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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867 > Março
Março
A homeopatia nas moléstias morais
Pode a homeopatia modificar as disposições morais? Tal é a pergunta feita por certos médicos homeopatas e à qual não hesitam em responder afirmativamente, apoiando-se em fatos. Considerando-se sua extrema gravidade, vamos examiná-la com cuidado, de um ponto de vista que nos parece ter sido negligenciado por aqueles senhores, por mais espiritualistas e mesmo espíritas que sejam, sem dúvida, porquanto há bem poucos médicos homeopatas que não sejam uma ou a outra coisa. Mas, para a compreensão de nossas conclusões, são necessárias algumas explicações preliminares sobre as modificações dos órgãos cerebrais, sobretudo para as pessoas alheias à fisiologia.
Um princípio que a simples razão torna admissível, que a Ciência constata diariamente, é que nada há de inútil na Natureza, que até nos mais imperceptíveis detalhes tudo tem um fim, uma razão de ser, uma destinação. Este princípio é particularmente evidente no que concerne ao organismo dos seres vivos.
Em todos os tempos, o cérebro tem sido considerado como o órgão da transmissão do pensamento e a sede das faculdades intelectuais e morais. É hoje reconhecido que certas partes do cérebro têm funções especiais e são afetadas por uma ordem particular de pensamentos e sentimentos, pelo menos no que concerne à generalidade; é assim que, instintivamente, na parte anterior se colocam as faculdades do domínio da inteligência e que uma fronte fortemente deprimida e retraída é para todo mundo um sinal de inferioridade intelectual. As faculdades afetivas, os sentimentos e as paixões estariam, consequentemente, sediados em outras partes do cérebro.
Ora, se considerarmos que os pensamentos e os sentimentos são excessivamente múltiplos, e partindo do princípio que tudo tem sua destinação e sua utilidade, é permitido concluir que não só cada feixe fibroso do cérebro corresponde à manifestação de uma faculdade geral distinta, mas que cada fibra corresponde à manifestação de uma das nuanças dessa faculdade, como cada corda de um instrumento corresponde a um som particular. Sem dúvida é uma hipótese, mas que tem todos os caracteres de probabilidade, e cuja negação não infirmaria as consequências que deduziremos do princípio geral. Ela nos ajudará em nossa explicação.
O pensamento é independente do organismo? Aqui não temos que discutir esta questão, nem que refutar a opinião materialista segundo a qual o pensamento é secretado pelo cérebro, como a bile pelo fígado; nasce e morre com esse órgão. Além de suas funestas consequências morais, essa doutrina tem contra si o fato de nada explicar.
Segundo as doutrinas espiritualistas, que são as da imensa maioria dos homens, não podendo a matéria produzir o pensamento, este é um atributo do Espírito, do ser inteligente que, quando unido ao corpo, serve-se dos órgãos especialmente encarregados da sua transmissão, como se serve dos olhos para ver e dos pés para andar. Sobrevivendo o Espírito ao corpo, o pensamento também a ele sobrevive.
Segundo a Doutrina Espírita, o Espírito não só sobrevive, mas preexiste ao corpo; ele não é um ser novo; ao nascer, ele traz ideias, qualidades e imperfeições que possuía; assim se explicam as ideias, as aptidões e as inclinações inatas. O pensamento é, pois, preexistente e sobrevivente ao organismo. Este ponto é capital e é por não o terem reconhecido que tantas questões permaneceram insolúveis.
Estando na Natureza todas as faculdades e aptidões, o cérebro encerra os órgãos, ou, pelo menos, o germe dos órgãos necessários à manifestação de todos os pensamentos. A atividade do pensamento do Espírito sobre um ponto determinado impele ao desenvolvimento da fibra ou, se se quiser, do órgão correspondente. Se uma faculdade não existir no Espírito, ou se, existindo, deve ficar em estado latente, estando inativo o órgão correspondente, ele não se desenvolve ou se atrofia. Se o órgão for atrofiado congenitamente, a faculdade não pode manifestar-se, e o Espírito parece dela privado, embora, em realidade, a possua, porquanto ela lhe é inerente. Enfim, se o órgão, primitivamente em seu estado normal, se deteriora no curso da vida, a faculdade, de brilhante que era, se reduz, depois se apaga, mas não se destrói; há apenas um véu que a obscurece.
Conforme os indivíduos, há faculdades, aptidões, tendências que se manifestam desde o começo da vida, outras se revelam em épocas mais tardias, e produzem as mudanças de caráter e de disposições que se notam em certas pessoas. Neste último caso, geralmente não são disposições novas, mas aptidões preexistentes, que dormitariam até que uma circunstância as viesse estimular e despertar. Podemos ter certeza que as disposições viciosas que se manifestam, por vezes subitamente e tardiamente, tinham seu germe preexistente nas imperfeições do espírito, porque este, marchando sempre para o progresso, se for fundamentalmente bom, não pode tornar-se mau, ao passo que de mau pode tornar-se bom.
O desenvolvimento ou a depressão dos órgãos cerebrais segue o movimento que se opera no Espírito. Essas modificações são favorecidas em todas as idades, mas sobretudo na mocidade, pelo trabalho íntimo de renovação que se opera incessantemente no organismo, da seguinte maneira:
Os principais elementos do organismo são, como sabemos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que, por suas múltiplas combinações, formam o sangue, os nervos, os músculos, os humores e as diferentes variedades de substâncias. Pela atividade das funções vitais, as moléculas orgânicas são incessantemente expelidas do corpo pela transpiração, pela exalação e por todas as secreções, de sorte que se não fossem substituídas, o corpo reduzir-se-ia e acabaria deperecendo. O alimento e a aspiração incessantemente trazem novas moléculas, destinadas a substituir as que se vão, de onde se segue que, num tempo dado, todas as moléculas orgânicas são inteiramente renovadas, e que numa certa idade, não existe mais uma só das que formavam o corpo em sua origem. É o caso de uma casa, da qual se arrancassem as pedras uma a uma, substituindo-as sucessivamente por novas pedras da mesma forma e tamanho, e assim por diante até a última. Teríamos sempre a mesma casa, mas formada de pedras diferentes.
Assim é com o corpo, cujos elementos constitutivos são, dizem os fisiologistas, totalmente renovados de sete em sete anos. As diversas partes do organismo continuam existindo, mas os materiais são trocados. Dessas mudanças gerais ou parciais nascem as modificações que sobrevêm, com a idade, no estado de saúde de certos órgãos, as variações que sofrem os temperamentos, os gostos, os desejos que influem sobre o caráter.
As aquisições e as perdas não estão sempre em perfeito equilíbrio. Se as aquisições superam as perdas, o corpo cresce e engrossa; se se dá o contrário, o corpo diminui. Assim podemos entender o crescimento, a obesidade, o emagrecimento e a decrepitude.
A mesma causa produz a expansão ou a cessação do desenvolvimento dos órgãos cerebrais, conforme as modificações que se operam nas preocupações habituais, nas ideias e no caráter. Se as circunstâncias e as causas que agem diretamente sobre o Espírito, provocando o exercício de uma aptidão ou de uma paixão que até agora estava em estado de inércia, a atividade que se produz no órgão correspondente aí faz afluir o sangue, e com ele as moléculas constitutivas do órgão, que cresce e toma força na proporção dessa atividade. Pela mesma razão, a inatividade da faculdade produz o enfraquecimento do órgão, como também uma atividade muito grande e muito persistente pode levá-lo à desorganização ou ao enfraquecimento, por uma espécie de desgaste, como acontece com uma corda muito esticada.
As aptidões do Espírito, portanto, são sempre uma causa, e o estado dos órgãos, um efeito. Pode acontecer, entretanto, que o estado dos órgãos seja modificado por uma causa estranha ao Espírito, tal como doença, acidente, influência atmosférica ou climática; então os órgãos é que reagem sobre o Espírito, não alterando as suas faculdades, mas perturbando a manifestação.
Um efeito semelhante pode resultar das substâncias ingeridas, no estômago, como alimentos ou medicamentos. Essas substâncias aí se decompõem, e os princípios essenciais que elas encerram, misturados ao sangue, são levados, pela corrente da circulação, a todas as partes do corpo. É reconhecido pela experiência que os princípios ativos de certas substâncias são levados mais particularmente a tal ou qual víscera: o coração, o fígado, os pulmões, etc., e aí produzem efeitos reparadores ou deletérios, conforme sua natureza e propriedades especiais. Alguns, agindo desta maneira sobre o cérebro, podem exercer sobre o conjunto ou sobre determinadas partes, uma ação estimulante ou estupefaciente, conforme a dose e o temperamento, como, por exemplo, as bebidas alcoólicas, o ópio e outras.
Nós nos estendemos um pouco sobre os detalhes que precedem, a fim de facilitar a compreensão do princípio sobre o qual pode apoiar-se, com aparência de lógica, a teoria das modificações do estado moral por meios terapêuticos. Esse princípio é o da ação direta de uma substância sobre uma parte do organismo cerebral, tendo por função especial servir à manifestação de uma faculdade, de um sentimento ou de uma paixão, porque não pode ocorrer a ninguém que tal substância possa agir sobre o Espírito.
Admitido, pois, que o princípio das faculdades está no Espírito e não na matéria, suponhamos que se reconheça numa substância a propriedade de modificar as disposições morais,de neutralizar uma inclinação má, isto só poderia se dar por força de sua ação sobre o órgão correspondente a essa inclinação, ação que teria por efeito deter o desenvolvimento desse órgão, de atrofiá-lo ou paralisá-lo se ele for desenvolvido. É evidente que, neste caso, não se suprime a inclinação, mas a sua manifestação, absolutamente como se de um músico tirássemos o seu instrumento.
Provavelmente são efeitos dessa natureza que certos homeopatas observaram, e que os fizeram crer na possibilidade de corrigir, com o auxílio de medicamentos apropriados, vícios tais como o ciúme, o ódio, o orgulho, a cólera, etc. Uma tal doutrina, se fosse verdadeira, seria a negação de toda responsabilidade moral, a sanção do materialismo, porque então a causa de nossas imperfeições estaria apenas na matéria; a educação moral reduzir-se-ia a um tratamento médico; o mais perverso dos homens poderia tornar-se bom sem grandes esforços, e a Humanidade poderia ser regenerada com o auxílio de algumas pílulas. Se, ao contrário, e disto não resta dúvida, as imperfeições forem inerentes à inferioridade do Espírito, não será possível melhorá-lo pela modificação de seu envoltório carnal, como não se endireita um corcunda dissimulando sua deformidade sob o talhe de suas roupas.
Não duvidamos, entretanto, que tais resultados tenham sido obtidos nalguns casos particulares, porque, para afirmar um fato tão grave, é preciso ter observado, no entanto, estamos convictos que se enganaram sobre a causa e sobre o efeito. Os medicamentos homeopáticos, por sua natureza etérea, têm uma ação de certa forma molecular; mais do que outros, indubitavelmente, eles podem agir sobre certas partes elementares e fluídicas dos órgãos e modificar sua constituição íntima. Se, pois, como é racional admitir, todos os sentimentos da alma têm sua fibra cerebral correspondente para a sua manifestação, um medicamento que agisse sobre essa fibra, quer para paralisá-la, quer para exaltar sua sensibilidade, paralisaria ou exaltaria, por isso mesmo, a expressão do sentimento do qual ela fosse o instrumento, mas o sentimento não deixaria de subsistir. O indivíduo estaria na posição de um assassino a quem se tirasse a possibilidade de cometer homicídios cortando-lhes os braços, mas que não deixaria de conservar o desejo de matar. Seria, pois, um paliativo, mas não um remédio curativo.
Não se pode agir sobre o ser espiritual senão por meios espirituais. A utilidade dos meios materiais, se fosse constatado o efeito acima, talvez fosse de dominar mais facilmente o Espírito, de torná-lo mais flexível, mais dócil e mais acessível às influências morais; mas nos embalaríamos em ilusões se esperássemos de uma medicação qualquer um resultado definitivo e durável.
Seria diferente se se tratasse de dar suporte à manifestação de uma faculdade existente. Suponhamos um Espírito inteligente encarnado, mas tendo ao seu serviço um cérebro atrofiado e não podendo, pois, manifestar as suas ideias. Ele seria, para nós, um idiota. Admitindo-se ─ o que julgamos possível à homeopatia, mais do que a qualquer outro gênero de medicação ─ que se pudesse dar mais flexibilidade e sensibilidade às fibras cerebrais, o Espírito manifestaria seu pensamento, como o mudo ao qual se tivesse soltado a língua. Mas se o próprio Espírito fosse idiota, mesmo que tivesse ao seu serviço o cérebro do maior gênio, nem por isso seria menos idiota. Um medicamento qualquer, não podendo agir sobre o Espírito, não poderia nem dar-lhe o que ele não tem nem tirar o que ele tem. Mas agindo sobre o órgão de transmissão do pensamento, ele pode facilitar essa transmissão, sem que, em consequência disso, haja qualquer alteração na condição do Espírito. O que é difícil, e o mais da vezes impossível, no caso do idiota de nascença, porque há nele uma paralisação completa e quase sempre geral de desenvolvimento nos órgãos, torna-se possível quando a alteração é acidental e parcial. Nesse caso, não é o Espírito que é aperfeiçoado, são os seus meios de comunicação.
Um princípio que a simples razão torna admissível, que a Ciência constata diariamente, é que nada há de inútil na Natureza, que até nos mais imperceptíveis detalhes tudo tem um fim, uma razão de ser, uma destinação. Este princípio é particularmente evidente no que concerne ao organismo dos seres vivos.
Em todos os tempos, o cérebro tem sido considerado como o órgão da transmissão do pensamento e a sede das faculdades intelectuais e morais. É hoje reconhecido que certas partes do cérebro têm funções especiais e são afetadas por uma ordem particular de pensamentos e sentimentos, pelo menos no que concerne à generalidade; é assim que, instintivamente, na parte anterior se colocam as faculdades do domínio da inteligência e que uma fronte fortemente deprimida e retraída é para todo mundo um sinal de inferioridade intelectual. As faculdades afetivas, os sentimentos e as paixões estariam, consequentemente, sediados em outras partes do cérebro.
Ora, se considerarmos que os pensamentos e os sentimentos são excessivamente múltiplos, e partindo do princípio que tudo tem sua destinação e sua utilidade, é permitido concluir que não só cada feixe fibroso do cérebro corresponde à manifestação de uma faculdade geral distinta, mas que cada fibra corresponde à manifestação de uma das nuanças dessa faculdade, como cada corda de um instrumento corresponde a um som particular. Sem dúvida é uma hipótese, mas que tem todos os caracteres de probabilidade, e cuja negação não infirmaria as consequências que deduziremos do princípio geral. Ela nos ajudará em nossa explicação.
O pensamento é independente do organismo? Aqui não temos que discutir esta questão, nem que refutar a opinião materialista segundo a qual o pensamento é secretado pelo cérebro, como a bile pelo fígado; nasce e morre com esse órgão. Além de suas funestas consequências morais, essa doutrina tem contra si o fato de nada explicar.
Segundo as doutrinas espiritualistas, que são as da imensa maioria dos homens, não podendo a matéria produzir o pensamento, este é um atributo do Espírito, do ser inteligente que, quando unido ao corpo, serve-se dos órgãos especialmente encarregados da sua transmissão, como se serve dos olhos para ver e dos pés para andar. Sobrevivendo o Espírito ao corpo, o pensamento também a ele sobrevive.
Segundo a Doutrina Espírita, o Espírito não só sobrevive, mas preexiste ao corpo; ele não é um ser novo; ao nascer, ele traz ideias, qualidades e imperfeições que possuía; assim se explicam as ideias, as aptidões e as inclinações inatas. O pensamento é, pois, preexistente e sobrevivente ao organismo. Este ponto é capital e é por não o terem reconhecido que tantas questões permaneceram insolúveis.
Estando na Natureza todas as faculdades e aptidões, o cérebro encerra os órgãos, ou, pelo menos, o germe dos órgãos necessários à manifestação de todos os pensamentos. A atividade do pensamento do Espírito sobre um ponto determinado impele ao desenvolvimento da fibra ou, se se quiser, do órgão correspondente. Se uma faculdade não existir no Espírito, ou se, existindo, deve ficar em estado latente, estando inativo o órgão correspondente, ele não se desenvolve ou se atrofia. Se o órgão for atrofiado congenitamente, a faculdade não pode manifestar-se, e o Espírito parece dela privado, embora, em realidade, a possua, porquanto ela lhe é inerente. Enfim, se o órgão, primitivamente em seu estado normal, se deteriora no curso da vida, a faculdade, de brilhante que era, se reduz, depois se apaga, mas não se destrói; há apenas um véu que a obscurece.
Conforme os indivíduos, há faculdades, aptidões, tendências que se manifestam desde o começo da vida, outras se revelam em épocas mais tardias, e produzem as mudanças de caráter e de disposições que se notam em certas pessoas. Neste último caso, geralmente não são disposições novas, mas aptidões preexistentes, que dormitariam até que uma circunstância as viesse estimular e despertar. Podemos ter certeza que as disposições viciosas que se manifestam, por vezes subitamente e tardiamente, tinham seu germe preexistente nas imperfeições do espírito, porque este, marchando sempre para o progresso, se for fundamentalmente bom, não pode tornar-se mau, ao passo que de mau pode tornar-se bom.
O desenvolvimento ou a depressão dos órgãos cerebrais segue o movimento que se opera no Espírito. Essas modificações são favorecidas em todas as idades, mas sobretudo na mocidade, pelo trabalho íntimo de renovação que se opera incessantemente no organismo, da seguinte maneira:
Os principais elementos do organismo são, como sabemos, o oxigênio, o hidrogênio, o azoto e o carbono que, por suas múltiplas combinações, formam o sangue, os nervos, os músculos, os humores e as diferentes variedades de substâncias. Pela atividade das funções vitais, as moléculas orgânicas são incessantemente expelidas do corpo pela transpiração, pela exalação e por todas as secreções, de sorte que se não fossem substituídas, o corpo reduzir-se-ia e acabaria deperecendo. O alimento e a aspiração incessantemente trazem novas moléculas, destinadas a substituir as que se vão, de onde se segue que, num tempo dado, todas as moléculas orgânicas são inteiramente renovadas, e que numa certa idade, não existe mais uma só das que formavam o corpo em sua origem. É o caso de uma casa, da qual se arrancassem as pedras uma a uma, substituindo-as sucessivamente por novas pedras da mesma forma e tamanho, e assim por diante até a última. Teríamos sempre a mesma casa, mas formada de pedras diferentes.
Assim é com o corpo, cujos elementos constitutivos são, dizem os fisiologistas, totalmente renovados de sete em sete anos. As diversas partes do organismo continuam existindo, mas os materiais são trocados. Dessas mudanças gerais ou parciais nascem as modificações que sobrevêm, com a idade, no estado de saúde de certos órgãos, as variações que sofrem os temperamentos, os gostos, os desejos que influem sobre o caráter.
As aquisições e as perdas não estão sempre em perfeito equilíbrio. Se as aquisições superam as perdas, o corpo cresce e engrossa; se se dá o contrário, o corpo diminui. Assim podemos entender o crescimento, a obesidade, o emagrecimento e a decrepitude.
A mesma causa produz a expansão ou a cessação do desenvolvimento dos órgãos cerebrais, conforme as modificações que se operam nas preocupações habituais, nas ideias e no caráter. Se as circunstâncias e as causas que agem diretamente sobre o Espírito, provocando o exercício de uma aptidão ou de uma paixão que até agora estava em estado de inércia, a atividade que se produz no órgão correspondente aí faz afluir o sangue, e com ele as moléculas constitutivas do órgão, que cresce e toma força na proporção dessa atividade. Pela mesma razão, a inatividade da faculdade produz o enfraquecimento do órgão, como também uma atividade muito grande e muito persistente pode levá-lo à desorganização ou ao enfraquecimento, por uma espécie de desgaste, como acontece com uma corda muito esticada.
As aptidões do Espírito, portanto, são sempre uma causa, e o estado dos órgãos, um efeito. Pode acontecer, entretanto, que o estado dos órgãos seja modificado por uma causa estranha ao Espírito, tal como doença, acidente, influência atmosférica ou climática; então os órgãos é que reagem sobre o Espírito, não alterando as suas faculdades, mas perturbando a manifestação.
Um efeito semelhante pode resultar das substâncias ingeridas, no estômago, como alimentos ou medicamentos. Essas substâncias aí se decompõem, e os princípios essenciais que elas encerram, misturados ao sangue, são levados, pela corrente da circulação, a todas as partes do corpo. É reconhecido pela experiência que os princípios ativos de certas substâncias são levados mais particularmente a tal ou qual víscera: o coração, o fígado, os pulmões, etc., e aí produzem efeitos reparadores ou deletérios, conforme sua natureza e propriedades especiais. Alguns, agindo desta maneira sobre o cérebro, podem exercer sobre o conjunto ou sobre determinadas partes, uma ação estimulante ou estupefaciente, conforme a dose e o temperamento, como, por exemplo, as bebidas alcoólicas, o ópio e outras.
Nós nos estendemos um pouco sobre os detalhes que precedem, a fim de facilitar a compreensão do princípio sobre o qual pode apoiar-se, com aparência de lógica, a teoria das modificações do estado moral por meios terapêuticos. Esse princípio é o da ação direta de uma substância sobre uma parte do organismo cerebral, tendo por função especial servir à manifestação de uma faculdade, de um sentimento ou de uma paixão, porque não pode ocorrer a ninguém que tal substância possa agir sobre o Espírito.
Admitido, pois, que o princípio das faculdades está no Espírito e não na matéria, suponhamos que se reconheça numa substância a propriedade de modificar as disposições morais,de neutralizar uma inclinação má, isto só poderia se dar por força de sua ação sobre o órgão correspondente a essa inclinação, ação que teria por efeito deter o desenvolvimento desse órgão, de atrofiá-lo ou paralisá-lo se ele for desenvolvido. É evidente que, neste caso, não se suprime a inclinação, mas a sua manifestação, absolutamente como se de um músico tirássemos o seu instrumento.
Provavelmente são efeitos dessa natureza que certos homeopatas observaram, e que os fizeram crer na possibilidade de corrigir, com o auxílio de medicamentos apropriados, vícios tais como o ciúme, o ódio, o orgulho, a cólera, etc. Uma tal doutrina, se fosse verdadeira, seria a negação de toda responsabilidade moral, a sanção do materialismo, porque então a causa de nossas imperfeições estaria apenas na matéria; a educação moral reduzir-se-ia a um tratamento médico; o mais perverso dos homens poderia tornar-se bom sem grandes esforços, e a Humanidade poderia ser regenerada com o auxílio de algumas pílulas. Se, ao contrário, e disto não resta dúvida, as imperfeições forem inerentes à inferioridade do Espírito, não será possível melhorá-lo pela modificação de seu envoltório carnal, como não se endireita um corcunda dissimulando sua deformidade sob o talhe de suas roupas.
Não duvidamos, entretanto, que tais resultados tenham sido obtidos nalguns casos particulares, porque, para afirmar um fato tão grave, é preciso ter observado, no entanto, estamos convictos que se enganaram sobre a causa e sobre o efeito. Os medicamentos homeopáticos, por sua natureza etérea, têm uma ação de certa forma molecular; mais do que outros, indubitavelmente, eles podem agir sobre certas partes elementares e fluídicas dos órgãos e modificar sua constituição íntima. Se, pois, como é racional admitir, todos os sentimentos da alma têm sua fibra cerebral correspondente para a sua manifestação, um medicamento que agisse sobre essa fibra, quer para paralisá-la, quer para exaltar sua sensibilidade, paralisaria ou exaltaria, por isso mesmo, a expressão do sentimento do qual ela fosse o instrumento, mas o sentimento não deixaria de subsistir. O indivíduo estaria na posição de um assassino a quem se tirasse a possibilidade de cometer homicídios cortando-lhes os braços, mas que não deixaria de conservar o desejo de matar. Seria, pois, um paliativo, mas não um remédio curativo.
Não se pode agir sobre o ser espiritual senão por meios espirituais. A utilidade dos meios materiais, se fosse constatado o efeito acima, talvez fosse de dominar mais facilmente o Espírito, de torná-lo mais flexível, mais dócil e mais acessível às influências morais; mas nos embalaríamos em ilusões se esperássemos de uma medicação qualquer um resultado definitivo e durável.
Seria diferente se se tratasse de dar suporte à manifestação de uma faculdade existente. Suponhamos um Espírito inteligente encarnado, mas tendo ao seu serviço um cérebro atrofiado e não podendo, pois, manifestar as suas ideias. Ele seria, para nós, um idiota. Admitindo-se ─ o que julgamos possível à homeopatia, mais do que a qualquer outro gênero de medicação ─ que se pudesse dar mais flexibilidade e sensibilidade às fibras cerebrais, o Espírito manifestaria seu pensamento, como o mudo ao qual se tivesse soltado a língua. Mas se o próprio Espírito fosse idiota, mesmo que tivesse ao seu serviço o cérebro do maior gênio, nem por isso seria menos idiota. Um medicamento qualquer, não podendo agir sobre o Espírito, não poderia nem dar-lhe o que ele não tem nem tirar o que ele tem. Mas agindo sobre o órgão de transmissão do pensamento, ele pode facilitar essa transmissão, sem que, em consequência disso, haja qualquer alteração na condição do Espírito. O que é difícil, e o mais da vezes impossível, no caso do idiota de nascença, porque há nele uma paralisação completa e quase sempre geral de desenvolvimento nos órgãos, torna-se possível quando a alteração é acidental e parcial. Nesse caso, não é o Espírito que é aperfeiçoado, são os seus meios de comunicação.
Exploração das ideias espíritas
A propósito dos relatos de Mirette
Vários jornais referiram-se com elogios ao romance de Mirette, do qual falamos na Revista de fevereiro último. Só podemos felicitar os jornalistas que não bloquearam as ideias contidas nessa obra, embora contrárias às suas convicções. É um progresso, porque tempo houve em que só a cor espírita teria sido um motivo de reprovação. Vimos com que parcimônia e continência embaraçada os próprios amigos de Théophile Gautier falaram de seu romance Spirite. É verdade que, fora do que se refere ao mundo espiritual, o caráter essencialmente moral de Mirette oferecia o flanco à troça. Por mais cético que sejamos, não rimos do que tem o bem como consequência.
A crítica prendeu-se principalmente neste ponto: Por que misturar o sobrenatural neste simples relato? Era útil à ação apoiar-se em casos de visões e aparições? Que necessidade tinha o autor de transportar os seus heróis para o mundo imaginário da vida espiritual, para chegar à realização da reparação decretada pela Providência? Não temos milhares de histórias muito edificantes sem o emprego de semelhantes recursos?
Certamente isto não era necessário. Mas diremos a esses senhores: Se o Sr. Sauvage tivesse feito um romance católico, far-lhe-íeis, por mais céticos que fosseis, uma censura por empregar com recursos da ação o inferno, o paraíso, os anjos, os demônios e todos os símbolos da fé? Por fazer intervirem os deuses, as deusas, o Olimpo e o Tártaro num romance pagão? Por que, então, achar mau que um escritor, espírita ou não, utilize os elementos oferecidos pelo Espiritismo, que é uma crença como as outras, com seu lugar ao sol, se esta crença se presta ao seu propósito? Com menos razão podemos censurá-lo se, em sua convicção, aí vê um meio providencial para chegar ao castigo dos culpados e à recompensa dos bons.
Se, pois, no pensamento do escritor, essas crenças são verdadeiras, por que ele não as exporia num romance, tanto quanto numa obra filosófica? Mas há mais: É que, como temos dito muitas vezes, estas mesmas crenças abrem à Literatura e às Artes um campo vasto e novo de exploração, onde elas colherão a mancheias quadros tocantes e as mais atraentes situações. Vede o partido que disto tirou Barbara, mesmo incrédulo como ele era, no seu romance O Assassinato da Ponte Vermelha (Revista de janeiro de 1867). Como aconteceu com a arte cristã, apenas aqueles que tiverem fé tirarão disso maior proveito, pois aí encontrarão motivos de inspiração que jamais terão os que só fazem obras de fantasia.
As ideias espíritas estão no ar; como se sabe, abundam na literatura atual; os mais cépticos escritores a elas recorrem sem suspeitar, levados pela força do raciocínio a empregá-las como explicação ou meios de ação. É assim que, muito recentemente, o Sr. Ponson du Terrail, que mais de uma vez se divertiu às custas Espiritismo e de seus adeptos, num romance folhetim intitulado Mon Village, publicado no Moniteur da tarde (7 de janeiro de 1867), assim se exprime:
“Estas duas crianças já se amavam e talvez jamais ousariam dizê-lo.
“Por vezes o amor é instantâneo e facilmente levaria a crer na transmigração[1] das almas e na pluralidade das existências. Quem sabe? Estas duas almas, que palpitam ao primeiro contato e que há pouco se julgavam desconhecidas uma da outra, outrora não foram irmãs?
“E quando chegavam na Grand’Rue de Saint Florentin, cruzaram com um homem que andava muito depressa e que, à sua vista, experimentou uma espécie de comoção elétrica. Esse homem era Mulot, que saía do café do Univers. Mas os senhores Anatole e Mignonne não o viram. Recolhidos e silenciosos, vivendo por assim dizer em si mesmos, sem dúvida suas almas estavam longe desta terra que eles pisavam.”
Então o autor viu no mundo situações semelhantes às que acaba de descrever, e que são um problema para o moralista; ele aí não encontra solução lógica senão admitindo que essas duas almas encarnadas, solicitadas uma para a outra por uma irresistível atração, podiam ter sido irmãs em outra existência. Onde ele colheu este pensamento? Certamente não foi nas obras espíritas, que ele não leu, como o provam os erros cometidos a cada passo que ele fala da Doutrina. Colheu-o nessa corrente de ideias que atravessam o mundo, às quais nem mesmo os incrédulos podem escapar, e que de boa fé creem tirá-las de seu próprio íntimo. Mesmo combatendo o Espiritismo, trabalham inadvertidamente na propagação dos seus princípios. Pouco importa a via pela qual esses princípios se infiltram; mais tarde reconhecerão que só lhe falta o nome.
Sob o título de Conto de Natal, o Avenir National de 26 de dezembro de 1866 publicou um artigo do Sr. Taxile Delord, escritor muito pouco espírita, como se sabe, no qual o autor supõe um jornalista sentado, na véspera do Natal, ao pé do fogo, perguntando-se em que se havia tornado a Boa Nova que os anjos, em dia semelhante, há dois mil anos, tinham vindo anunciar ao mundo. Como ele se entregasse às suas reflexões, o jornalista ouviu uma voz firme e doce, que lhe dizia:
“Eu sou o Espírito; o da Revolução; o Espírito que fortalece os indivíduos e os povos; trabalhadores, de pé! O passado ainda conserva um sopro de vida e desafia o futuro. O progresso, mentira ou utopia, vos grita; não escutais estas vozes enganadoras? Para haurir forças e marchar para a frente, olhai um momento para trás de vós.
“O progresso é invencível; ele se serve mesmo dos que lhe resistem para avançar.”
Não acompanharemos o jornalista e o Espírito no diálogo entre eles estabelecido, no qual este último desdobra o futuro, porque marcham num terreno que nos é interdito; apenas faremos notar que artifício emprega o autor para chegar aos seus fins. Aos seus olhos esse artifício é pura fantasia, mas não nos surpreenderíamos se um verdadeiro Espírito lhe tivesse soprado a frase acima, que destacamos.
Neste momento representam no Théâtre de l’Ambigu (Teatro do Ambíguo) um drama dos mais comoventes, intitulado Maxwel, pelo Sr. Jules Barbier, do qual eis em duas palavras o nó da intriga.
Um pobre tecelão, chamado Butler, é acusado do assassinato de um gentil homem, e todas as aparências são de tal modo contra ele que ele é condenado pelo juiz Maxwel a ser enforcado. Só um homem poderia inocentá-lo, mas não se sabe que fim levou. Contudo, a mulher do tecelão, num acesso de sono sonambúlico, viu esse homem e o descreveu. Então poderiam reencontrá-lo. Um bom e sábio médico, que acredita no sonambulismo, amigo do juiz Maxwel, vem informá-lo desse incidente, a fim de obter um sursis para a execução, mas Maxwel, céptico quanto a essas faculdades, que considera sobrenaturais, mantém a sentença, e se dá a execução. Algumas semanas depois o homem reaparece e conta o que se passou. A inocência do condenado é demonstrada e a visão da sonâmbula confirmada.
Entretanto, o verdadeiro assassino permaneceu desconhecido. Passaram-se quinze anos, durante os quais aconteceram vários incidentes. O juiz, acabrunhado de remorsos, dedica a vida à procura do culpado. A viúva de Butler, que se expatriou levando a filha, morreu na miséria. Mais tarde essa filha se torna cortesã, sob outro nome. Uma circunstância fortuita lhe põe nas mãos a faca usada pelo assassino; como sua mãe, ela cai em sonambulismo, e esse objeto, levando-a ao passado, como fio condutor, ela conta todas as peripécias do crime e revela o verdadeiro culpado, que não é outro senão o próprio irmão do juiz Maxwel.
Não é a primeira vez que o sonambulismo foi posto em cena; mas o que distingue o drama novo é que é representado sob uma luz eminentemente séria e prática, sem qualquer mistura do maravilhoso e em suas consequências mais graves, pois serve de meio de protesto contra a pena de morte. Provando que o que os homens não podem ver pelos olhos do corpo não está oculto aos da alma, demonstra a existência da alma e sua ação independente da matéria. Do sonambulismo ao Espiritismo não é grande a distância, pois se explicam, se demonstram e se completam um pelo outro; tudo o que tende a propagar um, tende igualmente a propagar o outro. Os Espíritos não se enganaram quando anunciaram que a ideia espírita viria à luz por toda sorte de meios. A dupla vista e a pluralidade das existências, confirmadas pelos fatos e propagadas por inúmeras publicações, diariamente mais entram nas crenças e não mais surpreendem. São duas portas abertas de par em par ao Espiritismo.
[1] No original “transmission” – transmissão, que não faz sentido. “Transmigration” é mais coerente. Acreditamos tratar-se de falha gráfica. (N. do revisor)
A crítica prendeu-se principalmente neste ponto: Por que misturar o sobrenatural neste simples relato? Era útil à ação apoiar-se em casos de visões e aparições? Que necessidade tinha o autor de transportar os seus heróis para o mundo imaginário da vida espiritual, para chegar à realização da reparação decretada pela Providência? Não temos milhares de histórias muito edificantes sem o emprego de semelhantes recursos?
Certamente isto não era necessário. Mas diremos a esses senhores: Se o Sr. Sauvage tivesse feito um romance católico, far-lhe-íeis, por mais céticos que fosseis, uma censura por empregar com recursos da ação o inferno, o paraíso, os anjos, os demônios e todos os símbolos da fé? Por fazer intervirem os deuses, as deusas, o Olimpo e o Tártaro num romance pagão? Por que, então, achar mau que um escritor, espírita ou não, utilize os elementos oferecidos pelo Espiritismo, que é uma crença como as outras, com seu lugar ao sol, se esta crença se presta ao seu propósito? Com menos razão podemos censurá-lo se, em sua convicção, aí vê um meio providencial para chegar ao castigo dos culpados e à recompensa dos bons.
Se, pois, no pensamento do escritor, essas crenças são verdadeiras, por que ele não as exporia num romance, tanto quanto numa obra filosófica? Mas há mais: É que, como temos dito muitas vezes, estas mesmas crenças abrem à Literatura e às Artes um campo vasto e novo de exploração, onde elas colherão a mancheias quadros tocantes e as mais atraentes situações. Vede o partido que disto tirou Barbara, mesmo incrédulo como ele era, no seu romance O Assassinato da Ponte Vermelha (Revista de janeiro de 1867). Como aconteceu com a arte cristã, apenas aqueles que tiverem fé tirarão disso maior proveito, pois aí encontrarão motivos de inspiração que jamais terão os que só fazem obras de fantasia.
As ideias espíritas estão no ar; como se sabe, abundam na literatura atual; os mais cépticos escritores a elas recorrem sem suspeitar, levados pela força do raciocínio a empregá-las como explicação ou meios de ação. É assim que, muito recentemente, o Sr. Ponson du Terrail, que mais de uma vez se divertiu às custas Espiritismo e de seus adeptos, num romance folhetim intitulado Mon Village, publicado no Moniteur da tarde (7 de janeiro de 1867), assim se exprime:
“Estas duas crianças já se amavam e talvez jamais ousariam dizê-lo.
“Por vezes o amor é instantâneo e facilmente levaria a crer na transmigração[1] das almas e na pluralidade das existências. Quem sabe? Estas duas almas, que palpitam ao primeiro contato e que há pouco se julgavam desconhecidas uma da outra, outrora não foram irmãs?
“E quando chegavam na Grand’Rue de Saint Florentin, cruzaram com um homem que andava muito depressa e que, à sua vista, experimentou uma espécie de comoção elétrica. Esse homem era Mulot, que saía do café do Univers. Mas os senhores Anatole e Mignonne não o viram. Recolhidos e silenciosos, vivendo por assim dizer em si mesmos, sem dúvida suas almas estavam longe desta terra que eles pisavam.”
Então o autor viu no mundo situações semelhantes às que acaba de descrever, e que são um problema para o moralista; ele aí não encontra solução lógica senão admitindo que essas duas almas encarnadas, solicitadas uma para a outra por uma irresistível atração, podiam ter sido irmãs em outra existência. Onde ele colheu este pensamento? Certamente não foi nas obras espíritas, que ele não leu, como o provam os erros cometidos a cada passo que ele fala da Doutrina. Colheu-o nessa corrente de ideias que atravessam o mundo, às quais nem mesmo os incrédulos podem escapar, e que de boa fé creem tirá-las de seu próprio íntimo. Mesmo combatendo o Espiritismo, trabalham inadvertidamente na propagação dos seus princípios. Pouco importa a via pela qual esses princípios se infiltram; mais tarde reconhecerão que só lhe falta o nome.
Sob o título de Conto de Natal, o Avenir National de 26 de dezembro de 1866 publicou um artigo do Sr. Taxile Delord, escritor muito pouco espírita, como se sabe, no qual o autor supõe um jornalista sentado, na véspera do Natal, ao pé do fogo, perguntando-se em que se havia tornado a Boa Nova que os anjos, em dia semelhante, há dois mil anos, tinham vindo anunciar ao mundo. Como ele se entregasse às suas reflexões, o jornalista ouviu uma voz firme e doce, que lhe dizia:
“Eu sou o Espírito; o da Revolução; o Espírito que fortalece os indivíduos e os povos; trabalhadores, de pé! O passado ainda conserva um sopro de vida e desafia o futuro. O progresso, mentira ou utopia, vos grita; não escutais estas vozes enganadoras? Para haurir forças e marchar para a frente, olhai um momento para trás de vós.
“O progresso é invencível; ele se serve mesmo dos que lhe resistem para avançar.”
Não acompanharemos o jornalista e o Espírito no diálogo entre eles estabelecido, no qual este último desdobra o futuro, porque marcham num terreno que nos é interdito; apenas faremos notar que artifício emprega o autor para chegar aos seus fins. Aos seus olhos esse artifício é pura fantasia, mas não nos surpreenderíamos se um verdadeiro Espírito lhe tivesse soprado a frase acima, que destacamos.
Neste momento representam no Théâtre de l’Ambigu (Teatro do Ambíguo) um drama dos mais comoventes, intitulado Maxwel, pelo Sr. Jules Barbier, do qual eis em duas palavras o nó da intriga.
Um pobre tecelão, chamado Butler, é acusado do assassinato de um gentil homem, e todas as aparências são de tal modo contra ele que ele é condenado pelo juiz Maxwel a ser enforcado. Só um homem poderia inocentá-lo, mas não se sabe que fim levou. Contudo, a mulher do tecelão, num acesso de sono sonambúlico, viu esse homem e o descreveu. Então poderiam reencontrá-lo. Um bom e sábio médico, que acredita no sonambulismo, amigo do juiz Maxwel, vem informá-lo desse incidente, a fim de obter um sursis para a execução, mas Maxwel, céptico quanto a essas faculdades, que considera sobrenaturais, mantém a sentença, e se dá a execução. Algumas semanas depois o homem reaparece e conta o que se passou. A inocência do condenado é demonstrada e a visão da sonâmbula confirmada.
Entretanto, o verdadeiro assassino permaneceu desconhecido. Passaram-se quinze anos, durante os quais aconteceram vários incidentes. O juiz, acabrunhado de remorsos, dedica a vida à procura do culpado. A viúva de Butler, que se expatriou levando a filha, morreu na miséria. Mais tarde essa filha se torna cortesã, sob outro nome. Uma circunstância fortuita lhe põe nas mãos a faca usada pelo assassino; como sua mãe, ela cai em sonambulismo, e esse objeto, levando-a ao passado, como fio condutor, ela conta todas as peripécias do crime e revela o verdadeiro culpado, que não é outro senão o próprio irmão do juiz Maxwel.
Não é a primeira vez que o sonambulismo foi posto em cena; mas o que distingue o drama novo é que é representado sob uma luz eminentemente séria e prática, sem qualquer mistura do maravilhoso e em suas consequências mais graves, pois serve de meio de protesto contra a pena de morte. Provando que o que os homens não podem ver pelos olhos do corpo não está oculto aos da alma, demonstra a existência da alma e sua ação independente da matéria. Do sonambulismo ao Espiritismo não é grande a distância, pois se explicam, se demonstram e se completam um pelo outro; tudo o que tende a propagar um, tende igualmente a propagar o outro. Os Espíritos não se enganaram quando anunciaram que a ideia espírita viria à luz por toda sorte de meios. A dupla vista e a pluralidade das existências, confirmadas pelos fatos e propagadas por inúmeras publicações, diariamente mais entram nas crenças e não mais surpreendem. São duas portas abertas de par em par ao Espiritismo.
[1] No original “transmission” – transmissão, que não faz sentido. “Transmigration” é mais coerente. Acreditamos tratar-se de falha gráfica. (N. do revisor)
Robinson Crusoé espírita
Quem suspeitaria que o inocente livro de Robinson fosse marcado pelos princípios do Espiritismo, e que a juventude, em cujas mãos o põem sem desconfiança, poderia aí colher a doutrina malsã da existência dos Espíritos? Nós mesmo ainda o ignoraríamos, se um dos nossos assinantes não nos tivesse assinalado as passagens seguintes, que se acham nas edições completas, mas não nas edições abreviadas.
Esta obra, na qual se viram aventuras curiosas, próprias para divertir as crianças, é marcada por uma alta filosofia moral e um profundo sentimento religioso.
Lê-se na página 161 (edição ilustrada por Granville):
“Esses pensamentos me inspiraram uma tristeza que durou muito tempo, mas, enfim, eles tomaram outra direção: senti quanto devia de reconhecimento ao Céu, que me havia impedido de enfrentar um perigo cuja existência eu ignorava. O caso fez nascer em mim uma reflexão, que me tinha vindo mais de uma vez, desde que havia reconhecido quanto, em todos os perigos da vida, a Providência mostra sua bondade por disposições cuja finalidade não compreendemos. Com efeito, muitas vezes saímos dos maiores perigos por vias maravilhosas; por vezes um impulso secreto nos determina de repente, num momento de grave incerteza, a tomar tal caminho em vez de outro que nos teria conduzido à nossa perda.
“Adotei como lei jamais resistir a essas vozes misteriosas que nos convidam a tomar tal partido, a fazer ou não fazer tal coisa, embora nenhuma razão apoie esse impulso secreto. Eu poderia citar mais de um exemplo em que a deferencia em semelhantes avisos teve pleno sucesso, sobretudo na última parte de minha estada nessa ilha infeliz, sem contar muitas outras ocasiões que me devem ter escapado e às quais teria prestado atenção, se desde logo meus olhos se tivessem aberto para esse ponto. Mas nunca é demasiado tarde para ser prudente, e aconselho a todos os homens refletidos, cuja existência, como a minha, esteja submetida a acidentes extraordinários, e mesmo a vicissitudes mais comuns, a jamais negligenciarem esses avisos íntimos da Providência, seja qual for a inteligência invisível que no-los transmita.
Na página 284:
“Muitas vezes tinha ouvido pessoas sensatas dizerem que tudo o que se conta dos fantasmas e das aparições se explica pela força da imaginação; que jamais um Espírito apareceu a alguém; mas que, pensando assiduamente nos que perdemos, eles de tal modo se tornam presentes ao pensamento, que, em certas circunstâncias, julgamos vê-los, falar-lhes, ouvir suas respostas, e que tudo isto não passa de uma ilusão, uma sombra, uma lembrança.
“Por mim, não posso dizer se atualmente existem aparições verdadeiras, espectros, pessoas mortas que vêm errar pelo mundo, ou se as histórias que contam sobre tais fatos se fundamentam apenas em visões de cérebros doentios, de imaginação exaltadas e desordenadas; mas sei que a minha chegou a tal ponto de excitação, lançou-me a tal excesso de vapores fantásticos, ou não importa que nome lhe queiram dar, que por vezes julgava estar em minha ilha, em meu velho castelo no meio da mata; via meu Espanhol, o pai de Sexta-Feira, e os marinheiros condenados que eu tinha deixado nessas paragens; julgava mesmo conversar com eles e, embora bem desperto, olhava-os fixamente, como se estivessem em minha frente. Isto aconteceu muitas vezes, a ponto de me amedrontar. Uma vez, em meu sono, primeiro o Espanhol e depois o velho selvagem me contaram, em termos tão naturais e tão enérgicos as maldades de três marinheiros piratas, que era deveras surpreendente. Disseram-me como esses homens perversos tinham tentado assassinar os espanhóis e a seguir haviam queimado todas as suas provisões, com o fito de fazê-los morrer de fome. E este fato, que então eu não podia saber, e que era verdadeiro, me foi mostrado tão claramente por minha imaginação, que fiquei convencido de sua veracidade. Acreditei também na continuação desse sonho. Escutei as queixas do Espanhol com profunda emoção; determinei que os três culpados viessem à minha presença e os condenei à forca. Ver-se-á, em seu lugar, o que havia de exato no sonho. Mas como tais fatos me foram revelados? Por que secreta comunicação dos Espíritos invisíveis me foram eles trazidos? É o que não posso explicar. Nem tudo era literalmente verdadeiro, mas os pontos principais estavam de acordo com a realidade, e a conduta infame desses três celerados endurecidos tinha ido além do que se poderia supor.
Meu sonho a esse respeito tinha muita semelhança com os fatos. Além disso eu quis, quando me encontrava na ilha, puni-los muito severamente, e se tivesse mandado enforcá-los, teria sido legitimado pelas leis divinas e humanas.”
Esta obra, na qual se viram aventuras curiosas, próprias para divertir as crianças, é marcada por uma alta filosofia moral e um profundo sentimento religioso.
Lê-se na página 161 (edição ilustrada por Granville):
“Esses pensamentos me inspiraram uma tristeza que durou muito tempo, mas, enfim, eles tomaram outra direção: senti quanto devia de reconhecimento ao Céu, que me havia impedido de enfrentar um perigo cuja existência eu ignorava. O caso fez nascer em mim uma reflexão, que me tinha vindo mais de uma vez, desde que havia reconhecido quanto, em todos os perigos da vida, a Providência mostra sua bondade por disposições cuja finalidade não compreendemos. Com efeito, muitas vezes saímos dos maiores perigos por vias maravilhosas; por vezes um impulso secreto nos determina de repente, num momento de grave incerteza, a tomar tal caminho em vez de outro que nos teria conduzido à nossa perda.
“Adotei como lei jamais resistir a essas vozes misteriosas que nos convidam a tomar tal partido, a fazer ou não fazer tal coisa, embora nenhuma razão apoie esse impulso secreto. Eu poderia citar mais de um exemplo em que a deferencia em semelhantes avisos teve pleno sucesso, sobretudo na última parte de minha estada nessa ilha infeliz, sem contar muitas outras ocasiões que me devem ter escapado e às quais teria prestado atenção, se desde logo meus olhos se tivessem aberto para esse ponto. Mas nunca é demasiado tarde para ser prudente, e aconselho a todos os homens refletidos, cuja existência, como a minha, esteja submetida a acidentes extraordinários, e mesmo a vicissitudes mais comuns, a jamais negligenciarem esses avisos íntimos da Providência, seja qual for a inteligência invisível que no-los transmita.
Na página 284:
“Muitas vezes tinha ouvido pessoas sensatas dizerem que tudo o que se conta dos fantasmas e das aparições se explica pela força da imaginação; que jamais um Espírito apareceu a alguém; mas que, pensando assiduamente nos que perdemos, eles de tal modo se tornam presentes ao pensamento, que, em certas circunstâncias, julgamos vê-los, falar-lhes, ouvir suas respostas, e que tudo isto não passa de uma ilusão, uma sombra, uma lembrança.
“Por mim, não posso dizer se atualmente existem aparições verdadeiras, espectros, pessoas mortas que vêm errar pelo mundo, ou se as histórias que contam sobre tais fatos se fundamentam apenas em visões de cérebros doentios, de imaginação exaltadas e desordenadas; mas sei que a minha chegou a tal ponto de excitação, lançou-me a tal excesso de vapores fantásticos, ou não importa que nome lhe queiram dar, que por vezes julgava estar em minha ilha, em meu velho castelo no meio da mata; via meu Espanhol, o pai de Sexta-Feira, e os marinheiros condenados que eu tinha deixado nessas paragens; julgava mesmo conversar com eles e, embora bem desperto, olhava-os fixamente, como se estivessem em minha frente. Isto aconteceu muitas vezes, a ponto de me amedrontar. Uma vez, em meu sono, primeiro o Espanhol e depois o velho selvagem me contaram, em termos tão naturais e tão enérgicos as maldades de três marinheiros piratas, que era deveras surpreendente. Disseram-me como esses homens perversos tinham tentado assassinar os espanhóis e a seguir haviam queimado todas as suas provisões, com o fito de fazê-los morrer de fome. E este fato, que então eu não podia saber, e que era verdadeiro, me foi mostrado tão claramente por minha imaginação, que fiquei convencido de sua veracidade. Acreditei também na continuação desse sonho. Escutei as queixas do Espanhol com profunda emoção; determinei que os três culpados viessem à minha presença e os condenei à forca. Ver-se-á, em seu lugar, o que havia de exato no sonho. Mas como tais fatos me foram revelados? Por que secreta comunicação dos Espíritos invisíveis me foram eles trazidos? É o que não posso explicar. Nem tudo era literalmente verdadeiro, mas os pontos principais estavam de acordo com a realidade, e a conduta infame desses três celerados endurecidos tinha ido além do que se poderia supor.
Meu sonho a esse respeito tinha muita semelhança com os fatos. Além disso eu quis, quando me encontrava na ilha, puni-los muito severamente, e se tivesse mandado enforcá-los, teria sido legitimado pelas leis divinas e humanas.”
Na página 289:
“Nada demonstra mais claramente a realidade de uma vida futura e de um mundo invisível que o concurso de causas secundárias com certas ideias que formamos anteriormente, sem ter recebido nem dado a seu respeito qualquer comunicação humana.”
“Nada demonstra mais claramente a realidade de uma vida futura e de um mundo invisível que o concurso de causas secundárias com certas ideias que formamos anteriormente, sem ter recebido nem dado a seu respeito qualquer comunicação humana.”
Tolerância e caridade
Carta do novo arcebispo de Argel
A Vérité de Lyon, de 17 de fevereiro, publica a seguinte carta, que o Monsenhor Lavigerie, bispo de Nancy, nomeado arcebispo de Argel, escreveu ao Sr. Prefeito de Argel, em data de 15 de janeiro último:
“Senhor Prefeito,
“Acabo de ter pelo Moniteur a notícia oficial de minha promoção a arcebispo de Argel e, embora não possa exercer nenhum ato de meu ministério na diocese, sem ter recebido inicialmente a missão e a instituição da Santa-Sé, contudo não posso ficar insensível aos acentos dolorosos que repercutem em toda a França e que nos chegam do pé do Atlas. A administração municipal de Argel tomou a generosa iniciativa de uma subscrição pública para as vítimas do último terremoto. Permitime lhe enviar meu óbolo por vosso intermédio. Encontrareis anexa a soma de mil francos: é tudo o que minha pobreza me permite fazer, mas esse pouco pelo menos o faço com todo o coração.
“Desejo que esta soma seja distribuída igualmente e sem distinção de raças nem de cultos, entre todos os que foram feridos pelo flagelo. Se, mais tarde, nem todos me devem reconhecer como seu pai, eu reclamo o privilégio de amá-los igualmente como meus filhos. Tomei por divisa de minhas armas episcopais uma só palavra: caridade! e a caridade não conhece gregos nem bárbaros, nem infiéis, nem israelitas; assim como fala o apóstolo São Paulo, ela não vê em todos os homens senão a imagem viva de Deus! Possa eu, se ele me chamar em breve ao vosso meio, dar a todos, por meus atos e palavras, o exemplo e o amor desta virtude que prepara todas as outras.
“Dignai-vos aceitar, Senhor Prefeito, a expressão dos sentimentos de respeitoso devotamento com os quais tenho a honra de ser vosso humilde e obediente servo.
“CHARLES,
“Bispo de Nancy, nomeado arcebispo de Argel.”
O novo arcebispo de Argel se anuncia por um ato de beneficência que é uma digna introdução. Mas o que ainda vale mais, o que sobretudo será apreciado, são os princípios de tolerância pelos quais inaugura sua administração. Em vez do anátema, é a caridade que confunde todos os homens num mesmo sentimento de amor, sem distinção de crença, porque todos são a viva imagem de Deus. Eis verdadeiras palavras evangélicas. Ele não fala dos espíritas, contra os quais o seu predecessor tinha lançado todos os raios da maldição. (Ver a Revista de novembro de 1863). Mas é provável que se sua tolerância se estende aos judeus e aos infiéis, não pode fazer exceção para os que, de conformidade com as palavras do Cristo, inscrevem em sua bandeira: Fora da Caridade não há salvação.
“Senhor Prefeito,
“Acabo de ter pelo Moniteur a notícia oficial de minha promoção a arcebispo de Argel e, embora não possa exercer nenhum ato de meu ministério na diocese, sem ter recebido inicialmente a missão e a instituição da Santa-Sé, contudo não posso ficar insensível aos acentos dolorosos que repercutem em toda a França e que nos chegam do pé do Atlas. A administração municipal de Argel tomou a generosa iniciativa de uma subscrição pública para as vítimas do último terremoto. Permitime lhe enviar meu óbolo por vosso intermédio. Encontrareis anexa a soma de mil francos: é tudo o que minha pobreza me permite fazer, mas esse pouco pelo menos o faço com todo o coração.
“Desejo que esta soma seja distribuída igualmente e sem distinção de raças nem de cultos, entre todos os que foram feridos pelo flagelo. Se, mais tarde, nem todos me devem reconhecer como seu pai, eu reclamo o privilégio de amá-los igualmente como meus filhos. Tomei por divisa de minhas armas episcopais uma só palavra: caridade! e a caridade não conhece gregos nem bárbaros, nem infiéis, nem israelitas; assim como fala o apóstolo São Paulo, ela não vê em todos os homens senão a imagem viva de Deus! Possa eu, se ele me chamar em breve ao vosso meio, dar a todos, por meus atos e palavras, o exemplo e o amor desta virtude que prepara todas as outras.
“Dignai-vos aceitar, Senhor Prefeito, a expressão dos sentimentos de respeitoso devotamento com os quais tenho a honra de ser vosso humilde e obediente servo.
“CHARLES,
“Bispo de Nancy, nomeado arcebispo de Argel.”
O novo arcebispo de Argel se anuncia por um ato de beneficência que é uma digna introdução. Mas o que ainda vale mais, o que sobretudo será apreciado, são os princípios de tolerância pelos quais inaugura sua administração. Em vez do anátema, é a caridade que confunde todos os homens num mesmo sentimento de amor, sem distinção de crença, porque todos são a viva imagem de Deus. Eis verdadeiras palavras evangélicas. Ele não fala dos espíritas, contra os quais o seu predecessor tinha lançado todos os raios da maldição. (Ver a Revista de novembro de 1863). Mas é provável que se sua tolerância se estende aos judeus e aos infiéis, não pode fazer exceção para os que, de conformidade com as palavras do Cristo, inscrevem em sua bandeira: Fora da Caridade não há salvação.
Lincoln e o seu matador
(Extraído do banner of light, de Boston)
Análise de uma comunicação de Abraão Lincoln, obtida pelo médium de Ravenswood.
"Quando Lincoln voltou de seu atordoamento e despertou no mundo dos Espíritos, ele ficou muito surpreso e perturbado, porque não tinha a menor ideia de que estivesse morto. O tiro que o feriu havia suspendido instantaneamente toda sensação e ele não compreendeu o que lhe havia acontecido. Essa confusão e essa perturbação, contudo, não duraram muito. Ele era bastante espiritualista para compreender o que é a morte e não ficou, como muitos outros, admirado da nova existência para a qual fora transportado."
"Quando Lincoln voltou de seu atordoamento e despertou no mundo dos Espíritos, ele ficou muito surpreso e perturbado, porque não tinha a menor ideia de que estivesse morto. O tiro que o feriu havia suspendido instantaneamente toda sensação e ele não compreendeu o que lhe havia acontecido. Essa confusão e essa perturbação, contudo, não duraram muito. Ele era bastante espiritualista para compreender o que é a morte e não ficou, como muitos outros, admirado da nova existência para a qual fora transportado."
"Ele se viu cercado por muitas pessoas que ele sabia que estavam mortas há muito tempo, e logo soube a causa de sua morte. Foi recebido cordialmente por muitas pessoas que com ele simpatizavam. Compreendeu sua afeição por ele e, num olhar, pôde abarcar o mundo feliz no qual tinha entrado. No mesmo instante experimentou um sentimento de angústia pela dor que devia experimentar sua família, e uma grande ansiedade a propósito das consequências que sua morte poderia ter para o país. Esses pensamentos o trouxeram violentamente de volta à Terra."
“Tendo sabido que William Booth estava mortalmente ferido, veio a ele e curvou-se sobre o seu leito de morte. Nesse momento Lincoln tinha recuperado a perfeita consciência e a tranquilidade de Espírito, e esperou com calma o despertar de Booth para a vida espiritual. Booth não ficou espantado ao despertar, porque esperava a morte."
“Tendo sabido que William Booth estava mortalmente ferido, veio a ele e curvou-se sobre o seu leito de morte. Nesse momento Lincoln tinha recuperado a perfeita consciência e a tranquilidade de Espírito, e esperou com calma o despertar de Booth para a vida espiritual. Booth não ficou espantado ao despertar, porque esperava a morte."
"O primeiro Espírito que encontrou foi Lincoln; olhou-o com muita afoiteza, como se se gabasse do ato que havia praticado. O sentimento de Lincoln a seu respeito, entretanto, não testemunhava nenhuma ideia de vingança, muito ao contrário, mostrava-se suave e bom e sem a menor animosidade."
"Booth não pôde suportar esse estado de coisas e o deixou cheio de emoção. O ato que ele perpetrou teve vários móveis; primeiro, sua falta de raciocínio, que lho fazia considerar como meritório, depois, seu amor desregrado por louvores o tinha persuadido que ele seria cumulado de elogios e visto como um mártir."
"Depois de ter vagado, sentiu-se de novo atraído para Lincoln."
"Depois de ter vagado, sentiu-se de novo atraído para Lincoln."
"Às vezes enche-se de arrependimento, outras vezes seu orgulho o impede de emendar-se. Entretanto, compreende quanto o seu orgulho é vão, sabendo sobretudo que não pode esconder, como em vida, nenhum dos sentimentos que o agitam, e que seus pensamentos de orgulho, de vergonha ou de remorso são conhecidos dos que o rodeiam."
"Sempre em presença de sua vítima e dela não receber senão manifestações de bondade, eis o seu estado atual e sua punição."
"Quanto a Lincoln, sua felicidade ultrapassa o que poderia ter esperado."
OBSERVAÇÃO: A situação destes dois Espíritos é, em todos os sentidos, idêntica àquela de que diariamente vemos exemplos nos relatos de além-túmulo. Ela é perfeitamente racional e está em relação com o caráter dos dois indivíduos.
OBSERVAÇÃO: A situação destes dois Espíritos é, em todos os sentidos, idêntica àquela de que diariamente vemos exemplos nos relatos de além-túmulo. Ela é perfeitamente racional e está em relação com o caráter dos dois indivíduos.
Poesias espíritas
A Bernard Palissy
Quando de nosso futuro, incerto e flutuante,
Malgrado meu, duvidava da imortalidade,
Vieste ao meu apelo, e tua mão benfeitora
Tirou a faixa da incredulidade;
Dize-me: De onde vem a terna simpatia
Que te tirava da celeste morada?
Lembrança de uma vida passada,
Que deixava no peito um amor fraterno?
Caro Espírito, talvez, n’outra existência
Foste meu protetor, meu guia, meu apoio.
Mas em vão interrogo: Deus, em sua previdência
Sobre os olhos me pôs o véu do esquecimento
Esperando o tempo em que visse tua esfera,
E meu Espírito até ti possa elevar-se!
Se devo retornar a esta Terra triste,
Ó amado Bernard, pensa sempre em mim.
Srta. L. O. LIEUTAUD, de Rouen.
A Liga do Ensino
Vários de nossos correspondentes admiraram-se por não termos falado da associação designada sob o título de Liga do Ensino. Por seu caráter progressista, esse projeto parece-lhes merecer as simpatias do Espiritismo; entretanto, antes de nele participar, eles desejavam saber nossa opinião. Agradecendo-lhes essa nova demonstração de confiança, repetiremos o que lhes temos dito muitas vezes, a saber: Jamais tivemos a pretensão de cercear a liberdade de ninguém, nem de impor nossas ideias a quem quer que seja, nem pretender que elas tivessem força de lei. Guardando silêncio, quisemos não prejulgar a questão e a cada um deixar a mais inteira liberdade. Quanto ao motivo de nossa abstenção pessoal, não temos razão de não o revelar, e como desejam conhecê-lo, di-lo-emos francamente.
Nossa simpatia, como a de todos os espíritas, naturalmente vincula-se a todas as ideias progressistas, bem como a todas as instituições que tendam a propagá-las. Mas é necessário, além disto, que tal simpatia tenha um objetivo determinado. Ora, até o presente, a Liga do Ensino só nos oferece um título, sedutor, é verdade, mas nenhum programa definido, nenhum plano traçado, nenhum objetivo preciso. Ademais, esse título tem o inconveniente de ser tão elástico, que poderia prestar-se a combinações muito divergentes em suas tendências e em seus resultados. Cada um pode entendê-lo à sua maneira, e sem dúvida constrói, por antecipação, um plano conforme sua maneira de ver. Poderia então acontecer que, quando estivesse em execução, a coisa não correspondesse à ideia que certas pessoas tinham feito. Daí as inevitáveis defecções.
Mas, dizem, nada se arrisca, porque são os próprios subscritores que regulamentarão o emprego dos fundos. Razão a mais para que não se entendam, e nesse conflito de opiniões e de vistas diversas, forçosamente haverá decepções.
Ao contrário, com um objetivo bem definido, um plano traçado claramente, sabemos em que se empenha, ou, pelo menos, sabemos se aderimos a uma coisa praticável ou a uma utopia; podemos apreciar a sinceridade da intenção, o valor da ideia, a combinação mais ou menos feliz das engrenagens, as garantias de estabilidade, e calcular as chances de triunfo ou de insucesso. Ora, no presente caso, esta apreciação não é possível, porque a ideia fundamental é cercada de mistérios e tem que ser aceita como boa por ouvir dizer. Queremos acreditar que ela seja perfeita, e sinceramente o desejamos. Quando o bem que dela deve emanar nos for demonstrado, e sobretudo quando virmos o seu lado prático, nós o aplaudiremos de todo o coração. Entretanto, antes de darmos nossa adesão a seja o que for, queremos poder fazê-lo com conhecimento de causa. Precisamos ter uma visão muito clara de tudo o que fazemos e saber em que terreno pisamos. No estado em que estão as coisas, não tendo os elementos necessários para louvar ou censurar, abstemo-nos de nosso julgamento.
Esta maneira de ver, que é absolutamente pessoal, não deve induzir os que se julgam suficientemente esclarecidos.
Nossa simpatia, como a de todos os espíritas, naturalmente vincula-se a todas as ideias progressistas, bem como a todas as instituições que tendam a propagá-las. Mas é necessário, além disto, que tal simpatia tenha um objetivo determinado. Ora, até o presente, a Liga do Ensino só nos oferece um título, sedutor, é verdade, mas nenhum programa definido, nenhum plano traçado, nenhum objetivo preciso. Ademais, esse título tem o inconveniente de ser tão elástico, que poderia prestar-se a combinações muito divergentes em suas tendências e em seus resultados. Cada um pode entendê-lo à sua maneira, e sem dúvida constrói, por antecipação, um plano conforme sua maneira de ver. Poderia então acontecer que, quando estivesse em execução, a coisa não correspondesse à ideia que certas pessoas tinham feito. Daí as inevitáveis defecções.
Mas, dizem, nada se arrisca, porque são os próprios subscritores que regulamentarão o emprego dos fundos. Razão a mais para que não se entendam, e nesse conflito de opiniões e de vistas diversas, forçosamente haverá decepções.
Ao contrário, com um objetivo bem definido, um plano traçado claramente, sabemos em que se empenha, ou, pelo menos, sabemos se aderimos a uma coisa praticável ou a uma utopia; podemos apreciar a sinceridade da intenção, o valor da ideia, a combinação mais ou menos feliz das engrenagens, as garantias de estabilidade, e calcular as chances de triunfo ou de insucesso. Ora, no presente caso, esta apreciação não é possível, porque a ideia fundamental é cercada de mistérios e tem que ser aceita como boa por ouvir dizer. Queremos acreditar que ela seja perfeita, e sinceramente o desejamos. Quando o bem que dela deve emanar nos for demonstrado, e sobretudo quando virmos o seu lado prático, nós o aplaudiremos de todo o coração. Entretanto, antes de darmos nossa adesão a seja o que for, queremos poder fazê-lo com conhecimento de causa. Precisamos ter uma visão muito clara de tudo o que fazemos e saber em que terreno pisamos. No estado em que estão as coisas, não tendo os elementos necessários para louvar ou censurar, abstemo-nos de nosso julgamento.
Esta maneira de ver, que é absolutamente pessoal, não deve induzir os que se julgam suficientemente esclarecidos.
Dissertações espíritas
Comunicação coletiva.
(Sociedade de Paris, 1 de novembro de 1866 — Médium: Sr. Bertrand.)
(Sociedade de Paris, 1 de novembro de 1866 — Médium: Sr. Bertrand.)
A 1.º de novembro último, estando reunida, como de hábito, para a comemoração dos mortos, a Sociedade recebeu muitas comunicações, entre as quais uma sobretudo se distinguia por sua feitura inteiramente nova, e que consiste numa série de pensamentos soltos, cada um assinado por um nome diferente, que se encadeiam e se completam uns pelos outros. Eis essa comunicação:
Meus amigos, quantos Espíritos em torno de vós, que queriam comunicar-se e dizer quanto vos amam! E como seríeis felizes se o nome de todos os que vos são caros fosse pronunciado à mesa dos médiuns! Que felicidade! Que alegria para cada um de vós, se vosso pai, vossa mãe, vosso irmão, vossa irmã, vossos filhos e vossos amigos vos viessem falar! Mas compreendeis que é impossível sejais todos satisfeitos, pois o número de médiuns não seria suficiente. Mas o que não é impossível é que um Espírito, em nome de todos os vossos parentes, venha dizer-vos: Obrigado por vossa boa lembrança e vossas fervorosas preces. Coragem! Tende esperança de que um dia, depois da vossa libertação, viremos todos estender-vos a mão. Ficai persuadidos de que o que vos ensina o Espiritismo é o eco das leis do Onipotente; pelo amor, tornai-vos todos irmãos, e aliviareis o fardo pesado que carregais.
Agora, caros amigos, todos os vossos Espíritos protetores virão trazer-vos o seu pensamento. Tu, médium, escuta e deixa o lápis correr seguindo a ideia deles.
A medicina faz o que fazem os caranguejos espantados.
Dr. Demeure.
Porque o magnetismo progride, e progredindo esmaga a medicina atual, para substituí-la em futuro próximo.
Mesmer.
A guerra é um duelo que só cessará quando os combatentes tiverem forças iguais.
Napoleão.
Forças iguais material e moralmente.
General Bertrand.
A igualdade moral reinará quando o orgulho for destituído.
General Brune.
As revoluções são abusos que destroem outros abusos.
Luís XVI.
Mas esses abusos fazem nascer a liberdade.
(Sem nome.)
Para serem iguais é preciso ser irmãos; sem fraternidade, nenhuma igualdade e nenhuma liberdade.
Lafayette.
A ciência é o progresso da inteligência.
Newton.
Mas, o que lhe é preferível, é o progresso moral.
Jean Reynaud.
A ciência ficará estacionária até que a moral a tenha atingido.
François Arago.
Para desenvolver a moral é antes preciso erradicar o vício.
Béranger.
Para erradicar o vício é preciso desmascará-lo.
Eugène Sue.
É isto o que todos os Espíritos fortes e superiores procuram fazer.
Jacques Arago.
Três coisas devem progredir: a música, a poesia e a pintura. A música transporta a alma ferindo o ouvido.
Meyerbeer.
A poesia transporta a alma abrindo o coração.
Casimir Delavigne.
A pintura transporta a alma acariciando os olhos.
Flandrin.
Então a poesia, a música e a pintura são irmãs e se dão as mãos; uma para abrandar o coração, outra para suavizar os costumes e a última, para abrir a alma; as três para vos elevar ao Criador.
Alfred de Musset.
Mas nada, nada deve progredir mais, no momento, do que a Filosofia; ela deve dar um passo imenso, deixando estacionar a Ciência e as Artes, mas para elevá-las tão alto, quando chegar o momento, pois essa elevação seria muito súbita para vós hoje.
Em nome de todos,
São Luís.
São Luís.
A 6 de dezembro, o Sr. Bertrand recebeu, no grupo do Sr. Desliens, uma comunicação do mesmo gênero, que de certo modo é continuação da precedente:
O amor é uma lira cujas vibrações são acordes divinos.
O amor é uma lira cujas vibrações são acordes divinos.
Heloísa.
O amor tem três cordas em sua lira: a emanação divina, a poesia e o canto; se uma delas falta, os acordes são imperfeitos.
Abelardo.
O amor verdadeiro é harmonioso; suas harmonias embriagam o coração, elevando a alma. A paixão afoga os acordes, rebaixando a alma.
Bernardin de Saint-Pierre.
Era o amor que Diógenes procurava, procurando um homem. . . que veio séculos depois, e que o ódio, o orgulho e a hipocrisia crucificaram.
Sócrates.
Os sábios da Grécia por vezes o foram mais nos escritos e nas palavras que em sua pessoa.
Platão.
Ser sábio é amar; procuremos então o amor pela senda da sabedoria.
Fénelon.
Não podeis ser sábios se não vos souberdes elevar acima da maldade dos homens.
Voltaire.
Sábio é aquele que não acredita sê-lo.
Corneille.
Quem se julga pequeno é grande; quem se julga grande é pequeno.
Lafontaine.
O sábio julga-se ignorante, e quem se julga sábio é ignorante.
Esopo.
A humildade ainda se crê orgulhosa e quem se crê humilde não o é.
Racine.
Não confundais com os humildes os que dizem, por falsa modéstia, ou por interesse, o contrário do que são, pois laboraríeis em erro. Nesse caso, a verdade se cala.
Bonnefond.
O gênio se possui por inspiração e não se adquire; Deus quer que as maiores coisas sejam descobertas ou inventadas por seres sem instrução, a fim de paralisar o orgulho, tornando o homem solidário do homem.
François Arago.
Tratam de loucos apenas aqueles cujas ideias não são sancionadas pela autoridade da Ciência; é assim que aqueles que julgam tudo saber, rejeitam os pensamentos geniais daqueles que nada sabem.
Béranger.
A crítica é o estimulante do estudo, mas ela é a paralisação do gênio.
Molière.
A ciência aprendida é apenas um esboço da ciência inata; ela não se torna inteligência senão na nova encarnação.
J.-J. Rousseau.
A encarnação é o sono da alma; as peripécias da vida são os seus sonhos.
Balzac.
Às vezes a vida é um horroroso pesadelo para o Espírito, e muitas vezes custa a terminar.
La Rochefoucault.
Aí está a sua prova: se ele resiste, dá um passo para o progresso; se não, entrava a rota que deve conduzi-lo ao porto.
Martin.
No despertar da alma que saiu vitoriosa das lutas terrenas, o Espírito está maior e mais elevado; se sucumbir, encontra-se tal qual ele era.
Pascal.
É renegar o progresso querer que a língua seja emblema da imutabilidade de uma doutrina religiosa; além disto, é forçar o homem a orar mais com os lábios do que com o coração.
Descartes.
A imutabilidade não reside na forma das palavras, mas no verbo do pensamento.
Lamennais.
Jesus dizia aos seus apóstolos que fossem pregar o Evangelho em sua língua, e que todos os povos os compreenderiam.
Lacordaire.
A fé desinteressada faz milagres.
Boileau.
A doutrina de Jesus não é sentida nem compreendida senão pelo coração; então, seja qual for a maneira pela qual a expressem, ela será sempre o amor e a caridade.
Bossuet.
As preces ditas ou escritas e que não são compreendidas, deixam vagar o pensamento, permitindo que os olhos se distraiam pelo fausto das cerimônias.
Massilon.
Tudo mudará, sem contudo voltar à simplicidade de outrora, o que seria a negação do progresso. As coisas serão feitas sem fausto e sem orgulho.
Sibour.
O amor triunfará, e virão com ele a sabedoria, a caridade, a prudência, a força, o conhecimento, a humildade, a calma, a justiça, o gênio, a tolerância, o entusiasmo, e a glória majestosa e divina esmagará, por seu esplendor, o orgulho, a inveja, a hipocrisia, a maldade e o ciúme, que arrastam no seu séquito a preguiça, a gula e a luxúria.
Eugène Sue.
O amor reinará, e para que ele não tarde, é preciso, corajoso Diógenes, tomar nas mãos o estandarte do Espiritismo e mostrar aos humanos os vermes roedores que formam feridas em sua alma.
São Luís.
Observação. Este gênero de comunicação levanta uma questão importante. Como os fluidos de tão grande número de Espíritos podem assimilar-se quase que instantaneamente com o fluido do médium, para lhe transmitir seu pensamento, quando tal assimilação por vezes é difícil da parte de um só Espírito, e geralmente só se estabelece com vagar?
O guia espiritual do médium parece tê-lo previsto, porque dois dias depois deu a seguinte explicação:
“A comunicação que obtiveste no dia de Todos os Santos, bem como a última, que é o seu complemento, embora nesta haja nomes repetidos, foram obtidas da maneira seguinte: Como sou teu Espírito protetor, meu fluído é similar ao teu. Coloquei-me acima de ti, transmitindo-te o mais exatamente possível os pensamentos e os nomes dos Espíritos que desejavam manifestar-se. Eles formaram ao meu redor uma assembleia cujos membros, cada um por sua vez, ditava os seus pensamentos que eu te transmiti. Isto foi espontâneo, e o que naquele dia tornava as comunicações mais fáceis é que os Espíritos presentes tinham saturado a sala com seus fluidos.
“Quando um Espírito se comunica com um médium, ele o faz com tanto mais facilidade quanto melhor estabelecidas entre si as relações fluídicas, sem o que o Espírito, para transmitir seu fluido ao médium, é obrigado a estabelecer uma espécie de corrente magnética que atinge o cérebro deste, e se o Espírito, em razão de sua inferioridade, ou de outra causa qualquer, não pode, ele próprio, estabelecer essa corrente, recorre à assistência do guia do médium, e as relações se estabelecem como acabo de demonstrar.”
O guia espiritual do médium parece tê-lo previsto, porque dois dias depois deu a seguinte explicação:
“A comunicação que obtiveste no dia de Todos os Santos, bem como a última, que é o seu complemento, embora nesta haja nomes repetidos, foram obtidas da maneira seguinte: Como sou teu Espírito protetor, meu fluído é similar ao teu. Coloquei-me acima de ti, transmitindo-te o mais exatamente possível os pensamentos e os nomes dos Espíritos que desejavam manifestar-se. Eles formaram ao meu redor uma assembleia cujos membros, cada um por sua vez, ditava os seus pensamentos que eu te transmiti. Isto foi espontâneo, e o que naquele dia tornava as comunicações mais fáceis é que os Espíritos presentes tinham saturado a sala com seus fluidos.
“Quando um Espírito se comunica com um médium, ele o faz com tanto mais facilidade quanto melhor estabelecidas entre si as relações fluídicas, sem o que o Espírito, para transmitir seu fluido ao médium, é obrigado a estabelecer uma espécie de corrente magnética que atinge o cérebro deste, e se o Espírito, em razão de sua inferioridade, ou de outra causa qualquer, não pode, ele próprio, estabelecer essa corrente, recorre à assistência do guia do médium, e as relações se estabelecem como acabo de demonstrar.”
Slener.
Uma outra pergunta é esta: Entre esses Espíritos, não há nenhum que esteja encarnado neste ou em outro mundo e, neste caso, como podem eles comunicar-se? Eis a resposta que foi dada:
“Os Espíritos de um certo grau de adiantamento têm uma radiação que lhes permite comunicar-se simultaneamente em vários pontos. Em alguns, o estado de encarnação não diminui essa radiação de maneira tão completa a ponto de impedi-los de se manifestarem, mesmo em estado de vigília. Quanto mais avançado o Espírito, mais fracos os laços que o unem à matéria do corpo; ele está num estado de quase constante desprendimento, e pode-se dizer que está onde está seu pensamento.
“Os Espíritos de um certo grau de adiantamento têm uma radiação que lhes permite comunicar-se simultaneamente em vários pontos. Em alguns, o estado de encarnação não diminui essa radiação de maneira tão completa a ponto de impedi-los de se manifestarem, mesmo em estado de vigília. Quanto mais avançado o Espírito, mais fracos os laços que o unem à matéria do corpo; ele está num estado de quase constante desprendimento, e pode-se dizer que está onde está seu pensamento.
Um Espírito.
Mangin, o charlatão
Todo mundo conheceu esse vendedor de lápis que, num carro ricamente ornado, com um capacete brilhante e uma roupa estranha, por muitos anos foi uma das celebridades das ruas de Paris. Não era um charlatão vulgar, e os que o conheceram pessoalmente eram unânimes em lhe reconhecer uma inteligência pouco comum, uma certa elevação do pensamento e qualidades morais acima de sua profissão nômade. Ele morreu no ano passado, e desde então várias vezes comunicou-se espontaneamente com um dos nossos médiuns. Segundo o caráter que lhe reconheciam, não será de admirar o verniz filosófico que se encontra em suas comunicações.
O lápis(Paris, 20 de dezembro de 1866 - Grupo do Sr. Desliens - Médium, Sr. Bertrand)
O lápis é a palavra do pensamento. Sem o lápis o pensamento fica mudo e incompreendido para os vossos sentidos grosseiros. O lápis é a alma ofensiva e defensiva do pensamento; é a mão que fala e se defende.
O lápis!... e sobretudo o lápis Mangin!... Oh! perdão... eis que me torno egoísta!... Mas por que não poderia eu, como outrora, fazer o elogio dos meus lápis? Eles não são bons?... Tendes algo a reclamar deles? Ah! Se eu ainda estivesse em meu veículo francês, com meu costume romano... acreditaríeis em mim... Eu sabia fazer tão bem minha propaganda e o pobre bobo julgava ser branco o que era preto, apenas porque Mangin, o célebre charlatão, o havia dito!... Eu disse charlatão... Não, é preciso dizer propagandista... Vamos, charlatães! Desatai os cordões de vossa bolsa; comprai esses soberbos lápis, mais negros que a tinta e duros como pedra... Acorrei, acorrei, a venda vai terminar!... Ah! O que digo, então?... Eu creio, palavra, que me engano de papel e que acabo muito mal, depois de ter começado bem...
Vós todos, armados de lápis, sentados ao redor dessa mesa, ide dizer e provai aos jornalistas orgulhosos que Mangin não está morto. Ide dizer aos que esqueceram minha mercadoria, porque eu não estava mais lá para fazê-los acreditar em suas admiráveis qualidades. Ide dizer a todo mundo que ainda vivo e que se estou morto, é para viver melhor...
Ah! senhores jornalistas, zombaríeis de mim, contudo, se em vez de me considerardes como um charlatão a escamotear o dinheiro do povo, me tivésseis estudado mais atentamente e filosoficamente, teríeis reconhecido um ser com reminiscências de seu passado. Teríeis compreendido o porquê de meu gosto por este costume de guerreiro romano, o porquê desse amor pelas arengas em praça pública. Então sem dúvida teríeis dito que eu tinha sido soldado ou general romano, e não vos teríeis enganado.
Vamos! Vamos! Então, comprai lápis e usai-os. Mas servi-vos deles utilmente, não como eu para perorar sem motivo, mas para propagar essa bela doutrina que muitos dentre vós não seguis senão de muito longe.
Armai-vos, pois, de vossos lápis, e abri uma larga estrada neste mundo de incredulidade. Fazei tocar com o dedo, a todos estes São Tomé incrédulos, as sublimes verdades do Espiritismo, que um dia farão que todos os homens sejam irmãos.
MANGIN.
O lápis!... e sobretudo o lápis Mangin!... Oh! perdão... eis que me torno egoísta!... Mas por que não poderia eu, como outrora, fazer o elogio dos meus lápis? Eles não são bons?... Tendes algo a reclamar deles? Ah! Se eu ainda estivesse em meu veículo francês, com meu costume romano... acreditaríeis em mim... Eu sabia fazer tão bem minha propaganda e o pobre bobo julgava ser branco o que era preto, apenas porque Mangin, o célebre charlatão, o havia dito!... Eu disse charlatão... Não, é preciso dizer propagandista... Vamos, charlatães! Desatai os cordões de vossa bolsa; comprai esses soberbos lápis, mais negros que a tinta e duros como pedra... Acorrei, acorrei, a venda vai terminar!... Ah! O que digo, então?... Eu creio, palavra, que me engano de papel e que acabo muito mal, depois de ter começado bem...
Vós todos, armados de lápis, sentados ao redor dessa mesa, ide dizer e provai aos jornalistas orgulhosos que Mangin não está morto. Ide dizer aos que esqueceram minha mercadoria, porque eu não estava mais lá para fazê-los acreditar em suas admiráveis qualidades. Ide dizer a todo mundo que ainda vivo e que se estou morto, é para viver melhor...
Ah! senhores jornalistas, zombaríeis de mim, contudo, se em vez de me considerardes como um charlatão a escamotear o dinheiro do povo, me tivésseis estudado mais atentamente e filosoficamente, teríeis reconhecido um ser com reminiscências de seu passado. Teríeis compreendido o porquê de meu gosto por este costume de guerreiro romano, o porquê desse amor pelas arengas em praça pública. Então sem dúvida teríeis dito que eu tinha sido soldado ou general romano, e não vos teríeis enganado.
Vamos! Vamos! Então, comprai lápis e usai-os. Mas servi-vos deles utilmente, não como eu para perorar sem motivo, mas para propagar essa bela doutrina que muitos dentre vós não seguis senão de muito longe.
Armai-vos, pois, de vossos lápis, e abri uma larga estrada neste mundo de incredulidade. Fazei tocar com o dedo, a todos estes São Tomé incrédulos, as sublimes verdades do Espiritismo, que um dia farão que todos os homens sejam irmãos.
MANGIN.
O papel
(Grupo do Sr. Delanne, 14 de janeiro de 1867 - Médium, Sr. Bertrand)
Falei de lápis e de charlatanismo, mas ainda não falei do papel. É que sem dúvida eu reservava esse assunto para esta noite.
Ah! Como eu queria ser papel; não quando ele se avilta a fazer o mal, mas, ao contrário, quando preenche seu verdadeiro papel, que é o de fazer o bem! Com efeito, o papel é o instrumento que, em concerto com o lápis, aqui e ali semeia os nobres pensamentos do espírito. O papel é o livro aberto onde cada um pode colher com o olhar os conselhos úteis à sua viagem terrena!...
Ah! Como eu gostaria de ser papel, a fim de desenvolver, como ele, a função de moralizador e de instrutor, dando a cada um o encorajamento necessário para suportar com bravura os males que tantas vezes são causa de vergonhosas fraquezas!...
Ah! Se eu fosse papel, aboliria todas as leis egoísticas e tirânicas, para não deixar brilharem senão as que proclamam a igualdade. Só queria falar de amor e de caridade. Queria que todos fossem humildes e bons; que o mau se tornasse melhor; que o orgulhoso se tornasse humilde; que o pobre se tornasse rico; que a igualdade enfim surgisse e que ela fosse, em todas as bocas, a expressão da verdade, e não a esperança de ocultar o egoísmo e a tirania que todos possuem no coração.
Se eu fosse papel, eu queria ser branco para a inocência e verde para aquele que não tem esperança de alívio para os seus males. Eu queria ser ouro nas mãos do pobre, felicidade nas mãos do aflito, bálsamo nas do doente. Eu queria ser o perdão de todas as ofensas. Eu não condenaria, não maldiria, não lançaria anátemas; eu não criticaria com malevolência; eu nada diria que pudesse prejudicar alguém. Enfim, eu faria o que fazeis: queria apenas ensinar o bem e falar dessa bela doutrina que vos reúne a todos e sob todas as formas. Eu professaria sempre esta sublime máxima: Amai-vos uns aos outros.
Aquele que gostaria de voltar à Terra, não charlatão, não para vender apenas lápis, mas para a isso acrescentar a venda de papel, e que diria a todos: O lápis não pode ser útil sem o papel e o papel não pode dispensar o lápis.
MANGIN.
Ah! Como eu queria ser papel; não quando ele se avilta a fazer o mal, mas, ao contrário, quando preenche seu verdadeiro papel, que é o de fazer o bem! Com efeito, o papel é o instrumento que, em concerto com o lápis, aqui e ali semeia os nobres pensamentos do espírito. O papel é o livro aberto onde cada um pode colher com o olhar os conselhos úteis à sua viagem terrena!...
Ah! Como eu gostaria de ser papel, a fim de desenvolver, como ele, a função de moralizador e de instrutor, dando a cada um o encorajamento necessário para suportar com bravura os males que tantas vezes são causa de vergonhosas fraquezas!...
Ah! Se eu fosse papel, aboliria todas as leis egoísticas e tirânicas, para não deixar brilharem senão as que proclamam a igualdade. Só queria falar de amor e de caridade. Queria que todos fossem humildes e bons; que o mau se tornasse melhor; que o orgulhoso se tornasse humilde; que o pobre se tornasse rico; que a igualdade enfim surgisse e que ela fosse, em todas as bocas, a expressão da verdade, e não a esperança de ocultar o egoísmo e a tirania que todos possuem no coração.
Se eu fosse papel, eu queria ser branco para a inocência e verde para aquele que não tem esperança de alívio para os seus males. Eu queria ser ouro nas mãos do pobre, felicidade nas mãos do aflito, bálsamo nas do doente. Eu queria ser o perdão de todas as ofensas. Eu não condenaria, não maldiria, não lançaria anátemas; eu não criticaria com malevolência; eu nada diria que pudesse prejudicar alguém. Enfim, eu faria o que fazeis: queria apenas ensinar o bem e falar dessa bela doutrina que vos reúne a todos e sob todas as formas. Eu professaria sempre esta sublime máxima: Amai-vos uns aos outros.
Aquele que gostaria de voltar à Terra, não charlatão, não para vender apenas lápis, mas para a isso acrescentar a venda de papel, e que diria a todos: O lápis não pode ser útil sem o papel e o papel não pode dispensar o lápis.
MANGIN.
A solidaridade
(Paris, 26 de novembro de 1866 - Médium: Sr. Sabb...)
Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade!
O estudo do Espiritismo não deve ser vão. Para certos homens levianos, é uma diversão; para os homens sérios, deve ser sério.
Antes de tudo refleti numa coisa. Não estais na Terra para aí viver à maneira de animais, para aí vegetar à maneira de gramíneas ou de árvores. As gramíneas e as árvores têm a vida orgânica e não têm vida inteligente, como os animais não têm a vida moral. Tudo vive, tudo respira na Natureza, mas só o homem sente e se sente.
Como são insensatos e lamentáveis aqueles que se desprezam a ponto de comparar-se a um talo de erva ou a um elefante! Não confundamos os gêneros nem as espécies. Não são grandes filósofos nem grandes naturalistas que veem no Espiritismo, por exemplo, uma nova edição da metempsicose, e sobretudo de uma metempsicose absurda. A metempsicose é o sonho de um homem criativo, nada mais que isto. Um animal, um vegetal produz o seu congênere, nem mais nem menos. Diga-se isto para impedir que velhas ideias falsas sejam propaladas à sombra do Espiritismo.
Homem, sede homem; sabei de onde vindes e para onde ides. Sois o filho amado daquele que tudo fez e vos deu uma meta, um destino que deveis cumprir sem conhecê-lo absolutamente. Éreis necessário aos seus desígnios, à sua glória, à sua própria felicidade? Questões ociosas, porque insolúveis. Vós sois; sede reconhecidos por isto, mas ser não é tudo; é preciso ser segundo as leis do Criador, que são as vossas próprias leis. Lançado na existência, sois ao mesmo tempo causa e efeito. Nem como causa, nem como efeito, podeis, ao menos quanto ao presente, determinar o vosso papel, mas podeis seguir as vossas leis. Ora, a principal é esta: O homem não é um ser isolado; é um ser coletivo. O homem é solidário ao homem. É em vão que ele procura o complemento de seu ser, isto é, a felicidade em si mesmo ou naquilo que o cerca isoladamente, porque ele não pode encontrá-la senão no homem ou na Humanidade. Então, nada fazeis para ser pessoalmente feliz, tanto que a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte de vós mesmo, poderá vos afligir.
Isto que vos ensino é moral, direis vós. Ora, a moral é um velho lugar-comum. Olhai em torno de vós. O que há de mais ordinário, de mais comum que a sucessão periódica do dia e da noite; que a necessidade de vos alimentardes e de vos vestirdes? É para isso que tendem todos os vossos cuidados, todos os vossos esforços. Isso é necessário, pois a parte material do vosso ser o exige. Mas a vossa natureza não é dupla? Não sois mais espírito do que corpo? Então, como pode ser mais difícil para vós ouvir lembrar as leis morais do que, a todo instante, aplicar as leis físicas? Se fosseis menos preocupados e menos distraídos, essa repetição não seria tão necessária.
Não nos afastemos de nosso assunto: O Espiritismo bem compreendido é para a vida da alma o que o trabalho material é para a vida do corpo. Ocupai-vos dele com esse objetivo, e ficai certos de que quando tiverdes feito, para o vosso melhoramento moral, a metade do que fazeis para melhorar a vossa existência material, terás dado um grande passo para a humanidade.
Um Espírito.
O estudo do Espiritismo não deve ser vão. Para certos homens levianos, é uma diversão; para os homens sérios, deve ser sério.
Antes de tudo refleti numa coisa. Não estais na Terra para aí viver à maneira de animais, para aí vegetar à maneira de gramíneas ou de árvores. As gramíneas e as árvores têm a vida orgânica e não têm vida inteligente, como os animais não têm a vida moral. Tudo vive, tudo respira na Natureza, mas só o homem sente e se sente.
Como são insensatos e lamentáveis aqueles que se desprezam a ponto de comparar-se a um talo de erva ou a um elefante! Não confundamos os gêneros nem as espécies. Não são grandes filósofos nem grandes naturalistas que veem no Espiritismo, por exemplo, uma nova edição da metempsicose, e sobretudo de uma metempsicose absurda. A metempsicose é o sonho de um homem criativo, nada mais que isto. Um animal, um vegetal produz o seu congênere, nem mais nem menos. Diga-se isto para impedir que velhas ideias falsas sejam propaladas à sombra do Espiritismo.
Homem, sede homem; sabei de onde vindes e para onde ides. Sois o filho amado daquele que tudo fez e vos deu uma meta, um destino que deveis cumprir sem conhecê-lo absolutamente. Éreis necessário aos seus desígnios, à sua glória, à sua própria felicidade? Questões ociosas, porque insolúveis. Vós sois; sede reconhecidos por isto, mas ser não é tudo; é preciso ser segundo as leis do Criador, que são as vossas próprias leis. Lançado na existência, sois ao mesmo tempo causa e efeito. Nem como causa, nem como efeito, podeis, ao menos quanto ao presente, determinar o vosso papel, mas podeis seguir as vossas leis. Ora, a principal é esta: O homem não é um ser isolado; é um ser coletivo. O homem é solidário ao homem. É em vão que ele procura o complemento de seu ser, isto é, a felicidade em si mesmo ou naquilo que o cerca isoladamente, porque ele não pode encontrá-la senão no homem ou na Humanidade. Então, nada fazeis para ser pessoalmente feliz, tanto que a infelicidade de um membro da Humanidade, de uma parte de vós mesmo, poderá vos afligir.
Isto que vos ensino é moral, direis vós. Ora, a moral é um velho lugar-comum. Olhai em torno de vós. O que há de mais ordinário, de mais comum que a sucessão periódica do dia e da noite; que a necessidade de vos alimentardes e de vos vestirdes? É para isso que tendem todos os vossos cuidados, todos os vossos esforços. Isso é necessário, pois a parte material do vosso ser o exige. Mas a vossa natureza não é dupla? Não sois mais espírito do que corpo? Então, como pode ser mais difícil para vós ouvir lembrar as leis morais do que, a todo instante, aplicar as leis físicas? Se fosseis menos preocupados e menos distraídos, essa repetição não seria tão necessária.
Não nos afastemos de nosso assunto: O Espiritismo bem compreendido é para a vida da alma o que o trabalho material é para a vida do corpo. Ocupai-vos dele com esse objetivo, e ficai certos de que quando tiverdes feito, para o vosso melhoramento moral, a metade do que fazeis para melhorar a vossa existência material, terás dado um grande passo para a humanidade.
Um Espírito.
Tudo vem a seu tempo
Odessa, grupo familiar, 1866. Médium, senhorita M...
Pergunta. ─ Lendo, na Vérité de 1866, as experiências magnéticas, eu estava maravilhado e pensava intimamente que essa força admirável talvez pudesse ser a causa de todas as maravilhas, de todas as belezas, incompreensíveis para nós, dos planetas superiores, e cuja descrição nos dão os Espíritos. Peço aos bons Espíritos me esclareçam a respeito.
Resposta. ─ Pobres homens! A avidez de saber, a devoradora impaciência de ler no livro da criação, tudo vos vira a cabeça e deslumbra os vossos olhos habituados à escuridão, quando caem sobre algumas passagens que vosso espírito, ainda escravo da matéria, não pode compreender. Mas tende paciência, porquanto os tempos são chegados. Já o grande arquiteto começa a desenrolar ante os vossos olhos o plano do edifício do Universo; ele já levanta uma ponta do véu que vos oculta a verdade, e um raio de luz vos ilumina. Contentai-vos com essas premissas; habituai os vossos olhos à doce claridade da aurora, até que possam suportar o esplendor do sol em todo o seu brilho.
Agradecei ao Todo-Poderoso, cuja bondade infinita poupa a vossa vista fraca, erguendo gradualmente o véu que a cobre. Se ele o levantasse de uma vez, ficaríeis deslumbrados e nada veríeis; recairíeis na dúvida, na confusão, na ignorância da qual apenas saís. Já vos foi dito que tudo vem ao seu tempo: não o precipiteis pela vossa grande avidez por tudo saber. Deixai ao Senhor a escolha do método que julgue mais conveniente para vos instruir. Tendes ante vós uma obra sublime: “a Natureza, sua essência, suas forças”. Ela começa pelo á-bê-cê. Para começar, aprendei a soletrar, a compreender essas primeiras páginas; progredi com paciência e perseverança, e chegareis ao fim, ao passo que saltando páginas e capítulos, o conjunto vos parece incompreensível. Ademais, não está nos desígnios do TodoPoderoso que o homem tudo saiba. Conformai-vos, pois, com a sua vontade, que tem por objetivo o vosso bem.
Lede no grande livro da Natureza; instruí-vos, esclarecei o vosso espírito, contentai-vos em saber o que Deus julga a propósito vos ensinar durante a vossa passagem pela Terra; não tereis tempo de chegar à última página, e só a lereis quando estiverdes desligados da matéria, quando vossos sentidos espiritualizados vos permitirem compreendê-la.
Sim, meus amigos, estudai e instruí-vos, e, antes de tudo, progredi em moralidade pelo amor ao próximo, pela caridade, pela fé: é o essencial, é o passaporte à vista do qual as portas do santuário infinito vos são abertas.
HUMBOLDT.
Resposta. ─ Pobres homens! A avidez de saber, a devoradora impaciência de ler no livro da criação, tudo vos vira a cabeça e deslumbra os vossos olhos habituados à escuridão, quando caem sobre algumas passagens que vosso espírito, ainda escravo da matéria, não pode compreender. Mas tende paciência, porquanto os tempos são chegados. Já o grande arquiteto começa a desenrolar ante os vossos olhos o plano do edifício do Universo; ele já levanta uma ponta do véu que vos oculta a verdade, e um raio de luz vos ilumina. Contentai-vos com essas premissas; habituai os vossos olhos à doce claridade da aurora, até que possam suportar o esplendor do sol em todo o seu brilho.
Agradecei ao Todo-Poderoso, cuja bondade infinita poupa a vossa vista fraca, erguendo gradualmente o véu que a cobre. Se ele o levantasse de uma vez, ficaríeis deslumbrados e nada veríeis; recairíeis na dúvida, na confusão, na ignorância da qual apenas saís. Já vos foi dito que tudo vem ao seu tempo: não o precipiteis pela vossa grande avidez por tudo saber. Deixai ao Senhor a escolha do método que julgue mais conveniente para vos instruir. Tendes ante vós uma obra sublime: “a Natureza, sua essência, suas forças”. Ela começa pelo á-bê-cê. Para começar, aprendei a soletrar, a compreender essas primeiras páginas; progredi com paciência e perseverança, e chegareis ao fim, ao passo que saltando páginas e capítulos, o conjunto vos parece incompreensível. Ademais, não está nos desígnios do TodoPoderoso que o homem tudo saiba. Conformai-vos, pois, com a sua vontade, que tem por objetivo o vosso bem.
Lede no grande livro da Natureza; instruí-vos, esclarecei o vosso espírito, contentai-vos em saber o que Deus julga a propósito vos ensinar durante a vossa passagem pela Terra; não tereis tempo de chegar à última página, e só a lereis quando estiverdes desligados da matéria, quando vossos sentidos espiritualizados vos permitirem compreendê-la.
Sim, meus amigos, estudai e instruí-vos, e, antes de tudo, progredi em moralidade pelo amor ao próximo, pela caridade, pela fé: é o essencial, é o passaporte à vista do qual as portas do santuário infinito vos são abertas.
HUMBOLDT.
Respeito devido às crenças passadas
(Paris, grupo Delanne, 4 de fevereiro de 1867 - Médium: Sr. Morin)
A fé cega é o pior de todos os princípios! Crer com fervor num dogma qualquer, quando a sã razão se recusa a aceitá-lo como uma verdade, é fazer ato de nulidade e privar-se voluntariamente do mais belo de todos os dons que nos concedeu o Criador; é renunciar à liberdade de julgar, ao livre-arbítrio que deve presidir a todas as coisas na medida da justiça e da razão.
Geralmente os homens são despreocupados e não creem numa religião senão por desencargo de consciência e para não rejeitar completamente suas boas e suaves preces que lhe embalaram a juventude, e que sua mãe lhes ensinou ao pé do fogo, quando a noite trazia consigo a hora do sono. Mas se esta lembrança por vezes se apresenta ao seu espírito, é, na maioria das vezes, com um sentimento de pesar que eles fazem um retorno a esse passado, onde as preocupações da idade madura ainda estavam enterradas na noite do futuro.
Sim, todo homem lamenta esta idade despreocupada, e bem poucos podem pensar em seus jovens anos!... Mas, o que deles resta, um instante depois?... ─ Nada!...
Comecei dizendo que a fé cega era perniciosa; mas nem sempre se deve rejeitar como fundamentalmente mau tudo quanto parece conspurcado pelos abusos, composto de erros e sobretudo inventado à vontade, para a glória dos orgulhosos e para o beneficio dos interesseiros.
Espíritas, deveis saber melhor que ninguém que nada se realiza sem a vontade do Mestre supremo; a vós cabe refletir muito, antes de formular o vosso julgamento. Os homens são vossos irmãos encarnados e é possível que numerosos trabalhos dos tempos antigos sejam obras vossas, realizadas numa existência anterior. Os espíritas, antes de tudo, devem ser lógicos com seu ensino e não atirar pedras às instituições e às crenças de outras épocas, apenas porque são de outra época. A Sociedade atual necessitou, para ser o que é, que Deus lhe concedesse, pouco a pouco, a luz e o saber.
Não vos cabe, pois, julgar se os meios por ele empregados eram bons ou maus. Não aceiteis senão o que vos parece racional e lógico, mas não esqueçais que as coisas velhas tiveram a sua mocidade e que aquilo que ensinais hoje tornar-se-á velho por sua vez. Respeito, pois, à velhice! Os velhos são vossos pais, como as coisas velhas foram precursoras das coisas novas. Nada envelhece, e se faltais a esse princípio em relação a tudo o que é venerável, faltais ao vosso dever, mentis à doutrina que professais.
As velhas crenças elaboraram a renovação que começa a se realizar!... Todas, desde que não fossem exclusivamente materialistas, possuíam uma centelha da verdade. Lamentai os abusos que são introduzidos no ensino filosófico, mas perdoai os erros de outra época, se quiserdes, por vossa vez, ser desculpados pelos vossos, ulteriormente. Não deis vossa fé ao que vos parece mau, mas não creiais também que tudo quanto hoje vos é ensinado seja expressão da verdade absoluta. Crede que em cada época Deus alarga o horizonte dos conhecimentos, em razão do desenvolvimento intelectual da Humanidade.
LACORDAIRE.
Geralmente os homens são despreocupados e não creem numa religião senão por desencargo de consciência e para não rejeitar completamente suas boas e suaves preces que lhe embalaram a juventude, e que sua mãe lhes ensinou ao pé do fogo, quando a noite trazia consigo a hora do sono. Mas se esta lembrança por vezes se apresenta ao seu espírito, é, na maioria das vezes, com um sentimento de pesar que eles fazem um retorno a esse passado, onde as preocupações da idade madura ainda estavam enterradas na noite do futuro.
Sim, todo homem lamenta esta idade despreocupada, e bem poucos podem pensar em seus jovens anos!... Mas, o que deles resta, um instante depois?... ─ Nada!...
Comecei dizendo que a fé cega era perniciosa; mas nem sempre se deve rejeitar como fundamentalmente mau tudo quanto parece conspurcado pelos abusos, composto de erros e sobretudo inventado à vontade, para a glória dos orgulhosos e para o beneficio dos interesseiros.
Espíritas, deveis saber melhor que ninguém que nada se realiza sem a vontade do Mestre supremo; a vós cabe refletir muito, antes de formular o vosso julgamento. Os homens são vossos irmãos encarnados e é possível que numerosos trabalhos dos tempos antigos sejam obras vossas, realizadas numa existência anterior. Os espíritas, antes de tudo, devem ser lógicos com seu ensino e não atirar pedras às instituições e às crenças de outras épocas, apenas porque são de outra época. A Sociedade atual necessitou, para ser o que é, que Deus lhe concedesse, pouco a pouco, a luz e o saber.
Não vos cabe, pois, julgar se os meios por ele empregados eram bons ou maus. Não aceiteis senão o que vos parece racional e lógico, mas não esqueçais que as coisas velhas tiveram a sua mocidade e que aquilo que ensinais hoje tornar-se-á velho por sua vez. Respeito, pois, à velhice! Os velhos são vossos pais, como as coisas velhas foram precursoras das coisas novas. Nada envelhece, e se faltais a esse princípio em relação a tudo o que é venerável, faltais ao vosso dever, mentis à doutrina que professais.
As velhas crenças elaboraram a renovação que começa a se realizar!... Todas, desde que não fossem exclusivamente materialistas, possuíam uma centelha da verdade. Lamentai os abusos que são introduzidos no ensino filosófico, mas perdoai os erros de outra época, se quiserdes, por vossa vez, ser desculpados pelos vossos, ulteriormente. Não deis vossa fé ao que vos parece mau, mas não creiais também que tudo quanto hoje vos é ensinado seja expressão da verdade absoluta. Crede que em cada época Deus alarga o horizonte dos conhecimentos, em razão do desenvolvimento intelectual da Humanidade.
LACORDAIRE.
A comédia humana
(Paris, grupo Desliens, 29 de novembro de 1866 - Médium: Sr. Deslinens)
A vida do Espírito encarnado é como um romance, ou antes, como uma peça de teatro, da qual cada dia se percorre uma folha contendo uma cena. O autor é o homem; os personagens são as paixões, os vícios, as virtudes, a matéria e a inteligência, disputando a posse do herói, que é o Espírito. O público é o mundo em geral durante a encarnação e os Espíritos na erraticidade, e o censor que examina a peça para julgá-la em última instância e proferir uma censura ou um louvor ao autor é Deus.
Fazei de modo que sejais aplaudido o maior número de vezes possível e que só raramente cheguem aos vossos ouvidos o barulho desagradável dos assovios. Que o enredo seja sempre simples, e não busqueis interesse senão nas situações naturais, que possam servir para fazer triunfar a virtude, desenvolver a inteligência e moralizar o público.
Durante a execução da peça, a intriga posta em movimento pela inveja pode tentar criticar as melhores passagens e só incensar as que são medíocres ou más. Fechai os ouvidos a essas adulações, e lembrai-vos que a posteridade vos apreciará no vosso justo valor! Deixareis um nome obscuro ou ilustre, manchado de vergonha ou coberto de glórias segundo o mundo. Mas quando a peça estiver terminada e a cortina, caída sobre a última cena, vos puser em presença do regente universal, do diretor infinitamente poderoso do teatro onde se passa a comédia humana, não haverá nem aduladores, nem cortesãos, nem invejosos, nem ciumentos: estareis sós com o juiz supremo, imparcial, equitativo e justo.
Que a vossa obra seja séria e moralizadora, porque é a única que tem algum peso na balança do Todo-Poderoso.
É preciso que cada um dê à Sociedade pelo menos o que dela recebe. Aquele que, tendo recebido a assistência corporal e espiritual que lhe permite viver, se vai sem ao menos restituir o que gastou, é um ladrão, porque malbaratou uma parte do capital inteligente e nada produziu.
Nem todo mundo pode ser homem de gênio, mas todos podem e devem ser honestos, bons cidadãos, e devolver à Sociedade aquilo que a Sociedade lhes emprestou.
Para que o mundo esteja em progresso, é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade, uma cena a mais nesse número infinito de cenas úteis que os membros da Humanidade deixaram, desde quando a vossa Terra serve de lugar de habitação aos Espíritos.
Fazei, pois, que leiam com interesse cada página do vosso romance, e que não o percorram apenas com o olhar para fechá-lo com tédio antes de ter lido pela metade.
EUGÈNE SUE.
Fazei de modo que sejais aplaudido o maior número de vezes possível e que só raramente cheguem aos vossos ouvidos o barulho desagradável dos assovios. Que o enredo seja sempre simples, e não busqueis interesse senão nas situações naturais, que possam servir para fazer triunfar a virtude, desenvolver a inteligência e moralizar o público.
Durante a execução da peça, a intriga posta em movimento pela inveja pode tentar criticar as melhores passagens e só incensar as que são medíocres ou más. Fechai os ouvidos a essas adulações, e lembrai-vos que a posteridade vos apreciará no vosso justo valor! Deixareis um nome obscuro ou ilustre, manchado de vergonha ou coberto de glórias segundo o mundo. Mas quando a peça estiver terminada e a cortina, caída sobre a última cena, vos puser em presença do regente universal, do diretor infinitamente poderoso do teatro onde se passa a comédia humana, não haverá nem aduladores, nem cortesãos, nem invejosos, nem ciumentos: estareis sós com o juiz supremo, imparcial, equitativo e justo.
Que a vossa obra seja séria e moralizadora, porque é a única que tem algum peso na balança do Todo-Poderoso.
É preciso que cada um dê à Sociedade pelo menos o que dela recebe. Aquele que, tendo recebido a assistência corporal e espiritual que lhe permite viver, se vai sem ao menos restituir o que gastou, é um ladrão, porque malbaratou uma parte do capital inteligente e nada produziu.
Nem todo mundo pode ser homem de gênio, mas todos podem e devem ser honestos, bons cidadãos, e devolver à Sociedade aquilo que a Sociedade lhes emprestou.
Para que o mundo esteja em progresso, é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade, uma cena a mais nesse número infinito de cenas úteis que os membros da Humanidade deixaram, desde quando a vossa Terra serve de lugar de habitação aos Espíritos.
Fazei, pois, que leiam com interesse cada página do vosso romance, e que não o percorram apenas com o olhar para fechá-lo com tédio antes de ter lido pela metade.
EUGÈNE SUE.
Noticias bibliográficas
Lumen - Relato Extra-terreno
(Por Camille Flammarion, professor de Astronomia ligado ao Observatório de Paris)
Não se trata de um livro, mas de um artigo que poderia constituir um livro interessante e sobretudo instrutivo, porque os seus dados são fornecidos pela ciência positiva e tratados com a clareza e a elegância que o jovem sábio põe em todos os seus escritos. O Sr. Camille Flammarion é conhecido por todos os nossos leitores por sua excelente obra sobre a Pluralidade dos Mundos Habitados e por artigos científicos que publica no Siècle. Este de que vamos dar conta foi publicado na Revue du XIXe siècle (Revista do Século XIX) de 1º de fevereiro de 1867[1].
O autor supõe uma palestra entre um indivíduo vivo chamado Sitiens, e o Espírito de um de seus amigos, chamado Lumen, que lhe descreveu seus últimos pensamentos terrenos, as primeiras sensações da vida espiritual e as que acompanham o fenômeno da separação. Esse quadro está em perfeita conformidade com o que os Espíritos nos ensinavam a respeito; é o mais exato Espiritismo, menos a palavra, que não é pronunciada. Podemos julgar pelas citações seguintes:
“A primeira sensação de identidade que experimentamos depois da morte assemelha-se à que sentimos ao despertar, durante a vida, quando, voltando pouco a pouco à consciência da manhã, ainda somos atravessados por visões da noite. Solicitado pelo futuro e pelo passado, o Espírito busca ao mesmo tempo retomar plena posse de si mesmo e captar as impressões fugitivas do sonho que teve, que ainda nele perduram com seu cortejo de quadros e acontecimentos. Por vezes, absorvido por essa retrospectiva de um sonho cativante, ele sente nas pálpebras que se fecham as correntes da visão se repetindo, e o espetáculo continuando; ele cai ao mesmo tempo no sonho e numa espécie de meio-sono. Assim oscila a nossa faculdade pensante ao sair desta vida, entre uma realidade que ainda não compreende e um sonho que não desapareceu completamente.”
OBSERVAÇÃO: Nessa situação do Espírito, não há motivo para nos admirarmos que alguns não se julguem mortos.
“A morte não existe. O fato que desiguais com esse nome, a separação entre corpo e alma, para falar a verdade, não se efetua sob uma forma material comparável às separações químicas dos elementos dissociados observadas no mundo físico. Não percebemos essa separação definitiva, que nos parece tão cruel, melhor do que o recém-nascido percebe o seu nascimento; nascemos para a vida futura como nascemos para a vida terrena. Apenas a alma, não mais estando envolta na roupagem corporal que a revestia aqui em baixo, adquire mais prontamente a noção de seu estado e de sua personalidade. Contudo, essa faculdade de percepção varia essencialmente de alma a alma. Umas há que, durante a vida do corpo, jamais se elevaram para o céu e jamais se sentiram ansiosas por penetrar as leis da criação. Estas, ainda dominadas pelos apetites corporais, ficam muito tempo num estado de perturbação inconsciente. Felizmente há outras que desde esta vida voam nessas aspirações aladas para os cimos da beleza eterna. Estas veem chegar com calma e serenidade o instante da separação; sabem que o progresso é a lei da existência e que entrarão, no além, numa vida superior à de cá; seguem passo a passo a letargia que lhes sobe ao coração, e quando a última batida, lenta e imperceptível, o para em seu curso, elas já estão acima do corpo, cujo adormecimento observavam e, libertando-se dos laços magnéticos, sentem-se rapidamente transportadas, por uma força desconhecida, na direção do ponto da criação aonde suas aspirações, seus sentimentos e suas esperanças as atraem."
“Os anos, os dias e as horas são constituídos pelos movimentos da Terra. Fora desses movimentos, o tempo terreno não existe no espaço; é pois, absolutamente impossível ter noção desse tempo.”
OBSERVAÇÃO: Isto é rigorosamente verdadeiro. Assim, quando os Espíritos nos querem especificar uma duração para nós inteligível, são obrigados a identificar-se de novo com os hábitos terrestres, a se refazerem homens, por assim dizer, a fim de se servirem dos mesmos termos de comparação. Logo depois da libertação, o Espírito de Lumen transportou-se com a velocidade do pensamento para o grupo de mundos componentes do sistema da estrela designada em astronomia sob o nome de Capela ou Cabra. A teoria que ele dá da visão da alma é notável.
“A visão de minha alma tinha um poder incomparavelmente superior aos dos olhos do organismo terrestre que eu acabara de deixar; e, observação surpreendente, seu poder me parecia submetido à vontade. Basta fazer-vos perceber que, em vez de simplesmente ver as estrelas no céu, como as vedes na Terra, eu distinguia claramente os mundos que gravitam ao redor; quando eu desejava não mais ver a estrela, a fim de não ficar fatigado pelo exame desses mundos, ela desaparecia de minha visão e me deixava em excelentes condições para observar um desses mundos. Além disso, quando minha vista se concentrava num mundo particular, eu chegava a distinguir os detalhes de sua superfície, os continentes e os mares, as nuvens e os rios. Por uma intensidade particular de concentração na visão de minha alma, eu chegava a ver o objeto sobre o qual ela se concentrava, como por exemplo uma cidade, um campo, os edifícios, as ruas, as casas, as árvores, os caminhos; reconhecia mesmo os habitantes e seguia as pessoas nas ruas e nas habitações. Para isto bastava limitar o meu pensamento ao quarteirão, à casa ou ao indivíduo que eu queria observar."
Não se trata de um livro, mas de um artigo que poderia constituir um livro interessante e sobretudo instrutivo, porque os seus dados são fornecidos pela ciência positiva e tratados com a clareza e a elegância que o jovem sábio põe em todos os seus escritos. O Sr. Camille Flammarion é conhecido por todos os nossos leitores por sua excelente obra sobre a Pluralidade dos Mundos Habitados e por artigos científicos que publica no Siècle. Este de que vamos dar conta foi publicado na Revue du XIXe siècle (Revista do Século XIX) de 1º de fevereiro de 1867[1].
O autor supõe uma palestra entre um indivíduo vivo chamado Sitiens, e o Espírito de um de seus amigos, chamado Lumen, que lhe descreveu seus últimos pensamentos terrenos, as primeiras sensações da vida espiritual e as que acompanham o fenômeno da separação. Esse quadro está em perfeita conformidade com o que os Espíritos nos ensinavam a respeito; é o mais exato Espiritismo, menos a palavra, que não é pronunciada. Podemos julgar pelas citações seguintes:
“A primeira sensação de identidade que experimentamos depois da morte assemelha-se à que sentimos ao despertar, durante a vida, quando, voltando pouco a pouco à consciência da manhã, ainda somos atravessados por visões da noite. Solicitado pelo futuro e pelo passado, o Espírito busca ao mesmo tempo retomar plena posse de si mesmo e captar as impressões fugitivas do sonho que teve, que ainda nele perduram com seu cortejo de quadros e acontecimentos. Por vezes, absorvido por essa retrospectiva de um sonho cativante, ele sente nas pálpebras que se fecham as correntes da visão se repetindo, e o espetáculo continuando; ele cai ao mesmo tempo no sonho e numa espécie de meio-sono. Assim oscila a nossa faculdade pensante ao sair desta vida, entre uma realidade que ainda não compreende e um sonho que não desapareceu completamente.”
OBSERVAÇÃO: Nessa situação do Espírito, não há motivo para nos admirarmos que alguns não se julguem mortos.
“A morte não existe. O fato que desiguais com esse nome, a separação entre corpo e alma, para falar a verdade, não se efetua sob uma forma material comparável às separações químicas dos elementos dissociados observadas no mundo físico. Não percebemos essa separação definitiva, que nos parece tão cruel, melhor do que o recém-nascido percebe o seu nascimento; nascemos para a vida futura como nascemos para a vida terrena. Apenas a alma, não mais estando envolta na roupagem corporal que a revestia aqui em baixo, adquire mais prontamente a noção de seu estado e de sua personalidade. Contudo, essa faculdade de percepção varia essencialmente de alma a alma. Umas há que, durante a vida do corpo, jamais se elevaram para o céu e jamais se sentiram ansiosas por penetrar as leis da criação. Estas, ainda dominadas pelos apetites corporais, ficam muito tempo num estado de perturbação inconsciente. Felizmente há outras que desde esta vida voam nessas aspirações aladas para os cimos da beleza eterna. Estas veem chegar com calma e serenidade o instante da separação; sabem que o progresso é a lei da existência e que entrarão, no além, numa vida superior à de cá; seguem passo a passo a letargia que lhes sobe ao coração, e quando a última batida, lenta e imperceptível, o para em seu curso, elas já estão acima do corpo, cujo adormecimento observavam e, libertando-se dos laços magnéticos, sentem-se rapidamente transportadas, por uma força desconhecida, na direção do ponto da criação aonde suas aspirações, seus sentimentos e suas esperanças as atraem."
“Os anos, os dias e as horas são constituídos pelos movimentos da Terra. Fora desses movimentos, o tempo terreno não existe no espaço; é pois, absolutamente impossível ter noção desse tempo.”
OBSERVAÇÃO: Isto é rigorosamente verdadeiro. Assim, quando os Espíritos nos querem especificar uma duração para nós inteligível, são obrigados a identificar-se de novo com os hábitos terrestres, a se refazerem homens, por assim dizer, a fim de se servirem dos mesmos termos de comparação. Logo depois da libertação, o Espírito de Lumen transportou-se com a velocidade do pensamento para o grupo de mundos componentes do sistema da estrela designada em astronomia sob o nome de Capela ou Cabra. A teoria que ele dá da visão da alma é notável.
“A visão de minha alma tinha um poder incomparavelmente superior aos dos olhos do organismo terrestre que eu acabara de deixar; e, observação surpreendente, seu poder me parecia submetido à vontade. Basta fazer-vos perceber que, em vez de simplesmente ver as estrelas no céu, como as vedes na Terra, eu distinguia claramente os mundos que gravitam ao redor; quando eu desejava não mais ver a estrela, a fim de não ficar fatigado pelo exame desses mundos, ela desaparecia de minha visão e me deixava em excelentes condições para observar um desses mundos. Além disso, quando minha vista se concentrava num mundo particular, eu chegava a distinguir os detalhes de sua superfície, os continentes e os mares, as nuvens e os rios. Por uma intensidade particular de concentração na visão de minha alma, eu chegava a ver o objeto sobre o qual ela se concentrava, como por exemplo uma cidade, um campo, os edifícios, as ruas, as casas, as árvores, os caminhos; reconhecia mesmo os habitantes e seguia as pessoas nas ruas e nas habitações. Para isto bastava limitar o meu pensamento ao quarteirão, à casa ou ao indivíduo que eu queria observar."
"No mundo à margem do qual eu acabava de chegar, os seres, não encarnados num envoltório grosseiro como aqui, mas livres e dotados de faculdades de percepção elevadas a um eminente grau de poder, podem perceber distintamente detalhes que, a essa distância, seriam absolutamente subtraídos aos olhos das organizações terrestres."
"SITIENS. Para isto eles se servem de instrumentos superiores aos nossos telescópios?"
"LUMEN. Se, por ser menos rebelde à admissão dessa maravilhosa faculdade, vos é mais fácil concebê-los munidos de instrumentos, teoricamente o podeis. Mas devo advertir-vos que tais instrumentos não são exteriores a esses seres, e que pertencem aos próprios órgãos de sua visão. É bem entendido que essa construção óptica e esse poder de visão são naturais nesses mundos, e não sobrenaturais. Pensai um pouco nos insetos que gozam da propriedade de contrair ou alongar os olhos, como tubos de uma luneta, de inflar ou achatar o cristalino para dele fazer uma lente de diferentes graus, ou ainda concentrar no mesmo foco uma porção de olhos assestados como outros tantos microscópios, para captar o infinitamente pequeno, e podereis mais legitimamente admitir a faculdade desses seres extraterrenos.”
O mundo onde se acha Lumen está a uma distância tal da Terra que a luz não chega de um ao outro senão ao cabo de setenta e dois anos. Ora, nascido em 1793 e falecido em 1864, à sua chegada em Capela, de onde lança o olhar sobre Paris, Lumen não reconhece mais a Paris que acaba de deixar. Os raios luminosos que partiram da Terra, só chegando a Capela setenta e dois anos depois, lhe traziam a imagem do que aqui se passava em 1793.
Eis a parte realmente científica do relato. Todas as dificuldades aí são resolvidas da maneira mais lógica. Os dados, admitidos em teoria pela Ciência, aí são demonstrados pela experiência; mas não podendo essa experiência ser feita diretamente pelos homens, o autor supõe um Espírito que dá conta de suas sensações, colocado em condições de poder estabelecer uma comparação entre a Terra e o mundo que ele habita.
A ideia é enganosa e nova. É a primeira vez que o Espiritismo verdadeiro e sério, embora sob anonimato, é associado à Ciência positiva, e isto por um homem capaz de apreciar um e outra, e de captar o traço de união que um dia deverá ligá-los. Esse trabalho, ao qual atribuímos, sem restrições, uma importância capital, nos parece ser um daqueles que os Espíritos nos anunciaram como devendo marcar o presente ano. Analisaremos esta segunda parte num próximo artigo.
[1] Cada número forma um volume de 160 páginas grande In-8º. Preço: 2 francos. Em Paris, na Livraria Internacional, Boulevard Montmartre, 15 e na Avenue Montaigne, 15 - Palais Pompéien.
"SITIENS. Para isto eles se servem de instrumentos superiores aos nossos telescópios?"
"LUMEN. Se, por ser menos rebelde à admissão dessa maravilhosa faculdade, vos é mais fácil concebê-los munidos de instrumentos, teoricamente o podeis. Mas devo advertir-vos que tais instrumentos não são exteriores a esses seres, e que pertencem aos próprios órgãos de sua visão. É bem entendido que essa construção óptica e esse poder de visão são naturais nesses mundos, e não sobrenaturais. Pensai um pouco nos insetos que gozam da propriedade de contrair ou alongar os olhos, como tubos de uma luneta, de inflar ou achatar o cristalino para dele fazer uma lente de diferentes graus, ou ainda concentrar no mesmo foco uma porção de olhos assestados como outros tantos microscópios, para captar o infinitamente pequeno, e podereis mais legitimamente admitir a faculdade desses seres extraterrenos.”
O mundo onde se acha Lumen está a uma distância tal da Terra que a luz não chega de um ao outro senão ao cabo de setenta e dois anos. Ora, nascido em 1793 e falecido em 1864, à sua chegada em Capela, de onde lança o olhar sobre Paris, Lumen não reconhece mais a Paris que acaba de deixar. Os raios luminosos que partiram da Terra, só chegando a Capela setenta e dois anos depois, lhe traziam a imagem do que aqui se passava em 1793.
Eis a parte realmente científica do relato. Todas as dificuldades aí são resolvidas da maneira mais lógica. Os dados, admitidos em teoria pela Ciência, aí são demonstrados pela experiência; mas não podendo essa experiência ser feita diretamente pelos homens, o autor supõe um Espírito que dá conta de suas sensações, colocado em condições de poder estabelecer uma comparação entre a Terra e o mundo que ele habita.
A ideia é enganosa e nova. É a primeira vez que o Espiritismo verdadeiro e sério, embora sob anonimato, é associado à Ciência positiva, e isto por um homem capaz de apreciar um e outra, e de captar o traço de união que um dia deverá ligá-los. Esse trabalho, ao qual atribuímos, sem restrições, uma importância capital, nos parece ser um daqueles que os Espíritos nos anunciaram como devendo marcar o presente ano. Analisaremos esta segunda parte num próximo artigo.
[1] Cada número forma um volume de 160 páginas grande In-8º. Preço: 2 francos. Em Paris, na Livraria Internacional, Boulevard Montmartre, 15 e na Avenue Montaigne, 15 - Palais Pompéien.