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Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1867 > Agosto
Agosto
Fernande
Novela espírita
Tal é o título de um folhetim, pelo Sr. Jules Doinel (d’Aurillac), publicado no Moniteur du Cantal, de 23 e 30 de maio, 6, 13 e 20 de junho de 1866. Como se vê, o nome do Espiritismo não está dissimulado, e o autor deve ser tanto mais felicitado por sua coragem de opinião, que é mais rara nos escritores de província, onde as influências contrárias exercem uma pressão maior do que em Paris.
Lamentamos que, depois de ter sido publicada em folhetim, forma sob a qual uma ideia se espalha mais facilmente nas massas, a novela não tenha sido publicada em volume, e que os nossos leitores estejam privados do prazer de adquiri-la. Embora seja uma obra sem pretensões e circunscrita num pequeno quadro, é uma pintura verdadeira e atraente das relações entre o mundo espiritual e o mundo corporal, que traz sua contribuição à vulgarização da ideia espírita, do ponto de vista sério e moral. Ela mostra os puros e nobres sentimentos que esta crença pode desenvolver no coração do homem, a serenidade que dá nas aflições, pela certeza de um futuro que responde a todas as aspirações da alma e dá plena satisfação à razão. Para pintar essas aspirações com justeza, como o faz o autor, é preciso ter fé naquilo que se diz. Um escritor, para quem semelhante assunto não seria um quadro banal, sem convicção, julgaria que para fazer Espiritismo basta acumular o fantástico, o maravilhoso e as aventuras estranhas, como certos pintores julgam que basta espalhar cores vivas para fazer um quadro. O Espiritismo verdadeiro é simples; toca o coração e não fere a imaginação com marteladas. Foi o que compreendeu o autor.
O roteiro de Fernande é muito simples. É uma jovem ternamente amada por sua mãe, roubada na flor da idade à sua ternura e ao amor de seu noivo, e que ressalta sua coragem manifestando-se à sua visão e ditando ao seu amado, que em breve deve reunir-se a ela, o quadro do mundo que o espera. Citaremos alguns dos pensamentos que aí notamos.
“Desde a aparição de Fernande, eu me havia tornado um adepto resoluto da ciência de além-túmulo. Aliás, por que dela teria eu duvidado? O homem terá o direito de estabelecer limites ao pensamento e dizer a Deus: Não irás mais longe?”
“Considerando-se que estamos perto dela e pisamos uma terra que é santa, eu vou, meu caro amigo, te falar com o coração aberto, tomando Deus por testemunha da sinceridade de tudo quanto vais ouvir. Tu crês nos Espíritos, eu sei, e mais de uma vez me pediste para precisar tua crença sobre este ponto. Não o fiz, e é preciso dizer-te que sem as manifestações estranhas que tiveste, eu jamais tê-lo-ia feito. Meu amigo, creio que Deus deu a certas almas uma força de simpatia tão grande que ela pode propagar-se nas regiões desconhecidas da outra vida. É sobre este fundamento que repousa toda a minha doutrina. O charlatanismo e a velhacaria de certos adeptos me fazem mal, porque não compreendo que se possa profanar uma coisa tão santa.”
“Oh! Stephen Stany (o noivo) tinha muita razão de dizer que o charlatanismo e a velhacaria profanam as coisas mais santas. A crença nos Espíritos deve tornar a alma serena. De onde vem, pois, que na obscuridade, o menor ruído me espante? Por vezes vi desenhar-se, na penumbra de minha alcova, ora o fantasma de Fernande de Moeris, ora o vago perfil de minha mãe. Àqueles eu sorri, mas muitas vezes, também, minha vista se desviou com terror do rosto deformado de alguns Espíritos maus que vinham com o propósito de me afastar do bem e me desviar de Deus.”
“Enquanto me falava, Stany estava calmo. Não notei em seu rosto qualquer traço de exaltação. Mas, junto dessa pedra, sua diafaneidade tornava-se ainda mais visível. A alma de meu amigo mostrava-se toda inteira ao meu olhar. Essa bela alma nada tinha a ocultar. Eu compreendia que o laço que a prendia a esse corpo de lama era muito fraco, e que não estava longe a hora em que ela voaria para o outro mundo.”
“Ela me havia dito: ‘Vai à casa de minha mãe.’ ─ Isto foi difícil para mim, confesso; embora noivo de Fernande, eu não estava muito bem com tua prima. Sabes quanto ela tinha inveja de todo aquele que detivesse uma parte da afeição de sua filha. Dir-te-ei que me recebeu de braços abertos e me disse chorando: ‘Eu a revi!’ A frieza estava quebrada; nós íamos nos compreender pela primeira vez. ─ Meu caro Stéphen, acrescentou ela, acho que eu sonhei! Mas, enfim, eu a vi, e escuta o que ela me disse: ‘Mãe, pedirás a Stéphen Stany que fique oito dias no quarto que foi meu. Durante esses oito dias, não permitirás que o perturbem. Durante esse retiro, Deus lhe revelará muitas coisas.’ ─ Conduziram-me imediatamente ao quarto de tua prima, e a partir daquele mesmo dia até ontem, quando te vi, sua alma esteve ininterruptamente comigo. Eu a vi e vi bem, com os olhos do Espírito e não com os do meu corpo, embora estes estivessem abertos. Ela me falou. Quando digo que me falou, quero dizer que houve entre nós transmissão de pensamento. Eu agora sei tudo o que precisava saber. Sei que este globo nada mais tem para mim, e que uma existência melhor me aguarda.”
“Aprendi a estimar o mundo no seu justo valor. Retém estas palavras, meu amigo: Todo Espírito que quer atingir a felicidade superior deve manter seu corpo casto, seu coração puro, sua alma livre. Feliz quem sabe perceber a forma imaterial de Deus através das sombras do que se passa!”
“Não esqueçamos jamais, ó irmãos, que Deus é espírito e que quanto mais a gente se torna espírito, mais a gente se aproxima de Deus. Não é permitido ao homem quebrar violentamente os laços da matéria, da carne e do sangue. Esses laços supõem deveres; mas lhe é permitido deles se destacar pouco a pouco pelo idealismo de suas aspirações, pela pureza de suas intenções, pela radiação de sua alma, reflexo sagrado cujo dever é o lar, até que, pomba livre, seu Espírito desprendido das cadeias mortais voe e plane nos espaços imensos.”
O manuscrito ditado pelo Espírito de Fernande, durante os oito dias do retiro de Stéphen, contém as seguintes passagens:
“Morri na perturbação e despertei na alegria. Vi meu corpo, logo que esfriou, estender-se no leito funerário, e me senti como que descarregada de um pesado fardo. Foi então que te percebi, meu bem-amado, e que pela permissão de Deus, unida ao livre exercício de minha vontade, eu te percebi junto ao meu cadáver.
“Enquanto os vermes seguiam sua obra de corrupção, eu penetrava, curiosa, os mistérios do mundo novo que habitava. Eu pensava, eu sentia, eu amava como na
Terra; mas meu pensamento, minha sensação, meu amor tinham crescido. Eu compreendia melhor os desígnios de Deus, eu aspirava sua vontade divina. Vivemos uma vida quase imaterial, e somos superiores a vós tanto quanto os anjos o são a nós. Nós vemos Deus, mas não claramente; nós o vemos como se vê o Sol de vossa Terra, através de uma espessa nuvem. Mas esta visão imperfeita basta à nossa alma, que ainda não está purificada.
“Os homens nos aparecem como fantasmas vagando numa bruma crepuscular. Deus deu a alguns dentre nós a graça de ver mais claro aqueles a quem amam de preferência. Eu te via assim, caro amor, e minha vontade te cercava de uma simpatia amorosa a todo momento. É assim que teus pensamentos vinham a mim; que teus atos eram inspirados por mim; que a tua vida, numa palavra, não era senão um reflexo de minha vida. Assim como podemos comunicar-nos convosco, os Espíritos superiores podem revelar-se às nossas vistas. Por vezes, na transparência imaterial, vemos passar a silhueta augusta e luminosa de algum Espírito. É-me impossível descrever-te o respeito que essa visão nos inspira. Felizes aqueles dentre nós que são honrados com essas visitas divinas. Admira a bondade de Deus! Os mundos se correspondem todos. Nós nos mostramos a vós; eles se mostram a nós; é a simbólica escada de Jacob.”
“É assim que, num só bater de asas, se elevavam até Deus. Mas esses são raros. Outros sofrem as longas provações das existências sucessivas. É a virtude que estabelece as classes, e o mendigo curvado para a terra é, às vezes, aos olhos do Deus justo e severo, maior que o rei soberbo ou o conquistador invicto. Nada vale senão a alma; é o único peso que importa na balança de Deus.”
Agora que fizemos o elogio, façamos a crítica. Ela não será longa, porque só atinge dois ou três pensamentos. Para começar, no diálogo entre os dois amigos, encontramos a seguinte passagem:
“Temos existências anteriores? Não o creio: Deus nos tira do nada, mas do que tenho certeza é que depois que chamamos a morte, começamos ─ e quando digo nós, falo da alma ─ começamos, digo, uma série de novas existências. No dia em que estivermos bastante puros para ver, compreender e amar Deus inteiramente, só nesse dia morremos. Note bem que nesse dia não amamos mais que Deus e nada senão Deus. Se, pois, Fernande estava purificada, ela não pensaria, não poderia pensar em mim. Porque se manifestou, concluo que vive. Onde? Em breve saberei! Ela está feliz com sua vida, eu o creio, porque enquanto o Espírito não tiver sido completamente depurado, não pode compreender que a felicidade só está em Deus. Ele pode ser relativamente feliz. À medida que subimos, a ideia de Deus cada vez mais cresce em nós, e somos, por isso mesmo, cada vez mais felizes. Mas essa felicidade jamais é senão uma felicidade relativa. Assim, minha noiva vive. Como é a sua vida? Ignoro. Só Deus pode dizer aos Espíritos que revelem esses mistérios aos homens.”
Depois de ideias como as que encerram as passagens precitadas, a gente se admira de encontrar uma doutrina como esta, que faz da felicidade perfeita uma felicidade egoística. O encanto da Doutrina Espírita, o que dela faz uma suprema consolação, é precisamente o pensamento da perpetuidade das afeições, depurando-se e estreitando-se à medida que o Espírito se depura e se eleva. Aqui, ao contrário, quando o Espírito é perfeito, esquece os que amou, para não pensar senão em si; está morto para qualquer outro sentimento que não seja o de sua felicidade; a perfeição lhe tirará a possibilidade, o próprio desejo de vir consolar os que ele deixa na aflição. Convenhamos que isto seria uma triste perfeição, ou melhor, seria uma imperfeição. A felicidade eterna, assim concebida, quase não seria mais invejável que a perpétua contemplação, da qual a reclusão claustral nos dá a imagem pela morte antecipada das mais santas afeições da família. Se assim fosse, uma mãe estaria reduzida a temer, em ver de desejar, a completa depuração dos seres que lhe são mais caros. Jamais a generalidade dos Espíritos ensinou coisa semelhante. Dirse-ia uma transação entre o Espiritismo e a crença vulgar. Mas essa transação não é feliz, porque, não satisfazendo às aspirações íntimas da alma, não tem nenhuma chance de prevalecer na opinião.
Quando o autor diz que não acredita nas existências anteriores, mas que está certo que, depois da morte, começamos uma série de novas existências, não se apercebeu que comete uma contradição flagrante. Se admite, como coisa lógica e necessária ao progresso, a pluralidade das existências posteriores, em que se fundamenta para não admitir as existências anteriores? Ele não diz como explica de uma maneira condizente com a justiça de Deus, a desigualdade nativa, intelectual e moral, que existe entre os homens. Se esta existência é a primeira, e se todos saíram do nada, cai-se na doutrina absurda, inconciliável com a soberana justiça, de um Deus parcial, que favorece algumas das suas criaturas, criando almas de todas as qualidades. Poder-se-ia aí ver uma transação com as ideias novas, mas que não é mais feliz do que o precedente.
A gente se admira, enfim, de ver Fernande, Espírito adiantado, sustentar esta proposição de outro tempo: “Laura tornou-se mãe; Deus teve piedade dela e chamou para si essa criança. Ele vem vê-la, às vezes. Ele está triste, porque tendo morrido sem batismo, jamais gozará da contemplação divina.” Assim, eis um Espírito que Deus chama a si, e que sempre será infeliz e privado da contemplação de Deus, porque não recebeu o batismo, quando dele não dependia recebê-lo, e a falta é do próprio Deus, que o chamou muito cedo. São essas doutrinas que fizeram tantos incrédulos, e se enganam se esperam fazê-las passar para o lado das ideias espíritas que se enraízam. Aceitarão das ideias espíritas somente o que é racional e sancionado pela universalidade dos ensinamentos dos Espíritos. Se aí ainda há transação, ela é equivocada. Asseguramos que em mil centros espíritas onde as proposições que acabamos de criticar forem submetidas aos Espíritos, haverá novecentos e noventa onde elas serão resolvidas em sentido contrário.
Foi a universalidade do ensino, aliás sancionada pela lógica, que fez e que completará a Doutrina Espírita. Esta doutrina colhe nessa universalidade do ensino dado em todos os pontos do globo, por Espíritos diferentes, e em centros completamente estranhos uns aos outros, e que não sofrem qualquer pressão comum, uma força contra a qual em vão lutariam as opiniões individuais, quer dos Espíritos, quer dos homens. A aliança que se pretendesse estabelecer das ideias espíritas com ideias contraditórias, não pode ser senão efêmera e localizada. As opiniões individuais podem ligar alguns indivíduos, mas, forçosamente circunscritas, não podem ligar a maioria, a menos que tenha a sanção dessa maioria. Rechaçadas pelo maior número, elas não têm vitalidade e se extinguem com os seus representantes.
Este é o resultado de um puro cálculo matemático. Se em 1.000 centros houver 990 onde se ensina da mesma maneira e 10 de maneira contrária, é evidente que a opinião dominante será de 990 em 1.000, isto é, a quase unanimidade. Pois bem! Estamos certos de conceder uma parte muito grande às ideias divergentes, levando-as a um centésimo. Jamais formulando um princípio antes de estar assegurado do assentimento geral, estamos sempre de acordo com a opinião da maioria.
O Espiritismo está hoje de posse de uma soma de verdades de tal modo demonstradas pela experiência, que ao mesmo tempo satisfazem a razão tão completamente, e que passaram a artigos de fé na opinião da imensa maioria de seus adeptos. Ora, pôr-se em aberta hostilidade com esta maioria, chocar suas aspirações e suas mais caras convicções, é preparar-se para um choque inevitável. Tal é a causa do insucesso de certas publicações.
Mas, perguntarão, é então proibido a quem não compartilha as ideias da maioria publicar as suas opiniões? Certamente não; é mesmo útil que o faça; mas, então, deve fazê-lo por sua conta e risco, e não contar com o apoio moral e material daqueles cujas crenças querem destruir.
Voltando a Fernande, os pontos de doutrina que combatemos parecem ser opinião pessoal do autor, que não sentiu o lado fraco. Remetendo-nos a sua obra, estreia de um jovem, disse-nos ele que quando tinha escrito essa novela, tinha apenas um conhecimento superficial da Doutrina Espírita e que, sem dúvida, nela encontraríamos várias coisas a corrigir, e sobre as quais pedia a nossa opinião; que hoje, mais esclarecido, há princípios que formularia de outro modo. Felicitando-o por sua franqueza e por sua modéstia, informamos-lhe que se houvesse motivo para refutá-lo, fá-lo-íamos na Revista, para instrução de todos.
Além dos pontos que acabamos de citar, não há nenhum que a Doutrina Espírita não possa aceitar. Felicitamos o autor pelo ponto de vista moral e filosófico em que se colocou, e consideramos o seu trabalho como eminentemente útil à difusão da ideia, porque enseja que ela seja encarada sob sua verdadeira luz, que é o ponto de vista sério. (Vide no número precedente a poesia do mesmo autor, intitulada Aos Espíritos Protetores).
Lamentamos que, depois de ter sido publicada em folhetim, forma sob a qual uma ideia se espalha mais facilmente nas massas, a novela não tenha sido publicada em volume, e que os nossos leitores estejam privados do prazer de adquiri-la. Embora seja uma obra sem pretensões e circunscrita num pequeno quadro, é uma pintura verdadeira e atraente das relações entre o mundo espiritual e o mundo corporal, que traz sua contribuição à vulgarização da ideia espírita, do ponto de vista sério e moral. Ela mostra os puros e nobres sentimentos que esta crença pode desenvolver no coração do homem, a serenidade que dá nas aflições, pela certeza de um futuro que responde a todas as aspirações da alma e dá plena satisfação à razão. Para pintar essas aspirações com justeza, como o faz o autor, é preciso ter fé naquilo que se diz. Um escritor, para quem semelhante assunto não seria um quadro banal, sem convicção, julgaria que para fazer Espiritismo basta acumular o fantástico, o maravilhoso e as aventuras estranhas, como certos pintores julgam que basta espalhar cores vivas para fazer um quadro. O Espiritismo verdadeiro é simples; toca o coração e não fere a imaginação com marteladas. Foi o que compreendeu o autor.
O roteiro de Fernande é muito simples. É uma jovem ternamente amada por sua mãe, roubada na flor da idade à sua ternura e ao amor de seu noivo, e que ressalta sua coragem manifestando-se à sua visão e ditando ao seu amado, que em breve deve reunir-se a ela, o quadro do mundo que o espera. Citaremos alguns dos pensamentos que aí notamos.
“Desde a aparição de Fernande, eu me havia tornado um adepto resoluto da ciência de além-túmulo. Aliás, por que dela teria eu duvidado? O homem terá o direito de estabelecer limites ao pensamento e dizer a Deus: Não irás mais longe?”
“Considerando-se que estamos perto dela e pisamos uma terra que é santa, eu vou, meu caro amigo, te falar com o coração aberto, tomando Deus por testemunha da sinceridade de tudo quanto vais ouvir. Tu crês nos Espíritos, eu sei, e mais de uma vez me pediste para precisar tua crença sobre este ponto. Não o fiz, e é preciso dizer-te que sem as manifestações estranhas que tiveste, eu jamais tê-lo-ia feito. Meu amigo, creio que Deus deu a certas almas uma força de simpatia tão grande que ela pode propagar-se nas regiões desconhecidas da outra vida. É sobre este fundamento que repousa toda a minha doutrina. O charlatanismo e a velhacaria de certos adeptos me fazem mal, porque não compreendo que se possa profanar uma coisa tão santa.”
“Oh! Stephen Stany (o noivo) tinha muita razão de dizer que o charlatanismo e a velhacaria profanam as coisas mais santas. A crença nos Espíritos deve tornar a alma serena. De onde vem, pois, que na obscuridade, o menor ruído me espante? Por vezes vi desenhar-se, na penumbra de minha alcova, ora o fantasma de Fernande de Moeris, ora o vago perfil de minha mãe. Àqueles eu sorri, mas muitas vezes, também, minha vista se desviou com terror do rosto deformado de alguns Espíritos maus que vinham com o propósito de me afastar do bem e me desviar de Deus.”
“Enquanto me falava, Stany estava calmo. Não notei em seu rosto qualquer traço de exaltação. Mas, junto dessa pedra, sua diafaneidade tornava-se ainda mais visível. A alma de meu amigo mostrava-se toda inteira ao meu olhar. Essa bela alma nada tinha a ocultar. Eu compreendia que o laço que a prendia a esse corpo de lama era muito fraco, e que não estava longe a hora em que ela voaria para o outro mundo.”
“Ela me havia dito: ‘Vai à casa de minha mãe.’ ─ Isto foi difícil para mim, confesso; embora noivo de Fernande, eu não estava muito bem com tua prima. Sabes quanto ela tinha inveja de todo aquele que detivesse uma parte da afeição de sua filha. Dir-te-ei que me recebeu de braços abertos e me disse chorando: ‘Eu a revi!’ A frieza estava quebrada; nós íamos nos compreender pela primeira vez. ─ Meu caro Stéphen, acrescentou ela, acho que eu sonhei! Mas, enfim, eu a vi, e escuta o que ela me disse: ‘Mãe, pedirás a Stéphen Stany que fique oito dias no quarto que foi meu. Durante esses oito dias, não permitirás que o perturbem. Durante esse retiro, Deus lhe revelará muitas coisas.’ ─ Conduziram-me imediatamente ao quarto de tua prima, e a partir daquele mesmo dia até ontem, quando te vi, sua alma esteve ininterruptamente comigo. Eu a vi e vi bem, com os olhos do Espírito e não com os do meu corpo, embora estes estivessem abertos. Ela me falou. Quando digo que me falou, quero dizer que houve entre nós transmissão de pensamento. Eu agora sei tudo o que precisava saber. Sei que este globo nada mais tem para mim, e que uma existência melhor me aguarda.”
“Aprendi a estimar o mundo no seu justo valor. Retém estas palavras, meu amigo: Todo Espírito que quer atingir a felicidade superior deve manter seu corpo casto, seu coração puro, sua alma livre. Feliz quem sabe perceber a forma imaterial de Deus através das sombras do que se passa!”
“Não esqueçamos jamais, ó irmãos, que Deus é espírito e que quanto mais a gente se torna espírito, mais a gente se aproxima de Deus. Não é permitido ao homem quebrar violentamente os laços da matéria, da carne e do sangue. Esses laços supõem deveres; mas lhe é permitido deles se destacar pouco a pouco pelo idealismo de suas aspirações, pela pureza de suas intenções, pela radiação de sua alma, reflexo sagrado cujo dever é o lar, até que, pomba livre, seu Espírito desprendido das cadeias mortais voe e plane nos espaços imensos.”
O manuscrito ditado pelo Espírito de Fernande, durante os oito dias do retiro de Stéphen, contém as seguintes passagens:
“Morri na perturbação e despertei na alegria. Vi meu corpo, logo que esfriou, estender-se no leito funerário, e me senti como que descarregada de um pesado fardo. Foi então que te percebi, meu bem-amado, e que pela permissão de Deus, unida ao livre exercício de minha vontade, eu te percebi junto ao meu cadáver.
“Enquanto os vermes seguiam sua obra de corrupção, eu penetrava, curiosa, os mistérios do mundo novo que habitava. Eu pensava, eu sentia, eu amava como na
Terra; mas meu pensamento, minha sensação, meu amor tinham crescido. Eu compreendia melhor os desígnios de Deus, eu aspirava sua vontade divina. Vivemos uma vida quase imaterial, e somos superiores a vós tanto quanto os anjos o são a nós. Nós vemos Deus, mas não claramente; nós o vemos como se vê o Sol de vossa Terra, através de uma espessa nuvem. Mas esta visão imperfeita basta à nossa alma, que ainda não está purificada.
“Os homens nos aparecem como fantasmas vagando numa bruma crepuscular. Deus deu a alguns dentre nós a graça de ver mais claro aqueles a quem amam de preferência. Eu te via assim, caro amor, e minha vontade te cercava de uma simpatia amorosa a todo momento. É assim que teus pensamentos vinham a mim; que teus atos eram inspirados por mim; que a tua vida, numa palavra, não era senão um reflexo de minha vida. Assim como podemos comunicar-nos convosco, os Espíritos superiores podem revelar-se às nossas vistas. Por vezes, na transparência imaterial, vemos passar a silhueta augusta e luminosa de algum Espírito. É-me impossível descrever-te o respeito que essa visão nos inspira. Felizes aqueles dentre nós que são honrados com essas visitas divinas. Admira a bondade de Deus! Os mundos se correspondem todos. Nós nos mostramos a vós; eles se mostram a nós; é a simbólica escada de Jacob.”
“É assim que, num só bater de asas, se elevavam até Deus. Mas esses são raros. Outros sofrem as longas provações das existências sucessivas. É a virtude que estabelece as classes, e o mendigo curvado para a terra é, às vezes, aos olhos do Deus justo e severo, maior que o rei soberbo ou o conquistador invicto. Nada vale senão a alma; é o único peso que importa na balança de Deus.”
Agora que fizemos o elogio, façamos a crítica. Ela não será longa, porque só atinge dois ou três pensamentos. Para começar, no diálogo entre os dois amigos, encontramos a seguinte passagem:
“Temos existências anteriores? Não o creio: Deus nos tira do nada, mas do que tenho certeza é que depois que chamamos a morte, começamos ─ e quando digo nós, falo da alma ─ começamos, digo, uma série de novas existências. No dia em que estivermos bastante puros para ver, compreender e amar Deus inteiramente, só nesse dia morremos. Note bem que nesse dia não amamos mais que Deus e nada senão Deus. Se, pois, Fernande estava purificada, ela não pensaria, não poderia pensar em mim. Porque se manifestou, concluo que vive. Onde? Em breve saberei! Ela está feliz com sua vida, eu o creio, porque enquanto o Espírito não tiver sido completamente depurado, não pode compreender que a felicidade só está em Deus. Ele pode ser relativamente feliz. À medida que subimos, a ideia de Deus cada vez mais cresce em nós, e somos, por isso mesmo, cada vez mais felizes. Mas essa felicidade jamais é senão uma felicidade relativa. Assim, minha noiva vive. Como é a sua vida? Ignoro. Só Deus pode dizer aos Espíritos que revelem esses mistérios aos homens.”
Depois de ideias como as que encerram as passagens precitadas, a gente se admira de encontrar uma doutrina como esta, que faz da felicidade perfeita uma felicidade egoística. O encanto da Doutrina Espírita, o que dela faz uma suprema consolação, é precisamente o pensamento da perpetuidade das afeições, depurando-se e estreitando-se à medida que o Espírito se depura e se eleva. Aqui, ao contrário, quando o Espírito é perfeito, esquece os que amou, para não pensar senão em si; está morto para qualquer outro sentimento que não seja o de sua felicidade; a perfeição lhe tirará a possibilidade, o próprio desejo de vir consolar os que ele deixa na aflição. Convenhamos que isto seria uma triste perfeição, ou melhor, seria uma imperfeição. A felicidade eterna, assim concebida, quase não seria mais invejável que a perpétua contemplação, da qual a reclusão claustral nos dá a imagem pela morte antecipada das mais santas afeições da família. Se assim fosse, uma mãe estaria reduzida a temer, em ver de desejar, a completa depuração dos seres que lhe são mais caros. Jamais a generalidade dos Espíritos ensinou coisa semelhante. Dirse-ia uma transação entre o Espiritismo e a crença vulgar. Mas essa transação não é feliz, porque, não satisfazendo às aspirações íntimas da alma, não tem nenhuma chance de prevalecer na opinião.
Quando o autor diz que não acredita nas existências anteriores, mas que está certo que, depois da morte, começamos uma série de novas existências, não se apercebeu que comete uma contradição flagrante. Se admite, como coisa lógica e necessária ao progresso, a pluralidade das existências posteriores, em que se fundamenta para não admitir as existências anteriores? Ele não diz como explica de uma maneira condizente com a justiça de Deus, a desigualdade nativa, intelectual e moral, que existe entre os homens. Se esta existência é a primeira, e se todos saíram do nada, cai-se na doutrina absurda, inconciliável com a soberana justiça, de um Deus parcial, que favorece algumas das suas criaturas, criando almas de todas as qualidades. Poder-se-ia aí ver uma transação com as ideias novas, mas que não é mais feliz do que o precedente.
A gente se admira, enfim, de ver Fernande, Espírito adiantado, sustentar esta proposição de outro tempo: “Laura tornou-se mãe; Deus teve piedade dela e chamou para si essa criança. Ele vem vê-la, às vezes. Ele está triste, porque tendo morrido sem batismo, jamais gozará da contemplação divina.” Assim, eis um Espírito que Deus chama a si, e que sempre será infeliz e privado da contemplação de Deus, porque não recebeu o batismo, quando dele não dependia recebê-lo, e a falta é do próprio Deus, que o chamou muito cedo. São essas doutrinas que fizeram tantos incrédulos, e se enganam se esperam fazê-las passar para o lado das ideias espíritas que se enraízam. Aceitarão das ideias espíritas somente o que é racional e sancionado pela universalidade dos ensinamentos dos Espíritos. Se aí ainda há transação, ela é equivocada. Asseguramos que em mil centros espíritas onde as proposições que acabamos de criticar forem submetidas aos Espíritos, haverá novecentos e noventa onde elas serão resolvidas em sentido contrário.
Foi a universalidade do ensino, aliás sancionada pela lógica, que fez e que completará a Doutrina Espírita. Esta doutrina colhe nessa universalidade do ensino dado em todos os pontos do globo, por Espíritos diferentes, e em centros completamente estranhos uns aos outros, e que não sofrem qualquer pressão comum, uma força contra a qual em vão lutariam as opiniões individuais, quer dos Espíritos, quer dos homens. A aliança que se pretendesse estabelecer das ideias espíritas com ideias contraditórias, não pode ser senão efêmera e localizada. As opiniões individuais podem ligar alguns indivíduos, mas, forçosamente circunscritas, não podem ligar a maioria, a menos que tenha a sanção dessa maioria. Rechaçadas pelo maior número, elas não têm vitalidade e se extinguem com os seus representantes.
Este é o resultado de um puro cálculo matemático. Se em 1.000 centros houver 990 onde se ensina da mesma maneira e 10 de maneira contrária, é evidente que a opinião dominante será de 990 em 1.000, isto é, a quase unanimidade. Pois bem! Estamos certos de conceder uma parte muito grande às ideias divergentes, levando-as a um centésimo. Jamais formulando um princípio antes de estar assegurado do assentimento geral, estamos sempre de acordo com a opinião da maioria.
O Espiritismo está hoje de posse de uma soma de verdades de tal modo demonstradas pela experiência, que ao mesmo tempo satisfazem a razão tão completamente, e que passaram a artigos de fé na opinião da imensa maioria de seus adeptos. Ora, pôr-se em aberta hostilidade com esta maioria, chocar suas aspirações e suas mais caras convicções, é preparar-se para um choque inevitável. Tal é a causa do insucesso de certas publicações.
Mas, perguntarão, é então proibido a quem não compartilha as ideias da maioria publicar as suas opiniões? Certamente não; é mesmo útil que o faça; mas, então, deve fazê-lo por sua conta e risco, e não contar com o apoio moral e material daqueles cujas crenças querem destruir.
Voltando a Fernande, os pontos de doutrina que combatemos parecem ser opinião pessoal do autor, que não sentiu o lado fraco. Remetendo-nos a sua obra, estreia de um jovem, disse-nos ele que quando tinha escrito essa novela, tinha apenas um conhecimento superficial da Doutrina Espírita e que, sem dúvida, nela encontraríamos várias coisas a corrigir, e sobre as quais pedia a nossa opinião; que hoje, mais esclarecido, há princípios que formularia de outro modo. Felicitando-o por sua franqueza e por sua modéstia, informamos-lhe que se houvesse motivo para refutá-lo, fá-lo-íamos na Revista, para instrução de todos.
Além dos pontos que acabamos de citar, não há nenhum que a Doutrina Espírita não possa aceitar. Felicitamos o autor pelo ponto de vista moral e filosófico em que se colocou, e consideramos o seu trabalho como eminentemente útil à difusão da ideia, porque enseja que ela seja encarada sob sua verdadeira luz, que é o ponto de vista sério. (Vide no número precedente a poesia do mesmo autor, intitulada Aos Espíritos Protetores).
Simonet
Médium curador de Bordeaux
O Fígaro de 5 de julho último dava conta, nestes termos, de um julgamento feito pelo tribunal de Bordéus:
“Nestes últimos tempos, o furor em Bordéus era ir consultar o feiticeiro de Cauderon. Avalia-se em mil ou mil e duzentas a quantidade de visitas diárias que ele recebia. A polícia, que faz profissão de ceticismo, inquietou-se com semelhante sucesso e quis fazer uma devassa no castelo de Bel-Air, onde o feiticeiro tinha estabelecido sua morada. Nos arredores da morada do feiticeiro encontrava-se uma multidão acometida de toda espécie de doença; grandes damas também aí vinham de carro para consultar o iluminado.
“Os magistrados, após interrogar o feiticeiro, ficaram convencidos que se tratava de um pobre louco que era explorado por aqueles que lhe davam hospedagem; assim, o feiticeiro Simonet não foi envolvido na perseguição que se contentaram em dirigir contra os irmãos Barbier, hábeis comparsas que recolhiam todo o lucro da credulidade gascã.
“Sua casa, que como verdadeiros gascões enfeitavam com o nome de castelo, tinha sido convertida em albergue; apenas os vinhos aí vendidos nada tinham de comum com os que no Languedoc são chamados vinhos de Château; além disto, eles tinham esquecido de obter uma licença, de modo que a administração das contribuições indiretas havia movido contra eles um processo.
“O feiticeiro Simonet tinha sido citado como testemunha.
─ “Onde aprendestes a medicina, se sois um simples caldeireiro?
─ “E o que pensais da revelação? Quem eram, então, os discípulos do Cristo?
Que faziam esses pobres pescadores que converteram o mundo? Deus me apareceu.
Ele me deu a sua ciência e eu não preciso de remédios; sou um médico curador.
─ “Onde aprendestes tudo isto?
─ “Em Allan Kardec.. e mesmo, Senhor Presidente, eu vo-lo digo com todo o respeito possível, pareceis não conhecer a ciência do Espiritismo, e eu vos aconselho mesmo a estudá-la (Hilaridade a que não resistiram os próprios juízes).
─ “Abusais da credulidade pública. Assim, para citar apenas um exemplo, há um pobre cego que toda Bordéus conhece. Ele cometeu a fraqueza de ir a vós e vos levava óbolos, que recebia da caridade pública. Devolveste-lhe a visão?
─ “Eu não curo todo mundo, mas é preciso crer que eu faço curas, porque no dia em que a justiça veio, havia mais de 1.500 pessoas que esperavam a sua vez.
─ “Infelizmente é verdade.
“O senhor procurador imperial:
─ “E se isto continuar, tomaremos uma destas duas medidas: ou vos citaremos aqui por extorsão, e a justiça apreciará se sois louco, ou tomaremos uma medida administrativa contra vós. É preciso proteger as pessoas honestas contra sua credulidade.
“No Castelo de Bel-Air não pediam dinheiro aos consulentes; apenas lhes distribuíam um número de ordem, pelo qual pagavam vinte cêntimos; depois havia os que traficavam com esses números, revendendo-os até a quinze francos. Davam comida para os pobres camponeses, por vezes vindos dos limites do Departamento. Enfim, havia um recipiente para o depósito de esmolas para os pobres; desnecessário dizer que os hospedeiros do feiticeiro se apropriavam do dinheiro dos pobres.
“O tribunal condenou os tais Barbier a dois meses e um mês de prisão e 300 francos a título de contribuições indiretas.
“Ad. ROCHER.”
Eis a verdade sobre Simonet, e como se revelou sua faculdade.
Os senhores Barbier constroem em Cauderan, subúrbio de Bordéus, um vasto estabelecimento, como há vários no bairro, destinado a bailes, núpcias e banquetes, e ao qual deram o nome de Château du Bel-Air, o que não é mais gascão que o Châteu-Rouge ou o Château des Fleurs de Paris. Simonet ali trabalhava como marceneiro e não como caldeireiro. Durante os trabalhos de construção, acontecia muitas vezes que operários se feriam ou adoeciam. Simonet, espírita há muito tempo, e conhecendo um pouco de magnetismo, instintivamente foi levado, sem desígnio premeditado, a deles cuidar pela influência fluídica, e curou muitos. A repercussão dessas curas espalhou-se, e em breve ele viu uma multidão de doentes a ele acorrerem, tanto é certo que, façam o que fizerem, não tirarão dos doentes o desejo de se verem curados, seja por quem for. Sabemos por testemunhas oculares que a média dos que se apresentavam era de mais de mil por dia. A estrada estava atravancada de veículos de toda espécie, vindos de várias léguas de distância, carretas ao lado de equipagens. Havia pessoas que passavam a noite à espera de sua vez.
Mas nessa multidão havia pessoas que necessitavam comer e beber. Os empreendedores do estabelecimento forneciam alimentação e bebida, e isto se tornou para eles um ótimo negócio. Quanto a Simonet, que era uma fonte de lucros indiretos, era hospedado e alimentado; isto era o de menos, e não se lhe poderia fazer qualquer reproche. Como se acotovelavam à porta, para evitar a confusão, tomaram a sábia decisão de dar um número de ordem aos que chegavam, mas tiveram a ideia menos feliz de cobrar dez cêntimos por número, e mais tarde vinte cêntimos, o que, dada a afluência, diariamente perfazia um montante bem considerável. Por menor que fosse essa retribuição, todos os espíritas, e o próprio Simonet, que não estava metido nisso, a viram com pesar, pressentindo o mau efeito que isto produziria. Quanto ao tráfico de cartões, parece certo que algumas pessoas mais apressadas, para entrar mais cedo, compravam o lugar de gente pobre que estava à frente, muito contentes com esse ganho inesperado. Nisto não há grande mal, mas podia e devia certamente resultar em abuso. Foram esses abusos que motivaram a ação judiciária dirigida contra os tais Barbier, como tendo aberto um estabelecimento de consumação antes de se haverem munido de um alvará. Quanto a Simonet, não foi posto em causa, mas apenas citado como testemunha.
A reprovação geral que se liga à exploração, em casos análogos ao de Simonet, é digna de nota. Parece que um sentimento instintivo leva até mesmo os incrédulos a ver no desinteresse absoluto uma prova de sinceridade que inspira uma espécie de respeito involuntário. Eles não creem na faculdade; levam-na em troça, mas qualquer coisa lhes diz que se ela existe, deve ser uma coisa santa, que não pode, sem profanação, tornar-se uma profissão; limitam-se a dizer: É um pobre louco de boa-fé; mas todas as vezes que a especulação, seja sob que forma for, se mistura a uma mediunidade qualquer, a crítica se julga dispensada de qualquer consideração.
Simonet cura realmente? Pessoas dignas de fé, muito respeitáveis, e que teriam mais interesse em desmascarar a fraude do que em preconizá-la, nos citaram numerosos casos de cura perfeitamente autênticos. Aliás, parece-nos que se ele não tivesse curado ninguém, já teria perdido todo o crédito. Ademais, ele não tem a pretensão de curar todo mundo; nada promete; diz que a cura não depende dele, mas de Deus, de que é apenas instrumento, e cuja assistência deve ser implorada; recomenda a prece e ele próprio ora. Lamentamos muito não ter podido vê-lo durante nossos dias em Bordéus; mas todos os que o conhecem são concordes em dizer que é um homem suave, simples, modesto, sem jactância nem fanfarronadas, que não procura prevalecer-se de uma faculdade que sabe que pode ser-lhe retirada. É benevolente com os doentes, que encoraja por boas palavras. O interesse que lhes demonstra não se baseia na posição que ocupam; tem tanta solicitude pelo mais miserável quanto pelo mais rico. Se a cura não for instantânea, o que ocorre muitas vezes, ele aí põe toda a perseverança necessária.
Eis o que nos foi dito. Ignoramos quais serão para ele as consequências deste negócio, mas é certo que, se for sincero e perseverar nos sentimentos de que parece animado, não lhe faltarão a assistência e a proteção dos bons Espíritos; ele verá sua faculdade desenvolver-se e crescer, ao passo que a verá declinar e perder-se se entrar num mau caminho, sobretudo se pensar em se envaidecer.
NOTA: No momento de ir para o prelo, soubemos que, em consequência da fadiga para ele resultante do longo e penoso exercício de sua faculdade, mais do que para escapar aos ataques de que era vítima, Simonet resolveu suspender qualquer recepção até nova ordem. Se os doentes sofrem por esta abstenção, ao menos se produziu um grande efeito.
“Nestes últimos tempos, o furor em Bordéus era ir consultar o feiticeiro de Cauderon. Avalia-se em mil ou mil e duzentas a quantidade de visitas diárias que ele recebia. A polícia, que faz profissão de ceticismo, inquietou-se com semelhante sucesso e quis fazer uma devassa no castelo de Bel-Air, onde o feiticeiro tinha estabelecido sua morada. Nos arredores da morada do feiticeiro encontrava-se uma multidão acometida de toda espécie de doença; grandes damas também aí vinham de carro para consultar o iluminado.
“Os magistrados, após interrogar o feiticeiro, ficaram convencidos que se tratava de um pobre louco que era explorado por aqueles que lhe davam hospedagem; assim, o feiticeiro Simonet não foi envolvido na perseguição que se contentaram em dirigir contra os irmãos Barbier, hábeis comparsas que recolhiam todo o lucro da credulidade gascã.
“Sua casa, que como verdadeiros gascões enfeitavam com o nome de castelo, tinha sido convertida em albergue; apenas os vinhos aí vendidos nada tinham de comum com os que no Languedoc são chamados vinhos de Château; além disto, eles tinham esquecido de obter uma licença, de modo que a administração das contribuições indiretas havia movido contra eles um processo.
“O feiticeiro Simonet tinha sido citado como testemunha.
─ “Onde aprendestes a medicina, se sois um simples caldeireiro?
─ “E o que pensais da revelação? Quem eram, então, os discípulos do Cristo?
Que faziam esses pobres pescadores que converteram o mundo? Deus me apareceu.
Ele me deu a sua ciência e eu não preciso de remédios; sou um médico curador.
─ “Onde aprendestes tudo isto?
─ “Em Allan Kardec.. e mesmo, Senhor Presidente, eu vo-lo digo com todo o respeito possível, pareceis não conhecer a ciência do Espiritismo, e eu vos aconselho mesmo a estudá-la (Hilaridade a que não resistiram os próprios juízes).
─ “Abusais da credulidade pública. Assim, para citar apenas um exemplo, há um pobre cego que toda Bordéus conhece. Ele cometeu a fraqueza de ir a vós e vos levava óbolos, que recebia da caridade pública. Devolveste-lhe a visão?
─ “Eu não curo todo mundo, mas é preciso crer que eu faço curas, porque no dia em que a justiça veio, havia mais de 1.500 pessoas que esperavam a sua vez.
─ “Infelizmente é verdade.
“O senhor procurador imperial:
─ “E se isto continuar, tomaremos uma destas duas medidas: ou vos citaremos aqui por extorsão, e a justiça apreciará se sois louco, ou tomaremos uma medida administrativa contra vós. É preciso proteger as pessoas honestas contra sua credulidade.
“No Castelo de Bel-Air não pediam dinheiro aos consulentes; apenas lhes distribuíam um número de ordem, pelo qual pagavam vinte cêntimos; depois havia os que traficavam com esses números, revendendo-os até a quinze francos. Davam comida para os pobres camponeses, por vezes vindos dos limites do Departamento. Enfim, havia um recipiente para o depósito de esmolas para os pobres; desnecessário dizer que os hospedeiros do feiticeiro se apropriavam do dinheiro dos pobres.
“O tribunal condenou os tais Barbier a dois meses e um mês de prisão e 300 francos a título de contribuições indiretas.
“Ad. ROCHER.”
Eis a verdade sobre Simonet, e como se revelou sua faculdade.
Os senhores Barbier constroem em Cauderan, subúrbio de Bordéus, um vasto estabelecimento, como há vários no bairro, destinado a bailes, núpcias e banquetes, e ao qual deram o nome de Château du Bel-Air, o que não é mais gascão que o Châteu-Rouge ou o Château des Fleurs de Paris. Simonet ali trabalhava como marceneiro e não como caldeireiro. Durante os trabalhos de construção, acontecia muitas vezes que operários se feriam ou adoeciam. Simonet, espírita há muito tempo, e conhecendo um pouco de magnetismo, instintivamente foi levado, sem desígnio premeditado, a deles cuidar pela influência fluídica, e curou muitos. A repercussão dessas curas espalhou-se, e em breve ele viu uma multidão de doentes a ele acorrerem, tanto é certo que, façam o que fizerem, não tirarão dos doentes o desejo de se verem curados, seja por quem for. Sabemos por testemunhas oculares que a média dos que se apresentavam era de mais de mil por dia. A estrada estava atravancada de veículos de toda espécie, vindos de várias léguas de distância, carretas ao lado de equipagens. Havia pessoas que passavam a noite à espera de sua vez.
Mas nessa multidão havia pessoas que necessitavam comer e beber. Os empreendedores do estabelecimento forneciam alimentação e bebida, e isto se tornou para eles um ótimo negócio. Quanto a Simonet, que era uma fonte de lucros indiretos, era hospedado e alimentado; isto era o de menos, e não se lhe poderia fazer qualquer reproche. Como se acotovelavam à porta, para evitar a confusão, tomaram a sábia decisão de dar um número de ordem aos que chegavam, mas tiveram a ideia menos feliz de cobrar dez cêntimos por número, e mais tarde vinte cêntimos, o que, dada a afluência, diariamente perfazia um montante bem considerável. Por menor que fosse essa retribuição, todos os espíritas, e o próprio Simonet, que não estava metido nisso, a viram com pesar, pressentindo o mau efeito que isto produziria. Quanto ao tráfico de cartões, parece certo que algumas pessoas mais apressadas, para entrar mais cedo, compravam o lugar de gente pobre que estava à frente, muito contentes com esse ganho inesperado. Nisto não há grande mal, mas podia e devia certamente resultar em abuso. Foram esses abusos que motivaram a ação judiciária dirigida contra os tais Barbier, como tendo aberto um estabelecimento de consumação antes de se haverem munido de um alvará. Quanto a Simonet, não foi posto em causa, mas apenas citado como testemunha.
A reprovação geral que se liga à exploração, em casos análogos ao de Simonet, é digna de nota. Parece que um sentimento instintivo leva até mesmo os incrédulos a ver no desinteresse absoluto uma prova de sinceridade que inspira uma espécie de respeito involuntário. Eles não creem na faculdade; levam-na em troça, mas qualquer coisa lhes diz que se ela existe, deve ser uma coisa santa, que não pode, sem profanação, tornar-se uma profissão; limitam-se a dizer: É um pobre louco de boa-fé; mas todas as vezes que a especulação, seja sob que forma for, se mistura a uma mediunidade qualquer, a crítica se julga dispensada de qualquer consideração.
Simonet cura realmente? Pessoas dignas de fé, muito respeitáveis, e que teriam mais interesse em desmascarar a fraude do que em preconizá-la, nos citaram numerosos casos de cura perfeitamente autênticos. Aliás, parece-nos que se ele não tivesse curado ninguém, já teria perdido todo o crédito. Ademais, ele não tem a pretensão de curar todo mundo; nada promete; diz que a cura não depende dele, mas de Deus, de que é apenas instrumento, e cuja assistência deve ser implorada; recomenda a prece e ele próprio ora. Lamentamos muito não ter podido vê-lo durante nossos dias em Bordéus; mas todos os que o conhecem são concordes em dizer que é um homem suave, simples, modesto, sem jactância nem fanfarronadas, que não procura prevalecer-se de uma faculdade que sabe que pode ser-lhe retirada. É benevolente com os doentes, que encoraja por boas palavras. O interesse que lhes demonstra não se baseia na posição que ocupam; tem tanta solicitude pelo mais miserável quanto pelo mais rico. Se a cura não for instantânea, o que ocorre muitas vezes, ele aí põe toda a perseverança necessária.
Eis o que nos foi dito. Ignoramos quais serão para ele as consequências deste negócio, mas é certo que, se for sincero e perseverar nos sentimentos de que parece animado, não lhe faltarão a assistência e a proteção dos bons Espíritos; ele verá sua faculdade desenvolver-se e crescer, ao passo que a verá declinar e perder-se se entrar num mau caminho, sobretudo se pensar em se envaidecer.
NOTA: No momento de ir para o prelo, soubemos que, em consequência da fadiga para ele resultante do longo e penoso exercício de sua faculdade, mais do que para escapar aos ataques de que era vítima, Simonet resolveu suspender qualquer recepção até nova ordem. Se os doentes sofrem por esta abstenção, ao menos se produziu um grande efeito.
Entrada dos incrédulos no mundo dos Espíritos
O Doutor Claudius
(Sociedade de Paris - Médium: Sr. Morin em sonambulismo espontâneo)
Um médico, que designaremos sob o nome de doutor Claudius, conhecido de alguns dos nossos colegas, cuja vida tinha sido uma profissão de fé materialista, morreu há algum tempo de uma afecção orgânica que ele sabia ser incurável. Chamado, sem dúvida, pelo pensamento dos que o haviam conhecido e que desejavam conhecer sua posição, manifestou-se espontaneamente por intermédio do Sr. Morin, um dos médiuns da Sociedade, em estado de sonambulismo espontâneo. Já várias vezes esse fenômeno se produziu por esse médium e por outros adormecidos no sono espiritual.
O Espírito que assim se manifesta apodera-se da pessoa do médium e se serve de seus órgãos como se ele ainda estivesse vivo. Então não mais é uma fria comunicação escrita, porquanto o que temos diante dos olhos é a expressão, a pantomima e a inflexão de voz do indivíduo.
Foi nestas condições que se manifestou o doutor Claudius, sem ter sido evocado. Sua comunicação, que publicamos textualmente a seguir, é instrutiva sob vários aspectos, principalmente porque descreve os sentimentos que o agitam; a dúvida ainda constitui o seu tormento e a incerteza de sua situação que o mergulha numa terrível perplexidade, e aí está a sua punição. É um exemplo a mais que vem confirmar o que se viu muitas vezes em casos semelhantes.
Após uma dissertação sobre outro assunto, o médium absorvido se recolhe alguns instantes, depois, como se despertasse penosamente, assim se exprime, falando consigo mesmo:
Ah! Ainda um sistema!... Que há de verdadeiro e de falso na existência humana, na criação, na criatura, no criador? ... A coisa existe?... A matéria é mesmo verdadeira?... A ciência é uma verdade?... O saber, uma aquisição?... A alma... a alma existe?
O criador, a divindade não é um mito?... Mas... que digo eu?... Por que essas blasfêmias multiplicadas?... Por que, em face da matéria, não posso crer, ó meu Deus, não posso ver, sentir, compreender?...
Matéria!... Matéria!... Mas, sim, tudo é matéria... Tudo é matéria!!!... Entretanto, a invocação a Deus veio-me à boca!... Por que, então, disse eu: Ó meu Deus?... Por que esta palavra, se sei que tudo é matéria?... Sou eu?... Não é um eco do meu pensamento que raciocina e que se escuta?... Não são os últimos repiques do sino que eu tocava?
Matéria!... Sim, a matéria existe, eu o sinto!... A matéria existe; eu a toquei!... mas!... nem tudo é matéria, e contudo... contudo, tudo foi auscultado, apalpado, tocado, analisado, dissecado fibra a fibra, e nada!... Nada senão a carne, sempre a matéria que desde o instante em que o grande movimento parou, parou também!... O movimento para, o ar não chega mais... Mas!... se tudo é matéria, por que ela não mais se põe em movimento, porquanto tudo o que existia quando ela se agitava existe ainda?... E contudo... ele não mais existe!...
Mas sim, eu existo!... Nem tudo acabou com o corpo!... Na verdade... estou mesmo morto?... Entretanto, esse roedor que alimentei, que cuidei com minhas mãos, ele não me perdoou!... É verdade; estou morto!... Mas essa doença que vi nascer... crescer... tinha uma alma?
Ah! a dúvida! sempre a dúvida!... em resposta a todas as minhas secretas aspirações!... Mas, se eu sou, ó meu Deus, se eu existo... ah! fazei que eu me reconheça!... fazei-me vos pressentir!... porque se eu sou, que longa sucessão de blasfêmias!... que longa negação de vossa sabedoria, de vossa bondade, de vossa justiça!... Que imensa responsabilidade do orgulho assumi sobre minha cabeça, ó meu Deus!... Mas sim, eu ainda tenho um eu, eu que nada queria admitir que não fosse possível tocar... Duvidei de vossa sabedoria, é meu Deus! É justo que eu duvide!... Sim, eu duvidei; a dúvida me persegue e me castiga.
Oh! Mil mortes antes que a dúvida em que vivo!... Eu vejo. Eu encontro velhos amigos... e contudo, todos eles morreram antes!... Méry! Meu pobre louco!... mas o louco não sou eu?... o epíteto de louco se adapta à sua personalidade?
─ Vejamos, então. O que é a loucura?... A loucura!... A loucura!... Decididamente, a loucura é universal!!! Todos os homens são loucos num grau maior ou menor... mas a sua loucura, a dele, não era sabedoria ao lado de minha própria loucura?... Para ele, os sonhos, as imagens, as aspirações ao além da... mas, é justiça!... Conhecia eu esse desconhecido que a mim se apresenta inopinadamente?... Não, não, o nada não existe, porque se existisse, esta encarnação de negação, de crimes, de infâmias, não me torturaria assim!... Eu vejo, mas vejo demasiado tarde, todo o mal que fiz!... Vendo-o hoje, e reparando-o pouco a pouco, talvez um dia eu seja digno de ver e fazer o bem!...
Sistemas!... Sistemas orgulhosos, produtos de cérebros humanos, eis para onde nos conduzis!... Num, é a divindade; noutro, a divindade material e sensual; num terceiro, o nada, nada!... Nada, divindade material, divindade espiritual, são palavras?... Oh! Eu peço para ver, meu Deus!... E se eu existo, e se vós existis, concedei-me o favor que vos peço; aceitai minha prece, porque vos peço, ó meu Deus, que me façais ver se eu existo, se eu sou!... (Estas últimas palavras foram ditas com um tom dilacerante).
OBSERVAÇÃO: Se o Sr. Claudius perseverou até o fim na sua incredulidade, não foram os meios de se esclarecer que lhe faltaram. Como médico, tinha, necessariamente, o espírito cultivado, a inteligência desenvolvida, um saber acima do vulgo e, contudo, isto não lhe bastou. Em suas minuciosas investigações da natureza morta e da natureza viva, ele não entreviu Deus, não entreviu a alma! Vendo os efeitos, não soube remontar à causa! ou melhor, ele havia imaginado uma causa à sua maneira, e seu orgulho de sábio o impedia de confessá-lo a si próprio, de confessar sobretudo à face do mundo que ele podia ter-se enganado.
Circunstância digna de nota, ele morreu de um mal orgânico que ele sabia, por sua própria ciência, ser incurável; esse mal, que ele tratava, era uma advertência permanente; a dor que lhe causava era uma voz que lhe gritava sem cessar que pensasse no futuro. Entretanto, nada pôde triunfar sobre sua obstinação. Ele manteve os olhos fechados até o último momento.
Será que esse homem algum dia poderia ter-se tornado espírita? Certamente não. Nem fatos, nem raciocínios teriam podido vencer uma opinião estabelecida a priori, e da qual ele estava decidido a não se desviar. Ele era desses homens que não se querem render à evidência, porque neles a incredulidade é inata, como a crença em outros. O sentido pelo qual um dia poderão assimilar os princípios espirituais ainda não eclodiu; eles são, para a espiritualidade, o que os cegos de nascença são para a luz: não a compreendem.
Portanto, a inteligência não basta para conduzir pelo caminho da verdade; ela é como o cavalo que nos carrega, e que segue a rota que lhe traçamos. Se essa rota conduz a um pântano, ela aí precipita o cavaleiro; mas, ao mesmo tempo, dá-lhe os meios de se erguer.
Tendo o Sr. Claudius morrido voluntariamente como cego espiritual, não é de admirar que não tenha visto a luz imediatamente; que ele não se reconheça num mundo que não quis estudar; que, morto com a ideia do nada, duvide de sua própria existência, incerteza pungente que constitui o seu tormento. Ele caiu no precipício para onde impeliu sua montaria-inteligência. Mas ele pode erguer-se dessa queda e parece já entrever um clarão que, se o seguir, o conduzirá ao porto. É em seus louváveis esforços que é preciso sustentá-lo pela prece. Quando tiver gozado dos benefícios da luz espiritual, ele terá horror às trevas do materialismo; e se um dia voltar à Terra, será com intuições e aspirações muito diversas das que tinha nesta última existência.
O Espírito que assim se manifesta apodera-se da pessoa do médium e se serve de seus órgãos como se ele ainda estivesse vivo. Então não mais é uma fria comunicação escrita, porquanto o que temos diante dos olhos é a expressão, a pantomima e a inflexão de voz do indivíduo.
Foi nestas condições que se manifestou o doutor Claudius, sem ter sido evocado. Sua comunicação, que publicamos textualmente a seguir, é instrutiva sob vários aspectos, principalmente porque descreve os sentimentos que o agitam; a dúvida ainda constitui o seu tormento e a incerteza de sua situação que o mergulha numa terrível perplexidade, e aí está a sua punição. É um exemplo a mais que vem confirmar o que se viu muitas vezes em casos semelhantes.
Após uma dissertação sobre outro assunto, o médium absorvido se recolhe alguns instantes, depois, como se despertasse penosamente, assim se exprime, falando consigo mesmo:
Ah! Ainda um sistema!... Que há de verdadeiro e de falso na existência humana, na criação, na criatura, no criador? ... A coisa existe?... A matéria é mesmo verdadeira?... A ciência é uma verdade?... O saber, uma aquisição?... A alma... a alma existe?
O criador, a divindade não é um mito?... Mas... que digo eu?... Por que essas blasfêmias multiplicadas?... Por que, em face da matéria, não posso crer, ó meu Deus, não posso ver, sentir, compreender?...
Matéria!... Matéria!... Mas, sim, tudo é matéria... Tudo é matéria!!!... Entretanto, a invocação a Deus veio-me à boca!... Por que, então, disse eu: Ó meu Deus?... Por que esta palavra, se sei que tudo é matéria?... Sou eu?... Não é um eco do meu pensamento que raciocina e que se escuta?... Não são os últimos repiques do sino que eu tocava?
Matéria!... Sim, a matéria existe, eu o sinto!... A matéria existe; eu a toquei!... mas!... nem tudo é matéria, e contudo... contudo, tudo foi auscultado, apalpado, tocado, analisado, dissecado fibra a fibra, e nada!... Nada senão a carne, sempre a matéria que desde o instante em que o grande movimento parou, parou também!... O movimento para, o ar não chega mais... Mas!... se tudo é matéria, por que ela não mais se põe em movimento, porquanto tudo o que existia quando ela se agitava existe ainda?... E contudo... ele não mais existe!...
Mas sim, eu existo!... Nem tudo acabou com o corpo!... Na verdade... estou mesmo morto?... Entretanto, esse roedor que alimentei, que cuidei com minhas mãos, ele não me perdoou!... É verdade; estou morto!... Mas essa doença que vi nascer... crescer... tinha uma alma?
Ah! a dúvida! sempre a dúvida!... em resposta a todas as minhas secretas aspirações!... Mas, se eu sou, ó meu Deus, se eu existo... ah! fazei que eu me reconheça!... fazei-me vos pressentir!... porque se eu sou, que longa sucessão de blasfêmias!... que longa negação de vossa sabedoria, de vossa bondade, de vossa justiça!... Que imensa responsabilidade do orgulho assumi sobre minha cabeça, ó meu Deus!... Mas sim, eu ainda tenho um eu, eu que nada queria admitir que não fosse possível tocar... Duvidei de vossa sabedoria, é meu Deus! É justo que eu duvide!... Sim, eu duvidei; a dúvida me persegue e me castiga.
Oh! Mil mortes antes que a dúvida em que vivo!... Eu vejo. Eu encontro velhos amigos... e contudo, todos eles morreram antes!... Méry! Meu pobre louco!... mas o louco não sou eu?... o epíteto de louco se adapta à sua personalidade?
─ Vejamos, então. O que é a loucura?... A loucura!... A loucura!... Decididamente, a loucura é universal!!! Todos os homens são loucos num grau maior ou menor... mas a sua loucura, a dele, não era sabedoria ao lado de minha própria loucura?... Para ele, os sonhos, as imagens, as aspirações ao além da... mas, é justiça!... Conhecia eu esse desconhecido que a mim se apresenta inopinadamente?... Não, não, o nada não existe, porque se existisse, esta encarnação de negação, de crimes, de infâmias, não me torturaria assim!... Eu vejo, mas vejo demasiado tarde, todo o mal que fiz!... Vendo-o hoje, e reparando-o pouco a pouco, talvez um dia eu seja digno de ver e fazer o bem!...
Sistemas!... Sistemas orgulhosos, produtos de cérebros humanos, eis para onde nos conduzis!... Num, é a divindade; noutro, a divindade material e sensual; num terceiro, o nada, nada!... Nada, divindade material, divindade espiritual, são palavras?... Oh! Eu peço para ver, meu Deus!... E se eu existo, e se vós existis, concedei-me o favor que vos peço; aceitai minha prece, porque vos peço, ó meu Deus, que me façais ver se eu existo, se eu sou!... (Estas últimas palavras foram ditas com um tom dilacerante).
OBSERVAÇÃO: Se o Sr. Claudius perseverou até o fim na sua incredulidade, não foram os meios de se esclarecer que lhe faltaram. Como médico, tinha, necessariamente, o espírito cultivado, a inteligência desenvolvida, um saber acima do vulgo e, contudo, isto não lhe bastou. Em suas minuciosas investigações da natureza morta e da natureza viva, ele não entreviu Deus, não entreviu a alma! Vendo os efeitos, não soube remontar à causa! ou melhor, ele havia imaginado uma causa à sua maneira, e seu orgulho de sábio o impedia de confessá-lo a si próprio, de confessar sobretudo à face do mundo que ele podia ter-se enganado.
Circunstância digna de nota, ele morreu de um mal orgânico que ele sabia, por sua própria ciência, ser incurável; esse mal, que ele tratava, era uma advertência permanente; a dor que lhe causava era uma voz que lhe gritava sem cessar que pensasse no futuro. Entretanto, nada pôde triunfar sobre sua obstinação. Ele manteve os olhos fechados até o último momento.
Será que esse homem algum dia poderia ter-se tornado espírita? Certamente não. Nem fatos, nem raciocínios teriam podido vencer uma opinião estabelecida a priori, e da qual ele estava decidido a não se desviar. Ele era desses homens que não se querem render à evidência, porque neles a incredulidade é inata, como a crença em outros. O sentido pelo qual um dia poderão assimilar os princípios espirituais ainda não eclodiu; eles são, para a espiritualidade, o que os cegos de nascença são para a luz: não a compreendem.
Portanto, a inteligência não basta para conduzir pelo caminho da verdade; ela é como o cavalo que nos carrega, e que segue a rota que lhe traçamos. Se essa rota conduz a um pântano, ela aí precipita o cavaleiro; mas, ao mesmo tempo, dá-lhe os meios de se erguer.
Tendo o Sr. Claudius morrido voluntariamente como cego espiritual, não é de admirar que não tenha visto a luz imediatamente; que ele não se reconheça num mundo que não quis estudar; que, morto com a ideia do nada, duvide de sua própria existência, incerteza pungente que constitui o seu tormento. Ele caiu no precipício para onde impeliu sua montaria-inteligência. Mas ele pode erguer-se dessa queda e parece já entrever um clarão que, se o seguir, o conduzirá ao porto. É em seus louváveis esforços que é preciso sustentá-lo pela prece. Quando tiver gozado dos benefícios da luz espiritual, ele terá horror às trevas do materialismo; e se um dia voltar à Terra, será com intuições e aspirações muito diversas das que tinha nesta última existência.
Um operário de marselha
Num grupo espírita de Marselha, a Sra. T..., médium, escreveu espontaneamente a seguinte comunicação:
Escutai um infeliz que foi arrancado violentamente do meio de sua família, e que não sabe onde está... Em meio às trevas em que me encontro, pude seguir um raio luminoso de um Espírito, ao que me dizem; mas não creio nos Espíritos. Sei bem que é uma fábula inventada por cabeças débeis e crédulas... De minha parte não compreendo mais nada... Vejo-me duplo; um corpo mutilado jaz ao meu lado, contudo, estou vivo... Vejo os meus parentes que se desolam, sem contar meus companheiros de infortúnio, que não veem tão claramente quanto eu. Assim, aproveitei a luz que me conduziu até aqui, para vir colher informações junto de vós.
Parece-me que não é a primeira vez que vos vejo. Minhas ideias ainda estão confusas... Permitem-me voltar outra vez, quando eu estiver mais habituado à minha posição atual... Para mim dá na mesma, eu me vou com pesar; encontrava-me em meu centro... mas sinto que é preciso obedecer. Este Espírito me parece bom, mas severo. Vou esforçar-me para ganhar as suas boas graças, para poder falar mais vezes convosco.
Um operário do curso Lieutaud.
No desmoronamento de uma ponte que ocorreu poucos dias antes, seis operários tinham morrido. Foi um desses que se manifestou.
Depois desta comunicação, o guia do médium lhe ditou o seguinte:
Cara irmã, este Espírito infeliz foi conduzido a ti para exercitares a tua caridade. Como nós a praticamos para com os encarnados, a vossa deve exercer-se para com os desencarnados.
Embora esse infeliz seja sustentado por seu anjo da guarda, este lhe deve ficar invisível, até que ele se reconheça bem na sua situação. Para isto, cara irmã, toma-o sob tua proteção, que reconheço ser ainda fraca; mas, sustentado por tua fé, esse Espírito em breve verá reluzir a aurora de um novo dia, e o que recusou reconhecer depois de sua catástrofe, em breve tornar-se-á para ele um motivo de paz e de alegria. Tua tarefa não será muito difícil, porque ele tem o essencial para te compreender: a bondade do coração.
Escuta, cara irmã, os impulsos do teu coração, e sairás vitoriosa da prova que tua nova missão te impõe.
Sustentai-vos mutuamente, caros irmãos e muito amadas irmãs, e a nova Jerusalém que estais a ponto de atingir vos será aberta com cantos de triunfo, porque o cortejo que vos seguirá vos tornará vitoriosos. Mas para bem combater os obstáculos exteriores, antes de tudo é preciso ter vencido a si mesmo. Deveis manter uma disciplina severa para o vosso coração. A menor infração deve ser reprimida, sem buscar atenuar a falta, senão não sereis jamais vencedores dos outros. Entre vós, é preciso rivalizar em virtudes e vigilância.
Coragem, amigos; não estais sós; sois sustentados e protegidos pelos combatentes espirituais que esperam em vós e chamam sobre vós a bênção do Altíssimo.
Vosso guia.
Como se vê, este fato tem alguma analogia com o precedente. É igualmente um Espírito que não se reconhece, que não compreende sua situação, mas é fácil de ver qual dos dois sairá primeiro da incerteza. Pela linguagem de um, se reconhece o sábio orgulhoso que racionalizou sua incredulidade, que, ao que parece, nem sempre fez de sua inteligência e de seu saber o melhor uso possível. O outro é uma natureza inculta, mas boa, à qual, sem dúvida, só faltou uma boa direção. Nele a incredulidade não era um sistema, mas uma consequência da falta de ensinamento conveniente. Aquele que em vida pudesse ter tido piedade do outro, bem que poderia tê-lo visto mais cedo numa posição mais feliz que ele. Que possa Deus pôlos em presença um do outro para sua mútua instrução, e o sábio bem poderia sentirse feliz em receber as lições do ignorante.
Escutai um infeliz que foi arrancado violentamente do meio de sua família, e que não sabe onde está... Em meio às trevas em que me encontro, pude seguir um raio luminoso de um Espírito, ao que me dizem; mas não creio nos Espíritos. Sei bem que é uma fábula inventada por cabeças débeis e crédulas... De minha parte não compreendo mais nada... Vejo-me duplo; um corpo mutilado jaz ao meu lado, contudo, estou vivo... Vejo os meus parentes que se desolam, sem contar meus companheiros de infortúnio, que não veem tão claramente quanto eu. Assim, aproveitei a luz que me conduziu até aqui, para vir colher informações junto de vós.
Parece-me que não é a primeira vez que vos vejo. Minhas ideias ainda estão confusas... Permitem-me voltar outra vez, quando eu estiver mais habituado à minha posição atual... Para mim dá na mesma, eu me vou com pesar; encontrava-me em meu centro... mas sinto que é preciso obedecer. Este Espírito me parece bom, mas severo. Vou esforçar-me para ganhar as suas boas graças, para poder falar mais vezes convosco.
Um operário do curso Lieutaud.
No desmoronamento de uma ponte que ocorreu poucos dias antes, seis operários tinham morrido. Foi um desses que se manifestou.
Depois desta comunicação, o guia do médium lhe ditou o seguinte:
Cara irmã, este Espírito infeliz foi conduzido a ti para exercitares a tua caridade. Como nós a praticamos para com os encarnados, a vossa deve exercer-se para com os desencarnados.
Embora esse infeliz seja sustentado por seu anjo da guarda, este lhe deve ficar invisível, até que ele se reconheça bem na sua situação. Para isto, cara irmã, toma-o sob tua proteção, que reconheço ser ainda fraca; mas, sustentado por tua fé, esse Espírito em breve verá reluzir a aurora de um novo dia, e o que recusou reconhecer depois de sua catástrofe, em breve tornar-se-á para ele um motivo de paz e de alegria. Tua tarefa não será muito difícil, porque ele tem o essencial para te compreender: a bondade do coração.
Escuta, cara irmã, os impulsos do teu coração, e sairás vitoriosa da prova que tua nova missão te impõe.
Sustentai-vos mutuamente, caros irmãos e muito amadas irmãs, e a nova Jerusalém que estais a ponto de atingir vos será aberta com cantos de triunfo, porque o cortejo que vos seguirá vos tornará vitoriosos. Mas para bem combater os obstáculos exteriores, antes de tudo é preciso ter vencido a si mesmo. Deveis manter uma disciplina severa para o vosso coração. A menor infração deve ser reprimida, sem buscar atenuar a falta, senão não sereis jamais vencedores dos outros. Entre vós, é preciso rivalizar em virtudes e vigilância.
Coragem, amigos; não estais sós; sois sustentados e protegidos pelos combatentes espirituais que esperam em vós e chamam sobre vós a bênção do Altíssimo.
Vosso guia.
Como se vê, este fato tem alguma analogia com o precedente. É igualmente um Espírito que não se reconhece, que não compreende sua situação, mas é fácil de ver qual dos dois sairá primeiro da incerteza. Pela linguagem de um, se reconhece o sábio orgulhoso que racionalizou sua incredulidade, que, ao que parece, nem sempre fez de sua inteligência e de seu saber o melhor uso possível. O outro é uma natureza inculta, mas boa, à qual, sem dúvida, só faltou uma boa direção. Nele a incredulidade não era um sistema, mas uma consequência da falta de ensinamento conveniente. Aquele que em vida pudesse ter tido piedade do outro, bem que poderia tê-lo visto mais cedo numa posição mais feliz que ele. Que possa Deus pôlos em presença um do outro para sua mútua instrução, e o sábio bem poderia sentirse feliz em receber as lições do ignorante.
Variedades
A liga do ensino
Lê-se no Siècle de 10 de julho de 1867:
“Uma seção da associação fundada por Jean Macé acaba de ser autorizada em Metz, pela prefeitura, sob o nome de “Círculo da Liga do Ensino de Metz.” “
“Uma seção da associação fundada por Jean Macé acaba de ser autorizada em Metz, pela prefeitura, sob o nome de “Círculo da Liga do Ensino de Metz.” “
A respeito, lê-se no Moselle:
“A comissão diretora eleita do círculo entrou em atividade e decidiu começar seus trabalhos pela fundação de uma biblioteca popular, no modelo das que prestam tão grandes serviços na Alsácia."
“Para essa obra, o Círculo de Metz reclama o concurso de todos e solicita a adesão de quem quer que se interesse pelo desenvolvimento da instrução e da educação em nossa cidade. Essas adesões, acompanhadas de uma quotização cujo valor e forma de pagamento são facultativos, e as doações de livros, serão recebidos por qualquer um dos membros da comissão.”
Como dissemos, quando falamos da Liga do ensino (Revista de março e abril de 1867), nossas simpatias são conquistadas por todas as ideias progressistas. Naquele projeto criticamos apenas o modo de execução. Assim, sentir-nos-emos feliz por ver aplicações práticas dessa bela ideia.
“A comissão diretora eleita do círculo entrou em atividade e decidiu começar seus trabalhos pela fundação de uma biblioteca popular, no modelo das que prestam tão grandes serviços na Alsácia."
“Para essa obra, o Círculo de Metz reclama o concurso de todos e solicita a adesão de quem quer que se interesse pelo desenvolvimento da instrução e da educação em nossa cidade. Essas adesões, acompanhadas de uma quotização cujo valor e forma de pagamento são facultativos, e as doações de livros, serão recebidos por qualquer um dos membros da comissão.”
Como dissemos, quando falamos da Liga do ensino (Revista de março e abril de 1867), nossas simpatias são conquistadas por todas as ideias progressistas. Naquele projeto criticamos apenas o modo de execução. Assim, sentir-nos-emos feliz por ver aplicações práticas dessa bela ideia.
Senhora Walker, doutora em cirurgia
Os médicos e internos do Hospital de Caridade receberam sábado, durante o período da manhã, um de seus confrades americanos, a quem a última guerra da América deu uma certa reputação.
Esse doutor em cirurgia não era nada mais nada menos que a Senhora Walker, que durante a guerra da secessão dos Estados Unidos, dirigiu importante serviço de ambulâncias. Pequena, de compleição delicada, vestida com a elegante simplicidade que distingue as damas da Sociedade, a Senhora Walker foi recebida com muita simpatia e mui respeitosamente. Interessou-se vivamente pelos dois grandes serviços, o cirúrgico e o médico.
Sua presença no Hospital de Caridade proclamava um princípio novo, que recebeu sua consagração no novo mundo: a igualdade da mulher perante a Ciência.
(Opinion nationale)
(Vide a Revista de junho de 1867 e janeiro de 1866 sobre a emancipação da mulher).
Esse doutor em cirurgia não era nada mais nada menos que a Senhora Walker, que durante a guerra da secessão dos Estados Unidos, dirigiu importante serviço de ambulâncias. Pequena, de compleição delicada, vestida com a elegante simplicidade que distingue as damas da Sociedade, a Senhora Walker foi recebida com muita simpatia e mui respeitosamente. Interessou-se vivamente pelos dois grandes serviços, o cirúrgico e o médico.
Sua presença no Hospital de Caridade proclamava um princípio novo, que recebeu sua consagração no novo mundo: a igualdade da mulher perante a Ciência.
(Opinion nationale)
(Vide a Revista de junho de 1867 e janeiro de 1866 sobre a emancipação da mulher).
O Iman, grande esmoler do Sultão
"Sábado, 6 de julho, diz o La Presse, o iman ou grande esmoler do sultão, Hairoulah-Effendi, visitou o Monsenhor Chigi, núncio apostólico, e o Monsenhor Arcebispo de Paris."
A viagem do sultão a Paris é mais que um acontecimento político. É um sinal dos tempos, o prelúdio do desaparecimento dos preconceitos religiosos que por tanto tempo ergueram uma barreira entre os povos e ensanguentaram o mundo. Vindo o sucessor de Maomé, de sua plena vontade, visitar um país cristão, fraternizando com um soberano cristão, teria sido, de sua parte, e não há muito tempo, um ato audacioso. Hoje o fato parece muito natural. O que é ainda mais significativo é a visita do Iman, seu grande esmoler, aos chefes da Igreja. A iniciativa que ele tomou nessa circunstância, porque a etiqueta a isto não obrigava, é uma prova do progresso das ideias. Os ódios religiosos são anomalias no século em que estamos, e é de bom augúrio para o futuro ver um dos príncipes da religião muçulmana dar o exemplo de tolerância e abjurar as prevenções seculares.
Uma das consequências do progresso moral será certamente um dia a unificação das crenças: ela ocorrerá quando os diferentes cultos reconhecerem que há um só Deus para todos os homens, e que é absurdo e indigno dele lançarmos anátemas porque não o adoramos da mesma maneira.
A viagem do sultão a Paris é mais que um acontecimento político. É um sinal dos tempos, o prelúdio do desaparecimento dos preconceitos religiosos que por tanto tempo ergueram uma barreira entre os povos e ensanguentaram o mundo. Vindo o sucessor de Maomé, de sua plena vontade, visitar um país cristão, fraternizando com um soberano cristão, teria sido, de sua parte, e não há muito tempo, um ato audacioso. Hoje o fato parece muito natural. O que é ainda mais significativo é a visita do Iman, seu grande esmoler, aos chefes da Igreja. A iniciativa que ele tomou nessa circunstância, porque a etiqueta a isto não obrigava, é uma prova do progresso das ideias. Os ódios religiosos são anomalias no século em que estamos, e é de bom augúrio para o futuro ver um dos príncipes da religião muçulmana dar o exemplo de tolerância e abjurar as prevenções seculares.
Uma das consequências do progresso moral será certamente um dia a unificação das crenças: ela ocorrerá quando os diferentes cultos reconhecerem que há um só Deus para todos os homens, e que é absurdo e indigno dele lançarmos anátemas porque não o adoramos da mesma maneira.
Jean Ryzak, a força do remorso
ESTUDO MORAL
Escrevem de Winschoten, a 2 de maio de 1867, ao Journal de Bruxelles:
Sábado passado aconteceu em nossa comuna que um operário cavouqueiro se apresentou na casa do guarda campestre, onde intimou esse funcionário a prendê-lo e o entregar à justiça, diante da qual, dizia ele, tinha que fazer a confissão de um crime por ele cometido há vários anos. Levado ante o burgomestre, esse operário, que declarou chamar-se Jean Ryzak, fez a seguinte confissão:
“Há cerca de doze anos eu era empregado nos trabalhos de dessecamento do lago de Harlem, quando um dia o cabo, pagando a minha quinzena, entregou-me o soldo devido a um de meus camaradas, com ordem de entregá-la a este último. Gastei o dinheiro e, querendo evitar aborrecimentos de investigações, resolvi matar o amigo a quem acabara de roubar. Para isso, precipitei-o num dos abismos do lago e, vendo-o voltar à superfície e fazer esforços pata nadar para a margem, dei-lhe duas facadas na nuca.
“Logo que cometi o crime, o remorso começou a fazer-se sentir. Em breve tornou-se intolerável e foi-me impossível continuar no trabalho. Comecei por fugir do teatro do meu erro, e não achando em parte alguma do país nem paz nem trégua, embarquei para as Índias, onde me alistei no exército colonial. Mas lá também o espectro de minha vítima me perseguiu noite e dia; minhas torturas eram incessantes e incríveis e, assim que terminou o meu período de engajamento, uma força irresistível impeliu-me a voltar a Winschoten e a pedir à justiça o apaziguamento de minha consciência. Ela mo dará, impondo-me a expiação que julgar conveniente, e se ordenar que eu morra, prefiro esse suplício ao que me faz experimentar, há doze anos, a toda hora do dia e da noite, o carrasco que trago no peito.”
Após essa declaração, e tendo certeza de que o homem que estava à sua frente estava no pleno uso de sua razão, o magistrado requisitou a polícia, que prendeu Ryzak e relatou imediatamente o caso ao oficial de justiça.
Aqui se aguarda com emoção a sequência que poderá ter este estranho acontecimento.
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS SOBRE ESTE CASO
(Sociedade de Paris, 10 de maio de 1867 - Médium, Srta. Lateltin) Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si sua consciência que o adverte quando fez o bem ou fez o mal, cometeu uma ação má ou negligenciou de fazer o bem; sua consciência que, como guarda vigilante encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que ele se mostre rebelde à sua voz, que repila as suas inspirações; que queira abafá-la pelo esquecimento, mas nunca ela é completamente aniquilada para que num dado momento não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.
A consciência produz dois efeitos diferentes: a satisfação de haver agido bem, a paz que deixa o sentimento do dever cumprido; e o remorso que penetra e tortura quando se praticou uma ação reprovada por Deus, pelos homens ou pela honra. É, propriamente falando, o senso moral. O remorso é como uma serpente de mil voltas, que circula em redor do coração e o devasta; é o remorso que sempre vos faz ouvir os mesmos brados e vos grita: Fizeste uma ação má; deverás ser punido; teu castigo não cessará senão depois da reparação. E quando a esse suplício de uma consciência atormentada vem juntar-se a visão constante da vítima, da pessoa a quem se fez o mal; quando, sem repouso nem trégua, sua presença censura ao culpado sua conduta indigna, lhe repete incessantemente que sofrerá enquanto não houver expiado e reparado o mal que fez, o suplício se torna intolerável. É então que, para pôr fim às suas torturas, seu orgulho se dobra e ele confessa os seus crimes. O mal carrega em si a sua pena, pelo remorso que deixa e pelos reproches feitos unicamente pela presença daqueles contra os quais se agiu mal.
Crede-me, escutai sempre essa voz que vos adverte quando estais prestes a falir; não a abafeis pela revolta do vosso orgulho, e se falirdes, apressai-vos em reparar o mal, pois do contrário o remorso seria vossa punição. Quanto mais tardardes, mais penosa será a punição e mais prolongado o suplício.
UM ESPÍRITO
(Mesma sessão ─ Médium, Sra. B...)
Hoje tendes um exemplo notável da punição que sofrem, mesmo na Terra, os que se tornaram culpados de uma ação má. Não é somente no mundo invisível que a visão de uma vítima vem atormentar o assassino para forçá-lo ao arrependimento; onde a justiça dos homens não começou a expiação, a justiça divina faz começar, a despeito de todos, o mais lento e o mais terrível dos suplícios, o mais temível castigo.
Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso essa punição por si só determina o arrependimento. Dizem que um perverso natural, como é o caso de um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem uma ideia do que pode tornar-se tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que gostariam de jamais haver cometido. Certamente vemos alguns criminosos se empedernirem, mas muitas vezes é só por orgulho, e por quererem parecer mais fortes do que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs, mas essa falsa coragem não tem longa duração; em breve vê-los-emos enfraquecerem diante desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e à sua persistência. Não há orgulho que possa resistir a essa ação, semelhante à da gota d’água sobre o rochedo: por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz resistirem esses infelizes contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento enfim pode ter acesso à sua alma. Como eles sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento para os seus males.
Aos que disso pudessem duvidar, não precisais senão citar o caso que vos foi assinalado esta noite. Ali não é só a hipótese; não é mais somente o ensinamento dos Espíritos: é um exemplo, de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta, e foi de tal monta que ao cabo de vários anos forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis que o que ele sofria, no momento em que se entregou à justiça.
UM ESPÍRITO
Há certas pessoas que dizem que a punição infligida ao criminoso no mundo dos Espíritos, e que consiste na visão contínua de seu crime, não pode ser muito eficaz, e que em nenhum caso essa punição por si só determina o arrependimento. Dizem que um perverso natural, como é o caso de um criminoso, não pode senão amargurar-se cada vez mais por essa visão, assim se tornando pior. Os que assim falam não fazem uma ideia do que pode tornar-se tal castigo; não sabem quanto é cruel esse espetáculo contínuo de uma ação que gostariam de jamais haver cometido. Certamente vemos alguns criminosos se empedernirem, mas muitas vezes é só por orgulho, e por quererem parecer mais fortes do que a mão que os castiga; é para fazer crer que não se deixam abater pela visão de imagens vãs, mas essa falsa coragem não tem longa duração; em breve vê-los-emos enfraquecerem diante desse suplício, que deve muito de seus efeitos à sua lentidão e à sua persistência. Não há orgulho que possa resistir a essa ação, semelhante à da gota d’água sobre o rochedo: por mais dura que possa ser a pedra, é inevitavelmente atacada, desagregada, reduzida a pó. É assim que o orgulho, que faz resistirem esses infelizes contra seu soberano senhor, mais cedo ou mais tarde é abatido, e que o arrependimento enfim pode ter acesso à sua alma. Como eles sabem que a origem de seus sofrimentos está em sua falta, pedem para repará-la, a fim de trazer um abrandamento para os seus males.
Aos que disso pudessem duvidar, não precisais senão citar o caso que vos foi assinalado esta noite. Ali não é só a hipótese; não é mais somente o ensinamento dos Espíritos: é um exemplo, de certo modo palpável, que se vos apresenta. Nesse exemplo, o castigo seguiu de perto a falta, e foi de tal monta que ao cabo de vários anos forçou o culpado a pedir a expiação de seu crime à justiça humana, e ele mesmo disse que todas as penas, a própria morte, lhe pareceriam menos cruéis que o que ele sofria, no momento em que se entregou à justiça.
UM ESPÍRITO
OBSERVAÇÃO: Sem ir procurar aplicações do remorso nos grandes criminosos, que são exceções na Sociedade, podemos encontrá-las nas mais comuns circunstâncias da vida. É esse sentimento que leva todo indivíduo a afastar-se daqueles em relação aos quais sente que tem reproches a se fazer; em sua presença ele se sente mal; se a falta não for conhecida, ele teme ser desmascarado; parece-lhe que um olhar pode penetrar o fundo de sua consciência; em toda palavra, em todo gesto, ele vê uma alusão à sua pessoa. Eis por que, se ele se sente desmascarado, retira-se. O ingrato também foge de seu benfeitor, porque a presença dele é uma censura incessante, da qual em vão ele procura desembaraçar-se, porque uma voz íntima lhe grita no fundo de sua consciência que ele é culpado.
Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu. Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.
O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorso as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.
Se o remorso já é um suplício na Terra, quão maior não será no mundo dos Espíritos, onde não é possível subtrair-se à vista daqueles a quem se ofendeu. Felizes os que, tendo reparado já nesta vida, poderão sem receio enfrentar todos os olhares no mundo onde nada é oculto.
O remorso é uma consequência do desenvolvimento do senso moral; ele não existe onde o senso moral ainda se acha em estado latente. É por isto que os povos selvagens e bárbaros cometem sem remorso as piores ações. Aquele, pois, que se pretendesse inacessível ao remorso assimilar-se-ia ao bruto. À medida que o homem progride, o senso moral torna-se mais apurado; ofusca-se ao menor desvio do reto caminho. Daí o remorso, que é o primeiro passo para o retorno ao bem.
Dissertações espíritas
Plano de campanha - Era nova - Considerações sobre o sonambulismo espontâneo
(Paris, 10 de novembro de 1867 - Médium: Sr. T... Em sono espontâneo)
NOTA: Nessa sessão, nenhuma pergunta prévia tinha provocado o assunto que foi tratado. A princípio o médium se havia ocupado de saúde, depois, pouco a pouco, viu-se conduzido às reflexões cuja análise damos a seguir. Ele falou durante cerca de uma hora, sem interrupção.
Os progressos do Espiritismo causam aos seus inimigos um terror que eles não podem dissimular. No começo brincaram com as mesas girantes, sem pensar que acariciavam uma criança que devia crescer;... a criança cresceu... então eles pressentiram o seu futuro e disseram para si mesmos que em breve estariam com a razão... Mas, como se costuma dizer, o menino tinha vida dura. Resistiu a todos os ataques, aos anátemas, às perseguições, mesmo às troças. Semelhante a certos grãos que o vento carrega, produziu inúmeros renovos... Para cada um que destruíam, surgiam cem outros.
A princípio empregaram contra ele as armas de outra época, as que outrora davam resultado contra as ideias novas, porque essas ideias eram apenas clarões esparsos que tinham dificuldade de vir à luz através da ignorância, e que ainda não tinham criado raízes nas massas;... hoje é outra coisa; tudo mudou: os costumes, as ideias, o caráter, as crenças; a Humanidade não mais se emociona com as ameaças que amedrontam as crianças; o diabo, tão temido por nossos avós, já não mete medo: rimos dele.
Sim, as armas antigas entortaram-se na couraça do progresso. É como se, em nossos dias, um exército quisesse atacar uma praça forte guarnecida de canhões, com as flechas, os aríetes e as catapultas dos nossos antepassados.
Os inimigos do Espiritismo viram, pela experiência, a inutilidade das armas carcomidas do passado contra a ideia regeneradora; longe de prejudicá-lo, seus esforços só serviam para dar-lhe autoridade.
Para lutar com vantagem contra as ideias do século, seria preciso estar à altura
do século; às doutrinas progressistas seria necessário opor doutrinas ainda mais progressistas, pois mas o menos não pode vencer o mais.
Então, não podendo triunfar pela violência, recorreram à astúcia, a arma dos que têm consciência de sua fraqueza... De lobos, fizeram-se cordeiros, para se introduzirem no aprisco e aí semear a desordem, a divisão, a confusão. Porque chegaram a lançar a perturbação nalgumas fileiras, cedo de mais se julgaram senhores da praça. Nem por isto os adeptos isolados deixaram de continuar sua obra, e diariamente, a ideia abre o seu caminho sem muito alarido... Eles é que fizeram o alarido... Não a vedes perpassar tudo, nos jornais, nos livros, no teatro e mesmo na cátedra? Ela trabalha todas as consciências; ela arrasta os Espíritos para novos horizontes; é encontrada no estado de intuição mesmo naqueles que dela não ouviram falar. Eis um fato que ninguém pode negar e que a cada dia se torna mais evidente. Não é a prova de que a ideia é irresistível e que ela é um sinal dos tempos?
Aniquilá-lo é, pois, uma coisa impossível, porque seria preciso aniquilá-lo não num ponto, mas no mundo inteiro; e depois, as ideias não são levadas nas asas do vento? E como atingi-las? Pode-se pegar pacotes de mercadorias na alfândega, mas as ideias são intangíveis.
Que fazer, então? Tentar apoderar-se delas, para acomodá-las à sua vontade... Pois bem! É o partido pelo qual se decidiram. Disseram de si para si: O Espiritismo é o precursor de uma revolução moral inevitável; antes que ela se realize completamente, tratemos de desviá-la em nosso proveito; façamos de maneira que aconteça com ela como com certas revoluções políticas; desnaturando o seu espírito, poder-se-ia imprimir-lhe outro curso.
Assim, o plano de campanha está mudado... Vereis formarem-se reuniões espíritas cujo objetivo confessado será a defesa da Doutrina, e cujo objetivo secreto será a sua destruição; supostos médiuns que terão comunicações encomendadas, adequadas ao fim que se propõem; publicações que, sob o manto do Espiritismo, esforçar-se-ão para o demolir; doutrinas que lhe tomarão algumas ideias, mas com o pensamento de suplantá-lo. Eis a luta, a verdadeira luta que ele terá de sustentar, e que será perseguida encarniçadamente, mas da qual ele sairá vitorioso e mais forte.
Que podem os homens contra a vontade de Deus? É possível desconhecê-la ante o que se passa? Seu dedo não é visível nesse progresso que desafia todos os ataques, nesses fenômenos que surgem de todos os lados como um protesto, como um desmentido dado a todas as negações?... A vida dos homens, a sorte da Humanidade não está em suas mãos?... Cegos!... Eles não contam com a nova geração que se ergue e que diariamente supera a geração que se vai... Ainda alguns anos e esta terá desaparecido, não deixando depois de si senão a lembrança de suas tentativas insensatas para deter o impulso do espírito humano, que avança a despeito de tudo... Eles não contam com os acontecimentos que vão apressar o desabrochar do novo período humanitário... com apoios que se vão erguer em favor da nova doutrina cuja voz poderosa imporá silêncio aos seus detratores por sua autoridade.
Oh! Como estará mudada a face do mundo para aqueles que virem o começo do próximo século!... Quanta ruína eles verão em sua retaguarda, e que esplêndidos horizontes abrir-se-ão à sua frente!... Será como a aurora afugentando as sombras da noite... Aos ruídos, aos tumultos, aos rugidos da tempestade sucederão cantos de alegria; depois das angústias, os homens renascerão para a esperança... Sim! O século XX será um século abençoado, porque verá a era nova anunciada pelo Cristo.
NOTA: Aqui o médium para, dominado por indizível emoção, e como que esgotado de fadiga. Após alguns minutos de repouso, durante os quais parece voltar ao grau de sonambulismo ordinário, ele retoma:
─ O que eu vos dizia eu então? ─ Vós nos faláveis do novo plano de campanha dos adversários do Espiritismo; depois falastes da era nova. ─ Continuo.
Enquanto esperam, disputam o terreno palmo a palmo. Eles renunciaram pouco mais ou menos às armas de outros tempos, cuja ineficácia reconheceram; agora ensaiam as que são onipotentes neste século de egoísmo, de orgulho e de cupidez: o ouro, a sedução do amor-próprio. Junto aos que são inacessíveis ao medo, exploram a vaidade, as necessidades terrenas. Aquele que resistiu à ameaça, às vezes dá ouvidos complacentes à adulação, ao gosto do bem-estar material... Prometem pão ao que o não o tem; trabalho ao artesão; freguesia ao negociante; promoção ao empregado; honras aos ambiciosos, se renunciarem às suas crenças. Ferem-no em sua posição, em seus meios de existência, em suas afeições, se forem indóceis; depois, a miragem do ouro produz sobre alguns o seu efeito ordinário. Entre esses encontram-se, necessariamente, alguns caracteres fracos que sucumbem à tentação. Há os que caem na armadilha de boa-fé, porque a mão que os manobra se esconde... Há também, e muitos, que cedem à dura necessidade, mas que não pensam menos nisso; sua renúncia é apenas aparente; eles se vergam, mas para se erguerem na primeira ocasião... Outros, aqueles que no mais alto grau têm a verdadeira coragem da fé, enfrentam o perigo resolutamente; esses vencem sempre, porque são sustentados pelos bons Espíritos... Alguns, ah!... mas estes jamais foram espíritas de coração... preferem o ouro da Terra ao ouro do Céu; eles ficam, pela forma, ligados à doutrina, e sob esse manto, apenas servem melhor à causa de seus inimigos... É uma triste troca que eles fazem, e que pagarão bem caro!
Nos tempos de cruéis provas que ides atravessar, felizes aqueles sobre os quais se estender a proteção dos bons Espíritos, porque jamais ela foi tão necessária!... Orai pelos irmãos desgarrados, a fim de que aproveitem os curtos instantes de moratória que lhes são concedidos, antes que a justiça do Altíssimo pese sobre eles... Quando eles virem rebentar a tempestade, mais de um pedirá graça!... Mas lhes será respondido: Que fizestes dos nossos ensinamentos? Como médiuns, não escrevestes centenas de vezes a vossa própria condenação?... Tivestes a luz e não a aproveitastes! Nós vos tínhamos dado um abrigo; por que o abandonastes? Sofrei, pois, a sorte daqueles que preferistes. Se vosso coração tivesse sido tocado por nossas palavras, teríeis ficado firmes no caminho do bem que vos era traçado; se tivésseis tido fé, teríeis resistido às seduções estendidas ao vosso amor-próprio e à vossa vaidade. Então acreditastes poder no-las impor, como aos homens, por falsas aparências? Sabei, se duvidastes, que não há um só movimento da alma que não tenha seu contragolpe no mundo dos Espíritos.
Credes que seja por nada que se desenvolve a faculdade da vidência em tão grande número de pessoas? Que seja para oferecer um alimento à curiosidade que hoje tantos médiuns adormecem espontaneamente em sono de êxtase? Não. Desenganei-vos. Esta faculdade, que há tanto tempo vos é anunciada, é um sinal característico dos tempos que são chegados; é um prelúdio da transformação, porque, como vos foi dito, este deve ser um dos atributos da nova geração. Essa geração, mais depurada moralmente, sê-lo-á também fisicamente. A mediunidade, sob todas as formas, será mais ou menos geral, e a comunhão com os Espíritos um estado, por assim dizer, normal.
Deus envia a faculdade de vidência nesses momentos de crise e de transição, para dar aos seus fiéis servidores um meio de frustrar a trama de seus inimigos, porque os maus pensamentos que eles julgam escondidos na sombra dos refolhos da consciência, repercutem nessas almas sensíveis como num Espelho, e se desvelam por si mesmos. Aquele que só emite bons pensamentos não teme que os conheçam.
Feliz aquele que pode dizer: Lede em minha alma como num livro aberto.
OBSERVAÇÃO: O sonambulismo espontâneo, do qual já falamos, não é, com efeito, senão uma forma de mediunidade vidente, cujo desenvolvimento era anunciado há já algum tempo, assim como o aparecimento de novas aptidões mediúnicas. É notável que em todos os momentos de crise geral ou de perseguição, as pessoas dotadas dessa faculdade são mais numerosas do que nos tempos normais. Houve muitos no momento da revolução; os Calvinistas das Cévènes, perseguidos como animais selvagens, tinham numerosos videntes que os advertiam do que se passava ao longe; por este fato, e por ironia, eram qualificados de iluminados; hoje começa-se a compreender que a visão à distância e independente dos órgãos da visão pode bem ser um dos atributos da natureza humana, e o Espiritismo a explica pela faculdade expansiva e pelas propriedades da alma. Os fatos deste gênero de tal modo se multiplicaram, que já nos admiramos menos; o que outrora a alguns parecia milagre ou sortilégio é hoje considerado como efeito natural. É uma das mil vias pelas quais penetra o Espiritismo, de sorte que, se estancam uma fonte, ele ressurge por outros caminhos.
Então, esta faculdade não é nova, mas ela tende a se generalizar, sem dúvida pelo motivo indicado na comunicação acima, mas também como meio de provar aos incrédulos a existência do princípio espiritual. No dizer dos Espíritos, ela se tornaria mesmo endêmica, o que naturalmente se explicaria pela transformação moral da Humanidade, transformação que deverá produzir no organismo modificações que facilitarão a expansão da alma.
Como outras faculdades mediúnicas, esta pode ser explorada pelo charlatanismo. Assim, é bom manter-se em guarda contra a charlatanice que, por um motivo qualquer, poderia tentar simulá-la e, por todos os meios possíveis, assegurarse a boa-fé dos que dizem possuí-la. Além do desinteresse material e moral e da honorabilidade notória da pessoa, que são as primeiras garantias, convém observar com cuidado as condições e as circunstâncias nas quais se produz o fenômeno e ver se nada oferecem de suspeito.
Os progressos do Espiritismo causam aos seus inimigos um terror que eles não podem dissimular. No começo brincaram com as mesas girantes, sem pensar que acariciavam uma criança que devia crescer;... a criança cresceu... então eles pressentiram o seu futuro e disseram para si mesmos que em breve estariam com a razão... Mas, como se costuma dizer, o menino tinha vida dura. Resistiu a todos os ataques, aos anátemas, às perseguições, mesmo às troças. Semelhante a certos grãos que o vento carrega, produziu inúmeros renovos... Para cada um que destruíam, surgiam cem outros.
A princípio empregaram contra ele as armas de outra época, as que outrora davam resultado contra as ideias novas, porque essas ideias eram apenas clarões esparsos que tinham dificuldade de vir à luz através da ignorância, e que ainda não tinham criado raízes nas massas;... hoje é outra coisa; tudo mudou: os costumes, as ideias, o caráter, as crenças; a Humanidade não mais se emociona com as ameaças que amedrontam as crianças; o diabo, tão temido por nossos avós, já não mete medo: rimos dele.
Sim, as armas antigas entortaram-se na couraça do progresso. É como se, em nossos dias, um exército quisesse atacar uma praça forte guarnecida de canhões, com as flechas, os aríetes e as catapultas dos nossos antepassados.
Os inimigos do Espiritismo viram, pela experiência, a inutilidade das armas carcomidas do passado contra a ideia regeneradora; longe de prejudicá-lo, seus esforços só serviam para dar-lhe autoridade.
Para lutar com vantagem contra as ideias do século, seria preciso estar à altura
do século; às doutrinas progressistas seria necessário opor doutrinas ainda mais progressistas, pois mas o menos não pode vencer o mais.
Então, não podendo triunfar pela violência, recorreram à astúcia, a arma dos que têm consciência de sua fraqueza... De lobos, fizeram-se cordeiros, para se introduzirem no aprisco e aí semear a desordem, a divisão, a confusão. Porque chegaram a lançar a perturbação nalgumas fileiras, cedo de mais se julgaram senhores da praça. Nem por isto os adeptos isolados deixaram de continuar sua obra, e diariamente, a ideia abre o seu caminho sem muito alarido... Eles é que fizeram o alarido... Não a vedes perpassar tudo, nos jornais, nos livros, no teatro e mesmo na cátedra? Ela trabalha todas as consciências; ela arrasta os Espíritos para novos horizontes; é encontrada no estado de intuição mesmo naqueles que dela não ouviram falar. Eis um fato que ninguém pode negar e que a cada dia se torna mais evidente. Não é a prova de que a ideia é irresistível e que ela é um sinal dos tempos?
Aniquilá-lo é, pois, uma coisa impossível, porque seria preciso aniquilá-lo não num ponto, mas no mundo inteiro; e depois, as ideias não são levadas nas asas do vento? E como atingi-las? Pode-se pegar pacotes de mercadorias na alfândega, mas as ideias são intangíveis.
Que fazer, então? Tentar apoderar-se delas, para acomodá-las à sua vontade... Pois bem! É o partido pelo qual se decidiram. Disseram de si para si: O Espiritismo é o precursor de uma revolução moral inevitável; antes que ela se realize completamente, tratemos de desviá-la em nosso proveito; façamos de maneira que aconteça com ela como com certas revoluções políticas; desnaturando o seu espírito, poder-se-ia imprimir-lhe outro curso.
Assim, o plano de campanha está mudado... Vereis formarem-se reuniões espíritas cujo objetivo confessado será a defesa da Doutrina, e cujo objetivo secreto será a sua destruição; supostos médiuns que terão comunicações encomendadas, adequadas ao fim que se propõem; publicações que, sob o manto do Espiritismo, esforçar-se-ão para o demolir; doutrinas que lhe tomarão algumas ideias, mas com o pensamento de suplantá-lo. Eis a luta, a verdadeira luta que ele terá de sustentar, e que será perseguida encarniçadamente, mas da qual ele sairá vitorioso e mais forte.
Que podem os homens contra a vontade de Deus? É possível desconhecê-la ante o que se passa? Seu dedo não é visível nesse progresso que desafia todos os ataques, nesses fenômenos que surgem de todos os lados como um protesto, como um desmentido dado a todas as negações?... A vida dos homens, a sorte da Humanidade não está em suas mãos?... Cegos!... Eles não contam com a nova geração que se ergue e que diariamente supera a geração que se vai... Ainda alguns anos e esta terá desaparecido, não deixando depois de si senão a lembrança de suas tentativas insensatas para deter o impulso do espírito humano, que avança a despeito de tudo... Eles não contam com os acontecimentos que vão apressar o desabrochar do novo período humanitário... com apoios que se vão erguer em favor da nova doutrina cuja voz poderosa imporá silêncio aos seus detratores por sua autoridade.
Oh! Como estará mudada a face do mundo para aqueles que virem o começo do próximo século!... Quanta ruína eles verão em sua retaguarda, e que esplêndidos horizontes abrir-se-ão à sua frente!... Será como a aurora afugentando as sombras da noite... Aos ruídos, aos tumultos, aos rugidos da tempestade sucederão cantos de alegria; depois das angústias, os homens renascerão para a esperança... Sim! O século XX será um século abençoado, porque verá a era nova anunciada pelo Cristo.
NOTA: Aqui o médium para, dominado por indizível emoção, e como que esgotado de fadiga. Após alguns minutos de repouso, durante os quais parece voltar ao grau de sonambulismo ordinário, ele retoma:
─ O que eu vos dizia eu então? ─ Vós nos faláveis do novo plano de campanha dos adversários do Espiritismo; depois falastes da era nova. ─ Continuo.
Enquanto esperam, disputam o terreno palmo a palmo. Eles renunciaram pouco mais ou menos às armas de outros tempos, cuja ineficácia reconheceram; agora ensaiam as que são onipotentes neste século de egoísmo, de orgulho e de cupidez: o ouro, a sedução do amor-próprio. Junto aos que são inacessíveis ao medo, exploram a vaidade, as necessidades terrenas. Aquele que resistiu à ameaça, às vezes dá ouvidos complacentes à adulação, ao gosto do bem-estar material... Prometem pão ao que o não o tem; trabalho ao artesão; freguesia ao negociante; promoção ao empregado; honras aos ambiciosos, se renunciarem às suas crenças. Ferem-no em sua posição, em seus meios de existência, em suas afeições, se forem indóceis; depois, a miragem do ouro produz sobre alguns o seu efeito ordinário. Entre esses encontram-se, necessariamente, alguns caracteres fracos que sucumbem à tentação. Há os que caem na armadilha de boa-fé, porque a mão que os manobra se esconde... Há também, e muitos, que cedem à dura necessidade, mas que não pensam menos nisso; sua renúncia é apenas aparente; eles se vergam, mas para se erguerem na primeira ocasião... Outros, aqueles que no mais alto grau têm a verdadeira coragem da fé, enfrentam o perigo resolutamente; esses vencem sempre, porque são sustentados pelos bons Espíritos... Alguns, ah!... mas estes jamais foram espíritas de coração... preferem o ouro da Terra ao ouro do Céu; eles ficam, pela forma, ligados à doutrina, e sob esse manto, apenas servem melhor à causa de seus inimigos... É uma triste troca que eles fazem, e que pagarão bem caro!
Nos tempos de cruéis provas que ides atravessar, felizes aqueles sobre os quais se estender a proteção dos bons Espíritos, porque jamais ela foi tão necessária!... Orai pelos irmãos desgarrados, a fim de que aproveitem os curtos instantes de moratória que lhes são concedidos, antes que a justiça do Altíssimo pese sobre eles... Quando eles virem rebentar a tempestade, mais de um pedirá graça!... Mas lhes será respondido: Que fizestes dos nossos ensinamentos? Como médiuns, não escrevestes centenas de vezes a vossa própria condenação?... Tivestes a luz e não a aproveitastes! Nós vos tínhamos dado um abrigo; por que o abandonastes? Sofrei, pois, a sorte daqueles que preferistes. Se vosso coração tivesse sido tocado por nossas palavras, teríeis ficado firmes no caminho do bem que vos era traçado; se tivésseis tido fé, teríeis resistido às seduções estendidas ao vosso amor-próprio e à vossa vaidade. Então acreditastes poder no-las impor, como aos homens, por falsas aparências? Sabei, se duvidastes, que não há um só movimento da alma que não tenha seu contragolpe no mundo dos Espíritos.
Credes que seja por nada que se desenvolve a faculdade da vidência em tão grande número de pessoas? Que seja para oferecer um alimento à curiosidade que hoje tantos médiuns adormecem espontaneamente em sono de êxtase? Não. Desenganei-vos. Esta faculdade, que há tanto tempo vos é anunciada, é um sinal característico dos tempos que são chegados; é um prelúdio da transformação, porque, como vos foi dito, este deve ser um dos atributos da nova geração. Essa geração, mais depurada moralmente, sê-lo-á também fisicamente. A mediunidade, sob todas as formas, será mais ou menos geral, e a comunhão com os Espíritos um estado, por assim dizer, normal.
Deus envia a faculdade de vidência nesses momentos de crise e de transição, para dar aos seus fiéis servidores um meio de frustrar a trama de seus inimigos, porque os maus pensamentos que eles julgam escondidos na sombra dos refolhos da consciência, repercutem nessas almas sensíveis como num Espelho, e se desvelam por si mesmos. Aquele que só emite bons pensamentos não teme que os conheçam.
Feliz aquele que pode dizer: Lede em minha alma como num livro aberto.
OBSERVAÇÃO: O sonambulismo espontâneo, do qual já falamos, não é, com efeito, senão uma forma de mediunidade vidente, cujo desenvolvimento era anunciado há já algum tempo, assim como o aparecimento de novas aptidões mediúnicas. É notável que em todos os momentos de crise geral ou de perseguição, as pessoas dotadas dessa faculdade são mais numerosas do que nos tempos normais. Houve muitos no momento da revolução; os Calvinistas das Cévènes, perseguidos como animais selvagens, tinham numerosos videntes que os advertiam do que se passava ao longe; por este fato, e por ironia, eram qualificados de iluminados; hoje começa-se a compreender que a visão à distância e independente dos órgãos da visão pode bem ser um dos atributos da natureza humana, e o Espiritismo a explica pela faculdade expansiva e pelas propriedades da alma. Os fatos deste gênero de tal modo se multiplicaram, que já nos admiramos menos; o que outrora a alguns parecia milagre ou sortilégio é hoje considerado como efeito natural. É uma das mil vias pelas quais penetra o Espiritismo, de sorte que, se estancam uma fonte, ele ressurge por outros caminhos.
Então, esta faculdade não é nova, mas ela tende a se generalizar, sem dúvida pelo motivo indicado na comunicação acima, mas também como meio de provar aos incrédulos a existência do princípio espiritual. No dizer dos Espíritos, ela se tornaria mesmo endêmica, o que naturalmente se explicaria pela transformação moral da Humanidade, transformação que deverá produzir no organismo modificações que facilitarão a expansão da alma.
Como outras faculdades mediúnicas, esta pode ser explorada pelo charlatanismo. Assim, é bom manter-se em guarda contra a charlatanice que, por um motivo qualquer, poderia tentar simulá-la e, por todos os meios possíveis, assegurarse a boa-fé dos que dizem possuí-la. Além do desinteresse material e moral e da honorabilidade notória da pessoa, que são as primeiras garantias, convém observar com cuidado as condições e as circunstâncias nas quais se produz o fenômeno e ver se nada oferecem de suspeito.
Os Espiões
(Sociedade de Paris, 12 de julho de 1867 - Médium: Sr. Moin, em sono espontâneo)
Quando, em consequência de uma terrível convulsão da Humanidade, a Sociedade inteira se movia lentamente, abatida, esmagada e ignorando a causa de seu abatimento, alguns seres privilegiados, velhos veteranos do bem, colocando à disposição de todos a sua experiência da dificuldade de reproduzi-lo e acrescentando a isso o respeito que devia provocar sua conduta e sua posição, resolveram tentar aprofundar as causas dessa crise geral que atinge cada um em particular.
A era nova começa, e com ela o Espiritismo (Esta palavra foi criada; nada mais resta senão torná-la compreendida e cada um aprender a sua significação). O tempo impassível prossegue em sua marcha perene, e o Espiritismo, que já não é uma simples palavra, não tem mais que se fazer compreender: ele é compreendido!... Mas, alguns veteranos espíritas, esses criadores, esses missionários, estão sempre à testa do movimento... Seu pequeno batalhão é muito fraco em número, mas, paciência!... pouco a pouco ele ganha adeptos, e em breve será um exército, um exército de veteranos do bem, porque, em geral, o Espiritismo, em seu começo, em seus primeiros anos, quase não tocou senão os corações já gastos pelo atrito da vida, os corações que sofreram e pagaram, aqueles que levavam em germe os princípios do belo, do bem, do grande.
Descendo sucessivamente do velho à ideia madura, da idade madura à idade viril e da idade viril à adolescência, o Espiritismo infiltrou-se em todas as idades, como em todos os corações, em todas as religiões, em todas as seitas, em toda parte! A assimilação foi lenta, mas segura!... E hoje não temais que caia essa bandeira espírita, sustentada desde o início por uma mão firme e segura, porque hoje, as jovens falanges dos batalhões espíritas não gritam, como seus adversários: “Espaço aos jovens.” Não, eles não dizem: “Saí, velhos, para deixar os moços assumirem.” Eles não pedem senão um lugar no banquete da inteligência; senão o direito de se sentarem ao lado de seus vanguardeiros e de trazer seu óbolo ao grande todo. Hoje a juventude se viriliza; traz sua contribuição à idade madura, em troca da experiência desta última, em razão da grande lei da reciprocidade e das consequências do trabalho coletivo para a ciência, a moralidade, o bem; porque, em definitivo, se a ciência progride, em benefício de quem ela progride? Não são os corpos humanos que tiram proveito de todas as elucidações, de todos os problemas resolvidos, de todas as invenções? Isto beneficia a todos, assim como se progredirdes em moralidade, isso beneficiará a todos os Espíritos. Hoje, portanto, os jovens e os velhos são iguais perante o progresso e devem combater lado a lado por sua realização.
O batalhão tornou-se um exército, exército invulnerável, mas que deve combater não um, mas milhares de adversários coligados contra ele. Assim, moços, trazei com confiança o ímpeto de vossas convicções, e vós, velhos, vossa sabedoria, vosso conhecimento dos homens e das coisas, vossa experiência sem ilusão.
O exército está em posição de batalha. Vossos inimigos são numerosos, mas não estão em vossa frente, face a face, peito contra peito. Eles estão por toda parte, na frente, atrás, ao vosso lado, em vosso meio, no vosso próprio coração, e não tendes para combatê-lo senão vossa boa vontade, vossas consciências leais e vossas tendências para o bem. Desses exércitos coligados, um se chama orgulho e os outros são a ignorância, o fanatismo, a superstição, a preguiça, os vícios de toda natureza.
Vosso exército, que deve combater de frente, também deve saber lutar em particular, porque não sereis um contra um, mas um contra dez!... Que bela vitória a conquistar!... Então! Se combaterdes todos em massa, com a esperança de triunfar, inicialmente combatei contra vós mesmos, dominai vossas más tendências. Hipócritas, adquiri sinceridade; preguiçosos, tornai-vos trabalhadores; orgulhosos, sede humildes. Estendei a mão à lealdade vestida com uma blusa em frangalhos, e todos, solidariamente, tomai e sustentai o compromisso de fazer a outrem o que queríeis que vos fosse feito. Assim, não gritemos: Espaço para jovens, mas lugar para tudo o que é belo, bem; para tudo o que tende a aproximar-se da Divindade.
Hoje começa-se a tomar em consideração esse pobre Espiritismo, que diziam natimorto. Nele veem um inimigo sério, mas por quê?... Não temiam, no começo, aquele menino franzino; riam-se de seus esforços impotentes, mas hoje, que o menino tornou-se homem, temem-no, porque ele tem a força da idade viril. É que ele reuniu em torno de si homens de todas as idades, de todas as posições sociais, de todos os graus de inteligência, que compreendem que a sabedoria, o conhecimento adquirido, pode tão bem residir no coração de um moço de vinte anos quanto no cérebro de um homem de sessenta.
Portanto, hoje esse pobre Espiritismo é temido, respeitado. Não ousam vir de frente, medir-se com ele; tomam pelos desvios, o caminho dos covardes!... Eles não vêm à luz do dia dizer-lhe: Tu não existes; eles vêm no meio de seus partidários, falar como eles, fazer como eles, aplaudir e aprovar tudo quanto eles fazem enquanto estão com eles, para combatê-los e traí-los quando estiverem pelas costas. Sim, eis o que fazem hoje! No começo diziam na cara o que pensavam do menino magricela, mas hoje não ousam mais, porque ele cresceu e, contudo, jamais ele mostrou os dentes.
Se me dizem que vos diga isto, embora me seja sempre penoso, é que isto tinha a sua utilidade; nada, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhuma entonação de voz se efetua sem que haja uma razão de ser e que não traga seu contingente ao equilíbrio geral. A administração dos correios lá do alto é muito mais inteligente e mais completa que a da vossa Terra. Toda palavra vai ao seu destino, ao seu endereço, sem envelope, ao passo que entre vós a carta sem envelope não chega nunca.
OBSERVAÇÃO: A comunicação acima, como se vê, é uma aplicação do que foi dito na precedente, sobre o efeito da faculdade de vidência, e esta não é a única vez em que nos foi dado constatar os serviços que essa faculdade é chamada a prestar. Não quer dizer que seja preciso juntar uma fé cega a tudo quanto pode ser dito em casos semelhantes; seria tão imprudente crer sem reservas no primeiro que aparecesse, quanto desprezar os avisos que podem ser dados por essa via. O grau de confiança que se pode a isso conceder depende das circunstâncias. Essa faculdade requer ser estudada. Antes de tudo, é preciso agir com circunspecção e evitar um julgamento precipitado.
Quanto ao fundo da comunicação, sua coincidência com a que foi dada cinco meses antes, através de outro médium e em outro meio, é um fato digno de nota, e sabemos que instruções análogas são dadas em diversos centros. Assim, é prudente manter reserva em relação às pessoas sobre cuja sinceridade não se tem toda a razão de estar convicto. Sem dúvida os espíritas não têm senão princípios altamente confessáveis; nada têm a ocultar; mas o que têm a temer é ver suas palavras desnaturadas e suas intenções mascaradas; são as armadilhas preparadas à sua boa-fé por pessoas que defendem o falso para saber a verdade; que, sob a aparência de um zelo muito exagerado para ser sincero, tentam arrastar os grupos por um caminho comprometedor, quer para lhes suscitar embaraços, quer para lançar o desfavor sobre a doutrina.
A era nova começa, e com ela o Espiritismo (Esta palavra foi criada; nada mais resta senão torná-la compreendida e cada um aprender a sua significação). O tempo impassível prossegue em sua marcha perene, e o Espiritismo, que já não é uma simples palavra, não tem mais que se fazer compreender: ele é compreendido!... Mas, alguns veteranos espíritas, esses criadores, esses missionários, estão sempre à testa do movimento... Seu pequeno batalhão é muito fraco em número, mas, paciência!... pouco a pouco ele ganha adeptos, e em breve será um exército, um exército de veteranos do bem, porque, em geral, o Espiritismo, em seu começo, em seus primeiros anos, quase não tocou senão os corações já gastos pelo atrito da vida, os corações que sofreram e pagaram, aqueles que levavam em germe os princípios do belo, do bem, do grande.
Descendo sucessivamente do velho à ideia madura, da idade madura à idade viril e da idade viril à adolescência, o Espiritismo infiltrou-se em todas as idades, como em todos os corações, em todas as religiões, em todas as seitas, em toda parte! A assimilação foi lenta, mas segura!... E hoje não temais que caia essa bandeira espírita, sustentada desde o início por uma mão firme e segura, porque hoje, as jovens falanges dos batalhões espíritas não gritam, como seus adversários: “Espaço aos jovens.” Não, eles não dizem: “Saí, velhos, para deixar os moços assumirem.” Eles não pedem senão um lugar no banquete da inteligência; senão o direito de se sentarem ao lado de seus vanguardeiros e de trazer seu óbolo ao grande todo. Hoje a juventude se viriliza; traz sua contribuição à idade madura, em troca da experiência desta última, em razão da grande lei da reciprocidade e das consequências do trabalho coletivo para a ciência, a moralidade, o bem; porque, em definitivo, se a ciência progride, em benefício de quem ela progride? Não são os corpos humanos que tiram proveito de todas as elucidações, de todos os problemas resolvidos, de todas as invenções? Isto beneficia a todos, assim como se progredirdes em moralidade, isso beneficiará a todos os Espíritos. Hoje, portanto, os jovens e os velhos são iguais perante o progresso e devem combater lado a lado por sua realização.
O batalhão tornou-se um exército, exército invulnerável, mas que deve combater não um, mas milhares de adversários coligados contra ele. Assim, moços, trazei com confiança o ímpeto de vossas convicções, e vós, velhos, vossa sabedoria, vosso conhecimento dos homens e das coisas, vossa experiência sem ilusão.
O exército está em posição de batalha. Vossos inimigos são numerosos, mas não estão em vossa frente, face a face, peito contra peito. Eles estão por toda parte, na frente, atrás, ao vosso lado, em vosso meio, no vosso próprio coração, e não tendes para combatê-lo senão vossa boa vontade, vossas consciências leais e vossas tendências para o bem. Desses exércitos coligados, um se chama orgulho e os outros são a ignorância, o fanatismo, a superstição, a preguiça, os vícios de toda natureza.
Vosso exército, que deve combater de frente, também deve saber lutar em particular, porque não sereis um contra um, mas um contra dez!... Que bela vitória a conquistar!... Então! Se combaterdes todos em massa, com a esperança de triunfar, inicialmente combatei contra vós mesmos, dominai vossas más tendências. Hipócritas, adquiri sinceridade; preguiçosos, tornai-vos trabalhadores; orgulhosos, sede humildes. Estendei a mão à lealdade vestida com uma blusa em frangalhos, e todos, solidariamente, tomai e sustentai o compromisso de fazer a outrem o que queríeis que vos fosse feito. Assim, não gritemos: Espaço para jovens, mas lugar para tudo o que é belo, bem; para tudo o que tende a aproximar-se da Divindade.
Hoje começa-se a tomar em consideração esse pobre Espiritismo, que diziam natimorto. Nele veem um inimigo sério, mas por quê?... Não temiam, no começo, aquele menino franzino; riam-se de seus esforços impotentes, mas hoje, que o menino tornou-se homem, temem-no, porque ele tem a força da idade viril. É que ele reuniu em torno de si homens de todas as idades, de todas as posições sociais, de todos os graus de inteligência, que compreendem que a sabedoria, o conhecimento adquirido, pode tão bem residir no coração de um moço de vinte anos quanto no cérebro de um homem de sessenta.
Portanto, hoje esse pobre Espiritismo é temido, respeitado. Não ousam vir de frente, medir-se com ele; tomam pelos desvios, o caminho dos covardes!... Eles não vêm à luz do dia dizer-lhe: Tu não existes; eles vêm no meio de seus partidários, falar como eles, fazer como eles, aplaudir e aprovar tudo quanto eles fazem enquanto estão com eles, para combatê-los e traí-los quando estiverem pelas costas. Sim, eis o que fazem hoje! No começo diziam na cara o que pensavam do menino magricela, mas hoje não ousam mais, porque ele cresceu e, contudo, jamais ele mostrou os dentes.
Se me dizem que vos diga isto, embora me seja sempre penoso, é que isto tinha a sua utilidade; nada, nenhuma palavra, nenhum gesto, nenhuma entonação de voz se efetua sem que haja uma razão de ser e que não traga seu contingente ao equilíbrio geral. A administração dos correios lá do alto é muito mais inteligente e mais completa que a da vossa Terra. Toda palavra vai ao seu destino, ao seu endereço, sem envelope, ao passo que entre vós a carta sem envelope não chega nunca.
OBSERVAÇÃO: A comunicação acima, como se vê, é uma aplicação do que foi dito na precedente, sobre o efeito da faculdade de vidência, e esta não é a única vez em que nos foi dado constatar os serviços que essa faculdade é chamada a prestar. Não quer dizer que seja preciso juntar uma fé cega a tudo quanto pode ser dito em casos semelhantes; seria tão imprudente crer sem reservas no primeiro que aparecesse, quanto desprezar os avisos que podem ser dados por essa via. O grau de confiança que se pode a isso conceder depende das circunstâncias. Essa faculdade requer ser estudada. Antes de tudo, é preciso agir com circunspecção e evitar um julgamento precipitado.
Quanto ao fundo da comunicação, sua coincidência com a que foi dada cinco meses antes, através de outro médium e em outro meio, é um fato digno de nota, e sabemos que instruções análogas são dadas em diversos centros. Assim, é prudente manter reserva em relação às pessoas sobre cuja sinceridade não se tem toda a razão de estar convicto. Sem dúvida os espíritas não têm senão princípios altamente confessáveis; nada têm a ocultar; mas o que têm a temer é ver suas palavras desnaturadas e suas intenções mascaradas; são as armadilhas preparadas à sua boa-fé por pessoas que defendem o falso para saber a verdade; que, sob a aparência de um zelo muito exagerado para ser sincero, tentam arrastar os grupos por um caminho comprometedor, quer para lhes suscitar embaraços, quer para lançar o desfavor sobre a doutrina.
A responsabilidade moral
(Sociedade de Paris, 7 de julho de 1867 - Médium: Sr. Nivard)
Assisto a todas as tuas conversas mentais, mas sem dirigi-las; teus pensamentos são emitidos em minha presença, mas eu não os provoco. É o pressentimento dos casos que têm alguma chance de se apresentar que faz nascerem em ti os pensamentos adequados à solução das dificuldades que eles poderiam te suscitar. Aí está o livre-arbítrio; é o exercício do Espírito encarnado, tentando resolver problemas que provoca para si mesmo.
Com efeito, se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de haver seguido os bons. Ora, essa responsabilidade e esse mérito evidentemente seriam menores do que se fossem resultado do pleno exercício do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito que, nesse caso, age sem qualquer solicitação.
Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam, são o resultado do exercício intelectual, da mesma forma que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal.
Daí não se deve concluir que o homem não é assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que os cercam, muito pelo contrário; os Espíritos, sejam benevolentes ou malévolos, são muitas vezes a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos, mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, quando agis, julgais fazê-lo em virtude do vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e aqueles que realizais sob a influência dos Espíritos, senão no grau do mérito ou da responsabilidade.
Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que este princípio que enuncio não necessita de demonstração. Para prová-lo bastar-me-á fazer uma comparação com o que acontece entre vós.
Se um homem cometeu um crime, e se o tiver cometido seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre aquele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo, concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; ela irá mais longe, porquanto punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime, e sem haver contribuído de outra maneira, esse homem será mais severamente punido do que aquele que foi apenas o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que ensejou execução. Então! Se os homens, neste caso, reduzem a responsabilidade do criminoso e a partilham com o infame que o impeliu a cometer o crime, como queríeis que Deus, que é a própria justiça, não fizesse o mesmo, sendo que vossa razão vos diz que é justo agir assim?
No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade, e pode demonstrar-se invertendo a proposição.
Assim, pois, quando te acontece refletir e transitar com as tuas ideias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando tu analisas, quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem. Eles aí estão, perto de ti, e te escutam; eles veem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplicado quando veem que tuas conclusões estão de acordo com a verdade.
Por vezes lhes ocorre, evidentemente, de se imiscuírem nesse exercício, quer para facilitá-lo, quer para dar ao Espírito alguns estímulos, ou lhe criar algum embaraço, a fim de tornar essa ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica. Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.
Teu pai, que vela por ti, e que está feliz por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave doença).
LOUIS NIVARD.
Com efeito, se os homens só tivessem as ideias que os Espíritos lhes inspiram, teriam pouca responsabilidade e pouco mérito; só teriam a responsabilidade de haver escutado maus conselhos, ou o mérito de haver seguido os bons. Ora, essa responsabilidade e esse mérito evidentemente seriam menores do que se fossem resultado do pleno exercício do livre-arbítrio, isto é, de atos realizados na plenitude do exercício das faculdades do Espírito que, nesse caso, age sem qualquer solicitação.
Resulta do que digo que muitas vezes os homens têm pensamentos que lhes são essencialmente próprios, e que os cálculos a que se entregam, os raciocínios que fazem, as conclusões a que chegam, são o resultado do exercício intelectual, da mesma forma que o trabalho manual é o resultado do exercício corporal.
Daí não se deve concluir que o homem não é assistido em seus pensamentos e em seus atos pelos Espíritos que os cercam, muito pelo contrário; os Espíritos, sejam benevolentes ou malévolos, são muitas vezes a causa provocadora dos vossos atos e pensamentos, mas ignorais completamente em que circunstâncias se produz essa influência, de sorte que, quando agis, julgais fazê-lo em virtude do vosso próprio movimento: vosso livre-arbítrio fica intacto; não há diferença entre os atos que realizais sem serdes a eles impelidos, e aqueles que realizais sob a influência dos Espíritos, senão no grau do mérito ou da responsabilidade.
Num e noutro caso, a responsabilidade e o mérito existem, mas, repito, não existem no mesmo grau. Creio que este princípio que enuncio não necessita de demonstração. Para prová-lo bastar-me-á fazer uma comparação com o que acontece entre vós.
Se um homem cometeu um crime, e se o tiver cometido seduzido pelos conselhos perigosos de outro homem que sobre aquele exerce muita influência, a justiça humana saberá reconhecê-lo, concedendo-lhe o benefício das circunstâncias atenuantes; ela irá mais longe, porquanto punirá o homem cujos conselhos perniciosos provocaram o crime, e sem haver contribuído de outra maneira, esse homem será mais severamente punido do que aquele que foi apenas o instrumento, porque foi seu pensamento que concebeu o crime, e sua influência sobre um ser mais fraco que ensejou execução. Então! Se os homens, neste caso, reduzem a responsabilidade do criminoso e a partilham com o infame que o impeliu a cometer o crime, como queríeis que Deus, que é a própria justiça, não fizesse o mesmo, sendo que vossa razão vos diz que é justo agir assim?
No que concerne ao mérito das boas ações, que eu disse ser menor se o homem tiver sido solicitado a praticá-las, é a contrapartida do que acabo de dizer a respeito da responsabilidade, e pode demonstrar-se invertendo a proposição.
Assim, pois, quando te acontece refletir e transitar com as tuas ideias de um a outro assunto; quando discutes mentalmente sobre os fatos que prevês ou que já se realizaram; quando tu analisas, quando raciocinas e quando julgas, não crês que sejam Espíritos que te ditam teus pensamentos ou que te dirigem. Eles aí estão, perto de ti, e te escutam; eles veem com prazer esse exercício intelectual, ao qual te entregas; seu prazer é duplicado quando veem que tuas conclusões estão de acordo com a verdade.
Por vezes lhes ocorre, evidentemente, de se imiscuírem nesse exercício, quer para facilitá-lo, quer para dar ao Espírito alguns estímulos, ou lhe criar algum embaraço, a fim de tornar essa ginástica intelectual mais proveitosa a quem a pratica. Mas, em geral, o homem que busca, quando entregue às suas reflexões, quase sempre age só, sob o olhar vigilante de seu Espírito protetor, que intervém se o caso for bastante grave para tornar necessária a sua intervenção.
Teu pai, que vela por ti, e que está feliz por te ver quase restabelecido. (O médium saía de uma grave doença).
LOUIS NIVARD.
Reclamação ao jornal "La marionnette"
La Marionnette, novo jornal de Lyon, tinha publicado o artigo abaixo em seu número de 30 de junho último:
“Assinalamos a chegada a Lyon do museu antropológico e etnológico do Sr. A. Neger, sucessor do Sr. Th. Petersen.
“Entre outras coisas extraordinárias, veem-se nesse museu de cera:
“1º ─ uma infortunada princesa da costa de Coromandel que, casada com um grande chefe de tribo, teve a infâmia de esquecer os seus deveres conjugais com um europeu muito sedutor e que veio morrer em Londres de uma doença de languidez;
“2º ─ triquinas vinte vezes maiores do que o natural, em todas as fases de sua existência, desde a mais tenra infância até a mais extrema velhice;
“3º ─ a célebre mexicana Julia Pastrana, falecida de parto em Moscou, no ano da graça de 1860.
“Não é sem legítima admiração que soubemos dessa morte prematura ─ tendo em vista que em 1865 Julia Pastrana entregava-se a exercícios equestres num circo cujas representações se davam no Passeio Napoleão.
“Como uma mulher falecida em 1860 pode romper círculos de papel em 1865? Isto dá o que pensar!
“ALLAN KARDEC.”
Este número nos foi remetido e nós dirigimos ao diretor a reclamação seguinte:
Senhor,
Enviaram-me o número 6 do vosso jornal, onde se encontra um artigo assinado: Allan Kardec. Penso não ter homônimo; em todo caso, como só respondo pelo que escrevo, peço-vos a bondade de inserir a presente carta no vosso próximo número, a fim de informar aos vossos leitores que o Sr. Allan Kardec, autor de O Livro dos Espíritos, nada tem a ver com o artigo que leva o seu nome e que não autoriza ninguém a se servir dele.
Recebei, senhor, minhas respeitosas saudações.
ALLAN KARDEC.
O diretor do jornal imediatamente nos respondeu o seguinte:
Senhor,
Nosso amigo Acariâtre, autor do artigo assinado por engano com o vosso nome, já reclamou do descuido do revisor. Eis a frase: Isto faz sonhar Allan Kardec, alusão ao Espiritismo. Os embelezamentos de Lyon são todos assinados por Acariâtre. Em nosso próximo número retificaremos esse engano.
Recebei, senhor, minhas respeitosas saudações.
E. B. LABAUME.
NOTA: Esse jornal sai aos domingos. Curso Lafayette, 5 - Lyon.
ALLAN KARDEC.
“Assinalamos a chegada a Lyon do museu antropológico e etnológico do Sr. A. Neger, sucessor do Sr. Th. Petersen.
“Entre outras coisas extraordinárias, veem-se nesse museu de cera:
“1º ─ uma infortunada princesa da costa de Coromandel que, casada com um grande chefe de tribo, teve a infâmia de esquecer os seus deveres conjugais com um europeu muito sedutor e que veio morrer em Londres de uma doença de languidez;
“2º ─ triquinas vinte vezes maiores do que o natural, em todas as fases de sua existência, desde a mais tenra infância até a mais extrema velhice;
“3º ─ a célebre mexicana Julia Pastrana, falecida de parto em Moscou, no ano da graça de 1860.
“Não é sem legítima admiração que soubemos dessa morte prematura ─ tendo em vista que em 1865 Julia Pastrana entregava-se a exercícios equestres num circo cujas representações se davam no Passeio Napoleão.
“Como uma mulher falecida em 1860 pode romper círculos de papel em 1865? Isto dá o que pensar!
“ALLAN KARDEC.”
Este número nos foi remetido e nós dirigimos ao diretor a reclamação seguinte:
Senhor,
Enviaram-me o número 6 do vosso jornal, onde se encontra um artigo assinado: Allan Kardec. Penso não ter homônimo; em todo caso, como só respondo pelo que escrevo, peço-vos a bondade de inserir a presente carta no vosso próximo número, a fim de informar aos vossos leitores que o Sr. Allan Kardec, autor de O Livro dos Espíritos, nada tem a ver com o artigo que leva o seu nome e que não autoriza ninguém a se servir dele.
Recebei, senhor, minhas respeitosas saudações.
ALLAN KARDEC.
O diretor do jornal imediatamente nos respondeu o seguinte:
Senhor,
Nosso amigo Acariâtre, autor do artigo assinado por engano com o vosso nome, já reclamou do descuido do revisor. Eis a frase: Isto faz sonhar Allan Kardec, alusão ao Espiritismo. Os embelezamentos de Lyon são todos assinados por Acariâtre. Em nosso próximo número retificaremos esse engano.
Recebei, senhor, minhas respeitosas saudações.
E. B. LABAUME.
NOTA: Esse jornal sai aos domingos. Curso Lafayette, 5 - Lyon.
ALLAN KARDEC.