de seus conhecimentos. Se ele tivesse sempre conhecido a estrutura da Terra, jamais teria pensado em colocar o inferno em suas entranhas; se tivesse conhecido o infinito do espaço e a multidão de mundos que aí se movem, não teria localizado o céu acima do céu das estrelas; não teria feito da Terra o ponto central do Universo, a única habitação dos seres vivos; não teria condenado a crença nos antípodas como uma heresia; se tivesse conhecido a Geologia, jamais teria acreditado na formação da Terra em seis dias e em sua existência há seis mil anos.
A ideia mesquinha que o homem fazia da Criação devia dar-lhe uma ideia mesquinha da divindade. Ele não pôde compreender a grandeza, o poder, a sabedoria infinitas do Criador senão quando seu pensamento pôde abarcar a imensidade do Universo e a sabedoria das leis que o regem, como se julga o gênio de um mecânico pelo conjunto, harmonia e precisão de um mecanismo, e não à vista de uma simples engrenagem. Só então as ideias puderam crescer e elevar-se acima de seu limitado horizonte. Em todos os tempos suas ideias religiosas foram calcadas na ideia que ele fazia de Deus e de sua obra. O erro de suas crenças sobre a origem e o destino da Humanidade tinha como causa sua ignorância das verdadeiras leis da Natureza. Se, desde a origem, ele tivesse conhecido essas leis, seus dogmas teriam sido completamente outros.
Como um dos primeiros a revelar as leis do mecanismo do Universo, não por hipóteses, mas por uma demonstração irrecusável, Galileu abriu o caminho a novos progressos. Por isto mesmo, ele devia produzir uma revolução nas crenças, destruindo os andaimes dos sistemas científicos errados sobre os quais elas se apoiavam.
A cada um a sua missão. Nem Moisés, nem o Cristo tinham a de ensinar aos homens as leis da Ciência. O conhecimento dessas leis devia ser resultado do trabalho e das pesquisas do homem, da atividade e do desenvolvimento de seu próprio espírito, e não de uma revelação a priori, que lhe tivesse dado o saber sem esforço. Eles não deviam nem podiam lhe ter falado senão uma linguagem apropriada ao seu estado intelectual, pois do contrário não teriam sido compreendidos. Moisés e o Cristo tiveram sua função moralizadora. A gênios de outra ordem são deferidas as missões científicas. Ora, como as leis morais e as leis da Ciência são leis divinas, a Religião e a Filosofia não podem ser verdadeiras senão pela aliança dessas leis.
O Espiritismo é baseado na existência do princípio espiritual, como elemento constitutivo do Universo. Ele repousa sobre a universalidade e a perpetuidade dos seres inteligentes, sobre seu progresso indefinido através dos mundos e das gerações; sobre a pluralidade das existências corporais necessárias ao seu progresso individual; sobre sua cooperação relativa, como encarnados e desencarnados, na obra geral, na medida do progresso realizado; na solidariedade que une todos os seres de um mesmo mundo e dos mundos entre si. Nesse vasto conjunto, encarnados e desencarnados, cada um tem a sua missão, o seu papel, deveres a cumprir, desde o mais ínfimo até os anjos, que não são senão Espíritos humanos chegados ao estado de Espíritos puros, aos quais são confiadas as grandes missões, o governo dos mundos, como a generais experimentados. Em vez das solidões desertas do espaço sem limites, por toda parte a vida e a atividade, em parte alguma a ociosidade inútil; por toda parte o emprego dos conhecimentos adquiridos; por toda parte o desejo de continuar progredindo e de aumentar a soma de felicidades, pelo emprego útil das faculdades da inteligência. Em vez de uma existência efêmera e única, passada num cantinho da Terra, que decide para sempre sua sorte futura, que impõe limites ao progresso e torna estéril, para o futuro, o trabalho que ele toma para se instruir, o homem tem por domínio o Universo; nada do que ele sabe e do que faz fica perdido; o futuro lhe pertence; em vez do isolamento egoísta, a solidariedade universal; em vez do nada, segundo uns, a vida eterna; em vez da beatitude contemplativa perpétua, segundo outros, que a tornaria uma inutilidade perpétua, um papel ativo, proporcional ao mérito adquirido; em vez de castigos irremissíveis por faltas temporárias, a posição que cada um constrói para si, por sua perseverança no bem ou no mal; em vez de uma mancha original que o torna passível de faltas que não foram por ele cometidas, a consequência natural de suas próprias imperfeições nativas; em vez das chamas do inferno, a obrigação de reparar o mal que se fez e recomeçar o que se fez mal; em vez de um Deus colérico e vingativo, um Deus justo e bom, que leva em conta todo arrependimento e toda boa vontade.
Tal é, em resumo, o quadro que o Espiritismo apresenta, e que ressalta da própria situação dos Espíritos que se manifestam. Não é mais uma simples teoria, mas um resultado da observação. O homem que encara as coisas deste ponto de vista sente-se crescer; ele se revela aos seus próprios olhos; é estimulado em seus instintos progressivos ao ver um objetivo para os seus trabalhos, para os seus esforços por se melhorar.
Mas para compreender o Espiritismo em sua essência, na imensidade das coisas que ele abarca; para compreender o objetivo da vida e o destino do homem, não era preciso relegar a Humanidade para um pequeno globo, limitar a existência a alguns anos, apequenar o Criador e a criatura; para que o homem pudesse fazer uma ideia justa de seu papel no Universo, era preciso que ele compreendesse, pela pluralidade dos mundos, o campo aberto às suas explorações futuras e à atividade de seu espírito; para recuar indefinidamente os limites da Criação, para destruir os preconceitos sobre os lugares especiais de recompensa e de punição, sobre os diferentes estágios dos céus, era preciso que ele penetrasse as profundezas do espaço; que em lugar do cristalino e do empíreo, ele aí visse circular, em majestosa e perpétua harmonia, os mundos inumeráveis, semelhantes ao seu; que por toda parte seu pensamento encontrasse a criatura inteligente.
A história da Terra se liga à da Humanidade. Para que o homem pudesse desfazer-se de suas mesquinhas e falsas opiniões sobre a época, a duração e o modo de criação do nosso globo, de suas crenças lendárias sobre o dilúvio e sua própria origem; para que consentisse em desalojar do seio da Terra o inferno e o império de Satã, era preciso que pudesse ler nas camadas geológicas a história de sua formação e de suas revoluções físicas.
A Astronomia e a Geologia, secundadas pelas descobertas da Física e da Química, apoiadas nas leis da Mecânica, são as duas poderosas alavancas que derrubaram seus preconceitos sobre sua origem e seu destino.
A matéria e o espírito são os dois princípios constitutivos do Universo, mas o conhecimento das leis que regem a matéria devia preceder o das leis que regem o elemento espiritual; só as primeiras poderiam combater vitoriosamente os preconceitos, pela evidência dos fatos. O Espiritismo, que tem como objetivo especial o conhecimento do elemento espiritual, devia vir em segundo lugar; para que pudesse alçar voo e dar frutos, para que pudesse ser compreendido em seu conjunto, era preciso que ele encontrasse o terreno preparado, o campo do espírito humano varrido dos preconceitos e das ideias falsas, senão na totalidade, ao menos em grande parte, sem o que não teríamos tido senão um Espiritismo amesquinhado, bastardo, incompleto e misturado a crenças e práticas absurdas, como é ainda hoje nos povos atrasados. Se considerarmos a situação moral atual das nações adiantadas, reconheceremos que ele veio em tempo oportuno, para encher os vazios que se fazem nas crenças.
Galileu abriu o caminho. Rasgando o véu que ocultava o infinito, ele alargou o domínio da inteligência e desferiu um golpe fatal nas crenças errôneas; destruiu mais ideias falsas e superstições do que todas as filosofias, porque as sapou pela base, mostrando a realidade. O Espiritismo deve colocá-lo na categoria dos grandes gênios que abriram o caminho, derrubando as barreiras que a ignorância lhe opunha. As perseguições de que foi vítima, e que são o quinhão de quem quer que ataque os preconceitos e as ideias herdadas, fizeram-no grande aos olhos da posterioridade, ao mesmo tempo que rebaixaram os perseguidores. Quem é hoje o maior: eles ou ele?
Lamentamos que a falta de espaço não nos permita citar alguns fragmentos do belo drama do Sr. Ponsard. Fá-lo-emos no próximo número.
Do Espírito profético
(Pelo conde Joseph de Maistre)
O conde Joseph de Maistre, nascido em Chambéry em 1753, falecido em 1821, foi enviado pelo rei da Sardenha, como ministro plenipotenciário na Rússia, em 1803. Ele deixou esse país em 1817, quando da expulsão dos jesuítas, cuja causa tinha abraçado.
Entre as suas obras, uma das mais conhecidas na literatura e no mundo religioso é a que se intitula: Soirées de Saint-Pétersbourg, publicada em 1821. Embora escrita do ponto de vista exclusivamente católico, certos pensamentos parecem inspirados pela previsão dos tempos presentes, e sob essa óptica, merecem particular atenção. As passagens seguintes são tiradas da décima primeira conversa, tomo II, pág. 121, edição de 1844.
...Mais do que nunca, senhores, devemos ocupar-nos dessas altas especulações, porque devemos estar preparados para um acontecimento imenso na ordem divina, para o qual avançamos em velocidade acelerada, que deve chocar todos os observadores. Não há mais religião na Terra. O gênero humano não pode ficar neste estado. Oráculos terríveis, aliás, anunciam que os tempos são chegados.
Vários teólogos, mesmo católicos, acreditaram que fatos de primeira ordem e pouco afastadas estavam anunciados na revelação de São João, e embora os teólogos protestantes, em geral, só tenham relatado tristes sonhos sobre esse mesmo livro, onde jamais viram senão o que desejavam, contudo, depois de haver pago esse infeliz tributo ao fanatismo de seita, vejo que certos escritores desse partido já adotam o princípio que: Várias profecias contidas no Apocalipse se referiam a nossos tempos modernos. Um desses escritores até chegou a dizer que o acontecimento estava começado, e que a nação francesa deveria ser o grande instrumento da maior das revoluções.
Talvez não haja um homem verdadeiramente religioso na Europa (falo da classe instruída), que no momento não espere algo de extraordinário. Ora, dizei-me, Senhores, credes que essa concordância de todos os homens possa ser desprezada? Não há nada além desse grito geral que anuncia grandes coisas? Remontai aos séculos passados; transportai-vos ao nascimento do Salvador. Naquela época, uma voz alta e misteriosa, partida das regiões orientais, não exclamava: “O Oriente está a ponto de triunfar? O vencedor partirá da Judeia; um menino divino nos é dado; ele vai aparecer; ele desce do mais alto dos céus; ele trará a idade de ouro sobre a Terra.” Vós sabeis o resto.
Estas ideias eram espalhadas universalmente, e como se prestavam infinitamente à poesia, o maior poeta latino delas se apoderou e as revestiu das mais brilhantes cores em seu Pollion, que foi depois traduzido em versos gregos muito belos e lidos nessa língua no Concílio de Niceia, por ordem do imperador Constantino. Certamente era bem digno da Providência ordenar que esse grande grito do gênero humano repercutisse para sempre nos versos imortais de Virgílio. Mas a incurável incredulidade do nosso século, em vez de ver nessa peça o que ela realmente encerra, isto é, um monumento inefável do espírito profético que então se agitava no Universo, diverte-se em provar-nos doutamente que Virgílio não era profeta, isto é, que uma flauta não sabe música, e que nada há de extraordinário na undécima écloga desse poeta. O materialismo que perverte a filosofia do nosso século, a impede de ver que a Doutrina dos Espíritos, e, em particular, a do espírito profético, é inteiramente plausível em si mesma, e, além disto, a mais bem sustentada pela mais universal e mais imponente tradição que já existiu. Como a eterna doença do homem é penetrar no futuro, é uma prova certa de que ele tem direitos sobre esse futuro, e de que tem meios de atingi-lo, ao menos em certas circunstâncias. Os oráculos antigos se atinham a esse movimento interior do homem, que o advertia de sua natureza e de seus direitos. A enorme erudição de Van Dale e as belas frases de Fontenelle foram em vão empregadas no século passado para estabelecer a nulidade geral desses oráculos. Mas, seja como for, jamais o homem teria recorrido aos oráculos, jamais ele teria podido imaginá-los, se não tivesse partido de uma ideia primitiva, em virtude da qual os via como possíveis, e mesmo como existentes.
O homem está sujeito ao tempo e, nada obstante, por sua natureza, estranho ao tempo. O profeta gozava do privilégio de sair do tempo; não estando mais as suas ideias distribuídas na duração, tocam-se em virtude da simples analogia e se confundem, o que necessariamente derrama uma grande confusão em seus discursos. O próprio Salvador submeteu-se a esse estado quando, entregue voluntariamente ao espírito profético, as ideias análogas de grandes desastres, separadas do tempo, conduziram-no a misturar a destruição de Jerusalém à do mundo. É ainda assim que David, conduzido por seus próprios sofrimentos a meditar sobre “o justo perseguido,” sai repentinamente do tempo e exclama, diante do futuro: “Eles trespassaram meus pés e minhas mãos; eles contaram os meus ossos; eles dividiram as minhas vestes; eles lançaram os dados sobre as minhas roupas.” (Salmos XXI, v. 18 e 19)[1].
Poderíamos acrescentar outras reflexões tiradas da astrologia judiciária, dos oráculos, das adivinhações de todo gênero, cujo abuso sem dúvida desonrou o espírito humano, mas que, entretanto, tinham uma raiz verdadeira, como todas as crenças em geral. O espírito profético é natural no homem e não cessará de se agitar no mundo. O homem, em todas as épocas e em todos os lugares, tentando penetrar no futuro, declara não ser feito para o tempo, porque o tempo é algo forçado, que só pede para acabar. Daí vem que, nos nossos sonhos, jamais temos ideia do tempo, e que o estado de sono sempre foi considerado favorável às comunicações divinas.
Se me perguntardes a seguir o que é o espírito profético, ao qual há pouco me referia, responder-vos-ei que “jamais houve no mundo grandes acontecimentos que não tivessem sido preditos de alguma maneira.” Maquiavel foi o primeiro homem de meu conhecimento que sustentou essa proposição. Mas se vós mesmos nela refletirdes, achareis que sua asserção está justificada ao longo de toda a história. Tendes um último exemplo dela na Revolução Francesa, predita de todos os lados e da maneira mais incontestável.
Mas, para voltar ao ponto de onde parti, credes que ao século de Virgílio faltavam belos espíritos que zombavam “do grande ano, do século de ouro, da casta Lucina, a augusta mãe, e do misterioso menino?” Entretanto, tudo isto havia chegado: “O menino, do alto do céu, estava prestes a descer.” E podeis ver em vários escritos, notadamente nas observações que Pope juntou à sua tradução em versos do Pollion, que essa peça poderia passar por uma versão de Isaías. Por que quereis que não o seja, mesmo hoje? O Universo está à espera. Como desprezaríamos essa grande persuasão, e com que direito condenaríamos os homens que, advertidos por esses sinais divinos, se entregam a santas pesquisas?
Quereis uma nova prova do que se prepara? Buscai nas ciências; considerai judiciosamente o avanço da Química, da própria Astronomia, e vereis para onde elas nos conduzem. Acreditaríeis, por exemplo, se disso não estivésseis advertidos, que Newton nos reconduz a Pitágoras, e que incessantemente será demonstrado que os corpos celestes são movidos precisamente como os corpos humanos, por inteligências que lhes estão unidas, sem que se saiba como? É o que, entretanto, está a ponto de se verificar, sem que haja, em breve, qualquer meio de argumentar. Esta doutrina poderá parecer paradoxal, sem dúvida, e mesmo ridícula, porque a opinião corrente o impõe, mas esperai que a afinidade natural da Religião e da Ciência as reúna na cabeça de um só homem de gênio; o aparecimento deste homem não poderia estar distante e talvez mesmo ele já exista. Ele será famoso e porá fim ao século dezoito, que ainda perdura, porque os séculos intelectuais não se regulam pelo calendário, como os séculos propriamente ditos. Então, as opiniões que hoje nos parecem bizarras ou insensatas, serão axiomas dos quais não será permitido duvidar, e falar-se-á de nossa estupidez atual, como nós falamos da superstição da Idade Média. A força das coisas já obrigou alguns sábios da escola materialista a fazerem concessões que os aproximam do espírito. E outros, não se podendo impedir de pressentir essa tendência surda de uma opinião poderosa, contra ela tomam precauções que talvez façam sobre os verdadeiros observadores mais impressão que uma resistência direta. Daí a sua atenção escrupulosa em não empregar senão expressões materiais. Eles nunca tratam, em seus escritos, senão de leis mecânicas, de princípios mecânicos, de astronomia física, etc. Não que eles não percebam muito bem que as teorias materialistas absolutamente não contentam a inteligência, porque existe algo de evidente para o espírito humano despreocupado: É que os movimentos do Universo não podem ser explicados apenas pelas leis mecânicas; mas é precisamente porque o sentem que eles, por assim dizer, põem palavras em guarda contra a verdade. Eles não querem confessá-lo, mas não são mais detidos senão pela obrigação ou pelo respeito humano. Os sábios europeus são neste momento espécies de conjurados ou de iniciados, como quiserdes chamá-los, que fizeram da ciência uma espécie de monopólio e que não querem absolutamente que ninguém saiba mais do que eles, ou de modo diferente deles. Mas essa ciência será incessantemente odiada por uma posterioridade iluminada que acusará justamente os adeptos de hoje por não terem sabido tirar das verdades que Deus lhes havia entregue as mais preciosas consequências para o homem. Então, toda a Ciência mudará de face; o espírito, longamente destronado, retomará o seu lugar.
Será demonstrado que todas as tradições antigas são verdadeiras; que o paganismo inteiro não passa de um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que, por assim dizer, basta limpá-las e recolocá-las em seu lugar, para vê-las brilhar em todo o seu esplendor.
Numa palavra, todas as ideias mudarão, e porque de todos os lados uma multidão de eleitos exclama em concerto: “Vinde Senhor, vinde!” por que censuraríeis esses homens que se lançam nesse futuro majestoso e se glorificam de adivinhá-lo? Como os poetas que, até nos nossos tempos de fraqueza e de decrepitude, ainda apresentam alguns pálidos clarões do espírito profético, os homens espiritualistas por vezes experimentam movimentos de entusiasmo e de inspiração que os transportam para o futuro, e lhes permitem pressentir os acontecimentos que o tempo amadureceu ao longe.
Lembrai-vos, senhor conde, do cumprimento que me dirigistes sobre minha erudição relativa ao número três. Com efeito, esse número se mostra de todos os lados, no mundo físico, como no mundo moral e nas coisas divinas. Deus falou uma primeira vez aos homens no Monte Sinai, e essa revelação foi concentrada, por motivos que ignoramos, nos estreitos limites de um só povo e de um só país. Após quinze séculos, uma segunda revelação se dirigiu a todos os homens sem distinção, e é aquela de que desfrutamos. Mas a universalidade de sua ação devia ser ainda infinitamente restringida pelas circunstâncias de tempo e de lugares. Quinze séculos a mais deviam escoar-se antes que a América visse a luz, e suas vastas regiões ainda encerram uma porção de hordas selvagens tão estranhas ao grande benefício, que seríamos levados a crer que elas dele são excluídas por natureza, em virtude de algum anátema primitivo inexplicável. Só o grande Lama tem mais súditos espirituais que o Papa; Bengala tem sessenta milhões de habitantes, a China tem duzentos, o Japão vinte e cinco ou trinta. Contemplai esses arquipélagos do grande Oceano que hoje formam uma quinta parte do mundo. Vossos missionários sem dúvida fizeram maravilhosos esforços para anunciar o Evangelho nalgumas dessas regiões longínquas, mas vedes com que sucesso. Quantas miríades de homens que a boa nova jamais atingirá! A cimitarra do filho de Ismael não expulsou inteiramente o Cristianismo da África e da Ásia? E em nossa Europa, que espetáculo se oferece ao olho religioso!...
Contemplai este quadro lúgubre; juntai a espera dos homens escolhidos, e vereis se os iluminados estão errados ao encarar como mais ou menos próxima uma terceira explosão da onipotente bondade em favor do gênero humano. Eu não terminaria se quisesse reunir todas as provas que se reúnem para justificar esta grande espera. Ainda uma vez, não censureis as pessoas que disto se ocupam e que veem na própria revelação, razões para prever uma revelação da revelação. Se quiserdes, chamai esses homens iluminados, que estarei inteiramente de acordo convosco, desde que pronuncieis esse nome seriamente.
Tudo anuncia, e vossas próprias observações o demonstram, não sei qual grande unidade para a qual marchamos a grandes passos. Não podeis, pois, sem vos pôr em contradição convosco mesmos, condenar os que de longe saúdam essa unidade e tentam, conforme suas forças, penetrar mistérios tão terríveis, sem dúvida, mas ao mesmo tempo tão consoladores para nós.
E não digais que tudo está dito, que tudo está revelado e que não nos é permitido esperar nada de novo. Sem dúvida nada nos falta para a salvação. Mas, do lado dos conhecimentos divinos, falta-nos muito; e quanto às manifestações futuras, como vedes, tenho mil razões para confiar, ao passo que não tendes nenhuma para me provar o contrário. O hebreu que cumpria a lei não estava em segurança de consciência? Eu vos citaria, se fosse preciso, não sei quantas passagens da Bíblia que prometem ao sacrifício judaico e ao trono de David uma duração igual à do Sol. O judeu, que se mantinha na casca, tinha toda razão, até o acontecimento, de crer no reino temporal do Messias; nada obstante, enganava-se, como se viu depois, mas sabemos o que nos aguarda a nós mesmos? Deus estará conosco até a consumação dos séculos; as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, etc. Muito bem! Disso resulta, pergunto-vos, que Deus interditou toda manifestação nova e não lhe é mais permitido ensinar-nos nada além do que sabemos? Convenhamos que seria um estranho argumento.
Estando uma nova efusão do Espírito Santo, para o futuro, no rol das coisas mais razoavelmente esperadas, é preciso que os pregadores desse dom novo possam citar a Escritura Sagrada a todos os povos. Os apóstolos não são tradutores; eles têm muitas outras ocupações; mas a Sociedade Bíblica, instrumento cego da Providência, prepara suas diferentes versões que os verdadeiros enviados explicarão um dia, em virtude de uma missão legítima, nova ou primitiva, não importa, que expulsará a dúvida da cidade de Deus; e é assim que os terríveis inimigos da unidade trabalham para estabelecê-la.
OBSERVAÇÃO: Estas palavras são muito mais notáveis pelo fato de emanarem de um homem de um mérito incontestável como escritor, e que é tido em grande estima no mundo religioso. Talvez não se tenha visto tudo quanto elas encerram, porque são um protesto evidente contra o absolutismo e o estreito exclusivismo de certas doutrinas. Elas denotam no autor uma amplidão de vistas que tange a independência filosófica. Muitas vezes a ortodoxia se escandaliza por menos. As passagens em destaque são bastante explícitas e é supérfluo comentá-las. Sobretudo os espíritas compreenderão facilmente o seu alcance. Seria impossível não ver aí a previsão de coisas que hoje se passam e das que o futuro reserva para a Humanidade, tamanha a relação dessas palavras com o estado atual e com o que, por todos os lados, anunciam os Espíritos.
[1] No original consta Salmo XXV, v. 17. Vide Erratum na última página do número de março de 1868.
Entre as suas obras, uma das mais conhecidas na literatura e no mundo religioso é a que se intitula: Soirées de Saint-Pétersbourg, publicada em 1821. Embora escrita do ponto de vista exclusivamente católico, certos pensamentos parecem inspirados pela previsão dos tempos presentes, e sob essa óptica, merecem particular atenção. As passagens seguintes são tiradas da décima primeira conversa, tomo II, pág. 121, edição de 1844.
...Mais do que nunca, senhores, devemos ocupar-nos dessas altas especulações, porque devemos estar preparados para um acontecimento imenso na ordem divina, para o qual avançamos em velocidade acelerada, que deve chocar todos os observadores. Não há mais religião na Terra. O gênero humano não pode ficar neste estado. Oráculos terríveis, aliás, anunciam que os tempos são chegados.
Vários teólogos, mesmo católicos, acreditaram que fatos de primeira ordem e pouco afastadas estavam anunciados na revelação de São João, e embora os teólogos protestantes, em geral, só tenham relatado tristes sonhos sobre esse mesmo livro, onde jamais viram senão o que desejavam, contudo, depois de haver pago esse infeliz tributo ao fanatismo de seita, vejo que certos escritores desse partido já adotam o princípio que: Várias profecias contidas no Apocalipse se referiam a nossos tempos modernos. Um desses escritores até chegou a dizer que o acontecimento estava começado, e que a nação francesa deveria ser o grande instrumento da maior das revoluções.
Talvez não haja um homem verdadeiramente religioso na Europa (falo da classe instruída), que no momento não espere algo de extraordinário. Ora, dizei-me, Senhores, credes que essa concordância de todos os homens possa ser desprezada? Não há nada além desse grito geral que anuncia grandes coisas? Remontai aos séculos passados; transportai-vos ao nascimento do Salvador. Naquela época, uma voz alta e misteriosa, partida das regiões orientais, não exclamava: “O Oriente está a ponto de triunfar? O vencedor partirá da Judeia; um menino divino nos é dado; ele vai aparecer; ele desce do mais alto dos céus; ele trará a idade de ouro sobre a Terra.” Vós sabeis o resto.
Estas ideias eram espalhadas universalmente, e como se prestavam infinitamente à poesia, o maior poeta latino delas se apoderou e as revestiu das mais brilhantes cores em seu Pollion, que foi depois traduzido em versos gregos muito belos e lidos nessa língua no Concílio de Niceia, por ordem do imperador Constantino. Certamente era bem digno da Providência ordenar que esse grande grito do gênero humano repercutisse para sempre nos versos imortais de Virgílio. Mas a incurável incredulidade do nosso século, em vez de ver nessa peça o que ela realmente encerra, isto é, um monumento inefável do espírito profético que então se agitava no Universo, diverte-se em provar-nos doutamente que Virgílio não era profeta, isto é, que uma flauta não sabe música, e que nada há de extraordinário na undécima écloga desse poeta. O materialismo que perverte a filosofia do nosso século, a impede de ver que a Doutrina dos Espíritos, e, em particular, a do espírito profético, é inteiramente plausível em si mesma, e, além disto, a mais bem sustentada pela mais universal e mais imponente tradição que já existiu. Como a eterna doença do homem é penetrar no futuro, é uma prova certa de que ele tem direitos sobre esse futuro, e de que tem meios de atingi-lo, ao menos em certas circunstâncias. Os oráculos antigos se atinham a esse movimento interior do homem, que o advertia de sua natureza e de seus direitos. A enorme erudição de Van Dale e as belas frases de Fontenelle foram em vão empregadas no século passado para estabelecer a nulidade geral desses oráculos. Mas, seja como for, jamais o homem teria recorrido aos oráculos, jamais ele teria podido imaginá-los, se não tivesse partido de uma ideia primitiva, em virtude da qual os via como possíveis, e mesmo como existentes.
O homem está sujeito ao tempo e, nada obstante, por sua natureza, estranho ao tempo. O profeta gozava do privilégio de sair do tempo; não estando mais as suas ideias distribuídas na duração, tocam-se em virtude da simples analogia e se confundem, o que necessariamente derrama uma grande confusão em seus discursos. O próprio Salvador submeteu-se a esse estado quando, entregue voluntariamente ao espírito profético, as ideias análogas de grandes desastres, separadas do tempo, conduziram-no a misturar a destruição de Jerusalém à do mundo. É ainda assim que David, conduzido por seus próprios sofrimentos a meditar sobre “o justo perseguido,” sai repentinamente do tempo e exclama, diante do futuro: “Eles trespassaram meus pés e minhas mãos; eles contaram os meus ossos; eles dividiram as minhas vestes; eles lançaram os dados sobre as minhas roupas.” (Salmos XXI, v. 18 e 19)[1].
Poderíamos acrescentar outras reflexões tiradas da astrologia judiciária, dos oráculos, das adivinhações de todo gênero, cujo abuso sem dúvida desonrou o espírito humano, mas que, entretanto, tinham uma raiz verdadeira, como todas as crenças em geral. O espírito profético é natural no homem e não cessará de se agitar no mundo. O homem, em todas as épocas e em todos os lugares, tentando penetrar no futuro, declara não ser feito para o tempo, porque o tempo é algo forçado, que só pede para acabar. Daí vem que, nos nossos sonhos, jamais temos ideia do tempo, e que o estado de sono sempre foi considerado favorável às comunicações divinas.
Se me perguntardes a seguir o que é o espírito profético, ao qual há pouco me referia, responder-vos-ei que “jamais houve no mundo grandes acontecimentos que não tivessem sido preditos de alguma maneira.” Maquiavel foi o primeiro homem de meu conhecimento que sustentou essa proposição. Mas se vós mesmos nela refletirdes, achareis que sua asserção está justificada ao longo de toda a história. Tendes um último exemplo dela na Revolução Francesa, predita de todos os lados e da maneira mais incontestável.
Mas, para voltar ao ponto de onde parti, credes que ao século de Virgílio faltavam belos espíritos que zombavam “do grande ano, do século de ouro, da casta Lucina, a augusta mãe, e do misterioso menino?” Entretanto, tudo isto havia chegado: “O menino, do alto do céu, estava prestes a descer.” E podeis ver em vários escritos, notadamente nas observações que Pope juntou à sua tradução em versos do Pollion, que essa peça poderia passar por uma versão de Isaías. Por que quereis que não o seja, mesmo hoje? O Universo está à espera. Como desprezaríamos essa grande persuasão, e com que direito condenaríamos os homens que, advertidos por esses sinais divinos, se entregam a santas pesquisas?
Quereis uma nova prova do que se prepara? Buscai nas ciências; considerai judiciosamente o avanço da Química, da própria Astronomia, e vereis para onde elas nos conduzem. Acreditaríeis, por exemplo, se disso não estivésseis advertidos, que Newton nos reconduz a Pitágoras, e que incessantemente será demonstrado que os corpos celestes são movidos precisamente como os corpos humanos, por inteligências que lhes estão unidas, sem que se saiba como? É o que, entretanto, está a ponto de se verificar, sem que haja, em breve, qualquer meio de argumentar. Esta doutrina poderá parecer paradoxal, sem dúvida, e mesmo ridícula, porque a opinião corrente o impõe, mas esperai que a afinidade natural da Religião e da Ciência as reúna na cabeça de um só homem de gênio; o aparecimento deste homem não poderia estar distante e talvez mesmo ele já exista. Ele será famoso e porá fim ao século dezoito, que ainda perdura, porque os séculos intelectuais não se regulam pelo calendário, como os séculos propriamente ditos. Então, as opiniões que hoje nos parecem bizarras ou insensatas, serão axiomas dos quais não será permitido duvidar, e falar-se-á de nossa estupidez atual, como nós falamos da superstição da Idade Média. A força das coisas já obrigou alguns sábios da escola materialista a fazerem concessões que os aproximam do espírito. E outros, não se podendo impedir de pressentir essa tendência surda de uma opinião poderosa, contra ela tomam precauções que talvez façam sobre os verdadeiros observadores mais impressão que uma resistência direta. Daí a sua atenção escrupulosa em não empregar senão expressões materiais. Eles nunca tratam, em seus escritos, senão de leis mecânicas, de princípios mecânicos, de astronomia física, etc. Não que eles não percebam muito bem que as teorias materialistas absolutamente não contentam a inteligência, porque existe algo de evidente para o espírito humano despreocupado: É que os movimentos do Universo não podem ser explicados apenas pelas leis mecânicas; mas é precisamente porque o sentem que eles, por assim dizer, põem palavras em guarda contra a verdade. Eles não querem confessá-lo, mas não são mais detidos senão pela obrigação ou pelo respeito humano. Os sábios europeus são neste momento espécies de conjurados ou de iniciados, como quiserdes chamá-los, que fizeram da ciência uma espécie de monopólio e que não querem absolutamente que ninguém saiba mais do que eles, ou de modo diferente deles. Mas essa ciência será incessantemente odiada por uma posterioridade iluminada que acusará justamente os adeptos de hoje por não terem sabido tirar das verdades que Deus lhes havia entregue as mais preciosas consequências para o homem. Então, toda a Ciência mudará de face; o espírito, longamente destronado, retomará o seu lugar.
Será demonstrado que todas as tradições antigas são verdadeiras; que o paganismo inteiro não passa de um sistema de verdades corrompidas e deslocadas; que, por assim dizer, basta limpá-las e recolocá-las em seu lugar, para vê-las brilhar em todo o seu esplendor.
Numa palavra, todas as ideias mudarão, e porque de todos os lados uma multidão de eleitos exclama em concerto: “Vinde Senhor, vinde!” por que censuraríeis esses homens que se lançam nesse futuro majestoso e se glorificam de adivinhá-lo? Como os poetas que, até nos nossos tempos de fraqueza e de decrepitude, ainda apresentam alguns pálidos clarões do espírito profético, os homens espiritualistas por vezes experimentam movimentos de entusiasmo e de inspiração que os transportam para o futuro, e lhes permitem pressentir os acontecimentos que o tempo amadureceu ao longe.
Lembrai-vos, senhor conde, do cumprimento que me dirigistes sobre minha erudição relativa ao número três. Com efeito, esse número se mostra de todos os lados, no mundo físico, como no mundo moral e nas coisas divinas. Deus falou uma primeira vez aos homens no Monte Sinai, e essa revelação foi concentrada, por motivos que ignoramos, nos estreitos limites de um só povo e de um só país. Após quinze séculos, uma segunda revelação se dirigiu a todos os homens sem distinção, e é aquela de que desfrutamos. Mas a universalidade de sua ação devia ser ainda infinitamente restringida pelas circunstâncias de tempo e de lugares. Quinze séculos a mais deviam escoar-se antes que a América visse a luz, e suas vastas regiões ainda encerram uma porção de hordas selvagens tão estranhas ao grande benefício, que seríamos levados a crer que elas dele são excluídas por natureza, em virtude de algum anátema primitivo inexplicável. Só o grande Lama tem mais súditos espirituais que o Papa; Bengala tem sessenta milhões de habitantes, a China tem duzentos, o Japão vinte e cinco ou trinta. Contemplai esses arquipélagos do grande Oceano que hoje formam uma quinta parte do mundo. Vossos missionários sem dúvida fizeram maravilhosos esforços para anunciar o Evangelho nalgumas dessas regiões longínquas, mas vedes com que sucesso. Quantas miríades de homens que a boa nova jamais atingirá! A cimitarra do filho de Ismael não expulsou inteiramente o Cristianismo da África e da Ásia? E em nossa Europa, que espetáculo se oferece ao olho religioso!...
Contemplai este quadro lúgubre; juntai a espera dos homens escolhidos, e vereis se os iluminados estão errados ao encarar como mais ou menos próxima uma terceira explosão da onipotente bondade em favor do gênero humano. Eu não terminaria se quisesse reunir todas as provas que se reúnem para justificar esta grande espera. Ainda uma vez, não censureis as pessoas que disto se ocupam e que veem na própria revelação, razões para prever uma revelação da revelação. Se quiserdes, chamai esses homens iluminados, que estarei inteiramente de acordo convosco, desde que pronuncieis esse nome seriamente.
Tudo anuncia, e vossas próprias observações o demonstram, não sei qual grande unidade para a qual marchamos a grandes passos. Não podeis, pois, sem vos pôr em contradição convosco mesmos, condenar os que de longe saúdam essa unidade e tentam, conforme suas forças, penetrar mistérios tão terríveis, sem dúvida, mas ao mesmo tempo tão consoladores para nós.
E não digais que tudo está dito, que tudo está revelado e que não nos é permitido esperar nada de novo. Sem dúvida nada nos falta para a salvação. Mas, do lado dos conhecimentos divinos, falta-nos muito; e quanto às manifestações futuras, como vedes, tenho mil razões para confiar, ao passo que não tendes nenhuma para me provar o contrário. O hebreu que cumpria a lei não estava em segurança de consciência? Eu vos citaria, se fosse preciso, não sei quantas passagens da Bíblia que prometem ao sacrifício judaico e ao trono de David uma duração igual à do Sol. O judeu, que se mantinha na casca, tinha toda razão, até o acontecimento, de crer no reino temporal do Messias; nada obstante, enganava-se, como se viu depois, mas sabemos o que nos aguarda a nós mesmos? Deus estará conosco até a consumação dos séculos; as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, etc. Muito bem! Disso resulta, pergunto-vos, que Deus interditou toda manifestação nova e não lhe é mais permitido ensinar-nos nada além do que sabemos? Convenhamos que seria um estranho argumento.
Estando uma nova efusão do Espírito Santo, para o futuro, no rol das coisas mais razoavelmente esperadas, é preciso que os pregadores desse dom novo possam citar a Escritura Sagrada a todos os povos. Os apóstolos não são tradutores; eles têm muitas outras ocupações; mas a Sociedade Bíblica, instrumento cego da Providência, prepara suas diferentes versões que os verdadeiros enviados explicarão um dia, em virtude de uma missão legítima, nova ou primitiva, não importa, que expulsará a dúvida da cidade de Deus; e é assim que os terríveis inimigos da unidade trabalham para estabelecê-la.
OBSERVAÇÃO: Estas palavras são muito mais notáveis pelo fato de emanarem de um homem de um mérito incontestável como escritor, e que é tido em grande estima no mundo religioso. Talvez não se tenha visto tudo quanto elas encerram, porque são um protesto evidente contra o absolutismo e o estreito exclusivismo de certas doutrinas. Elas denotam no autor uma amplidão de vistas que tange a independência filosófica. Muitas vezes a ortodoxia se escandaliza por menos. As passagens em destaque são bastante explícitas e é supérfluo comentá-las. Sobretudo os espíritas compreenderão facilmente o seu alcance. Seria impossível não ver aí a previsão de coisas que hoje se passam e das que o futuro reserva para a Humanidade, tamanha a relação dessas palavras com o estado atual e com o que, por todos os lados, anunciam os Espíritos.
[1] No original consta Salmo XXV, v. 17. Vide Erratum na última página do número de março de 1868.
Comunicação de Joseph de Maistre
(Sociedade de Paris, 22 de março de 1867 - Médium: Sr. Desliens)
Pergunta. ─ Conforme os pensamentos contidos nos fragmentos que acabam de ser lidos, vós mesmo pareceis ter sido animado pelo espírito profético do qual falais e que descreveis tão bem. Apenas meio século nos separa da época em que escrevíeis estas linhas admiráveis, e já vemos se realizarem as vossas previsões. Talvez não seja do ponto de vista exclusivo em que então vos colocavam as vossas crenças, mas com certeza tudo nos mostra como iminente e em vias de realizar-se a grande revolução moral que pressentistes e que preparam as ideias novas. O que dizeis tem uma relação tão evidente com o Espiritismo, que podemos, com toda razão, considerar-vos como um dos profetas de sua vinda. Sem dúvida a Providência vos havia colocado no meio em que, pelo fato dos vossos princípios, vossas palavras deviam ter mais autoridade. Elas foram compreendidas por vosso partido? Ele ainda as compreende hoje? É licito duvidar.
Hoje, que podeis encarar as coisas de maneira mais larga e abarcar mais vastos horizontes, teríamos prazer em ter a vossa apreciação atual sobre o espírito profético e sobre a parte que deve ter o Espiritismo no movimento regenerador.
Além disto, ficaríamos muito honrados se pudéssemos contar-vos, para o futuro, no número dos bons Espíritos que querem concorrer para a nossa instrução.
Resposta. ─ Senhores, embora não seja a primeira vez que me encontro entre vós, como me introduzi oficialmente hoje, pedirei que aceiteis os meus agradecimentos pelas palavras benevolentes que tivestes a delicadeza de pronunciar em minha intenção e que recebais minhas felicitações pela sinceridade e pelo devotamento que presidem aos vossos trabalhos.
O amor à verdade foi o meu guia único, e se em vida fui partidário de uma seita que aprenderam a julgar com severidade, é que eu cria nela achar os elementos, a força de ação necessária para chegar ao conhecimento dessa verdade que suspeitava. ─ Eu vi a terra prometida, mas não pude nela penetrar em vida. Mais felizes que eu, senhores, aproveitai o favor que vos é conferido por vossa boa vontade, melhorando o vosso coração e o vosso espírito, e fazendo partilhar de vossa felicidade todos aqueles de vossos irmãos em Humanidade, que não oporão à vossa propaganda senão a reserva natural a cada homem colocado diante do desconhecido.
Como eles, eu teria querido racionalizar a vossa crença antes de aceitá-la, mas não a teria odiado, por mais bizarros que fossem seus meios de manifestação, pela simples razão que ela poderia prejudicar os meus interesses, ou porque me agradasse agir assim.
Pudestes convencer-vos disto, pois eu estava com o clero, como adepto da moral do Evangelho, mas não estava com ele como partidário da imutabilidade do ensino e da impossibilidade de novas manifestações da vontade divina. Penetrado das Santas Escrituras, que eu li, reli e comentei, a letra e o espírito me faziam prever o novo acontecimento. Agradeço a Deus por isso, porquanto eu era feliz em esperança, para mim que sentia intuitivamente que participaria da felicidade de conhecer as novas verdades, em qualquer parte onde eu estivesse; por meus irmãos em Humanidade que veriam se dissiparem as trevas da ignorância e do erro, diante de uma evidência irrefutável.
O espírito profético abrasa o mundo inteiro com seus eflúvios regeneradores. ─ Na Europa, como na América, na Ásia, em toda parte, entre os católicos como entre os muçulmanos, em todos os países, em todos os climas, em todas as seitas religiosas, a nova revelação se infiltra, com a criança que nasce, com o jovem que se desenvolve, com o velho que se vai. ─ Uns chegam com os materiais necessários para a edificação da obra; outros aspiram a um mundo que lhes revelará os mistérios que pressentem. ─ E, se a perseguição moral vos verga ao seu jugo, se o interesse material, a posição social detém alguns dos filhos do Espírito em sua marcha ascendente, esses serão os mártires do pensamento, cujos suores intelectuais fecundarão o ensino e prepararão as gerações do futuro para uma vida nova.
Na França o Espiritismo se manifesta sob outro nome que na Ásia. Ele tem agentes nas diversas nuanças da religião católica, como as tem entre os sectários da religião muçulmana. ─ Lá a revelação, num grau inferior de desenvolvimento, é afogada no sangue; nem por isto deixa de prosseguir a sua marcha e suas ramificações cercam o mundo numa vasta rede cujas malhas vão se apertando à medida que o elemento regenerador mais se desvela. ─ Católicos e protestantes buscam fazer penetrar a nova crença entre os filhos do Islã, ainda que encontrando obstáculos intransponíveis e mesmo que muito raros adeptos viessem colocar-se sob sua bandeira.
O espírito profético aí tomou outra forma; assemelhou ou a sua linguagem, suas instruções, às formas materiais e aos pensamentos íntimos daqueles a quem se dirigia. ─ Bendizei a Providência, que vê melhor que vós como e por quem ela deve trazer o movimento que impele os mundos para o infinito.
A aspiração a novos conhecimentos está no ar que respiramos, no livro que é escrito, no quadro que se pinta; a ideia se imprime no mármore do estatuário como na pena do historiador, e aquele que muito se admirasse de ser colocado entre os espíritas, é um instrumento da Onipotência para a edificação do Espiritismo.
Interrompo esta comunicação, que se torna fatigante para o médium, que não está habituado ao meu influxo fluídico. Continuá-la-ei em outra oportunidade, e virei, porquanto este é vosso desejo, trazer minha parte de ação aos vossos trabalhos, pois não mais me contento de a eles assistir como testemunha invisível ou como inspirador desconhecido que tenho sido muitas vezes.
J. DE MAISTRE
Hoje, que podeis encarar as coisas de maneira mais larga e abarcar mais vastos horizontes, teríamos prazer em ter a vossa apreciação atual sobre o espírito profético e sobre a parte que deve ter o Espiritismo no movimento regenerador.
Além disto, ficaríamos muito honrados se pudéssemos contar-vos, para o futuro, no número dos bons Espíritos que querem concorrer para a nossa instrução.
Resposta. ─ Senhores, embora não seja a primeira vez que me encontro entre vós, como me introduzi oficialmente hoje, pedirei que aceiteis os meus agradecimentos pelas palavras benevolentes que tivestes a delicadeza de pronunciar em minha intenção e que recebais minhas felicitações pela sinceridade e pelo devotamento que presidem aos vossos trabalhos.
O amor à verdade foi o meu guia único, e se em vida fui partidário de uma seita que aprenderam a julgar com severidade, é que eu cria nela achar os elementos, a força de ação necessária para chegar ao conhecimento dessa verdade que suspeitava. ─ Eu vi a terra prometida, mas não pude nela penetrar em vida. Mais felizes que eu, senhores, aproveitai o favor que vos é conferido por vossa boa vontade, melhorando o vosso coração e o vosso espírito, e fazendo partilhar de vossa felicidade todos aqueles de vossos irmãos em Humanidade, que não oporão à vossa propaganda senão a reserva natural a cada homem colocado diante do desconhecido.
Como eles, eu teria querido racionalizar a vossa crença antes de aceitá-la, mas não a teria odiado, por mais bizarros que fossem seus meios de manifestação, pela simples razão que ela poderia prejudicar os meus interesses, ou porque me agradasse agir assim.
Pudestes convencer-vos disto, pois eu estava com o clero, como adepto da moral do Evangelho, mas não estava com ele como partidário da imutabilidade do ensino e da impossibilidade de novas manifestações da vontade divina. Penetrado das Santas Escrituras, que eu li, reli e comentei, a letra e o espírito me faziam prever o novo acontecimento. Agradeço a Deus por isso, porquanto eu era feliz em esperança, para mim que sentia intuitivamente que participaria da felicidade de conhecer as novas verdades, em qualquer parte onde eu estivesse; por meus irmãos em Humanidade que veriam se dissiparem as trevas da ignorância e do erro, diante de uma evidência irrefutável.
O espírito profético abrasa o mundo inteiro com seus eflúvios regeneradores. ─ Na Europa, como na América, na Ásia, em toda parte, entre os católicos como entre os muçulmanos, em todos os países, em todos os climas, em todas as seitas religiosas, a nova revelação se infiltra, com a criança que nasce, com o jovem que se desenvolve, com o velho que se vai. ─ Uns chegam com os materiais necessários para a edificação da obra; outros aspiram a um mundo que lhes revelará os mistérios que pressentem. ─ E, se a perseguição moral vos verga ao seu jugo, se o interesse material, a posição social detém alguns dos filhos do Espírito em sua marcha ascendente, esses serão os mártires do pensamento, cujos suores intelectuais fecundarão o ensino e prepararão as gerações do futuro para uma vida nova.
Na França o Espiritismo se manifesta sob outro nome que na Ásia. Ele tem agentes nas diversas nuanças da religião católica, como as tem entre os sectários da religião muçulmana. ─ Lá a revelação, num grau inferior de desenvolvimento, é afogada no sangue; nem por isto deixa de prosseguir a sua marcha e suas ramificações cercam o mundo numa vasta rede cujas malhas vão se apertando à medida que o elemento regenerador mais se desvela. ─ Católicos e protestantes buscam fazer penetrar a nova crença entre os filhos do Islã, ainda que encontrando obstáculos intransponíveis e mesmo que muito raros adeptos viessem colocar-se sob sua bandeira.
O espírito profético aí tomou outra forma; assemelhou ou a sua linguagem, suas instruções, às formas materiais e aos pensamentos íntimos daqueles a quem se dirigia. ─ Bendizei a Providência, que vê melhor que vós como e por quem ela deve trazer o movimento que impele os mundos para o infinito.
A aspiração a novos conhecimentos está no ar que respiramos, no livro que é escrito, no quadro que se pinta; a ideia se imprime no mármore do estatuário como na pena do historiador, e aquele que muito se admirasse de ser colocado entre os espíritas, é um instrumento da Onipotência para a edificação do Espiritismo.
Interrompo esta comunicação, que se torna fatigante para o médium, que não está habituado ao meu influxo fluídico. Continuá-la-ei em outra oportunidade, e virei, porquanto este é vosso desejo, trazer minha parte de ação aos vossos trabalhos, pois não mais me contento de a eles assistir como testemunha invisível ou como inspirador desconhecido que tenho sido muitas vezes.
J. DE MAISTRE
The league of teaching
Second article – see previous issue
Regarding the article that we published about the league of teaching, we received the following letter from Mr. Macé, its founder, that we believe to be our duty to publish. If we have set out the grounds on which we base the restrictive opinion that we expressed, it is entirely fair to publish the author's explanations.
“Beblenheim, March 5th, 1867.
Sir,
Mr. Ed. Vauchez communicates to me what you have said about the league of teaching in the Spiritist Review, and I take the liberty of sending you, not an answer to be published in your Revue, but some personal explanations about the goalthat I am pursuing, and the plan that I have outlined. I would be happy if they could dispel the scruples that hold you back and rally you to a project that does not have, at least in my mind, the vagueness that you saw in it. It is a matter of bringing together, in each locality, all those who feel ready to act as citizens, by personally contributing to the development of public education around them. Each group will necessarily have to make its own program, for the extent of their action is necessarily determined by their means of action.
There, it was quite impossible for me to specify anything; but the nature of that action, the fundamental point, I specified it in the clearest and most distinct way: To carry out pure and simple education, apart from any concern of sect and of party; this is a first uniform article, written in advance as the heading of all flyers; there is where the moral unity is going to be. Any circle that would infringe it would automatically exit the league. You are, I have no doubt, too loyal not to agree that there will not be room for any disappointment, after this, when it comes to the execution. There could be no disappointment except from those who entered the league with the secret hope of making it serve the success of a particular opinion: they are warned.
As for the intentions that the author of the project himself might have, and the trust that should be put on him, allow me to stick to an answer I already gave once to a suspicion expressed in the Annals of Labor, that I ask you to be aware of. It addresses a doubt about my liberal tendencies; it might as well address the doubts that might arise in other minds, as to the trustworthiness of my declaration of neutrality.
I dare to hope, Sir, that these explanations will appear sufficiently clear to you to modify your first impression, and that you will think it right, if so, to tell your readers. Every good citizen owes the support of their personal influence to what they recognize as useful, and I feel so convinced of the usefulness of our League project, that it seems impossible to me that it could escape such an experimented Spirit, like yours.
Receive, Sir, my very cordial and fraternal greetings.
Jean Macé”
To this letter, Mr. Macé was kind enough to attach the issue of the Annals of Labor, where the answer mentioned above can be found, and that we reproduce in full:
“Beblenheim, January 4th, 1867
Mr. Editor,
The objection that has been made to you relative to a possible modification of my liberal ideas, and consequently, to the danger, also possible, of a bad direction given to the teaching of the League, such objection seems distressing to me, and I ask your permission to reply to those who brought it up to you, not for what concerns me - I consider it useless - but for the honor of my idea that they did not understand. The League does not teach anything, and it will have no direction to give; it is, therefore, superfluous to worry now about the liberal opinions of whoever seeks to found it.
I appeal to all those who take to heart the development of education in their country and who wish to work with that, either by teaching others, or by learning themselves. I invite them to join forces at all points of the territory; to act as citizens, fighting ignorance, with their purse, and in person, what is even better; to chase down, man to man, the bad fathers who do not send their children to school; to shame comrades that cannot read or write, and to remind them that there is always time; to put the book and the pen in their hand, if necessary, improvising teachers, each one on what they know; to create courses and libraries, for the benefit of the ignorant that wishes to stop being ignorant; to form, finally, throughout France, a single bundle to lend each other mutual support against enemy influences - there is, unfortunately, in a supposedly dangerous elevation in the intellectual level of the people.
If all this happen, please tell me, in which disturbing sense could this universal movement be led by anyone? If, for example, the workers in Paris organize themselves in societies of intellectual culture, like those that exist by the hundreds in the German towns, and of which Mr. Edouard Pfeiffer, the President of the Association of Education of the People of Württemberg, explained the operation in such an interesting way, in the issue of Cooperation of last September 30th; that if, in the Faubourg Saint-Antoine, in the Temple district, in Montmartre, in Batignolles, groups of workers, that joined the League, gottogether to give each other, on certain days, educational evenings with teachers of good will, or even paid, why not?
English and German workers do not deny themselves such luxury – I would like to know what the doctrines of a professor of young ladies, who teaches in Beblenheim, and that has no desire to change students, won't these people be at home? Will they have permissions to ask me for?
It is not that I am defending myself from having a doctrine, in matters of popular education. I have one, definitely; without that, I wouldn't have allowed to place myself as the head of a movement like this. Here it is, as I have just formulated it, in the Directory of the Association of 1867. It is the very denial of any direction "in such and such a direction, rather than in another" to use the expression of those that are not entirely sure of myself, and I declare ready to put at its service all that I can have of personal authority - I am not afraid to speak about it, because I am aware that I have earned it legally:
Preaching to the ignorant, one way or another, does nothing and does not advance him. He then remains at the mercy of contrary preaching and does not know much more than before. If he learns what those who preach to him know, that is quite something else, for he will be able to preach to himself, and those who would fear that he would become a bad preacher, can do so in advance. Education does not have two ways of affecting those who have it. If they find it good for themselves, why not render the same service to others?
If your “foreign” correspondents know a more liberal way of understanding the question of popular education, please let me know. I do not know any.
Jean Macé.”
P.S.: You ask me to answer a question, that was addressed to you, on the future destination of the sums subscribed to the League.
The subscription, currently open, is intended to cover the costs of propaganda of the project. I will publish in each bulletin, as I have just done in the first one, the balance statement of payments and expenditures, and I will render the expense report, with supporting documents, to the commission that will be appointed for this purpose, in the first general assembly.
When the League is formed, the use of the annual dues will have to be determined - at least that is my opinion - within the membership groups that are formed. Each group would determine, by itself, the share it should pay to the general fund of propaganda of the undertaking, that would also include contributions from members who did not consider it proper to join a special group.
Regarding the article that we published about the league of teaching, we received the following letter from Mr. Macé, its founder, that we believe to be our duty to publish. If we have set out the grounds on which we base the restrictive opinion that we expressed, it is entirely fair to publish the author's explanations.
“Beblenheim, March 5th, 1867.
Sir,
Mr. Ed. Vauchez communicates to me what you have said about the league of teaching in the Spiritist Review, and I take the liberty of sending you, not an answer to be published in your Revue, but some personal explanations about the goalthat I am pursuing, and the plan that I have outlined. I would be happy if they could dispel the scruples that hold you back and rally you to a project that does not have, at least in my mind, the vagueness that you saw in it. It is a matter of bringing together, in each locality, all those who feel ready to act as citizens, by personally contributing to the development of public education around them. Each group will necessarily have to make its own program, for the extent of their action is necessarily determined by their means of action.
There, it was quite impossible for me to specify anything; but the nature of that action, the fundamental point, I specified it in the clearest and most distinct way: To carry out pure and simple education, apart from any concern of sect and of party; this is a first uniform article, written in advance as the heading of all flyers; there is where the moral unity is going to be. Any circle that would infringe it would automatically exit the league. You are, I have no doubt, too loyal not to agree that there will not be room for any disappointment, after this, when it comes to the execution. There could be no disappointment except from those who entered the league with the secret hope of making it serve the success of a particular opinion: they are warned.
As for the intentions that the author of the project himself might have, and the trust that should be put on him, allow me to stick to an answer I already gave once to a suspicion expressed in the Annals of Labor, that I ask you to be aware of. It addresses a doubt about my liberal tendencies; it might as well address the doubts that might arise in other minds, as to the trustworthiness of my declaration of neutrality.
I dare to hope, Sir, that these explanations will appear sufficiently clear to you to modify your first impression, and that you will think it right, if so, to tell your readers. Every good citizen owes the support of their personal influence to what they recognize as useful, and I feel so convinced of the usefulness of our League project, that it seems impossible to me that it could escape such an experimented Spirit, like yours.
Receive, Sir, my very cordial and fraternal greetings.
Jean Macé”
To this letter, Mr. Macé was kind enough to attach the issue of the Annals of Labor, where the answer mentioned above can be found, and that we reproduce in full:
“Beblenheim, January 4th, 1867
Mr. Editor,
The objection that has been made to you relative to a possible modification of my liberal ideas, and consequently, to the danger, also possible, of a bad direction given to the teaching of the League, such objection seems distressing to me, and I ask your permission to reply to those who brought it up to you, not for what concerns me - I consider it useless - but for the honor of my idea that they did not understand. The League does not teach anything, and it will have no direction to give; it is, therefore, superfluous to worry now about the liberal opinions of whoever seeks to found it.
I appeal to all those who take to heart the development of education in their country and who wish to work with that, either by teaching others, or by learning themselves. I invite them to join forces at all points of the territory; to act as citizens, fighting ignorance, with their purse, and in person, what is even better; to chase down, man to man, the bad fathers who do not send their children to school; to shame comrades that cannot read or write, and to remind them that there is always time; to put the book and the pen in their hand, if necessary, improvising teachers, each one on what they know; to create courses and libraries, for the benefit of the ignorant that wishes to stop being ignorant; to form, finally, throughout France, a single bundle to lend each other mutual support against enemy influences - there is, unfortunately, in a supposedly dangerous elevation in the intellectual level of the people.
If all this happen, please tell me, in which disturbing sense could this universal movement be led by anyone? If, for example, the workers in Paris organize themselves in societies of intellectual culture, like those that exist by the hundreds in the German towns, and of which Mr. Edouard Pfeiffer, the President of the Association of Education of the People of Württemberg, explained the operation in such an interesting way, in the issue of Cooperation of last September 30th; that if, in the Faubourg Saint-Antoine, in the Temple district, in Montmartre, in Batignolles, groups of workers, that joined the League, gottogether to give each other, on certain days, educational evenings with teachers of good will, or even paid, why not?
English and German workers do not deny themselves such luxury – I would like to know what the doctrines of a professor of young ladies, who teaches in Beblenheim, and that has no desire to change students, won't these people be at home? Will they have permissions to ask me for?
It is not that I am defending myself from having a doctrine, in matters of popular education. I have one, definitely; without that, I wouldn't have allowed to place myself as the head of a movement like this. Here it is, as I have just formulated it, in the Directory of the Association of 1867. It is the very denial of any direction "in such and such a direction, rather than in another" to use the expression of those that are not entirely sure of myself, and I declare ready to put at its service all that I can have of personal authority - I am not afraid to speak about it, because I am aware that I have earned it legally:
Preaching to the ignorant, one way or another, does nothing and does not advance him. He then remains at the mercy of contrary preaching and does not know much more than before. If he learns what those who preach to him know, that is quite something else, for he will be able to preach to himself, and those who would fear that he would become a bad preacher, can do so in advance. Education does not have two ways of affecting those who have it. If they find it good for themselves, why not render the same service to others?
If your “foreign” correspondents know a more liberal way of understanding the question of popular education, please let me know. I do not know any.
Jean Macé.”
P.S.: You ask me to answer a question, that was addressed to you, on the future destination of the sums subscribed to the League.
The subscription, currently open, is intended to cover the costs of propaganda of the project. I will publish in each bulletin, as I have just done in the first one, the balance statement of payments and expenditures, and I will render the expense report, with supporting documents, to the commission that will be appointed for this purpose, in the first general assembly.
When the League is formed, the use of the annual dues will have to be determined - at least that is my opinion - within the membership groups that are formed. Each group would determine, by itself, the share it should pay to the general fund of propaganda of the undertaking, that would also include contributions from members who did not consider it proper to join a special group.
Reflexões sobre as cartas precedentes
Talvez isto se deva à falta de perspicácia de nossa inteligência, mas confessamos com toda a humildade não estar mais esclarecido que antes; diremos mesmo que as explicações acima vêm confirmar nossa opinião. Tinham-nos dito que o autor do projeto tinha um programa bem definido, mas se reservava para dá-lo a conhecer quando as adesões fossem suficientes. Esta maneira de proceder não nos parece nem lógica nem prática, porque, racionalmente, não se pode aderir ao que não se conhece. Ora, a carta que o Sr. Macé teve a bondade de nos escrever não nos dá absolutamente a entender que seja assim. Ao contrário, ela diz: “Cada grupo necessariamente terá que fazer seu próprio programa, o que significa que o autor não tem um de sua própria autoria. Disso resulta que se houver mil grupos, pode haver mil programas. É a porta aberta à anarquia dos sistemas.
É verdade que ele acrescenta que o ponto capital é precisado da maneira mais clara e mais límpida pela indicação do objetivo, que é: “Fazer instrução pura e simples, isenta de qualquer preocupação de seita e de partido.” O fim é louvável, sem dúvida, mas apenas vemos aí uma boa intenção e não a indispensável precisão das coisas práticas.
Acrescenta ele: “Todo círculo que viesse a infringi-lo sairia de pleno direito da Liga.” Eis a medida cominatória. Pois bem! Esses círculos serão livres para sair da Liga, e para formar outras ao lado, sem julgar ter desmerecido fosse no que fosse. Eis então a Liga principal rompida desde seu início, por falta de unidade de vistas e de conjunto. O objetivo indicado é tão geral que se presta a um erro de aplicações muito contraditórias e que, interpretando cada um conforme suas opiniões pessoais, julgará estar certo. Aliás, onde a autoridade que legalmente pode pronunciar essa exclusão? Ela não existe. Não há nenhum centro regulador com qualidade para apreciar ou controlar os programas individuais que se afastassem do plano geral. Sendo cada grupo sua própria autoridade e seu centro de ação, é ele o único juiz do que ele mesmo faz. Em tais condições, cremos impossível um entendimento.
Até aqui só vemos nesse projeto uma ideia geral. Ora, uma ideia não é um programa. Um programa é uma linha traçada, da qual ninguém pode afastar-se conscientemente, um plano fixado nos mais minuciosos detalhes, e que nada deixa ao arbítrio, onde todas as dificuldades de execução estão previstas, onde as vias e meios são indicados. O melhor programa é o que deixa o menos possível o imprevisto.
Diz o autor: “Era-me mesmo impossível algo precisar, porque a medida de ação de cada grupo será necessariamente determinada por seus meios de ação.” Em outros termos, pelos recursos materiais de que poderá dispor. Mas isto não é uma razão. Todos os dias fazem-se planos, elaboram-se projetos subordinados aos meios eventuais de execução. É só vendo um plano que o público se decide a associar-se a ele, conforme compreenda a sua utilidade e nele veja elementos de sucesso.
O que, antes de tudo, teria sido preciso fazer, era assinalar com precisão as lacunas do ensino que se propõe preencher, as necessidades que se quer prover. Seria preciso dizer se se pretendia favorecer a gratuidade do ensino, retribuindo ou indenizando professores e professoras; fundar escolas onde elas não existem; suprir a insuficiência do material de instrução nas escolas muito pobres para dele se prover; fornecer livros às crianças que não podem comprá-los; instituir prêmios de encorajamento para os alunos e professores; criar cursos para adultos; pagar homens de talento para irem, como missionários, fazer conferências instrutivas no campo, e ali destruírem as ideias supersticiosas, com auxílio da Ciência; definir o objetivo e o espírito desses cursos e dessas conferências, etc., essas e outras coisas. Só então o objetivo teria sido claramente especificado. Depois, ter-se-ia dito:
“Para atingi-lo são necessários recursos materiais. Apelamos aos homens de boa vontade, aos amigos do progresso, àqueles que simpatizam com nossas ideias, que formem comitês por departamentos, bairros, cantões ou comunas, encarregados de recolher subscrições. Não haverá caixa geral e central; cada comitê terá a sua, cujo emprego gerenciará conforme o programa traçado, em razão dos recursos de que poderá dispor; se recolher muito, fará muito; se recolher pouco fará menos. Mas haverá um comitê diretor, encarregado de centralizar as informações, de transmitir os avisos e as instruções necessárias, de resolver as dificuldades que possam surgir, de imprimir ao conjunto o cunho de unidade, sem o qual a liga será uma palavra vã. Por uma liga entende-se uma associação de indivíduos marchando de comum acordo e solidariamente para a realização de um objetivo determinado. Ora, desde o instante que cada um pode entender esse objetivo à sua maneira, e agir ao seu bel-prazer, não há mais liga nem associação.
Aqui não se trata apenas de um fim a atingir. Desde o instante que sua realização repousa em capitais a recolher por meio de subscrições, há combinação financeira; a parte econômica do projeto não pode ser deixada ao capricho dos indivíduos, nem ao acaso dos acontecimentos, sob pena de periclitar; ela requer uma séria elaboração prévia, um plano concebido com previdência na previsão de todas as eventualidades.
Um ponto essencial no qual parece não terem pensado, é este:
Sendo permanente o fim proposto, e não temporário, como quando se trata de um infortúnio a aliviar, ou de um monumento a erguer, ele exige recursos permanentes. Provando a experiência que jamais se pode contar com subscrições voluntárias regulares e perpétuas, se se operasse diretamente com o produto das subscrições, este logo seria absorvido. Se quiserem que a operação não sofra solução de continuidade em sua própria fonte, é necessário constituir um rendimento, para não viver do seu capital. Por consequência, capitalizar as subscrições da mais segura maneira e da mais produtiva. Como? Com que garantia e sob que controle? Eis o que todo projetoque repousa sobre um movimento de capitais deve prever antes de tudo e determinar antes de recolher qualquer coisa no caixa, como deve igualmente determinar o emprego e a repartição dos fundos colhidos por antecipação, no caso em que, por uma causa qualquer, não houvesse continuidade. Por sua natureza, o projeto comporta uma parte econômica tanto mais importante pelo fato de depender dela seu futuro, e que aqui absolutamente não existe.
Suponhamos que antes do estabelecimento das sociedades de seguros, um homem tivesse dito: “Os incêndios fazem devastações diárias; tenho pensado que, associando-se e quotizando-se, seria possível atenuar os efeitos do flagelo. Como? Não sei. Façam suas subscrições, para começar, e depois nós avisaremos; vós mesmos procurareis o meio que melhor vos convier e tratareis de vos entenderdes.” Sem dúvida a ideia teria sorrido a muitos. Mas quando se tivessem posto à obra, com quantas dificuldades práticas não teriam se chocado, por não terem tido uma base previamente elaborada! Parece-nos que aqui o caso é mais ou menos o mesmo.
A carta publicada nos Annales du travail e transcrita acima, não elucida melhor a questão; ela confirma que o plano e a execução do projeto são deixados ao árbitro e à iniciativa dos subscritores. Ora, quando a iniciativa é deixada a todos, ninguém a toma. Ademais, se os homens têm bastante raciocínio para analisar se o que lhes oferecem é bom ou mau, nem todos estão aptos a elaborar uma ideia, sobretudo quando ela abarca um campo tão vasto quanto este. Essa elaboração é o complemento indispensável da ideia primitiva. Uma liga é um corpo organizado, que deve ter um regulamento e estatutos, para marchar em conjunto, se ela quiser chegar a um resultado. Se o Sr. Macé tivesse estabelecido estatutos, mesmo provisórios, sujeitos a apreciação e aprovação posterior dos subscritores, que teriam a liberdade de modificá-los, como se pratica em todas as associações, ele teria dado um corpo à Liga, um ponto de ligação, ao passo que ela não tem nem um nem outra. Dizemos mesmo que ela não tem bandeira, porquanto é dito na carta acima mencionada: A liga nada ensinará e não terá direção a dar; é, pois, supérfluo inquietar-se desde já com as opiniões mais ou menos liberais daquele que procura fundá-la. Conceberíamos tal raciocínio se se tratasse de uma operação industrial; mas numa questão tão delicada quanto o ensino, que é encarado sob pontos de vista tão controvertidos, que toca os mais graves interesses da ordem social, não compreendemos que possa ser feita abstração da opinião daquele que, a título de fundador, deve ser a alma do empreendimento. Tal asserção é um erro lamentável.
Do vazio que reina na economia do projeto, resulta que, subscrevendo-o, ninguém sabe a que, nem por que se empenha, pois não sabe que direção tomará o grupo do qual ele fará parte; encontrar-se-ão até subscritores sem participar de qualquer grupo. A organização desses grupos nem mesmo é determinada; suas circunscrições, suas atribuições, sua esfera de atividade, tudo é desconhecido. Ninguém tem qualidade para convocá-los; contrariamente ao que se pratica em casos semelhantes, nenhum comitê de fiscalização é instituído para regular e controlar o emprego dos fundos angariados por antecipação e que servem para pagar as despesas de propaganda da ideia. Considerando-se que há gastos gerais pagos com os fundos dos subscritores, seria preciso que estes soubessem em que consistem. O autor lhes quer deixar toda a latitude para se organizarem como bem entenderem; ele quer ser apenas o promotor da ideia. Que assim seja, e longe de nós o pensamento de levantar contra a sua pessoa a menor suspeita ou desconfiança. Entretanto, dizemos que para a marcha regular de uma operação deste gênero e para lhe garantir o sucesso, há medidas preliminares indispensáveis, que foram totalmente negligenciadas, o que vemos com pesar, no próprio interesse da causa. Se for de propósito, julgamos mal fundado o pensamento; se for por esquecimento, é desagradável.
Não temos qualidades para dar qualquer conselho nesta questão, mas eis como geralmente se procede em semelhantes casos.
Quando o autor de um projeto que necessita de um apelo à confiança pública não quer assumir sozinho a responsabilidade da execução e, também, com o objetivo de cercar-se de mais luzes, inicialmente ele reúne ao seu redor um certo número de pessoas cujos nomes sejam uma recomendação, que se associam à ideia e a elaboram com ele. Essas pessoas constituem um primeiro comitê, quer consultivo, quer cooperativo, provisório até à constituição definitiva da operação e à nomeação de um permanente conselho fiscal pelos interessados. Tal comitê é para estes últimos uma garantia, pelo controle que exerce sobre as primeiras operações, das quais é encarregado de prestar contas, bem como das primeiras despesas. É, além disso, um apoio e uma descarga de responsabilidade para o fundador. Este, falando em seu nome, e esteado no conselho de vários, encontra nessa autoridade coletiva uma força moral sempre mais preponderante sobre a opinião das massas do que a autoridade de um só. Se se tivesse procedido assim para a Liga do ensino, e se o projeto tivesse sido apresentado nas formas usuais e em condições mais práticas, sem dúvida alguma os aderentes teriam sido mais numerosos. Mas tal como está, pensamos que ela deixa muitos indecisos.
Embora o projeto esteja entregue à publicidade e, por consequência, ao livre exame de cada um, dele não teríamos falado se não tivéssemos sido, de certa forma, obrigado, pelos pedidos que nos foram dirigidos. Em princípio, sobre as coisas às quais, do nosso ponto de vista, não podemos dar uma inteira aprovação, preferimos guardar silêncio, a fim de não trazer-lhe nenhum entrave. Tendo-nos sido pedidas novas explicações a propósito de nosso último artigo, julgamos necessário motivar nossa maneira de ver com maior precisão. Mas, ainda uma vez, apenas damos nossa opinião, que não compromete ninguém. Ficaríamos feliz se fôssemos o único de nossa opinião e que o êxito viesse provar que nos enganamos. Associamo-nos de boa vontade à ideia matriz, mas não ao seu modo de execução.
É verdade que ele acrescenta que o ponto capital é precisado da maneira mais clara e mais límpida pela indicação do objetivo, que é: “Fazer instrução pura e simples, isenta de qualquer preocupação de seita e de partido.” O fim é louvável, sem dúvida, mas apenas vemos aí uma boa intenção e não a indispensável precisão das coisas práticas.
Acrescenta ele: “Todo círculo que viesse a infringi-lo sairia de pleno direito da Liga.” Eis a medida cominatória. Pois bem! Esses círculos serão livres para sair da Liga, e para formar outras ao lado, sem julgar ter desmerecido fosse no que fosse. Eis então a Liga principal rompida desde seu início, por falta de unidade de vistas e de conjunto. O objetivo indicado é tão geral que se presta a um erro de aplicações muito contraditórias e que, interpretando cada um conforme suas opiniões pessoais, julgará estar certo. Aliás, onde a autoridade que legalmente pode pronunciar essa exclusão? Ela não existe. Não há nenhum centro regulador com qualidade para apreciar ou controlar os programas individuais que se afastassem do plano geral. Sendo cada grupo sua própria autoridade e seu centro de ação, é ele o único juiz do que ele mesmo faz. Em tais condições, cremos impossível um entendimento.
Até aqui só vemos nesse projeto uma ideia geral. Ora, uma ideia não é um programa. Um programa é uma linha traçada, da qual ninguém pode afastar-se conscientemente, um plano fixado nos mais minuciosos detalhes, e que nada deixa ao arbítrio, onde todas as dificuldades de execução estão previstas, onde as vias e meios são indicados. O melhor programa é o que deixa o menos possível o imprevisto.
Diz o autor: “Era-me mesmo impossível algo precisar, porque a medida de ação de cada grupo será necessariamente determinada por seus meios de ação.” Em outros termos, pelos recursos materiais de que poderá dispor. Mas isto não é uma razão. Todos os dias fazem-se planos, elaboram-se projetos subordinados aos meios eventuais de execução. É só vendo um plano que o público se decide a associar-se a ele, conforme compreenda a sua utilidade e nele veja elementos de sucesso.
O que, antes de tudo, teria sido preciso fazer, era assinalar com precisão as lacunas do ensino que se propõe preencher, as necessidades que se quer prover. Seria preciso dizer se se pretendia favorecer a gratuidade do ensino, retribuindo ou indenizando professores e professoras; fundar escolas onde elas não existem; suprir a insuficiência do material de instrução nas escolas muito pobres para dele se prover; fornecer livros às crianças que não podem comprá-los; instituir prêmios de encorajamento para os alunos e professores; criar cursos para adultos; pagar homens de talento para irem, como missionários, fazer conferências instrutivas no campo, e ali destruírem as ideias supersticiosas, com auxílio da Ciência; definir o objetivo e o espírito desses cursos e dessas conferências, etc., essas e outras coisas. Só então o objetivo teria sido claramente especificado. Depois, ter-se-ia dito:
“Para atingi-lo são necessários recursos materiais. Apelamos aos homens de boa vontade, aos amigos do progresso, àqueles que simpatizam com nossas ideias, que formem comitês por departamentos, bairros, cantões ou comunas, encarregados de recolher subscrições. Não haverá caixa geral e central; cada comitê terá a sua, cujo emprego gerenciará conforme o programa traçado, em razão dos recursos de que poderá dispor; se recolher muito, fará muito; se recolher pouco fará menos. Mas haverá um comitê diretor, encarregado de centralizar as informações, de transmitir os avisos e as instruções necessárias, de resolver as dificuldades que possam surgir, de imprimir ao conjunto o cunho de unidade, sem o qual a liga será uma palavra vã. Por uma liga entende-se uma associação de indivíduos marchando de comum acordo e solidariamente para a realização de um objetivo determinado. Ora, desde o instante que cada um pode entender esse objetivo à sua maneira, e agir ao seu bel-prazer, não há mais liga nem associação.
Aqui não se trata apenas de um fim a atingir. Desde o instante que sua realização repousa em capitais a recolher por meio de subscrições, há combinação financeira; a parte econômica do projeto não pode ser deixada ao capricho dos indivíduos, nem ao acaso dos acontecimentos, sob pena de periclitar; ela requer uma séria elaboração prévia, um plano concebido com previdência na previsão de todas as eventualidades.
Um ponto essencial no qual parece não terem pensado, é este:
Sendo permanente o fim proposto, e não temporário, como quando se trata de um infortúnio a aliviar, ou de um monumento a erguer, ele exige recursos permanentes. Provando a experiência que jamais se pode contar com subscrições voluntárias regulares e perpétuas, se se operasse diretamente com o produto das subscrições, este logo seria absorvido. Se quiserem que a operação não sofra solução de continuidade em sua própria fonte, é necessário constituir um rendimento, para não viver do seu capital. Por consequência, capitalizar as subscrições da mais segura maneira e da mais produtiva. Como? Com que garantia e sob que controle? Eis o que todo projetoque repousa sobre um movimento de capitais deve prever antes de tudo e determinar antes de recolher qualquer coisa no caixa, como deve igualmente determinar o emprego e a repartição dos fundos colhidos por antecipação, no caso em que, por uma causa qualquer, não houvesse continuidade. Por sua natureza, o projeto comporta uma parte econômica tanto mais importante pelo fato de depender dela seu futuro, e que aqui absolutamente não existe.
Suponhamos que antes do estabelecimento das sociedades de seguros, um homem tivesse dito: “Os incêndios fazem devastações diárias; tenho pensado que, associando-se e quotizando-se, seria possível atenuar os efeitos do flagelo. Como? Não sei. Façam suas subscrições, para começar, e depois nós avisaremos; vós mesmos procurareis o meio que melhor vos convier e tratareis de vos entenderdes.” Sem dúvida a ideia teria sorrido a muitos. Mas quando se tivessem posto à obra, com quantas dificuldades práticas não teriam se chocado, por não terem tido uma base previamente elaborada! Parece-nos que aqui o caso é mais ou menos o mesmo.
A carta publicada nos Annales du travail e transcrita acima, não elucida melhor a questão; ela confirma que o plano e a execução do projeto são deixados ao árbitro e à iniciativa dos subscritores. Ora, quando a iniciativa é deixada a todos, ninguém a toma. Ademais, se os homens têm bastante raciocínio para analisar se o que lhes oferecem é bom ou mau, nem todos estão aptos a elaborar uma ideia, sobretudo quando ela abarca um campo tão vasto quanto este. Essa elaboração é o complemento indispensável da ideia primitiva. Uma liga é um corpo organizado, que deve ter um regulamento e estatutos, para marchar em conjunto, se ela quiser chegar a um resultado. Se o Sr. Macé tivesse estabelecido estatutos, mesmo provisórios, sujeitos a apreciação e aprovação posterior dos subscritores, que teriam a liberdade de modificá-los, como se pratica em todas as associações, ele teria dado um corpo à Liga, um ponto de ligação, ao passo que ela não tem nem um nem outra. Dizemos mesmo que ela não tem bandeira, porquanto é dito na carta acima mencionada: A liga nada ensinará e não terá direção a dar; é, pois, supérfluo inquietar-se desde já com as opiniões mais ou menos liberais daquele que procura fundá-la. Conceberíamos tal raciocínio se se tratasse de uma operação industrial; mas numa questão tão delicada quanto o ensino, que é encarado sob pontos de vista tão controvertidos, que toca os mais graves interesses da ordem social, não compreendemos que possa ser feita abstração da opinião daquele que, a título de fundador, deve ser a alma do empreendimento. Tal asserção é um erro lamentável.
Do vazio que reina na economia do projeto, resulta que, subscrevendo-o, ninguém sabe a que, nem por que se empenha, pois não sabe que direção tomará o grupo do qual ele fará parte; encontrar-se-ão até subscritores sem participar de qualquer grupo. A organização desses grupos nem mesmo é determinada; suas circunscrições, suas atribuições, sua esfera de atividade, tudo é desconhecido. Ninguém tem qualidade para convocá-los; contrariamente ao que se pratica em casos semelhantes, nenhum comitê de fiscalização é instituído para regular e controlar o emprego dos fundos angariados por antecipação e que servem para pagar as despesas de propaganda da ideia. Considerando-se que há gastos gerais pagos com os fundos dos subscritores, seria preciso que estes soubessem em que consistem. O autor lhes quer deixar toda a latitude para se organizarem como bem entenderem; ele quer ser apenas o promotor da ideia. Que assim seja, e longe de nós o pensamento de levantar contra a sua pessoa a menor suspeita ou desconfiança. Entretanto, dizemos que para a marcha regular de uma operação deste gênero e para lhe garantir o sucesso, há medidas preliminares indispensáveis, que foram totalmente negligenciadas, o que vemos com pesar, no próprio interesse da causa. Se for de propósito, julgamos mal fundado o pensamento; se for por esquecimento, é desagradável.
Não temos qualidades para dar qualquer conselho nesta questão, mas eis como geralmente se procede em semelhantes casos.
Quando o autor de um projeto que necessita de um apelo à confiança pública não quer assumir sozinho a responsabilidade da execução e, também, com o objetivo de cercar-se de mais luzes, inicialmente ele reúne ao seu redor um certo número de pessoas cujos nomes sejam uma recomendação, que se associam à ideia e a elaboram com ele. Essas pessoas constituem um primeiro comitê, quer consultivo, quer cooperativo, provisório até à constituição definitiva da operação e à nomeação de um permanente conselho fiscal pelos interessados. Tal comitê é para estes últimos uma garantia, pelo controle que exerce sobre as primeiras operações, das quais é encarregado de prestar contas, bem como das primeiras despesas. É, além disso, um apoio e uma descarga de responsabilidade para o fundador. Este, falando em seu nome, e esteado no conselho de vários, encontra nessa autoridade coletiva uma força moral sempre mais preponderante sobre a opinião das massas do que a autoridade de um só. Se se tivesse procedido assim para a Liga do ensino, e se o projeto tivesse sido apresentado nas formas usuais e em condições mais práticas, sem dúvida alguma os aderentes teriam sido mais numerosos. Mas tal como está, pensamos que ela deixa muitos indecisos.
Embora o projeto esteja entregue à publicidade e, por consequência, ao livre exame de cada um, dele não teríamos falado se não tivéssemos sido, de certa forma, obrigado, pelos pedidos que nos foram dirigidos. Em princípio, sobre as coisas às quais, do nosso ponto de vista, não podemos dar uma inteira aprovação, preferimos guardar silêncio, a fim de não trazer-lhe nenhum entrave. Tendo-nos sido pedidas novas explicações a propósito de nosso último artigo, julgamos necessário motivar nossa maneira de ver com maior precisão. Mas, ainda uma vez, apenas damos nossa opinião, que não compromete ninguém. Ficaríamos feliz se fôssemos o único de nossa opinião e que o êxito viesse provar que nos enganamos. Associamo-nos de boa vontade à ideia matriz, mas não ao seu modo de execução.
Manifestações espontâneas
Moinho de Vicq-sur-nahon
Sob o título de O diabo do moinho, o Moniteur de l’Indre de fevereiro de 1867 contém o seguinte relato:
“Seu Garnier, François, é fazendeiro e moleiro no burgo de Vicq-sur-Nahon. É, e folgamos em saber, um homem pacífico, contudo, desde o mês de setembro, seu moinho é teatro de fatos miraculosos, próprios a fazer supor que o Diabo, ou pelo menos um Espírito brincalhão, elegeu esse local como seu domicílio. Por exemplo, parece fora de dúvida que, diabo ou Espírito, o autor dos fatos que vamos contar, gosta de dormir à noite, porque só trabalha de dia.
“Nosso Espírito gosta de brincar com as cobertas das camas. Toma-as sem que ninguém o perceba, leva-as e vai escondê-las, ora num tonel, ora no forno, ora sob montes de feno. Ele transporta de uma cavalariça para a outra as cobertas da cama do rapaz da cocheira, e mais de uma vez elas foram encontradas sob o feno ou nas grades da manjedoura. Para abrir as portas, o Espírito de Vicq-sur-Nahon não precisa de chaves. Um dia, seu Garnier, em presença de seus criados, chaveou com duas voltas a porta da padaria e pôs a chave no bolso, contudo, a porta abriu-se quase imediatamente, aos olhos de Garnier e dos empregados, sem que pudessem compreender como.
“Outra vez, a 1º de janeiro ─ maneira inteiramente nova de fazer votos de feliz ano novo a alguém ─ um pouco antes da noite, o leito de plumas, os panos, os cobertores de uma cama colocada num quarto, foram levados sem que a cama se desarranjasse, e encontraram esses objetos no chão, perto da porta do quarto. Garnier e os seus imaginam, então, na esperança de conjurar toda essa feitiçaria, de mudar as camas de quarto, o que realmente se deu; mas, operada a troca, os fatos diabólicos que acabamos de contar recomeçaram mais intensos. Por diversas vezes, um rapaz da cavalariça encontrou aberto um baú onde ele guarda suas coisas, e estas espalhadas na estrebaria.
“Mas eis duas circunstâncias em que se revela toda a diabólica habilidade do Espírito. Entre os domésticos de “seu” Garnier encontra-se uma mocinha de 13 anos, chamada Marie Richard. Um dia, essa menina, estando num quarto, de repente viu surgir sobre o leito uma pequena capela, e todos os objetos colocados sobre a lareira, 4 vasos, 1 Cristo, 3 copos, 2 taças numa das quais havia água benta, e uma pequena garrafa também cheia de água benta, irem sucessivamente, como que obedecendo à ordem de um ser invisível, tomar lugar sobre o altar improvisado. A porta do quarto estava entreaberta, e a mulher do irmão da pequena Richard, perto da porta. Uma sombra saiu da capela, segundo a pequena Richard, aproximou-se dela e a encarregou de convidar os donos a dar um pão bento e mandar dizer uma missa. A menina prometeu; durante nove dias reinou a calma no moinho. Garnier mandou rezar a missa pelo cura de Vicq, ofereceu um pão bento e desde o dia seguinte, 15 de janeiro, as diabruras recomeçaram.
“As chaves das portas desaparecem; as portas, deixadas abertas, aparecem fechadas e um serralheiro, chamado para abrir a porta do moinho, não o consegue e se vê na necessidade de desmontar a fechadura. Estes últimos fatos se passaram a 29 de janeiro. No mesmo dia, pelo meio-dia, quando os empregados tomavam sua refeição, a menina Richard toma um cântaro de bebida, serve-se, e o relógio de seu Garnier, pendurado num prego, na lareira, cai no seu copo. Eles repõem o relógio na lareira, mas a menina Richard, servindo-se de uma travessa posta sobre a mesa, tira o relógio com a sua colher. Pela terceira vez penduram o relógio em seu lugar, e, pela terceira vez, a pequena Richard o encontra numa panela que fervia ao fogo, assim como uma garrafinha de remédio, cuja rolha lhe salta ao rosto.
“Em breve o terror se apossa dos habitantes do moinho; ninguém mais quer ficar numa casa assombrada. Por fim, Garnier toma a decisão de notificar o senhor comissário de polícia de Valençay, que foi a Vicq, acompanhado de dois policiais. Mas o diabo não quis mostrar-se aos agentes da autoridade. Apenas estes aconselharam a Garnier que despedisse a mocinha Richard, o que logo fez. Essa medida terá bastado para por o diabo em retirada? Esperemo-lo, para sossego da gente do moinho.”
Em um número posterior, o Moniteur de l’Indre traz o que segue:
“Contamos, oportunamente, todas as diabruras que se passaram no moinho de Vicq-sur-Nahon, cujo locatário é seu Garnier. Até agora cômicas, essas diabruras começam a virar tragédia. Depois das farsas, dos malabarismos, das prestidigitações, eis que o diabo recorre ao incêndio.
“A 12 deste mês, duas tentativas de incêndio ocorreram quase que simultaneamente nas cavalariças do seu Garnier. A primeira aconteceu pelas cinco horas da tarde. O fogo tomou a palha, ao pé da cama dos jovens moleiros. O segundo incêndio surgiu cerca de uma hora depois do primeiro, mas em outra estrebaria, igualmente ao pé de uma cama e na palha.
“Felizmente esses dois incêndios foram extintos pelo pai de Garnier, de 80 anos, e seus criados, prevenidos pela referida Marie Richard.
“Nossos leitores devem lembrar-se que essa jovem de 14 anos era sempre a primeira que percebia as feitiçarias que ocorriam no moinho, se bem que, seguindo os conselhos que lhe tinham dado, Garnier tinha despedido a pequena Richard. Quando os dois incêndios surgiram, essa menina tinha voltado há quinze dias à casa do seu Garnier. Foi ela novamente a primeira a perceber os dois incêndios de 12 de março.
“Segundo as pesquisas feitas no moinho, as suspeitas caíram sobre duas domésticas.
“A família Garnier ficou tão chocada pelos acontecimentos de que o moinho é teatro, que se persuadiu que o diabo, ou pelo menos algum Espírito malfazejo, fixou domicílio em sua morada.”
Um dos nossos amigos escreveu a seu Garnier, pedindo-lhe que informasse se os fatos relatados no jornal eram reais ou contos para divertir e, em todo o caso, o que podia haver de verdadeiro ou de exagerado nessa história.
Garnier respondeu que tudo era perfeitamente exato e conforme a declaração que ele próprio havia feito ao comissário de polícia de Valençay. Ele confirma, também, os dois incêndios e acrescenta: O jornal nem contou tudo. Conforme a sua carta, os fatos se produziam há quatro ou cinco meses, e só levado ao extremo por sua repetição, sem poder descobrir o seu autor, é que ele fez a declaração. Ele termina dizendo: “Não sei, senhor com que propósito pedis informações, mas se tiverdes algum conhecimento dessas coisas, peço-vos participar de minhas penas, pois vos asseguro que não estamos à vontade em nossa casa. Se puderdes encontrar um meio de descobrir o autor de todos esses fatos escandalosos, prestar-nos-eis um grande serviço.”
Um ponto importante a esclarecer era saber qual podia ser a participação da jovem, se voluntariamente por malícia, se inconscientemente por sua influência. Sobre essa questão, seu Garnier disse que a menina só tendo estado ausente da casa durante quinze dias, não tinha podido avaliar o efeito de sua ausência, mas que não suspeita de nenhuma malevolência por parte dela, como não suspeita dos outros empregados; que quase sempre ela havia anunciado o que se passava fora de seu alcance; que assim, várias vezes tinha dito: “Eis a cama que se desarruma em tal quarto” e que, entrando sem a perder de vista, encontravam o leito desfeito; que ela igualmente preveniu dos dois incêndios que ocorreram depois de sua volta.
Como se vê, esses fatos pertencem ao mesmo gênero de fenômenos dos de Poitiers (Revista de fevereiro e março de 1864; idem, maio de 1865); de Marselha (abril de 1865); de Dieppe (março de 1860), e tantos outros que podem ser chamados manifestações barulhentas e perturbadoras.
Para começar, faremos notar a diferença que existe entre o tom deste relato e o do jornal de Poitiers, por ocasião do que se passou naquela cidade. Lembremo-nos do dilúvio de sarcasmos acerca desses fatos que fizeram chover sobre os espíritas, e sua persistência em sustentar, contra a evidência, que não podia deixar de ser obra de brincalhões maldosos, que não tardariam a ser descobertos, e que, em definitivo, jamais descobriram. O Moniteur de l’Indre, mais prudente, limita-se a um relato que não comportou nenhuma troça descabida, o que antes implica uma afirmação que uma negação.
Uma outra observação é que fatos deste gênero ocorreram muito antes que se cogitasse do Espiritismo e que desde então se passam quase diariamente entre pessoas que não o conhecem nem de nome, o que exclui qualquer influência devida à crença e à imaginação. Se acusassem os espíritas de simular essas manifestações com fito de propaganda, perguntaríamos quem os teria produzido quando não havia espíritas.
Não conhecendo o que se passou no moinho Vicq-sur-Nahon, senão pelo relato feito, limitamo-nos a constatar que aqui nada se afasta daquilo cuja possibilidade o Espiritismo admite, nem das condições normais nas quais semelhantes fatos podem produzir-se; que esses fatos se explicam por leis perfeitamente naturais e consequentemente nada têm de maravilhoso. Só a ignorância dessas leis pôde, até hoje, fazer que fossem considerados como efeitos sobrenaturais, como com quase todos os fenômenos cujas leis mais tarde a Ciência revelou.
O que pode parecer mais extraordinário, e se entende menos facilmente, é o fato das portas abertas, depois de cuidadosamente fechadas à chave. As manifestações modernas disto oferecem vários exemplos. Um fato análogo passouse em Limoges, há alguns anos (Revista de agosto de 1860). Considerando-se que o estado dos conhecimentos ainda não nos permite lhe dar uma explicação concludente, isto nada prejulga, porque estamos longe de conhecer todas as leis que regem o mundo invisível, todas as forças que esse mundo esconde, todas as aplicações das leis que conhecemos. O Espiritismo ainda está longe de pronunciar sua última palavra, tanto sobre os fenômenos físicos quanto sobre os espirituais. Muitas das descobertas serão objeto de observações ulteriores. Até o presente, e de certo modo, o Espiritismo não fez senão colocar as primeiras balizas de uma ciência cujo alcance é desconhecido. Com o auxílio do que já descobriu, ele abre aos que virão depois de nós o caminho das investigações numa ordem especial de ideias. Ele só procede por observações e deduções, e jamais por suposição. Se um fato é constatado, diz-se que deve ter uma causa e que essa causa só pode ser natural, e então ele a procura. Em falta de uma demonstração categórica, ele pode dar uma hipótese, mas até a confirmação, não a dá senão como hipótese, e não como verdade absoluta. A respeito do fenômeno das portas abertas, como ao dos transportes através de corpos rígidos, tudo ainda está reduzido a uma hipótese, baseada nas propriedades fluídicas da matéria, muito imperfeitamente conhecidas, ou melhor, que não são ainda suspeitadas. Se o fato em questão for confirmado pela experiência, deve ter, como dissemos, uma causa natural; se se repetir, não é uma exceção, mas a consequência de uma lei. A possibilidade da libertação de São Pedro de sua prisão, relatada nos Atos dos Apóstolos, Cap. XII, seria assim demonstrada sem que houvesse necessidade de recorrer ao milagre.
De todos os efeitos mediúnicos, as manifestações físicas são as mais fáceis de simular. Assim, é preciso evitar de aceitar muito levianamente como autênticos os fatos desse gênero, quer sejam espontâneos, como os do moinho Vicq-sur-Nahon, quer conscientemente provocados por um médium. É verdade que a imitação não poderia deixar de ser grosseira e imperfeita, mas com habilidade é fácil ter êxito, como outrora fizeram com a dupla vista, aos que não conheciam as condições em que os fenômenos reais podem produzir-se. Vimos supostos médiuns de rara habilidade simularem aportes, escrita direta e outros gêneros de manifestações. Assim, é necessário não admitir senão em sã consciência a intervenção dos Espíritos nessas espécies de coisas.
No caso de que se trata, não afirmamos essa intervenção; limitamo-nos a dizer que ela é possível. Os dois princípios de incêndio apenas poderiam permitir suspeita de um ato humano suscitado pela malevolência, que sem dúvida o futuro levará a descobrir. Contudo, é bom notar que, graças à clarividência da jovem, os seguintes puderam ser prevenidos. Com exceção deste último fato, os outros não passaram de traquinadas sem consequências desagradáveis. Se são obra dos Espíritos, só podem provir dos Espíritos levianos divertindo-se com os terrores e a impaciência que causam. Sabe-se que os há de todos os caracteres, como aqui na Terra. O melhor meio de se desembaraçar deles é não se inquietar com os mesmos e cansar a sua paciência, que jamais é de longa duração, quando veem que não nos preocupamos, o que lhes provamos rindo de suas malícias e os desafiando a fazer mais. O mais seguro meio de excitá-los a continuar é atormentar-se e encolerizar-se contra eles. Pode-se, ainda, deles livrar-se evocando-os com o auxílio de um bom médium e orando por eles. Então, entretendo-se com eles, podemos saber o que eles são e o que querem, e fazê-los escutar a razão.
Aliás, esses tipos de manifestações têm um resultado mais sério: o de propagar a ideia do mundo invisível que nos rodeia, e afirmar a sua ação sobre o mundo material. É por isto que elas se produzem de preferência entre pessoas estranhas ao Espiritismo, antes que entre os espíritas, que deles não necessitam para se convencerem.
Em tal caso, por vezes a fraude pode ser apenas inocente brincadeira, ou um meio de se dar importância, fazendo crer numa faculdade que não se possui, ou que se possui imperfeitamente. Mas na maioria dos casos ela tem por móvel um interesse patente ou dissimulado e por objetivo explorar a confiança de pessoas muito crédulas ou inexperientes. É então uma verdadeira trapaça. Seria supérfluo insistir em dizer que os que se tornam culpados de quaisquer enganos deste gênero, se não fossem solicitados senão pelo amor-próprio, não são espíritas, mesmo quando se deem como tais. Os fenômenos reais têm um caráter sui generis, e se produzem em circunstâncias que desafiam qualquer suspeita. Um conhecimento completo desses caracteres e dessas circunstâncias pode facilmente levar a descobrir a charlatanice.
Se estas explicações chegarem ao conhecimento de seu Garnier, ele aí encontrará a resposta ao pedido que faz em sua carta.
Um de nossos correspondentes nos transmite o relato, escrito por uma testemunha ocular, de manifestações análogas ocorridas em janeiro último, no burgo da Basse-Indre (Loire-Inférieure). Elas consistiam em batidas com obstinação, durante várias semanas, e que puseram em sobressalto todos moradores de uma casa. Todas as pesquisas e investigações da autoridade para descobrir sua causa não conduziram a nada. Aliás, esse fato não apresenta qualquer particularidade mais notável, a não ser que, como todas as manifestações espontâneas, chama a atenção para os fenômenos espíritas.
Como fato de manifestações físicas, as que se produzem espontaneamente exercem sobre a opinião pública uma influência infinitamente maior que os efeitos provocados diretamente por um médium, seja porque têm maior repercussão e notoriedade, seja porque dão menos azo às suspeitas de charlatanismo e de prestidigitação.
Isto nos lembra um fato que se passou em Paris, em maio do ano passado. Eilo, tal como foi relatado, na ocasião, pelo Petit Journal.
“Seu Garnier, François, é fazendeiro e moleiro no burgo de Vicq-sur-Nahon. É, e folgamos em saber, um homem pacífico, contudo, desde o mês de setembro, seu moinho é teatro de fatos miraculosos, próprios a fazer supor que o Diabo, ou pelo menos um Espírito brincalhão, elegeu esse local como seu domicílio. Por exemplo, parece fora de dúvida que, diabo ou Espírito, o autor dos fatos que vamos contar, gosta de dormir à noite, porque só trabalha de dia.
“Nosso Espírito gosta de brincar com as cobertas das camas. Toma-as sem que ninguém o perceba, leva-as e vai escondê-las, ora num tonel, ora no forno, ora sob montes de feno. Ele transporta de uma cavalariça para a outra as cobertas da cama do rapaz da cocheira, e mais de uma vez elas foram encontradas sob o feno ou nas grades da manjedoura. Para abrir as portas, o Espírito de Vicq-sur-Nahon não precisa de chaves. Um dia, seu Garnier, em presença de seus criados, chaveou com duas voltas a porta da padaria e pôs a chave no bolso, contudo, a porta abriu-se quase imediatamente, aos olhos de Garnier e dos empregados, sem que pudessem compreender como.
“Outra vez, a 1º de janeiro ─ maneira inteiramente nova de fazer votos de feliz ano novo a alguém ─ um pouco antes da noite, o leito de plumas, os panos, os cobertores de uma cama colocada num quarto, foram levados sem que a cama se desarranjasse, e encontraram esses objetos no chão, perto da porta do quarto. Garnier e os seus imaginam, então, na esperança de conjurar toda essa feitiçaria, de mudar as camas de quarto, o que realmente se deu; mas, operada a troca, os fatos diabólicos que acabamos de contar recomeçaram mais intensos. Por diversas vezes, um rapaz da cavalariça encontrou aberto um baú onde ele guarda suas coisas, e estas espalhadas na estrebaria.
“Mas eis duas circunstâncias em que se revela toda a diabólica habilidade do Espírito. Entre os domésticos de “seu” Garnier encontra-se uma mocinha de 13 anos, chamada Marie Richard. Um dia, essa menina, estando num quarto, de repente viu surgir sobre o leito uma pequena capela, e todos os objetos colocados sobre a lareira, 4 vasos, 1 Cristo, 3 copos, 2 taças numa das quais havia água benta, e uma pequena garrafa também cheia de água benta, irem sucessivamente, como que obedecendo à ordem de um ser invisível, tomar lugar sobre o altar improvisado. A porta do quarto estava entreaberta, e a mulher do irmão da pequena Richard, perto da porta. Uma sombra saiu da capela, segundo a pequena Richard, aproximou-se dela e a encarregou de convidar os donos a dar um pão bento e mandar dizer uma missa. A menina prometeu; durante nove dias reinou a calma no moinho. Garnier mandou rezar a missa pelo cura de Vicq, ofereceu um pão bento e desde o dia seguinte, 15 de janeiro, as diabruras recomeçaram.
“As chaves das portas desaparecem; as portas, deixadas abertas, aparecem fechadas e um serralheiro, chamado para abrir a porta do moinho, não o consegue e se vê na necessidade de desmontar a fechadura. Estes últimos fatos se passaram a 29 de janeiro. No mesmo dia, pelo meio-dia, quando os empregados tomavam sua refeição, a menina Richard toma um cântaro de bebida, serve-se, e o relógio de seu Garnier, pendurado num prego, na lareira, cai no seu copo. Eles repõem o relógio na lareira, mas a menina Richard, servindo-se de uma travessa posta sobre a mesa, tira o relógio com a sua colher. Pela terceira vez penduram o relógio em seu lugar, e, pela terceira vez, a pequena Richard o encontra numa panela que fervia ao fogo, assim como uma garrafinha de remédio, cuja rolha lhe salta ao rosto.
“Em breve o terror se apossa dos habitantes do moinho; ninguém mais quer ficar numa casa assombrada. Por fim, Garnier toma a decisão de notificar o senhor comissário de polícia de Valençay, que foi a Vicq, acompanhado de dois policiais. Mas o diabo não quis mostrar-se aos agentes da autoridade. Apenas estes aconselharam a Garnier que despedisse a mocinha Richard, o que logo fez. Essa medida terá bastado para por o diabo em retirada? Esperemo-lo, para sossego da gente do moinho.”
Em um número posterior, o Moniteur de l’Indre traz o que segue:
“Contamos, oportunamente, todas as diabruras que se passaram no moinho de Vicq-sur-Nahon, cujo locatário é seu Garnier. Até agora cômicas, essas diabruras começam a virar tragédia. Depois das farsas, dos malabarismos, das prestidigitações, eis que o diabo recorre ao incêndio.
“A 12 deste mês, duas tentativas de incêndio ocorreram quase que simultaneamente nas cavalariças do seu Garnier. A primeira aconteceu pelas cinco horas da tarde. O fogo tomou a palha, ao pé da cama dos jovens moleiros. O segundo incêndio surgiu cerca de uma hora depois do primeiro, mas em outra estrebaria, igualmente ao pé de uma cama e na palha.
“Felizmente esses dois incêndios foram extintos pelo pai de Garnier, de 80 anos, e seus criados, prevenidos pela referida Marie Richard.
“Nossos leitores devem lembrar-se que essa jovem de 14 anos era sempre a primeira que percebia as feitiçarias que ocorriam no moinho, se bem que, seguindo os conselhos que lhe tinham dado, Garnier tinha despedido a pequena Richard. Quando os dois incêndios surgiram, essa menina tinha voltado há quinze dias à casa do seu Garnier. Foi ela novamente a primeira a perceber os dois incêndios de 12 de março.
“Segundo as pesquisas feitas no moinho, as suspeitas caíram sobre duas domésticas.
“A família Garnier ficou tão chocada pelos acontecimentos de que o moinho é teatro, que se persuadiu que o diabo, ou pelo menos algum Espírito malfazejo, fixou domicílio em sua morada.”
Um dos nossos amigos escreveu a seu Garnier, pedindo-lhe que informasse se os fatos relatados no jornal eram reais ou contos para divertir e, em todo o caso, o que podia haver de verdadeiro ou de exagerado nessa história.
Garnier respondeu que tudo era perfeitamente exato e conforme a declaração que ele próprio havia feito ao comissário de polícia de Valençay. Ele confirma, também, os dois incêndios e acrescenta: O jornal nem contou tudo. Conforme a sua carta, os fatos se produziam há quatro ou cinco meses, e só levado ao extremo por sua repetição, sem poder descobrir o seu autor, é que ele fez a declaração. Ele termina dizendo: “Não sei, senhor com que propósito pedis informações, mas se tiverdes algum conhecimento dessas coisas, peço-vos participar de minhas penas, pois vos asseguro que não estamos à vontade em nossa casa. Se puderdes encontrar um meio de descobrir o autor de todos esses fatos escandalosos, prestar-nos-eis um grande serviço.”
Um ponto importante a esclarecer era saber qual podia ser a participação da jovem, se voluntariamente por malícia, se inconscientemente por sua influência. Sobre essa questão, seu Garnier disse que a menina só tendo estado ausente da casa durante quinze dias, não tinha podido avaliar o efeito de sua ausência, mas que não suspeita de nenhuma malevolência por parte dela, como não suspeita dos outros empregados; que quase sempre ela havia anunciado o que se passava fora de seu alcance; que assim, várias vezes tinha dito: “Eis a cama que se desarruma em tal quarto” e que, entrando sem a perder de vista, encontravam o leito desfeito; que ela igualmente preveniu dos dois incêndios que ocorreram depois de sua volta.
Como se vê, esses fatos pertencem ao mesmo gênero de fenômenos dos de Poitiers (Revista de fevereiro e março de 1864; idem, maio de 1865); de Marselha (abril de 1865); de Dieppe (março de 1860), e tantos outros que podem ser chamados manifestações barulhentas e perturbadoras.
Para começar, faremos notar a diferença que existe entre o tom deste relato e o do jornal de Poitiers, por ocasião do que se passou naquela cidade. Lembremo-nos do dilúvio de sarcasmos acerca desses fatos que fizeram chover sobre os espíritas, e sua persistência em sustentar, contra a evidência, que não podia deixar de ser obra de brincalhões maldosos, que não tardariam a ser descobertos, e que, em definitivo, jamais descobriram. O Moniteur de l’Indre, mais prudente, limita-se a um relato que não comportou nenhuma troça descabida, o que antes implica uma afirmação que uma negação.
Uma outra observação é que fatos deste gênero ocorreram muito antes que se cogitasse do Espiritismo e que desde então se passam quase diariamente entre pessoas que não o conhecem nem de nome, o que exclui qualquer influência devida à crença e à imaginação. Se acusassem os espíritas de simular essas manifestações com fito de propaganda, perguntaríamos quem os teria produzido quando não havia espíritas.
Não conhecendo o que se passou no moinho Vicq-sur-Nahon, senão pelo relato feito, limitamo-nos a constatar que aqui nada se afasta daquilo cuja possibilidade o Espiritismo admite, nem das condições normais nas quais semelhantes fatos podem produzir-se; que esses fatos se explicam por leis perfeitamente naturais e consequentemente nada têm de maravilhoso. Só a ignorância dessas leis pôde, até hoje, fazer que fossem considerados como efeitos sobrenaturais, como com quase todos os fenômenos cujas leis mais tarde a Ciência revelou.
O que pode parecer mais extraordinário, e se entende menos facilmente, é o fato das portas abertas, depois de cuidadosamente fechadas à chave. As manifestações modernas disto oferecem vários exemplos. Um fato análogo passouse em Limoges, há alguns anos (Revista de agosto de 1860). Considerando-se que o estado dos conhecimentos ainda não nos permite lhe dar uma explicação concludente, isto nada prejulga, porque estamos longe de conhecer todas as leis que regem o mundo invisível, todas as forças que esse mundo esconde, todas as aplicações das leis que conhecemos. O Espiritismo ainda está longe de pronunciar sua última palavra, tanto sobre os fenômenos físicos quanto sobre os espirituais. Muitas das descobertas serão objeto de observações ulteriores. Até o presente, e de certo modo, o Espiritismo não fez senão colocar as primeiras balizas de uma ciência cujo alcance é desconhecido. Com o auxílio do que já descobriu, ele abre aos que virão depois de nós o caminho das investigações numa ordem especial de ideias. Ele só procede por observações e deduções, e jamais por suposição. Se um fato é constatado, diz-se que deve ter uma causa e que essa causa só pode ser natural, e então ele a procura. Em falta de uma demonstração categórica, ele pode dar uma hipótese, mas até a confirmação, não a dá senão como hipótese, e não como verdade absoluta. A respeito do fenômeno das portas abertas, como ao dos transportes através de corpos rígidos, tudo ainda está reduzido a uma hipótese, baseada nas propriedades fluídicas da matéria, muito imperfeitamente conhecidas, ou melhor, que não são ainda suspeitadas. Se o fato em questão for confirmado pela experiência, deve ter, como dissemos, uma causa natural; se se repetir, não é uma exceção, mas a consequência de uma lei. A possibilidade da libertação de São Pedro de sua prisão, relatada nos Atos dos Apóstolos, Cap. XII, seria assim demonstrada sem que houvesse necessidade de recorrer ao milagre.
De todos os efeitos mediúnicos, as manifestações físicas são as mais fáceis de simular. Assim, é preciso evitar de aceitar muito levianamente como autênticos os fatos desse gênero, quer sejam espontâneos, como os do moinho Vicq-sur-Nahon, quer conscientemente provocados por um médium. É verdade que a imitação não poderia deixar de ser grosseira e imperfeita, mas com habilidade é fácil ter êxito, como outrora fizeram com a dupla vista, aos que não conheciam as condições em que os fenômenos reais podem produzir-se. Vimos supostos médiuns de rara habilidade simularem aportes, escrita direta e outros gêneros de manifestações. Assim, é necessário não admitir senão em sã consciência a intervenção dos Espíritos nessas espécies de coisas.
No caso de que se trata, não afirmamos essa intervenção; limitamo-nos a dizer que ela é possível. Os dois princípios de incêndio apenas poderiam permitir suspeita de um ato humano suscitado pela malevolência, que sem dúvida o futuro levará a descobrir. Contudo, é bom notar que, graças à clarividência da jovem, os seguintes puderam ser prevenidos. Com exceção deste último fato, os outros não passaram de traquinadas sem consequências desagradáveis. Se são obra dos Espíritos, só podem provir dos Espíritos levianos divertindo-se com os terrores e a impaciência que causam. Sabe-se que os há de todos os caracteres, como aqui na Terra. O melhor meio de se desembaraçar deles é não se inquietar com os mesmos e cansar a sua paciência, que jamais é de longa duração, quando veem que não nos preocupamos, o que lhes provamos rindo de suas malícias e os desafiando a fazer mais. O mais seguro meio de excitá-los a continuar é atormentar-se e encolerizar-se contra eles. Pode-se, ainda, deles livrar-se evocando-os com o auxílio de um bom médium e orando por eles. Então, entretendo-se com eles, podemos saber o que eles são e o que querem, e fazê-los escutar a razão.
Aliás, esses tipos de manifestações têm um resultado mais sério: o de propagar a ideia do mundo invisível que nos rodeia, e afirmar a sua ação sobre o mundo material. É por isto que elas se produzem de preferência entre pessoas estranhas ao Espiritismo, antes que entre os espíritas, que deles não necessitam para se convencerem.
Em tal caso, por vezes a fraude pode ser apenas inocente brincadeira, ou um meio de se dar importância, fazendo crer numa faculdade que não se possui, ou que se possui imperfeitamente. Mas na maioria dos casos ela tem por móvel um interesse patente ou dissimulado e por objetivo explorar a confiança de pessoas muito crédulas ou inexperientes. É então uma verdadeira trapaça. Seria supérfluo insistir em dizer que os que se tornam culpados de quaisquer enganos deste gênero, se não fossem solicitados senão pelo amor-próprio, não são espíritas, mesmo quando se deem como tais. Os fenômenos reais têm um caráter sui generis, e se produzem em circunstâncias que desafiam qualquer suspeita. Um conhecimento completo desses caracteres e dessas circunstâncias pode facilmente levar a descobrir a charlatanice.
Se estas explicações chegarem ao conhecimento de seu Garnier, ele aí encontrará a resposta ao pedido que faz em sua carta.
Um de nossos correspondentes nos transmite o relato, escrito por uma testemunha ocular, de manifestações análogas ocorridas em janeiro último, no burgo da Basse-Indre (Loire-Inférieure). Elas consistiam em batidas com obstinação, durante várias semanas, e que puseram em sobressalto todos moradores de uma casa. Todas as pesquisas e investigações da autoridade para descobrir sua causa não conduziram a nada. Aliás, esse fato não apresenta qualquer particularidade mais notável, a não ser que, como todas as manifestações espontâneas, chama a atenção para os fenômenos espíritas.
Como fato de manifestações físicas, as que se produzem espontaneamente exercem sobre a opinião pública uma influência infinitamente maior que os efeitos provocados diretamente por um médium, seja porque têm maior repercussão e notoriedade, seja porque dão menos azo às suspeitas de charlatanismo e de prestidigitação.
Isto nos lembra um fato que se passou em Paris, em maio do ano passado. Eilo, tal como foi relatado, na ocasião, pelo Petit Journal.
Manifestações de Menilmontant
Um fato singular se repete com frequência no bairro de Ménilmontant, sem que se tenha ainda podido explicar a sua causa.
“O Sr. X..., fabricante de bronzes, mora num pavilhão nos fundos da casa; aí se entra pelo jardim. As oficinas estão à esquerda e a sala de jantar à direita. Uma campainha está colocada acima da porta da sala de jantar; naturalmente o cordão está na porta do jardim. A aleia é bastante longa para que uma pessoa, tendo tocado, não possa fugir antes que tenham vindo abrir.
“Várias vezes o contramestre, tendo ouvido a campainha, foi à porta e não viu ninguém. A princípio acreditaram numa mistificação; mas, por mais que ficassem à espreita e se assegurassem que o fio condutor levava à campainha, nada puderam descobrir, mas a manobra continuava sempre. Um dia a campainha tocou quando o casal X... se achava precisamente em baixo e um aprendiz estava na aleia, diante do cordão. Esse fato repetiu-se três vezes na mesma tarde. Acrescentamos que por vezes a campainha soava bem baixinho e outras vezes de maneira muito barulhenta.
“Depois de alguns dias o fenômeno havia cessado, mas anteontem à noite repetiu-se com mais persistência.
“A Sra. X... é uma mulher muito piedosa. Há uma crença em sua terra que os mortos vêm reclamar preces dos parentes. Ela pensou numa tia morta e julgou ter achado a explicação. Mas preces, missas, novenas, nada serviu, porquanto a campainha continua soando.
“Um distinto metalurgista, a quem o fato foi contado, pensou que fosse um fenômeno científico e que uma certa quantidade de água-forte e de vitríolo que havia na oficina podia desprender uma força bastante grande para mover o fio de ferro. Mas, afastadas as substâncias, o fato não deixou de se produzir.
“Não procuraremos explicá-lo, pois é assunto dos cientistas, diz a Patrie, que bem poderia enganar-se. Essas espécies de mistérios muitas vezes se explicam, por fim, sem que a Ciência tenha que aí constatar o menor fenômeno ainda desconhecido.”
“O Sr. X..., fabricante de bronzes, mora num pavilhão nos fundos da casa; aí se entra pelo jardim. As oficinas estão à esquerda e a sala de jantar à direita. Uma campainha está colocada acima da porta da sala de jantar; naturalmente o cordão está na porta do jardim. A aleia é bastante longa para que uma pessoa, tendo tocado, não possa fugir antes que tenham vindo abrir.
“Várias vezes o contramestre, tendo ouvido a campainha, foi à porta e não viu ninguém. A princípio acreditaram numa mistificação; mas, por mais que ficassem à espreita e se assegurassem que o fio condutor levava à campainha, nada puderam descobrir, mas a manobra continuava sempre. Um dia a campainha tocou quando o casal X... se achava precisamente em baixo e um aprendiz estava na aleia, diante do cordão. Esse fato repetiu-se três vezes na mesma tarde. Acrescentamos que por vezes a campainha soava bem baixinho e outras vezes de maneira muito barulhenta.
“Depois de alguns dias o fenômeno havia cessado, mas anteontem à noite repetiu-se com mais persistência.
“A Sra. X... é uma mulher muito piedosa. Há uma crença em sua terra que os mortos vêm reclamar preces dos parentes. Ela pensou numa tia morta e julgou ter achado a explicação. Mas preces, missas, novenas, nada serviu, porquanto a campainha continua soando.
“Um distinto metalurgista, a quem o fato foi contado, pensou que fosse um fenômeno científico e que uma certa quantidade de água-forte e de vitríolo que havia na oficina podia desprender uma força bastante grande para mover o fio de ferro. Mas, afastadas as substâncias, o fato não deixou de se produzir.
“Não procuraremos explicá-lo, pois é assunto dos cientistas, diz a Patrie, que bem poderia enganar-se. Essas espécies de mistérios muitas vezes se explicam, por fim, sem que a Ciência tenha que aí constatar o menor fenômeno ainda desconhecido.”
Dissertações espíritas
Missão da mulher
(Lyon, 6 de julho de 1866, grupo da Sra. Ducard - Médium: Sra. B...)
A cada dia os acontecimentos da vida vos trazem ensinamentos de natureza a vos servir de exemplo e, contudo, passais sem compreendê-los, sem tirar uma dedução útil das circunstâncias que os provocaram. Entretanto, nesta união íntima entre a Terra e o espaço, entre os Espíritos livres e os Espíritos cativos, ligados à realização de sua tarefa, há desses exemplos cuja lembrança deve perpetuar-se entre vós: é a paz proposta durante a guerra. Uma mulher cuja posição social atrai todos os olhares, vai, humilde irmã de caridade, levar a todos a consolação de sua palavra, a afeição de seu coração, a carícia de seus olhos. Ela é imperatriz; sobre sua fronte brilha a coroa de diamantes, mas ela esquece a sua posição, esquece o perigo para acorrer ao meio do sofrimento e dizer a todos: “Consolai-vos, eis-me aqui! Não sofrais mais, eu vos falo; não vos inquieteis, eu tomarei conta de vossos órfãos!...” O perigo é iminente, o contágio está no ar, contudo, ela passa, calma e radiosa, em meio a esses leitos onde jaz a dor. Ela nada calculou, nada apreendeu, foi onde a chamava seu coração, como a brisa vai refrescar as flores murchas e reerguer as hastes vacilantes.
Este exemplo de devotamento e de abnegação, quando os esplendores da vida deveriam engendrar o orgulho e o egoísmo, é, por certo, um estimulante para as mulheres que sentem vibrar em si essa delicadeza de sentimento que Deus lhes deu para cumprir sua tarefa, porque elas estão encarregadas principalmente de espalhar a consolação e sobretudo a conciliação. Não têm elas a graça e o sorriso, o encanto da voz e a suavidade da alma? É a elas que Deus confia os primeiros passos de seus filhos; ele as escolheu como as nutrizes das doces criaturas que vão nascer.
Esse Espírito rebelde e orgulhoso, cuja existência será uma luta constante contra a desgraça, não lhes vem pedir que lhe inculque outras ideias, diferentes daquelas que ele traz ao nascer? É para elas que ele estende suas mãozinhas, e sua voz outrora rude, e seus acentos que vibravam como um cobre, abrandar-se-ão como um doce eco, quando disser: mamãe!
É à mulher que ele implora, esse doce querubim que vem ensinar a ler no livro da ciência; é para agradá-la que ele fará todos os esforços para instruir-se e tornar-se útil à Humanidade. ─ É ainda para ela que ele estende as mãos, esse jovem que se transviou em seu caminho e que deseja voltar ao bem. Ele não ousará implorar a seu pai, cuja cólera teme, mas sua mãe, tão suave, tão generosa, não terá para ele senão esquecimento e perdão.
Não são elas as flores animadas da vida, os devotamentos inalteráveis, essas almas que Deus criou mulheres? Elas atraem e encantam. Chamam-nas de tentação, mas deviam chamá-las de lembrança, porque sua imagem fica gravada em caracteres indeléveis no coração dos filhos, quando elas partiram. Não é no presente que são apreciadas, é no passado, quando a morte as entregou a Deus. ─ Então seus filhos as buscam no espaço, como o marinheiro busca a estrela que deve conduzi-lo ao porto. Elas são a esfera de atração, a bússola do Espírito que ficou na Terra e que espera encontrá-las no céu. Elas são, ainda, a mão que conduz e sustenta, a alma que inspira e a voz que perdoa, e assim como foram o anjo do lar terreno, tornam-se o anjo consolador que ensina a orar.
Oh! vós que tendes sido oprimidas na Terra, mulheres que sois tidas como escravas do homem, porque vos submetestes à sua dominação, vosso reino não é deste mundo! Contentai-vos, pois, com a sorte que vos está reservada; continuai vossa tarefa; continuai sendo as medianeiras entre o homem e Deus, e compreendei bem a influência de vossa intervenção. ─ Este é um Espírito ardente, impetuoso; o sangue lhe ferve nas veias e vai se exaltar, será injusto; mas Deus pôs a doçura em vossos olhos e a carícia em vossa voz. Olhai-o, falai-lhe, a cólera se apaziguará e a injustiça será afastada. Talvez tenhais sofrido, mas tereis poupado de uma falta o vosso companheiro de jornada e vossa tarefa foi cumprida. Aquele ainda é infeliz, sofre, a fortuna o abandona, ele se considera um pária!... Mas aí há um devotamento à prova, uma abnegação constante para erguer esse moral abatido, para dar a esse Espírito a esperança que o havia abandonado.
Mulheres, sois as companheiras inseparáveis do homem; com ele formais uma cadeia indissolúvel que a desgraça não pode romper, que a ingratidão não deve manchar e não poderia quebrar-se, porque o próprio Deus a formou e, embora às vezes tenhais na alma essas preocupações sombrias que acompanham a luta, contudo rejubilai-vos, porque nesse imenso trabalho de harmonia terrena, Deus vos deu a mais bela parte!
Coragem, pois! Ó vós que viveis humildemente, trabalhando por melhorar vosso interior, Deus vos sorri, porque vos deu essa amenidade que caracteriza a mulher. Quer sejam elas imperatrizes, irmãs de caridade, humildes trabalhadoras ou suaves mães de família, estão todas alistadas sob a mesma bandeira e levam escritas na fronte e no coração estas duas palavras mágicas que enchem a Eternidade: Amor e Caridade.
CÁRITA
Este exemplo de devotamento e de abnegação, quando os esplendores da vida deveriam engendrar o orgulho e o egoísmo, é, por certo, um estimulante para as mulheres que sentem vibrar em si essa delicadeza de sentimento que Deus lhes deu para cumprir sua tarefa, porque elas estão encarregadas principalmente de espalhar a consolação e sobretudo a conciliação. Não têm elas a graça e o sorriso, o encanto da voz e a suavidade da alma? É a elas que Deus confia os primeiros passos de seus filhos; ele as escolheu como as nutrizes das doces criaturas que vão nascer.
Esse Espírito rebelde e orgulhoso, cuja existência será uma luta constante contra a desgraça, não lhes vem pedir que lhe inculque outras ideias, diferentes daquelas que ele traz ao nascer? É para elas que ele estende suas mãozinhas, e sua voz outrora rude, e seus acentos que vibravam como um cobre, abrandar-se-ão como um doce eco, quando disser: mamãe!
É à mulher que ele implora, esse doce querubim que vem ensinar a ler no livro da ciência; é para agradá-la que ele fará todos os esforços para instruir-se e tornar-se útil à Humanidade. ─ É ainda para ela que ele estende as mãos, esse jovem que se transviou em seu caminho e que deseja voltar ao bem. Ele não ousará implorar a seu pai, cuja cólera teme, mas sua mãe, tão suave, tão generosa, não terá para ele senão esquecimento e perdão.
Não são elas as flores animadas da vida, os devotamentos inalteráveis, essas almas que Deus criou mulheres? Elas atraem e encantam. Chamam-nas de tentação, mas deviam chamá-las de lembrança, porque sua imagem fica gravada em caracteres indeléveis no coração dos filhos, quando elas partiram. Não é no presente que são apreciadas, é no passado, quando a morte as entregou a Deus. ─ Então seus filhos as buscam no espaço, como o marinheiro busca a estrela que deve conduzi-lo ao porto. Elas são a esfera de atração, a bússola do Espírito que ficou na Terra e que espera encontrá-las no céu. Elas são, ainda, a mão que conduz e sustenta, a alma que inspira e a voz que perdoa, e assim como foram o anjo do lar terreno, tornam-se o anjo consolador que ensina a orar.
Oh! vós que tendes sido oprimidas na Terra, mulheres que sois tidas como escravas do homem, porque vos submetestes à sua dominação, vosso reino não é deste mundo! Contentai-vos, pois, com a sorte que vos está reservada; continuai vossa tarefa; continuai sendo as medianeiras entre o homem e Deus, e compreendei bem a influência de vossa intervenção. ─ Este é um Espírito ardente, impetuoso; o sangue lhe ferve nas veias e vai se exaltar, será injusto; mas Deus pôs a doçura em vossos olhos e a carícia em vossa voz. Olhai-o, falai-lhe, a cólera se apaziguará e a injustiça será afastada. Talvez tenhais sofrido, mas tereis poupado de uma falta o vosso companheiro de jornada e vossa tarefa foi cumprida. Aquele ainda é infeliz, sofre, a fortuna o abandona, ele se considera um pária!... Mas aí há um devotamento à prova, uma abnegação constante para erguer esse moral abatido, para dar a esse Espírito a esperança que o havia abandonado.
Mulheres, sois as companheiras inseparáveis do homem; com ele formais uma cadeia indissolúvel que a desgraça não pode romper, que a ingratidão não deve manchar e não poderia quebrar-se, porque o próprio Deus a formou e, embora às vezes tenhais na alma essas preocupações sombrias que acompanham a luta, contudo rejubilai-vos, porque nesse imenso trabalho de harmonia terrena, Deus vos deu a mais bela parte!
Coragem, pois! Ó vós que viveis humildemente, trabalhando por melhorar vosso interior, Deus vos sorri, porque vos deu essa amenidade que caracteriza a mulher. Quer sejam elas imperatrizes, irmãs de caridade, humildes trabalhadoras ou suaves mães de família, estão todas alistadas sob a mesma bandeira e levam escritas na fronte e no coração estas duas palavras mágicas que enchem a Eternidade: Amor e Caridade.
CÁRITA
Bibliografia
Mudança de título de Verite de Lyon
O jornal la Verité, de Lyon, acaba de mudar o seu nome. A partir de 10 de março de 1867, toma o de La Tribune Universelle, journal de la libre conscience et de la libre pensée. Ele o anuncia e expõe os motivos na nota seguinte, inserta no número de 24 de fevereiro.
Aos nossos irmãos e irmãs espíritas.
Philaléthès, o infatigável campeão que conheceis, julgou dever vos informar que de agora em diante dirigiria suas investigações para a filosofia geral e não mais apenas para o Espiritismo, do qual, graças a seus preconceitos, os cientistas não querem nem mesmo ouvir pronunciar o nome. Mas não deveis imaginar, caros irmãos e irmãs, que tirando a etiqueta do saco, depois de tudo muito indiferente, ele queira, como nós, lançar o conteúdo às urtigas. No que nos concerne pessoalmente, ficaríamos desolado se os leitores pudessem suspeitar um só instante que quiséssemos abandonar uma ideia para a qual despendemos todas as forças vivas de que éramos capaz. A ideia espírita hoje faz parte integral do nosso ser, e retirá-la seria votar à morte o nosso coração, o nosso espírito.
Se somos espíritas, nada obstante, e precisamente porque cremos sê-lo no verdadeiro sentido da palavra, queremos mostrar-nos caridosos, tolerantes para com todos os sistemas opostos, e queremos correr ao encontro deles, porque eles se recusam a vir a nós.
A etiqueta de espíritas colada em nossa fronte vos é um espantalho, senhores negadores? Pois bem! De boa vontade consentimos em retirá-la, reservando-nos o direito de trazê-la alto em nossas almas. Assim, não nos chamaremos mais la Vérité, journal du Spiritisme, mas La Tribune Universelle, journal de la libre conscience et de la libre pensée. Este terreno é tão vasto quanto o mundo, e os sistemas de toda sorte poderão aí debater-se à vontade, terçar armas com os trânsfugas de La Vérité, que reclamarão para si próprios o direito a todos concedido: a discussão. É então que, inflamados pela luta, inspirados pela fé e guiados pela razão, esperamos fazer brilhar aos olhos dos nossos adversários uma luz tão viva, que Deus e a imortalidade erguer-se-ão diante deles, não mais como um fantasma horrível, produto de séculos de ignorância, mas como uma doce e suave visão onde, enfim, repousará a Humanidade inteira.
E. E.
Aos nossos irmãos e irmãs espíritas.
Philaléthès, o infatigável campeão que conheceis, julgou dever vos informar que de agora em diante dirigiria suas investigações para a filosofia geral e não mais apenas para o Espiritismo, do qual, graças a seus preconceitos, os cientistas não querem nem mesmo ouvir pronunciar o nome. Mas não deveis imaginar, caros irmãos e irmãs, que tirando a etiqueta do saco, depois de tudo muito indiferente, ele queira, como nós, lançar o conteúdo às urtigas. No que nos concerne pessoalmente, ficaríamos desolado se os leitores pudessem suspeitar um só instante que quiséssemos abandonar uma ideia para a qual despendemos todas as forças vivas de que éramos capaz. A ideia espírita hoje faz parte integral do nosso ser, e retirá-la seria votar à morte o nosso coração, o nosso espírito.
Se somos espíritas, nada obstante, e precisamente porque cremos sê-lo no verdadeiro sentido da palavra, queremos mostrar-nos caridosos, tolerantes para com todos os sistemas opostos, e queremos correr ao encontro deles, porque eles se recusam a vir a nós.
A etiqueta de espíritas colada em nossa fronte vos é um espantalho, senhores negadores? Pois bem! De boa vontade consentimos em retirá-la, reservando-nos o direito de trazê-la alto em nossas almas. Assim, não nos chamaremos mais la Vérité, journal du Spiritisme, mas La Tribune Universelle, journal de la libre conscience et de la libre pensée. Este terreno é tão vasto quanto o mundo, e os sistemas de toda sorte poderão aí debater-se à vontade, terçar armas com os trânsfugas de La Vérité, que reclamarão para si próprios o direito a todos concedido: a discussão. É então que, inflamados pela luta, inspirados pela fé e guiados pela razão, esperamos fazer brilhar aos olhos dos nossos adversários uma luz tão viva, que Deus e a imortalidade erguer-se-ão diante deles, não mais como um fantasma horrível, produto de séculos de ignorância, mas como uma doce e suave visão onde, enfim, repousará a Humanidade inteira.
E. E.
Carta de um espiritista
(Carta de um espírita) (Ao Doutor Francisco de Paula Canalejas)
Brochura impressa em Madrid[1], em língua espanhola, contendo os princípios fundamentais da Doutrina Espírita, tirados do Que é o Espiritismo, com esta dedicatória:
“Ao senhor Allan Kardec, o primeiro que descreveu com método e coordenou com clareza os princípios filosóficos da nova escola, é dedicado este simples trabalho, por seu dedicado correligionário. Malgrado os entraves que as ideias novas encontram neste país, o Espiritismo aqui encontra simpatias mais profundas do que se poderia supor, principalmente nas classes altas, onde conta com numerosos adeptos, fervorosos e devotados, porque aqui, devido às opiniões religiosas, os extremos se tocam e, aliás como em toda parte, os excessos de uns produzem reações contrárias. Na antiga e poética mitologia, ter-se-ia feito do fanatismo o pai da incredulidade.”
Felicitamos o autor deste opúsculo por seu zelo pela propagação da doutrina e agradecemos sua graciosa dedicatória, bem como as boas palavras que acompanharam a remessa da brochura. Seus sentimentos e os de seus irmãos em crença se refletem nesta fase característica de sua carta: “Estamos prontos para tudo, mesmo para baixar a cabeça para receber o martírio, como a erguemos bem alto para confessar a nossa fé.”
ALLAN KARDEC.
[1] Gráfica de Manuel Galiano, Plaza de los Ministerios, 3.
“Ao senhor Allan Kardec, o primeiro que descreveu com método e coordenou com clareza os princípios filosóficos da nova escola, é dedicado este simples trabalho, por seu dedicado correligionário. Malgrado os entraves que as ideias novas encontram neste país, o Espiritismo aqui encontra simpatias mais profundas do que se poderia supor, principalmente nas classes altas, onde conta com numerosos adeptos, fervorosos e devotados, porque aqui, devido às opiniões religiosas, os extremos se tocam e, aliás como em toda parte, os excessos de uns produzem reações contrárias. Na antiga e poética mitologia, ter-se-ia feito do fanatismo o pai da incredulidade.”
Felicitamos o autor deste opúsculo por seu zelo pela propagação da doutrina e agradecemos sua graciosa dedicatória, bem como as boas palavras que acompanharam a remessa da brochura. Seus sentimentos e os de seus irmãos em crença se refletem nesta fase característica de sua carta: “Estamos prontos para tudo, mesmo para baixar a cabeça para receber o martírio, como a erguemos bem alto para confessar a nossa fé.”
ALLAN KARDEC.
[1] Gráfica de Manuel Galiano, Plaza de los Ministerios, 3.